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FORJANDO IDENTIDADES: A EDUCAÇÃO DOS IMIGRANTES

"ITALIANOS" EM CURITIBA NO SÉCULO XIX

Ariclê Vechia
Programa de Pós-Graduação em Educação
Universidade Tuiuti do Paraná

Com a emancipação política do Paraná em 1853, Curitiba foi escolhida como


capital da recém-criada Província. Nessa condição, a cidade começou a propiciar muitas
chances econômicas, passando a atrair imigrantes anteriormente fixados em outras
regiões do Império. Esse processo de reimigração foi estimulado pelo governo provincial
que necessitava de pessoal para o desenvolvimento do comércio, da agricultura, bem
como para o exercício das profissões liberais. Em conseqüência, Curitiba vivenciou um
crescimento populacional inusitado.
Na década de 1870, a política imigratória paranaense foi dinamizada. O
Governo do Paraná passou a colocar em prática um plano de colonização calcado no
estabelecimento de núcleos agrícolas nas proximidades dos centros urbanos. A partir
de 1878, a região de Curitiba passou a receber levas sucessivas de imigrantes italianos
anteriormente fixados no litoral. Em consonância com a política imigratória, em 1872,
o presidente Venâncio José Lisboa contratou com o empresário Sabino Tripodi a
introdução e o estabelecimento de colonos italianos nos Municípios de Paranaguá e
Morretes. A primeira leva chegou à colônia Alexandra em 1875, sendo que outras
chegaram nos anos subseqüentes. Esses imigrantes logo ficaram desiludidos com as
condições encontradas. A realidade era bem diferente da descrita na carta de Tripodi
distribuída na Itália – all’ Amico Colono, impressa no Rio de Janeiro em 1873, para
atrair colonos, a qual propalava a fertilidade das terras, a abundância do ouro e de
dinheiro. Ao invés disso, o colono encontrou um clima muito quente e úmido, mata
densa e um terreno acidentado – difícil de ser cultivado, mosquitos, bichos-de-pé,
enfim, segundo MARCONE, condições que tornavam “se não impossível, muito difícil
a vida de um homem, sobretudo do imigrante”.1 Descontentes, suplicaram ao
Imperador Dom Pedro II que fossem transferidos para o planalto curitibano.

1MARCONE, N. Gli italiani al brasile. Roma : Tip. Romana, 1877, p.22-24 (trad. livre).
2

Não demorou para que o Governo Imperial expedisse ordens ao


Conselheiro Jesuíno Marcondes, então presidente da Província, para que tratasse de
localizá-los nos arredores da capital. Sendo assim, inúmeras famílias passaram a se fixar
no centro urbano, na região das ruas América, São Francisco, Riachuelo, Presidente
Farias e Aquidaban e na região das Mercês e do Bigorrilho ou na região sul da cidade, à
rua Ivaí, Iguaçu, Silva Jardim e Sete de Setembro. Essas pessoas eram, principalmente,
comerciantes, marceneiros, carpinteiros, profissionais liberais, enfim, exerciam
profissões diversas. Já os que se dedicavam à agricultura fixaram-se ao lado de
imigrantes de outras nacionalidades em colônias já existentes, como as do Pilarzinho e
Argelina. Ainda outros, foram localizados em colônias criadas para tal fim, como a de
Alfredo Chaves. Algumas famílias adquiriram terrenos da municipalidade de Curitiba,
na região da Água Verde, constituindo uma colônia de povoamento espontâneo – a
colônia Dantas, sendo que outras, que possuíam algum dinheiro, adquiriram terrenos de
particulares, dentro e fora do município de Curitiba. Neste caso, enquadram-se os
colonos que adquiriram terras na região denominada Taquaral, distante sete quilômetros
do centro urbano formando a colônia de Santa Felicidade. Na década de 1880, outros
tantos foram se fixando, quer no centro urbano, nas colônias já formadas ou nas recém-
criadas colônias Santa Gabriela e Antônio Prado.
Esses colonos, em geral, eram da região do Vêneto que trouxeram consigo
suas tradições, hábitos e costumes. Contudo, a diversidade de ordem social, política,
econômica, religiosa e educacional determinou que os imigrantes do centro urbano e os
das colônias seguissem ritmos distintos no que tange a organização social e cultural.
Nas colônias italianas, o processo de recriação de sua forma de vida foi
similar ao que ocorreu nos demais núcleos de imigração no sul do país. A vida
comunitária girava em torno da religião. O catolicismo foi mantido, inicialmente, no
âmbito familiar. Pouco a pouco, generalizou-se o costume de visita dominical aos
parentes e amigos, onde se fazia a evocação da terra natal e das tradições culturais e
religiosas. Na colônia Santa Felicidade, por exemplo, os colonos passaram a se reunir
na casa da família Giaretta e depois na Boscardin, onde, em oratórios domésticos,
realizavam suas preces, liam textos sagrados e ensinavam catecismo às crianças.
Estampas de santos e livros de oração ajudavam a reproduzir algumas práticas de
devoção tais como o roteiro das rezas e cantos sacros. Esses locais logo ficaram
pequenos, surgindo, então, a necessidade de edificar um local destinado
especificamente ao culto religioso. Desta forma, foi construída uma capela, onde, em
3

