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LUGAR DE MULHER É NA COZINHA?

A REPRESENTATIVIDADE FEMININA
NO ENSINO SUPERIOR
GT6 – Educação, Gênero e Diversidade
Clauberto Rodrigues de Oliveira1
Érica Emília Almeida Fraga2
Lidiane Emanuela Viana de Andrade3
RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo principal discutir a inserção das mulheres na educação superior,
embasada na história da Educação no Brasil do século XVI, onde a educação centrava-se no lar e para
o lar; no período da institucionalização da educação pública no Brasil, nos meados do século XVIII a
XIX, cuja participação feminina foi de significativa relevância na docência do ensino primário; e no
século XXI, com expressiva inserção na docência da educação superior. Para tanto, adotou-se como
método de trabalho a pesquisa bibliográfica, com base em autores que contribuíram de maneira
sistemática para o entendimento do tema, oferecendo definições, conceitos e explicações acerca do
mesmo. Os resultados obtidos com a elaboração desse trabalho forneceram subsídios valiosos para o
aprofundamento desta compreensão, destacando a quebra do paradigma de que "lugar de mulher é na
cozinha”, pois a mesma, ao longo da história, assumiu uma atitude de enfrentamento e lutou por seus
ideais.
PALAVRAS-CHAVE: Mulheres. Educação Superior. Gênero. Igualdade.

ABSTRACT
The current study aims to discuss the inclusion of women in higher education, based on the history of
education in the sixteenth century Brazil, when education was centered in thehome and for the home;
in the period of institutionalization of public education in Brazil, in the mid-eighteenth century to the
nineteenth, whose female participation was extremely relevant in primary school teaching; and in the
twenty-first century, with significant female insertion into the teaching praxis of higher education.
Therefore, bibliographic research was adopted as the scientific method of work, based on authors who
have systematically contributed to the understanding of the subject, providing definitions, concepts
and explanations about it. The results obtained with the preparation of this work provided valuable
subsidies to increase the knowledge regarding this issue, showing the breakdown of the paradigm that
"women belong in the kitchen", as them, throughout history, has assumed a coping attitude and have
fought for their ideals.
KEY-WORDS: Women. Higher education. Gender. Equality.

1
Graduado em Administração pela Universidade Tiradentes. Pós-Graduado em Marketing pela Universidade
Federal de Sergipe. Mestre em Biotecnologia Industrial pela Universidade Tiradentes. Participa do colegiado do
curso de administração da Universidade Tiradentes, campus Propriá. Professor dos Cursos de Administração e
Farmácia da Universidade Tiradentes (UNIT). E- mail: clauberto.oliveira@uol.com.br
2
Graduada em Administração pela Universidade Federal de Sergipe. Pós-Graduada em Didática e Metodologia
do Ensino Superior pela Faculdade São Luís de França. Pós-graduada em Artes Culinárias pelo Centro de
Formacion Profesional Mausi Sebess, Argentina. Pós-graduada em Gastronomia e Gestão em Serviços de
Alimentação pela Faculdade Serigy. Participa do grupo de pesquisa em Administração, na linha de
empreendorismo/UNIT. Professora do Curso de Gastronomia, Administração, Recursos Humanos e Estética da
Universidade Tiradentes (UNIT). E- mail: fragaerica@hotmail.com
3
Graduada em Tecnologia em Gastronomia pela Anhembi Morumbi. Graduada em Panificação e Confeitaria
pela Universidade Anhembi Morumbi. Pós-Graduada em Formação de Professor para o Ensino Superior pela
Universidade Paulista. Participa do grupo de pesquisa História das Práticas Educacionais/UNIT. Professora do
curso de Gastronomia da Universidade Tiradentes (UNIT). E-mail: lidiane_emanuela@unit.br
1.Introdução

O referido artigo discorre sobre a inserção das mulheres na educação superior com
base na história da Educação no Brasil no período colonial no século XVI, onde a educação se
centrava no lar e para o lar, no período da institucionalização da educação pública no Brasil
em meados do século XVIII a XIX, cuja participação feminina era tímida nas escolas públicas
passando a ter depois uma presença significativa na docência do ensino primário. No Séc.
XXI tem-se a presença relevante em todos os níveis de escolaridade, inclusive com expressiva
participação na docência da educação superior.
