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Mensagem de Fernando Pessoa

BRASÃO
O DAS QUINAS
Os Deuses vendem quando dão.
Compra-se a glória com desgraça.
Ai dos felizes, porque são
Só o que passa!
Baste a quem baste o que lhe basta
O bastante de lhe bastar!
A vida é breve, a alma é vasta:
Ter é tardar.
Foi com desgraça e com vileza
Que Deus ao Cristo definiu:
Assim o opôs à Natureza
E Filho o ungiu.

O poeta faz uma série de afirmações paradoxais – “Os deuses vendem quando dão”
-, ou baseadas em jogos de palavras – “Baste a quem basta o que lhe basta” – com um único
objetivo: mostrar que para se atingir a grandeza, para se conquistar a glória é indispensável
estar disposto a sofrer – “Compra-se a glória com a desgraça”. Qual será, pois, o destino do
Homem, mais particularmente o do Homem português? O mesmo de Cristo: tal como Ele, os
portugueses só ascenderão a um plano superior, transcendendo-se, superando as limitações
da própria vida, por natureza efémera – “A vida é breve, a alma é vasta”. Estão, então,
traçadas as potencialidades da alma portuguesa, uma alma que se afirma “vasta”, grande –
será esta grandeza de alma que presidirá todos os heróis de Mensagem. Se se descodificar
o titulo do poema, “as quinas” correspondem às cinco chagas de Cristo, símbolo do
sofrimento e morte redentores da humanidade. Por conseguinte, as quinas são, desde logo,
a expressão de que só o sacrifício conduz à redenção e à glória, projetando a missão de
Portugal para um plano de espiritualidade.
VIRIATO
Se a alma que sente e faz conhece
Só porque lembra o que esqueceu,
Vivemos, raça, porque houvesse
Memória em nós do instinto teu.
Nação porque reencarnaste,
Povo porque ressuscitou
Ou tu, ou o de que eras a haste —
Assim se Portugal formou.
Teu ser é como aquela fria
Luz que precede a madrugada,
E é já o ir a haver o dia
Na antemanhã, confuso nada.

“Viriato” é o primeiro símbolo histórico do nosso “Brasão”, um dos sete castelos, isto é, uma
das sete fortalezas que grantiram a nossa independência.
Há uma progressão na apresentação do herói mítico como símbolo da alma lusitana: “raça,
memória, nação, povo, Portugal.” O ressurgimento de Portugal no presente da sua formação
depende da lembrança do “instincto teu”, de Viriato, que faz a alma, o sentimento e a obra
nacionais: “Se a alma que sente e faz conhece “. Nesse passado/presente Viriato é
metaforicamente a haste de uma árvore genealógica nacional.
À semelhança dos Tempos vindouros em “O Encoberto”, este herói é um “confuso nada”, por
isso também um mito; uma luz, tal como o sol em “ Ulisses”, na “antemanhã da nossa
madrugada”, no adro da nossa existência enquanto nação. Confirma-se assim uma
perspectiva cíclica do tempo, pois são os simbolos que se reptem, contrariamente aos factos.
Quanto à sua estrutura, pode dizer-se que o poema é composto por três quadras, de versos
octassilábicos. A rima é cruzada, alternativamente grave e aguda nas duas primeiras
quadras e só grave na terceira. O discurso apresenta-se na primeira pessoa do plural e o
interlocutor na segunda do singular, denotando uma familiariade, proximidade com o
mesmo.
O CONDE D. HENRIQUE
Todo começo é involuntário.
Deus é o agente,
O herói a si assiste, vário
E inconsciente.
À espada em tuas mãos achada
Teu olhar desce.
«Que farei eu com esta espada?»
Ergueste-a, e fez-se.
O Conde D. Henrique, contribuiu para a fundação de Portugal, para a criação da nossa
nacionalidade, foi o fundador do Condado Portucalense.
Apesar de o poema possuir este título, pouco está ele relacionado directamente com a
personagem. O texto ultrapassa mesmo a figura de Conde D. Henrique através de afirmações
altamente simbólicas. Na 1ª estrofe, o herói (Conde D. Henrique) actua como agente de
Deus, comandado por uma força que o transcende, uma força que o faz agir
inconscientemente.
Dá-se portanto início a um percurso espiritual. O que este percurso pretende atingir, é a
ideia de que mais importante do que a terra (matéria), é o espírito, os valores sobre os quais
ele (herói) vai criar as suas raízes.
Podemos de certa forma, através deste conceito de herói inconsciente, fazer a seguinte
questão de teor filosófico: até que ponto é que o Homem é autónomo? Resumidamente,
nesta 1ª estrofe o herói imóvel assiste ao desenrolar involuntário de alguma acção.
A espada, símbolo de guerra, de morte. Será esta a mensagem que Pessoa quererá fazer
passar? Não, aqui a espada funciona paradoxalmente. Não é de guerra verdadeira que fala o
poeta, é de guerra à ignorância. Poderá ainda ser interpretada como símbolo fálico, pela sua
forma longa e comprida, simbolizando a fecundação dos campos, a criação de vida.
Ora, nesta 2ª estrofe o herói desce o olhar na espada e faz aquela interrogação retórica «Que
farei eu com esta espada?»: Pessoa conclui então o poema com a finalização do acto, a
concretização de algo por parte do herói, o nascimento de Portugal.

