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ESPAÇO DO CURRÍCULO, v.6, n.3, p.

462-473, Setembro a Dezembro de 2013


 

A EJA NOS CONTEXTOS DE ESCOLARIZAÇÃO: INTERFACES ENTRE A 
CULTURA E O CURRÍCULO 
 
 
Elizabete Carlos do Vale 
 
Resumo 
 

A  Educação  de Jovens  e  Adultos  (EJA)  no  atual  contexto  histórico  vem  passando por 
intensas  mudanças  relacionadas  a  concepções  e  práticas  que  resultam  na 
reorganização,  ampliação  e  na  configuração  de  novos  sentidos,  envolvendo  práticas 
educativas  amplas  e  ações  de  escolarização  (OLIVEIRA;  PAIVA,  2009).  A  partir  dessa 
compreensão,  esboçamos  uma  reflexão  sobre  esse  processo  de  ressignificação, 
focalizando o papel constitutivo da cultura e do currículo na constituição das práticas 
de EJA no cotidiano escolar. Apresentamos nesse artigo, recorte de uma pesquisa em 
andamento  desenvolvida  numa  escola  pública  de  Campina  Grande/PB,  que  objetiva 
perceber como o currículo incide sobre os processos de subjetivação e diferenciação, 
influenciando práticas discriminatórias e ou emancipatórias dos sujeitos envolvidos na 
EJA.  Tomamos  como  referencial  teórico,  estudos  sobre  cultura  em  sua  correlação  e 
interfaces  com  o  currículo, a partir das  contribuições  de  Freire  (2000),  Giroux  (1997), 
Arroyo (2007), Paiva (2004), Oliveira (2007) dentre outros. Esses autores corroboram a 
discussão sobre a visibilidade das culturas tidas como subalternas e a compreensão da 
escola  e  do  currículo  como  espaço  de  contradições,  donde  resultam  relações 
complexas de reprodução, mas também de resistência e emancipação.  
 
Palavras‐chaves: EJA, CULTURA, CURRÍCULO. 
 
 
 
A RESSIGNIFICAÇÃO DA EJA E A DIMENSÃO CULTURAL DO CURRÍCULO 
Discutir  sobre  o  currículo  na  educação  de  jovens  e  adultos  (EJA)  remete‐nos  a 
necessidade  de  refletir  sobre  a  reconfiguração  da  EJA  no  atual  contexto  histórico, 
sobre as intensas mudanças e os novos sentidos que a mesma vem adquirindo, tanto 
em  relação  às  práticas  desenvolvidas,  quanto  aos  aspectos  conceituais.  Conforme 
discutido  em  trabalho  anterior  (VALE  e  OLIVEIRA,  2010),  uma  das  marcas  da 
redefinição nas práticas de EJA é a presença cada vez mais marcante de jovens, dada a 
expansão  do  atendimento  dessa  modalidade  educativa.  Para  Haddad  e  Di  Pierro 
(2005),  o  desafio  da  expansão  do  atendimento  na  EJA  já  não  reside  apenas  na 
população que jamais foi à escola, “mas se estende àquela que freqüentou os bancos 
escolares, mas neles não obteve aprendizagens suficientes para participar plenamente 
da vida econômica, política e cultural do país e seguir aprendendo ao longo da vida” (p. 
116).  
A  EJA  como um  campo  caracterizado historicamente  por  ações  “tímidas”  e  por 
controvérsias  no  âmbito  das  políticas  educacionais  traz  como  marca  a  diversidade  de 
sujeitos cujos direitos tem sido negados historicamente (OLIVEIRA, 2011). Conforme afirmado 
no Documento Nacional Preparatório à VI Conferência Internacional de Educação de Adultos 

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(VI CONFINTEA)1, tais diversidades e desafios precisam ser considerados quando pensadas as 
políticas e práticas educativas para a EJA. 
 
A  EJA  é  também  espaço  de  tensionamento  e  aprendizagem  em 
diferentes ambientes de vivências  que  contribuem  para  a  formação 
de jovens e adultos como sujeitos da história. Nesses espaços, a EJA 
volta‐se para um conjunto amplo e heterogêneo de jovens e adultos 
oriundos  de  diferentes  frações  da  classe  trabalhadora.  Por  isso,  é 
compreendido na diversidade e multiplicidade de situações relativas 
às  questões  étnico‐racial,  de  gênero,  geracionais;  de  aspectos 
culturais e regionais e geográficos; de orientação sexual; de privação 
da  liberdade;  e  de  condições  mentais,  físicas  e  psíquicas  — 
entendida,  portanto,  nas  diferentes  formas  de  produção  da 
existência,  sob  os  aspectos  econômico  e  cultural.  Toda  essa 
diversidade  institui  distintas  formas  de  ser  brasileiro,  que  precisam 
incidir  no  planejamento  e  na  execução  de  diferentes  propostas  e 
encaminhamentos na EJA. (BRASIL, 2009, p. 28). 
 