A história da educação das mulheres no período colonial não se restringe à noção
corrente de que elas viviam reclusas e se preparavam para exercer tão somente as funções de
senhoras do lar. Como no caso dos homens, a educação das mulheres variava de acordo com
sua condição étnico-social – que, por sua vez, condicionava o modo como eram educadas e os
locais onde essa educação ocorria. A educação feminina é um fenômeno recente na história.
Durante séculos, a mulher foi retratada, de modo geral, a uma situação de subordinação e
dependência do pai e do marido, como objeto sexual do homem, colonizador e proprietário.
Dentro de casa, as mulheres recebiam instruções de suas mães, escravas, avós,
governantas e tias, tais como: bordar, cozinhar, costurar e outros afazeres, em sua maioria
ligada ao cotidiano doméstico. Desta forma, por um longo período, dedicaram-se a um espaço
privado, e consequentemente estiveram afastadas de uma educação formal.
Segundo Áries, “a ausência da educação feminina pode ser explicada pela exclusão da
mulher do processo educativo pelo menos até o final do século XVII, quase dois séculos de
diferença em relação aos homens” (ARIES, 1981). “Além da aprendizagem doméstica as
meninas não recebiam, por assim dizer, nenhuma educação. Nas famílias em que os meninos
iam ao colégio, elas não aprendiam nada” (ARIES, 1981, p. 190). Apesar desta exclusão, a
partir do século XVIII, o ingresso das mulheres no espaço público intensifica-se, e a figura
feminina passa a ser cuidadosamente moldada pela igreja, de acordo com as exigências do
projeto modernizador.
A partir do século XX, diante do contexto de construção de um novo estado republicano,
encontramos, por entre as ambiguidades existentes entre o espaço público e o espaço privado,
a ideia de civilização e educação, que se expandia por todo mundo sob a forma de progresso
técnico e científico.
No Brasil, a relação entre civilização e educação estiveram presentes desde os tempos em que
os conservadores fluminenses, apelidados de “saquaremas”, estabeleceram sua direção sobre
o estado Imperial, como projeto de construção de uma nova classe dirigente encabeçada pela
coroa. Na viabilização do “projeto saquarema”, a instrução pública apresentava-se como
elemento essencial para a expansão da classe e para a “formação do povo”, funcionando como
um laboratório de atuação política, capaz de imprimir à nação os rumos ditados pela
civilização.

“Assim a instrução cumpria – ou deveria cumprir – um papel fundamental


que permitia- ou deveria permitir que o Império se colocasse ao lado das
‘Nações Civilizadas’. Instruir ‘todas as classes’ era, pois, o ato de difusão
das Luzes que permitia romper as trevas que caracterizavam o período
colonial; a possibilidade de estabelecer o primado da Razão, superando a
‘barbárie’ dos Sertões’ e a ‘desordem’ das Ruas; o meio de levar a efeito o
espírito da Associação ultrapassando as tendências localistas representadas
pela Casa; além da oportunidade de usufruir os benefícios do Progresso, e
assim romper com as concepções mágicas a respeito do mundo e da
natureza” (SCHWARTZMAN ET AL, 2000, p.12).

No entanto, a proposta iluminista de levar a instrução a todas as classes, excluía


evidentemente o mundo dos escravos. E, também deixava de contemplar as mulheres, o que
fortalecia uma exigência da sociedade imperial que atribuía a elas, o mundo de casa, sob o
domínio do patriarca.
Desta forma, o projeto passou a evidenciar tais dificuldades existentes, além de esbarrar
no próprio “sentimento aristocrático”, que permitia à classe senhorial, a manutenção e o
estabelecimento de distinções, não conseguindo quebrar completamente o monopólio que os
pais exerciam sobre as famílias.
Mas, aos poucos, com a Independência, algumas mulheres começariam a reivindicar o acesso
a educação como via de integração no processo civilizatório da nação.
A princípio, na primeira metade do século XIX, surgiram pioneiras, como Nísia Floresta,
discípula de Comte, e as precursoras do feminismo no Brasil. Elas fundaram o Colégio
Augusto, propondo a ampliação do currículo do ensino feminino nos moldes clássicos e
humanísticos, e mesmo apesar de tanto esforço não conseguiram ir adiante. A partir da
segunda metade do século, a situação começa a modificar-se lentamente, acompanhando os
passos da transformação da sociedade – e aproximando-se cada vez mais da realidade
presente no nosso recorte temporal.
