Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Olá! Meu nome é Rafael Alexandre da Silva. Artisticamente, sou conhecido como Rafael Fortaleza. Sou licenciado
em Educação Artística com Habilitação em Música pelo Departamento de Música da Escola de Comunicações e
Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto. Sou mestre em Artes (Música) com
ênfase em Processos de Criação Musical pela ECA-USP, com dissertação orientada pela Prof.ª Dra. Silvia Maria
Pires Cabrera Berg. Sou compositor, arranjador, orquestrador, flautista, regente, cantor e pesquisador, tendo
trabalhos artísticos apresentados em Faenza-RA, na Itália, em Caxias do Sul-RS e em Ribeirão Preto-SP, tendo
participado, inclusive, dos 47º e 49º Festival Música Nova "Gilberto Mendes" como compositor. Academicamente,
tive trabalhos apresentados em Portugal, no XIII Congresso da ANPPOM e no VI Encontro de Musicologia de
Ribeirão Preto. Atualmente, sou doutorando em Música com ênfase em Composição Musical pela Universidade
Federal do Paraná, em Curitiba-PR, sob orientação da Prof.ª Dra. Roseane Yampolschi.
E-mail: rafael.fortaleza@hotmail.com
Rafael Alexandre da Silva
Batatais
Claretiano
2016
© Ação Educacional Claretiana, 2015 – Batatais (SP)
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução, a transmissão total ou parcial por qualquer forma e/ou qualquer meio
(eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação e distribuição na web), ou o arquivamento em qualquer sistema de
banco de dados sem a permissão por escrito do autor e da Ação Educacional Claretiana.
781.3 S583c
ISBN: 978-85-8377-499-0
CDD 781.3
INFORMAÇÕES GERAIS
Cursos: Graduação
Título: Composição e Arranjos Pedagógicos
Versão: ago./2016
Formato: 20x28 cm
Páginas: 144 páginas CDD 658.151
SUMÁRIO
CONTEÚDO INTRODUTÓRIO
1. INTRODUÇÃO...................................................................................................................................................................9
2. GLOSSÁRIO DE CONCEITOS............................................................................................................................................10
3. ESQUEMA DOS CONCEITOS-CHAVE...............................................................................................................................11
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................................................................................12
Conteúdo
Desenvolvimento de competências e habilidades relativas ao arranjo: concepção e função do arranjo; adaptação
de melodias e harmonias; construção de acompanhamentos e contracantos; contribuição criativa no arranjo.
Técnicas de orquestração e instrumentação: escrita para diferentes instrumentos e vozes; escrita para grupos
com diferentes níveis técnicos e formações heterogêneas. Habilidades relativas à criação musical: reflexões de
natureza estética e poiética; manipulação dos parâmetros composicionais (ritmo, altura, timbre, textura e forma)
com vistas à prática docente.
Bibliografia Básica
ALMADA, C. Arranjo. Campinas: Unicamp, 2000.
HOWARD, J. Aprendendo a compor. Trad. e adap. Maria Tereza de Rezende Costa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991.
STRAVINSKY, I. Poética musical em 6 lições. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.
Bibliografia Complementar
GUEST, I. Arranjo – método prático. Rio de Janeiro: Irmãos Vitale, 2010. v. 1.
______. ______. Rio de Janeiro: Irmãos Vitale, 2009, v. 2.
______. ______. Rio de Janeiro: Irmãos Vitale, 1996, v. 3.
KOELLREUTTER, H. J.; ZAGONEL, B. (Org.). Introdução à estética e à composição musical. 2. ed. Porto Alegre: Movimento,
1987. v. 18. (Coleção Luis Cosme).
SCHOENBERG, A. Fundamentos da composição musical. Trad. Eduardo Seincman. 3. ed. São Paulo: Edusp, 2015.
7
CONTEÚDO INTRODUTÓRIO
É importante saber
Esta obra está dividida, para fins didáticos, em duas partes:
Conteúdo Básico de Referência (CBR): é o referencial teórico e prático que deverá ser assimilado para aquisição das
competências, habilidades e atitudes necessárias à prática profissional. Portanto, no CBR, estão condensados os principais
conceitos, os princípios, os postulados, as teses, as regras, os procedimentos e o fundamento ontológico (o que é?) e etioló-
gico (qual sua origem?) referentes a um campo de saber.
Conteúdo Digital Integrador (CDI): são conteúdos preexistentes, previamente selecionados nas Bibliotecas Virtuais Univer-
sitárias conveniadas ou disponibilizados em sites acadêmicos confiáveis. É chamado "Conteúdo Digital Integrador" porque é
imprescindível para o aprofundamento do Conteúdo Básico de Referência. Juntos, não apenas privilegiam a convergência
de mídias (vídeos complementares) e a leitura de "navegação" (hipertexto), como também garantem a abrangência, a den-
sidade e a profundidade dos temas estudados. Portanto, são conteúdos de estudo obrigatórios, para efeito de avaliação.
1. INTRODUÇÃO
Caro aluno, seja bem-vindo ao nosso estudo de Composição e Arranjos Pedagógicos!
Esta obra foi concebida como forma de proporcionar ao aluno de Música o contato com
a dimensão poiética do trabalho musical, isto é, com a parte de criação em Música.
Às vezes, temos uma impressão baseada no senso comum de que as áreas ligadas à
criação musical são de domínio de poucas pessoas, aquelas eleitas e com talento acima do
normal. No entanto, a composição musical e suas áreas adjacentes, como o arranjo e a trans-
crição, dependem de habilidades e competências específicas para serem desenvolvidas. Assim
como podemos aprender a tocar um instrumento, é possível aprendermos a compor música.
É verdade que não se ensina a ter boas ideias, mas o que é uma boa ideia sem meios de poder
concretizá-la? Podemos dizer que a criatividade, em um processo de criação artística, lida mui-
to mais com a habilidade em ser capaz de articular habilidades e competências necessárias à
concretização da ideia que propriamente com a concepção da ideia em si.