Essa  realidade  impõe  como  necessidade  pensar  a  EJA  de  forma  diferenciada, 
considerando o perfil extremamente diverso de seu público, buscando superar a visão de EJA 
como  uma  ação  restrita  à  alfabetização  e  a  função  de  suplência,  efetivando‐a  como 
modalidade da educação básica, nas etapas fundamental e média com característica própria, 
conforme definido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96).  
Estudos de diversos autores que refletem sobre EJA, como Oliveira (2007); Paiva (2009); 
Haddad & Di Pierro (2000), dentre outros, bem como, as práticas tecidas no cotidiano escolar, 
demonstram que o que define os sujeitos de EJA inseridos em contextos de escolarização não 
é apenas a especificidade etária, mas prioritariamente o traço cultural, ou seja, sua condição 
de excluídos da escola regular. Isso exige um olhar mais sensível para as especificidades desses 
sujeitos,  reconhecendo  que  os  educandos  da  EJA,  ao  tentarem  retornar  a  escola,  trazem 
consigo  as  marcas  da  exclusão  e  do  abandono  do  sistema  de  ensino,  o  que  remete,  entre 
outros aspectos,  pensar a  EJA  e  os  sujeitos  que  a  constitui  para além  da  ideia das  carências 
educativas. Compreender os sujeitos de EJA como sujeitos sociais e culturais que chegam às 
escolas com identidades de classe, raça, etnia, gênero, território, entre outros. 
Tais  aspectos  apontam  para  a  necessidade  de  compreender  o  papel  constitutivo  da 
cultura,  o  lugar  que  a  cultura  ocupa  no  espaço/tempo  do  cotidiano  e  na  constituição  da 
subjetividade e da própria identidade do sujeito como ator social, bem como, sua influência 
nos  “currículos  praticados”  (OLIVEIRA,  2003)  no  cotidiano  escolar.  Começamos  a  discussão 
sobre cultura apoiadas nas reflexões provocadas por Garcia Canclini (citado por ROSA, 2006) 
que afirma: 
Cultura  será  entendida  como  aquela  dimensão  da  realidade que dá 
conta  das  práticas  institucionais  que,  de  uma  ou  outra  maneira, 
                                                           
1
A VI CONFINTEA foi realizada no Brasil, na cidade de Belém/PA, no ano de 2009. Realizada desde
1949, a cada 12 anos, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO), seu objetivo é debater e avaliar as políticas implementadas em âmbito internacional para essa
modalidade de educação e traçar as principais diretrizes que nortearão as ações neste campo. O Brasil é o
primeiro país do Hemisfério Sul a sediar uma CONFINTEA, as cinco edições anteriores foram
recepcionadas, respectivamente, pela Dinamarca, Canadá, Japão, França e Alemanha. (BRASIL, 2009).

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contribuem  para  a  produção,  a  administração,  renovação  e 


reestruturação  do  sentido  das  ações  sociais.  O  conceito  procura 
apreender  o  conjunto  dos  processos mediante  os quais  os homens 
representam o mundo para si mesmos, o interpretam e o constroem, 
tornando  assim  comunicável  e  inteligível  a  sua  experiência  para  os 
demais.” (GARCIA CANCLINI, 1983, apud ROSA, 2006, p.60). 
 
A centralidade da cultura nos fenômenos sociais indica, conforme Hall (1997, p. 16), a 
forma  como  a  cultura penetra  em  cada recanto  da  vida  contemporânea,  contribuindo  para 
assegurar  que  “toda  ação  social  é  ‘cultural’(grifo  do  autor),  que  todas  as  práticas  sociais 
expressam ou comunicam um significado e, neste sentido, são práticas de significação”. Como 
destaca Moreira (2007), Hall é incisivo ao discutir sobre a preponderância que a esfera cultural 
tem tido na organização da nossa vida social, quando afirma: 
 
Por  bem  ou  por  mal,  a  cultura  é  agora  um  dos  elementos  mais 
dinâmicos  –  e  mais  imprevisíveis  –  da  mudança  histórica  no  novo 
milênio.  Não  deve  nos surpreender,  então, que as  lutas  pelo  poder 
sejam, crescentemente, simbólicas e discursivas, ao invés de tomar, 
simplesmente,  uma  forma  física  e  compulsiva,  e  que  as  próprias 
políticas  assumam  progressivamente  a  feição  de  uma  política 
cultural. (HALL, apud MOREIRA, 2007, p.20). 
 
Entretanto,  Hall  alerta  que  admitir  a  importância  da  cultura  não  significa  um 
reducionismo cultural, em que não existe nada além da cultura. Implica, conforme Silva (2005, 
p.  134),  conceber  a  “cultura  como  um  campo  de  produção  de  significados  no  qual  os 
diferentes grupos sociais, situados em posições diferenciais de poder, lutam pela imposição de 
seus  significados  à  sociedade  mais  ampla”.  Para  Moreira  (2007),  esse  papel  constitutivo  da 
cultura,  expresso  em  praticamente  todos  os  aspectos  da  vida  social,  configura‐se  como 
elemento  importante  em  discursos,  práticas  e  políticas  curriculares.  Desse  modo,  como 
enfatiza  Moreira  (op.  cit),  o  entendimento  da  cultura  como  prática  social  tem  uma  relação 
intrínseca com o currículo, este, entendido como um conjunto de práticas em que significados 
são construídos, disputados, rejeitados e/ou compartilhados.  
 
O  currículo  é  um  campo  em  que  se  tenta  impor  tanto  a  definição 
particular  de  cultura  de  um  dado  grupo  quanto  o  conteúdo  dessa 
cultura.  O  currículo  é  um  território  em  que  se  travam  ferozes 
competições em torno dos significados. O currículo não é um veículo 
que transporta algo a ser transmitido e absorvido, mas sim um lugar 
em que, ativamente, em meio a tensões, se produz e se reproduz a 
cultura. (MOREIRA, 2007, p. 28). 
 
