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CMU-ECA-USP
São Paulo, 2013
Dedico este trabalho ao meu pai Airton Benito Bota, minha mãe Edna Talhaferro Bota e meu
irmão Lucas Talhaferro Bota e minha prima Letícia Gabriela Talhaferro Cassuci a quem tanto
estimo pelo exemplo de vida de cada um.
1
AGRADECIMENTOS
Durante os cinco anos em que estive na Universidade de São Paulo sou muito grato:
2
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo a realização de uma reflexão teórica aliada à
construção interpretativa da 2ª Suíte Brasileira para piano de Lorenzo Fernandez. Para tanto,
inicialmente faremos uma abordagem histórica a partir dos textos de Mário de Andrade, Francisco
Acquarone, Elisabeth Travassos e Eurico Nogueira França a fim de contextualizar o compositor e a
obra. Em seguida, apresentaremos uma análise feita a partir dos apontamentos de James Mathes
(2007) e Arnold Schoenberg (2008). Os resultados obtidos na análise fundamentarão algumas
sugestões quanto à interpretação e à execução da 2ª Suíte Brasileira.
PALAVRAS-CHAVE
3
ABSTRACT
This work aims to carry out a theoretical combined with interpretive construction of
the 2ª Suíte Brasileira for piano by Lorenzo Fernandez. Therefore, initially we will approach
historical texts from Mário de Andrade, Francisco Acquarone, Elisabeth Travassos Eurico
Nogueira França in order to contextualize the work and the composer. Then we present an
analysis made from the notes of James Mathes (2007) and Arnold Schoenberg (2008). The
results of the analysis will inform some suggestions regarding the interpretation and
enforcement of the 2nd Brazilian Suite.
KEY-WORDS:
Lorenzo Fernandez, 2ª Suíte Brasileira, analysis, interpretation
4
SUMÁRIO
Lista de Figuras p. 7
Lista de Tabelas p. 8
Introdução p. 9
2.1. Ponteio p. 18
2.1.1. Forma p. 18
2.1.2. Frase p. 19
2.1.3. Motivos e Melodia p. 20
2.1.4. Tempo e ritmo p. 20
2.1.5 Dinâmica p. 22
2.2. Moda p. 24
2.2.1. Forma p. 24
2.2.2. Frase p. 25
2.2.3. Motivos e Melodia p. 26
2.2.4. Tempo p. 27
2.2.5. Dinâmica p. 28
2.3. Cateretê p. 29
2.3.1. Forma p. 29
2.3.2. Melodia e Frase p. 29
2.3.3. Tempo e Ritmo p. 33
2.3.4. Dinâmica p. 34
5
Capítulo 3 – 2ª Suíte Brasileira: Procedimentos de estudo e sugestões interpretativas p. 36
3.1. Procedimentos de Estudo p. 37
3.1.1. Ponteio p. 37
3.1.2. Moda p. 38
3.1.3.Cateretê p. 38
3.2. Sugestões Interpretativas p. 39
3.2.1. Ponteio p. 39
3.2.2. Moda p. 40
3.2.3. Cateretê p. 43
Conclusão p. 48
Sugestões Discográficas p. 50
Referências Bibliográficas p. 51
Anexos (partitura da obra) p. 53
6
Lista de Figuras
7
Fig. 27 Início da seção A' e reapresentação da 3ª variação do Cateretê (comp.57)
Fig. 28 Coda do Cateretê (comp.67)
8
Lista de Tabelas
9
INTRODUÇÃO
O século XX foi marcado por diversas transformações no cenário musical, dentre as quais
muitas delas estiveram ligadas ao rompimento com a carga expressiva da estética romântica do
século XIX. No Brasil, houve um grande esforço por parte dos artistas modernistas para que se
criasse uma arte de caráter nacional que refletisse uma identidade brasileira. Oscar Lorenzo
Fernandez foi um compositor muito importante nesse processo, visto que a sua produção reflete
uma preocupação em consolidar uma música erudita brasileira. Assim como outros compositores
da sua geração, Lorenzo Fernandez escolheu o piano como o seu instrumento de expressão a
percorrer e representar sua produção composicional em suas diversas fases criativas.
A 2ª Suíte Brasileira, objeto de pesquisa deste trabalho, foi composta em 1938 e portanto
está inserida no período em que se encontram as obras nacionalistas mais características do
compositor. A obra constitui-se de três partes Ponteio, Moda e Cateretê, que sintetizam um
microcosmo da música folclórica brasileira. O presente trabalho está configurado em três partes, a
saber:
O primeiro capítulo oferece uma breve biografia a fim de que se contextualize o compositor
e a sua obra em relação ao meio musical. Em seguida traz uma abordagem histórica inicial a
respeito do surgimento do nacionalismo e a utilização dos elementos folclóricos como fonte de
inspiração para os compositores brasileiros.
O terceiro e último capítulo aborda aspectos interpretativos que pretendem colaborar para
uma melhor performance da 2ª Suíte Brasileira à luz das reflexões analíticas realizadas no capítulo
anterior.
Por fim, o trabalho almeja levantar alguns pontos importantes que fundamentem uma
interpretação criteriosa da 2ª Suíte Brasileira, obra que reflete o ideal de um compositor convicto
10
nas idéias a respeito da música nacional; e contribuir com as pesquisa no campo acadêmico das
práticas interpretativas.