As habilidades e competências necessárias para a criação musical são de ordem especí-
fica, ou seja, dependem da aplicação criativa de conceitos, normalmente ligados a apreciações
estéticas e analíticas, como a harmonia, o contraponto e a estruturação musicais. É por meio
do domínio desses conceitos, visando à poiética, isto é, à criação, que você será capaz de, as-
sim como qualquer compositor ou arranjador, criar sua própria música.
Assim, cada unidade deste compêndio se propõe a abordar um aspecto relacionado à
poiética musical, além de saberes técnicos necessários à concretização da criação musical.
Na Unidade 1, você travará contato com as concepções acerca daquilo que é um arranjo
e como pensá-lo, isto é, saber diferenciar o arranjo de uma composição musical, saber que o
arranjo, em geral, responde a uma demanda específica e é concebido com alguma finalidade,
como ser tocado em dada apresentação ou responder às expectativas dos instrumentistas que
irão tocá-lo, por exemplo, além de aprender a estruturá-lo, tomando nota da instrumentação,
do caráter e das finalidades que seu arranjo deverá atender. Nessa unidade, você também
encontrará conceitos que vão auxiliá-lo no momento da confecção do arranjo, como técnicas
básicas de rearmonização, de modificação de caráter e gênero.
Na Unidade 2, você encontrará conceitos relacionados ao arranjo e que já serão apro-
veitados nas unidades vindouras, quando a composição musical for o assunto da vez. Esses
conceitos dizem respeito à instrumentação e ao funcionamento dos instrumentos e das vozes
mais comuns em orquestras e outras formações, além de técnicas básicas de orquestração. Os
instrumentos e as vozes são os meios pelos quais a música passa à medida que correspondem
à função do intérprete, que é quem executa e faz soar a música abstraída sobre o papel.
É importantíssimo conhecer as possibilidades e limitações de cada instrumento e de
cada voz antes de escrever para qualquer um deles, extraindo-lhes o máximo de aproveita-
mento e enriquecendo, assim, seu próprio trabalho criativo. Isso torna a execução idiomática e
conta com as limitações dos instrumentistas disponíveis. Além disso, em um item específico da
Unidade 2, abordaremos formas e sugestões para que você lide com os problemas de escrever
um arranjo para um grupo que tenha limitações de ordem técnica na execução de um instru-
mento musical. Esse tipo de situação é bem comum tanto em contextos escolares quanto no
cenário musical amador, e estar preparado para lidar com isso auxilia a superar as dificuldades
e alcançar um resultado artístico satisfatório e motivador.
Na Unidade 3, adentraremos o âmbito da composição musical. Convidamos você a re-
fletir sobre algumas questões sensíveis à poiética em Música. Para tanto, serão oferecidos três
pequenos ensaios que abordam a natureza da Música, seu aspecto temporal e a necessidade
de consciência criativa que o compositor deve ter para com sua ideia musical e os meios ne-
cessários para concretizá-la. Não pretendemos impor qualquer concepção estética acerca do
fenômeno musical como Arte; aliás, convidamos e propomos a você confrontar as ideias que
lhe são apresentadas, e que sua própria opinião e outras referências filosóficas e poiéticas
possam sustentar sua argumentação.
Na última e quarta unidade, disporemos técnicas básicas de criação musical – mais do
que isso, maneiras de pensar parâmetros musicais para a organização de um discurso musical
em uma peça, tais como a organização rítmica (duração/ritmo), a organização das alturas, o
uso de timbres e da agógica, o uso de diferentes texturas, a estruturação e a forma. Essa uni-
dade não tem título de normatização técnica e poiética e não deve ser tomada como um guia
ou uma "caixa de ferramentas" do compositor. Os conceitos apresentados ali, embora sejam
de ordem técnica, não são estanques e, em sua maioria, podem se encaixar a qualquer proce-
dimento poiético, desde a música instrumental tonal até os processos acusmáticos, sobretudo
aqueles conceitos ligados à textura e estruturação musicais.
Note que o objetivo deste trabalho não é esgotar as possibilidades conceituais nem ex-
por todas as técnicas existentes de maneira ampla e profunda, mas fazê-lo refletir sobre os
processos de criação musical necessários para a poiética em Música, muni-lo de técnicas bási-
cas para a criação musical e abrir-lhe as possibilidades para esse universo como algo palpável e
possível em sua vivência musical. No mais, a partir dos conceitos expostos, você poderá buscar
outras fontes que venham a expandir e complementar o que está apresentado aqui, amplian-
do, assim, seu horizonte teórico e referencial.
Por fim, desejamos que você se empolgue e se envolva com o que é apresentado neste
compêndio. A criação musical, entendida aqui sob a perspectiva do arranjo e da composição,
é um campo riquíssimo dentro da Arte e permite extrapolarmos os limites da imaginação com
vistas à expressão artística.
Bons estudos!
2. GLOSSÁRIO DE CONCEITOS
O Glossário de Conceitos permite uma consulta rápida e precisa das definições concei-
tuais, possibilitando um bom domínio dos termos técnico-científicos utilizados na área de co-
nhecimento dos temas tratados.
1) Acusmático: diz-se da música feita sem a presença do intérprete, utilizando-se de
tecnologia (sinônimo de música eletroacústica) (DOURADO, 2004).
2) Arranjo: obra musical que consiste na adaptação e recriação a partir de outra obra
musical já existente (DOURADO, 2004).
3) Contraponto: articulação dos sons musicais de maneira horizontal para criar linhas
melódicas independentes dentro da música, mas que sempre se relacionam a outras
linhas também horizontais, de acordo com regras específicas (DOURADO, 2004).
4) Forma musical: organização das estruturas musicais e suas partes dentro do discur-
so musical. Algumas formas são tradicionais e historicamente sedimentadas, como a
Sonata, por exemplo, mas a forma, hoje em dia, é concebida de maneira mais livre,
visando exclusivamente à coerência do discurso musical, sem vistas à normatização
(DOURADO, 2004).