Pensar o currículo como política cultural remete‐nos a compreensão da importância dos 
Estudos  Culturais2  para  pensar  a  formação  de  professores,  tema  relevante  na  EJA 
                                                           
2
De acordo com Tomaz Tadeu da Silva (2005), O que distingue os Estudos Culturais de disciplinas
acadêmicas tradicionais é seu envolvimento explicitamente político. “As análises feitas nos Estudos
Culturais não pretendem nunca ser neutras ou imparciais. Na crítica que fazem das relações de poder
numa situação cultural ou social determinada, os Estudos Culturais tomam claramente o partido dos

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contemporânea,  e,  para  pensar  o  currículo  no  cotidiano  da  sala  de  aula,  a  partir  de 
perspectivas  defendidas  por  Giroux  (2009)  como:  a)  Transformar  a  cultura  num  construto 
central  da  estruturação  dos  currículos  e  do  fazer  pedagógico  cotidiano  das  salas  de  aula, 
focalizando  questões  relacionadas  às  diferenças  culturais,  ao  poder  e  à  história;  b) 
Compreender  a  relação  intrínseca  entre  a  linguagem  e  o  poder,  particularmente,  como  a 
linguagem  é  usada  para  moldar  identidades  sociais  e  assegurar  formas  específicas  de 
autoridade. c) Enfatizar o vínculo do currículo às experiências que os estudantes trazem para o 
encontro com o conhecimento institucionalmente legitimado. (GIROUX, 2009). 
Sobre esse aspecto, nos reportamos a Silva (2005), que enfatiza que o currículo como 
política cultural, de Giroux, fala numa “pedagogia da possibilidade” que supere as teorias de 
reprodução,  tomando  como  referência  os  estudos  da  Escola  de  Frankfurt  sobre  a  dinâmica 
cultural e a crítica da racionalidade técnica. Desse modo, compreende o currículo a partir dos 
conceitos de emancipação e liberdade, já que vê a pedagogia e o currículo como um campo 
cultural  de  lutas.  Giroux  acredita  que  a  dinâmica  cultural  tem  grande  importância  na 
elaboração dos currículos, pois, para ele, as pessoas não aceitam simplesmente o que lhes é 
imposto  pelas  classes  dominantes.  Sua  premissa  fundamental  é  precisamente  a  recusa  a 
pensar qualquer intencionalidade normativo‐pedagógica sem referência ao contexto histórico 
e social mais amplo no qual ela se insere, enfatizando assim, a necessidade do currículo “dar 
voz” às culturas excluídas, “negadas ou silenciadas”.  
Ainda  de  acordo  com  Silva  (2005),  na  discussão  sobre  as  dimensões  emancipatória  e 
libertadora  do  currículo,  Giroux  a  partir  de  Habermas  e  Gramsci  defende  três  conceitos 
centrais:  esfera  pública  ‐  escola  e  currículo  devem  atender  às  questões  propostas  pelos 
estudantes,  seus  interesses  a  partir da  vida social;  intelectual  transformador  ‐  mais  do  que 
técnicos capacitados ou simplesmente ‘aplicadores do currículo’, os professores são ativos na 
crítica e no questionamento; e, voz ‐ os estudantes devem se manifestar, portanto, o currículo, 
por  consequência,  tem  que  dar  ouvido  a  eles.  Silva  (idem)  afirma  ainda  que  para  Giroux, 
entender  o  currículo  enquanto  política  cultural  é  entender  o  currículo  não  como  mero 
reprodutor  da  ideologia  dominante,  mas  sim  como  fruto  da  construção  de  significados  e 
valores culturais de uma sociedade, significados esses, impostos, mas também contestados.  
Partindo do reconhecimento da escola como um território de luta e da pedagogia como 
forma  de  política  cultural,  Giroux  e  McLaren  (2002)  defendem  que  é  fundamental  que  se 
reconheça  que  nas  escolas,  os  significados  são  produzidos  pela  construção  de  formas  de 
poder,  experiências  e  identidades,  e  estes,  precisam ser analisados  em seu sentido  político‐
cultural  mais  amplo.  A  ideia  da  escola  como  produção  de  significados  e  de  possibilidades 
emancipatórias é central nas reflexões de Freire. Para Freire “a escola não é boa, nem má em 
si, depende a que serviço ela está no mundo. Precisa saber quem ela defende”. (FREIRE, 1992, 
p.38). A partir dessa reflexão sobre a escola e o seu papel, Freire nos instiga a compreender a 
escola como um espaço em que se ensina muito mais que conteúdos, ensina uma forma de ver 
o mundo. Neste sentido, “o que ensinar” não poder estar desvinculado de outras questões que 
precisam  ser  feitas  no  ato  de  ensinar  e  sobre  o  papel  da  escola  e  as  relações  pedagógicas 
estabelecidas no interior da escola, como: A quem serve a escola? Contra e a favor de quem 
ensina?  O  que  é  ensinar?  O  que  é  aprender?  Como  se  dão  as  relações  entre  ensinar  e 
aprender?  O  que  é  o  saber  da  experiência  feito?  Podemos  descartá‐lo  como  impreciso, 
desarticulado?  
Freire  (1992)  entende  que  para  além  de  processos  de  reprodução  da  ideologia 
dominante  vivenciados  no  interior  da  escola,  esta  pode  se  configurar  como  um  espaço 
democrático  privilegiado  da  ação  educativa  possibilitando  aos  sujeitos  construírem  suas 

                                                                                                                                                                           
grupos em desvantagem nessas relações. Os Estudos Culturais pretendem que suas análises funcionem
como uma intervenção na vida política e social.” (Silva, 2005, p. 134).