Vale lembrar que, com a fundação da ABE – Associação Brasileira de Educação, no
início do século XX, a realidade passa a ser outra, e a educação, tanto feminina quanto
masculina, assume o papel de instrumento indispensável ao “progresso social do país”.
Era o chamado período do “entusiasmo pela educação” que tinha como objetivo “investir
na montagem de um aparelho escolar que assegurasse a organização da ‘nação’ por meio da
organização das culturas”. (CARVALHO et al, 1997, p. 116)
Tal período é descrito por Nagle que fala que este entusiasmo não passava de uma
“percepção romântica” dos problemas e soluções da sociedade brasileira e de suas soluções. O
que acabaria transformando “um programa mais amplo de ação social num restrito programa
de formação”. (NAGLE, 2000).
Em contrapartida, como resposta a esta situação, surgiu por iniciativa particular,
pequenas escolas leigas e os primeiros colégios religiosos para meninas. Permitindo que, o
acesso da mulher à educação passasse a se constituir uma das principais bandeiras veiculadas
pelo movimento feminista, no sentido de despertar a consciência da mulher, visando libertá-la
da escravidão e da ignorância.
Assim, “as conquistas obtidas na luta pela emancipação feminina passaram a ser vistas
como conquistas da civilização, que os homens deviam ampliar em próprio interesse, por ser
uma condição do progresso humano”. (ALVES et al, 1982, p. 160)
Apesar de tal esforço e reivindicações feministas, as modificações somente acontecerão
no campo da higiene, e da norma médica, pois se acreditava que a concepção de higiene
designariam medidas de construção de um “meio social” favorável ao desenvolvimento físico,
intelectual e moral dos indivíduos. Ficando reservada a família as questões de conscientização
como a formação e educação dos filhos.
No entanto, a figura masculina esteve ausente deste processo de formação educativa, à
medida que prevaleceu “a ideia de que ao homem, o mundo externo, à mulher, por sua função
procriadora, o mundo interno” (ALVES et al,1982, p. 55), o que valorizaria cada vez mais o
papel da mulher como “rainha do lar”, esposa e mãe e educadora. Pensando assim, educar a
mulher seria educar o próprio homem, pois a mãe completaria seu filho. Ideia essa, que a
sociedade continuaria sustentando na busca de valorizar o papel da mulher como formadora
de futuros cidadãos, e como esposas dos dirigentes da nação.
Ao “civilizar” a mulher através da educação, teria sido aberto, através da prática da
caridade cristã, um canal que lhes permitisse transitar entre as esferas públicas e privadas. O
que contribuiu para que com o surgimento de colégios religiosos que abrigavam meninas, a
figura feminina começasse a ganhar espaço. E, além de manter suas atividades domésticas e
familiares, elas passariam a ter uma participação mais ampla na vida social e pública, através
da filantropia.
No entanto, de modo geral, “o movimento operário da época, atuava no sentido de
fortalecer a intenção disciplinadora de deslocamento da mulher da esfera publica do trabalho e
da vida social para o espaço privado do lar”. (RAGO, 1987, p. 63)
Desta forma, os colégios religiosos, em sua maioria católicos e de origem francesa, teriam
surgido na tentativa de sustentar esta situação. “Para as elites republicanas que tomaram a si a
tarefa de impor à sociedade o primado da Ordem, o modelo pluralista e hierárquico proposto
pela Igreja Católica parecia mais ajustado que o assimilacionismo protestante” (RAMALHO,
1976, p. 153).
Para a igreja, a educação aparecia como uma área estratégica. O espaço institucional
dos colégios religiosos representava a doutrina e a prática e “além de reivindicar o direito do
ensino religioso, no decreto de abril de 1931, a Igreja pretendia que o próprio Estado se
voltasse contra o ensino neutro e a favor do ensino confessional católico”.
