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UNIVERSIDADE BANDEIRANTE DE SÃO PAULO

HISTÓRIA DAS CIÊNCIAS


Profa. Eleonora Domenico - 1º semestre de 2009

APOSTILA 6: Período Helenístico, o esplendor da cultura grega

Adaptado de:
CAMPOS, Flavio de & Miranda, Renan Garcia. Oficina de história. São Paulo: Moderna, 2000.
CHASSOT, Attico. A ciência através dos tempos. São Paulo: Moderna, 2004.
FARIA, Romildo P. (org.) Fundamentos de astronomia. Campinas: Papirus, 1987.
GARBI, Gilberto G. A rainha das ciências: um passeio pelo maravilhoso mundo da matemática. São Paulo: Editora
Livraria da Física, 2007.
PAPADOPOULOS, Evangelos. Heron of Alexandria. In: CECCARELLI, Marco (ed.), Distinguished figures in mechanism
and machine science: their contributions and legacies. Nova Iorque: Springer, 392 p.
RONAN, Colin A. História ilustrada da ciência da Universidade de Cambridge, volume 1: das origens à Grécia. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
SAGAN, Carl. Cosmos. Lisboa: Gradiva, 2001.
VRETTOS, Theodore. Alexandria: a cidade do pensamento ocidental. São Paulo: Odysseus Editora, 2005.

A Grécia Perde a Independência Política


A independência política da Grécia terminou em 338 a.C., com a conquista de seu território por
Felipe da Macedônia. Após o assassinato de Felipe, em 336 a.C., subiu ao trono seu filho, Alexandre, cujo
professor, o filósofo grego Aristóteles, ensinou-lhe o respeito à ciência e aos estudos. O jovem de vinte
anos herdara uma grande máquina de guerra e ambicionava conquistar todo o império Persa. Em 334
a.C., à frente de um exército de 35 mil homens, atravessou a Ásia Menor, conquistando os territórios
persas. Prosseguiu até o norte da África, chegando ao Egito, onde, em reconhecimento por libertar os
egípcios do domínio persa, foi proclamado faraó. Ali, em 332 a.C., fundou uma nova cidade, Alexandria,
que se tornaria a cidade mais importante do período helenístico. Alexandre, então, embrenhou-se na Ásia,
atravessando o Afeganistão em direção ao norte da Índia. Quando anunciou seus planos de penetrar mais
fundo na Índia, suas tropas exaustas se recusaram a continuar. Cedendo aos desejos dos soldados,
regressou em 324 a.C.

Alexandria e a Ciência Helenística


Ao vencer todas as batalhas, Alexandre (356-323 a.C), conquistou um império vastíssimo que incluía
Egito e Líbia na África, a Grécia na Europa, Gaza, Jerusalém, Síria e Mesopotâmia, no Oriente Médio,
além de terras que se estendiam até a Índia. Suas conquistas aproximaram o Ocidente do Oriente,
determinando o início de uma nova era, caracterizada por uma cultura híbrida que ficou conhecida como
helenismo. Neste período, a cultura grega se difundiu por todo o império de Alexandre, o que foi
favorecido pela fundação de cidades no estilo helênico. Cidades outrora egípcias, persas ou indianas
foram transformadas em cidades gregas e as pessoas que as habitavam adotaram a língua e os costumes
gregos.

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Com a morte de Alexandre, em 323 a.C, a
soberania sobre o Egito foi conferida a um general de
seu exército, Ptolomeu, que se tornou Ptolomeu I
Sóter (“soter” em grego significava “salvador”). A
dinastia ptolomaica durou três séculos e reinou no
Egito até 30 a.C., com quinze reis Ptolomeu.
Ptolomeu I fez de Alexandria (cidade ao norte do
Egito, situada no delta do rio Nilo) a capital de seu
reino. Lá construiu um farol e uma biblioteca que
funcionava como instituto de pesquisas científicas.

Ptolomeu visava promover uma fusão da cultura


grega com a egípcia e tornou Alexandria a grande
metrópole comercial (objetivo que foi favorecido por
sua localização privilegiada, estando situada entre o
Ocidente e o Oriente). Alexandria foi também a capital
intelectual e artística do mundo helenístico, tornando-
se ponto de confluência de diferentes culturas e
atraindo sábios de lugares variados.

A Biblioteca de Alexandria
Fundada no século III a.C., por Ptolomeu I e
desenvolvida principalmente por seu filho,
Ptolomeu II, a biblioteca de Alexandria foi o mais
célebre centro de pesquisa da Antiguidade.
Acredita-se que a biblioteca tenha reunido mais de
700 mil livros, sob a forma de rolos de papiros,
selecionados por filósofos, estudiosos de diversas
áreas e tradutores. Todos esses profissionais eram
assalariados da corte ptolomaica. A biblioteca
compreendia uma academia onde os sábios
debatiam suas teses, jardins onde se
colecionavam plantas de diferentes
localidades e animais exóticos, salas onde se
realizavam dissecações em animais e locais
com aparelhos para observações
astronômicas. Alexandria era o local que
reunia o maior número de sábios e as mais
ilustres mentes. Todo o conhecimento
reunido pela Antiguidade esteve ali presente.