5) Frase musical: combinação de motivos ou gestos articulados entre si, de modo a
criarem sentido (direcionalidade) musical (DOURADO, 2004).
6) Gênero musical: configuração estilística que transcende ou está além da forma,
compartilhada por diversos indivíduos como fenômeno musical dentro de um con-
texto sociocultural (ex.: baião, chorinho, minueto) (DOURADO, 2004).
7) Harmonia: conjunção dos sons musicais que se estrutura de maneira vertical (acor-
des) para a direcionalidade do discurso musical (DOURADO, 2004).
8) Instrumentação: conhecimentos técnicos relativos ao funcionamento de cada ins-
trumento e voz, suas tessituras, possibilidades agógicas e usos comuns e incomuns
dentro de uma música (DOURADO, 2004).
9) Orquestração: conjunto de técnicas, competências e habilidades necessárias para se
escrever para orquestras e outras funções instrumentais, cuja essência está ligada
ao trabalho com os timbres dos instrumentos e vozes (DOURADO, 2004).
10) Poiética musical: diz respeito aos processos e técnicas necessários para se criar e
conceber música. Em um dado momento histórico, chamamos a normatização poié-
tica, individual ou coletiva, de "estilo" (DOURADO, 2004).
11) Rearmonização: o mesmo que modificar a harmônica de uma música e/ou canção
(DOURADO, 2004).
12) Textura musical: número de partes sobre a qual uma música está estruturada, rela-
tivamente à função que cada parte desempenha dentro da estrutura musical (exem-
plos: monodia, homofonia, polifonia) (DOURADO, 2004).
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DOURADO, H. A. Dicionário de termos e expressões da Música. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2004.
PAREYSON, L. Os problemas da Estética. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
SCHOENBERG, A. Fundamentals of musical composition. Londres: Faber and Faber, 1967.
Objetivos
• Compreender o que é um arranjo e seus usos.
• Compreender a diferença entre arranjo e composição.
• Adaptar e rearmonizar melodias.
• Construir os acompanhamentos, os contracantos e a linha do baixo.
• Identificar possibilidades de modificação de parâmetros musicais, como a métrica, o gênero e o caráter, a fim
de criar expressividade.
Conteúdos
• Conceito de arranjo.
• A diferença entre arranjo e composição.
• Rearmonização de melodias utilizando campo harmônico, dominantes individuais, acorde de Sétima de Sensí-
vel, Sexta Napolitana, Sextas Aumentadas, harmonização por blocos e modulação.
• Construção de acompanhamentos, contracantos ativos e passivos e linha do baixo, utilizando regras de
contraponto.
• Modificações métricas, de gênero e de caráter, sem deformar os elementos que permitam reconhecer a mú-
sica original.
13
© COMPOSIÇÃO E ARRANJOS PEDAGÓGICOS
UNIDADE 1 – ARRANJO: CONCEITOS BÁSICOS
1. INTRODUÇÃO
Vamos iniciar nossa primeira unidade de estudo. Você está preparado?
Arranjar músicas pode ser um bom meio de criação musical. No trabalho pedagógico
como docente de Música, o arranjo é uma excelente ferramenta, pois liga universos musicais
diferentes entre alunos e professores, tornando-se uma prática motivadora, uma vez que o ar-
ranjo de uma melodia que os alunos conheçam, por exemplo, instiga seus ouvidos e interesse
pela atividade musical.
Estudaremos, a seguir, o que de fato é um arranjo, como guiar a escolha de qual música
arranjar e por que um arranjo se difere de uma composição musical (embora, algumas vezes,
possa haver exceções). Além disso, veremos como rearmonizar uma melodia a partir do uso
do conceito de campo harmônico, como construir um acompanhamento, um contracanto, ba-
seando-se em regras de contraponto e outras modificações paramétricas que geram interesse
artístico no arranjo, além de uma mera adaptação de uma melodia a um dado grupo instru-
mental. Arranjar é criar!
Imagine o seguinte: em sala de aula, alguns alunos lhe dizem que gostam muito de uma
música folclórica (O Cravo e a Rosa, por exemplo), ou, ainda, na banda em que você toca, o
grupo decidiu-se por incluir uma seção de instrumentos de sopro em alguns pontos de uma
das canções de seu repertório, que não são originais da canção e devem, portanto, ser inse-
ridos, criados do zero. Bem, temos aí dois problemas que podem ser resolvidos da mesma
maneira: arranjando.
Antes de qualquer coisa, arranjar significa transformar uma música que já existe em algo
diferente, mantendo, necessariamente, as características que permitam ao ouvinte reconhe-
cer tal música como sendo ela mesma.
Mas transformar em que sentido? Voltemos a O Cravo e a Rosa. Melodias folclóricas não
possuem acompanhamentos específicos ou foram concebidas para serem tocadas por deter-
minado grupo instrumental específico ou, ainda, possuem uma harmonização tradicional. Isso
se deve, em parte, ao fato de que melodias folclóricas são transmitidas através de tradição oral
e, normalmente, são melodias vocais, com letra. Assim, as modificações feitas por qualquer
pessoa em uma melodia folclórica através da inserção de uma segunda voz em contraponto
à melodia original, da harmonização da melodia ou da adaptação para uma formação instru-
mental, como um grupo de flautas doces ou coral, por exemplo, podem ser consideradas um
arranjo.
O mesmo pode ser dito sobre a inserção de uma seção de instrumentos de sopro em
uma canção já existente. Nela, podem já estar prontas as melodias, a linha do baixo, alguns
contracantos, a concepção do gênero e do caráter, mas a inserção de um elemento novo, dis-
tante da realidade acabada de tal canção, configura um arranjo.
Em suma, arranjo é uma forma de criação musical em que o arranjador contribui cria-
tivamente para a construção de uma nova música a partir de outra já existente, alterando
alguns elementos que a compõem, como instrumentação, harmonia, contrapontos, caráter,
métrica, mas sem deixá-la perder aquilo que permite que a identifiquemos como sendo tal
música. Nesse sentido, muitas vezes, arranjar significa manter a melodia ou o tema principal
de uma música já existente.
