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PSICOPATOLOGIA ARQUETÍPICA

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PROF. WALTER BOECHAT

PSICOPATOLOGIA DAS FUNÇÕES FUNDAMENTAIS SEGUNDO K. BASH

PSICOPATOLOGIA DA FUNÇÃO INTUIÇÃO

Jung resgatou a função psicológica da intuição para a psicologia moderna, pois


havia a preocupação exclusiva com os referenciais das funções sentimento, sensação e
pensamento.
K. Bash procura ir além na ênfase da função intuição para o psiquismo, elaborando
o conceito de intuição patológica, considerando a idéia delirante e a percepção delirante em
suas diversas formas, não como um distúrbio da função pensamento, como são
classicamente vistas, mas como um distúrbio da função intuição, ou como uma
interferência da função intuição no funcionamento das outras funções da consciência de
forma patológica.
É verdade que podemos considerar que a função intuição normal, não patológica,
obedece à prova da realidade, enquanto que a intuição patológica, como o delírio, resiste a
prova da realidade.
Queremos dizer com isto que o tipo psicológico intuição, freqüentemente tem
intuições que não se concretizam no plano da realidade externa. Estas intuições são
imediatamente reconhecidas como falsas. Já no caso da intuição patológica, que tem sua
estrutura em muito semelhante ao delírio, não é reconhecida como falsa ou errada pelo
psicótico que encontra as mais variadas razões e “explicações” para a não concretização de
sua intuição patológica. Estes mecanismos de justificativa para a intuição patológica são
particularmente evidentes nos delírios sistematizados, ricamente elaborados.
Nestas elaborações secundárias de uma idéia delirante primária que se desenvolve
em delírio sistematizado, entram em cena as funções pensamento e sentimento. A primeira

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Walter BOECHAT
Médico, Diplomado pelo Instituto C.G.Jung, Zurich, Suíça, Doutor, Instituto de Medicina Social,/UERJ,
Membro Fundador Associação Junguiana do Brasil- AJB, Especialista em Medicina Psicossomática
(IMPSIS/RJ) Escritor, organizador de Mitos e Arquétipos do Homem Contemporâneo, Vozes, 2ª ed.
Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Psicologia Junguiana do IBMR/RJ.

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com elaboradas explicações aparentemente lógicas para a idéia delirante original, a última
com os mais variados sentimentos dando uma complexa estrutura ao delírio sistematizado.
O que chamou a atenção de Bash foram as manifestações muitas vezes associadas
de idéia delirante, percepção delirante, alucinação e ilusão. Não haveria um fator comum
entre eles? Bash julgou ser a intuição patológica atuando dentro da cadeia da senso-
percepção.
Assim, a cadeia sensória entre o sujeito e o objeto, a cadeia da senso-percepção,
constitui-se de elementos básicos: o objeto externo, os sentidos, o psiquismo com os
mecanismos de percepção (recebimento do estímulo) e apercepção (reconhecimento do
estímulo a nível cortical, tomando como base as representações já arquivadas).
A intuição, que por definição de Jung, é a percepção via inconsciente, quando
patológica, interfere na cadeia de senso-percepção por diversas formas.
A idéia delirante seria uma manifestação da intuição patológica em nível primário
cortical, diretamente na formulação conceitual. Na percepção delirante, a sensação, que é o
estímulo sensorial, e a percepção estão normais, e a intuição patológica irá operar entre os
modos de percepção e apercepção, dentro da cadeia da senso-percepção.

CADEIA DA SENSO-PERCEPÇÃO E A INFLUÊNCIA DA INTUIÇÃO PATOLÓGICA

Objeto externo
SNC
Sensação Percepção Apercepção
ALUCINAÇÃO ILUSÃO PERCEPÇÃO DELIRANTE IDÉIA DELIRANTE

INTUIÇÃO PATOLOGICA

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O DELÍRIO

A INTUIÇÃO PATOLÓGICA E SUAS CORRELAÇÕES COM O DELÍRIO

Uma das pistas que levaram Bash a formular o conceito de intuição patológica foi a
estrutura bastante semelhante do delírio e da intuição. Assim o delírio é por esse autor
considerado um distúrbio de intuição e não de pensamento, dentro das categorias
junguianas.
Devemos lembrar a respeito disso que a palavra delírio vem do latim de-lirium,
descarilhado, querendo dizer, “estar fora dos trilhos”, referindo-se a pensamento fora dos
trilhos, ou fora de seu curso normal. O delírio como distúrbio do pensamento é
classicamente considerado em todos os tratados de psicopatologia clássica. Bash ao
considerar o pensamento como “uma intuição patológica” (Bash, op. cit.) está referindo-se
às quatro funções junguianas do funcionamento mental. Ademais, para Bash, a avaliação da
realidade se dá pelo JUÍZO, ou JULGAMENTO da realidade, uma atividade mental que
envolve as quatro funções, e não somente o pensamento. Portanto, o delírio seria um
distúrbio de JUÍZO, causado pela intuição patológica, que contamina inclusive as outras
funções: pensamento, sentimento e sensação.