Os reis ptolomeus que sucederam


Alexandre consideravam os avanços nas
ciências, na literatura e na medicina tesouros
do império. Por séculos, eles generosamente
apoiaram a pesquisa e o conhecimento, o
que representa um esclarecimento raro em
chefes de Estado, mesmo atualmente. Neste
período, os ideais helênicos de Felipe e
Alexandre atingiram seu ponto máximo.
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Cientistas da biblioteca
I. Matemática, física e engenaria

Euclides (323-285 a.C.)

Sabe-se pouco sobre sua vida. Da natureza de seu


trabalho, pode-se presumir que estudou com discípulos de
Platão, talvez na própria Academia. Com segurança, pode-se
dizer apenas que foi diretor da área de matemática da
biblioteca, que ali ensinou e escreveu os Elementos e outros
livros e que teve o auge de sua genialidade por volta de 300
a.C. Euclides escreveu cerca de uma dúzia de trabalhos que
abrangiam tópicos variados como matemática, ótica,
astronomia, música e mecânica, além de um livro sobre
secções cônicas. No entanto, do que Euclides escreveu, quase
metade se perdeu.

A biblioteca de Alexandria não diferia muito das


instituições modernas de cultura superior. Nela, parte dos
professores se notabilizava na pesquisa, outros eram melhores
como administradores e outros ainda eram conhecidos pela
capacidade de ensinar. Pelos relatos disponíveis na literatura, essa última parece ter sido a categoria na
qual Euclides se enquadrava. Sabe-se ainda que ele evidentemente não enfatizava as aplicações práticas
da matemática. Uma das histórias associadas a ele narra que, quando um estudante perguntou para que
servia a geometria, Euclides disse a seu escravo que desse ao estudante três moedas, porque ele
precisava ter lucro com o que aprendia.

Os elementos (Stoichia, em grego) foi um dos textos de


matemática mais bem sucedido de todos os tempos. A obra
foi escrita em treze volumes, dos quais quatro chegaram aos
nossos dias por intermédio dos árabes. Os elementos é, na
realidade, uma grande síntese, mas essa é a chave de seu
sucesso: trata-se de um livro-texto, isto é, de um material
didático para ensino aos iniciantes, abrangendo toda a
matemática elementar - a aritmética (estudo das operações
numéricas), a geometria (estudo do espaço e das figuras que
podem ocupá-lo) e a álgebra (estudo de equações). Sabe-se
da existência de livros-texto anteriores, inclusive o de
Hipócrates de Quios, mas estes foram perdidos.

A maior parte dos teoremas incluídos na obra de


Euclides, entretanto, foi descoberta por outros geômetras,
embora várias das provas sejam originais e outras tenham
sido refeitas ou aperfeiçoadas por ele. Assim, sua genialidade
não está na descoberta de teoremas, mas na organização
lógica com que os apresentou e os demonstrou, de forma
rigorosa e concatenada, preenchendo as lacunas deixadas
por outros.

Em Os elementos, Euclides reestruturou todo o


conhecimento da matemática e, principalmente, da geometria. Seu método de síntese, que se valia de
axiomas (premissa considerada verdadeira), postulados (fato reconhecido e ponto de partida de uma
argumentação), teoremas (proposição que pode ser demonstrada por meio de um processo lógico) e
provas (demonstrações), afetou profundamente a geometria e seu entendimento. A geometria euclidiana
foi considerada, até o século XIX, como plenamente capaz de explicar os fundamentos dessa área do

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conhecimento. Os elementos é o mais antigo livro de matemática ainda em vigor nos dias de hoje.
Certamente, nenhuma obra teve influência comparável.

Arquimedes (287-212 a.C.)

Arquimedes nasceu e viveu em Siracusa (atual território


da Itália), mas foi estudar com Euclides, em Alexandria, desde
muito cedo. Na biblioteca adquiriu uma sólida formação em
matemática e um grande interesse pela ciência. Ao encerrar
sua longa estada em Alexandria, retornou à sua cidade natal e
dedicou-se inteiramente à pesquisa. Seus feitos no campo da
matemática e da então incipiente física foram admiráveis.