(SCHWARTZMAN et al, 2000, p.42)
O projeto do Plano Nacional de Educação, de 1937, previa a existência de um ensino dito
“doméstico”, reservado para as meninas entre 12 e 18 anos, equivalendo a um ensino médio
feminino – que atendia tanto as mulheres de origem humilde, como as mulheres de origem
social mais elevada, que pretendiam manterem-se como donas de casa. O resultado da
implantação do modelo católico e francês de educação feminina viria propiciar as herdeiras da
elite do século XX, a aquisição de uma marca de distinção e de civilidade.
Com a chamada transição da modernidade para a pós-modernidade, a inclusão da mulher
nesse mundo produtivo e nos vários setores da sociedade, transforma a maneira da percepção
sobre si e o mundo. Inicia, muito embora incipiente, um movimento de luta pelo direito ao
trabalho e igualdade entre os homens. Ela então passou a tomar o controle da família,
buscando se qualificar em profissões com maior visibilidade social e melhores condições
financeiras, sobretudo, assume o papel de agente ativa contra o machismo no sistema
educacional nas escolas e no ensino superior.

2. Mulher, Gênero e Educação

Inegavelmente, o papel social da mulher, suas funções, seus direitos e deveres foram
profundamente alterados com a revolução industrial e com a consequente urbanização. As
possibilidades do trabalho feminino, junto ao domínio público, emergiram modificando os
papéis familiares tradicionais, passados de geração a geração como de esposa, mãe, filha e
dona de casa.
Nesta perspectiva, Perrot, invoca as imagens da “mulher popular rebelde”, capaz de
perceber conscientemente as imagens de liberdade de suas ações, autonomizando-se em
relação aos poderes masculinos. Tal autora alerta para o “grande risco de encerrar uma vez
mais as mulheres na mobilidade dos usos e costumes, estruturando o cotidiano na fatalidade
dos papéis e na fixidez dos espaços” (PERROT, 1998, p.87).
O conceito de gênero, explica de que modo às pessoas articulam as representações que
homens e mulheres fazem da realidade social, operando como forças propulsoras de novas
ações de acordo com seu interesse, com a situação e com a relação em que se encontram. O
que é considerado feminino depende de cada cultura e pode variar de uma sociedade para
outra.
Apesar de todas as transformações ocorridas na sociedade contemporânea, esta
“apresenta uma nítida divisão dos papéis de gênero, compete ao homem o papel de provedor,
sendo responsável pelo sustento econômico de sua esposa e filhos. A mulher é responsável
pelos cuidados dos filhos e trabalho doméstico”(CARVALHO,1996, p.21).
Uma nova perspectiva de profissionalização feminina surgia, “ao mesmo tempo em que
se expandia a própria instrução da mulher”; permanecendo ainda a discriminação sexual, pela
primeira lei do ensino primário, em 1827, ao só permitir o ingresso das mulheres ao ensino
primário com conteúdo diferenciado (BRUSCHINI e AMADO, 1988, p.5).
A carreira profissional da mulher no Brasil foi tolhida durante muitas décadas,
cerceando-lhe culturalmente, dificultando e retardando seu acesso tanto ao mundo científico e
intelectual, quanto ao mundo pessoal e individual, de forma que “ Por meio da dominação
imposta pela sociedade vão sendo construídos inconscientemente modelos prontos de
comportamento, pensamentos e sentimentos” (KENSKI, 1994, p.49).
Mudanças na ordem econômica e social explicam as “tendências da participação da
mulher na força do trabalho”, contribuindo para aumentar o emprego feminino” (MIRANDA,
1975, p.22).
Do fim do século XIX até as primeiras décadas do século XX, mudanças
socioeconômicas ocasionadas pela implantação do regime republicano no país, pelo processo
de urbanização e industrialização, pelas duas guerras mundiais e seus efeitos nas mentalidades
da sociedade da época, pelas conquistas tecnológicas representadas pela difusão dos meios de
comunicação, coincidiram com a eclosão das primeiras reivindicações do feminismo que, nos
países aonde chegou, atingiu várias gerações de mulheres, ao alertar para a opressão e para a
desigualdade social a que estiveram até então submetidas.