D. TAREJA
As nações todas são mistérios.
Cada uma é todo o mundo a sós.
Ó mãe de reis e avó de impérios.
Vela por nós!
Teu seio augusto amamentou
Com bruta e natural certeza
O que, imprevisto, Deus fadou.
Por ele reza!
Dê tua prece outro destino
A quem fadou o instinto teu!
O homem que foi o teu menino
Envelheceu.
Mas todo vivo é eterno infante
Onde estás e não há o dia.
No antigo seio, vigilante,
De novo o cria!
D. Tareja mais não é que a fonia medieva de D. Teresa, mãe de Afonso Henriques e por isso
começo e origem de Portugal, pelo menos simbolicamente.
A primeira quadra do poema diz-nos que cada nação é um “mundo a sós”, que todas “são
mistérios”. O mistério, para o ocultista, é apenas o destino ainda por ser, o destino que
espera ser cumprido no futuro e que por isso se vai necessariamente revelar. A “mãe de reis
e avó de impérios” é o começo do revelar desse “mistério”, desse destino por ser. Cumpre-
se nela o mistério no nascimento do nosso primeiro rei, efectivo instrumento e agente do
destino nas suas obras. D. Teresa de facto é mãe de reis – D. Afonso Henriques – e avó de
impérios – se entendermos que a partir de Afonso, a ideia de Império se começaria a formar.
Na segunda quadra indica-se que D. Teresa amamentou com “seio augusto” – D. Teresa era
filha do rei de Leão e Castela D. Afonso VI – e com “bruta e natural certeza”, “o que,
imprevisto, Deus fadou”. A “bruta e natural certeza”, decerto é uma directa referência à
maneira como, depois de criar o futuro rei, este entrou em conflito com a sua mãe,
batalhando-a para o controlo do Condado Portucalense, em 1128. Imprevisto era também o
novo rei, porque vizinho de grandes potências, que iriam forçá-lo a lutar sobremaneira para
se afirmar no futuro, contra as maiores probabilidades do seu fracasso do que do seu
sucesso. Mas D. Afonso Henriques, “fadado por Deus”, não iria vacilar.
A terceira quadra parece ser a mais simbólica e por isso de mais difícil interpretação.
Parece-nos no entanto claro que Pessoa, nas duas primeiras linhas, se refere aos actuais
governantes (actuais, claro dos anos de 1930 em Portugal). “Dê a tua prece outro destino, a
quem fadou o instinto teu!”: Tem de se ler esta passagem como: “que a tua prece nos guie
em melhor direcção, do que aquela que seguimos por ordem de quem deu seguimento
hodierno ao que tu iniciaste”. Critica social implícita, parece esta ser a melhor interpretação
para esta passagem. Tal como “o teu menino envelheceu” poderá nada mais significar que a
memória do rei primeiro, do impulso e da vontade de independência e de orgulho se iam
diluindo, sobretudo desde o triste episódio do mapa cor-de-rosa com Inglaterra e o
crescente diminuir do poder de Portugal no mundo, ainda ultramarino, mas cada vez mais
pobre e isolado, deitado a uma ditadura soturna, sem indústria, sem riqueza e sem
originalidade.
Veja-se que a última quadra confirma o que dissemos da terceira: “todo o vivo é eterno
infante”, ou seja, e mais coloquialmente: a esperança nunca deve ser perdida. Há dentro do
homem o poder regenerativo de alterar as coisas, fazer revoluções, voltar à origem para
melhorar, para ser maior do que pode ser. “Infante” ou menino, “infante” ou original. Pede
Pessoa, a D. Teresa ou mesmo ao infinito, que de novo se crie esse português ambicioso e
original, movido pela vontade e pelo destino de ser maior do que pode ser. O “antigo seio”
lá está, “vigilante”, D. Teresa que deu luz ao primeiro rei, para servir de modelo, de arquétipo
sem vida, mas com mais do que apenas vida, já feito símbolo, origem, nascente de toda a
nobreza e coragem de superar as adversidades.
D. AFONSO HENRIQUES
Pai, foste cavaleiro.
Hoje a vigília é nossa.
Dá-nos o exemplo inteiro
E a tua inteira força!
Dá, contra a hora em que, errada,
Novos infiéis vençam,
A bênção como espada,
A espada como bênção!
D. Afonso Henriques é apelidado pelo poeta de “Pai”. Ele é, simultaneamente, “Pai” e
“cavaleiro” – Pai, porque fundador da nacionalidade e, por isso, pai dos portugueses;
cavaleiro, porque, com a “espada”, defendeu e conquistou o território português, mas
também se assumiu como defensor da fé. Então, o poeta pede-lhe que, nos dias de hoje, ele
sirva de exemplo aos portugueses e que a sua força inspire a uma ação que vença os “novos
infiéis”, ou seja, todos aqueles que se opõem à missão espiritual e providencial de Portugal
que, para o poeta, é uma certeza inabalável.

D. JOÃO O PRIMEIRO
O homem e a hora são um só
Quando Deus faz e a história é feita.
O mais é carne, cujo pó
A terra espreita.
Mestre, sem o saber, do Templo
Que Portugal foi feito ser,
Que houveste a glória e deste o exemplo
De o defender,
Teu nome, eleito em sua fama,
É, na ara da nossa alma interna,
A que repele, eterna chama,
A sombra eterna.

D.João foi mestre sem saber, defensor do templo sagrado da pátria e a eterna chama de
Portugal, Pessoa retrata o rei como alguém eleito por Deus, e também como um grande
homem e guerreiro que fez de tudo para salvar o país.

Existem três momentos neste poema 1º momento há uma interligação entre Deus e o
sujeito pois o destino é traçado por Deus, no 2º momento Fernando pessoa elogia o seu
patriotismo, onde refere que ele foi um grande homem e guerreiro que fez de tudo para
salvar o país, e o 3º momento há uma imortalização do Rei, a antítese “eterna
chama”/”sombra eterna” pretende dar a ideia que D.João I nunca será esquecido e estará
sempre vivo em todos os portugueses (eterna chama). No entanto, fisicamente, ele já não
está entre nós, está morto (sombra eterna).

D. FILIPA DE LENCASTRE
Que enigma havia em teu seio
Que só génios concebia?
Que arcanjo teus sonhos veio
Velar, maternos, um dia?
Volve a nós teu rosto sério,
Princesa do Santo Gral,
Humano ventre do Império,
Madrinha de Portugal!

D. Filipa de Lencastre além do papel que desempenhou ao estreitar relações com a


Inglaterra exerceu alguma influência a D.João I na conquista de Ceuta . Verificamos assim o
quanto foi importante para a História de Portugal e sobretudo como Mãe , que criou uma
geração de grande talentos, foi graças á educação que deu que levou aquela geração levar
o nosso país a um período áureo ( os descobrimentos marítimos), tanto a nível económico
como a nível cientifico e histórico. Portugal será sempre lembrado por estes grandes
feitos.
Neste poema há uma referencia a arcanjo ( braço direito de Deus) por parte do poeta, veio
afirmar a vontade de Deus, para os futuros efeitos gloriosos dos portugueses nas
descobertas marítimas.
A referência “princesa do Santo Graal” deve ser interpretada como “princesa mística”
porque esta foi predestinada por Deus para ser mãe dos príncipes da geração. Graal
refere-se á taça onde Cristo bebera na última ceia.
O nome dado por Fernando Pessoa a D.Filipa de Lencastre “Madrinha de Portugal” é
devido á educação que esta deu aos seus filhos e que os permitiu ser tão distintos e
gloriosos.