1883, foi celebrada a primeira missa, oficializada pelo Vigário de Curitiba, Padre José
Joaquim do Prado.2 Nas demais colônias, ressalvadas algumas peculiaridades, a
reconstrução do modo de vida seguiu o mesmo padrão.
Os colonos, contudo, passaram a solicitar assistência religiosa por parte de
padres italianos. Para atendê-los veio de São Paulo, em 1886, o padre Pedro
Colbacchini, que se tornou o superior dos escalabrinianos no Paraná, com faculdades
especiais concedidas pelo Bispo Diocesano, para casar colonos italianos em qualquer
paróquia em que residissem. O padre Colbacchini fixou residência na colônia Dantas
e a partir daí percorria os vários núcleos italianos da região.
Em 1887, o padre Colbacchini solicitou ao Bispo de São Paulo medidas
para regularizar o atendimento religioso das colônias. Por proposição da Vigaria Geral,
foi constituída uma Capelania Curada Italiana, sendo que, o que estabelecia sua
circunscrição era o número de pessoas domiciliadas nos núcleos e não os limites
territoriais.3 Os titulares da Capelania Curada eram os padres escalabrinianos de
orientação tridentina, acrescida da conotação ultramontana. A crença religiosa era
sustentada por princípios dogmáticos, rígidas normas éticas e tendo como maior
expressão da fé a prática sacramental ministrada pelo clero.4 Esse modelo de
catolicismo marcava de forma indelével as manifestações da vida cultural dos colonos.
Os imigrantes italianos do centro urbano, também passaram a se organizar
do ponto de vista social e cultural. Estabelecidos na cidade em 1878, já no ano de
1883 fundaram a primeira sociedade – Giuseppe Garibaldi – em homenagem ao
grande líder da unificação italiana em 1870. Em 20 de setembro do mesmo ano, os
dirigentes desta Sociedade organizaram uma festa em comemoração à tomada de
Roma. A festa foi uma demonstração pública do amor nutrido pela pátria de origem –
a Itália. A imprensa curitibana registrou o acontecimento.

2BALHANA, Altiva Pilatti. Santa Felicidade: uma paróquia vêneta no Brasil. Curitiba :
Fundação Cultural, 1978, p.29-30.

3Portaria
de 14 de fevereiro de 1888, livro 2, da Vigararia Geral Forense, p.118-123. In:
BALHANA, Altiva Pilatti, op. cit., p.31-32.

4AZZI, Riolando. Catolicismo de imigração. In: DREHER, Martin (org.). Imigrações e