11
CAPÍTULO 1
Nascido no Rio de Janeiro no ano de 1897, Oscar Lorenzo Fernandez realizou a sua
formação musical no Instituto Nacional de Música, onde ingressou em 1917 e estudou harmonia
com Frederico Nascimento, teoria e piano com João Otaviano, contraponto e fuga com Francisco
Braga; e aperfeiçoou-se ao piano posteriormente com Henrique Oswald. De acordo com Vasco
Mariz, a obra do compositor possui três períodos cronologicamente distintos, a saber:
Considerando a divisão proposta por Mariz, serão feitos alguns apontamentos a respeito de
cada período. O seu primeiro período criativo apresenta características musicais que são um reflexo
da formação do compositor visto que, como todos os estudantes de música da sua época, Lorenzo
Fernandez teve uma formação tradicional baseada nos moldes europeus. Dentre as obras que
caracterizam a sua produção inicial, pode-se destacar Miragem op.2 (1919), Noturno op.3 (1919) e
Arabesca op.5 (1920). No entanto, Lorenzo Fernandez constatou que a sua música não refletia a
vida que o cercava, nem a sua cidade e tampouco o Brasil. Esse sentimento intensificou-se com o
impacto causado pelas idéias de mudanças ideológicas e estéticas do Modernismo e,
principalmente, pelos textos e manifestos escritos por Mário de Andrade.
O movimento modernista teve duas gerações, a primeira fase situada entre os anos de 1922 a
1930; e a segunda de 1930 a 1945. Em seu livro Modernismo e Música Brasileira, Elisabeth
Travassos destaca que “a primeira foi marcada pela ênfase na atualização estética e na luta contra o
12
‘passadismo’, representando grosso modo pelo romantismo” (TRAVASSOS, 2000, p.19). Assim,
os compositores assumiram uma atitude combativa, na busca de uma nova linguagem musical que
não ficasse presa à carga expressiva do século XIX. “A segunda fase enfatiza a preocupação com a
realidade brasileira e introduz o tema da nação nos debates culturais e estéticos, gerando uma
mudança de tom que fará com que, mais tarde se fale de modernismo nacionalista” (TRAVASSOS,
2000, p.21). Nesse período a ideologia estética ampliou-se para uma ideologia nacionalista de
cunho artístico.
Mário de Andrade (1893-1945), grande estudioso das artes, participou intensamente desse
processo no papel de orientador da música no Brasil, aconselhando fortemente muitos
compositores, estimulando e até mesmo criticando-os. Em seu Ensaio sobre a música brasileira
(1928), ele chama a atenção para o seguinte fato:
Nos países em que a cultura recebe muitas influências estrangeiras, tanto os artistas quanto a
arte nacionalizada tem que passar por três fases: a fase da tese nacional, a fase do
sentimento nacional e a fase da inconsciência nacional. E que somente na última fase é que
o artista e a arte culta nacional estariam cristalizados através da coincidência de hábito e da
convicção. (ANDRADE, 1972, p.14)
De acordo com o autor, após passar pelas três fases o artista assimilará o nacionalismo de tal
forma que as obras já se desenvolverão brasileiras de modo espontâneo. Mário de Andrade apontou
um caminho aos compositores ao sugerir que eles tomassem como base o folclore brasileiro como
fonte de inspiração e de documentação e sendo assim o modelo de arte nacional esteve
profundamente ligado às raízes da música popular brasileira uma vez que uma das vertentes do
Modernismo foi exatamente esta: a de relacionar a cultura erudita com a popular, ou seja, o elaborar
erudito dos elementos populares.
Foi nesse contexto, fortemente influenciado pelas idéias do movimento modernista assim
como pelos apontamentos de Mário de Andrade, que Lorenzo Fernandez se dedicou ao estudo do
folclore e produziu obras, nas quais podemos encontrar um compositor maduro e convicto de suas
idéias. Nessas obras, que fazem parte da segunda fase (1922- 1938), Fernandez encontrou uma
linguagem nacional que refletia a sensibilidade brasileira, como podemos observar no Trio
Brasileiro op.32 (1924), em que o Brasil surge em toda a sua plenitude. A respeito do trio, Mário de
Andrade afirmou:
13
“O Trio Brasileiro, que é uma das obras mais recentes de Lorenzo Fernandez, inteiramente
convertido nos tipos melódicos e rítmicos nacionais, criou uma obra de suma importância
que não só marca a etapa definitiva de sua carreira como serve para marcar uma data de
evolução musical brasileira – junto com o Noneto de Villa-Lobos. (Andrade apud França,
1950, p.12)
Também fazem parte da fase nacionalista a Suíte Sinfônica sobre temas populares
brasileiros (1925), a Suíte para quinteto de sopros op.37 (1926), os Três estudos em forma de
sonatina op.62 (1929), o bailado Imbapara (1929), o Reisado do pastoreio (1930), a Valsa
suburbana op.70 (1932), a 1ª Suíte brasileira (1936), a 2ª Suíte Brasileira (1938) e a 3ª Suíte
Brasileira (1938).
O terceiro período criativo do compositor, conhecido como fase universalista, tem início em
1938. Nesse período, o compositor se volta ao estudo de uma linguagem relacionada à pesquisa da
música pura e a brasilidade é expressa de maneira implícita, através da atmosfera musical. Entre as
obras mais representativas dessa fase podemos destacar o Concerto para violino e orquestra (1941),
as Invenções seresteiras (1944), a Sonata Breve (1947), e por fim, as Variações sinfônicas sobre um
tema popular brasileiro (1948).
Lorenzo Fernandez foi um compositor muito apreciado que sempre nutriu um interesse pelas
tendências musicais atuais para que a sua arte pudesse contribuir para o progresso da música
brasileira. Em entrevista concedida a Francisco Acquarone, Lorenzo Fernandez declara que “o
artista tem a obrigação de viver na sua época e, se é verdadeiramente criador, está sempre tentando
ir além do que se fez, aproximar-se mais da perfeição, isto é, tentando inovar.” (ACQUARONE,
1948, p. 259)
A carreira de Lorenzo Fernandez nos deixou uma obra relevante, que reflete a trajetória de
um compositor comprometido com os seus ideais acerca da música brasileira.