Quais seriam as semelhanças do delírio e da função intuição?


Estruturas semelhantes do delírio e da intuição:
Intuição assim como o delírio:
1.Forma de experiência instantânea, mas ou menos súbita e única.
2. Visão espontânea de grupo de fatos com especial evidência.
3. O conhecimento intuitivo assim como o conteúdo delirante possui uma especial
evidência e certeza.
4. Porém a Intuição errônea se curva à Prova da Realidade. O delírio resiste à Prova
da Realidade.

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O item 4, acima, é bem característico das semelhanças e diferenças entre intuição e
idéia delirante. Se uma pessoa é tomada por forte idéia intuitiva que, por exemplo,
encontrará em certa tarde um amigo que não vê há anos, e tal coisa não acontece, logo
pensa: “foi uma intuição errônea”. (A intuição se curva à prova da realidade). A pessoa
tomada por um delírio persecutório pode pensar, com a mesma certeza do primeiro caso:
“hoje à tarde serei assaltado e raptado por um grupo de mercenários internacionais que
trabalha com o tráfico de seres humanos para a Europa”. Quando tal idéia delirante não se
concretiza normalmente o psicótico paranóide pensa com grande ansiedade: “não foi hoje
por questões administrativas da grande rede internacional de tráfico de escravos, mas
certamente será amanhã”. (função auxiliar pensamento tomada pela intuição patológica
mantendo aceso o delírio sistematizado. O delírio resiste à prova da realidade).

OCORRÊNCIA DO DELÍRIO NA CLÍNICA

O delírio ocorre nos mais variados estados psicopatológicos, em geral bastantes


graves. Na leitura junguiana o delírio se manifesta quando há um achatamento do eixo ego-
self e a consciência é tomada por fatores do inconsciente coletivo com perda total de
discriminação por parte do ego. Michael Fordham estabelece o conceito de defesas do self,
complementar ao conceito freudiano de defesas do ego, na medida em que o self é o centro
da totalidade consciente-inconsciente da mesma forma em que o ego é o centro da
consciência. (Jung).
O delírio seria a manifestação de um sistema de defesa do self (Fordham) na medida
em que cria mundos fantasiosos paralelos a uma realidade intolerável ao delirante naquele
momento. Em suma, é melhor conviver com uma fantasia delirante irreal do que enfrentar
uma realidade que, naquele momento, o psicótico está sem instrumental para fazer face. O
delírio seria um sistema de defesa do self para a preservação do todo, para evitar o pior, isto
é: a auto-destruição ou suicídio.
Transtornos nos quais os episódios delirantes aparecem com freqüência:
Psicoses esquizofrênicas - São as bem conhecidas esquizofrenias em suas formas
“produtivas”, onde os delírios são freqüentes, mas não obrigatórios. (A esquizofrenia

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chamada “simples”- costuma evoluir com prognóstico muito grave, apesar do nome- não
apresenta delírios ou alucinações).
Transtornos afetivos - São de diferentes tipos: unipolar, maníaco, unipolar
depressivo. Ou bipolar. Todas as formas podem ser acompanhadas de delírios.
Estados crepusculares (diminuição do estado normal da consciência, abaixamento
do estado vigil normal): Estado crepuscular histérico. Delírios seguidos de mitomania.
Transtornos por uso de substância psicoativa - De acordo com o atual sistema de
classificação das doenças (CID-10)- Código Internacional das Doenças da OMS,
substâncias psicoativas são aquelas cujo uso abusivo interfere com o normal funcionamento
do sistema nervoso central. Oscilam desde a cola de sapateiro, álcool, medicamentos,
drogas legais até as drogas ilegais como maconha e cocaína. Os delírios são freqüentes nos
transtornos por uso de qualquer substância psicoativa.
Transtorno metabólico - Transtornos do metabolismo corporal interferindo no
bom funcionamento cortical são frequentemente acompanhados de idéias delirantes.
Transtorno infeccioso

Delírio em pessoa “sadia”. Delírio reativo, passageiro, com crítica posterior.


Nestes casos, a crítica demonstra a presença e integridade do complexo egóico
frente ao conteúdo inconsciente anteriormente constelado.

TIPOS DE DELÍRIO NA CLÍNICA

1.DELÍRIOS EXPANSIVOS.
Nestes casos o ego se identifica com os conteúdos numinosos do inconsciente
coletivo. A personalidade consciente perde sua dimensão real e ganha a dimensão de uma
imagem arquetípica, com efeitos destrutivos para o indivíduo. Jung compara estes delírios
expansivos a certos momentos de Nietzsche, nos quais o filósofo se identificou com
Zaratustra, “sua personalidade no 2”. Seria um grave processo de inflação psíquica.
Em: transtornos afetivos maníacos. Nas toxicodependências. Distimias maníacas,
que são alterações discretas de humor maníaco próximos à normalidade.

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2. DELÍRIOS DEPRESSIVOS.

Ao contrário do Delírio Expansivo, o Delírio Depressivo seria uma inflação


negativa, a identificação com conteúdos negativos e inferiores, com “o mais baixo dos
homens”, compensando “a síndrome de Zaratustra” anterior.