Em relação à escolha de qual música arranjar, os critérios podem ser puramente pes-
soais. Seu gosto como arranjador prevalece, ou podem prevalecer motivos comerciais, quan-
do alguém lhe encomenda um arranjo para dada formação instrumental.
Em ambos os casos, a escolha da música tem algo em comum: o grupo executante do
arranjo pesa no momento da decisão. No primeiro, no caso de uma escolha pessoal, o arran-
jador deve pensar na formação instrumental para a qual o arranjo será escrito, a capacidade
técnica de execução do grupo, isto é, o nível técnico-instrumental dos músicos que tocarão tal
arranjo. Além disso, deve considerar a finalidade do arranjo, como o local onde ele será tocado
(um show, uma festa de casamento, uma apresentação de alunos em uma escola). Isso pode
ser, também, um bom critério para guiar a escolha da música a ser arranjada.
Já no segundo caso, quando alguém lhe encomenda o arranjo, naturalmente lhe dará as
diretrizes sobre as quais você, na condição de arranjador, deverá trabalhar, definindo não só
a música, mas a instrumentação (formação instrumental), o nível técnico dos instrumentistas
(se é um grupo profissional ou amador, por exemplo), a duração do arranjo, a finalidade do
arranjo (apresentação em show, concerto, evento cívico etc.). Em ambos os casos, é impor-
tante que o arranjador saiba que há sempre elementos limitantes e, embora a limitação possa
parecer um problema, a criatividade do arranjador estará à prova justamente em lidar com
tais limitações e, de maneira única, conseguir resolver os problemas propostos.
No caso de um arranjo pedagógico, por exemplo, o arranjador deve, sobretudo, consi-
derar o nível técnico dos executantes e, ao escolher a música, também levar em considera-
ção as preferências dos alunos, uma vez que impor a eles determinado repertório pode gerar
certa refração em relação às músicas escolhidas. Negociar com a turma, ou até mesmo fazê
-los participar do projeto, tornando-os, de certo modo, protagonistas, pode ser uma maneira
interessante de envolver os alunos nessa empreitada e fazer eles criarem sua identificação
com o arranjo tocado. O mesmo é válido para grupos amadores, como corais comunitários
e de empresas ou grupos instrumentais. Considerar as dificuldades de execução ao escrever
é um meio de garantir o sucesso da execução do arranjo, tornando-o algo prazeroso para o
instrumentista/cantor.
E por que um arranjo, então, não é considerado uma composição? Ora, uma compo-
sição musical exige que seu criador a conceba inteira, em todos os seus mínimos detalhes e
parâmetros, sem partir de uma música já existente. É evidente que um compositor pode se
inspirar conceitualmente em músicas já existentes, ou referenciar-se nas obras de outros com-
positores do passado ou contemporâneos a ele; contudo, a sua própria composição musical
deve ser algo novo, diferente, único, não tendo o compromisso de ser identificada com algo
que já exista, embora seja natural que os ouvintes, a fim de compreender uma obra musical
nova, se amparem na sua experiência auditiva e criem comparações com o repertório que já
conheçam. Vale lembrar que "conhecer" difere de "reconhecer", que é o que acontece com
um arranjo. No arranjo, reconhecemos a música pré-existente, que se tornou algo novo nas
mãos do arranjador, ao passo que, na composição musical, dispomo-nos a conhecer um uni-
verso novo, criado pelo compositor e condensado na obra musical.
E por que arranjar é criar se, ao fazê-lo, não criamos nada de novo, do zero, de fato? Na
verdade, o trabalho criativo com elementos já existentes é uma forma de criar, de ser original,
de colocar sua impressão pessoal, como artista, em algo já existente. A reorganização criativa
dos elementos que compõem uma música já existente é criação, pois faz emergir uma nova
realidade da qual a música, antes da interferência do arranjador, de fato não fazia parte (DA-
VIDOF; NIK, 2007).
nesse escopo, uma vez que a Marselhesa não é o elemento central da construção da obra, mas
apenas um de seus muitos elementos.
Nas leituras propostas no Tópico 3.1., você encontrará outras problematizações acer-
ca do arranjo como criação em Música. Antes de prosseguir para o próximo assunto, realize
as leituras indicadas, procurando assimilar o conteúdo estudado.
Nesta seção, mostraremos algumas técnicas cujo domínio auxiliará no momento da cria-
ção de seus arranjos. Não pretendemos, contudo, esgotar as possibilidades, mas apenas for-
necer um ponto de partida de onde você poderá expandir seus horizontes.
Rearmonizando melodias
Partamos da melodia folclórica de O Cravo e a Rosa, harmonizada da seguinte maneira
na Figura 1:
Note que a harmonia, nesse caso, contempla somente três acordes, ainda que inver-
tidos: a tônica (Dó Maior), a subdominante (Fá Maior) e a dominante (Sol Maior). Temos,
então, as três principais funções de acordes quando falamos sobre sistema tonal: a tônica re-
presenta o repouso, a resolução das tensões; a subdominante enseja preparação, movimento
para frente – sensação de afastamento; e a dominante pressupõe tensão, expectativa, sus-
pensão, requerendo resolução. Pensemos na seguinte imagem: uma pessoa em pé, prestes a
caminhar, quando parada, está em repouso. Nesse ponto, temos o acorde de tônica, em que
o "caminhar harmônico" está em repouso. Em seguida, a pessoa inicia o movimento de cami-
nhar, deixando o repouso. Aqui, nesse movimento de menção do caminhar e o início do cami-
nhar, podemos enxergar a função da subdominante, que começa a trazer movimento para a
harmônica. Depois, o caminhar em si, almejando tornar à posição inicial de repouso, antes do
primeiro passo, pode ser visto como a dominante da harmonia, que se resume na vontade de
retorno ao estado inicial – que é a tônica.