história da igreja no Brasil. Aparecida, Santuário, 1993, p.70-71.
4

“A ilustre e patriótica Sociedade Beneficente Italiana desta capital,


comemorando o aniversário da triunfante entrada das tropas italianas em
Roma, reuniu-se na tarde de 20 do corrente para festejar aquela data
gloriosa para o povo italiano. [...] Durante o lunch a confraternização entre
todos era a mais perfeita: parecia que um sentimento íntimo de verdadeiro
patriotismo prendia os corações de cada conviva à idéia de um feito
glorioso para a Itália. [...] Durante a refeição muitos e entusiásticos vivas
foram erguidos: saudações diversas foram feitas e de cada coração sentia-
se irromperem-se radiantes chamas do mais puro patriotismo. [...] Pelo
ilustre Dr. Justiniano de Mello foi levantada uma saudação à memória do
grande Garibaldi. Nesta ocasião o entusiasmo foi delirante e os Srs. Pedro
Bruni e Affonso Netto cantaram maravilhosamente o belo hino de
Garibaldi. Esta festa patriótica teve o mais brilhantes desenlace. No meio
de um fogo santo de um patriotismo sincero, uma idéia luminosa, um
pensamento sublime e radiante, veio engrinaldar a fronte dos promotores
de tão esplêndida demonstração”.5

O lançamento da pedra fundamental da Sociedade em julho de 1887


transformou-se em motivo de exaltação da pátria e de seu herói – Giuseppe Garibaldi. Na
abertura da festa foi tocado o Hino Nacional Brasileiro e a Marcha Real Italiana. Depois
de muitos discursos exaltando o herói italiano Giuseppe Garibaldi, o presidente da
Província pronunciou um discurso “cheio de entusiasmo e de encorajamento com a sua
habitual eloqüência, fazendo com suas palavras vigorosas, animar o sentimento da
confraternização já existente e estreitada entre brasileiros e italianos”.6
Entre os imigrantes italianos, portanto, existia diferentes visões sobre a
questão da identidade étnica e cultural. Para muitos intelectuais de diferentes matizes
políticos e/ou ideológicos, liberais, anarquistas, maçons; a identidade étnica e cultural
tinha um cunho nacionalista; a italianidade deveria ser preservada pela exaltação dos
valores da pátria de origem. O cultivo da língua italiana era tido como elemento de

5GAZETA PARANAENSE. Curitiba, n.271, p.4, de 22 de setembro de 1883.

6Ibid, n.168, p.2, de 30 de julho de 1887.


5

preservação dessa identidade e a escola era vista como instrumento de preservação deste
elemento. Esse matiz patriótico era expresso em outras esferas. A primeira associação
fundada recebeu o nome de herói da pátria – Garibaldi e o dia 20 de setembro –
considerado o dia da Unificação Italiana – era sempre efusivamente comemorado.
Para a maioria dos imigrantes italianos agricultores, contudo, o essencial
de sua cultura estava contido na prática da religião, e em torno dessa prática eles
foram, através da memória coletiva, reconstituindo todos aqueles elementos que eles
se recordavam. E, na medida que transportavam para o Brasil a Itália que amavam,
foram esquecendo a Itália real. A Itália que amavam não era a de Vitor Emanuel, nem
a de Garibaldi – a Itália Unificada –, mas os lugarejos onde nasceram. À época da
imigração, a Itália era recém-unificada; o papa havia perdido os Estados Pontifícios e
os católicos estavam revoltados com a situação. Na Itália surgiu o antagonismo entre
italianos e católicos. Ser italiano era ser liberal, subversivo, anti-religioso; ser católico
era ser reacionário, adepto da monarquia absoluta. A maioria dos imigrantes eram
antes de tudo católicos, não podiam ser identificados como italianos. Sua identidade
cultural era a catolicidade e não a italianidade. A preservação da língua e dos
costumes não poderia adquirir um colorido nacionalista.7
Membros da Igreja Católica Romana e intelectuais italianos passaram a se
preocupar com essa questão e com a preservação da identidade cultural dos
imigrantes, surgindo três posições distintas em relação à questão. Grupos de religiosos
defendiam apenas a assistência espiritual aos imigrantes, sem qualquer conotação
política; intelectuais de posição liberal ou anarquista viam na ação da igreja, junto aos
imigrantes, um esforço de impedir sua conscientização política. Para eles o mais
importante era a causa da italianidade sem se preocupar com a fé. Finalmente, a
Congregação de São Carlos, fundada pelo Bispo Scalabrini e a Congregação
Salesiana, buscavam a união da fé com a italianidade. A Cúria Romana não aceitou
essa posição dentro da Itália, por isso Scalabrini procurou insistir no binômio