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o Romantismo eram complementares e apresentavam inclusive algumas características semelhantes,
como o olhar atento às melodias populares. No entanto, ao longo do século XX, o Nacionalismo
tomou novas proporções, se expandiu além do âmbito melódico e preocupou-se com as
características locais relacionadas aos modos rítmicos e harmônicos presentes na música folclórica.
No Brasil, houve compositores que aderiram à corrente nacionalista em seus dois momentos.
O primeiro foi representado pelos compositores oitocentistas que surgiram em meio à estética
romântica e a segunda pelos compositores modernistas do século XX. No final do século XIX, a
concepção artística dos compositores se dividia, havendo músicos cuja escrita estava estritamente
baseada na tradição e no gosto europeu, e também aqueles adeptos à valorização dos elementos
musicais nacionais e à incorporação desses atributos na composição musical, entre os quais
podemos destacar Brasílio Itiberê da Cunha (1846-1913), Alexandre Levy (1864-1892) e Alberto
Nepomuceno (1864-1920). Esses compositores nasceram em estados brasileiros distintos, no
entanto tiveram em comum o desejo de criação de uma arte nacional e sendo assim cada um
contribuiu de sua forma, abrindo caminho para a geração que viria posteriormente.
Em 1869 Brasílio Itiberê compôs A Sertaneja, a sua obra mais conhecida devido às suas
características nacionais. Segundo Vasco Mariz, “deu-lhe o subtítulo de Fantasia característica,
com o qual desejou frisar o aproveitamento do tema folclórico Balaio, meu balaio, em ritmo de
habanera, então muito popular.” (MARIZ, 2005, p.115).
Levy é o autor da primeira obra orquestral no gênero suíte baseada no universo musical
nacional: a Suíte Brasileira (1890). “Dividia em quatro partes, a Suíte não deixa de causar
admiração pela sua fatura técnica. É comum ouvirmos elogios ao Samba, 4ª parte, interpretada com
alguma freqüência por nossas orquestras e no qual Levy utilizou um tema gaúcho e outro de São
Paulo. O Preludio, porém, não deixa de comover pelo seu vibrante apelo inicial dos metais com o
tema Vem cá, Bitu. É o verdadeiro toque de alvorada da música brasileira.” (MARIZ, 2005, p.117).
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Nepomuceno participava dos círculos literários da capital do império e a convivência com os
escritores despertou o seu interesse pela literatura brasileira, que o levou à valorização da língua
portuguesa no universo musical. O compositor assumiu a postura de defensor do canto erudito em
português em prol da nacionalização da música erudita e sendo assim produziu tanto canções
quanto óperas utilizando o nosso idioma.
As três Suítes Brasileiras formam um ciclo muito significativo pelo fato das obras
representarem uma época de efervescência nacional no âmbito composicional. Cada Suíte é
composta por temas originais do compositor e adotam o plano de três movimentos:
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Sarabande e Giga)1 por peças com características rítmicas e melódicas da cultura brasileira. Como é
possível observar através dos títulos, cada peça que compõe as três Suítes Brasileiras apresenta um
folclorismo muito evidente que descreve o brasileiro tanto em sua vida urbana como na rural.
Embora não se tenha notícias de que Lorenzo Fernandez tenha atuado como professor de
piano, o ciclo retrata a preocupação que o compositor tinha em relação à pedagogia pianística, seja
ela ligada aos aspectos técnicos ou à musicalidade inerente ao folclore brasileiro. Sendo assim,
Fernandez organizou as peças que compõem cada suíte em ordem crescente de complexidade
técnica-pianística e de compreensão da atmosfera musical proposta por ele, visto que o compositor
teve um grande cuidado em ser fiel ao retratar um universo musical popular brasileiro.
1
Para maiores informações, consultar a História da Música Ocidental de Grout&Palisca (2007) p.261-263.
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CAPÍTULO 2
A 2ª Suíte Brasileira
A suíte foi um gênero amplamente acatado pelos compositores devido à sua capacidade de
incorporar novas formas musicais. No século XX, o movimento modernista trouxe à tona a
discussão a respeito do aproveitamento do folclore nacional como fonte de inspiração para os
músicos brasileiros. Sendo assim, os compositores começaram a utilizar as formas e gêneros
musicais europeus que eles aprendiam durante os anos de estudos nos conservatórios, porém
enriquecidos com elementos rítmicos e melódicos oriundos do universo musical da cultura popular
brasileira.
A 2ª Suíte Brasileira é formada por três peças, cujos títulos apontam invariavelmente para o
universo da música popular. De acordo com Eurico Nogueira França, essa obra compõe-se da
seguinte maneira:
A segunda ‘Suíte Brasileira’ se inicia por “um singelo mas saboroso ‘Ponteio’ (assim se
denomina o Prelúdio instrummental dos nossos cantadores), que mais uma vez nos indica
como as formas folclóricas se revestem, não raro, de parentescos próximo com as formas
tradicionais da música. Dentro talvez do intuito de revelar, a jovens instrumentistas, o que há
de mais peculiar na música brasileira, Lorenzo Fernandez não foge, por vezes nas ‘Suites’ à
literalidade, que se acentua, por exemplo, na ‘Moda’. É esta a segunda peça da Segunda
Suíte. A terceira é um ‘Cateretê’, dança paulista graciosa e brilhante, que o compositor fixa
admiravelmente, quer ao evocar o seu ritmo contagioso, quer quando ao primeiro trecho, de
coreografia pura, de escritura pianística tão bem disposta e eficaz, se sucede o canto, em
terças. (FRANÇA, 1950, p.57)
Cada peça que constitui a 2ª Suíte Brasileira será abordada através de uma análise musical
divida entre os parâmetros relacionados à forma, frase, melodia, tempo e dinâmica. Os
apontamentos analíticos que se seguem estão fundamentados sobre Arnold Schoenberg (2008) e
James Mathes (2007).