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É um valioso auxiliar no diagnóstico diferencial do transtorno afetivo depressivo com
depressão reativa. O transtorno afetivo depressivo é estado psicótico, que pode ser mais ou
menos grave, frequentemente acompanhado de produção delirante. Já a depressão reativa,
não psicótica, não é acompanhada de delírios.

3. DELÍRIOS NIHILISTAS.
Nada em torno do paciente possui realidade. Pensamentos, sentimentos, a família,
conhecidos, há o sentimento de “irrealidade” do mundo. À medida que o delírio avança, a
realidade mesma de dados palpáveis evidentes é negada. Delírios de fim- de- mundo são
típicos das esquizofrenias. Este foi um dos mitologemas típicos que Jung pesquisou para
chegar à teoria do inconsciente coletivo.

4. DELÍRIOS DE AUTO-REFERÊNCIA.
Eventos em torno do psicótico, quaisquer que sejam, referem-se de algum modo a ele.
Rompem-se os limites sujeito-objeto, tudo tem “um sentido”, “o esquizofrênico está
mergulhado na sincronicidade” (Nise da Silveira), isto porque o self está dentro e fora e a
causalidade cede seu lugar a uma rede de coincidências significativas. Ex.: Certo psicótico
bastante comprometido afirmava, repetidas vezes, que “a porta da enfermaria estava
fechada para ele, fechando-se todas as oportunidades em sua vida.”

5.DELÍRIOS PERSECUTÓRIOS.
Da auto-referência à perseguição é apenas um passo. Os conhecidos delírios de
perseguição, ou paranóides, são os mais freqüentes. Encontrados na esquizofrenia
paranóide. (Grego: para= “ao lado”, nous= “mente”) São como se fossem uma “mente ao
lado” perseguindo a mente central, ou complexo egóico.

6. DELÍRIOS PASSIONAIS.
O gesto mais inocente e distraído e tomado pelo delirante como uma sedução e
como oferta amorosa. A interpretação delirante é normalmente seguida de investidas
sexuais que não sedem facilmente às primeiras oposições e negativas.

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7. DELÍRIOS DE CIÚMES.
É forma de delírio aparentada aos anteriores. Complexos derivados da anima e do
animus. No homem, cursam frequentemente com a impotência, que agrava o quadro
delirante geral. Muito freqüente no alcoolismo crônico.

IDÉIAS SUPERVALORIZADAS (Bash) - são representações intermediárias entre o


normal e o patológico. São idéias que têm base em complexos com grande carga energética,
porém não podem ser considerados patológicos. Normalmente grande número de pessoas
comunga das mesmas idéias supervalorizadas, como no fanatismo político ou religioso em
certas situações de crise social ou de transição. As idéias supervalorizadas estão próximas
às idéias delirantes mas não podem ser consideradas como tais.

LEITURA DO DELÍRIO PELA PSICOLOGIA PROFUNDA.

Do ponto de vista da teoria dos complexos, os delírios seriam complexos de grande


carga energética e providos de grande autonomia, a tal ponto que apareceriam projetados no
mundo circundante de diversas formas, mais ou menos sistematizados, formando as defesas
do self. Funcionariam como sonhos acordados. A diferença dos conteúdos delirantes para
os conteúdos oníricos é a total autonomia dos primeiros, sua maior carga energética e
independência em relação ao controle da consciência.

O PONTO DE VISTA SIMBÓLICO.


Do ponto de vista da psicopatologia clássica todo delírio é impenetrável. Assim reza
a tradição psicopatológica. O que quer se dizer com isso? Diz-se com isso que a lógica do
delírio não segue a lógica da consciência, mas a do inconsciente. Não adianta queremos
brigar com o psicótico tentando convencê-lo de nossas verdades do mundo “de cá” porque
ele não habita esse mundo. Cabe a nós tomarmos um ponto de vista simbólico. Só assim o
delírio se demonstra penetrável, compreensível. Jung já demonstrava isso com seu trabalho
em 1904 no Burghölzli com esquizofrênicos. (A psicologia da Dementia Praecox, 1904).

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Jung cita nesta obra a paciente que repetia a frase: “eu sou sino”, durante os testes
de associação de palavras que fora submetida. Um conteúdo de delírio aparente
impenetrável, como reza a psicopatologia. Só depois que a paciente revelou ser apreciadora
do poeta Friedrich Schiller, e de seu importante poema, “O Sino”. Só então as
verbigerações (repetições) se tornaram claras. O ponto de vista simbólico é importante. “Eu
sou o sino” queria dizer: “eu também sou importante e bela”.

