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população negra:
realização
subsídios técnicos e
teóricos para Psicologia
CADERNOS TEMÁTICOS CRP SP
Contra o genocídio da
população negra:
subsídios técnicos e
teóricos para Psicologia
Ficha Catalográfica
______________________________________________________________________
Bibliografia
ISBN: 978-85-60405-XXXXX
Diretoria do CRP SP
Gestão 2013-2016
Cadernos já publicados, podem ser consultados em www.crpsp.org.br:
APRESENTAÇÃO
7
ANÁLISE SOBRE O GENOCÍDIO
DA POPULAÇÃO NEGRA E DEBATE
SOBRE A DESMILITARIZAÇÃO DA
POLÍCIA
Professor Dennis de Oliveira
Hamilton Borges
Debate
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GENOCÍDIO DA JUVENTUDE
NEGRA, POBRE E PERIFÉRICA:
QUESTÕES OBJETIVAS E
SUBJETIVAS EM DEBATE
Catarina Pedroso
Rafael Alves Lima
Joselicio Junior
Marcio Farias
Debate
23
ENFRENTAMENTO E RESISTÊNCIA:
CULTURA, IDENTIDADE E
NEGRITUDE
Veridiana Silva Machado
Elisabete Figueiroa
Lilian Sankofa
Debate
37
Apresentação 7
A discussão de temas raciais é fruto de um bém mais uma forma de assassinarem as nossas
planejamento que o CRP SP fez no final de crianças e adolescentes, que estão entrando no
2013, em que se comprometeu a fazer a discus- crack, nas drogas e perdendo perspectivas de
são do racismo no Brasil em todos os debates vida. Por isso, quando pensamos nesse evento,
que acontecerem aqui em São Paulo. Pretende- pretendemos pensar nessa população, crianças
mos colocar em evidência a Resolução 018 de e adolescentes que estão morrendo através da
1 http://www.ufscar.br/gevac/wp-content/uploads/
Sum%C3%A1rio-Executivo_FINAL_01.04.2014.pdf
8
Análise sobre o genocídio da 9
Queria agradecer, em nome de vários mili- Professor Dennis, quer dizer, o Estado brasileiro
tantes negros e negras do Brasil inteiro, a opor- foi construído sobre uma violência que não tem
tunidade de estar aqui, sendo tratado de forma tamanho, não tem registro nas historia, foram 6
tão boa, de forma tão fortalecedora para minha milhões de pessoas sequestradas, arrancadas de
humanidade e para a humanidade coletiva, por- vários lugares da África, para serem colocadas
que, para falar com psicólogos sobre genocídio, como coisas que poderiam ser vendidas, e isso há
é sobre isso que a gente vem falar, sobre a nossa muito pouco tempo sob o ponto de vista históri-
humanidade. co. Doze pessoas negras é o primeiro registro que
Queria fazer um comentário, que é um comen- se tem, doze pessoas negras foram arrancadas da
tário muito pessoal, mas é muito importante. On- África e entregues de presente a um determinado
tem, eu arrastei mala por toda a rua Oscar Freire rei de Portugal. O fato é que nós ainda hoje, te-
e aí, quando eu cheguei na Avenida Rebouças, eu mos a prática odiosa do Estado brasileiro de tra-
entendi o texto do intelectual, que eu considero tar as pessoas como coisas, nós vamos tratar do
um dos mais importantes do país, que é o Mano sistema prisional, dessa situação do sistema pri-
Brown. Ele fala o seguinte: “Avenida Rebouças, sional que é um grande negócio em que a merca-
dinheiro, não tive pai, não sou herdeiro”. Só vou doria principal são pessoas. Vejam, no Estado da
dizer essa parte, porque eu vi o que significa o Bahia, que é um estado democrático popular, go-
ódio das periferias de São Paulo contra a elite vernado por forças políticas democráticas, quer
branca paulista, eu percebi porque existe esse dizer, de partidos democráticos, foram usados
ódio. Na verdade, esse ódio é um espelho refleti- contêineres para prender presos. Ora, container
do, porque existe muito ódio da elite paulista con- guarda mercadoria, e nós viemos para esse terri-
tra nós, negros e negras, e eu vi esse ódio na car- tório dentro de contêineres, conhecidos como na-
ne, sabe por quê? Porque nós não estamos a salvo vios negreiros. Parece que aquele governador, de
das sequelas que o racismo provoca em qualquer algum modo, olha para os negros do seu partido
negro dentro dessa sociedade, não importa se e para os negros da sociedade de um modo geral
você é conselheiro do CRP, não importa se você é e diz assim: “Eu vou sacanear com vocês, eu vou
advogado, se você é médico, não importa se você colocar pessoas em contêineres, eu vou colocar
é ministro do STF, você vai receber as sequelas pessoas em navios negreiros, como a gente fez
do racismo dentro dessa sociedade. Não é a toa para trazer vocês aqui”.