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2.1. Ponteio
2.1.1. Forma
Como a peça não apresenta mudanças texturais, melódicas e harmônicas significativas, ela
se fundamenta sob uma única seção (A). Em seu livro The Analysis of Musical form (2000), James
Mathes nos apresenta algumas condições necessárias para que se caracterize uma peça como forma
unária:
Forma unária consiste de um grupo de frases que compreende a peça inteira. As formas
unárias tendem a ser breves e são frequentemente encontradas em prelúdios instrumentais,
estudos ou em canções. As características mais importantes para distinguir uma forma unária
são:
movimento rítmico e harmônico contínuo até a cadência final
falta de conclusão, cadências perfeitas na tonalidade original até o fim.
freqüente se não há o uso contínuo da cadência perfeita ou conexões entre as frases.
ausência de novos temas na tônica seguido de frases contrastantes2
2
“One-part forms Consist of a phrase grou por period that comprise the complete piece. One-part forms tend to be brief
and are most often found in instrumental preludes and etudes, or in songs. The most important distinguishing
characteristics of one-parte forms include:
continuous harmonic and rhythmic motion until the final cadence
lack of a conclusive, PAC in the original key until the end
frequent if not continuous use of elided cadences or connections between phrases
absence of thematic restatements in the tonic key following contrasting prhases.” (MATHES, 2007, p.99)
19
2.1.2. Frases
Segundo Schoenberg, “o termo frase significa, do ponto de vista da estrutura, uma unidade
aproximada àquilo que se pode contar em um só fôlego (...). Seu final sugere uma forma de
pontuação, tal como uma vírgula.” (SCHOENBERG, 2008, p.29). Sendo assim, conclui-se que o
Ponteio é formado por seis frases, sendo que uma delas constitui a coda, assim como está descrito
na tabela abaixo.
Frase Compassos
1ª 1 ao 3
2ª 4e5
3ª 6 ao 10
4ª 11 e 12
5ª 13 ao 15
Coda 16 ao 20
A partir dessa divisão nota-se a predominância de frases irregulares, uma vez que elas não
seguem o padrão da quadratura clássica, na qual a melodia é organizada por pares de frases de
tamanhos iguais. Essa maleabilidade do tamanho frasal corrobora diretamente com o caráter
improvisatório do Ponteio. Além disso, é importante ressaltar que harmonicamente cada frase não
possui caráter conclusivo e a sua resolução se dá na frase posterior, visto que todas começam em mi
menor (i grau) e terminam sobre o acorde de subdominante (iv grau) ou o diminuto (vii grau).
Portanto, a conclusão se dá sobre cada i grau iniciante da frase. Assim como apresentado na tabela
abaixo:
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2.1.3. Motivo e Melodia
A primeira frase apresenta os motivos melódicos que serão desenvolvidos nas demais frases
através do recurso da variação temática. Segundo Schoenberg, “o motivo aparece de uma maneira
marcante e característica ao início de uma peça. Os fatores constitutivos de um motivo são
intervalares e rítmicos, combinados de modo a produzir um contorno que possui, normalmente, uma
harmonia inerente.” (SCHOENBERG, 2008, p.35).
Cada frase é delimitada por uma ligadura e ao final de cada uma delas há uma vírgula de
respiração, o que nos leva a crer que o intérprete deve pensar na escrita melódica como se fosse
uma linha de canto e todas as implicações, de distância intervalar e temporal entre as notas, que tal
pensamento traz.
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O tempo é um dos aspectos mais importantes e que mais chama a atenção do interprete ao
olhar a partitura. O compositor emprega duas maneiras de escrita temporal e sendo assim ele pode
se expressar através de títulos, como o a indicação lento e expressivo; ou então através da alteração
2 3
de figuras musicais, como veremos a seguir. Além disso, há mudanças métricas de 4 para 4,
A peça se inicia com a indicação lenta e expressiva (c.1), sugerindo um andamento que se
desenrola, juntamente com a melodia, de forma flexível e contribui para que o pulso se apresente de
maneira fluida.
a tempo Allargando
comp.1 comp. 3
comp. 4 comp. 5
comp. 6 comp. 9
comp. 11 comp. 12
comp. 13 comp. 15
Além dessas indicações de tempo correntes, temos um único animando (c.7), que
movimenta e desestabiliza a calmaria das semicolcheias até alcançar o f; e um morendo, que
aparece no início da coda seguido pela alteração do acompanhamento de semicolcheias por tercinas,
diluindo o pulso e a sonoridade até a última nota.
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Figura 3 - p morendo da coda do Ponteio (comp.16 ao 20)
Há ainda alterações rítmicas feitas pelo compositor a fim de flexibilizar a fluência do pulso,
que é marcado pelo acompanhamento. Este está apresentado na voz intermediária sob a forma de
semicolcheias. No entanto, na maioria das vezes as substituições rítmicas não ocorrem na região do
contralto, mas sim na voz do soprano, assim como foi apresentado na figura 2.
2.1.5. Dinâmica
23
Visto que a peça apresenta uma escrita polifônica a três vozes, devemos estabelecer uma
sonoridade diferente para cada voz, caracterizando planos sonoros bem claros. Embora a indicação
inicial seja p, a melodia (soprano) deve ser proeminente, seguida das oitavas do baixo cujas oitavas
também apresentam caráter melódico e por fim do acompanhamento intermediário em
semicholcheias (contralto).