No plano educacional, os anos iniciais do século XX ofereceram maiores
oportunidades ao sexo feminino, representadas pela escolarização das meninas e moças, na
esteira dos ideais positivistas e republicanos, tendência essa que se estruturou nas décadas
seguintes. A historiografia tem mostrado essas mudanças como resultado de uma política de
concessão por parte dos poderes oficialmente instituídos e dirigidos pelo sexo masculino, sem
atentar que as mudanças, assim com as chamadas “concessões”, também foram resultado de
atendimento às reivindicações e, portanto, conquistas femininas. Sem o movimento das
mulheres, sem a resistência de algumas e o desafio que lançaram à sociedade, tais resultados
demorariam muito mais para ser implantados.
Acompanhando a inserção feminina num espaço profissional representado pela educação
da infância, há de se considerar que no cenário das primeiras décadas, o século XX foi
também o período em que se iniciaram os primeiros movimentos pela liberação feminina.
A educação, que se pretendia igual para os dois sexos, na realidade diferenciava-se nos
seus objetivos, pois, de acordo com o ideário social, o trabalho intelectual não devia fatigar o
sexo feminino, nem se constituir num risco a uma constituição frágil e nervosa. O fim último
da educação era preparar a mulher para o serviço doméstico e o cuidado com o marido e os
filhos. A mulher educada dentro dessas aspirações masculinas seria uma companhia mais
agradável para o homem, que transitava regularmente no espaço urbano, diferentemente da
prática do período colonial, com seu recolhimento e distanciamento do espaço da
sociabilidade. A mulher-mãe deveria ser pura e assexuada, e nela repousariam os mais caros
valores morais e patrióticos.
O ensino na Primeira República apresentava-se ainda de forma precária, sem muitas
oportunidades de instrução ou mesmo ascensão social para a mulher. A Escola Normal surge
como uma perspectiva de profissionalização, mas traz também em sua esfera o dogma da
dona-de-casa e de mãe de família, “destinado à educação das moças burguesas” (NAGLE,
1978, p.270).
Nagle (1976,p.163-74), ao analisar a sociedade e a educação na Primeira República,
afirma que, juntamente com a Filosofia prescrita no ensino profissional, de “elevar o nível
moral e intelectual das classes pobres e operárias”, existe também a de atrai a mulher para os
afazeres domésticos, preparando-se como”futura dona-de-casa, em proveito da vida de
família.
Serrano (1996), constata em seus estudos sobre a educação da mulher que bastava a
mulher deter qualidades morais, honestidade e formação cristã e desta forma obter vaga para o
ensino das primeiras letras às meninas, considerando que o mesmo ensino não incluía
informações aritméticas superiores as quatro operações e que as professoras reproduziam na
escola os conhecimentos adquiridos na vida prática.
Nesta perspectiva, percebe-se que a educação feminina no século XIX no Brasil ainda
encontrava-se fortemente vinculada a mentalidade recebida da herança portuguesa, com os
mesmos preconceitos e limites impostos pela política reino, na qual o acesso à instrução ainda
era considerado necessário apenas no sentido da preparação para o casamento, devendo
constituir-se este, a maior aspiração das mulheres.
É nesse contexto histórico que é criada a escola normal no Brasil, na década de 30 a 40,
do século XIX, em consequência do Ato Adicional de 1834. Os pretendentes a uma vaga na
escola normal deveriam ser portadores de idoneidade moral como ponto mais relevante do
que sua formação intelectual. Isto se evidencia no Art. 4º. da Lei da Criação da Escola Normal
de Niterói, a primeira a iniciar suas atividades na década de 30, o qual determinava que “...
para ser admitido à matricula na Escola Normal requer-se: ser cidadão brasileiro, maior de 18
anos, com boa mogerização; e saber ler e escrever.”(VILLELA, 2000, p. 106).
A Escola Normal no Brasil foi a princípio uma instituição de caráter precário, com
limitações orçamentárias significativas que impediam seu bom funcionamento, e abria ou
fechava em função de decisões políticas nem sempre acertadas, criada para atender às
necessidades de formação de professores para o ensino primário que tentava se expandir.
A Escola Normal, durante um longo período, um espaço de formação feminina. Nesse
sentido, Novaes ressaltou algumas das funções deste tipo de instituição, nas primeiras décadas
do século XX, formação profissional, ampliação da instrução, elevação cultural da mulher
brasileira; uma vez que “o magistério entendido como prolongamento das atividades
maternas, passa a ser visto como uma ocupação essencialmente feminina, e, por conseguinte,
a única profissão aceita plenamente para a mulher” (NOVAES, 1984, p.21-22).