que a gente recebe aí, acho que pela primeira vez Mas vamos falar de genocídio, do termo ge-
na história, uma denuncia de um Ministro do STF nocídio. Nós fomos muito atacados em 2005 por
e, olhe que na perspectiva da Campanha Reaja, setores do Movimento Negro, setores da intelec-
da nossa perspectiva, nós não homenageamos tualidade, da academia, dizendo que estávamos
nenhum político, por mais gostoso que ele seja, fazendo um reboliço intelectual, que aquilo era
mas também, nós não podemos assistir calados a um artefato político sem nenhuma noção cien-
um baile de racismo que é jogado para qualquer tífica, porque não se tratava de genocídio dentro
negro dessa sociedade, a gente tem que reagir. do Estado brasileiro, um estado em que todas as
Eu queria começar a falar aqui de um tema pessoas eram brasileiras. Genocídio dizia respeito
que nós da Campanha Reja temos tratado, que a a um ataque de determinada nação contra outra
gente tem levantado. Em 2005, nós tomamos as nação e que não poderia ser considerada dentro
ruas de Salvador no momento em que se celebra- do perfil do Estado brasileiro. Na verdade, o que
vam muitos avanços da política racial com uma era era extermínio, e algumas organizações do
nomenclatura, que para a gente era nova, que era Movimento Negro criavam inclusive teses, que
de Promoção da Igualdade. Era nova para a nos- diziam: “É extermínio programado”, mas a gente
sa luta cotidiana histórica do Movimento Negro, dizia: “É genocídio, os números e as condições
porque o que nós temos, efetivamente, que fazer, em que nós estamos morrendo, em que as nossas
é combater o racismo. O racismo é a contradição vidas estão desprotegidas e disponíveis para que
principal do Estado brasileiro, como bem disse o o Senhor, o mandatário, possa fazer o que quiser
da nossa vida, matar ou deixar viver”, era uma si- Outra diáspora, uma diáspora violenta, é o 13
tuação de genocídio. O genocídio, efetivamente, processo de escravização. Nós ocupamos a Pe-
é o assassinato deliberado de pessoas motivadas nínsula Ibérica e ficamos lá quase 400 anos, in-
Boa tarde a todos que estão aqui ou que nos acom- palmente sob o ponto de vista teórico. Voltei aos
panham pela transmissão. É uma oportunidade textos clássicos do Pichon Rivière, e consultei
única poder estar aqui no CRP, apresentando esse uma autora que pra mim foi bastante importante,
nosso trabalho do Margens Clinicas, porque me chamada Graciela Jasiner. Esta autora escreveu
parece necessário transformar algumas das nos- um livro chamado “Coordenando Grupos ”, que
sas ideias que acontecem internamente, coisas para mim cumpriu uma função importante tradu-
que a gente escuta e nos mobiliza a pensar em zindo o klainês argentino datado do Pichon para
algo publico, em algo compartilhado, o que nos uma linguagem lacaniana. Essa tradução para
Como foi anunciado aqui, faço parte do Circulo radigma e, acima de tudo, de denuncia daquele
Palmarino, uma entidade nacional do Movimento processo. Então, também não é a toa que é nesse
Negro e que nos últimos oito anos vem tentando momento que a Rota é mais ativa, mas também é
construir um debate politico, uma leitura a partir nesse momento que o movimento hip hop surge
da conjuntura de quais são os desafios que estão com maior intensidade, e eu costumo dizer que
colocados para o enfrentamento do racismo e se alguém quer entender um pouco o que foi a
quais são as características desse racismo que, na década de 90 no nosso Brasil, ter um raio x do
nossa concepção, é estrutural da sociedade bra- Brasil na década de 90, basta ouvir “Raio X do
sileira e vem construindo varias engenharias. Se Brasil”, do Racionais MC’s. Mas temos uma infle-
por um lado, o debate do racismo não estava ne- xão também, que aconteceu nos últimos 12 anos,
cessariamente colocado no processo escravocra- e é inegável que houve mudanças mas que pro-
