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COMUNIDADES EM CONSTRUÇÃO: ESTRATégIAS DE TURqUIA

E bRASIl NA COOPERAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Magno Klein Silva

Introdução

Brasil e Turquia v̂m operando no sistema internacional como “doares emergentes”


na ́rea de Cooperã̧o Internacional para o Desenvolvimento (CID), em especial no
setor de educã̧o. Suas pŕticas, normalmente envoltas em discursos normativos a
respeito da cooperã̧o e da solidariedade internacional, também podem ser apontadas
como parte de uma estratégia de aproximã̧o junto a determinados páses com os
quais pretendem construir ou refoŗar percep̧̃o de unidade cultural ou regional, onde
estes páses despontariam como ĺderes.
Seguindo o quadro anaĺtico proposto por Beshara e Pinheiro (2012), buscaremos
compreender a cooperã̧o em educã̧o realizada por Brasil e Turquia com páses
parceiros como ferramentas de sua poĺtica externa. Os dois páses buscariam refoŗar
a aproximã̧o com outros páses utilizando­se da reconstrũ̧o da identidade regional
através da educã̧o. Brasil e Turquia buscaram afetar parcelas da populã̧o de páses
estrangeiros com o objetivo de difundir valores de toler̂ncia e diversidade e, principal­
mente, disseminar suas culturas nacionais.
No caso turco, houve nas recentes décadas uma aproximã̧o junto aos Estados
vizinhos da Ásia Menor, do Oriente Médio e do Ćucaso com que guarda rázes cultu­
rais comuns origińrias do antigo Império Turco­Otomano (1299­1922). O Brasil, em
uma pŕtica mais focada, vem se esfoŗando em criar uma unidade junto aos páses da
América do Sul e em especial com os parceiros do Mercosul. Ao longo da última década
também foi posśvel observar um esfoŗo de aproximã̧o junto aos membros da Comu­
nidade de Páses de Ĺngua Portuguesa, em especial aos africanos.

geografias

O pertencimento a um grupo ou a uma regĩo ño é algo geograficamente dado.


Mesmo nos locais em que as caracteŕsticas f́sicas do espa̧o tendem a aproximar

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alguns e afastar outros, ainda pode ser posśvel ño haver identidade comum entre os
atores. Regĩes e identidades nas relã̧es internacionais s̃o constrũ̧es sociais que
podem variar através da hist́ria. A Europa tem se mostrado um estudo de caso recor­
rente para entender esta perspectiva com seu esfoŗo de se construir enquanto unidade
regional, apesar das identidades nacionais de Fraņa, Alemanha, Polônia etc. Mesmo
o entendimento da regĩo como um continente refoŗa o discurso de uma hist́ria e
tradĩ̧o em comum: geograficamente, Europa e Ásia fazem parte da mesma massa
continental. A divis̃o entre dois lados foi formada historicamente, ainda que a preseņa
de elementos f́sicos, como os montes Urais, tenha sua parcela de contribuĩ̧o.
Alguns pesquisadores das relã̧es internacionais v̂m refoŗando esta premissa.
Edward Said em seu livro Orientalismo (2003) apontou como a cultura ocidental pro­
duziu uma vis̃o do “Oriente” baseada em uma imaginã̧o particular, popularizada
através de estudos acad̂micos orientalistas, textos de viagens e do olhar colonial sobre
o Oriente. Said (2003) aponta o poder de construir percep̧̃es sobre o espa̧o a partir
de imagens, textos e discursos. O conceito que simboliza este seu pensamento é o de
“geografia imaginada”.
Alguns debates entre estudiosos de geopoĺtica cŕtica v̂m sendo feitos a respeito
de como uma imaginã̧o geogŕfica é capaz de afetar os mapas cognitivos de ĺderes
poĺticos e, assim, construir o caminho para a demarcã̧o de lugares como “Oriente
Médio”, “Ocidente” e “Oriente” (ou mesmo América Latina, Atl̂ntico norte ou Atl̂ntico
Sul) e para a feitura de uma cultura geopoĺtica, que poderia por sua vez influenciar
na din̂mica da poĺtica externa regional. Pot̂ncias inimigas podem ser redefinidas
como aliadas ou uma zona de conflito pode passar a ser entendida como uma ́rea de
interesse. Se até ent̃o a geopoĺtica foi considerada uma cîncia concreta baseada em
realidades est́ticas, naturais e objetivas, a geopoĺtica crítica refoŗa o preceito de que
o espa̧o é um produto da constrũ̧o social.
O impacto da imaginã̧o geogŕfica na linguagem e ret́rica poĺtica j́ foi estudado
no caso turco. Aras e Fidan (2009, p. 197, tradũ̧o nossa) apontam como a Turquia
adotou novo curso de poĺtica externa devido a transformã̧es poĺticas domésticas
que resultaram na reconstrũ̧o da geografia imaginada anteriormente nos ćrculos de
policy-making: “A nova imaginã̧o geogŕfica de regĩes fronteiri̧as dos formuladores
da poĺtica turca coloca de lado a atmosfera de ‘vizinhaņa ruim’ e fez da Turquia um
participante e parceiro regional mais ativo”.1 A pesquisa de Aras e Fidan demonstra a
import̂ncia da identidade e da percep̧̃o cognitiva para os formuladores de poĺtica
externa, mas seu estudo segue um caminho diferente do que é proposto aqui. Focados
na ã̧o estatal de Brasil e Turquia, analisaremos como foi buscado afetar a percep̧̃o
das populã̧es de páses estrangeiros pelo uso de poĺticas públicas em educã̧o em

1 “The Turkish policy­makers´ new geographic imagination of bordering regions cast aside the former ‘bad
neighborhood’ atmosphere and made Turkey a more active regional participant and partner’”.

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prol de uma maior aproximã̧o regional. A Turquia é um exemplo de pás cujo enfoque
em uma diplomacia educacional demonstra o interesse em transformar a mentalidade
das elites de seus páses vizinhos em prol de uma “turquiedade”, uma identidade tur­
ćfila comum.
Outro conceito que contribui para o entendimento a respeito das transformã̧es
oriundas de uma geografia imaginada est́ presente no estudo de Benedict Anderson
sobre a formã̧o dos Estados nacionais. Para o autor, as nã̧es s̃o um tipo de co­
munidade grande demais para serem completamente percebidas por seus membros.
Por isso, parte do pertencimento de uma nã̧o reside na intuĩ̧o a respeito de quem
s̃o os outros membros, quais s̃o suas caracteŕsticas e afinidades e de que forma é o
todo. Desta maneira, para Anderson (1991, p. 224, tradũ̧o nossa), uma nã̧o é uma
“comunidade imaginada”:

uma nã̧o é imaginada porque os membros mesmo da menor nã̧o nunca co­
nhecer̃o a maior parte de seus companheiros, encontrar com eles, ou mesmo
ouvir falar deles, ainda assim nas mentes de cada um vive a imagem de sua
comunh̃o.2

Esta compreens̃o buscaremos adaptar para o contexto regional. Sendo uma co­
munidade de páses um espa̧o grande o suficiente para necessitar de seus membros a
intuĩ̧o a respeito do todo, ela também pode ser compreendida como uma comunidade
imaginada. Se a proposta de Anderson ao formular este conceito foi resgatar a histori­
cidade do nacionalismo, neste estudo também defendemos que foŗas sociais atuam
na formã̧o de identidades regionais, das quais os Estados nacionais s̃o agentes pri­
vilegiados e que, nos casos analisados, Brasil e Turquia creem poder operar de modo a
contribuir para seus respectivos projetos de lideraņa regional.
A educã̧o e as trocas culturais s̃o oportunidades singulares para a alterã̧o
dos padr̃es de participã̧o dos indiv́duos em comunidades. (LAVE; WENGER, 1991;
WENGER, 1998) Kanno e Norton (2003, p. 246, tradũ̧o nossa) estudaram como
as diferentes percep̧̃es de comunidades foram capazes de estimular indiv́duos em
processos educativos, em especial na aprendizagem de idiomas. “Para vislumbrar uma
identidade imaginada dentro do contexto de uma comunidade imaginada pode impactar
o engajamento dos estudantes durante as pŕticas de ensino”.3
Esta pesquisa buscaŕ apontar as estratégias presentes em alguns projetos de coo­
perã̧o de Brasil e Turquia na creņa de que parte dos objetivos dos formuladores em

2 “a nation is imagined because the members of even the smallest nation will never know most of their
fellow­members, meet them, or even hear of them, yet in the minds of each lives the image of their
communion.”
3 “To envision an imagined identity within the context of an imagined community can impact a learner’s
engagement with educational practices”.