As dinâmicas relativas também não apresentam uma uniformidade na utilização e por esse
fator, o intérprete deve estar muito atento para saber precisamente se conduzirá a frase com cresc.
ou dim. É importante ressaltar que o compositor utiliza apenas dois f e esclarecer que eles não
devem ser entendidos e tocados com a mesma intensidade. Sendo assim, o primeiro f (c.9) deve soar
com menor intensidade, pois embora marque o ponto culminante central da peça não há acordes
para que a sonoridade tenha mais densidade. Pode-se ainda destacar que esse trecho é enfatizado
devido à movimentação anterior iniciada no cresc./animando (c.7) que acentua a instabilidade
harmônica e temporal das colcheias do acompanhamento. O segundo (15) deve soar com maior
intensidade pois marca o ápice do Ponteio e além de ser o último, o compositor utiliza um
rallentando escrito sobre o acode arpejado em que se encontra o f para que o intérprete se atenha
um pouco nesse matiz sonoro antes de retornar ao p e a conseqüente entrada da coda. Como pode
ser observado na figura 3, a coda apresenta a única indicação de p morendo da música, responsável
pela redução concomitante do tempo e dinâmica, que vão se enfraquecendo até a entrada da última
semínima em pp (c.20).
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2.2. Moda
2.2.1. Forma
A estrutura dessa peça se baseia na forma-canção A-B-A’ acrescida de coda e está disposta
da seguinte maneira:
Seção Compassos
A 1 ao 11
B 12 ao 29
A’ 30 ao 41
Coda 42 ao 44
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2.2.2. Frase
Assim como está descrito na figura 4, as frases têm duração de dois compassos, sendo que a
melodia sempre começa em anacruse e o acompanhamento termina no tempo forte do compasso
seguinte. A primeira seção (A) possui quatro frases que se desdobram em quatro semi-frases nos
compassos finais que preparam a transição para a seção seguinte.
Frases Compassos
Anacruse
1ª
ao 2
2ª 2 ao 4
Seção
3ª 4 ao 6
A
4ª 6 ao 8
transição 8 ao 11
Na seção A’, o compositor retoma os desenhos melódicos tal como havia aparecido em A e
as frases estão dispostas da seguinte maneira:
Frases Compassos
1ª 30 ao 32
2ª 32 ao 34
Seção
3ª 34 ao 36
A’
4ª 36 ao38
transição 38 ao 41
Coda 42 ao 44
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2.2.3. Motivos e Melodia
Os motivos melódicos da primeira seção são compostos basicamente por graus conjuntos e o
acompanhamento, por blocos de acordes.
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Figura 5 - Excerto da inquietação melódica da Moda (comp.15 ao 17)
2.2.4. Tempo
Ao contrário do que ocorre no Ponteio, em que o aspecto temporal é tratado com bastante
liberdade, a Moda possui os pulsos muito claros e bem marcados tanto na melodia quanto no
acompanhamento. Essa peça possui poucos sinais que influenciam na maneira de como o
andamento ocorre e embora o compositor não tenha escrito sinais de alteração na primeira seção
(comp.1 ao 11) há a possibilidade de um pequeno ritenuto na quarta frase (comp. 6 e 7), uma vez
que marca o ponto culminante da parte em questão, seguido de um rallentando que se inicia no
compasso 9, alargando progressivamente o encadeamento de semi-frases que concluirá a seção na
fermata escrita sobre a colcheia.
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A seção B se inicia de maneira gradual, dando continuidade ao movimento temporal da
seção anterior e a partir do compasso 15 o compositor escreveu animando, que aumenta a
movimentação das colcheias e corrobora para que a instabilidade harmônica se intensifique. No
compasso 19, há um allargando para que o ouvinte tenha tempo para entender as informações e
para que a novo centro tonal se estabilize antes da retomada de uma nova inquietação melódica, que
se apresentará em Mi maior (comp.20). Após ocorrer novamente a passagem de maior
movimentação dos elementos (comp.23 ao 28), o fluxo de semicolcheias e o tempo vão
diminuindo novamente para a retomada da seção A’ e os seus elementos.
Na Coda ocorre concomitantemente a indicação de um título mais lento e logo abaixo, entre
parênteses, un poco piu lento seguido de um allarg molto o que nos leva a crer que cada
semicolcheia deve ser tocada uma após a outra, espaçadamente. É importante ressaltar que cada
semicolcheia do último compasso possui um ponto acima e todas elas estão sob uma única ligadura
e, portanto, essas notas devem ser tocadas de forma cintilante, especial.
2.2.5. Dinâmica
A Moda possui um leque indicações de dinâmica que vai desde o pp até o ff. A seção A
apresenta uma sobreposição de planos sonoros em que a melodia, apresentada em mf, e o
acompanhamento violonístico, em p, seguem nessa disposição até o início do desenvolvimento
intermediário.
A coda (comp42 ao 44) se inicia de forma cantábile (comp.42), descrita pelo cantando, e no
compasso seguinte há um p morendo, no qual as notas são tocadas uma a uma até alcançar o pp
final.
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2.3. Cateretê
Cateretê é uma dança brasileira encontrada nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas
Gerais, Mato Grosso e Goiás, cuja origem está na cultura ameríndia. Também conhecida como
Catira, é dançada por cinco ou mais pares comuns que se posicionam ao centro formando duas
colunas à frente dos violeiros. Estes, geralmente em dois, sendo um o mestre e o outro o
contramestre, que cantam a primeira e a segunda voz respectivamente, cantam juntos em intervalos
de terça ao som da batida da viola caipira e dirigem a coreografia.