Projetou engenhosos dispositivos mecânicos que o


tornaram famoso. Suas invenções impressionaram a
imaginação popular e marcaram presença no folclore a seu
respeito. Um de seus inventos mais populares é conhecido
como “parafuso de Arquimedes” (ou espiral de Arquimedes),
usado para transportar água de um nível mais baixo para
outro mais alto. Este dispositivo foi a primeira bomba de
elevação de água da história e era muito utilizado em irrigação
e para retirar água das minas, não só em Siracusa, mas
também em várias outras cidades.

O nome de Arquimedes é freqüentemente


associado ao uso de alavancas. Isto porque
devemos a ele a descoberta da “lei do equilíbrio
das alavancas” que hoje é amplamente
empregada. Utilizando esse princípio, ele construiu
um sistema de roldanas com o qual era possível
deslocar grandes pesos, exercendo uma pequena
força.

Conta-se que, para demonstrar a eficiência


de seu dispositivo, Arquimedes solicitou a um
grupo de soldados a retirada de um navio da tropa
real da água. Os soldados o fizeram com grande
esforço. Em seguida, ele amarrou um sistema de
roldanas ao navio e convidou o rei Hieron para
puxar a extremidade livre da corda. Sem empregar
grande força, Hieron conseguiu sozinho arrastar o
navio sobre a areia, causando surpresa geral e
fazendo aumentar ainda mais o prestígio de
Arquimedes.

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Arquimedes projetou para o rei de Siracusa, Hieron (com quem provavelmente tinha vínculos
familiares), máquinas e utensílios de guerra para defesa à constante ameaça de invasão pelas tropas
romanas. Um desses dispositivos era um espelho côncavo que, segundo registros, utilizando a radiação
solar, ateou fogo nos navios romanos quando estes estavam a poucos metros da cidade. Usando o
princípio das alavancas, Arquimedes também inventou as catapultas atiradoras de pedra, que atingiam os
romanos à medida que eles tentavam tomar Siracusa.

Uma das histórias mais conhecidas sobre


os trabalhos de Arquimedes refere-se à genial
solução dada por ele ao problema da coroa do rei
Hieron, que resultou na descoberta de uma nova
área da física, a hidrostática. Segundo registros
históricos, o rei havia prometido uma coroa de
ouro aos deuses que o protegeram em suas
conquistas. Entregou, então, certo peso de ouro
a um ourives para que esse confeccionasse a
coroa. Quando o ourives entregou a encomenda,
que tinha o peso igual ao do ouro que Hieron
havia fornecido, foi levantada a acusação de que
ele teria substituído certa porção de ouro por
prata. Arquimedes foi encarregado pelo rei de
investigar se esta acusação era, de fato,
verdadeira. Conta-se que, ao tomar banho (em
um banheiro público), observou que a água se
elevava à medida que mergulhava seu corpo e
percebeu que poderia resolver o problema.
Entusiasmado, saiu correndo despido e gritando
a palavra grega que se tornou famosa: “Eureka!
Eureka!” (isto é, “Achei! Achei!”).

Arquimedes conseguiu resolver o problema da seguinte maneira: (I) ele mergulhou em um recipiente
repleto de água um massa de ouro puro igual a massa da coroa e recolheu a água que transbordou; (II)
depois, ele encheu novamente o recipiente com a mesma quantidade de água, inseriu nele uma massa de
prata igual a da coroa e também recolheu a água que transbordou. Como a densidade da prata é menor, o
volume de água recolhido foi maior em relação ao ouro; (III) finalmente, mergulhou no recipiente cheio de
água a coroa em questão e constatou que o volume recolhido era intermediário em relação ao ouro e a
prata. Ficou, assim, evidenciado que a coroa não era de ouro puro. Este evento, fez com que Arquimedes
iniciasse uma série de experimentos que o levaram a descobrir o princípio que nos permite calcular o valor
do empuxo (força que atua em um corpo mergulhado em um fluido).
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Arquimedes é ainda de extrema importância entre os matemáticos. Ele foi o primeiro a calcular de
forma rigorosa o valor do π (pi), isto é, a razão entre a área do círculo e o quadrado de seu raio. Com
isso, resolveu uma grande questão em aberto da matemática da época, uma vez que o conhecimento do
valor do π era fundamental para o cálculo da área do círculo e do volume da esfera. Várias de suas obras
chegaram até nós tal como foram escritas (ou com pequenas distorções) e podem ser encontradas em
edições modernas: Sobre o equilíbrio das figuras planas, Sobre os corpos flutuantes, Sobre a esfera e o
cilindro, Sobre espirais, A quadratura da parábola, Sobre conóides e esferóides, A medida de um círculo,
O contador de grãos de areia e O método. Sabe-se que outros de seus trabalhos foram perdidos, entre
eles dois sobre mecânica (Sobre as alavancas e Sobre centros de gravidade), um sobre ótica, um sobre o
calendário e outro denominado Sobre a construção das esferas.