ta, foi justamente a acumulação de riqueza que se duziram uma dinâmica que também reflete e, de
construiu nesse período e o projeto de nação que certa maneira, mantem essa profunda desigual-
se construiu no pós-abolição é a engenharia que dade. É importante dizer que foi nesses últimos
produziu o verdadeiro abismo econômico, social 12 anos que mais se avançou na regulação e na
e cultural entre negros e não negros na sociedade ampliação de espaços institucionais para se de-
brasileira. Essa engenharia vai sendo moldada ao bater a questão das politicas ditas de promoção
longo dos tempos até chegar aos dias de hoje pro- da igualdade racial, fruto obviamente de toda
duzindo, mantendo, apesar de algumas inflexões uma pressão do movimento popular e daquilo
algumas mudanças no caminho, uma profunda que se acumulou nos últimos anos. A primeira lei
desigualdade entre negros e não negros na so- que o Lula assinou foi a Lei 10.639, que institui
ciedade brasileira e que se materializa na nossa a obrigatoriedade do ensino da historia e da cul-
concepção de diversas formas. tura africana, afro-brasileira em todas as esferas
Como já mencionado em mesa anterior nesse de ensino. Logo em seguida, a formação da CPIR,
processo de redemocratização do Brasil tivemos o próprio Estatuto de Igualdade Racial, as três
acesso a um documento da Escola Superior de conferencias da igualdade racial. Inclusive na ul-
Guerra Na década de 90, a Escola Superior de tima conferencia, a Presidente Dilma afirmou que
Guerra trouxe uma discussão sobre quais eram os reconhecia a existência do racismo, que o exter-
desafios para o desenvolvimento do país nos pró- mínio da juventude negra era um dos principais
ximos 20 anos e eles encontravam dois elemen- sintomas desse processo e a única coisa que ela
tos centrais que poderiam impedir o processo de apresentou de fato, de novidade foi os 20% de
desenvolvimento do Brasil, um eram os cinturões cotas no serviço publico. Mas vivemos uma con-
de miséria, frito daquele modelo neoliberal, de tradição. Acabou de sair uma preliminar do mapa
desemprego estrutural, de redução das politicas da violência que aponta que só em 2012, 56 mil
de estado e o outro elemento era, que também é pessoas foram assassinadas em nosso país sendo
fruto desse modelo, que é a questão dos meno- ampla maioria jovens entre 15 e 29 anos, e em
res abandonados e que esse contingente poderia torno de quase 70% jovens negros.
ser superior aos aparatos repressores e que era A contradição é que enquanto se avança do
necessário sistematicamente combater esse seg- ponto de vista da representação e de marcos re-
mento. E não é a toa que é justamente nesse pe- gulatórios institucionais, permanece um proces-
ríodo, que a Rota atuou de forma mais ativa no so de desigualdade e um processo sistemático de
estado de São Paulo, nesse período de transição extermínio, que, para nós, gera um genocídio.
entre o final da década de 80, inicio da década Isso não é algo factual, não é algo momentâneo,
de 90. E também é nesse momento que são cons- mas algo que vem se estruturando ao longo dos
truidas varias bases de resistência, inclusive da séculos e que se materializa numa politica sis-
juventude periférica, através da cultura, princi- temática que coloca essa população numa con-
palmente da cultura hip hop , como um elemento dição de vulnerabilidade e de exclusão social.
de contestação e de construção de um novo pa- Para conseguirmos ter uma percepção do porque
dessa contradição, é preciso pensar a conjuntura neráveis, que produz um aumento sistemático da 29
em que estamos colocados, em que se tem uma violência. Por isso que na nossa leitura é algo es-
inflexão de um lado, do ponto de vista de garan- truturante e que por isso não é algo factual, não é
Fui chamada pra falar de religiosidade afro- sujeito está, quem são essas pessoas.