2.3.1. Forma
Esta dança está estruturada em forma ternária A-B-A’ acrescida de coda e está organizada da
seguinte forma:
Seção Compassos
A 1 ao 39
B 40 ao 56
A’ 57 ao 66
Coda 67 ao 75
Essa divisão segue a maneira utilizada pelos cantadores nas rodas de catira, nas quais a
seção A é inteiramente instrumental, a seção B apresenta a melodia cantada pelos violeiros em
intervalos de 3ª e a seção A’ retoma a batida instrumental inicial. Além disso, cada uma dessas
partes apresentam mudanças significativas relacionadas à dinâmica e textura.
Assim como foi notado na Moda, as linhas melódicas do Cateretê tendem a ser
descendentes tanto na seção A quanto na seção B. Abaixo, pode-se constatar a veracidade através
de um fragmento melódico da primeira e outro da segunda seção:
30
Figura 7 - Excerto da melodia descendente da seção A do Cateretê (comp.1 ao 8)
É importante ressaltar que durante toda a peça a linha melódica do piano possui poucos
saltos e mantém a sua disposição em terças, fazendo uma alusão direta à maneira de tocar e cantar
utilizada nas rodas de cateretê.
31
A seção A do Cateretê é formada por quatro frases que se desenvolvem a partir do motivo
melódico apresentado na primeira frase através do recurso da variação temática. Na figura 7
apresentada acima, pode-se observar o motivo inicial descrito nos quatro primeiros compassos
iniciais.
A 2ª variação (comp.19 ao 28) apresenta uma melodia em terças cujas notas são semelhantes
às encontradas no motivo inicial, no entanto a segunda colcheia de cada compasso é tocada 8ª
acima.
32
Figura 11 - Exemplo da terceira variação do Cateretê (comp.29)
A seção A’ repete a 3ª variação e ao final dela inicia-se a coda, cujo material melódico segue
a mesma construção da figura 8.
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O Cateretê possui uma construção fraseológica simétrica de forma em que há três seções
constituídas por quatro frases em cada uma delas. A tabela abaixo apresenta a maneira de como as
frases estão distribuídas em cada seção:
Assim como foi dito anteriormente, podemos constatar a simetria entre as seções, porém é
preciso ressaltar dois aspectos. O primeiro se deve ao fato da escrita apresentar apenas uma frase na
seção A’ e três na Coda, no entanto elas soam como se estivessem conectadas, seguindo a estrutura
melódica em quatro frases assim como nas seções anteriores. O outro ocorre apenas na seção A e A’
e se refere ao tamanho das frases visto que elas são irregulares quanto à duração.
O Cateretê possui uma indicação de andamento Allegro Vivo que, em linhas gerais,
permanece constante durante toda a peça para que a energia típica da dança popular não se perca.
Essa vivacidade está ligada ao fato do compositor atribuir uma célula rítmica distinta para cada voz
que constitui a textura. Durante a seção A a linha melódica é composta por duas semínimas
pontuadas seguidas de mais uma semínima de forma que os valores das figuras se subdividem em
grupos de 3+3+2 e não 4+4 a cada compasso; o acompanhamento possui um fluxo de semicolcheias
que não cessa; e o baixo apresenta notas duplas (oitavas ou nonas) no início de cada compassos e
um bordão em mi, tocado nas segundas e sextas semicolcheias. Essa disposição cria uma alternância
entre a melodia e o baixo responsável pelo apelo rítmico da música brasileira.
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criando uma polirritmia entre o mesmo e o fluxo de semicolcheias do discurso melódico, assim
como pode se notar na figura 13.
2.3.4. Dinâmica
O Cateretê possui uma variedade sonora muito grande que vai desde o pp inicial até o ffff
final. Como Lorenzo Fernandez escreveu um cresc. poco a poco (comp.1), cada frase se inicia num
patamar sonoro, como podemos observar na tabela abaixo:
Frase Dinâmica
1ª Pp
Seção A 2ª Mf
3ª Ff
4ª Fff
Nas duas transições (seção A – B e Seção B – A’ e seção A') há um dim (comp.39 e 56).
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A seção A’ retorna à 3ª frase da seção A, no entanto ela é executada em f e não ff. E por fim,
a coda se inicia em fff e após cresc. e animando (comp71) leva a sonoridade ao ápice da peça, o ffff
final (comp74).
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CAPÍTULO 3
Com base nas informações levantadas no capítulo anterior, faremos alguns apontamentos
específicos dos trechos que envolvem questões técnicas ou musicais de cada peça a fim de que a
estrutura musical seja bem apreendida e, em seguida, abordaremos algumas sugestões
interpretativas.
3.1.1. Ponteio
O Ponteio é uma peça de leitura relativamente fácil, no entanto ela deve ser estudada passo a
passo para que a agógica e a conseqüente liberdade melódica sejam construídas corretamente.
Primeiramente o intérprete deve ter o controle para que o legato utilizado em toda a peça seja
construído sem o uso do pedal. Para isso, os elementos que formam cada camada textural (a
melodia do soprano, o acompanhamento e o baixo) deverão ser estudados separadamente e em
seguida combinados dois a dois (melodia e acompanhamento, melodia e baixo, acompanhamento e
baixo). A partir desse tipo de abordagem, será possível delimitar o caminho sonoro que será
percorrido por cada frase, adquirir maior fluência e eliminar os acentos indesejados. Após esse
trabalho, o intérprete já terá feito as suas escolhas melódicas de condução de fraseado e temporais,
portanto será necessário que se incorpore o uso pedal ao estudo para que a melodia, o
acompanhamento e o baixo se preencham.
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3.1.2. Moda
Na seção B, há de se ter uma grande atenção no trecho que envolve as notas duplas e essas
devem ser estudadas cautelosamente. Primeiro, o trecho deve ser estudado em blocos para que a
mão se molde às fôrmas que serão necessárias para que a passagem seja corretamente executada.