Apesar dos esforços de Hieron e das armas criadas por Arquimedes, a cidade de Siracusa, sitiada
durante cerca de três anos pelas tropas romanas, acabou sendo conquistada. O grande cientista foi morto
pela lança de um soldado quando sua casa foi invadida.

Eratóstenes (275 – 195 a.C.)

Eratóstenes, nativo da cidade grega de Cirene, estudou algum tempo em Atenas antes de ser
convidado por Ptolomeu III a ir para Alexandria, onde foi nomeado diretor da biblioteca, posição de maior
distinção. Chegou a Alexandria na mesma época que Arquimedes e foi amigo pessoal do matemático.
Ocupou o posto de diretor até 194 a.C., quando, após perder a visão por oftalmia (uma doença comum no
vale do Nilo), recusou-se a viver privado da leitura e morreu aos 81 anos por inanição voluntária.

Foi um dos maiores sábios da Antiguidade e escreveu sobre vários temas. Embora tenha
estabelecido os princípios da geografia, sua maior realização e a que lhe rendeu fama duradoura foi a
tentativa de determinar o perímetro da Terra. Conta-se que uma vez, lendo um papiro na biblioteca,
deparou-se com um relato curioso: ele leu que, ao sul da fronteira de Siena (cidade no sul do Egito,
atualmente chamada de Assuan, que fica muito próxima ao trópico de Câncer) no primeiro dia do verão
(21 de junho, no dia do solticio), ao meio-dia, a luz solar atingia o fundo de um grande poço, que em

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outros dias permanecia na sombra. Neste
momento, as colunas dos templos também não
projetavam sombra alguma, o que demonstrava
que o Sol estava incidindo perpendicularmente
ao chão.
Eratóstenes, então, conduziu um
experimento para saber se uma vareta projetava
sombra ao meio-dia, no dia 21 de junho, em
Alexandria (situada ao norte de Siena). Para sua
surpresa, a vareta projetava uma sombra bem
definida. Medindo o tamanho da sombra da
vareta na vertical, ele observou que em
Alexandria, no mesmo dia e hora, o Sol estava
incidindo aproximadamente sete graus mais ao
sul em relação ao chão. Eratóstenes conhecia a
distância entre Alexandria e Siena, pois havia
contratado um homem para calcular essa
distância em passos. A distância entre ambas as
cidades era de 5000 estádios (aproximadamente
800 km). O estádio era uma unidade de
distância usada na Grécia antiga.

Como 7 graus corresponde a


aproximadamente 1/50 de um círculo (360
graus), Alexandria deveria estar a 1/50 da
circunferência da Terra ao norte de Siena e a
circunferência da Terra deveria ser 50 × 800 km.
Assim, a distância total para se dar uma volta na
Terra seria de cerca de 4000 km. Hoje sabemos
que é 40076 km e, portanto, o cálculo estava
correto apenas com uma pequena margem de
erro. Foi um cálculo notável para 2200 anos
atrás.

Depois de ter chegado a uma estimativa


razoavelmente precisa da circunferência e do diâmetro da Terra, passou a estabelecer os fundamentos da
geografia. Seu livro Geográfica continha um mapa que pela primeira vez apresentava um sistema de
paralelas de latitude (embora os chineses tenham desenvolvido o mesmo
método independentemente). Lamentavelmente, seus grandes tratados
geográficos e científicos estão perdidos. Dos poucos fragmentos que
chegaram até nós, encontra-se a descrição do curso rio Nilo e seus
afluentes. Além de cartógrafo competente, escreveu sobre matemática,
astronomia, filosofia, história, teatro e poesia. Sabemos da existência
desses trabalhos pelas referências que autores contemporâneos a ele
fazem a respeito dessas obras.

Heron (10-82 d.C.)

Heron (também referido como Hero ou Herão) de Alexandria foi um


matemático, físico e engenheiro, que ficou conhecido por projetar o
primeiro motor a vapor documentado, a eulípila. São conhecidas diversas
obras com sua assinatura (algumas com reedições atuais), sendo:
● Cinco na área de matemática - Metrica, que descrevia como
calcular áreas e volumes de diversos objetos; Geometrica, que
apresentava as equações para cálculos geométricos; Estereometrica, que
abrangia cálculos para objetos tridimensionais; Mensurae (Medição) e
Definitiones (Definições), que definiam medidas e termos geométricos
respectivamente.

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● Três na área de mecânica, Máquinas de guerra e Mecânica, em que tratam de diversas máquinas
e do movimento circular, e Pneumática, no qual descreveu os princípios de funcionamento de sua
máquina a vapor.
● Um na área de ótica, Catoptrica, onde demonstrou os fundamentos da propagação retilínea da luz
e a lei da reflexão.
● Um de astronomia, Dioptra; entre outras.
Foi inventor de instrumentos precursores do termômetro, do odômetro e de portas automáticas.
Suas máquinas de propulsão ilustram o princípio científico da terceira lei de Newton.