REI DE PORTUGAL
Meu dever fez-me, como Deus ao mundo.
A regra de ser Rei almou meu ser,
Em dia e letra escrupuloso e fundo.

Firme em minha tristeza, tal vivi.


Cumpri contra o Destino o meu dever.
Inutilmente? Não, porque o cumpri.
Na primeira estrofe, o herói simbólico assume que o seu Ser foi totalmente determinado
pelo seu dever, tal como o mundo de Deus. Consequentemente, podemos deduzir a sujeição
do homem, fazendo também ele parte do mundo, à vontade de Deus.
No segundo verso compreende-se que esse dever é dos maiores, o “ de ser Rei”, aquele a
quem se lhe exige” regra”, que seja “ firme”, representando interesses de um povo e de uma
nação, mesmo que isso lhe custe disabores e sofrimentos: “em minha tristeza, tal vivi “ .
A mitificação do herói simbólico é totalmente conseguida quando reconhece que esse dever
de rei venceu a própria vontade do Destino, que esteve sempre contra ele. É a prova cabal
de que o homem pode traçar a sua própria vida, desde que seja estóico a suportar as
armaguras da vida, vendo-as como meio de cumprir a sua missão no mundo; daí que nada,
nem as tristezas, são inúteis: “Inutilmente? Não, porque o cumpri.”
D. PEDRO, REGENTE DE PORTUGAL
Claro em pensar, e claro no sentir,
É claro no querer;
Indiferente ao que há em conseguir
Que seja só obter;
Dúplice dono, sem me dividir,
De dever e de ser —
Não me podia a Sorte dar guarida
Por não ser eu dos seus.
Assim vivi, assim morri, a vida,
Calmo sob mudos céus,
Fiel à palavra dada e à ideia tida.
Tudo mais é com Deus!
O poema pode ser dividido em dois momentos. A primeira estrofe e os dois primeiros versos
da segunda constituem uma aproximação à vida de D.Pedro. Através do advérbio de modo
“assim”, o poeta introduz um novo momento no poema. Depois de uma breve caracterização
da vida da figura histórica ”Assim vivi, assim morri, a vida,..”, os últimos três versos
funcionam como uma conclusão.
Nos primeiros quatro versos da primeira estrofe do poema, D.Pedro apresenta-se como um
intelectual, um homem de ideias esclarecidas e de objectivos definidos. Uma dessas ideias,
era a vontade de não conquistar outro território apenas por conquistar. D.Pedro, num
registo autobiográfico, apresenta-nos um objectivo que delineou e cumpriu; o de ser
responsável por dois territórios (Portugal e Ceuta), e exercer os seus deveres de igual modo
nos dois territórios (Dúplice dono, sem me dividir; de dever e de ser.v-5,6 est-1).
Na segunda estrofe do poema, D.Pedro afirma que Deus é responsável por tudo, mas não
pelo destino dos homens, em concreto pelo dele. Segundo este, o seu destino foi protegido
pelo seu trabalho e dedicação, e não pela sorte. Isto significa que o herói não acredita na
sorte como elemento fundamental no seu destino (Não me podia a sorte dar guarida Por
não ser eu dos seus.v-1,2 est-2). Em suma, ele é o exemplo da fidelidade ao pensamento, ao
sentimento e à vontade(vv.1,2).
D. JOÃO, INFANTE DE PORTUGAL
Não fui alguém. Minha alma estava estreita
Entre tão grandes almas minhas pares,
Inutilmente eleita,
Virgemmente parada;

Porque é do português, pai de amplos mares,


Querer, poder só isto:
O inteiro mar, ou a orla vã desfeita —
O todo, ou o seu nada.

D. João embora feito Condestável, não chegou a ser rei, nem sequer regente. ‘’ Nunca fui
alguém’’, quer significar não ter sido ninguém de alto cargo ou responsabilidade, visto que
ao seu lado se erguiam grandes figuras da nossa história (D. Duarte e D. Pedro). Assim
ficou a sua alma ‘’inutilmente eleita’’, ‘’virgemmente parada’’, sem que pudesse dar tudo o
que poderia dar.

‘’Não fui alguém. Minha alma estava estreita’’ – D. João não chegou a ter uma coroa, a ter
um reino. O seu fado já estava traçado.
‘’Entre tão grandes almas minhas pares,’’ – Estava rodeado por ‘’grandes’’ irmãos e irmãs.
‘’inutilmente eleita,’’ – Assim ele seria inútil.
‘’virgemmente parada;’’ – Virgem, por não ter testado o seu talento.

A alma de D. João é triste e Pessoa explica o que ele sente.


Ele sente que o português, na alma ‘’pai dos amplos mares’’, é sempre um homem de
extremos, não podendo ter ‘’o tudo’’, ele tem ‘’ o nada’’.
O nada, neste caso, para D. João ainda foi alguma coisa, mas não tudo que ele poderia ter:
ser rei, ter o seu próprio reino.
‘’porque é do português, pai de amplos mares,’’ – Porque os portugueses, tem origem em
tantas aventuras marítimas.
‘’querer, poder só isto:’’ – Só pode querer uma coisa.
‘’o inteiro mar, ou a orla vã desfeita-’’ – Ou o tudo, o mar inteiro…
‘’o todo, ou o seu nada.’’ – Ou o nada.

NUN’ÁLVARES PEREIRA
Que auréola te cerca?
É a espada que, volteando,
Faz que o ar alto perca
Seu azul negro e brando.
Mas que espada é que, erguida,
Faz esse halo no céu?
É Excalibur, a ungida,
Que o Rei Artur te deu.
Esperança consumada,
S. Portugal em ser,
Ergue a luz da tua espada
Para a estrada se ver!