Em 1916, a Escola ampliou ainda mais sua oferta de ensino, com o Curso
Complementar, que tinha a duração de um ano letivo e funcionava como intermediário para o
acesso ao curso normal. Até 1925, o certificado de aprovação, neste curso, permitia acesso ao
curso de formação de professores sem a necessidade de realização do exame de admissão. Em
1922, este curso foi estendido para dois anos, sendo que no primeiro ano manteve-se o caráter
preparatório para o curso normal e o segundo deu ênfase à formação específica para as jovens
que não desejassem se encaminhar para o magistério, fundamentado em disciplinas como,
Economia Doméstica, Educação Moral e Cívica, Higiene Geral, Higiene Infantil, Arte
Culinária e Música. Percebe-se pelo programa do curso a preocupação com a formação para
as atividades relacionadas ao espaço doméstico e à maternidade.
As escolas normais abrem novas possibilidades às mulheres solteiras, como forma de
trabalhar por questão de sobrevivência para aquelas que não conseguiram se casar e assim não
se tornar um peso para a sociedade. Além disso, o exercício do magistério era visto como
prolongamento das funções maternas e por isso aceitável como profissão às mulheres. Agora
as mulheres passam a ser necessárias, pois as classes deveriam ser da responsabilidade de
senhoras “honestas”. Neste sentido a mulher passa a ser essencial na esfera pública e algumas
ações que lhes eram pertinentes no espaço privado irão ampliar-se ao público pela sua ação
educativa junto às crianças.
Para as moças de alto poder aquisitivo a frequência às escolas normais “... continuava
atrelada aos princípios veiculados de ela ser necessária não para seu aperfeiçoamento ou
satisfação, mas para ser esposa agradável e mãe dedicada... ” (ALMEIDA, 1998, p. 62).
Entretanto, é preciso reconhecer que a entrada feminina nas escolas normais imprimiu
fortes possibilidades de acesso à instrução pública, favorecendo a abertura de um espaço
profissional às mulheres. Espaço este que foi conquistado pela recusa das mulheres à
desigualdade, a passividade e a inoperância a que estavam submetidas até então.
A utilização do trabalho feminino no campo da educação vinha ganhando força em
toda parte no final do século XIX, tendo em vista a necessidade de conciliar o recrutamento
de um grande número de profissionais para atender à difusão da educação popular mantendo-
se salários pouco atrativos para os homens. Em compensação, viria se constituir num dos
primeiros campos profissionais “respeitáveis”, para os padrões da época, abertos à atividade
feminina (SOUZA, 1998, p.62)
Nos primeiros anos republicanos cresceram as escolas normais e o ensino primário por
conta de melhores condições socioeconômicas que possibilitavam maior desenvolvimento
educacional. E as transformações das classes iniciadas no Império se completaram e as
camadas médias forneceriam o contingente que se dedicaria ao magistério, entre outras
profissões. Esse contingente também marcaria presença nos movimentos político-sociais que
intentavam estabelecer mudanças na sociedade, entre elas, a crença no poder transformador da
educação. As mulheres passaram a fazerem–se cada vez mais presentes na instituição
normalista e a procuravam para obter conhecimentos, preparo para a vida no lar e também
para ter uma profissão que lhes permitisse sobreviver com seu próprio rendimento. Os
homens que procuravam a escola, uma vez ingressos no magistério, aspiravam a cargos de
chefia e direção, diferentemente das mulheres, que permaneciam nas salas de aula.
A solução encontrava-se na educação feminina, capaz de permitir uma recuperação do
atraso a que esteve sujeita a evolução do cérebro da mulher. E só então poderá a família
estabelecer-se como “um contrato sexual e social” que é, deixando de ser considerada como
uma “ instituição sagrada” que não é. A instrução feminina ganha então a dimensão de agente
propulsor da superação de uma forma de organização familial “moral”, baseada na ignorância
e na escravidão da mulher (CASTRO,1893, p.320). A educação feminina é, pois, pensada, de
um lado, como necessidade para se estabelecer a justiça social e, de outro, como o setor-chave
de uma política de reformas sociais visando atingir um estágio superior de organização social.