II. Medicina

Herófilo (início de séc. III a.C.)

Nascido na Calcedônia (uma cidade do Bósforo, estreito no limite dos continentes asiático e
europeu, atual território da Turquia), no final do século IV a.C. Sabemos que estudou medicina em Cós e
que foi convidado por Ptolomeu I para ir à Alexandria quando Euclides ali trabalhava. Beneficiando-se do
fato de que, em Alexandria, a dissecação dos corpos humanos não encontrava a mesma desaprovação
que recebia em outras cidades gregas a biblioteca, Herófilo se tornou o fundador da anatomia humana e
foi um de seus maiores médicos. Seu trabalho intitulado Sobre dissecações contém descrições
anatômicas detalhadas e de alta qualidade. Ele estudou o sistema vascular, distinguindo artéria, capilares
e veias (sendo o primeiro a utilizar esses termos), planejou um método para classificar a pulsação de
acordo com suas taxas e seus ritmos (dependendo da idade e da constituição do paciente) e fez
descrições precisas do cérebro, dos tendões, dos nervos e do olho. Concluiu que o corpo é governado por
quatro forças: o calor, no coração; a percepção, nos nervos; a nutrição, no fígado e o pensamento no
cérebro. Além disso, ele passou a usar muitas drogas em tratamentos e acreditava na eficácia da sangria
para a cura das doenças. Seu trabalho pioneiro na obstretícia estabeleceu um modelo para as gerações
futuras e o compêndio que escreveu sobre o tema permaneceu em uso por séculos. Ele descobriu os
ovários e comparou com os testículos masculinos. Herófilo, assim como a maior parte do médicos da
época, foi influenciado por Hipócrates, cujo livro Corpus era um texto fundamental para o entendimento da
medicina antiga.

Erasístrato (cerca de 310 a 250 a.C)

Erasístrato foi o sucessor de Herófilo no comando da escola de medicina de Alexandria, sendo


pioneiro no estudo da fisiologia e da anatomia comparada e patológica. Em suas observações anatômicas,
ele registrou que os vasos sanguíneos dividiam-se sucessivamente até diminuírem tanto de tamanho que
se tornavam invisíveis ao olho humano. Sustentou que as artérias continham apenas ar e que as veias
continham sangue. Considerava que o coração, de um lado, bombeava a respiração e, do outro, o

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sangue, que segundo ele era produzido no fígado. Foi o primeiro médico a desconsiderar a desatualizada
teoria dos humores de Hipócrates e dar a devida importância à higiene e aos exercícios físicos para a
manutenção da saúde.

Aurélio Cornélio Celso (século I d.C.), um enciclopedista do período romano, em seu tratado Da
medicina, revelou que tanto Herófilo quanto Erasístrato praticavam vivissecção de seres humanos,
retirando criminosos das prisões, com a permissão do rei, para dissecá-los vivos. Eles acreditavam que
ninguém poderia administrar os remédios apropriados sem conhecer as diversas indisposições que
atacavam as partes internas do corpo. Portanto, era necessário dissecar corpos vivos para se observar,
enquanto ainda respiravam, todas as partes ocultas do corpo e se conhecer a posição, forma, cor,
tamanho e textura dos órgãos saudáveis. Somente assim o médico poderia distinguir, em caso de doença,
as partes em perfeito estado e as partes afetadas. Para Erasístrato, não se tratava de uma prática cruel,
pois “torturando uns poucos culpados, toda a raça humana inocente poderia ser salva”.

Galeno (século II a.C.)

Ao lado de Hipócrates, Cláudio Galeno foi considerado o mais importante médico do mundo antigo.
Nasceu em Pérgamo, uma próspera cidade da Ásia Menor. Seu pai, Nícon, era um rico arquiteto que
projetou e construiu imponentes edifícios desta nobre cidade. Quando jovem, Galeno foi instruído em arte,
literatura, filosofia e língua grega. Aos 16 anos, iniciou seus estudos de medicina em Pérgamo, e, cerca de
cinco anos depois, foi para Alexandria. Lá permaneceu um período considerável estudando, fazendo
experiências e escrevendo. Quando terminou seus estudos, viajou para Roma, onde alcançou rápido
sucesso após ter curado cidadãos proeminentes do império. Por volta de 168 d.C., foi médico pessoal do
imperador Marco Aurélio. No final de sua vida retornou para Pérgamo, dedicando-se à escrita.

