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A Psicanálise e O psicanalista: O Romance da formação

A psicanálise sempre foi marginal desde seus primórdios com Freud até os dias de hoje ela sempre
traz um traço de subversão e isso que a torna tão virulenta, visceral a ponto de inúmeros profissionais;
psicólogos, psiquiatras, filósofos, historiadores etc. que fazem a formação psicanalítica não mais usarem
seus títulos acadêmicos a priori, o psicólogo se apresenta como psicanalista, mesmo sem deixar de ser
psicólogo é claro, o psiquiatra também, assim como todos os outros profissionais que atravessam a
experiência analítica, digo atravessam, pois a psicanalise diferente de qualquer disciplina acadêmica não é
um conhecimento que se aprende, eu diria que é um conhecimento que se sofre, e é nesse sofrimento que
gera o psicanalista, falamos gerar pois, psicanalista não se forma, não existe uma forma pret a porte para que
o individuo se encaixe, isso explica as diversas escolas e formações, todas elas no entanto trazem a herança
do tripé psicanalítico, que se tornou padrão desde do inicio do movimento psicanalítico:

Primeiro: A Formação Teórica

É impensável que se atravesse uma experiência psicanalítica sem o conhecimento da teoria freudiana
e dos demais colaboradores e por que não construtores da psicanalise até os nossos dias, com Ferenczi,
Klein, Winicot, Lacan etc., só por ai temos uma extensa lista de obras que dificilmente conseguimos abarca-
la, por isso os cursos geralmente duram em torno de cinco anos, com raras exceções.

Segundo: A Análise Pessoal

Que é totalmente indispensável para que o sujeito possa não só trabalhar seus próprios traumas,
faltas, desejos, mas que se aprofunde no conhecimento de si, ao mesmo tempo em que perceba a
incapacidade de totalidade nesse conhecimento, a fragilidade do humano, suas estruturas, potencialidades e
limites, para que na clínica ele consiga estar diante de uma alma humana apenas como uma outra alma
humana, sendo aquilo que é humano reconhecido sem sobressaltos.

Terceiro: A Prática Clínica Supervisionada

Imprescindível, visto que teremos o acompanhamento de um psicanalista mais experiente


acompanhando caso a caso e nos orientando sobre as possibilidades de perlaboração junto ao paciente,
diante de possíveis impasses e dificuldades, inclusive transferenciais.

A supervisão é importante mesmo para aqueles que já têm uma prática clínica própria, como
psicólogos e psiquiatras, pois ainda que a Psicanálise mantenha uma interação com estas disciplinas, ela é
independente desde sua origem da Psicologia e da Medicina, sem diminuir de forma alguma a importância
dessas disciplinas citadas, mas a Psicanálise é diferente em relação á Psicologia que vindo da antiguidade,
nasce de forma sistemática no laboratório de Wundt sendo esta uma ciência ampla sobre o comportamento
humano e que não se restringi apenas a clínica.

Na Psicologia clínica o foco é o alivio dos sintomas, através das mais diversas psicoterapias, sempre
buscando normalizar o sujeito dentro da sociedade, na Psicanálise o foco não é a “cura”, mas a retificação
subjetiva, a ressignificação das formações inconscientes, sejam neuroses ou mesmo psicoses, trabalhando
sempre a singularidade do sujeito, sem procurar normaliza-lo a qualquer sistema, além disso, psicanalista
não faz psicoterapia, faz análise, ainda que estes termos se interpenetrem e possam ter semelhanças diversas.

Quanto a Psiquiatria que faz parte da ciência médica, sendo por isso o psiquiatra o único que tem
permissão para prescrever medicamentos, busca sempre a cura e geralmente através de processos
medicamentosos, ainda que hoje muito se tenha mudado na formação médica, de modo geral o médico é
treinado para ouvir a doença e muitas vezes não o paciente, sendo expert em etiologia, nosologia e
nosografia, podendo descrever com clareza as mais diversas doenças mentais, é justamente nesse espaço da
escuta ou da falta dela que nasce a Psicanalise, não podemos esquecer que Freud era medico neurologista e
portanto bem por dentro das questões terapêuticas da sua época.
Tanto a Psicologia como a Psiquiatria são formações acadêmicas, sendo a primeira em torno de cinco
anos o processo de formação e a segunda após a formação de seis anos em Medicina e uma especialização
em Psiquiatria que dura em torno de dois anos, ou seja pelo menos oito anos, o curioso é que nenhuma
dessas formações por mais extensas que seja, garantem que os mesmos sejam psicanalistas.