Pessoa começa o poema com uma interrogação retórica acerca daquilo de que é feito Nuno
Álvares Pereira. Os restantes versos da primeira estrofe são como respostas à questão
inicial. Nesta estrofe, Fernando Pessoa chega a afirmar que o valor de Nuno Álvares Pereira
é maior que o do rei Artur, já que o primeiro passou de realidade a mito (foi beatificado),
este ùltimo é apenas um mito que muitos afirmam ter sido realidade. Para além disso, assim
como Rei Artur foi predestinado para empunhar a Excalibur, também Nuno Álvares Pereira
o foi para empenhar a sua espada, que o guiou na batalha, a ungida.
Os dois ultimos versos do poema, podem ser vistos como um conselho dado aos
portugueses: se querem ser vitoriosos devem seguir o exemplo de Nuno Álvares Pereira,
usando a exclamação final como um pedido para Nuno Álvares nos indicar o caminho a
seguir para o império que há-de vir.
O INFANTE D. HENRIQUE
Em seu trono entre o brilho das esferas,
Com seu manto de noite e solidão,
Tem aos pés o mar novo e as mortas eras —
O único imperador que tem, deveras,
O globo mundo em sua mão.

O Infante foi o grande impulsionador da expansão ultramarina portuguesa, isso é referido


no poema, no último verso. “O único imperador que tem, deveras / O globo mundo na sua
mão”. Os adjectivos utilizados no poema caracterizam o Infante D. Henrique, e o seu
percurso histórico e os seus feitos. Alguns adjectivos são utilizados para caracterizar o
Infante. “Em seu trono entre o brilho das esferas”, “Com seu manto de noite e solidão” e
“Tem aos seus pés o mar novo e as mortas eras”. O tempo presente é utilizado para eternizar
o Infante D. Henrique e os seus feitos, demonstrar que ainda não foram esquecidos, ou seja,
continuam presentes. O presente indica a permanência, hábito e é geralmente utilizado para
cantar feitos históricos, trata-se do presente histórico, daí resultando uma maior realidade
do narrador. Os recursos estilísticos, utilizados no poema são: a adjectivação simples, a
antítese, com o confronto de ideias opostas, “Com seu manto de noite e solidão,” e “O globo
mundo em sua mão.”
D. JOÃO O SEGUNDO
Braços cruzados, fita além do mar.
Parece em promontório uma alta serra —
O limite da terra a dominar
O mar que possa haver além da terra.
Seu formidável vulto solitário
Enche de estar presente o mar e o céu.
E parece temer o mundo vário
Que ele abra os braços e lhe rasgue o véu.
D.João II elaborou o plano de dobrar o Cabo da Boa Esperança, com vista a obter uma rota
marítima para a Índia.
Numa análise formal do poema, vemos que este é constituído por duas estrofes, sendos estas
quadras com versos decassilábicos [tendo a intenção de comparar a sua obra com uma
epopeia, especificamente com a de Camões, ‘’Os Lusíadas’’, e apresenta uma rima cruzada.

Na 1ª estrofe ,em geral, Pessoa destaca nesta “asa” o “poder da vontade’’. De “braços
cruzados” – não usando a força, só a vontade, ele fita por isso “além do mar” – para a Índia.
Como um “promontório”, que alto desafia o mar, que é terra e ao mesmo tempo quase mar.
O promontório é um limite, mas D. João II encarna esse mesmo limite, ele define-o e
expande-o, com a sua vontade. É ele “o limite da terra a dominar / O mar que possa haver
além da terra”. Na 2ª estrofe, tal como todos os heróis na Mensagem, o ‘’formidável vulto
solitário’’ é algo que Pessoa elogia e valoriza por serem heróis solitários, sombrios, quase
apagados da sua individualidade, em favor de Portugal.
Existe aqui um paradoxo, porque apesar da sua vontade ser solitária, D.João II “enche de
estar presente o mar e o céu” ao navegar por mares nunca antes navegados e descobrir
terras para além do que nos era conhecido. Estas acções fazem ‘’temer o mundo vário’’. O
Mundo inconstante, poderoso, teme que D. João II “abra os braços e lhe rasgue o véu”, ou
seja, que D.João II com a sua vontade consiga desvendar os mistérios do Mundo
desconhecidos ainda aos homens.
AFONSO DE ALBUQUERQUE
De pé, sobre os países conquistados
Desce os olhos cansados
De ver o mundo e a injustiça e a sorte.
Não pensa em vida ou morte,
Tão poderoso que não quer o quanto
Pode, que o querer tanto
Calcara mais do que o submisso mundo
Sob o seu passo fundo.
Três impérios do chão lhe a Sorte apanha.
Criou-os como quem desdenha.
O autor começa por captar um momento da vida do herói, dando uma imagem deste de pé
sobre as suas conquistas no primeiro verso. Do segundo verso ao oitavo são dados os seus
sentimentos que têm como causa os feitos heróicos e as suas consequenciais.
Pessoa vai para alem da imagem do herói forte e determinado, e mostra-o como um ser
cansado de ver a injustiça que há no mundo e o que o destino (sorte) lhe reserva. A injustiça
que o autor se refere é à ingratidão dos outros pelos seus feitos. O seu sucesso não desperta
admiração nos outros, mas sim inveja. Há um desprezo pela vida material por parte do herói.
Este já está tão cansado do poder e das conquistas que já não pensa em nada, já foram
realizados todos os seus desejos materiais. O seu poder já é tão grande que ultrapassa o seu
desejo. O seu desejo de glória trouxera mais do que vitórias e poder, trouxera também as
invejas dos outros e da corte “Que o querer tanto/ calcara mais do que o submisso mundo”.
MAR PORTUGUÊS
PADRÃO
O esforço é grande e o homem é pequeno.
Eu, Diogo Cão, navegador, deixei
Este padrão ao pé do areal moreno
E para diante naveguei.
A alma é divina e a obra é imperfeita.
Este padrão sinala ao vento e aos céus
Que, da obra ousada, é minha a parte feita:
O por-fazer é só com Deus.
E ao imenso e possível oceano
Ensinam estas Quinas, que aqui vês,
Que o mar com fim será grego ou romano:
O mar sem fim é português.
E a Cruz ao alto diz que o que me há na alma
E faz a febre em mim de navegar
Só encontrará de Deus na eterna calma
O porto sempre por achar.