Em seguida, o intérprete pode dividir as quatro semicolcheias desse trecho duas a duas tocando-as
com rítmica pontuada de forma que as notas que outrora estavam dispostas em grupos de quatro
semicolcheias agora são colcheia pontuada e semicolcheia ou semicolcheia e colcheia pontuada.
3.1.3. Cateretê
O Cateretê, assim como as outras peças que compõem a 2ª Suíte Brasileira deve ser
estudado de forma com que a melodia, o acompanhamento e o baixo sejam combinados dois a dois
e trabalhados separadamente. A textura da seção A deve ser desmontada e o estudo se inicia apenas
com as notas do baixo, que constituem uma das partes mais importantes para que a rítmica da dança
popular chamada cateretê (ou catira) seja reproduzida. Depois, é preciso combinar o baixo com o
acompanhamento violeiro e somente após esse trabalho de baixo para cima é que a melodia será
acrescentada e a peça estará completada.
Na seção B, as notas das terças devem inicialmente ser tocadas junta e lentamente. Em
seguida, o trecho em terças pode ser trabalhado da seguinte forma: as notas inferiores sendo tocadas
em legato e as superiores em staccato, e também o inverso de forma que as notas inferiores estejam
em staccato e as superiores em legato. O trecho que vem após as terças deve ter um cuidado
especial, visto que é a parte que apresenta as maiores dificuldades técnica da peça. É preciso dividir
as vozes superiores e inferiores. Inicialmente, tocar somente as oitavas melódicas da voz superior.
Em seguida colocar a sexta entre as oitavas e acrescentar os acordes que estão na região do
acompanhamento. Num segundo momento, estudar apenas os acordes do acompanhamento e por
fim combinar esses elementos dois a dois de forma que teremos a melodia e o baixo, melodia e a
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nota superior dos acordes do acompanhamento, melodia e acompanhamento e após esse processo o
trecho pode ser executado com todos os elementos.
3.2.1. Ponteio
Lorenzo Fernandes é muito preciso quanto à colocação do pedal em suas obras para piano e,
portanto, a pedalização do Ponteio é construída a fim de que os elementos musicais soem sempre
legato. Sendo assim, há uma troca de pedal a cada colcheia pontuada da melodia que, na maioria
das vezes, coincide com a semínima presente na linha do baixo, assim como podemos observar na
figura 1.
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As características centrais da peça, como a idéia de um pulso invisível e uma melodia
flexível que conotam diretamente com um improviso, são apresentadas logo no início. A primeira
frase se inicia em p (comp.1) com um leve cresc. (comp.2) e um allarg/dim. (comp.3) que a
finaliza. Esse procedimento ocorre em quase todas as frases e, para que a explanação não seja
redundante, apresentaremos apenas os pontos minuciosos únicos de cada frase.
A segunda frase apresenta o único allarg./cresc (comp.5) que é utilizado para ressaltar a
suspensão harmônica que se resolverá somente na frase seguinte. Gostaríamos de chamar a atenção
para a utilização das tercinas na finalização do comp.5, pois elas representam um rallentando escrito
utilizado apenas para intensificar o allargando.
3.2.2. Moda
A Moda é uma canção, na qual a primeira seção apresenta nitidamente uma melodia
acompanhada, cuja melodia faz referência ao canto e o acompanhamento ao toque das cordas de um
violão e portanto devem ser tocados como tais. Para que essa ambiência seja possível, as indicações
de articulação e os planos sonoros de dinâmica presentes na partitura devem ser tocados assim
como estão escritos, de forma que temos a melodia em mf cantando/legato e o acompanhamento em
p staccato. Além disso, o compositor pede que a melodia seja legato, ma senza Ped., assim como
ele escreve no início da peça. Será apenas na seção seguinte que haverá algumas notações sobre
pedalização. Do ritmo, gostaríamos de salientar que tanto na seção A quanto na B, as sincopas
devem ser valorizadas visto que elas representam a característica nacional mais acentuada da peça.
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A Moda possui um motivo rítmico, em anacruse, que inicia todas as frases, sendo o
responsável pela movimentação rítmica da peça. Esse motivo é composto por duas semicolcheias
(primeiro tempo) seguidas por semicolcheia-colcheia-semicolcheia (segundo tempo).
A seção B apresenta novos aspectos contrastantes que devem ser explorados pelo intérprete.
Do comp.12 ao 14, o compositor insere algumas indicações de pedal para cada primeiro pulso, que
possui a duração de uma semínima, como nota-se nos compassos 13 e 14.
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Figura 17 2ª Suite Brasileira - Pedalização no início da seção B da Moda (comp.12 ao 14)
Esse trecho descrito acima é uma introdução que mistura os desenhos melódicos
descendentes da primeira parte com o baixo (comp.13 e 14), oriundo das linhas do violão sete
cordas do choro.
O trecho que compreende os comp. 15 ao 17 possui um fluxo de colcheias que devem ser
tocadas com o mesmo impulso acelerando o tempo e aumentando a intensidade da sonoridade
constantemente até atingir o ponto culminante (comp.17). Para auxiliar essa movimentação das
colcheias, o compositor passa a pedir a utilização de um pedal no início de cada frase com a
duração de 5 semicolcheias, que são as responsáveis por desenhar a harmonia através de arpejo na
voz do baixo. Embora as notas duplas da voz superior sejam proeminentes, é importante ressaltar
que a linha do baixo é muito importante para a condução melódica e dinâmica. A partir do comp.17,
esse clímax e começa a se dissolver, para preparar o retorno da outra frase, em Mi maior.