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próprias  vozes,  desenvolverem  subjetividades  democráticas  e  validarem  suas  experiências. 


(GIROUX,  1997).  A  concepção  freireana  de  homem  como  um  ser  de  relações,  cuja  vocação 
ontológica é ser um sujeito que age sobre o mundo podendo transformá‐lo; da educação como 
ato de conhecimento, pautada na dialogicidade, na problematização, na valorização crítica dos 
saberes  experienciais  e  na  apreensão  de  conhecimentos  que  possibilitem  a  luta  pela 
emancipação social dos sujeitos; e a concepção antropológica de cultura como arena de lutas e 
contradições, aponta para um vasto campo conceitual, para se discutir questões de currículo.  
Desse  modo,  entendemos  que  a  abordagem  do  currículo  da  EJA  numa  perspectiva 
cultural contribui para que ao pensarmos na EJA, não o façamos de forma abstrata, ignorando 
sua  história  que,  até  então  se  configura  como  uma  perspectiva  negativa,  a  qual  é  sempre 
associada  à  ideia  compensatória,  curativa,  o  que  termina  por  reforçá‐la  como  educação 
inferior, de segunda classe destinada apenas a corrigir falhas e tamponar carências do sistema 
educativo.  Tal  perspectiva  desqualifica  a  priori  os  alunos  jovens  e  adultos,  em  sua  maioria, 
trabalhadores,  que  trazem  para  o  espaço‐tempo  escolar  não  só  a  marca  da  exclusão  e  da 
destituição de direitos, mas, à riqueza de suas experiências de vida. (CIAVATTA & RUMMERT, 
2010). 
A  definição  das  Diretrizes  Curriculares  Nacionais  (DCNs)3  para  EJA  instituída  pelo 
Conselho  Nacional  da  Educação  (CNE)  por  intermédio  da  Câmara  da  Educação  Básica  (CBE) 
configura‐se  como  perspectiva  de  pensar  a  EJA  para  além  do  caráter  compensatório. 
Configura‐se assim, a partir de uma perspectiva inclusiva do direito a educação (PAIVA, 2009) 
de  uma  parcela  da  população  que  por  diversas  razões  não  concluiu  os  estudos  na  idade 
adequada.  De  acordo  com  as  DCNs  a  EJA  deve  ser  pautada  pelos  princípios  de  equidade, 
diferença  e  na  proposição  de  um  modelo  pedagógico  próprio,  de  modo  a  assegurar:  a 
igualdade  de  direitos  e  de  oportunidades  face  ao  direito  à  educação;  o  reconhecimento  da 
alteridade própria e inseparável dos jovens e adultos em seu processo formativo, assegurando 
aos  estudantes  de  EJA  a  adequação  dos  componentes  curriculares  face  às  necessidades 
próprias  da  educação  de  jovens  e  adultos  com  espaço  e  tempos  nos  quais  as  práticas 
pedagógicas  assegurem  aos  mesmos,  identidade  formativa  comum  aos  participantes  da 
escolarização básica. (BRASIL, 2000).  
Nessa direção, o Parecer CEB 11/2000 destaca que é necessário que a escola assuma a 
função  reparadora  de  uma  realidade  injusta,  que  não  deu  oportunidade  nem  direito  de 
escolarização  a  tantas  pessoas.  Ressalta  ainda,  que  a  escola  deve  também  contemplar  o 
aspecto equalizador, possibilitando novas inserções no mundo do trabalho, na vida social, nos 
espaços de  estética  e na abertura  de  canais de  participação,  bem  como,  desempenhar uma 
função  qualificadora,  definida  numa  perspectiva  de  educação  permanente.  Em  relação  ao 
aspecto sociocultural da EJA e dos sujeitos que a compõe, o Parecer nº 11/2000, no item IX, 
afirma  que,  sendo  a  EJA  uma  modalidade  da  educação  básica  no  interior  das  etapas 
fundamental  e  média,  pauta‐se  pelos  mesmos  princípios  postos  na  LDB,  tomando  como 
diretrizes curriculares as mesmas dessas etapas. Entretanto, alerta que é fundamental que as 
práticas  pedagógicas  na  EJA  se  orientem  por  princípios  pedagógicos  de  contextualização, 
descontextualização  e  recontextualização  dada  à  diversidade  dos  sujeitos  da  EJA,  suas 
experiências, conhecimentos e aptidões.  

                                                           
3
As Diretrizes Curriculares Nacionais Para a Educação de Jovens e Adultos foram instituídas através da
resolução CNE/CEB n.º 1/2000. De acordo com a resolução essas diretrizes são obrigatórias tanto na
oferta quanto na estrutura dos componentes curriculares de Ensino Fundamental e Médio de cursos
desenvolvidos em instituições próprias, integrantes da organização da educação nacional, à luz do caráter
peculiar dessa modalidade de educação. (BRASIL, 2000).

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Os  princípios  da  contextualização  e  do  reconhecimento  de 
identidades pessoais  e  das diversidades  coletivas  constituem‐se  em 
diretrizes nacionais dos conteúdos curriculares. A contextualização se 
refere  aos  modos  como  estes  estudantes  podem  dispor  de  seu 
tempo  e de  seu  espaço.  Por  isso,  a  heterogeneidade do público da 
EJA  merece  consideração  cuidadosa.  A ela se  dirigem  adolescentes, 
jovens e  adultos,  com múltiplas  experiências de  trabalho, de  vida e 
de situação social, aí compreendidos as práticas culturais e os valores 
já constituídos. (BRASIL, 2000, p. 61).  
 