ILUSÕES

Nas ilusões, ocorre a influência da intuição patológica na cadeia senso-perceptiva,


em nível da percepção, quando a sensação é normal. O ocorre nos mais diversos estados
patológicos, sendo freqüente nas intoxicações exógenas de diversas origens, alcoolismo,
uso de drogas, dependências medicamentosas em estados iatrogênicos.
As ilusões são freqüentes em estados normais, quando há abaissement du niveau
mental,(Janet) cansaço crônico, excesso de atividade física ou mental, mas também nos
mais diversos estados depressivos e nas psicoses.
O filme “Garota Interrompida”, estrelado por Winnona Rider, trás interessante
exemplo de percepção com ilusão, quando o personagem principal, em estado depressivo-
ansioso, contempla sua mão e julga ver, transitoriamente, os ossos dos dedos. A partir de
uma percepção real, a mão, há uma ilusão, de origem inconsciente.
A abordagem junguiana aponta para o xamanismo siberiano e o ritual da
contemplação dos ossos, que tem na cultura xamânica a função de colocar o neófito a xamã
em contato com as essências do ser, com aquilo que permanece após a morte, com o núcleo
espiritual de todo ser humano.
Podemos entender o ritual da contemplação dos ossos como uma amplificação
para a vivência da personagem do filme. A vivência não fica sendo vista apenas de forma
patológica, mas em sua psicodinâmica, aponta para um momento de transição, iniciatório
para a personagem. Este momento a levará a um doloroso processo de crescimento.

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ALUCINAÇÕES

Nas alucinações a intuição patológica influencia a própria sensação, criando falsas


percepções. Na definição clássica do inglês Ball: “Alucinação é a percepção sem o objeto”.
Diferem, pois, das ilusões, que são antecedidas pela percepção normal de um estímulo
sensorial qualquer. Isto quer dizer, que na cadeia da senso-percepção a ilusão ocorre
quando a sensação é normal, e a percepção é distorcida pela intuição patológica, enquanto
que na alucinação a intuição patológica já interfere a nível da sensação.
São típicas as alucinações que ocorrem no alcoolismo agudo e crônico e nas mais
variadas reações exógenas agudas. Também são clássicas as alucinações nas esquizofrenias
e em diversas psicoses “floridas”. Com o desenvolvimento e o uso cada vez mais freqüente
dos anti-psicóticos em psiquiatria, as alucinações deixam de aparecer como se
manifestavam no passado, com tanta freqüência, principalmente nos estados chamados por
Bleuler “fenômenos accessórios das esquizofrenias”.
Lembramos que Bleuler quando definiu e categorizou as esquizofrenias dividiu
os fenômenos principais e accessórios. Os principais seriam os chamados “os quatro As”
das esquizofrenias: Autismo, Ambivalência, distúrbios no Afeto, distúrbios nos processos
Associativos mentais. (Os distúrbios de afeto serão discutidos logo a seguir no estudo da
função sentimento). Os fenômenos accessórios seriam: delírios e alucinações.
As alucinações também irão se manifestar em estados crepusculares diversos,
como na histeria e estados epiléticos diversos, e em estados normais.
Estados normais com alucinações: sempre há crítica das imagens alucinadas, e por
isso são freqüentemente chamadas de pseudo-alucinações. As imagens eidéticas, são
pseudo- alucinações óticas, de intensa luminosidade que podem aparecer no abaissement du
niveau mental (Janet) e com o cansaço físico. São freqüentemente Extra- Campinas, isto é,
fora do campo visual. São sempre acompanhadas de crítica Outros exemplos de pseudo-
alucinações são imagens que acompanham estados que levam ao adormecer (pseudo-
alucinações hipnopômpicas) ou ao que levam ao acordar (imagens hipnagógicas).

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É escusado repetir que o interesse por estas imagens em psicologia analítica é que
elas são sempre vistas como sendo reais, sendo que manifestam os arquétipos do
inconsciente coletivo, tanto quanto as imagens oníricas. Sua particularidade é que, estando
presentes em estados despertos ou semi-despertos, têm normalmente um sentido de
urgência para o processo de individuação, sendo freqüentemente presentes em estados
criativos, não psicóticos.
Para a psicologia analítica tanto os delírios quanto as alucinações são tidos como o
produto da interferência de complexos patogênicos dissociados da consciência. Estes
complexos atuam sobre um complexo egóico fragmentado, incapaz de trazer um foco
estável para as funções básicas da consciência.
As alucinações se agrupam em alguns tipos principais com características
específicas:
1. Alucinações óticas.(Já descritas).
2. Alucinações acústicas. São as mais freqüentes. Uma leitura muito superficial
de alucinações acústicas pode levar ao diagnóstico errôneo de psicose
esquizofrênica, dada a sua freqüência em estados esquizofrênicos. Mas o
psiquiatra que se guia pelo manual, sem uma leitura psicodinâmica, se esquece
que as alucinações podem estar presentes em estados normais já citados e
mesmo em estados de criatividade com manifestação do inconsciente. Mas sua
grande freqüência, a falta de crítica, e a vivência por vezes do chamado “eco
do pensamento” podem confirmar o diagnóstico de uma esquizofrenia ou
também de uma psicose orgânica, na demência senil ou pré–senil, por
exemplo.
3. Alucinações olfativas- Aparecem com freqüência nas psicoses endógenas,
esquizofrenia e psicoses afetivas. Exemplos: odores agradáveis ou mesmo
celestiais na mania, odores de putrefação em estados depressivos graves.
Relatos de alucinações olfativas podem ser cruciais no diagnóstico diferencial
entre depressão neurótica ou psicótica.
4. Outros tipos de alucinação: Gustativas. Exteroceptivas, (provenientes de
estímulos do mundo externo), propioceptivas (do próprio corpo), cinestésicas,
do movimento ou da posição de membros e tronco. Alucinações

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proprioceptivas são freqüentes no alcoolismo crônico, a chamada psicose de
Korsakov.