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poĺtica externa foi afetar as percep̧̃es de estrangeiros a respeito de seus páses por
meio da educã̧o.

Turquia e sua cooperação em educação

Para podermos compreender em profundidade o caso turco de cooperã̧o é impor­


tante analisar a trajet́ria recente de sua poĺtica externa. Desde o fim do Império Tur­
co­Otomano (1299­1923) e a formã̧o do Estado turco liderada por Mustafa Kemal
Atatürk, a identidade do pás foi marcada pelo laicismo de inspirã̧o francesa e pela
moderada aproximã̧o junto ao Ocidente. No contexto regional da Turquia, estes para­
digmas conduziram ao consequente afastamento da vizinhaņa isl̂mica. Esta doutrina
poĺtica ficou conhecida como o “kemalismo” e é um dos mais importantes paradigmas
poĺticos do pás. Nela est́ inclúda a ideia da primazia do poder das foŗas armadas
como um garante do secularismo turco, fazendo com que, ainda hoje, os militares pos­
suam grande poder poĺtico. (TASPINAR, 2008)
A ascens̃o ao governo do Partido da Justi̧a e do Desenvolvimento (AKP) em 2002
trouxe consigo um novo paradigma poĺtico, que foi definido por alguns como “neo­o­
tomanismo”. (ONAR, 2009) As ã̧es do AKP incluiriam a liberalizã̧o da sociedade
nos ̂mbitos pessoal, religioso e econômico. Sua agenda reformista ampliou as liber­
dades para o islamismo e aproximou ainda mais o pás de seus vizinhos, em especial
daqueles de maior tradĩ̧o isl̂mica. E é pela aproximã̧o junto a páses isl̂micos e
pela liberalizã̧o em temas religiosos, como no uso do véu em espa̧os públicos, que
alguns apontam um retorno ao peŕodo imperial, o que o partido costuma negar. O AKP
também desenvolveu uma nova perspectiva de inseŗ̃o internacional, buscando o sta-
tus de pot̂ncia emergente, e reduziu o poder de atrã̧o do Ocidente, em especial da
Unĩo Europeia, junto ao pás.
No entanto, o viés regional da Turquia se iniciou antes mesmo de sua poĺtica ex­
terna “neo­otomana”. No peŕodo imediatamente posterior ao fim da Guerra Fria e à dis­
solũ̧o da hegemonia soviética nos páses vizinhos, a Turquia decidiu por ampliar sua
inflûncia nesta regĩo. Sua proposta era manter a estabilidade regional e construir um
ambiente mais pŕximo de seu ordenamento poĺtico e econômico. Esta aproximã̧o foi
bem vista pelas pot̂ncias ocidentais por acreditarem ser a Turquia uma inspirã̧o para
modelos de estados isl̂micos mais laicos. (DE SÁ E SILVA, 2009)
Nos anos 2000, o AKP reorganizou a estratégia regional turca. Se antes o pás as­
sumia uma postura de Estado­tamp̃o entre a Europa e a Unĩo Soviética (é membro da
Organizã̧o do Tratado do Atl̂ntico Norte desde o ińcio dos anos 50), o fim da Guerra
Fria viu surgir um projeto de se colocar como um Estado modelo para os vizinhos. No
poder, o partido alterou mais uma vez esse paradigma para um posicionamento de
pás central e ĺder regional. (AKPINAR; ARAS, 2011) A op̧̃o pelo neo­otomanis­
mo e pela ã̧o regional dificultou ainda mais o polarizado ceńrio poĺtico doméstico.

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Os secularistas cŕticos ao governo AKP afirmam que o ativismo turco no Oriente Médio
trairia a orientã̧o e vocã̧o republicana ocidental do pás. Alguns mais radicais con­
seguem perceber uma oculta agenda isl̂mica nesta aproximã̧o. De qualquer modo,
esta preseņa vem se ampliando e o projeto turco de lideraņa regional tem sido razoa­
velmente bem recebido. Pesquisa feita em 2010 no mundo ́rabe, por exemplo, indicou
que, para os habitantes da regĩo, o primeiro­ministro turco Recep Erdogan seria o ĺder
mais admirado de todo o mundo. (RUBIN, 2010)
A realidade poĺtica do ṕs­primavera ́rabe ño parece ter alterado esta percep̧̃o,
e o pás vem sendo frequentemente indicado como inspirã̧o pelos grupos moderados.
(FORDHAM, 2013) Apesar disso, alguns analistas apontam que as guerras civis que
seguiram a fase otimista das revoltas populares obrigaram a Turquia a abandonar uma
postura de ́rbitro regional para assumir posĩ̧es nas disputas (como um exemplo, o
caso śrio) e a repress̃o usada pelo governo contra manifestã̧es populares em Istam­
bul e no restante do pás e que deterioraram a imagem da democracia turca podem ter
causado impactos na imagem da liderança do país. (KIRIŞCI, 2013)
A CID teve um papel muito relevante neste processo de regionalizã̧o e vem se
tornando parte importante na poĺtica externa turca como um todo. Alinhada com o ob­
jetivo de criar um ambiente mais est́vel e paćfico em seu entorno, a Turquia se colocou
como um importante stakeholder na constrũ̧o da paz regional. O pás tem assumido
um papel de mediador dos conflitos regionais e tem buscado ser um relevante contribui­
dor de CID, em especial para auxiliar páses afetados por conflitos e desastres naturais.
Seu programa de CID foi iniciado em meados da década de 1980 e tinha por obje­
tivos criar uma imagem mais positiva para a Turquia, facilitar sua integrã̧o na econo­
mia mundial e ampliar o relacionamento comercial com páses em desenvolvimento,
em especial com os páses africanos mais pobres. Vale ressaltar que os anos 1980
foram um peŕodo economicamente favoŕvel para o pás e sua populã̧o vivenciou
um relativo aumento em seu padr̃o de vida, o que contribuiu para diminuir o questio­
namento da legitimidade da CID.
A nova configurã̧o nascida com o fim da Guerra Fria levou a uma alterã̧o do
perfil dessa poĺtica, e a criã̧o da Aĝncia Turca de Desenvolvimento e Cooperã̧o
Internacional (Tika) em 1992 foi um sinal da nova realidade. A Tika abriu escrit́rios
nos páses da Ásia Central e do Ćucaso e se tornou eixo importante da estratégia tur­
ca de inseŗ̃o internacional. A poĺtica do AKP de “problema zero” com os vizinhos,
associada à expans̃o do oŗamento da Tika, fez com que o pás conseguisse aumentar
a import̂ncia da regĩo em sua balaņa comercial. Alguns analistas apontam esta
caracteŕstica como responśvel pela relativa estabilidade com que o pás enfrentou a
crise financeira de 2008. E, apesar de enfrentar como o Brasil dificuldades recentes de
manter as altas taxas de crescimento econômico do imediato ṕs­crise, a expectativa de
crescimento de seu produto interno bruto para 2013 era de 3,6% e de 4,4% em 2014.
(FOCUSECONOMICS,2013)