A 1ª estrofe é uma introdução ao poema , já que se identifica o sujeito poético e aquilo que
ela fez: deixou um padrão “junto ao areal moreno” eseguiu a sua navegação.
Na 2º estrofe, o sujeito poético reconhece que aquele padrão assinala que a missão do
navegador foi cumprida. Nas duas últimas estrofes, o sujeito poético mostra o significado
das Quinas e da Cruz. O sujeito poético é um navegador persistente e corajoso, tendo
consciência da fragilidade humana: “O esforço é grande o homem é pequeno” e “a obra é
imperfeita”. É um ser insatisfeito, pois quer sempre seguir o seu caminho na descoberta de
novas terras, nunca parando. O poema apresenta muitos recursos expressivos. De salientar
a utilização de metáforas como ,por exemplo,( "A alma é divina") - mostrando que a alma
está ligada à divindade por oposição a uma outra ( "a obra é imperfeita"), da antítese inicial
do poema "grande/ pequeno", reforçando a oposição Homem/Deus. Também importa
salientar a dupla adjectivação "imenso e possível oceano" para reforçar a imensidão do mar
e a personificação das Quinas que "ensinam" e da Cruz que "diz". Importa ainda referir todo
o vocabulário que está relacionado com o mar como "areal", "naveguei", "navegador".
O MOSTRENGO
O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: “Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tetos negros do fim do mundo?”
E o homem do leme disse, tremendo:
“El-rei D. João Segundo!”

“De quem são as velas onde me roço?


De quem as quilhas que vejo e ouço?”
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso.
“Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?”
E o homem do leme tremeu, e disse:
“El-rei D. João Segundo!”

Três vezes do leme as mãos ergueu,


Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
“Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
D' El-rei D. João Segundo!”
Este poema simboliza a interminável e difícil tarefa da conquista do mar, o poeta
narra o encontro – aquando da primeira passagem do cabo das Tormentas em 1488 – entre
a figura horrenda do Mostrengo e o homem do leme, representante de todos os
protagonistas da aventura marítima, os navegadores portugueses.
Numa relação clara de inferioridade física com o monstro marinho, o homem do
leme não se deixa intimidar, e lança-lhe o seu desafio: dar cumprimento à vontade inflexível
de D. João II.
Ao dominar o Mostrengo, o homem do leme protagoniza a vitória dos navegadores
portugueses sobre todos os obstáculos que o mar oferecia: os medos e os inúmeros perigos.
Poema cuja extensão parece querer simbolizar o longo e difícil processo de conquista
do mar:
 O caráter narrativo do poema;
 O dialogo a três vozes: sujeito poético, Mostrengo e homem do leme;
 A simbologia do Mostrengo: todos os perigos, medos e obstáculos;
 A dimensão simbólica do homem do leme: anónimo que dá voz ao sentir e à ousadia
de um povo;
 Poema eco da tradição lendária: o desafio do homem face aos limites da sua condição
humana;
 A insistência no numero três e sua simbologia.

O Mostrengo:
 Revela atitudes intimidatórias, ameaçadoras, amedrontadoras;
 É informe (não tem uma forma concreta);
 Está carregado de conotação negativa;
 É pouco definido, pouco descrito (não tem identidade);
 Simboliza os perigos do mar, os obstáculos, as adversidades e os medos.

EPITÁFIO DE BARTOLOMEU DIAS


Jaz aqui, na pequena praia extrema,
O Capitão do Fim. Dobrado o Assombro,
O mar é o mesmo: já ninguém o tema!
Atlas, mostra alto o mundo no seu ombro.

"Jaz aqui na praia extrema o Capitão do Fim"- refere-se a Bartolomeu Dias, que descobriu o
fim do Continente Africano (e limite austral do Mundo de então) e acabou por desaparecer
num naufrágio ao largo do Cabo da Boa Esperança em 1500. Pessoa supõe o seu corpo
dado à costa na praia extrema (mais a sul) de África.

"Dobrado o Assombro"- passado o cabo do medo; vencido o terror (aqui: dobrado o Cabo
da Boa Esperança).

Atlas- um dos titãs, condenado por Zeus a carregar no ombro a esfera do firmamento. Aqui
Pessoa põe o titã a mostrar, não a esfera celeste, mas a Terra redonda, de cuja esfericidade
ainda se duvidava nos séculos XV e XVI.

OS COLOMBOS
Outros haverão de ter
O que houvermos de perder.
Outros poderão achar
O que, no nosso encontrar,
Foi achado, ou não achado,
Segundo o destino dado.
Mas o que a eles não toca
É a Magia que evoca
O Longe e faz dele história.
E por isso a sua glória
É justa auréola dada
Por uma luz emprestada.