A descontextualização e recontextualização dos conhecimentos/conteúdos curriculares 
se tornam uma mediação significativa para a ressignificação das diretrizes curriculares, sendo 
necessário que no cotidiano das práticas de EJA, os mesmos sejam trabalhados de modo que 
ao “descontextualizá‐los da idade escolar própria da infância e adolescência para, aprendendo 
e mantendo seus significados básicos, recontextualizá‐los na EJA”. (Ibidem). Pautar as práticas 
pedagógicas escolares pelas definições das Diretrizes Curriculares Nacionais equivale dizer que 
é necessário reconhecer que a EJA tem uma identidade própria que, portanto, deve se orientar 
por  princípios  metodológicos  específicos  que  respeite  os  conhecimentos  e  as  múltiplas 
experiências dos jovens e dos adultos, não os tratando como criança.  
Apesar da EJA ter como marca a diversidade de sujeitos, há, conforme afirma Oliveira 
(2007), uma tendência predominante nas propostas e práticas curriculares dessa modalidade 
educativa de fragmentação do conhecimento, de organização do currículo numa perspectiva 
excessivamente tecnicista e disciplinarista, bem como, de tratar os sujeitos da EJA de forma 
homogênea.  Dentre  os  diversos  problemas  que  decorrem  da  inadequação  das  propostas 
curriculares aos adultos que não tiveram oportunidade de se escolarizar no “tempo devido”, 
Oliveira (2007) aponta que alguns são cruciais como: Infantilização do adulto, principalmente 
pela  utilização  por  parte  do  professor  de  linguagem  infantilizada  o  que  contribui  para 
desqualificação do aluno ao tratá‐lo de maneira artificialmente infantil através do excesso de 
diminutivos; Dificuldade para o estabelecimento de diálogos entre as experiências vividas, os 
saberes anteriormente tecidos pelos educandos e os conteúdos escolares.  
Esse  aspecto  é  traduzido  pela  dicotomia  entre  a  lógica  que  preside  a  organização  da 
escola  e  as  propostas de  trabalho  que  ela  busca  pôr  em  prática  e  as  concepções  de mundo 
bastante  diferentes  do  público  que  a  frequenta,  “o  que dificulta  imensamente ao  educando 
realizar o enredamento daquilo que se diz e se propõe na escola com os saberes que traz de 
sua vivência se apresenta como elemento fundamental. (OLIVEIRA, 2007, p.103). Para Oliveira,  
 
Os critérios e modos de seleção e organização curricular não buscam 
dialogar nem com os saberes nem com os desejos e expectativas dos 
jovens a que se destinam, permanecendo enclausurados nas certezas 
de  uma  "ciência"  que,  em  nome  das  suas  supostas  objetividade  e 
neutralidade,  abdica  de  se  comunicar  com  o  mundo  das  pessoas. 
(OLIVEIRA, 2007, p.103) 
No processo de investigação, percebemos que esses aspectos parecem ser um desafio 
constante  às  práticas  cotidianas  dos  professores  de  EJA  o  que  tende  a  materializar‐se  nos 
currículos prescritos e praticados nos cotidianos escolares de EJA. 
 

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OS “CURRÍCULOS PRATICADOS” NO COTIDIANO DE EJA NUMA ESCOLA PÚBLICA DE CAMPINA 
GRANDE/PB4: A POLISSEMIA DAS PRÁTICAS 
 
Refletir sobre o processo de ressignificação da EJA, focalizando o papel constitutivo da 
cultura  e  suas  influencias  na  construção  de  práticas  curriculares  na  EJA  nos  contextos  de 
escolarização,  exige,  no  nosso  entender, um  “mergulho nos  cotidianos”  das práticas  de  EJA. 
Para  tanto,  optamos  pela  perspectiva  metodológica  da  pesquisa dos/nos/com os  cotidianos 
por  entender  que  tal  referencial  metodológico  contribui  para  a  compreensão  do  cotidiano 
escolar  não  como  um  lugar  de  mera  repetição,  de  reprodução  de  regras  e  imposições  do 
sistema de  ensino,  mas,  como  um  espaço/tempo  complexo  e polissêmico (OLIVEIRA,  2003), 
que é constantemente reinventado por seus praticantes (CERTEAU, 1994).  
Assim, conforme o observado no cotidiano da escola e a partir do objetivo principal da 
pesquisa que era o de perceber como o currículo incide sobre os processos de subjetivação e 
diferenciação,  influenciando  práticas  discriminatórias  e  ou  emancipatórias  dos  sujeitos 
envolvidos  na  EJA,  registramos  algumas  observações  das  práticas  vivenciadas  na  escola  e  o 
relato de alguns professores. No que se refere à prática pedagógica e dificuldades enfrentadas 
no cotidiano da sala de aula, o relato dos professores5 Edilson, Helena e Vânia demonstram 
que a ausência de uma proposta curricular e de condições para trabalhar com a EJA, tem se 
traduzido na prática cotidiana da sala de aula, como um desafio constante:  
 