7MANFROI, Olívio. Imigração alemã e italiana – estudo comparativo, imigração


italiana: estudos. Caxias do Sul : USC/EST, 1979, p.192-193.
6

catolicismo e italianidade entre os imigrantes como meio de preservar a sua


identidade cultural.8
O superior da missão dos escalabrinianos em Curitiba, padre Pedro
Colbacchini, assumiu uma posição contrária à defendida pelo seu superior o Bispo
Scalabrini. Colbacchini passou a combater os italianos intelectuais, tanto maçons
como liberais residentes em Curitiba, que defendiam a Unificação Italiana
consolidade em 1870, gerando um conflito entre as partes.
Por ocasião do lançamento da pedra fundamental do edifício que iria
servir de sede para a Sociedade Garibaldi, o agente consular Ernesto Guaita rebateu
com veemência, o padre Colbacchini por sua atitude e ações contrárias à Sociedade e
às suas finalidades.

“Não posso deixar, nesta circunstância de deplorar como haja de


passagem sobre o horizonte de Curitiba uma nefasta ave notívaga, que,
com perfídia jesuítica abusando da influência que exerce sobre a
ignorância, procura atravessar o desenvolvimento da Sociedade Giuseppe
Garibaldi, acusando-a de maçônica e afastando dela os que mais precisam
de instrução”.9

Esta manifestação gerou um documento, organizado por Francisco


Bosato, Marco Ferarin, Luiz Bonato e demais apoiadores do padre, que ao mesmo
tempo em que repudiavam as declarações do Sr. Guaita, posicionavam-se contrários à
sua função de agente consular. O protesto contava com centenas de assinaturas dos
colonos radicados em Curitiba e São José dos Pinhais.

“Os abaixo-assinados imigrantes italianos [...] vêem cumprir o dever de


protestar contra tão irregular procedimento do dito seu compatriota, que de
nenhum modo exprime os sentimentos dos abaixo-assinados, que estão
acostumados a respeitar o padre Colbacchini – o verdadeiro apóstolo da
religião de Cristo, por seus sentimentos de caridade, de zelo, de desinteresse e

8AZZI, Riolando. Fé e italianidade: a atuação dos escalabrinianos e dos salesianos junto aos
imigrantes. In: BONI, Luiz S. (org.). A presença italiana no Brasil. v.1, Porto Alegre : EST, 1990,
p.63-85.

9GAZETA PARANAENSE. Curitiba, 30 de julho de 1887, n.168, p.2.


7

amor ao próximo [...]. Os abaixo-assinados sabem também que o mesmo Sr.


Guaita, juntamente com outros, quer mostrar-se aqui e na Itália como
representante da colônia italiana desta província e por sua parte aproveitam a
ocasião para protestarem contra esse fato, pois não têm esses senhores como
seus representantes. E quanto tivessem necessidade de se fazerem
representar, procurariam, para esse fim, alguém cujas crenças religiosas
fossem idênticas às suas o que não se dá com os aludidos senhores”.10

Dias após a divulgação desse documento, pela imprensa, um grupo de


imigrantes liderados por Stefano Nardi, Felipe Lombardi, Giuseppe Malsori, Stefano
Vecchia, Antonio Sbalchiero entre outros, lançou um contra-protesto. Segundo
afirmavam, foi com surpresa e indignação que viram suas assinaturas abaixo do
documento contrário ao Dr. Ernesto Guaita. Argumentavam que as mesmas foram
obtidas sob outros pretextos.11 Outrossim, deploravam as causas de tanta desunião
entre os patrícios, bem como, diziam apoiar o Sr. Guaita e dividir com ele as opiniões
e os sentimentos externados. Afirmavam confiar na instrução, na justiça e na
verdadeira religião católica que “é a religião de paz e união, e não de guerras
fraticidas e de desunião”.12 Esta polêmica resultou no rompimento completo das relações
entre o padre Colbacchini e o presidente da Sociedade Garibaldi, Giovanni Corghi.
Essas posições antagônicas com respeito à identidade cultural dos “italianos”
envolviam uma questão profunda – a educação das crianças da comunidade.
Segundo Ernesto Guaita, a sociedade tinha por finalidade a beneficência,
em seu sentido mais abrangente.