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A Tika provém assist̂ncia ao desenvolvimento para 131 páses e possui grande
capilaridade, atingindo quase todos os páses africanos. Atualmente, o principal foco de
atuã̧o da Tika s̃o os páses da Ásia Central e do Ćucaso. O pás vem se esfoŗando
para ser um ĺder regional para estes páses e para apresentar uma imagem de pás isl̂­
mico poĺtica e economicamente bem­sucedido. A assist̂ncia oficial turca ao desenvol­
vimento (ODA) para estas regĩo atingiu em 2005 o montante de US$ 332,49 milh̃es,
mais da metade de todo o valor da ã̧o do pás no setor. (DE SÁ E SILVA, 2009)

Cooperação para a educação

A cooperã̧o em educã̧o possui destaque nessa estratégia, em especial com


a inteņ̃o de desenvolver uma identidade regional turca. Na diplomacia educacional
turca, dois objetivos principais se destacam. O primeiro, criar as bases para que uma
futura gerã̧o de elites dirigentes possa conduzir seus páses rumo à economia de
mercado e à democracia liberal. O segundo e mais importante objetivo seria educar
indiv́duos versados na cultura e ĺngua turcas que atuassem como uma ponte entre os
páses beneficírios e a Turquia. Haveria a inteņ̃o de que se tornassem “os alicerces
da causa comum” e “os arquitetos do grande mundo turco”,4 segundo as palavras do
antigo ministro da educã̧o Köksal Toptan (1992 apud YANIK, 2004, p. 294, tradũ̧o
nossa). As elites turcas, de modo muito otimista, acreditavam que educar os estudantes
de hoje significaria formar as elites que mais tarde seriam responśveis pela transfor­
mã̧o rumo a uma economia de mercado e a democracia liberal em seus páses. Em
outras palavras, os dirigentes turcos compreenderam a import̂ncia da educã̧o como
uma ferramenta poderosa de criã̧o de identidade e transformã̧o social.

Cooperação oficial

As ã̧es do Estado turco nesta seara se basearam em duas plataformas: o inter­


ĉmbio de estudantes e a criã̧o de escolas turcas nas antigas repúblicas soviéticas da
Ásia central. O projeto governamental, denominado Great Student Exchange Project,
mira educar a futura gerã̧o de elites destes páses através da escolarizã̧o em escolas
secund́rias e de ńvel superior. Em seus dez primeiros anos (1992­2002) quase 22
mil alunos participaram de interĉmbios, ainda que metade ño tenha conclúdo com
̂xito seus cursos. Este projeto é muitas vezes percebido como uma “renasceņa” turca
ou como parte de um processo de modernizã̧o da “Turquia do século XXI”. Nas falas
de um ex­ministro da educã̧o:

4 “the foundation stones for the common cause” e “the architects of the great Turkish world”.

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Essas criaņas, durante sua educã̧o, ter̃o a oportunidade de conhecer de perto
seus armigos turkics e assim ser̃o os alicerces para a causa comum. Além disso,
quando retornarem a seus páses aṕs o término de seus estudos, elas ser̃o os
arquitetos do grande mundo Turkic.5 (TOPTAN, 1992 apud YANIK, 2004, p. 294,
tradũ̧o nossa)

Este programa é baseado em duas vertentes. Por um lado, estudantes, no geral de


ńvel universit́rio, s̃o convidados a estudar na Turquia com bolsas de estudo pagas
pelo governo turco. De outro, ocorre a fundã̧o de escolas, na maior parte de ńvel
secund́rio, estabelecidas nas Repúblicas Turkics6 pelo ministério da Educã̧o e por
fundã̧es privadas, em especial a comunidade Fettulah Gülen. A participã̧o de um
ator ño estatal no interĉmbio educacional indica certo grau de delegã̧o no processo
de estabelecer uma identidade coletiva turca. O caso em particular do movimento Gül­
len analisaremos no item seguinte.
Regĩo priorit́ria para esta cooperã̧o vem sendo o sul do Ćucaso – Azerbaij̃o –
e a Ásia Central – Casaquist̃o, Quirquist̃o, Tadquist̃o, Turcomenist̃o e Usbequist̃o
– que possuem forte ligã̧o hist́rica com a Turquia, remontando a uma origem étnica
comum e a unidade existente durante o extinto Império Turco­Otomano.
No ińcio do projeto, no ano acad̂mico de 1992­1993, o Estado turco ofereceu
7 mil bolsas de estudo para a segunda etapa do ensino b́sico (o que no Brasil, seria
o ensino médio) para estudantes das repúblicas turkics e aproximadamente mil bolsas
para estudantes de páses da Euŕsia. (DE SÁ E SILVA, 2009)
No peŕodo ṕs­soviético houve investimentos internacionais de est́mulo à educa­
̧̃o, que aumentaram ainda mais no ṕs­11 de setembro. No geral, miravam a demo­
cratizã̧o do sistema de ensino receptor, cobrando do pás a internalizã̧o de poĺticas
e pŕticas educativas em prol do desenvolvimento de um ativismo ćvico e da criã̧o
de sociedades abertas e democŕticas. Apesar de algumas resist̂ncias, a maior parte
dos páses acolheu de bom grado a assist̂ncia técnica turca em educã̧o, mantendo
sua resist̂ncia à ajuda de demais páses por apresentar um perfil de exiĝncias menor.
(DE SÁ E SILVA, 2009)
Outras frentes de educã̧o também foram tomadas pelo governo, como v́rios pro­
gramas de treinamento profissional. Desde os anos 1990, por exemplo, o pás ofereceu
treinamento para diplomatas das repúblicas turkics, o que inclui estudo do idioma tur­
co. Também houve treinamentos focados nos professores destes páses com o objetivo
de apresentar a cultura e o sistema educacional da Turquia.

5 “These children, during their education, will get the chance to know their Turkish friends closely and thus
will become the foundation stones for the common cause. Furthermore, when they return to their coun­
tries after finishing their education, they will become the architects of the great Turkish world”.
6 Turkic é o termo utilizado para os páses que possuem inflûncia da antiga cultura turca. Ressalte­se que
esta identidade além de cultural é étnica. Por toda a Ásia é posśvel se perceber a preseņa pulverizada
desses grupos.

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Para melhor gerir este processo, o Ministério da Educã̧o do pás criou o departa­
mento de educã̧o no exterior, ainda em 1992, com o objetivo de promover a assist̂n­
cia educacional de nacionais no estrangeiro e também fomentar a cooperã̧o no setor
com páses turkics.
A literatura a respeito ño deixa de comentar as dificuldades inerentes ao processo,
que fizeram com que o volume de alunos em interĉmbio no pás tivesse que ser dimi­
núdo. Uma das quest̃es principais era a manuteņ̃o financeira destes alunos: com
o pequeno recurso oferecido pelo governo Turco, muitos ño conseguiram se manter
satisfatoriamente. Outro ponto comentado é que a selȩ̃o dos alunos ño era rigorosa
e o ńvel de conhecimento de alguns ño parecia adequado.
O projeto de diplomacia educacional empregado pelo governo turco a partir dos
anos 1990 possui aliados em organismos privados. Nem sempre tiveram o foco geo­
gŕfico semelhante: o movimento Güllen, por exemplo, ño se limitaria a ̂nfase nas re­
públicas turkics. Mas ainda assim parecem convergir no objetivo de transmitir a cultura
turca para os páses do entorno.