Ao construirmos tríades sobre cada grau da escala de Dó Maior, veremos que os acordes
I, IV e V compartilham 2/3 das notas dos demais graus do campo harmônico (por exemplo, o
acorde de segundo grau – Ré Menor – compartilha duas notas com o quarto grau – Fá Maior; o
terceiro grau – Mi Menor – compartilha duas notas com o quinto grau – Sol Maior; o sexto grau
– Lá Menor – compartilha duas notas com o primeiro grau – Dó Maior). Observe a Figura 2:
É conveniente, então, inferirmos que os acordes de I grau, IV grau e V grau são substi-
tuíveis por outros acordes similares, mas mantendo a mesma função. Esse recurso possui as
denominações "função relativa" e "função antiparalela" (que estão entre parênteses na Figura
3). Acompanhe o exemplo da Figura 3:
Na Figura 2, note que o acorde de VII grau, por conter o trítono (entre as notas Si e Fá),
é considerado, funcionalmente, como a própria dominante, com sétima menor, mas sem sua
fundamental, conforme é possível ver na Figura 3, anotado sob a cifra "D7".
Além das funções relativas, podemos encontrar as funções antiparalelas (do alemão
gegenparallel – por isso, a letra g na cifra). Note que os acordes são os mesmos que os
anteriores, mas foram rotacionados dentro da escala, a fim de ocuparem novas funções. A
exceção fica a cargo da dominante antiparalela, em que consideramos a Armadura de Clave
da tonalidade da própria dominante (no caso, Sol Maior, portanto, um sustenido – Fá#), a
fim de que se evite a repetição do acorde de VII grau, que, como dito, é a própria dominante
com sétima menor, sem sua fundamental.
Assim, é possível substituir os acordes originais por seus equivalentes em relação a sua
função. Por exemplo, a subdominante (IV grau – Fá Maior) pode ser substituída pela subdomi-
nante relativa (II grau – Ré Menor) sem prejuízos à fluência e ao discurso harmônico.
É importante ressaltar que o movimento harmônico interno de uma música tonal segue
uma lógica que faz que o sistema e a alternância entre tensão e repouso, ou sua construção
gradual, funcionem segundo regras historicamente construídas através do fazer musical ao
longo do tempo, de modo que quebrar tais regras pode desmontar o discurso harmônico,
tornando a música modal (baseada em modos) ao invés de tonal. Isso, de fato, não é nenhum
problema sob o ponto de vista estético, e pode, inclusive, ser um elemento gerador de interes-
se em seu arranjo; contudo, do ponto de vista das regras do sistema tonal, trata-se de um erro.
Se sua intenção não for criar um "modalismo" em um dado trecho do arranjo, então,
fique atento ao Quadro 1, que resume os caminhos harmônicos (progressões) mais usuais
dentro do sistema tonal, sem prejuízo para o discurso harmônico:
É válido dizer, porém, que, no caso de tonalidades menores, o campo harmônico será
composto de maneira diferente. Primeiro, devemos sempre utilizar a Escala Menor Harmôni-
ca, a fim de contemplarmos o movimento de Sensível no sétimo grau e possibilitar à função de
dominante ser um acorde maior. Depois, para os outros graus, consideramos a Escala Menor
Natural. Dessa forma, tomando como exemplo Lá Menor, dispomos do campo harmônico da
Figura 3:
No exemplo dado, o campo harmônico de Lá Menor está limitado pela barra dupla. Os
quatro últimos acordes do exemplo são formados com o uso, ou não, da Escala Menor Harmô-
nica ou através de cromatismos, como é o caso da subdominante Napolitana e da dominante
menor.
Por vezes, o acorde aumentado, analisado no exemplo como dominante com a sexta
bemol no baixo, funciona como acorde de passagem ou apojatura sobre a dominante, em que
a nota do baixo tenderá a se resolver na quinta do acorde de dominante, especialmente no
caso de a terça desse acorde diminuto estar dobrada, reforçando sua função de dominante no
contexto harmônico, uma vez que essa nota representa a fundamental da dominante da to-
nalidade. Esses acordes aparecem com certa frequência na literatura musical, mas não neces-
sariamente fazem parte do campo harmônico de Lá Menor, embora possam ser usados como
substitutos das funções às quais estão relacionados, enriquecendo a harmonia.
Note que, dentro do campo harmônico de Lá Menor, existe um acorde que é analisado
de forma ambígua pela teoria da Harmonia Funcional, que é o acorde de segundo grau (iio).
Esse acorde, nas tonalidades menores, em geral, é tomado como possível substituto da subdo-
minante, funcionando como subdominante relativa, por compartilhar duas notas com o acor-
de de subdominante no modo menor. Não obstante essa função, o acorde de segundo grau na
tonalidade menor pode, ainda, aparecer como preparação, como dominante da tônica relativa
(terceiro grau das tonalidades menores), uma vez que possui, em sua formação, o trítono que
exige resolução para esse grau da escala.
Dito isso, voltemos à melodia de O Cravo e a Rosa. Agora, note que as funções foram
trocadas. Vale lembrar que, para fins de finalização de frase, ou mesmo da música, os movi-
mentos cadenciais são importantes, e tais movimentos são construídos, basicamente, sobre
a relação dominante-tônica. Assim, não é eficaz, do ponto de vista das regras harmônicas,
substituir as funções de dominante e de tônica em cadências, tanto em finais de frase quanto,
sobretudo, no fim do arranjo. É válido dizer que, ao substituir a função de tônica por sua re-
lativa (mais frequente) ou antirrelativa (menos frequente) em uma cadência V-I, o efeito que
se obtém é conhecido como "Cadência Deceptiva" (Cadência de Engano), suspendendo, mo-
mentaneamente, a resolução harmônica da tonalidade e, consequentemente, da frase. Veja
a Figura 4:
Ainda no âmbito dos acordes alheios ao campo harmônico, temos o acorde de Sexta
Napolitana (por vezes, chamado de "Segundo Grau Abaixado"), que consiste em substituir o
quinto grau do acorde de subdominante por sua sexta menor. Tal recurso é característico das
tonalidades menores, portanto, ao importar o acorde napolitano, em tonalidade maior, da to-
nalidade relativa menor, ele funcionará como Acorde de Empréstimo Modal (AEM). A função
desse acorde é, pois, de subdominante. Seu uso, no lugar da subdominante propriamente,
gera variação harmônica e, por conseguinte, interesse ao ouvinte. Observe a Figura 7:
Como último grupo, aqui abordado, de acordes fora do campo harmônico, temos os
acordes de Sexta Aumentada. São eles: a Sexta Aumentada Francesa (Fra6+), a Sexta Aumen-
tada Italiana (It6+) e a Sexta Aumentada Germânica (Ger6+). Todos os três funcionam como do-
minantes e, normalmente, nas músicas do Período Clássico (século 18), eram utilizados como
dominantes individuais dos acordes de dominante em tonalidades menores. Contudo, seu uso
não fica, de modo algum, restrito às tonalidades menores, sendo que utilizá-los em tonalida-
des maiores, relacionando-os a outros acordes que não somente a dominante, é de grande
valia para gerar variação harmônica. Veja as Figuras 8, 9 e 10:
Figura 8 O Cravo e a Rosa rearmonizada através do uso do acorde Sexta Aumentada Italiana
(desconsiderando a nota Dó na melodia).