PSICOPATOLOGIA DA FUNÇÃO SENTIMENTO

É necessário sermos claros quando dizemos, seguindo Jung, que a Função


Sentimento é uma função racional. Lembramos que Jung considera duas funções racionais,
Sentimento e Pensamento, e duas irracionais, Intuição e Sensação. Essas duas últimas são
irracionais, porque operam diretamente com o meio circundante, quer seja através do corpo
e dos sentidos (função Sensação) quer seja via inconsciente (função Intuição).
Já o Sentimento e o Pensamento são racionais porque envolvem uma mediação
psíquica bem determinada até que processem dados do meio externo. O Pensamento
envolve processos mentais lógicos daquilo do que é ou que não é, e sua expressão se dá por
polarizações radicais lógicas. O sentimento opera por avaliação de graduações de valores.
Estas graduações são características da função sentimento, a lógica do coração. O aforismo
tomado por Vinicius de Moraes de Pascal “O coração tem razões que a própria razão
desconhece”, exprime bem a função sentimento que Jung descreve, que é diversa portanto
de emoção ou o sentimentalismo da linguagem cotidiana.
Ontologicamente falando, qual função psicológica se diferencia primeiro, desde o
nascimento? Temos por certo que o pensamento é uma função tardia no desenvolvimento
na consciência, visto que é uma função psicológica mais sofisticada que necessita uma
elaboração mais diferenciada da consciência para operar adequadamente.
Entretanto, as funções sentimento e sensação estão presentes e já com certo grau
de diferenciação mesmo no estado uterino, segundo certos estudos de psiquismo fetal
demonstram.
O sentimento oceânico descrito por Freud ou o estado urobórico mencionado por
Erich Neumann não são tão simbióticos quanto pareciam ser na época em que viveram
estes autores. Modernos trabalhos baseados em ultra-sonografia mostram já um princípio de
diferenciação da consciência no feto no sexto mês de gravidez. Quando se forma a retina,

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iniciam- se já a chamada fase REM do sono, o sono com sonhos. O feto sonha, tem
psiquismo individual, já se dá início ao processo de individuação.
Por esta fase de vida, já o proto-ego fetal experimenta o meio uterino circundante
com uma incipiente função sensação (ouve mesmo ruídos externos à mãe, como foi
demonstrado nos estudos de psiquismo fetal), e já faz a sucção do polegar, para afastar
sentimentos de insegurança e desconforto (função sentimento).
Estes dados sobre a individuação prematura intra-uterina são muito importantes
em clínica, pois em certos casos tornam-se vitais o sentimento dos pais em relação à
gestação, ou fatos ocorridos durante a gestação terão grande influência na psicopatologia da
individuação do futuro bebê.
A função sentimento diferencia-se da emoção propriamente dita, e isto é
importante para entendermos sua psicopatologia. A emoção é a energia psíquica em si.
Como tal está presente na Sombra e nos complexos, e contamina sempre a função inferior.
Já a função principal está a serviço da adaptação social, juntamente com a função auxiliar, e
situa-se basicamente na Persona.
O tipo psicológico sentimento terá assim uma função sentimento mais
diferenciada, avaliará bem as situações e tenderá a ter posições estáveis no trabalho e nas
amizades. Seu pensamento, entretanto, freqüentemente é contaminado por emoção, sendo
pouco claro, e tenderá a expressar idéias coletivas, pouco originais. É o que podemos
chamar de pensamento emocional, um pensamento contaminado pela Sombra.
Estamos tratando aqui, portanto, da psicopatologia da função psíquica sentimento,
descrita por Jung, e não de uma psicopatologia das emoções, o que seria redundante.
A função sentimento tem fortes inserções corporais, segundo K.Bash, tendo
conecções no tálamo e hipotálamo, no sistema vegetativo em geral e em todo sistema
hormonal. É a função psicológica que se associa aos estados de humor diversos. Daí
decorre que teremos profundas alterações desta função nas psicoses afetivas, nos diversos
estados maneiformes e na depressão, quer seja neurótica, quer seja psicótica.
Devemos lembrar o aspecto biológico das depressões, já bem definido pela
psiquiatria biológica, no tocante aos transmissores sinápticos neuronais. Neste aspecto, as
depressões têm sua descrição muito mais “fechada” do que as psicoses esquizofrênicas,
desconhecidas em muitos de seus aspectos.