Movimento Fethullah Güllen

Uma das mais interessantes caracteŕsticas da cooperã̧o em educã̧o realizada


pela Turquia est́ no movimento isl̂mico liderado pelo im̃ Fethullah Güllen.7 Intelectu­
al turco de grande inflûncia em seu pás, Güllen prop̃e uma pŕtica religiosa paćfica,
tolerante e baseada no dílogo entre as religĩes. Tem inflûncia da vertente sufista,
grupo ḿstico do isl̃, e é normalmente percebido como moderado. Seu projeto filośfico
é definido por alguns como um islamismo “ṕs­moderno” por apoiar um nacionalismo
turco baseado no livre mercado e em uma educã̧o moderna. Güllen prega o retorno
à tradĩ̧o isl̂mica para superar o decĺnio econômico e moral do mundo mu̧ulmano.
O movimento influenciado pelo intelectual defende a ideia de uma educã̧o como
ferramenta para formar uma gerã̧o t̃o profundamente preocupada com o isl̃ quanto
capaz de participar do mundo moderno e cient́fico. O movimento também é conhecido
como Hizmet (que significa em turco serviço).
Participam do movimento Güllen dezenas de legisladores, muitos jornalistas impor­
tantes e alguns dos mais ricos empreśrios do pás. O poder do movimento dentro da Tur­
quia é muito grande e de dif́cil medĩ̧o. Estas caracteŕsticas permitem o surgimento de
teorias conspirat́rias que apontam a inflûncia de seu poder junto a grupos financeiros,
midíticos e dentro da estrutura burocŕtica, como nos ́rg̃os judicírio e de poĺcia.8
Alguns o definem como uma das mais importantes foŗas poĺticas em ã̧o na Turquia e

7 Tal movimento foi idealizado pelo télogo sunita Said Nursi, que pregava a import̂ncia do conhecimento
para a ascens̃o religiosa. Sua morte resultou na divis̃o de seus seguidores em diversos grupos, sendo o
liderado por Fethullah o mais influente.
8 Afirma­se que o mais importante jornal do pás faria parte do movimento.

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que contaria com métodos cruéis de ã̧o, atacando opositores e silenciando dissidentes.
(ARSU; BILEFSKY, 2012; ŞIK, 2011) O grupo é acusado de estar por trás de inúmeras
pris̃es poĺticas e de buscar tornar o pás mais conservador.
Politicamente, o movimento apoiou o governo do Primeiro­Ministro Recep Tayyip
Erdoğan em seu início. Alguns analistas apontaram uma relação de interesse entre o
governo turco e o poder do movimento Güllen, em especial em seu poderio midítico.
Estas suspeitas foram ratificadas por um cabograma do governo dos Estados Unidos
revelado pelo Wikileaks, onde se fazia meņ̃o a seu poder de inflûncia na poĺtica
doméstica. (WIKILEAKS, 2009) Nos últimos anos, foi posśvel identificar pontos de
tens̃o neste relacionamento, o que alguns analistas definiram como uma disputa de
poder. Recente ańlise da revista Foreign Affairs indicou Güllen e Erdoğan como notó­
rios rivais poĺticos, tendo o Primeiro Ministro turco definido o movimento Hizmet como
um “Estado paralelo”. (GAETAN, 2014)
O ĺder Fethullah Güllen, ainda vivo, é bastante reservado e suas aparĩ̧es em
público s̃o raras. Em 1999, aṕs acusã̧es de tramar contra o governo secular, optou
pelo ex́lio volunt́rio no estado da Pensilv̂nia, Estados Unidos, onde vive até hoje. Em
2008, foi inocentado destas acusã̧es. Güllen foi bem recebido pelas elites poĺticas
estadunidenses, visto como um representante de uma ala moderada do isl̃, aparente
em suas cŕticas abertas ao fundamentalismo religioso e às ã̧es terroristas.
Uma das faces mais conhecidas deste movimento é uma rede de escolas privadas,
reconhecidas pelo rigor acad̂mico e por ministrar aulas em v́rios idiomas. As propos­
tas educacionais, baseadas nos pensamentos de Güllen, prop̃em um ensino voltado
para o humanismo, a cîncia e o isl̃ a servi̧o do Estado turco. Nas escolas, existe
pouca ̂nfase no proselitismo religioso.
Atualmente, o movimento conta com milh̃es de seguidores e escolas em mais de
140 páses, inclusive no Brasil. Nos Estados Unidos, com sua dificuldade em entender
padr̃es de vida ño ocidentais, estas escolas s̃o vistas com grande desconfiaņa, prin­
cipalmente por serem um dos grupos educacionais independentes mais relevantes do
pás. (COSTA, 2014; MENDES, 2012) Algumas reportagens jornaĺsticas sugerem que
existam mais 1500 escolas e universidades em 120 páses geridas por simpatizantes
do movimento Hizmet. (GAETAN, 2014)
Curiosamente, as escolas Güllen ño s̃o bem vistas na pŕpria Turquia. Cŕticos
enfatizam seu caŕter religioso e se incomodam com um discurso que acreditam po­
der amea̧ar o secularismo turco. (BILEFSKY, 2012; KNOWLTON, 2010) Jornalistas
esquerdistas v̂m criticando a filosofia do movimento por, abertamente, estimular in­
div́duos a fazerem parte da alta burocracia, o que poderia minar a laicidade do pás.
Suas ã̧es internacionais também s̃o vistas de maneira polarizada. Alguns apontam
uma tentativa de criar um “cintur̃o verde” ao redor da Turquia. Outros comentadores,
entretanto, apontam que Fethullah Güllen tem colocado a Turquia no mapa ao promover
o pás e seus valores no exterior.

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O movimento Güllen comȩou dentro do pás, mas com a derrocada do bloco so­
cialista se internacionalizou. Nos anos 1990, o grupo abriu mais de 100 escolas e
universidades no Azerbaij̃o, Cazaquist̃o, Quirquist̃o, Turcomenist̃o e Uzbequist̃o,
assim como nas repúblicas turcas da Rússia Daguest̃o, Caracai­Quirqúsia, Tatarst̃o
e Bashkotorst̃o. Também se fizeram presentes na Ucr̂nia, Gérgia, Moldova, e Tadji­
quist̃o – páses com relevantes minorias turkics. Outra ́rea de atuã̧o foi o sudeste
europeu, em páses como Alb̂nia, B́snia­Herzegovina, Bulǵria, Macedônia e Rom̂­
nia. Dados de 2003 indicavam que o grupo possuiria 150 instituĩ̧es educacionais no
estrangeiro, mais ou menos a mesma quantidade das que existiriam dentro da Turquia.
Suas escolas atuam paralelamente às instituĩ̧es patrocinadas pelo governo turco nos
páses vizinhos, e também englobam ensino superior. No Uzbequist̃o, o presidente ex­
pulsou do pás todas as escolas Gülen, temendo que a islamizã̧o do pás afetasse a
estabilidade do novo Estado, ainda que quest̃es poĺticas tenham contribúdo para esta
decis̃o.
Vale ressaltar que o movimento ño é hieŕrquico e nem todas as escolas utilizam
suprimentos e recursos humanos turcos, ainda que boa parte o fa̧a. No geral, as es­
colas Güllen possuem qualidade relativamente melhor do que as públicas locais. Cabe
ao governo local ceder as instalã̧es e a infraestrutura e à comunidade Güllen indicar
os professores, diretores, administradores e consultores. Os alunos s̃o escolhidos por
processo seletivo e ño pagam para frequentar as aulas. O panorama social dos alunos
é amplo e inclui ́rf̃os, criaņas vindas dos meios rurais e de faḿlias pobres. A partir
dos anos 1990, as escolas Güllen passaram a cobrar valores mais altos para ingresso
dos alunos, aumentando as cŕticas que afirmam se tratar de escolas de elite.
O papel do grupo é praticamente missiońrio em prol do isl̃, mas encontra como
barreira a forte descreņa nos antigos páses soviéticos. Esta é uma das raz̃es para a
discrĩ̧o de tal educã̧o e do esfoŗo em se apresentar publicamente como uma escola
turca e ño isl̂mica. Em outras palavras, os objetivos priḿrios das escolas Güllen s̃o
poucos, para se enfatizar elementos mais patríticos.
É a ̂nfase em uma identidade turca que garante sua credibilidade junto ao governo
turco e aos páses da Ásia Central. É gra̧as à forte preseņa das escolas Güllen e pela
dificuldade encontrada em exportar uma definĩ̧o pŕpria de identidade turca que o
governo da Turquia utiliza o movimento como uma ferramenta de poĺtica externa em
prol da disseminã̧o do idioma turco como uma ĺngua regional e na busca de criar
uma unidade ao redor de um Mundo Turco. Resultado disso foi a comunidade Güllen ser
um dos mais fortes lobbies pela cultura turca e por uma “turquiedade” no exterior pela
via da educã̧o. A preseņa destas escolas refoŗa o projeto regional do governo turco,
contribuindo para uma aproximã̧o cultural com seus parceiros.
Por sua vez, os páses da Ásia Central colaboraram com a comunidade Güllen
por entenderem que seus páses necessitavam reconstruir sua identidade nacional, e
se afastar das inflûncias da identidade russa. Outros fatores econômicos e poĺticos