Uma  coisa  é  o  que  é  proposto  pra  gente  ensinar  (currículo),  outra 
coisa  é  quando  você  se  depara  na  prática,  principalmente,  quando 
você vê a quantidade de conteúdo pra trabalhar, o tempo bastante 
reduzido  e  as  grandes  dificuldades  que  os  alunos  têm.  Na  EJA  o 
ensino  médio  é  trabalhado  em  1  ano  e  meio,  e  os  alunos  tem 
dificuldades seríssimas em matemática e português que dificultam a 
entender  os  conteúdos  de  outras  disciplinas  como  a  física,  por 
exemplo. (Professora Helena). 
É muito difícil trabalhar com EJA, primeiro que não é oferecida condição 
nenhuma, você trabalha com a cara e a coragem. Segundo, você tem uma 
maioria  de  alunos  que  não  quer  nada,  ou  melhor,  querem  apenas  o 
certificado de conclusão do ensino médio, não querem saber de aprender, 
querem apenas notas. Claro que tem alunos que querem alguma  coisa, 
querem  continuar  nos  estudos,  fazer  vestibular,  mas,  é  uma  minoria. 
Desse jeito fica muito difícil, sabe... A  gente não  tem ajuda de nada, de 
ninguém,  nem  da  escola,  nem  da  secretaria  de  educação,  de  ninguém 
mesmo, isso mata a gente viu! (Professora Vânia). 
Como  a  gente  não  tem  nenhum  apoio  ou  orientação  pedagógica, 
nem material didático específico pra esse público, então a gente tem 
que se virar pra dá conta das aulas tentando adaptar os conteúdos 
do ensino médio regular para a EJA. (Professor Edilson). 

                                                           
4
O lócus da pesquisa é a Escola de Ensino Fundamental e Médio Sólon de Lucena, localizada no centro
de Campina Grande/PB que atua com EJA desde 2003. Os dados apresentados no presente trabalho são
parciais, referem-se a uma pesquisa que vem sendo desenvolvida junto a turmas de EJA (Ensino Médio),
desde o ano de 2009. Para coleta de dados recorreu-se a dois instrumentos principais: a entrevista semi-
estruturada e a observação livre.
5
Para a preservação da identidade dos sujeitos praticantes da pesquisa, os nomes apresentados no
decorrer do texto são fictícios.

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Esses  aspectos  acima  mencionados  têm  uma  relação  intrínseca  com  a  definição  do 
currículo para a EJA e sua efetivação concreta no cotidiano da sala de aula apontando como 
necessidade  imperativa,  o  repensar  dos  currículos  com  metodologias  e  materiais  didáticos 
adequados às necessidades da clientela da EJA e a formação de professores condizentes com a 
especificidade  dessa  modalidade  educativa,  de  modo  que  contribua  para  o  diálogo  entre  a 
seleção  e  organização  curricular  e  os  saberes  dos  alunos.  Para  Paiva  (2004)  pensar  um 
currículo para o Ensino Médio, na modalidade EJA, “exige admitir que se este nível de ensino, 
embora integrante da educação básica, não vem sendo oferecido à medida da demanda para 
os que se encontram em adequada relação idade‐série, no caso da EJA muito pouca expressão 
vem podendo oferecer”. (PAIVA, 2004, p. 3). 
O não enredamento entre os saberes dos alunos e os saberes que a escola se propõe 
realizar (OLIVEIRA, 2004) tem uma relação intrínseca com a não neutralidade do ordenamento 
do  currículo,  como discutido  por  Arroyo  (2007).  No  entender  do  autor,  o  currículo  parte de 
protótipos  de  alunos,  estrutura‐se  em  função  desses  protótipos  e  os  reproduz  e  legitima  a 
imagem que, como docentes, temos dos alunos, das categorias e das hierarquias em que os 
classificamos. Como afirma Arroyo: 
 
E sobre essas imagens construímos as imagens de alunos, definimos 
funções  para  cada  escola  e  priorizamos  ou  secundarizamos 
conhecimentos,  habilidades  e  competências.  Se  a  escola  e 
especificamente  o  ordenamento  curricular  são  constituintes  de 
protótipos de alunos, as imagens sociais que projetamos sobre eles 
nos chegam de fora, dadas pela cultura social, pela divisão de classes, 
pelas  hierarquias  sócio‐étnico‐raciais,  de  gênero  e  território,  pela 
visão negativa que a sociedade tem das pessoas com “deficiências”. 
(...)  Um  olhar  crítico  sobre  essas  imagens  é  um  caminho  para uma 
postura crítica perante os currículos. (ARROYO, 2007, 23).  
 
Durante  o  processo  de  realização  da  pesquisa  na  escola6,  observamos  situações  que 
evidenciaram  imagens  diversas  que  professores  têm  sobre  os  alunos  de  EJA,  que  no  nosso 
entender influenciam diretamente as práticas curriculares desses professores, ora reforçando 
práticas discriminatórias, ora, práticas emancipatórias dos sujeitos envolvidos na EJA. Durante 
o  intervalo  das  aulas,  uma  discussão/conversa  entre  professores  sobre  os  resultados  das 
avaliações que estavam sendo realizadas naquela semana evidenciavam concepções diversas 
sobre o aluno de EJA, suas dificuldades, motivações para voltarem a freqüentar a escola e suas 
potencialidades. Num dado momento da conversa o professor Marcos falou de forma irônica: 
“É  professoras,  nas  suas  pesquisas  você  vão  descobrir  quanta  inteligência  tem  aqui,  vão 
descobrir  que  esses  alunos  vão  sair  daqui  e  encher  a  UFCG  e  UEPB7”.  O  professor  Roberto 
acrescentou: “É, a maioria dos alunos de EJA não sabe de nada, a gente tem que tirar leite de 
pedra”.  A  nosso  ver,  tais  discursos  evidenciam  por  um  lado,  as  dificuldades  enfrentadas  no 
cotidiano da EJA, as quais terminam por gerar no professor desânimo e descrédito, por outro, 
explicitam  um  preconceito  usual  no  imaginário  dominante  sobre  os  alunos  de  EJA,  como 
ignorantes, destituídos de conhecimento, portanto, como sujeitos de segunda classe.  
                                                           
6
Vale salientar que o registro de observações de vivências do cotidiano escolar de EJA tem como
pretensão a compreensão do que acontece, sem julgar quem faz, sem acusar professor “A” ou “B” de ser
progressista e/ou conservador, ou o aluno de não entender ou de ainda não saber nada.
7
UFCG (Universidade Federal de Campina Grande) e UEPB (Universidade Estadual da Paraíba).