Cabe salientar que embora curta, a coda possui uma dificuldade temporal considerável, pois
as indicações muito lento, um poco più lento, morendo e allargando molto indicam que cada nota
deve ser lentamente pronunciada. Sendo assim, a dificuldade está em conseguir tocar o trecho lento,
uma vez que o intérprete está imbuído de uma pulsação rápida e viva que predominou durante a
peça toda.
3.2.3. Cateretê
O Cateretê é uma dança que possui uma energia rítmica que move os dançadores na roda de
cateretê. O intérprete portanto, deverá e poderá manter esse mesmo vigor ao tocar a terceira peça da
2ª Suíte Brasileira através das figuras presentes na voz do baixo.
Essa disposição do baixo permanece em ostinato durante a peça toda e sendo assim, o
caráter vivo também.
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Embora na seção A a melodia apareça em notas duplas, cabe salientar que é preciso timbrar
a nota superior para que a idéia musical soe mais clara e brilhante e o acompanhamento seja fluente
e sem interrupções. Há quatro vezes em que o tema aparece e em cada uma delas, há uma indicação
de dinâmica escrita pelo compositor que deve ser respeitada a fim de enriquecer a peça e a
execução. Sendo assim, a primeira fica delimitada no âmbito do pp, a segunda mf, a terceira ff e a
quarta fff.
Assim como ocorre no plano da dinâmica, a pedalização do Cateretê também deve ser
bastante precisa. No primeiro compasso, o compositor pede para que esse início seja executado Sem
Pedal, assim como podemos observar na Fig. 20. Essa indicação permanece até dessa forma até o
comp.14, no entanto a segunda entrada do tema (comp.9) apresenta uma nota de passagem que
permite a utilização de um pedal rápido entre a primeira e a segunda nota da voz superior para que a
melodia soe legato.
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Figura 22 - primeira pedalização escrita pelo compositor no Cateretê (comp.15)
3
Martin, Mauricy. F.J. Haydn * F. Chopin * O. Lorenzo Fernandez *
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Figura 24 - início da seção B do Cateretê (comp.40)
No comp. 48, esse mesmo material melódico será reapresentado 8ªcima com uma textura
composta por melodia, acompanhamento e baixo, constituindo o ponto culminante da seção B. A
linha melódica possui o mesmo desenho percorrido do comp. 40 ao 46, no entanto ela é constituída
por oitavas/sextas. O acompanhamento aparece bastante modificado e embora seja formado por
tétrades deve ser tocado de forma que se possa ouvir a melodia do polegar.
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A seção A’ apresenta o mesmo material da 3ª variação (comp.29 ao 39), no entanto a
dinâmica é apenas f e não fff como outrora.
A coda apresenta, na voz superior, um motivo melódico que se origina do motivo utilizado
nos comp.48 ao 54; e no acompanhamento sincopas.
A partir do comp. 67, a coda apresenta apenas fragmentos melódicos tocados em fff que são
interrompidos por uma sequencia de acordes descendentes de caráter percussivo, como podemos
observar na fig. 28. Esse procedimento é utilizado duas vezes e na terceira, há um cresc./animando
em que a melodia é repetida por três vezes ciclicamente enquanto o acompanhamento caminha num
emcadeamento harmônico sobre mi maior construindo uma tensão final que se acumula até alcançar
o ponto culminante em ffff.
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CONCLUSÃO
A 2ª Suíte Brasileira foi composta sobre temas originais do compositor, dentre os quais
pode-se notar a preferência pela linha melódica que se desenvolve majoritariamente em graus
conjuntos, assim como se afeiçoa mais ao caminho descendente.
Dos procedimentos de dinâmica, é possível observar que Lorenzo Fernandez utiliza uma
gama sonora que parte do pp até o ffff. Além disso, o compositor também se expressa através de
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outros sinais como crescendo e diminuendo, bem como o p morendo. O Ponteio permanece na
região do p e como essa peça possui a atmosfera intimista os f devem ser entendidos dentro desse
contexto e, portanto serão dosados. A Moda possui raros momentos de pouca sonoridade, sendo que
as linhas melódicas da seção A são marcadas por mf cantábile e as da seção B pela agitação
melódica que eleva a dinâmica até o ff. Ao final da coda, pode-se observar a única utilização de pp
(comp.43) utilizada na mesma. O Cateretê é a peça que mais apresenta variedade em termos de
dinâmica, visto que a cada vez que o tema é reapresentado este surge em um novo patamar sonoro
de forma que em todas as seções, com a exceção da A’, as indicações de dinâmica vão de p ao fff.
Nessa última peça, o recurso de dinâmica é utilizado para dar energia à peça, a fim de que a música
não se torne monótona.
Esse processo de análise é muito importante para que o intérprete tenha um embasamento
teórico capaz de sustentar uma interpretação baseada no universo da música popular brasileira, a
fim de que os elementos de origem popular propostos pelo compositor soem como tais. No entanto,
nosso objetivo, por meio da análise, foi apontar algumas das muitas possibilidades de interpretação
desta obra. Acreditamos que a reflexão sobre o fazer artístico não aponta para uma única
interpretação, mas, sim, podem auxiliar em diferentes performances da obra estudada.
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SUGESTÕES DISCOGRÁFICAS
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BIBLIOGRAFIA
51
SANTIAGO, Júnia Golçalves. Progressão da dificuldade técnica nas três Suítes Brasileiras
para piano de Oscar Lorenzo Fernandez. Dissertação de mestrado em Música. UFMG, 2007
SCHOENBERG, Arnold. Fundamentos da composição musical. Tradução de Eduardo Seincman.
São Paulo: Edusp, 2008.
TRAVASSOS, Elizabeth. Modernismo e Música Brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
2000.
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ANEXOS
LORENZO FERNANDES, Oscar. 2ª Suíte Brasileira. São Paulo: Irmãos Vitale, 1942.
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