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também contribúram. A educã̧o nestes páses estava em estado prećrio quando da
consolidã̧o das escolas Gülen. A derrocada da Unĩo Soviética levou consigo investi­
mentos e conhecimento burocŕtico. Alguns destes páses tiveram cortes nos gastos em
educã̧o de quase 50%. A mudaņa de regime poĺtico resultou em crises econômica,
poĺtica e até administrativa. Em outras, havia a necessidade de se repensarem os pŕ­
prios paradigmas da poĺtica educacional. (MERTAUGH, 2004)
As escolas Güllen estimulariam investimentos privados e melhorariam os padr̃es
educacionais gerais. Além disso, seus resultados poderiam ser propalados como do pŕ­
prio governo local. Por se focar em altos padr̃es educacionais e em transpar̂ncia, estas
escolas se tornaram modelo. Ño havia condicionalidade para os páses receptores e
suas novas ideologias eram reafirmadas nestas escolas, dando­lhes legitimidade interna
e externamente. De certo modo, tais escolas se tornaram embaixadoras internacionais
dos regimes da Ásia Central, promovendo sua cultura e hist́ria na Turquia e, assim,
legitimando parte destes regimes autorit́rios no estrangeiro. (MERTAUGH, 2004)
As escolas Güllen s̃o, muitas vezes, bem vistas pela populã̧o que foge da ḿ
qualidade do padr̃o público. As escolas turcas, por exemplo, se esfoŗam para que seus
alunos saibam quatro idiomas: ingl̂s, turco, russo e o idioma de seu pŕprio pás; para
dominar conhecimentos de inforḿtica e a serem cientificamente competitivos. Seus es­
tudantes s̃o conhecidos pela capacidade de avaņarem seus estudos no ensino superior.
Alguns pais ainda apontam a ̂nfase na disciplina e nos valores que se tenta transmitir
aos alunos, como no respeito à faḿlia, como pontos positivos. (MERTAUGH, 2004)
Uma das explicã̧es para a facilidade com que o movimento consegue parcerias
governamentais para escolas seria suas conex̃es particulares com representantes go­
vernamentais destes páses, o que ajuda a superar o fator inercial da burocracia. Além
disso, o grupo tem caŕter conformista, pŕ­Estado face aos governos locais. Muitas das
vezes, as escolas inserem em seu programa valores ćvicos e patríticos locais em prol
de seu direito de existir. Podem também traduzir obras dos ĺderes poĺticos locais para
o turco, facilitando a difus̃o de suas ideias na Turquia.
As escolas Gülen, apesar de ensinarem o idioma turco, ño partilham completa­
mente do projeto do governo da Turquia, mesmo que existam nas escolas professores
turcos e transmitam ensino e cultura turca, Fetullah Güllen e seus seguidores rejeitam a
ideia de que estas escolas estejam educando religĩo e pregando o nacionalismo turco.
Além disso, analistas apontam difereņas nas percep̧̃es a respeito da identidade na­
cional turca e da poĺtica externa do pás. Pŕticas ño democŕticas do governo turco
e sua poĺtica externa agressiva e reativa aos páses ocidentais afastaram os dois lados.
Güllen criticou como “infrutífera” a reação agressiva do governo Erdoğan ao ataque
israelense à flotilha liderado por uma ONG turca que busca furar o bloqueio à Faixa
de Gaza. O movimento também seria bem mais favoŕvel a uma aproximã̧o junto à
Europa. (GAETAN, 2014) Internamente, o movimento Güllen também vem criticando a
perseguĩ̧o de alguns jornalistas pelo governo e a falta de interesse por dílogo. Güllen

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apontou a falta de dílogo para a crise recente na pra̧a Gezi, onde aconteceram mani­
festã̧es contra interveņ̃es em um parque de Istambul. (GAETAN, 2014)

brasil e sua cooperação em educação

O Brasil apresenta, por sua vez, uma estratégia de inseŗ̃o internacional que cada
vez mais também vem fazendo uso da diplomacia educacional como ferramenta para
atingir seus objetivos. Como veremos, no geral, suas ofertas de cooperã̧o técnica na
́rea de educã̧o t̂m se esfoŗado em desenvolver uma cultura de cordialidade com
seus parceiros regionais mais pŕximos e uma posĩ̧o de hegemonia na Comunidade
de Páses de Ĺngua Portuguesa. No caso dos páses africanos, em que muitos possuem
uma poĺtica pública educacional deficiente, o Brasil se esfoŗa para que o idioma portu­
gûs ainda tenha relev̂ncia em sua populã̧o e que assim o pás ainda consiga manter
uma aproximã̧o e inflûncia cultural.

Mercosul Educacional

Junto com a formã̧o do bloco econômico, seus páses­membros se predispu­


seram a avaņar o processo de integrã̧o regional por outros ̂mbitos, como saúde,
trabalho, justi̧a e educã̧o. Aṕs oito meses da fundã̧o do bloco, foi formado o Setor
Educacional do Mercosul (SEM), ou Mercosul Educacional, ainda em 1991.
Acreditando na import̂ncia da educã̧o para o processo de integrã̧o, seus ob­
jetivos principais seriam a coordenã̧o de poĺticas públicas na ́rea e a facilitã̧o da
mobilidade e do interĉmbio de indiv́duos entre os páses. Em seu protocolo de inten­
̧̃es j́ estava expresso o interesse na promõ̧o de uma identidade comum: “Que da
educã̧o depende, em grande parte, a capacidade dos povos latino­americanos de se
reencontrarem nos valores comuns e na afirmã̧o de sua identidade frente aos desafios
do mundo contempor̂neo”. (MERCOSUL, ca. 2012)
Vale destacar que, no ̂mbito do Mercosul Educacional, conseguiu­se o ensino do
espanhol e do portugûs na educã̧o b́sica dos páses­membros. Hoje, por exemplo,
todas as escolas de ensino médio brasileiras s̃o obrigadas a lecionar o espanhol e, no
Uruguai, o ensino do portugûs j́ ocorre a partir do 6º ano do ensino b́sico.

Escolas de Fronteira

Escolas de Fronteira é um projeto recente sugerido pelo Ministério da Educã̧o


e abra̧ado pelo Itamaraty como uma proposta de ampliar as trocas culturais entre as
populã̧es que vivem dos dois lados de fronteiras brasileiras. Sua inspirã̧o remonta a
um modelo capitaneado pela Argentina com o nome de Educación sin frontera.