O período pós-republicano mostrava uma mudança gradativa da mentalidade feminina.
Apesar de ainda considerar o lar como o rela espaço para a mulher e o casamento sua garantia
de felicidade. A intervenção feminina supunha-se capaz de uma ação moralizadora no seio da
sociedade e serviria para manter a unidade da família e da pátria. A função materna não era
mais apenas biológica, mas social e patriótica, principalmente. Situava-se nessa identidade
uma representação da mulher burguesa educada que se havia radicada nas cidades,
abandonando as distantes fazendas, sua antiga morada, e que agora transitava no espaço
público e no mundo social e da política.
Nesse sistema ambivalente, a demanda pela educação escolarizada, o valor da escola
enquanto agente educativo e a proliferação das escolas normais no interior do Estado
viabilizaram uma ampliação da educação que, ao atingir maiores parcelas da sociedade,
também se firmava como instituição pública. Aumentada a procura pela escola, aumentou
também seu valor, e a Escola Normal passou a receber grande número de alunas, pertencentes
aos segmentos médios. Essa classe via no magistério uma possibilidade de ascensão social, e
as jovens normalistas e futuras professoras principiaram a desfrutar de maior liberdade
pessoal.

3. A Mulher no Ensino Superior

Atualmente a mulher desempenha um papel de igualdade com o homem na sociedade,


tem direitos garantidos por lei que lhe garantem a igualdade entre os sexos. Um desses
direitos adquiridos pela mulher foi o acesso à educação. Se hoje a mulher tem livre acesso ao
ensino, essa foi uma dura conquista que só foi alcançada após uma árdua luta travada durante
muito tempo.
Se o acesso da mulher ao ensino regular já fora uma árdua conquista, o ingresso da
mulher no ensino superior foi também mais uma luta a ser vencida pelas mulheres. As
mulheres foram, inicialmente, excluídas do ensino universitário, pois ao ser criada, por volta
do século XIII, a universidade era voltada para a educação dos homens. Enquanto os homens
estavam em escolas e posteriormente nas universidades, às mulheres foram proibidas de
também terem acesso a essa forma de educação. As mulheres como afirma Bauer (2001)
ainda estavam submissas a uma figura masculina, dentro de suas casas.
“Em meados do século XIV, devido a uma grave crise econômica, a mulher
foi banida do mundo do trabalho e reclusa ao lar. A subordinação feminina era
quase que total. Elas foram excluídas de atividades que desde tempos remotos,
realizavam, como, por exemplo, a Enfermagem. As universidades, instituições
criados no século XIII, Também foram proibidas as mulheres.”
(BAUER,2001, P.15)

É com a Revolução Industrial que a mulher começa a romper com os muros que as
prendiam em casa, começando a trabalhar. A Revolução fez com que a mulher conseguisse
sair de casa, indo trabalhar nas inúmeras fábricas que foram surgindo com o crescimento da
revolução. As mulheres agora saíam de suas casas e começavam seu processo de
emancipação. Porém esse trabalho não oferecia uma real melhora de vida já que a mulher,
embora exercendo a mesma função que um homem em uma fábrica, ganhava bem menos.
Como afirmam Alves e Pitanguy (1981) que “entretanto, o trabalho feminino sempre recebeu
remuneração inferior ao do homem. Esta desvalorização, por outro lado, provocou a
hostilidade dos trabalhadores homens contra o trabalho da mulher”.
A entrada das mulheres na universidade aconteceu primeiramente nos Estados Unidos no
ano de 1837, com a criação de universidades exclusivas para as mulheres. É no estado de
Ohio que surge a primeira universidade feminina o women’s college. É na segunda metade do
século que as universidades femininas se espalham por boa parte dos Estados Unidos. Porém
a maioria dos women’s college só oferecia o bacharelado para as mulheres, poucos eram os
que ofereciam cursos de mestrados e menos ainda os que ofereciam a opção de cursos de
doutorado.