Figura 9 O Cravo e a Rosa rearmonizada através do uso do acorde de Sexta Aumentada Francesa
(desconsiderando a nota Dó da melodia).
Figura 10 O Cravo e a Rosa rearmonizada através do uso do acorde de Sexta Aumentada Germânica.
Note que os acordes de Sexta Aumentada Francesa e Sexta Aumentada Germânica são
acordes de quatro notas, enquanto o acorde de Sexta Aumentada Italiana é de três notas.
Os três acordes surgiram de dominantes individuais sem a fundamental, com a quinta bemol
no baixo (daí o nome de "Sexta Aumentada", posto que o intervalo resultante é classificado
dessa maneira). Normalmente, no Período Clássico, esses acordes apareciam em posição fun-
damental, por questões relacionadas a regras de contraponto (especialmente quintas ocultas,
no caso da Sexta Aumentada Germânica), entretanto, hoje, seu uso não está restrito a essas
disposições. Isso significa que podemos utilizá-los em suas inversões também.
Agora, partiremos para a harmonização em blocos. Observe o exemplo da Figura 11 a
seguir:
Note que a linha melódica principal está na região mais aguda, tornando-a fácil de se reco-
nhecer e também mais audível. Lembre-se de que, para um arranjo, é importante que se reconhe-
ça a música arranjada. Agora, repare nas outras vozes. Veja que elas caminham com ritmo igual ao
da melodia. Note que algumas estão em movimento paralelo ao da melodia principal e outras se
movimentam melodicamente independente dela, mantendo a nota, o que gera um movimento
oblíquo em relação à melodia ou andando em sentido contrário a ela. Veja a Figura 12:
Figura 12 O Cravo e a Rosa harmonizada por blocos em diferentes movimentações internas de vozes.
Qual nota escolher para a harmonização em bloco? Primeiro, temos de considerar o ritmo
harmônico da frase musical, isto é, o tempo de um acorde a outro. Feito isso, devemos utilizar
intervalos em relação à melodia principal que priorizem o uso de consonâncias, de preferência, im-
perfeitas (intervalos de terças e sextas). Em um terceiro momento, escolhemos as notas em relação
ao acorde do trecho melódico selecionado para a realização da harmonização em blocos, tomando
o cuidado de observar se a nota escolhida para compor a melodia que corre em bloco em relação
à melodia principal pertence ao acorde do trecho melódico em questão ou se é uma dissonância.
Ao lidar com as dissonâncias, deve-se colocá-las de modo a enriquecer o acorde do trecho
melódico escolhido, dando preferência às tensões disponíveis mais próximas às notas do acorde
(como sétimas e nonas). Isso deixa as dissonâncias mais duras (décima primeira aumentada e
décima terceira, trítonos) para as notas de passagem ou bordaduras (ou seja, tempos fracos).
Esse tipo de harmonização é muito comum no jazz, sobretudo em seções da música em que há o
uso de naipes (como o de saxofone, por exemplo), pois ele gera colorido orquestral e melódico,
uma vez que dobra a melodia principal, em termos rítmicos, em alturas diferentes.
Note que, no exemplo da Figura 13, a seguir, as tensões disponíveis anotadas nas cifras
dos acordes foram utilizadas na harmonização por blocos, ou seja, na criação das linhas que
dobram a melodia principal, não só colorindo harmonicamente o arranjo, como também ge-
rando movimentações melódicas por grau conjunto, o que torna cada uma das linhas de do-
bramento do bloco mais melodiosas.
Como último, porém não menos importante recurso, apontamos o uso de modulação
(mudança de tonalidade) como recurso gerador de interesse harmônico. Vale ressaltar que al-
gumas canções já possuem modulações em suas versões originais; cabe a você, na condição de
arranjador, considerando as questões circunstanciais relativas ao seu arranjo (como dificuldade
técnica, motivação, instrumentação etc.), decidir se vai respeitar ou não tais modulações. Note
que a modificação de tal parâmetro musical altera o discurso, especialmente se a música for co-
nhecida pelo público, o que pode afetar o resultado artístico do seu arranjo. No caso de melodias
folclóricas, por exemplo, dada sua natureza simples e a liberdade para harmonizá-las, modular é
um recurso interessante para se gerar riqueza artística no discurso musical.
Basicamente, é possível modular a tonalidade a partir do uso de cinco recursos, a saber:
acordes pivô, dominantes individuais, acordes de Sétima de Sensível, deslizamento cromático
e por tonalidades homônimas.
A modulação por acorde pivô consiste em utilizar um mesmo acorde que pertença a
duas tonalidades diferentes como ponte para a nova tonalidade. Observe o exemplo a seguir e
note que o acorde pivô serve de passagem para o novo ambiente tonal, mas isso não dispensa
a afirmação da tonalidade através do uso da dominante da nova tonalidade (lembre-se de que
o estabelecimento de uma tonalidade depende, necessariamente, das relações de tensão e
repouso existentes entre a tônica e a dominante).