O trabalho de Galeno na anatomia e na fisiologia foi prejudicado pela dificuldade de se obter


cadáveres humanos para a dissecação, de modo que, seu trabalho, assim como o de Aristóteles, baseou-
se fundamentalmente na análise de corpos de animais. Como médico, seguiu a tradição hipocrática, mas,
por influência de sua formação nos moldes clássicos, ao se encontrar diante de problemas de anatomia e
fisiologia, recorreu a Aristóteles e adotou o conceito da alma tripartida (nutritiva, animal e racional).

Aristóteles chamara a atenção para a importância do sangue na formação dos tecidos do embrião e
na nutrição e manutenção do adulto. Erasístrato, por sua vez, estabeleceu uma relação entre digestão e
sangue, por intermédio do fígado. Para ele, o alimento digerido no estômago e no intestino passava para o
fígado como quilo e ali era convertido em sangue. Do fígado, pela veia cava, o sangue entrava no lado
direito do coração, nutria os pulmões e daí partia para o resto do corpo. Galeno concordou com essas
duas teses, mas não aceitava outras idéias desses dois autores. Por exemplo, ao estudar a distribuição do
sangue em um animal, Aristóteles defendia que ele deveria ser estrangulado, antes de ser dissecado para
que o sangue ficasse retido no resto do corpo. Esse método porém fazia com que as artérias parecessem
tubos vazios e isso induziu muitos médicos ao erro, inclusive Erasístrato. Galeno, no entanto, a partir de
observações próprias, concluiu que o sangue estava normalmente presente em todas as artérias, mas
admitiu que a principal função do ar inspirado era resfriar o sangue e que se misturava a este último no
coração após entrar neste órgão pela artéria pulmonar.

Galeno distinguiu os ossos com e sem cavidade medular, descreveu a caixa craniana e o sistema
muscular, pesquisou os nervos do crânio, reconheceu os nervos raquidianos (nervos que ligam a medula
espinhal aos músculos esqueléticos) e parte do sistema simpático. Ele também foi o primeiro a demonstrar
que o rim é um órgão excretor de urina. Galeno influenciou muitas gerações de médicos e pesquisadores.
Foi um dos autores mais produtivos da Antiguidade. Muitos de seus trabalhos tornaram-se marcos na
história da medicina. Dos seus tratados que chegaram até nós, destacam-se Sobre procedimentos
anatômicos, em que demonstra as técnicas de dissecação, Higiene, que era um manual para prevenção
de doenças, e Antídotos, que reunia um grande número de receitas de botânica médica, toxicologia e
farmacologia. Ao todo, produziu mais de 500 tratados sobre temas tão variados como lógica, ética,
gramática e medicina, mas a maior parte de seus estudos se perderam.

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III. Astronomia

Aristarco de Samos (310 – 230 a.C.)

Aristarco de Samos foi o primeiro astrônomo a


propor a teoria heliocêntrica, antecipando-se a
Copérnico por mais de um milênio e meio; mas a maior
parte do que ele escreveu esses assuntos se perdeu. O
que restou de sua obra foi um tratado, talvez escrito em
cerca de 260 a.C., intitulado Sobre os tamanhos e as distâncias do Sol e da Lua. Nele Aristarco afirma que
as estrelas são fixas e o Sol está parado, ocupando o centro do universo, enquanto a Terra, assim como
os demais planetas, realiza uma órbita circular em torno dele. Aristarco acreditava que a Lua recebia sua
luz do Sol e, medindo essa luz nela projetada, fez estimativas da distância entre os dois corpos celestes.
Além disso, calculando a dimensão a sombra da Terra projetada na Lua durante o eclipse lunar, estimou a
distância do Sol e da Lua, bem como o perímetro destes astros. Os valores das medidas astronômicas
obtidos por Aristarco, em unidades do diâmetro da Terra e os valores atuais para tais medidas são:
diâmetro da Lua - 0,36 (valor atual - 0,27); diâmetro
do Sol - 6,75 (valor atual - 108,9); distância da
Terra à Lua - 9,5 (valor atual - 30,2); distância da
Terra ao Sol -180 (valor atual - 1176). Como
vemos, com exceção do diâmetro da Lua, as
medidas de Aristarco foram bastante imprecisas.
Assim como Galileu foi atacado e condenado
muitos séculos depois por defender o
heliocentrismo, Aristarco também teve de
responder a muitas acusações e sua teoria foi
rejeitada pela maior parte dos astrônomos
alexandrinos.

Hiparco (século II a.C.)