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A proposta, apresentada em 2004, era de fomentar a aprendizagem do idioma
vizinho em escolas públicas de ensino fundamental pŕximas à fronteira do Brasil e
da Argentina e realizar o interĉmbio de professores. Os profissionais de educã̧o se
reúnem semanalmente para planejar as aulas e determinar partes do projeto em que se
daŕ o interĉmbio.
O Escolas de Fronteira se trata menos de disponibilizar aulas de outro idioma e sim
aulas em outro idioma. (CAÑETE; KERSCH, 2012) Ño h́ materiais did́ticos espećfi­
cos, eles devem ser preparados pelo professor envolvido. Nem a escola, nem a assesso­
ria dada ao projeto (atualmente, para o Uruguai, ela é feita pela Universidade Federal do
Rio Grande/RS), nem o MEC decidem os temas das aulas. Os temas s̃o escolhidos com
os alunos e por isso diferem entre as escolas­irm̃s. Entre os temas j́ escolhidos foram
a origem das tintas, as baleias, os planetas e como surgiu a vida. (CAÑETE; KERSCH,
2012) No caso uruguaio, os professores cruzam as fronteiras uma vez por semana e
ministram as aulas em seu idioma de origem.
O projeto hoje est́ presente também em páses­membros do Mercosul – Uruguai,
Argentina, Venezuela e Paraguai – e em membros associados – Boĺvia e Chile. Parte
deste projeto o anseio de reconstruir identidades regionais em busca de uma maior
integrã̧o entre os páses:

[...] considera­se que o fortalecimento da identidade regional é um tema priorit́­


rio e, deste modo, promove­se o conhecimento mútuo, a cultura de integrã̧o e
a promõ̧o de poĺticas regionais de formã̧o de recursos humanos com vistas à
melhora da qualidade da educã̧o. (MERCOSUL, ca. 2012, p. 5, tradũ̧o nossa)9

Inicialmente, as Escolas de Fronteira funcionavam em sistemas de pares de “cida­


des­ĝmeas” que eram as seguintes: Paso de los Libres (Corrientes) – Uruguaiana (RS);
La Cruz/Alvear (Corrientes) – Itaqui (RS); Santo Tomé (Corrientes) – S̃o Borja (RS);
Bernardo de Irigoyen (Misiones) – Diońsio Cerqueira (SC); Puerto Iguazú (Misiones) –
Foz do Igua̧u (PR).
Antes de ser uma proposta de transformã̧o de suas sociedades nacionais, o pro­
jeto est́ focado em alterar a situã̧o das fronteiras vistas como posśvel regĩo de
interã̧o inst́vel entre culturas:

Toda frontera entre páses que hablan lenguas diferentes se caracteriza por ser
una zona de inestabilidad y contacto­conflicto sociolingǘstico. Esta interaccín se
produce, entre otros factores, por la influencia de los medios de comunicacín; en
particular de la radio y la televisín de un lado y otro de la frontera. (MERCOSUL,
Ca.2012, p. 1)

9 “[...] se considera que el fortalecimiento de la identidad regional es un tema prioritario y, de ese modo,
se promueve el conocimiento mutuo, la cultura de integracín y la promocín de poĺticas regionales de
formacín de recursos humanos con vista a la mejora de la calidad de educacín”

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A ĺngua é um fator muito importante neste projeto e é digno de nota que os pr­
ofessores brasileiros participantes ño necessariamente dominem o espanhol. Desse
modo, estes profissionais afirmam sair da iniciativa transformados, tendo passado pelo
processo educativo como professores e de um certo modo também como estudantes.
A coordenadora­geral do Programa de Formã̧o de Professores do Ministério da Edu­
cã̧o em 2009, Roberta de Oliveira, chegou a comentar que a preparã̧o dos profes­
sores ño era fundamental:

A idéia é essa, que as professoras passem pelo mesmo processo que as criaņas
passam, aprender na imers̃o e na cultura dentro da escola, em conjunto, explica.
Talvez seja um pouco sofrido no comȩo porque o professor tem uma ideia de que
ele precisa levar tudo pronto e estar absolutamente seguro do que vai fazer ĺ, tudo
muito planejadinho. As orientã̧es ser̃o apenas a respeito da linha pedaǵgica do
projeto. (PROFESSORES..., 2008)

O projeto é, essencialmente, um interĉmbio com escolas que possuem por ĺngua


nativa o castelhano. Pereira (2009), porém, indica que existe um projeto­piloto de pro­
grama intercultural biĺngue e triĺngue (guarani) em cidades na fronteira entre Brasil e
o Paraguai.
No caso da Argentina, executores do programa indicaram que haveria uma assimetria
na inflûncia cultural entre os dois páses, com a primazia do Brasil. Segundo estes pesqui­
sadores, haveria um maior conhecimento do idioma portugûs por parte dos argentinos do
que o inverso. O projeto pedaǵgico precisou ser adequado à realidade de que uma quanti­
dade consideŕvel das criaņas argentinas compreendia com certa facilidade o portugûs.
Os estudantes brasileiros, ao contŕrio, seriam monoĺngues em portugûs.
Os desafios de uma empreitada assim s̃o grandes e passam desde as difereņas
comportamentais dos alunos perante os professores – como indicam Pinheiro e Beshara
(2012) – até os problemas envolvendo identidades e relã̧es de poder em contextos
de preconceitos raciais, culturais e sociais, ou mesmo quest̃es de ordem burocŕtica.
(CAÑETE; KERSCH, 2012; PEREIRA, 2009) O projeto, ainda pouco abrangente, cami­
nha para se tornar uma realidade presente em todas as fronteiras brasileiras e avaņar
para a oferta de educã̧o profissional. (RENAPI, 2012)

Universidade da Integração Latino-Americana

Inaugurada em 2010, a Universidade da Integrã̧o Latino­Americana (Unila) foi


imaginada para ser um elemento de integrã̧o entre os páses membros do Mercosul.
Sua localizã̧o também é por isso simb́lica: em Foz do Igua̧u (Parań), na tŕplice
fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina, com apoio da hidrelétrica de Itaipu e projeto
arquitetônico de seu campus idealizado por Oscar Niemeyer. (COMISSÃO DE IMPLAN­
TAÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA INTEGRAÇÃO LATINO­AMERICANA, 2009)

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Em sua grade curricular ser̃o prestigiados os conteúdos que facilitem o interĉmbio
de ideias e a formulã̧o conjunta de saberes entre os páses da regĩo, como Relã̧es
Internacionais, estudos dos recursos naturais e da biodiversidade.
Em processo gradual de operã̧o, a expectativa é que a Unila em poucos anos
tenha 10 mil alunos e um corpo docente de 500 funciońrios. Sua proposta é que o
quadro de professores e alunos seja composto somente metade por brasileiros. A outra
metade seria composta por alunos dos demais páses do Mercosul e profissionais tem­
poŕrios. Para permitir a participã̧o de alunos estrangeiros, o processo seletivo ocorre
em portugûs e espanhol e os conteúdos das provas devem privilegiar temas da América
Latina e ño o Brasil em espećfico. (UNILA, 2012a)
Dados de 2012 indicavam que a universidade contava com um pouco mais do que
1200 alunos, dentre os quais 627 brasileiros e 604 estrangeiros. Destes, um teŗo de
origem paraguaia (UNILA, 2012b).
O projeto da Unila faz parte da estratégia brasileira de buscar a aproximã̧o com
outros páses através do ensino superior. Sua proposta também est́ presente em outras
instituĩ̧es criadas no segundo mandato do governo Lula, como a Universidade da
Integrã̧o Internacional da Lusofonia Afro­Brasileira (Unilab), que analisaremos mais
adiante, a Universidade da Integrã̧o da Amazônica (Uniam) e a Universidade Federal
da Fronteira Sul (UFFS). A Uniam, fundada em 2010, est́ sediada no oeste do Paŕ,
na cidade de Santarém e também é conhecida como a Universidade do Oeste do Paŕ.
A UFFS, por sua vez, foi fundada em 2009, na cidade de Chapeć (SC), como resulta­
do do apelo de entidades, ONG’s, igrejas e movimentos sociais. Apesar de seus nomes
indicarem o desejo de auxiliar com a integrã̧o regional, a Uniam e a UFFS possuem
uma contribuĩ̧o de baixo perfil no tema. Ño contam, por exemplo, com cotas para
estudantes estrangeiros nem para professores de outros páses.
Ainda que agora ño sejam campi universit́rios diretamente voltados para projetos
de integrã̧o, s̃o plataformas constitúdas para que projetos futuros de diplomacia
educacional possam ser operacionalizados em diversas regĩes do pás com objetivos
distintos de acordo com a “comunidade pretendida”.