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O terapeuta junguiano tem muito a trabalhar, é claro, nas alterações do sentimento
encontradas nas psicoses afetivas. As imagens arquetípicas em fantasias do putrefactio
alquímico, de uma permanência no nigredo ou escuridão como fase do opus alchymicum, o
desmembramento xamânico, todas devem encontrar continente no setting terapêutico e ser
gradualmente expressas pelas técnicas expressivas e pouco interpretadas, mas acolhidas.
O grande deprimido poderá divisar “uma luz no fim do túnel” e gradualmente
trabalhar seus estados depressivos num processo analítico junguiano.
A função sentimento tem grande importância na relação terapêutica, tanto nas
neuroses quanto nas psicoses.
Há em psicopatologia clássica o conceito de embotamento afetivo com relação às
psicoses esquizofrênicas A observação mais aprofundada mostra que a função sentimento é
mantida intacta, apenas ela não é expressa de forma apropriada, segundo fica demonstrou
Nise da Silveira. O esquizofrênico tem, em geral as funções sentimento e pensamento não
só mantidas intactas, mas mesmo muito diferenciadas. É um traço conhecido dos
esquizofrênicos seu nível alto de inteligência. A perda, o embotamento das funções
psíquicas irá ocorrer apenas em estados demenciais ou na oligofrenia.
O trabalho com animais, cães e gatos, e mesmo com plantas - trabalho com a arte
floral japonesa do ikebana - pode facilitar uma catexia afetiva do esquizofrênico grave.
Psicodinamicamente, isto se explica pelo fato de que o animal ou plantas podem representar
um referencial estável e muito mais confiável do que a relação interpessoal, imprevisível,
insegura para certos pacientes esquizofrênicos. Para estes o sentimento irá fluir em níveis
arcaicos para o animal companheiro ou planta que deve ser passivamente cuidada.
Outros autores nos Estados Unidos empregaram independentemente de Nise da
Silveira a Pet Facilitated Psychotherapy (psicoterapia facilitada com animais domésticos)
com sucesso.
Ainda entre esquizofrênicos a função sentimento irá se expressar com pessoas de
relacionamento através do curioso fenômeno descrito por Éugene Minkowski da
Ressonância-Retentissiment. Uma determinada pessoa evoca profundos sentimentos
subjetivos no paciente, e estes sentimentos irão ressoar a cada encontro ou convivência com
esta pessoa específica. A ressonância difere da transferência ou da projeção do não-
psicótico, pelo fato de que parece não fluir do sujeito para o objeto ou pessoa externos, mas

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“ressoa”, ou ecoa a cada encontro repetido com uma pessoa ou objeto significativos , dentro
do paciente, trazendo imagens e sentimentos semelhantes. Estes conteúdos só são
denunciados por técnicas expressivas, que denunciam uma melhora sutil do paciente, que se
centraliza melhor.
A ressonância está ligada a forma básica da função sentimento se expressar: a
irradiação do sentimento. Certos sentimentos passam de um complexo afetivo a outro, por
contigüidade.
A irradiação é fenômeno importante em clínica, quando percebemos, por exemplo,
que a queixa principal normalmente não trás os complexos fundamentais que levaram o
paciente a procurar terapia. Normalmente, aguardamos que o sentimento se irrradie de um
complexo a outro, de um complexo mais defensivo situado mais a nível da Persona, para
outros, mais dissociados, complexos patogênicos situados na Sombra que vão trazer
dinamismo novo à terapia. Evitamos assim, uma anamnese médica clássica, com perguntas
dirigidas, que revelam mais o desejo do terapeuta do que os movimentos da libido
inconsciente do paciente.
Nas neuroses, vamos encontrar a função sentimento presente em todos os
mecanismos de defesa do ego, a projeção, o recalque, a formação reativa, no deslocamento
e os outros mais, e também sua presença intensa nas transferências. O sentimento é o tijolo
fundamental para a abreação catártica, sem a qual, como sabemos, não há análise, mas
apenas entendimento racional dos processos mentais.

PSICOPATOLOGIA DA FUNÇÃO PENSAMENTO

O pensamento é uma função racional que julga e formula relações de índole


conceitual. Opera dentro das polaridades do certo/errado, verdadeiro/falso, ao contrário da
outra função racional, o sentimento, que opera através de gradações de valores, do que é
melhor ou pior para alguém.

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Quase toda a solução de problema, quase toda criatividade, lembra Bash, se dá
pela associação de uma intuição a uma elaboração lógica pela função pensamento.
Uma categoria psicopatológica importante dentro da função pensamento é
constituída pelas idéias supervalorizadas. Nelas, o pensamento é contaminado por forte
emoção, e conceitos errôneos, muitas vezes associados à política e a moral são assumidos
como verdades insofismáveis, passando a ter importante papel na vida no sujeito.
As idéias supervalorizadas, em certos casos, chegam bem próximo à categoria de
delírio, tal a influência que exercem sobre o complexo egóico. Como este último, são
produto de complexos autônomos dissociados de forte carga emocional.