“[...] a nossa sociedade que tem por fim a beneficência não podia deixar de
pensar na fundação de uma escola que desse aos nossos filhos a instrução tão
necessária para o progresso dos povos – a beneficência, senhores, não
consiste somente em distribuir pão aos que caem na indigência, mas, também

10GAZETA PARANAENSE. Curitiba, 11 de agosto de 1887, n.178, p.2.

11GAZETA PARANAENSE. Curitiba, 21 de agosto de 1887, n.186, p.3. Segundo versão


oferecida, os apoiadores do padre não esclareceram o conteúdo do documento. Afirmavam apenas estar
coletando assinaturas dos que se consideravam católicos. Esse grupo considerava-se ludibriado, pois,
assinaram na boa fé de seus amigos.

12GAZETA PARANAENSE. Curitiba, 21 de agosto de 1887, n.186, p.3.


8

em distribuir o pão da instrução e da educação que, inoculando no espírito do


povo os deveres que tem para consigo mesmo e para com a sociedade,
desenvolve a sua atividade intelectual e previne a miséria”.13

Na ocasião, o presidente da Sociedade Garibaldi, Giovanni Corghi,


anunciou que o futuro edifício da Sociedade também sediaria a Escola Ítalo-Brasileira
que estava sendo fundada naquele dia e que receberia o nome da “augusta e gentil
rainha” – “Scuola Regina Margherita”. Reforçando as palavras de Guaita, Corghi
reafirmou os objetivos da sociedade “Doravante a nossa beneficência não será mais
limitada ao socorro mútuo, mas será nosso grato e precípuo dever tutelar e partir a
instrução primária aos nossos filhos, germe principal da civilizada virtude e da
laboriosa e honesta prosperidade”.14
A "Scuola Regina Margherita" posteriormente Giuseppe Garibaldi, tinha
por finalidade incentivar o ensino da língua italiana, como forma de preservar os
valores nacionais da Itália: seu herói – Giuseppe Garibaldi e o dia 20 de setembro –
data nacional. Esse objetivo foi, de fato, perseguido. O seu plano de estudos para o ano
de 1900 incluía: português, italiano, aritmética, geografia e história da Itália.15 A
escola era regida pelo professor João Pivato; estava dividida em duas secções: A
Dante Alighieri, situada na Praça Euphrasio Correia e a Giuseppe Garibaldi, no Alto
de São Francisco e atendia a 66 alunos de ambos os sexos.16
O padre Colbacchini ao combater os princípios norteadores da Sociedade
Garibaldi e sua Escola mais uma vez, se opunha ao seu superior, o Bispo Scalabrini. Em
1888, ao fundar o Instituto São Carlos, com o objetivo de prestar auxílio aos imigrantes
italianos, defendia entre suas missões específicas: ensinar, na escola, junto com as
primeiras noções de matemática, a língua materna e um pouco de história nacional para
manter vivo nos irmãos distantes o amor à Pátria e o desejo ardente de revê-la.17

13GAZETA PARANAENSE. Curitiba, 30 de julho de 1887, n.168, p.2.

14Ibid, p.3 (trad. livre).

15A REPUBLICA. Curitiba, 4 de dezembro de 1900. p.1


16A REPUBLICA. Curitiba, 4 de dezembro de 1900. p.1

17AZZI, Riolando. Fé e italianidade: a atuação dos Escalabrinianos e dos Salesianos junto


aos imigrantes. In: DE BONI, Luiz A. (org.). A presença italiana no Brasil. v.II, Porto Alegre :
EST., 1990.
9