brasileira, (seria afro-indígena, afro-ameríndia)? Todas essas religiosidades dialogaram com
Não vou me centrar em nenhuma religiosidade o catolicismo e é daí que surgiram as irmanda-
Boa tarde a todas e a todos. Queria começar res- mente com o discurso veiculado pela elite, de que
gatando algumas falas que foram feitas anterior- a ação afirmativa é como se fosse uma gratifica-
mente durante o evento, que têm muito a ver com ção que está sendo dada para um grupo que não
o que quero discutir. O Hamilton diz: “Nós temos tem capacidade para entrar na universidade por
que falar por nós mesmos”. Acho que essa é uma si só. Fica difícil para o sujeito se assumir nes-
ideia importantíssima e temos que pensar nessa se lugar e se assumir negro também não é fácil,
noção dentro da psicologia e pensar o que psico- porque é se assumir como o não-sujeito social,
logia tem produzido como conhecimento, como aquele sujeito que não é bem quisto, que é o sus-
prática. Achei interessante também, Hamilton ter peito, que se atrela a uma série de representações
problematizado o termo afro-brasileiro, porque o pejorativas. Esse contexto me incomodou, prin-
“afro” remete a um resgate do sujeito e o “brasilei- cipalmente por questionar se essa dificuldade de
ro” é um engodo, pois a nação brasileira nunca de identificação era uma constante. Então comecei
fato acolheu o africano, e nos coloca de fato como a olhar para movimentos que são movimentos de
objetos. É necessário retomarmos a nossa voz. problematização e que propõem alguma forma
Faço parte de um grupo da UFSCAR chamado de enfrentamento do racismo. Transitando pe-
NUESTRA,( Núcleo de Trabalho Sociedade e Co- los saraus de São Paulo eu notei que havia uma
munidade), e nele são desenvolvidas pesquisas presença de corpos e de ideias negras muito fre-
que em sua maioria são feitas com grupos ditos quentes nesses espaços, e que a pauta da questão
minoritários. Muitos dos meus colegas pesquisa- racial se fazia muito presente , particularmente,
dores, colocam que uma das intenções de se fazer em alguns espaços. Se é dado o espaço pra esses
pesquisa com essa população é dar voz a esse su- sujeitos que são minoria, eles vão dizer das suas
jeito. E essa é uma discussão que tenho feito pois angústias, e os saraus de periferia mostram jus-
penso que não estamos dando voz a ninguém, tamente isso. É muito frequente a discussão de
e esses movimentos de resistência vêm mostrar gênero, de raça, de classe, porque isso perpassa o
justamente que esses sujeitos se organizam, eles cotidiano desses sujeitos que estão ali se colocan-
se coletivizam, eles se politizam e essa voz ecoa. do. Decidi, então, pesquisar esses coletivos dos
Então, trago algumas reflexões a partir da mi- saraus, partindo do pressuposto de que são cole-
nha pesquisa de doutorado, sobre o Movimento tivos que estão numa outra fase de identificação,
de Literatura Periférica que tem acontecido nas eles obviamente problematizam todo o malefício
periferias de São Paulo. Chego nesse campo de que o contexto racial brasileiro traz para as identi-
pesquisa a partir de algumas indagações na mi- dades de negros e negras, e para outras identida-
nha pesquisa de mestrado, na Universidade Fe- des também. São coletivos de afirmação. Eu quis
deral de São Carlos entrevistando jovens negros então não mais estudar aquilo que a psicologia já
que tinham ingressado nos três primeiros anos tem dito, que é o malefício do racismo à subjeti-
de implementação do programa de ação afirma- vidade de negros e negras, de brancos e brancas,
tiva. Eram jovens negros que tinham ingressado mas pesquisar este momento de identificação.
ou não pelo programa. Fazendo essa pesquisa me Quais são as representações que são forjadas nes-
deparei com algumas questões que me incomo- se contexto de ressignificação? Acho interessante
daram. Percebi que muitos dos estudantes que ler os trabalhos do Professor Alessandro de Oli-
ingressavam pela ação afirmativa e que optaram veira Santos, porque ele apresenta os momentos
pela ação afirmativa para negros, não necessaria- de tratamento da temática étnico-racial, e como
mente se assumiam negros e não necessariamen- a psicologia trata desse tema. O autor afirma que
te se assumiam nesse sistema de reserva de vagas. num primeiro momento existia movimento da Es-
Muitos estudos da ação afirmativa têm demons- cola Nina Rodrigues de eugenização e higieniza-
trado isso, e penso que essa dificuldade também ção, e nesse momento o negro é considerado um
não vem do nada. É difícil para esse sujeito se co- perigo social, aquele que deve desaparecer, que
locar como “reservista”, como adepto da reserva deve ser exterminado da sociedade. Num segun-
de vaga, tendo em vista todo o simbólico que se do momento, há o tratamento de outras questões,
aglutina à ideia de ação afirmativa e particular- como o preconceito, a discriminação, as atitudes
raciais etc..., e esses teóricos, como Dante Morei- porque isso é um tremendo paradoxo, o racismo 41