Alterações quantitativas do pensamento:

Há situações típicas psicopatológicas nas quais o pensamento encontra- se


quantitativamente alterado. Nas oligofrenias, há uma incapacidade de conservar e elaborar
as representações mentais pelo ego. Há uma capacidade bastante diminuída de reflexão e
juízo.
Sabemos que a função pensamento exige tempo para operar os conteúdos
psíquicos. Em diversos estados, este tempo está alterado, havendo uma interferência direta
na função do pensar. Na mania, há um aumento considerável das associações mentais, com
diminuição do pensamento reflexivo em si.

Alterações qualitativas do pensamento

Nas neuroses e psicoses, tanto endógenas quanto exógenas (∗), como em toda
forma de turvação da consciência de uma maneira geral, há uma substituição do
pensamento por representações afetivamente carregadas, os complexos.
Na síndrome psico-orgânica, ou psicose organo-cerebral, típicas nas psicoses
senis e pré-senis, são típicas certas alterações do pensamento. São características a
lentificação do pensamento, bem como a perseveração, que é a aderência a um conteúdo

(∗) Psicoses endógenas é um termo usado para as psicoses esquizofrênicas e as psicoses afetivas, tanto a
depressão psicótica quanto a mania, em suas formas unipolar e bipolar. As psicoses exógenas são as que têm
origem tóxica, medicamentosa e outras, externas ao sistema nervoso central.

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pleno de sentido para o paciente. Ocorrem também repetidas confabulações, que são falhas
de memória substituídas por falsas lembranças. Estas falsas lembranças têm importante
valor diagnóstico.
Na epilepsia, em todas as suas formas quer seja genuína, a epilepsia genética, quer
seja sintomática, quando é mais um sintoma de outra condição orgânica qualquer, ou na
epilepsia traumática, a condição que se segue a traumatismo crânio-encefálico, o
pensamento pode apresentar alterações bem características.
O pensamento pode se tornar vago, e com afeto exagerado. É o chamado
pensamento viscoso ou gliscóide, aderente.
Finalmente, quanto à questão do delírio ser classicamente considerado uma
alteração do pensamento, é necessário lembrar que o delírio é na verdade uma alteração do
juízo, isto é, do julgamento da realidade. E o juízo não depende unicamente da função
pensamento, mas das quatro funções, incluindo-se aí a sensação, sentimento e a intuição. É
já nos estendemos bastante, seguindo Bash, de como a intuição patológica pode ser
considerada como estando na gênese do delírio.

PSICOPATOLOGIA DA FUNÇÃO SENSAÇÃO

A função sensação descrita por Jung refere- se à captação de estímulos físicos do


meio ambiente pelos órgãos dos sentidos. A psiquiatria francesa tradicionalmente refere-se
à função sensação como a função do real. Por esta sucinta definição sua importância para a
psicopatologia já se torna bem visível, pois qualquer alteração da função sensação trará
graves prejuízos para o equilíbrio psíquico.
É uma função irracional, como o é a intuição, e como esta última tem a
característica do imediatamente dado, e do obtido diretamente, quer seja via corpo ou
sentidos (sensação) quer seja via inconsciente (intuição).
A função sensação é das mais antigas a se constituir ontologicamente. Constitui-
se pela própria formação do corpo fetal, e na constituição do psiquismo fetal a função

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sensação toma lugar, tendo um caráter fundamentalmente somático, organizando- se com a
estruturação dos próprios órgãos dos sentidos.

Alterações quantitativas da função sensação:

Podem ser circunscritas ou difusas. As circunscritas estão associadas à perda ou


diminuição sensorial localizada num dos órgãos dos sentidos, por exemplo a audição
diminuída. Pode ocorrer a chamada “personalidade paranóide dos surdos”, quando
encontramos sentimentos de desconfiança e inferioridade, me personalidades já
predispostas, que podem tornar- se vingativas.
As alterações quantitativas difusas ocorrem, por exemplo, em estados
crepusculares os mais diversos, entre eles os histéricos, onde há turvação difusa da
consciência, com diminuição global da sensação.
Hiperestesias. Referem- se ao aumento da sensação em níveis acima do normal.
Há uma sensibilidade geral aos mais diversos estímulos sensoriais. Encontra-se por
exemplo em doenças físicas crônicas com astenia ou fadiga geral, na histeria e em estados
de humor melancólico.
Hipoestesias. Podem ocorrer tanto como anestesias - ausência total da função
sensação- ou analgesia- diminuição de uma sensação dolorosa.
Os mais importantes e freqüentes ocorrem nos estados crepusculares dos histéricos
graves.
É importante lembrar que também em estados depressivos graves ocorrem tanto
hipoestesias quanto hiperestesias, alterações significativas da função sensação. É clássica a
descrição do deprimido grave que deixa de ouvir normalmente os sons do ambiente,
enquanto que o som do tic-tac do relógio de parede é ouvido de forma exageradamente alta,
simbolizando a eterna repetição da roda do tempo, ou a imutabilidade das coisas que se
repetem, o eterno retorno descrito por Nietzsche, o samsara budista.