Nas colônias dos arredores, a educação informal era ministrada no âmbito


familiar. Competia à mãe a educação dos filhos: o ensino do catecismo, as normas
morais, os valores familiares e as tarefas do lar. Ao pai cabia iniciá-los na sua atividade
econômica, quer fosse a agricultura, o comércio, o artesanato ou algum ofício.
Os colonos, no entanto, não se descuidavam da instrução formal de seus
filhos. O primeiro registro, de que se tem notícia de uma escola que atendia as
crianças italianas data de 1875. Tratava-se de uma escola pública "promíscua" na
Colônia Pilarzinho. Na Colônia Santa Felicidade funcionava, em 1885, uma escola
particular do professor Giaretta, freqüentada por 55 alunos de ambos os sexos. Na
Colônia Dantas foi aberta, em 1884, a escola particular da professora Jacomina
Stofella que atendia 61 alunos. Já na Colônia Alfredo Chaves funcionava uma escola
particular do professor Lovato. Em 1882, os colonos solicitavam, ao governo
provincial, uma escola pública para atender cerca de 140 crianças, menores de 14
anos. As demais colônias, via de regra, seguiram essa trajetória. As primeiras escolas
eram mantidas por membros da comunidade, posteriormente, essas escolas foram
subvencionadas pelo governo até a criação de escolas públicas, na região.18
Enquanto as crianças do centro urbano freqüentavam uma escola
formalmente organizada, onde aprendiam a língua italiana e cultuavam a Itália, as
crianças das colônias freqüentavam escolas de ler, escrever e contar, cujos professores
eram membros da comunidade, leigos, com alguma qualificação. O objetivo dessas
escolas era alfabetizar para que as crianças pudessem aprender a doutrina católica,
uma vez que, o catolicismo por eles praticado previa a alfabetização para o
aprendizado do catecismo. Não mantinham qualquer vínculo com o governo italiano e
o ensino não tinha qualquer conotação com a italianicidade.19
As divergências entre os imigrantes do centro urbano e o padre
Colbacchini se acirraram. O padre Colbacchini recebia apoio incondicional dos
colonos, dos arredores, pois eles eram, antes de tudo, católicos, não podiam ser

18VECHIA, Ariclê. imigração e educação em Curitiba: 1853-1889. São Paulo, 1998. Tese
(Doutorado) - USP. p.316-320.

19Em virtude da escassez de documentação, pouco se sabe sobre o funcionamento das


escolas particulares. Se o ensino era ministrado em italiano, português em um dialeto é uma questão
nebulosa. Em muitos casos, era mais fácil e útil aprender a língua portuguesa do que a italiana.
10

identificados com os nacionalistas. A influência do padre era muito forte, culminando


com a destituição de Ernesto Guaita do cargo de agente consular.

“Entre os nossos, existem aqueles que aqui foram trazidos pelo demônio.
Destes, sofri e sofro perseguições de toda espécie. Combati e venci o
agente consular, Sr. Ernesto Guaita, que num discurso público designava-
se como ave notívaga e perigosa para Curitiba. Saíram diversos artigos no
jornal e, por fim, impôs-se a Guaita de deixar, e mais tarde perder o cargo
oficial que ocupava. Agora aqui e ali existem aqueles que me querem
morto, ou porque lhes tirei a concubina, ou porque avisei a polícia das
perturbações que traziam a certos colonos”.20

Em outra carta enviada à sua Congregação, Colbacchini externava o


rancor existente entre as partes.

“Muitos ainda não viram o sacerdote italiano e todos o desejam, com


exceção de alguns que, trazidos aqui pelo diabo, não podendo morder,
latem contra mim com toda a força”.21

Os liberais, por sua vez, também combatiam a Igreja Católica, com


veemência. A intransigência de Colbacchini, no entanto, servia para aumentar o fosso
que separava católicos e liberais, impedindo qualquer forma de diálogo. Esta
divergência continuou por anos. As comemorações do dia 20 de setembro
continuavam acontecendo e eram sempre combatidas por Colbacchini. As posições
antagônicas com respeito à identidade cultural dificultavam a integração desses
imigrantes na sociedade curitibana, pois, cada facção procurava incutir em seus
adeptos os respectivos ideais cada vez com maior ardor. A educação, a um só tempo
fator e resultado das questões vivenciadas pela comunidade, auxiliava na manutenção
dos traços identificadores dos grupos envolvidos.

20COLBACCHINI. Carta enviada à Congregação Escalabriana em Roma em 24 de maio de


1888. Conforme AZZI, Riolando. Fé e italianidade: a atuação dos Escalabrinianos e dos Salesianos
junto aos imigrantes. In: DE BONI, Luiz A. (org.). A presença italiana no Brasil. v.II, Porto Alegre
: EST., 1990.

21Id, ibid.

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