Na Europa esse foi um processo mais tardio, sendo que as grandes e tradicionais
universidades não foram as primeiras a incluírem as mulheres no ensino universitário. Oxford
e Cambridge, conforme, Marías (1981) só abriram suas portas para as mulheres já no século
XX. "As universidade inglesas abrem-se às mulheres em fins do século passado e não as
principais; Oxford e Cambridge, já bem dentro do nosso século, e com conta-gotas. Na
Europa a presença normal das mulheres é um fenômeno posterior a primeira Guerra."
No Brasil, o início do ensino superior feminino só teve inicio no final do século XIX. A
primeira mulher a ingressar na universidade no Brasil, foi no estado da Bahia no ano de 1887,
formando-se pela faculdade de medicina. As mulheres no Brasil só foram autorizadas a
frequentarem um curso superior no ano de 1879 quando a elas fora concedido o direito de
frequentarem o ensino universitário por Dom Pedro II, então Imperador do Brasil. Esse fato é
narrado por Blay e Conceição (1991), quando narram a história de Augusta Generosa Estrela
que se formou em medicina em Nova York no ano de 1876 e, ao retornar ao Brasil é proibida
de exercer sua profissão. Com a grande expansão que ocorreu na universidade no ano de 1970
é que as mulheres realmente começam a fazer parte de uma forma bem expressiva no ensino
universitário no Brasil. É a partir do ingresso da mulher nas universidades que o ensino
superior consegue se expandir no Brasil.
Os Setes Saberes Necessários à Educação do se a condição humana fosse realmente
ensinada em nossas escolas como deveria ser feito, as mulheres não seriam invisíveis como
foram e, de certa forma ainda o são na área educacional. A ausência, que não foi voluntária,
das mulheres na educação acarretou a invisibilidade delas na área educacional. Não havia uma
real preocupação com a educação que era dada as mulheres.
Morin (2000), afirma que um grande empecilho para que haja a compreensão do outro
é a diminuição do outro. As mulheres foram por muito tempo tidas como biologicamente
inferiores como menos inteligência do que os homens. Essa diminuição da mulher em relação
ao homem contribuiu para o difícil acesso das mulheres ao ensino superior.
Atualmente, a ideia de que a mulher seja inferior ao homem, felizmente já foi
ultrapassada, considerando ainda que toda regra tem suas exceções. Hoje a situação é bem
diferente do inicio da luta da mulher contra a sua invisibilidade no ramo educacional. As
mulheres, felizmente, já conseguiram ultrapassar a construção social que se criou a respeito
do lugar que deveriam ocupar na sociedade e, buscam assim, a garantia de que realmente
ocupem um lugar de igualdade juntamente com os homens na sociedade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ingresso das mulheres no ensino superior deu-se por meio de um processo longo e
doloroso. O preconceito sofrido por elas e a construção social formada pela sociedade
machista ao longo da história contribuíram para esse doloroso processo da educação superior
feminina. Entretanto, é preciso reconhecer que a entrada feminina nas escolas normais
imprimiu fortes possibilidades de acesso à instrução pública, favorecendo a abertura de um
espaço profissional às mulheres. Espaço este, que foi conquistado, pela recusa das mulheres à
desigualdade, a passividade e a inoperância a que estavam submetidas até então. Assim esse
pensamento de abertura de espaço para a mulher no mundo além do recinto doméstico foi
contrariado as correntes de pensamento da época que defendiam que a mulher deveria
permanecer em seu espaço “naturalmente” doméstico sem participar das transformações que
se operavam na sociedade.
Muito embora o acesso das mulheres tenha sido através da escolha de carreiras ditas
“femininas” tem um significado relevante, porque essa foi uma das estratégias de que elas
dispuseram, durante longo tempo, para inserirem-se no mundo do trabalho. Ou seja, foi
através dessas carreiras que elas puderam construir significativos avanços na sua luta pela
conquista de espaço social.
Dessa forma, pode-se concluir que atualmente o desafio é o de adentrar nas áreas que
ainda são de predominância masculina. As mulheres agora têm o acesso à universidade, mas
maiorias em cursos que são historicamente tidos como femininos. A maior parte das mulheres
universitárias está em cursos como letras, enfermagem, etc.; enquanto que os homens são
maioria nos cursos de engenharia, arquitetura, medicina. A entrada das mulheres nesses
cursos será mais uma luta contra o preconceito que as mulheres felizmente já iniciaram.
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