Hiparco foi um astrônomo e matemático que nasceu em Nicéia, uma cidade da Anatólia (hoje parte
da Turquia) no século II a.C. Ele também viveu na cidade de Alexandria, mas trabalhou sobretudo em
Rodes (na Grécia atual), onde construiu um observatório através do qual compilou um catálogo com a
posição e o brilho de 850 estrelas do firmamento. Foi Hiparco quem introduziu o conceito de grandeza,
associado ao brilho (e não as dimensões) das estrelas. Ele chamou as estrelas mais luminosas de
estrelas de “primeira grandeza”, assim prosseguindo até as menos brilhantes, no limite da visibilidade
humana, que seriam as estrelas de “sexta grandeza”. Atualmente, esse conceito foi substituído por
“magnitude”, uma escala logarítmica obtida através de instrumentos muito sensíveis. Hiparco descobriu
que as estrelas nascem, sofrem modificações ao longo de séculos e acabam por morrer e seu catálogo
estelar, além de indicações da posição, estabelecia “grandeza” (ou magnitude) de cada estrela de modo a
permitir a detecção dessas mudanças.

Assim como a maioria dos matemáticos de sua época, Hiparco foi influenciado pelos babilônios e,
portanto, acreditava que a melhor base numérica para realizar contagens era a base 60. Assim, ao dividir
a circunferência, ele escolheu um múltiplo do número 60. Para Hiparco, cada uma das 360 partes iguais
em que dividiu a circunferência foi chamada “arco de 1 grau”. E cada “arco de 1 grau” foi dividido em mais
60 partes iguais chamadas “arco de 1 minuto”. Finalmente, cada “arco de 1 minuto” foi dividido em outras
60 partes iguais os “arcos de 1 segundo”. Esse sistema ainda é utilizado atualmente. Por esta razão,
Hiparco é considerado por muito estudiosos o fundador da trigonometria.

Naturalmente, na época em que viveu Hiparco não havia telescópios. Seu observatório era apenas
um local de onde podia passar horas estudando o céu a olho nu, embora usasse instrumentos capazes de
fazer medições de ângulos que ele mesmo construía e que o fez se destacar também pelo método e rigor
de suas observações. Apesar dos esforços de Aristarco, foi Hiparco que deduziu o valor correto para a
razão entre o tamanho da sombra que a Terra projeta na superfície da Lua, concluindo que a distância
entre a Lua e a Terra está entre 62 e 74 vezes o raio da Terra (o resultado real fica entre 57 e 64).

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Infelizmente, porém, Hiparco não deixou muitos escritos e as citações ao grande astrônomo aparecem
principalmente no trabalho de Ptolomeu, na sua obra Almagesto.

Ptolomeu (cerca de 100 a 170 d.C.)

Não há dúvida de que Hiparco representou o melhor da observação astronômica grega e que seus
resultados estimularam o trabalho do astrônomos de Alexandria. Três séculos mais tarde, suas
realizações deveriam ser preservadas para nós pelo astrônomo Ptolomeu em seu vasto compêndio
astronômico intitulado Almagesto. Em grego, o livro foi primeiro conhecido como Mathematike syntaxis
(Compilação matemática), e depois, como He megiste syntaxis (A maior compilação), que os árabes
chamaram de Al majisti (O maior), e que mais tarde se tornou Almagesto. Mas, qualquer que seja sua
denominação, o livro marca o ponto máximo da astronomia grega, reunindo os resultados do que há de
melhor em seus trabalhos. Foi a base da astronomia até o século XVII. Sua tese de que a Terra ocupava o
centro do universo foi aceita durante 14 séculos e adotada como dogma da Igreja, até ser posta à prova
pelas teorias de Copérnico e Galileu.

Apesar de ter o mesmo nome da família real não, tinha nenhuma relação de parentesco com os reis
de Alexandria. Nasceu provavelmente no Alto Egito, mas parece que passou toda a vida em Alexandria,
onde morreu. Ptolomeu também escreveu sobre ótica (seu original se perdeu, mas ainda existe uma
tradução posterior) e um grande e valioso tratado sobre geografia intitulado Geographike (Geografia), que
consistia de uma tentativa de mapear o mundo conhecido com suas latitudes e longitudes. A principal obra
do autor, contudo, foi o Almagesto. Dividida em 13 livros, constitui a síntese dos resultados obtidos pelos
astrônomos gregos da Antiguidade e é a principal fonte de conhecimento a respeito do trabalho de
Hiparco. Como vimos, Hiparco elaborou o primeiro catálogo estelar, com as posições de 850 estrelas.
Ptolomeu deu continuidade a esse trabalho e registrou em seu catálogo 1.022 estrelas. A obra explica
também a construção do astrolábio, instrumento inventado por Ptolomeu para calcular a altura de um
corpo celeste acima da linha do horizonte. A parte final, dedicada aos planetas, é a contribuição mais
original do autor à astronomia.