O poema refere-se a Cristóvão Colombo que foi o descobridor da América ao serviço dos
reis de Espanha. Por isso mesmo sabemos que há todo um contencioso entre Portugal e
Espanha a propósito de Colombo, que deveria ter descoberto a América em nome do rei de
Portugal se este, D.joão II, não o tivesse rejeitado. Não se referindo apenas a Cristóvão
Colombo, este poema fala ainda de todos os navegadores estrangeiros (chamados aqui
“Colombos”) cuja glória, diz, é apenas um reflexo da luz das descobertas portuguesas. Neste
poema, na minha opinião, existe um certo exagero quanto ao nacionalismo, porque, como
podemos ver na primeira estrofe, o poeta diz que os outros navegadores só vão ter o que
Portugal não quis, pois Portugal não podia conquistar tudo. Quanto à análise estilística do
poema é de referir o uso de rima emparelhada, cujo esquema é aabb, esta rima pobre
acentua os feitos menores dos navegadores que não eram portugueses, do discurso na
primeira pessoa do plural, como se fosse Portugal a falar, e ainda o uso da metonímia, pois
Colombo aparece em representação de todas as potências estrangeiras que tentam
apoderar-se do que é português.
OCIDENTE
Com duas mãos — o Acto e o Destino —
Desvendámos. No mesmo gesto, ao céu
Uma ergue o facho trémulo e divino
E a outra afasta o véu.
Fosse a hora que haver ou a que havia
A mão que ao Ocidente o véu rasgou,
Foi alma a Ciência e corpo a Ousadia
Da mão que desvendou.
Fosse Acaso, ou Vontade, ou Temporal
A mão que ergueu o facho que luziu,
Foi Deus a alma e o corpo Portugal
Da mão que o conduziu.
Este poema de Fernando Pessoa descreve a descoberta das terras do ocidente, mais
concretamente a descoberta do Brasil. Na primeira estrofe é possível analisarmos a
referência do corpo e da alma deste acontecimento, tal como se vai assistindo ao longo do
poema. “Acto e Destino” são, segundo Fernando Pessoa, as duas mãos que fizeram a
descoberta destas novas terras. No meu ver, o Acto refere-se à acção dos portugueses, à
coragem e à bravura dos mesmos. O Destino remete-me para a força e a vontade de Deus
para a descoberta de novas terras, e a protecção divina relativamente aos portugueses,
para que a descoberta se pudesse concretizar (Protecção divina, tal como nos Lusíadas).
Assim, interpreto que a obra dos portugueses foi a corporização da vontade de Deus.
Ainda na primeira estrofe, assistimos à referência de um facho, segurado por uma mão,
que aponta para as terras desvendadas. O facho ilumina as terras desvendadas, focando o
descoberto, o novo. Pode também simbolizar o Divino. A outra mão afasta o véu que
escondia aquelas ilhas, simbolizando a descoberta do desconhecido, e a destruição da
dúvida relativamente à existência de terras no ocidente.
Na segunda estrofe sugere o acto da descoberta. “A mão que ao Ocidente o véu rasgou”,
isto é, o ocidente foi “destapado”, passou de desconhecido a conhecido.
Nesta estrofe Fernando pessoa volta a identificar o corpo e a alma deste feito, sendo desta
vez a Ciência a alma e a Ousadia o corpo. Assim, a ciência, ou seja, todo o saber e o
conhecimento dos navegadores portugueses simbolizam a alma da descoberta. Por outro
lado, a Ousadia, a bravura e determinação dos portugueses simbolizam o corpo da mesma.
Na Terceira e última estrofe, o poeta afirma “Fosse Acaso, ou Vontade, ou Temporal (…)
Foi Deus a alma e o corpo Portugal”. Isto é, quer esta descoberta se tenho dado por puro
acaso, por vontade e determinação dos portugueses, ou por um temporal que tenha
desviado os navios em direcção àquelas terras, Deus foi a alma, a vontade da realização
desta descoberta. E os portugueses foram os heróis, os destemidos que a realizaram, e que
deste modo descobriram o Brasil.

FERNÃO DE MAGALHÃES
No vale clareia uma fogueira.
Uma dança sacode a terra inteira.
E sombras disformes e descompostas
Em clarões negros do vale vão
Subitamente pelas encostas,
Indo perder-se na escuridão.
De quem é a dança que a noite aterra?
São os Titãs, os filhos da Terra,
Que dançam da morte do marinheiro
Que quis cingir o materno vulto —
Cingi-lo, dos homens, o primeiro —,
Na praia ao longe por fim sepulto.
Dançam, nem sabem que a alma ousada
Do morto ainda comanda a armada,
Pulso sem corpo ao leme a guiar
As naus no resto do fim do espaço:
Que até ausente soube cercar
A terra inteira com seu abraço.
Violou a Terra. Mas eles não
O sabem, e dançam na solidão;
E sombras disformes e descompostas,
Indo perder-se nos horizontes,
Galgam do vale pelas encostas
Dos mudos montes.

Fernão de Magalhães foi um navegador português. Este iniciou uma circum-navegação.


Passou pelo estreito, hoje conhecido como Estreito de Magalhães, onde perdurou durante
algum tempo. Navegou pelo Oceano Pacifico, e durante toda a viagem perdeu uma boa
parte da sua tripulação, assistiu a revoltas dos marinheiros, a naufrágios de três dos seus
navios. Passou por fome, sede, e doenças como o escorbuto. Quando chegou às Filipinas-
Cebu- Fernão de Magalhães iniciou trocas comerciais e foi muito bem recebido e acolhido
pelo chefe local.
Este por sua vez, andava em guerra com o chefe local de Mactan, e foi ao ajudá-lo numa
batalha que Fernão de Magalhães perdeu a vida.
Este poema, de Fernando Pessoa, incide não nos feitos propriamente ditos de Fernão de
Magalhães, mas sim na sua morte.
Para entendermos melhor este poema, é necessário saber que os assassinos de Magalhães
foram os Nativos de Mactan, durante uma batalha.
Na primeira estrofe do poema, podemos concretizar a ideia de um ritual, feito pelos
nativos, festejando a morte do marinheiro. As referências à “Fogueira” e à “Dança” destes
nativos, remeteram-me para a presença dos nativos e a festa realizada pelos mesmos,
respectivamente.
Esta primeira estrofe é bastante descritiva, apresentando uma caracterização de todo o
ritual e festejo dos nativos, e do local onde se passa o ritual (um vale).
Na segunda estrofe Fernando Pessoa refere-se aos nativos como “Titãs”. Estes eram seres
míticos, considerados selvagens. Refere-se novamente à dança, e ao ritual em “honra” da
morte de um marinheiro que merecia ser glorificado!
Nesta estrofe, Fernão de Magalhães é caracterizado como o “Primeiros” dos homens, que
se cingia, protegia e pretendia ser leal àquele que o acolheu naquelas terras (Cebu). Fernão
de Magalhães é situado no último verso, “Na praia, ao longe, sepultado”.
Na terceira estrofe, volta-se a fazer referência ao festejo após a morte de Fernão de
Magalhães, por parte dos nativos que o assassinaram. Desta vez, Fernando Pessoa,
despreza os nativos.
“Nem sabem que a alma ousada
Do morto ainda comanda a armada”
Assim, a força e bravura deste marinheiro influenciou o espirito de toda a armada. Este
destemido marinheiro ficou na memória de todos. O seu espirito nobre e heróico, os seus
grandes feitos ficou para a história. Os nativos, ignorantes, não reconhecem estes feitos e
festejam como se nada fosse.
Na quarta e última estrofe é afirmado por Fernando Pessoa que Fernão Magalhães “Violou
a Terra”, ou seja, encheu-se de conhecimento de todo o mundo. Com a sua bravura,
determinação e coragem rompeu todas as barreiras.
Aqui, Fernando Pessoa volta a desprezar os nativos. Determina-os como ignorantes, que
não reconhecem a importância dos feitos de Fernão de Magalhães.
“Dançam na solidão” – estão sós, presos à ignorância, não têm saber. E dançam, festejando.
Por último, é feita uma referência aos “Mudos montes” que rodeiam estes nativos. Aqui,
podemos interpretar “mudos montes”, como a falta de sabedoria e a ignorância que rodeia
os nativos. Estes estão rodeados de nada. E por isto, festejam.