No exemplo da Figura 14, a seguir, note que o acorde final da primeira parte – Dó Maior
– funciona como ligação (pivô) entre a tonalidade de partida (Dó Maior) e a de chegada (Sol
Maior), desempenhando a função de subdominante da nova tonalidade. O acorde pivô serve
de ponte para a aproximação da dominante da nova tonalidade, que é o acorde de Ré Maior
com sétima de dominante. A afirmação da nova tonalidade vem logo no terceiro compasso.
Repare, também, que a melodia foi transposta, caracterizando, assim, a modulação. Caso a
melodia fosse mantida no mesmo tom, não haveria modulação e o acorde de Ré Maior seria
apenas um Acorde de Empréstimo Modal retirado do campo harmônico da dominante.
O uso de dominantes individuais dá-se de maneira parecida com o uso para a rearmo-
nização; contudo, enquanto, na rearmonização, permanecemos na mesma tonalidade em que
estávamos antes do aparecimento da dominante individual, no caso de uma modulação, de-
vemos ir para uma tonalidade nova e reafirmá-la através da reiteração de um gesto cadencial,
ou encadeamento. O uso de dominantes individuais para modulação é particularmente eficaz
quando se deseja ir para tonalidades mais distantes. Observe a Figura 15:
É possível a modulação para uma outra tonalidade por deslizamento cromático simples,
alterando-se todas as notas de um acorde cromaticamente. Nesse caso, para se garantir a efi-
cácia da modulação em estabelecer a nova tonalidade, recomenda-se a reafirmação cadencial
da nova tonalidade. Observe a Figura 17:
Por último, é possível modular por tonalidades homônimas, isto é, tonalidades que têm
o mesmo nome de nota, mas estão em modos diferentes (por exemplo, Dó Maior e Dó Me-
nor). Perceba que, no exemplo, a dominante de ambas as tonalidades, Dó Maior e Dó Menor,
é a mesma. Assim, basta usar essa mesma função como ponte entre as duas tonalidades.
Perceba, ainda, que as alturas da melodia praticamente se mantêm, sendo modificadas, obvia-
mente, aquelas que pertencem à tonalidade homônima (no caso, Dó Menor). Veja a Figura 18:
Figura 21 Tratamento contrapontístico da linha do baixo, com uso de dissonâncias em contratempos e notas de passagem.
Outras linhas de contracanto dizem respeito a vozes intermediárias (GUEST, 2010), mas
que não necessariamente vêm entre a melodia principal disposta na voz mais aguda e a linha
do baixo. São chamadas "intermediárias" porque se relacionam contrapontisticamente com a
melodia principal, sem, contudo, sobrepujá-la. Observe o exemplo da Figura 22:
Segundo Ian Guest (2010), os contracantos intermediários são divididos em duas catego-
rias, a saber: contracantos passivos e contracantos ativos.
Os contracantos passivos são linhas melódicas que se relacionam harmonicamente com
a melodia principal e cujo ritmo respeita o ritmo harmônico (tempo que demora até se passar
de um acorde a outro), sem sinuosidades, não caminhando paralelamente, em termos rítmi-
cos, com a melodia principal, embora algumas pontuações melódicas, que podem funcionar
como respirações ou ataques (convenções), possam aparecer, também, nesse tipo de contra-
canto (GUEST, 2010). Note que, no exemplo anterior, a voz superior da mão esquerda funcio-
na como um contracanto intermediário passivo, posto que caminha contrapontisticamente à
melodia, mas, em termos rítmicos, acompanha o ritmo harmônico da peça.
Por vezes, a própria linha do baixo pode funcionar como um contracanto passivo, so-
bretudo em texturas com pouca mobilidade melódica nos acompanhamentos (GUEST, 2010).
Os contracantos ativos resumem-se a linhas melódicas independentes, em termos rít-
micos e discursivos, mas que se relacionam harmonicamente com a melodia principal, apro-
veitando alguns de seus gestos e motivos. Podem ensejar pequenos pontos de imitação ou
trazerem uma ideia diferente da ideia melódica apresentada (GUEST, 2010). No exemplo a
seguir, a voz superior da mão direita funciona como contracanto ativo. Observe a Figura 23:
Figura 25 Mudança de caráter através da transposição para o modo Menor da melodia folclórica O Cravo e a Rosa.
ráter e intenção; cabe ao arranjador, como criador e bom hermeneuta, lidar com os detalhes,
pois o artesanato e os detalhes são característicos e mandatórios para o fazer artístico.
Com as leituras propostas no Tópico 3.2., você entrará em contato com uma técnica
de arranjo diferente: o arranjo linear. Antes de prosseguir para o próximo assunto, realize
as leituras indicadas, procurando assimilar o conteúdo estudado.
Figura 26 Exemplo de arranjo da melodia folclórica Alecrim Dourado para piano solo, empregando os conceitos apresentados
nesta unidade.
Figura 26 Exemplo de arranjo da melodia folclórica Alecrim Dourado para piano solo, empregando os conceitos apresentados
nesta unidade.
De preferência, crie seus próprios exercícios, semelhantes ao exposto, visando à conso-
lidação do que já foi discorrido. Somente com a prática da escrita musical é que se atinge o
refinamento das ideias!
Na leitura proposta a seguir, você tomará contato com uma técnica de arranjo diferente
da exposta aqui, baseada em blocos. A essa técnica, dá-se o nome de arranjo linear. Ela abrirá
seus horizontes para diferentes possibilidades e abordagens criativas.
Este compêndio sobre o assunto é, na verdade, a dissertação de mestrado do maestro
Joel Barbosa de Oliveira. Veja:
• OLIVEIRA, J. B. Parte III. In: ______. Arranjo linear: uma alternativa às técnicas tradi-
cionais de arranjo em bloco. 2004. [s.n.]. Dissertação (Mestrado em Música) – Uni-
versidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004. p. 75-122. Disponível em: <http://
www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000343466&fd=y>. Acesso
em: 22 abril 2016.
4. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
A autoavaliação é uma ferramenta importante para você testar o seu desempenho. Por
isso, propomos que você responda às questões a seguir, a fim de conferir seu desempenho no
estudo desta unidade. Se encontrar dificuldades em responder às questões propostas, você
deverá revisar os conteúdos estudados para sanar as suas dúvidas.
1) Considerando que arranjo é uma atividade criativa, analise as afirmações a seguir:
I - Um arranjo, embora seja uma atividade criativa, não cria nada a partir de uma ideia inexistente, que
passa a existir somente no e após o ato de criação em si, mas lida com uma ideia que já existe por si só,
e, ao revisitar essa ideia, o arranjador desempenha um papel criativo, contribuindo com suas impressões
e expressões artísticas para o surgimento de uma nova obra de arte.
II - Uma composição musical que cita uma obra musical já existente pode ser considerada um arranjo, pois
permite aos ouvintes reconhecerem a música original. Assim, esse tipo de obra, em que há citação, tran-
sita entre os universos do arranjo e da composição.
III - A variação de um tema musical já existente, no âmbito de uma composição musical, não caracteriza um
arranjo, posto que a transfiguração operada pelo compositor em seus múltiplos parâmetros musicais,
embora, por vezes, possa permitir o reconhecimento da ideia original, descaracteriza a própria ideia origi-
nal em si, distanciando-a de qualquer possibilidade de relacionamento mais intrínseco com sua realidade
original que sua mera lembrança.
IV - Embora composição musical e arranjo sejam atividades criativas, arranjar é superior ao ato de compor em
termos de criatividade, uma vez que impõe limitações ao artista quanto às variações possíveis de parâme-
tros musicais, na medida em que exige que o arranjador conserve a capacidade do ouvinte de reconhecer
a ideia musical original arranjada em sua plenitude.
V - Em termos de criatividade, não existe dicotomia entre o trabalho do arranjador e do compositor, uma vez
que ambos não são opostos, mas, sim, lidam com espectros diferentes relacionados à criação musical,
fazendo com que as atividades poiéticas, no âmbito da música como arte, sejam consideradas atividades
criativas, cada qual, porém, com suas particularidades.
São corretas as afirmações:
a) I e II.
b) II e V.
c) I, III e V.
d) II e IV.
e) Todas estão corretas.
Para responder às questões autoavaliativas 2 e 3, considere a canção folclórica Alecrim Dourado, a seguir:
2) Inicialmente, em um papel pautado para música, copie a melodia dada no formato de uma partitura para pia-
no (duas pautas relacionadas entre si por barras de compasso, sendo a de cima em Clave de Sol e a de baixo
em Clave de Fá), dispondo-a na mão direita. A seguir, em um único arranjo para piano, rearmonize utilizando
as seguintes técnicas (não é necessário escrever os acordes por extenso na mão esquerda; basta escrever
somente as cifras sobre a pauta da Clave de Fá):
a) campo harmônico;
b) dominantes individuais;
c) Sétima de Sensível;
d) harmonização por blocos (a 2 ou 3 vozes);
e) modulação.
apropriadamente). Além disso, não se esqueça de escrever dinâmicas e articulações, posto que esses aspec-
tos, além de enriquecerem o arranjo, são parâmetros sonoros e musicais que fazem parte do próprio som.
Gabarito
Confira, a seguir, as respostas corretas para as questões autoavaliativas propostas:
1) c.
2) e 3) Vide Tópico 2.3. Exemplo de Arranjo. Esta é uma sugestão de resolução, pois sua resposta não é fechada.
Por se tratar de um exercício criativo, o aluno está livre para utilizar as técnicas dadas anteriormente como
bem entender, mas sempre de maneira criteriosa, tendo em mente os conceitos apresentados. A resolução
sugerida deve, apenas, nortear ou inspirar o aluno na criação de sua própria resolução para as questões au-
toavaliativas propostas.
5. CONSIDERAÇÕES
Chegamos ao final da Unidade 1, na qual você pôde compreender o que é, afinal, a arte
do arranjador e técnicas que lhe serão úteis no momento de arranjar uma música.
Na Unidade 2, veremos mais técnicas úteis ao ofício de arranjador, mas, desta vez, ocu-
pando-se de aspectos da instrumentação vocal ou para instrumentos musicais. Além disso,
você verá algumas dicas úteis no momento de conceber um arranjo para grupos com limitação
técnica, como coros amadores e/ou infantis e de estudantes de Música, ou grupos instrumen-
tais amadores e/ou infantis e de estudantes de Música.
6. E-REFERÊNCIAS
Sites pesquisados
BOTA, J. V. Contribuições para uma teoria a respeito das transcrições musicais. In: ______. A transcrição musical como processo
criativo. 2008. [s.n.]. Dissertação (Mestrado em Música) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2008. p. 47-92.
Disponível em: <http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000434016&fd=y>. Acesso em: 18 abril 2016.
MERHY, S. A. Letra, melodia, arranjo: componentes em tensão em "O morro não tem vez", de Antonio Carlos Jobim e
Vinícius de Moraes. Per Musi, Belo Horizonte, n. 22, p. 90-98, 2010. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S1517-
75992010000200008>. Acesso em: 18 abril 2016.
OLIVEIRA, J. B. Parte III. In: ______. Arranjo linear: uma alternativa às técnicas tradicionais de arranjo em bloco. 2004. [s.n.].
Dissertação (Mestrado em Música) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004. p. 75-122. Disponível em: <http://
www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000343466&fd=y>. Acesso em: 18 abril 2016.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DAVIDOF, A.; NIK, L. L. Composition – science or alchemy?. Tradução de A. Levin. Basel: L’Arrangement, 2007.
FUX, J. J. The second species of counterpoint. In: FUX, J. J.; MANN, A. (Ed. e Trad.). The study of counterpoint from Johann
Johannes Fux’s Gradusad Parnasum. Londres: W. W. Norton & Company, 1965. p. 41-49.