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Entretanto,  dada  a  complexidade  do  cotidiano  das  escolas,  “onde  tudo  entrecruza  e 
entrelaça,  sem  perda  da  variedade  e  da  diversidade  das  complexidades  que  o  tecem” 
(OLIVEIRA, 2011, p. 25), essas concepções acerca dos alunos de EJA não são generalizadas. O 
contraponto feito por outros professores à fala dos professores acima mencionados deixa isso 
claro:  A  professora Helena  retrucou:  “O que  é  isso  professor! Dificuldades  todos eles  tem  e 
muito, mas isso não quer dizer que não sejam inteligentes”. O que foi complementado pela 
professora Soraia, quando afirmou: “É...pras condições de vida e de estudo deles, já é muita 
vitória estar aqui e conseguirem permanecer até concluírem o ensino médio”! Já a professora 
Vânia comentou: “Pode ser muito pouco, mas na semana passada vieram aqui quatro alunos 
pra compartilhar com a gente a alegria de terem sido aprovados no vestibular”. Já o professor 
Edilson afirmou: “Aluno fraco você tem em todo canto, claro que os alunos de EJA tem mais 
dificuldades, até pelas condições de estudo, né!”. A conversa acalorada continuou até que a 
campanhia tocou indicando o fim do intervalo. Quando nos direcionávamos pra sala de aula, a 
professora Helena comentou:  
 
Viu como é difícil trabalhar com EJA! Tem professor aqui que parece 
que sente prazer em botar os alunos mais pra baixo do que já estão, 
só vêem as coisas com pessimismo, bota a gente pra baixo também. 
Sinceramente acho que tem uns tipos de professores que não deveria 
ser professor de jeito nenhum, principalmente de EJA. 
 
A fala da professora nos reporta as reflexões feitas por Freire (1996) sobre os saberes 
necessários  à  prática  educativa,  quando  este  afirma  que  ensinar  não  é  transferir 
conhecimento,  que  é  fundamental  que  em  sua  prática  pedagógica  cotidiana  o  professor 
compreender que necessita de outros saberes, além do domínio do conteúdo da sua área de 
conhecimento,  entre  outros,  o  respeito  aos  saberes  do  educando.  Para  Freire  (op.cit),  isso 
remete a necessidade de entender que ensinar exige humildade educacional para entender o 
educando  como  cidadão  que  já  possui  uma  leitura  de  mundo.  “Na  sua  prática  cabe  ao 
professor descobrir a melhor maneira de a partir do conhecimento cultural do aluno ensinar o 
conhecimento  escolar  num  processo  onde  o  saber  científico  só  será  apreendido  quando  o 
conteúdo tiver significado na vida do educando”(FREIRE, 1996, p. 49).  
Entendemos  que  os  professores  de  EJA,  mesmo  convivendo  com  complexas 
adversidades no seu fazer educacional, criam no cotidiano das suas práticas saberes e tecem 
currículos  para  além  do  que  é  definido,  para  além  do  que  é  prescrito.  Ou  seja,  existem 
conhecimentos  que  são  da  ordem  de  experiências  engendradas  em  táticas  singulares 
presentes  nas  ações  cotidianas  do  professor,  conhecimentos  esses,  entendidos  no  sentido 
certeauniano como “artes de fazer” (CERTEAU, 1994). Nesse sentido, percebemos a partir das 
observações  do  cotidiano  da  sala  de  aula  e  do  relato  de  alguns  alunos  e  professores  a 
preocupação  que  os  mesmos  tinham em  contextualizar os  conteúdos  ensinados,  na  medida 
em  que  buscavam  o  envolvimento  e  participação  dos  alunos  numa  perspectiva  de 
entendimento dos conhecimentos trabalhados.  
Em uma das aulas de matemática, por exemplo, foi possível observar a preocupação do 
professor em  envolver a  turma  na  realização  de  atividades  propostas no quadro,  através  da 
qual instigava e incentivava o aluno a vir responder no quadro, lembrando sempre que todos 
eram capazes de responder e que, se não soubessem não tinha problema. Logo após algum 
aluno responder a questão no quadro, o professor perguntava a turma se a resposta estava 
correta, corrigindo a questão de forma conjunta com a turma, o que tornava a aula bastante 
participativa.  A  preocupação  do  professor  com  o  aprendizado  dos  alunos  e  com  o 
envolvimento dos mesmos nas aulas fica claro na fala de uma aluna (uma senhora de 65 anos) 

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que comentou conosco: “matemática é muito difícil, ainda bem que o professor é bom, ajuda a 
gente, tem paciência com a gente”.  
No  intento  de  compreender  como  as  práticas  pedagógicas  dos  professores  são 
indicativas ou apontam para a possibilidade de vivência ou não de práticas emancipatórias no 
cotidiano escolar da educação de jovens e adultos, apresentamos narrativas das professoras 
Vânia  e  Helena  e  Ivone  sobre  suas  práticas  pedagógicas,  sobre  o  que  priorizam  quando 
definem os conteúdos a serem trabalhados nas suas aulas. Como relatam as professoras: 
 