ASCENSÃO DE VASCO DA GAMA


Os Deuses da tormenta e os gigantes da terra
Suspendem de repente o ódio da sua guerra
E pasmam. Pelo vale onde se ascende aos céus
Surge um silêncio, e vai, da névoa ondeando os véus,
Primeiro um movimento e depois um assombro.
Ladeiam-no, ao durar, os medos, ombro a ombro,
E ao longe o rastro ruge em nuvens e clarões.
Em baixo, onde a terra é, o pastor gela, e a flauta
Cai-lhe, e em êxtase vê, à luz de mil trovões,
O céu abrir o abismo à alma do Argonauta.
A figura de Vasco da Gama é engrandecida neste poema por vários aspectos:
1. Pela situação de elevação aos céus num plano superior ao da simples condição humana –
libertando-se do corpo, torna-se alma e imortaliza-se;
2. Pelos efeitos provocados por esta situação: o pasmo dos Deuses e dos Gigantes, o silêncio
e assombro da natureza e a admiração dos homens;
3. Pelo nome de “Argonauta” dado a Gama, identificando-o com os heróis míticos da Grécia
antiga, que procuravam desvendar o desconhecimento, buscando o inacessível e o
impossível. É de salientar que este poema se associa à representação que é conferida a Vasco
da Gama “n’Os Lusíadas” obra em que o herói é também elevado no plano dos Deuses
nomeadamente no episódio “Ilha dos Amores”.
A ÚLTIMA NAU
Levando a bordo El-Rei D. Sebastião,
E erguendo, como um nome, alto o pendão
Do Império,
Foi-se a última nau, ao sol aziago
Erma, e entre choros de ânsia e de pressago
Mistério.
Não voltou mais. A que ilha indescoberta
Aportou? Voltará da sorte incerta
Que teve?
Deus guarda o corpo e a forma do futuro,
Mas Sua luz projecta-o, sonho escuro
E breve.
Ah, quanto mais ao povo a alma falta,
Mais a minha alma atlântica se exalta
E entorna,
E em mim, num mar que não tem tempo ou espaço.
Vejo entre a cerração teu vulto baço
Que torna.
Não sei a hora, mas sei que há a hora,
Demore-a Deus, chame-lhe a alma embora
Mistério.
Surges ao sol em mim, e a névoa finda:
A mesma, e trazes o pendão ainda
Do Império.

É-nos descrito um dia infeliz, de mau agouro. "Erma" era a nau que navegava
desamparada e só, enfrentando sozinha um destino adverso. A ideia de que um mau
pressentimento estava presente e que se predizia algo é central. "Deus guarda o futuro, mas
projecta-o, sonho escuro e breve"- só Deus sabe o futuro mas, como o Destino está traçado
por vezes permite aos homens entrevê-lo em breves lampejos indefinidos e escuros, apenas
no mistério. Pessoa afirma que "falta a alma" pois os portugueses não têm alento, ânimo. As
duas últimas estrofes referem o regresso de D.Sebastião, que o poeta diz ser certo embora
não saiba quando. E ao regressar vem ainda com a determinação de construir um império
universal, não material, mas do espírito.
Este poema inicia-se em 1578 com a partida de D.Sebastião, entre sinais de mau
presságio, para Marrocos. A nau com a sua bandeira içada nunca mais voltou e o embarque
de D.Sebastião torna-se místico pelo seu desaparecimento material e comparável ao do Rei
Artur, após a batalha de Camlan, para a Ilha Encantada de Avalon. Por essa razão o poeta
pergunta "a que ilha indescoberta aportou?". Com o desaparecimento de D.Sebastião morre,
aparentemente, o sonho de um império universal. Neste momento Fernando Pessoa, que até
agora se tinha referido ao passado de Portugal, diz, num aparte, que o futuro é por vezes
intuível aos homens e passa imediatamente a contar a sua visão do porvir. A Última Nau
volta e trás um vulto (O Desejado) que Pessoa assemelha a D.Sebastião, que vem retomar a
caminhada para o império universal- já não material, mas espiritual- que será o Quinto
Império.
Quanto mais a decadência toma conta de Portugal, mais se exalta pelos exemplos do
passado, o seu nacionalismo mítico enche-o num plano que não é terrestre, mas infinito e
vê o vulto de D. Sebastião.
Fernando Pessoa não sabe quando será a hora mas tem a certeza que o regresso tão
desejado vai acontecer, mesmo que demore.
PRECE
Senhor, a noite veio e a alma é vil.
Tanta foi a tormenta e a vontade!
Restam-nos hoje, no silêncio hostil,
O mar universal e a saudade.

Mas a chama, que a vida em nós criou,


Se ainda há vida ainda não é finda.
O frio morto em cinzas a ocultou:
A mão do vento pode erguê-la ainda.

Dá o sopro, a aragem – ou desgraça ou ânsia –,


Com que a chama do esforço se remoça,
E outra vez conquistemos a Distancia –
Do mar ou outra, mas que seja nossa!
Trata-se do ultimo poema da segunda parte de Mensagem, Mar Português, onde são
exaltados os acontecimentos e o heróis das descobertas marítimas portuguesas,
constituindo, também, um prenuncio da linha temática estruturadora da ultima parte de
Mensagem – o Encoberto.
O poema é, sem duvida, um apelo a uma entidade divina e superior – “Senhor” – em
quem o sujeito poético deposita a esperança de um futuro redentor. Se, na primeira quadra
domina um sentimento de desencanto e a disforia se torna notória, no resto do poema
sucede a certeza de que nem tudo é irremediável e de que é possível restaurar a grandeza
perdida, ou, pelo menos, conquistar uma outra grandeza – o poeta acredita que é possível
recuperar o passado grandioso e avançar para um futuro promissor e positivo. Assim, para
ele, a esperança ainda sobrevive, a chama da vida ainda não está completamente extinta, ela
apenas dorme debaixo do “frio morto em cinzas”.
O que é preciso, então? Basta que a “mão do vento” a erga, basta apenas um golpe de
vontade e, uma vez levantado “o sopro, a aragem”, o esforço ganhará forma e, de novo,
haverá a certeza de conquistar a “Distância”. Esta distância não tem necessariamente que
ser a do mar, mas será, sobretudo, “nossa”, ou seja, será a condição redentora do desencanto
do povo português. O tom das duas quadras é, pois, a de um choro apelo à ação, numa
antevisão de um novo império, o Quinto Império – um império não mais material porque
eterno.
O ENCOBERTO
D. SEBASTIÃO
'Sperai! Cai no areal e na hora adversa