História e geografia do Mercosul

Em meados dos anos 1990, houve o laņamento de um projeto que tinha por
objetivo produzir materiais pedaǵgicos, acad̂micos e did́ticos a fim de contribuir no
ensino da hist́ria e geografia no Mercosul. A proposta seria de alterar o quadro edu­
cacional dos páses do bloco, marcado por forte nacionalismo, para a constrũ̧o de
uma conscîncia social mais favoŕvel ao processo de integrã̧o. Afirmam Beshara e
Pinheiro (2012, p. 163):

[...] o direcionamento dessa iniciativa ao ensino de hist́ria, em particular, justifica­


va­se pela considerã̧o de que as narrativas hist́ricas transmitidas nos sistemas

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educacionais exerciam significativa inflûncia na constituĩ̧o das identidades, imis­
cuindo­se, assim, de elevado teor de politizã̧o.

Percebia­se que o ensino realizado nos páses carregava valores distintos uns dos
outros, o que influenciaria decisivamente na formulã̧o das poĺticas externas dos pá­
ses. A compreens̃o do espa̧o geogŕfico ou do processo hist́rico afetariam a maneira
como estes páses realizariam suas ã̧es internacionais, ao estimular percep̧̃es de
amizades e inimizades, ou fora e intrarregionais. A possibilidade de se repensar uma
hist́ria e geografia comuns era uma tentativa de, em longo prazo, ser capaz de interferir
positivamente no processo de integrã̧o regional.
O processo educacional é permeado por pŕticas de poder. J́ nos lembrava Paulo
Freire (1983) que todo ato pedaǵgico é um ato poĺtico. Marc Ferro refoŗa a percep̧̃o
da import̂ncia poĺtica da educã̧o: “Ño nos enganemos: a imagem que fazemos de
outros povos, e de ńs mesmos, est́ associada à hist́ria que nos ensinaram quando
éramos criaņas [...] enxertam­se depois opinĩes, ideias fugazes ou duradouras, como
um amor”. (FERRO, 1983 apud BESHARA; PINHEIRO, 2012, p. 164­165)
Pinheiro e Beshara comentam as raz̃es porque este projeto ño foi bem­sucedido.
A ideia de reconstruir uma hist́ria e uma geografia em comum ño conseguiu se so­
brepor à constatã̧o de que tais disciplinas s̃o marcadas pelas difereņas nacionais.
Ainda assim, houve a aprendizagem de que

[...] a educã̧o tem fort́ssimo potencial para se tornar um instrumento de maior


identificã̧o poĺtica, por meio de projetos que corroborem e estimulem valores
comuns, hist́ria comum, assim como promovam a aceitã̧o da diversidade, pro­
duzindo um engajamento positivo com a difereņa. (BESHARA; PINHEIRO, 2012,
p. 166)

Comunidade dos Países de língua Portuguesa

A Comunidade dos Páses de Ĺngua Portuguesa (CPLP) é uma organizã̧o entre


páses que t̂m o portugûs como uma de suas ĺnguas oficiais. A fase inicial do projeto
foi liderada pelo embaixador brasileiro em Portugal José Aparecido de Oliveira, e logo foi
assumida pelo governo portugûs. Inicialmente, o grupo contou com a participã̧o de
sete páses­membros: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné­Bissau, Mo̧ambique, Portugal
e S̃o Tomé e Pŕncipe. Aṕs conquistar sua independ̂ncia, Timor leste foi admitido no
grupo em 2002.
A proposta da CPLP é defender uma identidade cultural comum centrada no idioma
portugûs. Seus páses t̂m o projeto de transformar o portugûs em uma ĺngua inter­
nacionalmente relevante e possivelmente um idioma oficial da Organizã̧o das Nã̧es
Unidas. Para afirmar sua import̂ncia apontam que o idioma é o quinto mais falado
no mundo, e est́ presente nos cinco continentes. A capacidade de inflûncia poĺtica

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da organizã̧o, embora ño forte, existe e fica evidente no recente pedido de ingresso
por parte do governo autônomo da Gaĺcia, segundo o pressuposto de que o galego e o
portugûs s̃o dois dialetos do mesmo idioma.
No esfoŗo de dar maior visibilidade ao pás pelo idioma, seus oito membros assi­
naram o Novo Acordo Ortogŕfico em 1990, antes mesmo da formã̧o da CPLP. Sua
proposta é trazer unidade na ortografia oficial dos páses (na pŕtica esta unidade iria de
96% para 98% com o tratado). O exemplo da unidade do castelhano é um argumento
a favor dos que defendem o novo acordo. 2009 foi o último ano para a adõ̧o plena
do estatuto pelos páses­membros, mas houve reã̧es contŕrias, em especial no Brasil
e em Portugal.
A participã̧o brasileira na CPLP tradicionalmente foi vista como t́mida, o que ś
foi parcialmente alterado durante o governo Lula. Miyamoto (2009, p. 33) afirma que
“[...] além da ret́rica de páses irm̃os unidos pela hist́ria, os indicadores entre Brasil
e CPLP est̃o aquém do que se poderia considerar relã̧es privilegiadas”. A partir dos
anos 2000, o Brasil passou a disputar com Portugal o espa̧o de lideraņa do grupo.
O Brasil vem buscando realizar acordos de cooperã̧o com os páses­membros da
CPLP e possui acordos bilaterais relevantes com alguns deles. No ̂mbito da CPLP
ocorrem anualmente encontros setoriais de ministros, entre eles da educã̧o. H́ um
recente esfoŗo de produzir acordos de cooperã̧o multilateral na ́rea, mas ainda com
baixos resultados. No setor, destacam­se a ajuda bilateral de Portugal e Brasil.
O Timor Leste é um caso relevante. O pás, que sofreu com a dominã̧o indonésia
até 2002, passando por um longo peŕodo de guerra civil, recebe aux́lio do Brasil para
fundar as bases de sua poĺtica pública em educã̧o. A cooperã̧o técnica se baseia
em v́rios ̂mbitos e é fruto da semelhaņa lingústica entre os dois lados, apesar de o
portugûs ser uma ĺngua minorit́ria no pás. A cooperã̧o técnica tem marcado a rela­
̧̃o bilateral, com enfoque em projetos de formã̧o da burocracia estatal e formulã̧o
de poĺticas públicas em educã̧o. Materiais did́ticos, por exemplo, s̃o doados para a
consolidã̧o do ensino b́sico no pás e estudantes timorenses j́ fazem parte inclusive
do quadro discente da Universidade da Integrã̧o Luso Afro­Brasileira. Além disso, o
Brasil mantém na cidade de Becora, com o apoio do Servi̧o Nacional de Aprendizagem
Industrial (Senai), o Centro de Formã̧o Profissional Brasil­Timor Leste, onde até o fi­
nal de 2011 se formaram mais de 2200 profissionais nas ́reas de carpintaria, costura
industrial, eletricidade predial, hidŕulica, inforḿtica, marcenaria, constrũ̧o e pani­
ficã̧o/confeitaria. A Coordenã̧o de Aperfei̧oamento de Pessoal de Ńvel Superior
(Capes) tem projeto de parceria com o Ministério de Educã̧o timorense em um pro­
grama de qualificã̧o de docentes e ensino da ĺngua portuguesa. Além disso, projetos
brasileiros no pás t̂m fortalecido o conhecimento do portugûs por parte da burocracia
estatal e contribúdo no processo de implantã̧o do ensino de ṕs­graduã̧o na Uni­
versidade Nacional Timor Lorosa´ e com enfoque em formulã̧o e gest̃o de poĺticas
públicas em educã̧o. A partir do ano de 2012, havia a expectativa de contratã̧o de