Baseado nas idéias de Hiparco, Ptolomeu adotou o sistema geocêntrico, que situa a Terra no centro
do universo e, girando em torno dela, Mercúrio, Vênus, a Lua, o Sol, Marte, Júpiter, Saturno e as estrelas.
Todos esses astros descreveriam, em suas órbitas, círculos perfeitos, conforme ensinavam Platão e

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Aristóteles. Contudo, o modelo ptolomaico traz modificações em
relação ao modelo aristotélico. Segundo Ptolomeu:

● A Terra também era fixa, mas não estava exatamente


no centro de rotação das esferas (este ponto deslocado do
centro foi por Ptolomeu de equante)
● O Sol e os planetas podiam ter dois tipos de
movimentos circulares, um ao redor da Terra e outro em torno
de um ponto que também realiza uma órbita circular (este
segundo tipo de movimento foi denominado epiciclo).

Apesar de utilizar movimentos circulares padrão, o que


Ptolomeu realmente conseguiu do ponto de vista moderno foi
dar aos planetas órbitas ligeiramente elípticas. Com tais
inovações, o modelo ptolomaico descrevia satisfatoriamente
fenômenos que podiam ser estudados na época, previa as
trajetórias dos planetas e harmonizava-se com os pressupostos
filosóficos do sistema que compunha o universo, além de ser
evidente do ponto de vista do senso comum.

Hipácia (370-415 d.C)

O último cientista a trabalhar na biblioteca foi uma mulher, a Hipácia, que distinguiu-se na
matemática, na astronomia, na física e na filosofia. Hipácia nasceu em Alexandria, numa época em que as
mulheres tinham poucas oportunidades. A Alexandria neste período, que estava desde o século III sob o
domínio romano, era uma cidade em que se vivia sob grande pressão. A escravidão tinha suprimido a
vitalidade da civilização clássica e a Igreja Cristã consolidava-se e tentava eliminar a cultura pagã. Hipácia
encontrava-se no meio dessas poderosas forças sociais. Cirilo, o arcebispo de Alexandria, desprezava-a
por causa da sua relação estreita com o governador romano, e porque ela era um símbolo da sabedoria e
da ciência, que a Igreja nascente identificava com o paganismo. Apesar do grande perigo que corria,
continuou a ensinar e a publicar até que no ano de 415 d.C., quando foi brutalmente assassinada por um
grupo de fanáticos partidários do arcebispo Cirilo. Seus restos foram queimados e seus trabalhos
destruídos.

O destino da ciência grega

A Biblioteca de Alexandria foi incendiada no mesmo ano (415 d.C.) pelas ordens seguidas por
monges cristãos que a viam como um centro herético. Depois disso, Alexandria nunca recuperou sua
posição como centro de ensinamentos e caiu num completo esquecimento até um incêndio que a destruiu
completamente em 640 d.C. Mas muito antes disso, os sábios tinham fugido, levando consigo valiosos
manuscritos; e como veremos adiante, foi no mundo mulçumano que os ensinamentos gregos foram
preservados para serem recuperados na Europa medieval.

Exercícios
1. Qual foi o papel de Alexandre na difusão da cultura grega?

2. Quais são as principais diferenças entre a cultura grega do período clássico e a cultura
helenística?

3. Qual foi o centro produtor e difusor do conhecimento do período helenístico?

4. Onde se localizava?

5. Descreva-o sucintamente.

6. Cite dois cientistas que se destacaram no período helenístico e descreva os principais aspectos
de suas obras.
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7. Utilize as alternativas abaixo para completar as lacunas das frases que se seguem.

(A) Eratóstenes
(B) Aristarco de Samos
(C) Euclides
(D) Ptolomeu
(E) Hipácia
(F) Erasístrato
(G) Herófilo
(H) Arquimedes
(I) Galeno
(J) Heron

( ) concebeu a versão mais elaborada do modelo geocêntrico, geógrafo, dedicou-se ainda ao


estudo da óptica.
( ) foi pioneiro no estudo da patologia clínica e da fisiologia.
( ) dedicou-se à matemática, à física e à engenharia; é o fundador da hidrostática.
( ) escreveu o famoso Os elementos de Geometria.
( ) foi a última cientista da biblioteca; foi morta por seguidores de monges cristãos no mesmo ano
em que a biblioteca foi incendiada pela Igreja.
( ) fez a primeira estimativa do raio da Terra.
( ) foi o fundador da escola de medicina de Alexandria; destacou-se no estudo da anatomia.
( ) foi inventor de engenhos mecânicos notáveis como o primeiro motor a vapor.
( ) fez a primeiras tentativas de estimar os diâmetros do Sol e da Lua, as distâncias relativas entre
estes astros e as distâncias destes astros à Terra.
( ) é um dos médicos mais famosos da Antiguidade; escreveu numerosos livros sobre assuntos
variados, tais como filosofia, gramática e medicina; influenciou gerações de estudantes de medicina.
( ) foi autor da teoria heliocêntrica mais bem fundamentada da Antiguidade.

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