A Psicanalise por sua vez é uma formação que dura em torno de cinco anos e está em todo mundo
desde seu inicio fora dos muros da academia, embora já se tenham feito muitas tentativas para que a mesma
adentre nessas instituições, claro em que se pese os diversos cursos de especialização, mestrado e doutorado
em Psicanalise, a questão é que mesmo com um doutorado, esse conhecimento sem o tripé psicanalítico,
torna no máximo o individuo um perito em Psicanálise, mas não um Psicanalista, este encontra nas diversas
instituições formadoras como por exemplo a IPA mais antiga instituição psicanalítica do mundo, o IPLA em
São Paulo, a CLIO e a ABEPE aqui em Pernambuco, elementos que possibilitem a transmissão da
Psicanálise de forma constante, sem vistas a uma formação acabada, pois todo psicanalista sempre está em
formação, seu elemento é o humano, seu objeto o inconsciente e como tal é algo inesgotável.

Desde do inicio Freud sempre lutou pela independência da Psicanálise de qualquer disciplina, sendo
ela como ele mesmo disse leiga, qualquer pessoa que possua uma formação superior pode utiliza-la, pois não
existe uma formação anterior que nos prepare de forma melhor do que outra, o psicólogo precisa
desaprender alguma coisa da Psicologia para ser psicanalista, assim como o psiquiatra, o filosofo, o
historiador etc.

Embora a psicanalise não tenha uma regulamentação federal, ele é bem regulamentada pelas diversas
instituições psicanalíticas e reconhecida como ocupação pelo Ministério do Trabalho, no CBO – Código
Brasileiro de Ocupações, sendo sua prática livre para todos que possuem uma graduação superior e uma
formação em Psicanálise, embora tenha havido diversas ações dos mais variados grupos para que haja uma
regulamentação, todavia a grande maioria das entidades psicanalíticas é contra, preferem que a mesma
continue como sempre foi e é em todo mundo, livre e independente de qualquer disciplina.

Infelizmente sempre houve grupos mal intencionados, que promovem cursos psicanalíticos
mirabolantes de seis meses ou menos, a distancia, on line, sem obedecer ao tripé clássico da formação, hoje
no Brasil inclusive há grupos que misturam Psicanalise e religião o que é muito perigoso, não por uma
aversão a religião, mas por que no seting psicanalítico, não cabe a imposição de ideologias religiosas,
políticas ou filosóficas, no seting só cabe a Psicanálise, como diria Lacan, “o que se espera de um
psicanalista é uma análise, nem mais nem menos”.

Claro que toda essa luta advém do desejo de certos grupos de dominarem a psicanalise, nada além
de uma luta para reserva de mercado. O bom profissional segue na sua formação constante, sendo
reconhecido dentro e fora de sua instituição pela seriedade com que trata seus pacientes, pela consistência de
seu discurso e pelo profissionalismo da sua prática clínica.
Por fim quero deixar a fala de um dos mais conhecidos psicanalistas do Brasil, Jorge Forbes, no seu
livro A Clínica do Real (2014), sobre o que ser psicanalista:

Ser analista:
1. É valer mais quando não se é que quando se é.
2. É emprestar palavra, corpo e ser para ser feito do que se quiser.
3. É amar incondicionalmente, sem qualquer reciprocidade, na paixão da ignorância.
4. É chegar sem ser avisado, no lugar da surpresa ou da assombração.
5. É passar por esquisito, mal educado, chato, sem poder justificar.
6. É, trabalhando o bem, vir a ter horror do seu ato.
7. É poder ser paciente no lugar do Outro.
8. É não governar, nem educar.
9. É saber o que faz, quando não sabe o que diz.
10. É ter saudade sem reivindicar, quando se chega ao fim.

Givanildo de Aquino

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