Departamento de Língua Portuguesa – DLP Disciplina: Oficina de Leitura e Produção de Texto Curso/Turma: 1o ano Letras Português Habilitação Português-Inglês e Literaturas correspondentes Professora: Érica Danielle Silva Aluno: Lael Eduardo de Oliveira Lima
Crônica Narrativa – Motivada pelo extremo tédio em uma aula de mecânica clássica no curso de Física.
Me arrisco a dizer que é o quadro que arranha o giz
Foi durante uma aula de mecânica clássica que tive uma das maiores epifanias de minha vida. O professor vagarosamente copiava de uma folha de almoço para o quadro a demonstração matemática que tinha por objetivo provar se um barquinho ao sair de uma margem de um rio seria um dia capaz de tocar a outra margem. Parece simples e a resposta óbvia, mas para um bom cientista até o óbvio precisa ser provado por meios teóricos. Só para constar, o barquinho jamais alcançará a qualquer outra borda em toda sua existência. Para provar esta afirmação o professor adicionava a equação todas as variáveis possíveis, o centro de gravidade do barco, sua elasticidade, a resistência do vento e da água e vários outros fatores dos quais não me lembro mais. Não me lembro por que estava perdido em uma crise existencial muito mais relevante para mim naquele momento silencioso. Todos copiavam o conteúdo nos cadernos e o som dos lápis riscando os papeis ecoava na sala. Mas, em meio a essa sinfonia o maestro era o que mais se destacava. Os movimentos do giz do professor eram firmes e rápidos gerando um som forte e vez ou outra um tanto agoniante. Eu, que também fazia parte deste concerto me desconcentrei por alguns instantes e havia me tornado incapaz de acompanhar aquela música. Tentei voltar a escrever, mas não conseguia, algo me importunava muito e a falta de resposta me agoniava. Afinal de contas, o giz do professor estava riscando o quadro ou o quadro estava riscando o giz? Você pode pensar que a pergunta é boba, que eu estava apenas querendo sair da aula ou que a resposta é óbvia. Posso até concordar com as duas primeiras afirmações, mas não com a última. Não há nada de óbvio nesta pergunta. Afinal, se o giz arranha o quadro por que é ele que fica desgastado? E se o quadro arranha o giz, como ele o faz sendo uma superfície lisa? Essas dúvidas me consumiram durantes várias aulas e por mais que buscasse uma explicação que me deixasse satisfeito eu era incapaz de fazê-lo. Ao fim daquela matérias cheguei a algumas conclusões interessantes, mas aviso de antemão, que está longe de ser uma verdade absoluta, está mais para um trabalho em progresso. Pela terceira lei de Newton, as forças sempre surgem em pares de mesma intensidade. Quando o giz aplica uma força no quadro, o quadro aplica uma força no giz. Dessa forma, a força que o giz aplica no quadro é incapaz de modifica-lo pois o quadro é uma estrutura muito maior e mais resistente que o giz. Uma força igual é aplicada sobre o giz, que por ser menor e mais frágil é transformado em migalhas em meio a uma vastidão verde. Ao elaborar tal teoria, me pus a pensar: é muito mais fácil ser um quadro do que um giz. O quadro grande, resistente e imutável não precisa temer a mudança ou fim, estes nunca chegarão para ele. Mas acho que nós somos mais parecidos com o giz, somos diminutos, frágeis e mortais. Ser mortal é mudar, passamos por mudanças a vida toda e assim como o giz branco na mão de meu professor, também teremos um fim. Acho que pelo medo do fim, as pessoas buscam serem como o quadro, imutáveis, rígidas em suas crenças. Acham que ao imitar o quadro ganharam sua resistência e durabilidade. O que eu acho disso? Acho uma tolice, um giz não tem como ser quadro, não importa o quanto tente. É óbvio! Recentemente, fiz um adendo a teoria. Acho apesar da mortalidade do giz, ele nunca de fato tem fim. Digo isso pois me tornei professor e jamais uso um giz até que ele se torne um grãozinho de poeira entre meus dedos. Quando o giz se aproxima de seu fim, ele é descartado. Será que posso considerar isso uma morte? Não sei, não pensei o suficiente ainda. Mas, agora acredito que o giz jamais chegará ao seu fim. Ora, você duvida de mim? Pegue um giz branco ou colorido e parta-o no meio. Agora pegue uma das metades e parta no meio novamente (se ficar muito difícil tente usar uma faca). Continue este processo e me diga, quando o giz se findou? Afinal, a partir de que porção o giz deixa de ser giz? Nenhuma. O giz é giz estando em seu formato original ou no quadro. Seu esfarelamento lhe permite formar as mais diversas formas e ser praticamente o que ele quiser. Ele vive uma vida diferente dependendo da mão e da superfície em que ele estiver. Um mesmo giz se torna flores, números, letras, cachorros, forcas, círculos e cruzes. E ele é independente do quadro, pode ser usado no chão e nas paredes, e quando o professor não está na sala ele é munição para um pequeno embate, e se seu dono for bem jovem, pode acabar dentro do nariz. Por essa liberdade é que digo: é muito melhor ser um giz do que um quadro! E só pra não deixar em aberto, caso você queira saber como é possível que um barquinho não alcance a margem do rio, mesmo que nós possamos empiricamente atestar esse fato, busquem no Google pelo paradoxo de Zenão. Um filosofo grego que provou de forma muito simples, o que meu professor tentou fazer em mais de duas horas de contas.