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professores universit́rios brasileiros para contribúrem no ensino universit́rio do pás.
O Brasil também tem se engajado no processo de formã̧o de professores do ensino
priḿrio no pás. (MARINHO, [201­])
Outro projeto do qual o pás participa no ̂mbito da CPLP é o programa Geminação
de Escolas, realizado na rede de ensino b́sico dos páses­membros da comunidade
com o objetivo de “[...] criar uma rede de interĉmbio e v́nculos entre as criaņas dos
oito páses, possibilitando um maior conhecimento mútuo da cultura e das realidades
vividas”. (CPLP, [20­­]) Fazem parte do projeto escolas do Brasil, Portugal, Mo̧ambique
e Cabo Verde e o objetivo do programa é aproximar realidades t̃o diversas e lonǵnquas
através da troca de cartas escritas em portugûs.

Universidade da Integração Internacional Luso Afro-Brasileira

A Unilab (Unilab) é um projeto do governo brasileiro de se aproximar dos estudan­


tes dos demais membros da CPLP, em especial os páses africanos, através do ensino
superior. Ela est́ situada na cidade de Redeņ̃o, no Ceaŕ e foi fundada em 2010. A
op̧̃o pelo local estaria no fato de que Redeņ̃o foi a primeira cidade a abolir a es­
cravid̃o no Brasil. H́ também campi nas cidades de Acarape (CE) e S̃o Francisco do
Conde (BA).
Seu projeto guarda semelhaņas com as estratégias realizadas pela Unila, como a
oferta de cursos afinados com as necessidades comuns dos estudantes dos diversos pa­
́ses, como desenvolvimento agŕrio, processos de gest̃o e saúde pública, entre outros.
Também h́ a expectativa de que seu corpo docente seja parcialmente composto por
professores de páses luśfonos. Sua proposta internacionalista é evidente e est́ enun­
ciada em seus proṕsitos: “[...] a Unilab deveŕ oferecer condĩ̧es para que a oferta
de ensino alcance o continente africano que é o segundo continente mais populoso do
planeta e o terceiro continente mais extenso”. (UNILAB, 2012b)
A Unilab faz parte de uma estratégia maior de inseŗ̃o internacional brasileira
junto a páses em desenvolvimento a partir da cooperã̧o internacional. Comentando
sobre a formã̧o desta universidade, o presidente Lula (2010 apud UNILAB, 2012a)
afirmou: “É o Brasil assumindo a sua grandeza, assumindo a condĩ̧o de um pás que,
a vida inteira, foi receptor e, agora, é um pás doador. Ńs queremos ajudar os outros
a se desenvolverem”.
Apesar de ño anunciar uma cota para a composĩ̧o do corpo de alunos, a univer­
sidade conta com um processo de selȩ̃o para alunos estrangeiros que s̃o geridos pelas
miss̃es diploḿticas do Brasil nos páses parceiros (Angola, Cabo Verde, Guiné­Bissau,
Mo̧ambique, S̃o Tomé e Pŕncipe e Timor Leste).10

10 O projeto est́ voltado para os páses africanos. Apesar de em alguns documentos apontar a vontade de
aproximã̧o universit́ria com Portugal, este pás ño é visto como prioridade pela Unilab.

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Alfabetização Solidária

Entidades privadas brasileiras também participam da ã̧o internacional brasileira


na ́rea de educã̧o. O programa Alfabetização Solidária, organizã̧o ño governa­
mental sem fins lucrativos criada em 1997 para o combate ao analfabetismo, est́
presente em Timor Leste, Mo̧ambique, Cabo Verde e S̃o Tomé e Pŕncipe. Neste pás,
o projeto comȩou em 2001, com objetivo de apoiar poĺticas públicas de alfabeti­
zã̧o e educã̧o de jovens e adultos. Em 2002, j́ contava com mais de 100 salas
de aula. Até o final de 2007, mais de 5 mil estudantes j́ foram beneficiados ño
ś com alfabetizã̧o, mas também com educã̧o continuada. (MENEZES, 2007)
O projeto, que recebe apoio do Ministério da Educã̧o local e da Aĝncia Brasileira
de Cooperã̧o (ABC), tem se mostrado relevante em um pás que apresenta taxas de
25% de analfabetismo. (SIGWALT; TONELI, 2003) S̃o Tomé e Pŕncipe tem uma longa
hist́ria de tradĩ̧o de cooperã̧o com o pás. Foi um dos locais em que o educador
Paulo Freire decidiu implantar seu método de alfabetizã̧o. É creditada à ã̧o de pro­
jetos inspirados no intelectual a redũ̧o pela metade do analfabetismo local, que antes
alcaņava 60% da populã̧o.
O programa enfrenta, nos páses africanos, as mesmas dificuldades existentes no
Brasil, como déficit de infraestrutura, baixa remunerã̧o dos professores, dificuldades
em lidar com os comportamentos de jovens e a dificuldade de acesso às salas de aula
pelo transporte local. Além disso, outros problemas culturais desafiam o programa,
como a vontade de alguns estudantes de aprenderem além do portugûs seus outros
idiomas locais, o que o projeto ainda ño abarca. (FARGETTI, [200­])

Conclusão

Neste estudo, apontamos que as estratégias de Brasil e Turquia no setor de coope­


rã̧o em educã̧o guardam algumas semelhaņas em métodos e objetivos. Para os
dois, a capacidade de influenciar a formã̧o intelectual de parte da populã̧o de outros
páses pode ser a oportunidade de estimular o interesse pela integrã̧o e também de
manter viva uma cultura onde possam se situar como páses de lideraņa reconhecida.
Cabe reparar como a Turquia apresenta uma hist́ria de mais de 20 anos de forte
cooperã̧o com seus páses vizinhos, tendo como um de seus objetivos a promõ̧o
de uma turquiedade muitas vezes baseada em uma identidade étnica turkic. Para isso,
as elites turcas t̂m delegado parte desta fuņ̃o para entidades privadas com grande
capilaridade e prest́gio, como é o caso do movimento Gülen. A comparã̧o com o Bra­
sil refoŗa a percep̧̃o de que o pás sul­americano tem se utilizado de sua diplomacia
educacional como ferramenta para estimular valores pŕ­integrã̧o em seus vizinhos e
uma identidade lusofônica nos páses africanos e em Timor­Leste.

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A comparã̧o entre as duas estratégias deixa clara a import̂ncia que o setor
educacional e a aĝncia de cooperã̧o (Tika), contando com grande oŗamento anual,
possuem na poĺtica externa turca. Por sua vez, o Brasil vem demonstrando um aumento
de interesse nesta estratégia, mas foi até agora incapaz de formular uma diplomacia
educacional de grande envergadura. Parte desta dificuldade talvez esteja na incapacida­
de de conquistar legitimidade na opinĩo pública doméstica para ampliar os gastos do
pás em ajuda oficial para o desenvolvimento, ou no menor volume de identidade cul­
tural com seus vizinhos do que no caso turco. Ainda assim, é not́vel como nos últimos
anos a educã̧o tem sido utilizada como meio do pás se aproximar de outros Estados
e aumentar seu prest́gio junto a determinados setores sociais.

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