ra Leite, a Virgínia Leone Bicudo, se inserem na é uma violência extrema e não cabe dizer que
introdução de alguns cursos de Psicologia. Eles existe cordialidade nisso. Penso que, na verdade,
A palestrante inicia convidando os presentes a 11º aniversário e até hoje a gente não conseguiu
cantar o seguinte refrão “Vamos ler um livro, va- fazer realmente valer dentro das escolas, nem ela
mos ler um livro, povo da periferia, vamos ler um nem a 11 mil. Aí a nossa pergunta é: por quê? Se a
livro, vamos ler um livro, vamos ler um livro, vamos gente tá falando de uma questão que é estrutural,
ler um livro” é classista, e se a população preta está nas peri-
ferias, é automaticamente óbvio que as periferias
Comecei com esse som pra poder falar um não têm que saber disso. E o que a gente faz na
pouco porque que eu estou aqui. Faço parte do biblioteca que funciona até hoje, que pra gente
coletivo de esquerda Força Ativa, que tem uma é uma prova de resistência, é que a gente precisa
história num bairro que fica no extremo leste da se fortalecer com relação a isso. A gente vai fazer
Cidade Tiradentes. Para falar sobre o trabalho com que a população consiga o mínimo, em cima
que a gente executa lá, para falar um pouco por- disso a gente vai trabalhar aquilo que nos foi ne-
que que eu estou aqui trouxe dois vídeos muito gado acima de tudo e que pra mim é o principal
curtos para gente poder dialogar sobre como que foco do genocídio, que é a questão da autoestima
o hip-hop pode ser e deve ser um enfrentamen- dos periféricos e das periféricas. Se você é mina-
to com relação ao encarceramento de mulheres. do na sua autoestima, na questão de reconheci-
Vamos falar um pouco sobre esse genocídio, esse mento de você como sujeito, você não consegue
“femicídio”, específico das mulheres pretas. criar perspectivas para sair da situação de opri-
mido pois quem está na situação de privilégio
A palestrante apresenta um vídeo para comen- permanece na situação de privilégio, a lógica do
tar em seguida. sistema do capital é essa e a gente precisa rever-
ter esse processo. Com relação a questão do racis-
O Força Ativa, foi aqui em São Paulo uma das mo no Brasil, não temos um apartheid, não temos
primeiras posses de rap, começou como Posse uma segregação nítida mas, em compensação, a
Força Ativa, em meados de outubro de 1989, na gente tem escolas, educação sucateada, escolas
zona norte. A partir daí os grupos que fazem par- extremamente precarizadas. A escola aonde eu
te do Força Ativa começam a pensar novas pers- dou aula, tem apenas sete salas, parece uma es-
pectivas em cima do rap, enquanto uma forma de colinha do interior, e aí tem uma área, um terre-
atuação na sociedade. E em 95, alguns integran- no gigante, um lugar totalmente cheio de mato e
tes da Posse Força Ativa vai morar na zona leste que não é utilizado. Fui pesquisar o porquê que
aí passa de Posse Força Ativa pra Núcleo Cultural tem aquele terreno que ninguém utiliza pra nada
Força Ativa. A Cidade Tiradentes tem mais de 400 e fiquei sabendo que na verdade foi pensado um
mil habitantes e até hoje não tem uma biblioteca projeto de uma escola. Se a gente pesquisar lá
pública, então, pensando nisso, foi criada a Bi- na internet, Escola Guerra Junqueira, aparece lá
blioteca Comunitária Solano Trindade, a partir uma planta da escola naquele terreno. E como se
dessa necessidade da gente se instrumentalizar a escola estivesse naquele terreno enorme, lá em-
contra as opressões que estão postas pelo Estado. baixo da escola, só que o dinheiro, ele foi desvia-
Eu trouxe até esse vídeo pra poder exemplificar do e no bolso de alguém ele parou. Então o que
melhor. O Força Ativa tem esse caráter até hoje, é isso? É uma lógica de Estado para poder desfa-
de conscientização, e a gente atua no cotidiano, vorecer cada vez mais aqueles que já estão numa
nos trabalhos. Eu sou professora de Geografia, eu situação de desprivilegio. E a gente tem a ques-
esqueci de colocar, eu sempre esqueço desses ne- tão da saúde pública, que quando a gente tenta
gócios no currículo. Alguém citou a lei 10 e tal até marcar uma consulta médica você tem a agenda
que até hoje a gente não vê ela valer.E aí pra mim somente pra outubro, seis meses depois, se tiver
fica uma coisa nítida na cabeça.Tem algumas coi- que morrer, você morre, se você tiver que procu-
sas, alguns mecanismos que foram criados e pa- rar um especialista ou algum exame, é dois anos
rece que propositalmente pra não acontecer, pra no mínimo. A gente acaba recorrendo ao servi-
não funcionar, porque ela já tá entrando no seu ço privado, não que o público também não seja
privado, em certa medida. São formas do Estado trou, eu acho que é isso, e não pode se perder, 45
conseguir minar, de certa forma, tudo o que a e a gente, em algum momento, a gente acabou,
gente pode tentar criar enquanto sujeito de ação, que tá balançando, a gente vê o que tem aconte-