Como a gente não tem material didático voltado para a EJA, aí o jeito 
é  ir  adaptando.  Então  eu  pego  um  livro  didático  que  é  do  ensino 
médio  regular,  certo  que  muitas  vezes  não  interessa  a  eles,  vou 
tentando  contextualizar,  trabalhar  o  que  acho  que  é  importante  e 
interessante  pros  alunos,  por  que  se  não  for  interessante  pra  eles 
não vai, não evolui. (profª Vânia). 
Eu  tô  sempre  procurando um  jeito  de melhorar,  de  tornar  as  aulas 
mais interessantes, por que tem conteúdos que são mais difíceis, tem 
muita matemática. A  matemática é  necessária,  mas  eu  tô  tentando 
trabalhar os conteúdos sem matematizar tanto. Quando o aluno de 
EJA  vem  pra  escola,  pra  sala  de  aula,  ele  já  vem  cansado  ou 
desestimulado,  então,  ele  permanece  na  sala  de  aula  se  aquilo 
interessar a ele, até porque não tá ali obrigado. Então eu faço muito 
trabalho  de  grupo  por  dois  motivos:  primeiro  como  os  alunos  têm 
muita dificuldade, não  tem  tempo  pra  estudar,  eu  faço  trabalho  de 
dupla na sala de aula, porque os que sabem mais um pouco ajuda os 
que têm mais dificuldades, então eu percebo que eles se envolvem 
mais, são solidários e segundo porque como quase não tem material 
didático, muitas vezes eu que trago, tirando dinheiro do bolso, então 
não dá pra todo mundo. (Profª Helena). 
Olha, eu puxo pra eles o dia‐a‐dia, por exemplo, quando o assunto é 
mistura  peço  pra  trazerem  vidrinhos  com  mistura  homogênea, 
heterogênea...  Então,  tudo  que  eu  vou  falar  eu  puxo  pra realidade 
deles,  para  o  dia‐a‐dia  deles.  Quando  eu  trago  um  texto,  vamos 
supor,  sobre  a  água que  é  uma  coisa  que  ta  no  dia a  dia deles,  de 
todo  mundo,  eu  tento  discutir  sobre  a  importância da água,  como 
eles  vêem  a  questão  da  água  como  orientam  a  família  no  uso 
adequado  da  água,  e,  dessa  forma  conscientizar  que  devemos 
economizar água. Tento saber o ponto de vista deles, trabalhar com 
textos que facilitem a participação deles sabe! (Profª Ivone)  
 
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES 
Conforme as observações nos/dos/com os cotidianos da escola pesquisada, percebemos 
que,  mesmo  convivendo  com  complexas  adversidades e  dificuldades  comuns a  EJA,  há uma 
preocupação dos professores em recontextualizar os conteúdos, aproximando‐os de situações 
vividas  pelos  alunos,  a  partir  de  uma  abordagem  dialógica  e  problematizadora,  numa 
perspectiva  freireana,  na  medida  em  que  possibilitam  o  envolvimento  e  participação  dos 
alunos, na busca de entendimento dos conhecimentos trabalhados. Entendemos ainda, que o 
enredamento entre os conhecimentos produzidos pelos alunos e os saberes que a escola se 
propõe realizar (OLIVEIRA, 2007), exige conforme afirma Paiva (op.cit), pensar o currículo de 

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EJA  a  partir  de  um  movimento  de  (re)construção  que  não  nega  de  modo  algum  as 
experiências,  mas  dialoga  com  elas,  no  sentido  de  investigá‐las  com  um  olhar  de 
estranhamento. (PAIVA, 2004).  
Esses aspectos indicam no entender de Oliveira (2009) a possibilidade de compreensão 
do currículo como uma criação cotidiana baseada nas redes de saberes e fazeres dos sujeitos 
da  EJA  da  qual  fazem  parte  conhecimentos  e  modos  de  compreensão  de  mundo  plurais  e 
enredados. Essa concepção de currículo exige que, no cotidiano da sala de aula, o professor 
perceba,  constantemente,  as  conexões  existentes  e  possíveis  entre  o  universo  cultural  dos 
alunos  de  EJA,  com  toda  sua  diversidade  e  diferenças  (vozes,  identidades,  subjetividades, 
dificuldades  de  aprendizagem,  etc.)  e  o  universo  da  cultura  escolar.  Neste  sentido,  é  de 
fundamental  importância  compreender,  no  espaço  cotidiano  da  EJA,  como  os  currículos 
prescritos e apresentados aos professores são ressignificados e moldados por eles a partir de 
saberes diversos, resultado de vivências práticas dos sujeitos. (OLIVEIRA, 2007).  
 
REFERÊNCIAS 
 
BRASIL/MEC.  Diretrizes  Curriculares  Nacionais  para  a  Educação de  Jovens  e  Adultos.  Parecer 
CNE/CEB 11/2000. Brasília: MEC, 2000. Disponível em: www.portal.mec.gov.br/secad 

BRASIL/MEC/SECAD.  Documento  nacional  preparatório  à  VI  Conferência  Internacional  de 


Educação de Adultos (VI CONFINTEA). Brasília: MEC; Goiânia: FUNAPE/UFG, 2009. 

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