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Devemos ainda citar que nas psicoses graves ocorrem alterações radicais na
função sensação, expressas muitas vezes nas auto- mutilações, que são promovidas com
total ausência de dor.
Os fenômenos conversivos na histeria acontecem com marcadas alterações da
função sensação, dos mais diversos tipos. Podem ocorrer: hiperestesia leve e difusa, sem
nenhuma alteração orgânica, dores, sensações desagradáveis, hiper, hipo ou analgesias as
mais diversas e da mais variada extensão; as anestesias podem ser minimamente
circunscritas ou podem ocorrer em membros inteiros.
São bastante conhecidos os fenômenos conversivos com hemianestesia, (um
dimídio, ou metade do corpo, anestesiado) cegueira ou surdez psicogênicas. Em todos estes
casos a inervação permanece intacta.
A localização destes fenômenos tem sempre um caráter simbólico, o corpo adquire
um status de linguagem simbólica do inconsciente, e este fato é da maior importância em
psicoterapia. O corpo pode também expressar símbolos arquetípicos.
Aliás, não só no fenômeno de conversão a função sensação torna- se primordial no
processo de simbolização. Na verdade, em qualquer processo de simbolização, a função
sensação é primordial, pois as outras funções, intuição, sentimento e pensamento devem
sempre se associar conjuntamente ou em separado à sensação para que haja o fenômeno
simbólico a nível consciente, quer seja o símbolo somente como processo mental, quer seja
como processo corporal, nas conversões.

Alterações qualitativas da função sensação.

A função sensação sofre alterações quando o paciente começa a ter sensações


desagradáveis, “como um formigueiro”, que são fenômenos freqüentes nas neurites,
esclerose múltipla e mielites. Estas patologias revelam alterações endógenas da função
sensação, já que são alterações ao nível do próprio SNC e sistema nervoso periférico.
As alterações qualitativas exógenas, que se apresentam de modo idêntico, com
pruridos e sensação de formigueiro ocorrem nas intoxicações exógenas.

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Também nas psicoses afetivas, tanto unipolares quanto bipolares, alterações de
sensação corporal típicas podem ocorrer: o corpo é sentido como pesado, nas depressões, e
leve, anormalmente leve, em estados maníacos.
Uma situação clínica pode ilustrar bem os distúrbios patológicos da função
sensação, vistos sob o ponto de vista arquetípico.
Uma paciente de vinte e tantos anos procurou- me para terapia, com queixas de
estados depressivos que a impediam de estudar e executar tarefas simples do cotidiano.
Interessava- se por astrologia, e nas consultas iniciais trouxe seu mapa natal, no
qual a astróloga que consultou teria mostrado uma posição muito desfavorável do planeta
saturno e diagnosticou que minha paciente estaria sofrendo agora “o retorno de saturno” (de
29 em 29 anos). Embora não especializado em astrologia, pude manter a atitude simbólica
necessária ao analista junguiano, e incluir este dado entre o material simbólico da paciente.
Nos dados da infância, aparecia um complexo paterno extremamente negativo. Um
pai muito repressor, que tentava mesmo controlar a vida afetiva da paciente e a vida dos
outros membros da família, uma outra irmã mais velha e a mãe da paciente.
Nos períodos depressivos, a paciente relatava um interesse compulsivo pela
gravidade que prendia os objetos ao solo, a força que mantinha a mesa ao chão, a força que
mantinha os livros solidamente presos à mesa, a mesma força que a mantinha no solo e ao
leito. O peso dos objetos e de seu corpo ocupava também o centro de seus interesses, de
uma forma patologicamente exagerada.
Do ponto de vista arquetípico vemos o mesmo campo do arquétipo operando
nestas diversas situações, o arquétipo do pai devorador Saturno em seu psiquismo,
constelando uma grave depressão.
Sua sombra trás já a imagem do complexo paterno negativo, impedindo- a de se
mover criativamente em sua vida pessoal. O planeta Saturno, tem como mito o próprio deus
Crono ou Saturno, o devorador de seus próprios filhos. Ao planeta, está associado um mito,
o de Crono, e de também alquimicamente, um metal, o chumbo, o metal mais pesado, o
mais vil dos metais, ligado à prima matéria alquímica a ser purificada. O chumbo é o
próprio peso da depressão, e se contrapõe à leveza mercurial da imaginação. O chumbo está
presente nas fantasias depressivas de peso e força gravitacional dos metais.

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Foi proposto à paciente uma atividade lúdica com barro e moldagem de objetos
como vasos, outros utilitários e outros não utilitários, para que do concreto do barro se
chegasse à leveza mercurial da imaginação. Este foi um processo de grande transformação
psíquica e individuação a partir deste poderoso campo arquetípico sincronisticamente
constelado na sombra.
O caso clínico, ilustra, entre outras coisas, a importância das técnicas expressivas
em psicologia junguiana. As técnicas expressivas nos permitem trabalhar de forma bastante
direta e efetiva a função sensação patologizada.
É desnecessário lembrar que os pacientes neuróticos, mas principalmente os
pacientes psicóticos, têm um distúrbio bastante acentuado da função sensação, que não é
efetiva para a adaptação à realidade. As técnicas expressivas são auxiliares terapêuticos
importantes com estes pacientes.

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