Que Deus concede aos seus

Para o intervalo em que esteja a alma imersa

Em sonhos que são Deus.
Que importa o areal e a morte e a desventura

Se com Deus me guardei?

É O que eu me sonhei que eterno dura,

É Esse que regressarei.
Este poema, que abre a terceira parte de Mensagem, utilizando um discurso na
primeira pessoa, inicia-se com um apelo do rei aos portugueses, a quem o monarca
transmite a esperança de um futuro promissor. Para o rei, a “hora adversa” do presente
não é mais do que o “intervalo” necessário para o inicio da realização de um grande sonho
universal e eterno – “é o que eu me sonhei que eterno dura” – que ultrapassará a
precariedade do momento em que o D. Sebastião histórico, aquele que desaparecer na
batalha de Alcácer Quibir, caiu no areal.
A derrota, em Alcácer Quibir, assim, apresentada como “um mal necessário”
para se ultrapassar a dimensão material e efémera do império português – “o areal e a
morte e a desventura” – e se começar a construir uma outra grandeza possuidora de uma
dimensão espiritual e eterna, o Quinto Império, inspirado na figura do rei – “É esse que
regressarei”. O rei assume-se como uma espécie de messias, um enviado de Deus – “Que
Deus concede aos seus”; “Se com Deus me guardei?” –, um salvados que conduzirá o seu
povo à glória eterna.
O DESEJADO
Onde quer que, entre sombras e dizeres,
Jazas, remoto, sente-te sonhado,
E ergue-te do fundo de não-seres
Para teu novo fado!
Vem, Galaaz com pátria, erguer de novo,
Mas já no auge da suprema prova,
A alma penitente do teu povo
À Eucaristia Nova.
Mestre da Paz, ergue teu gládio ungido,
Excalibur do Fim, em jeito tal
Que sua Luz ao mundo dividido
Revele o Santo Gral!
Ao ler, entendemos que este poema, destina-se a Galaaz, personagem da lenda do Rei
Artur e é uma pessoa pura e determinada. Este também pode ser visto com uma
comparação a D.Sebastião. Mas na minha opinião é o povo português que é o dejado para
criar o desejado, o império português. O Desejado pode ser visto como sendo o povo
português ou o quinto império.

Estrofe 1: Pede-se para sair das trevas, sonhar e acreditar num objectivo maior, isto é,
erguer para o novo fado, o novo destino, a criação do quinto império.

Estrofe 2: Aqui refere-se Galaaz mas a meu ver apela-se ao coração, à determinação e ao
patriotismo do povo português que conseguirá superar a prova, a criação do quinto
império, “erquer a alma penitente”, alma castigada pelo desaparecimento ou mesmo
morte de D.Sebastião, “À Eucaristia Nova”, trazar a Portugal a nova religião, a religião do
quinto império.

Estrofe 3: Refere-se aqui a paz, pois é uma característica importante do quinto império e
diz-se para erguer a espada sagrada, em representação do fim do mundo como o
conhecemos, unindo o mundo dividido e revelando o santo graal, que neste caso
representa a união, a paz e a felicidade para todos os povos e isto seria a formação do
quinto império.

AS ILHAS AFORTUNADAS
Que voz vem no som das ondas
Que não é a voz do mar?
É a voz de alguém que nos fala,
Mas que, se escutamos, cala,
Por ter havido escutar.
E só se, meio dormindo,
Sem saber de ouvir ouvimos,
Que ela nos diz a esperança
A que, como uma criança
Dormente, a dormir sorrimos.
São ilhas afortunadas,
São terras sem ter lugar,
Onde o Rei mora esperando.
Mas, se vamos despertando,
Cala a voz, e há só o mar.
As ilhas afortunadas são uma lenda medieval. O nome é associado a ilhas
maravilhosas que teriam existência real e chegavam a estar indicados nos mapas, ou então
eram ilhas que os marinheiros viam, mas nunca eram alcançados. Isto, provavelmente
resultava de fenómenos metereológicos, que provocavam miragens.

Neste poema, refere-se uma voz que ouvimos enquanto dormimos. Dá esperança e
diz que o Rei mora nas ilhas afortunadas à espera de um dia para voltar numa hora de
necessidade, que neste caso seria a formação do quinto império. O Rei pode ser visto como
o Rei Artur, da tal lenda, ou D.Sebastião.

Contudo, no fim do poema é nos dito que, quando acordamos ou despertamos a


voz cala-se. Daqui eu conluí que este poema referia-se, a um ideia, um sonho, um
pensamento, uma esperança presente no povo português que é preciso esquecer de forma
a unirem-se e formarem o quinto império, pois não podem estar à espera que o rei volte e
faça isso por eles.

O ENCOBERTO
Que símbolo fecundo
Vem na aurora ansiosa?
Na Cruz Morta do Mundo
A Vida, que é a Rosa.
Que símbolo divino
Traz o dia já visto?
Na Cruz, que é o Destino,
A Rosa, que é o Cristo.
Que símbolo final
Mostra o sol já desperto?
Na Cruz morta e fatal
A Rosa do Encoberto.
Fernando Pessoa inicia o seu poema, questionando retoricamente quem será o
símbolo perfeito para uma nova religião, aquele que substituirá Cristo na cruz. Quando se
refere a uma “aurora ansiosa”, fomenta a ideia que algo quer renascer, como um dia que se
renova. O autor acaba por responder a sua pergunta dizendo que é a Rosa, a vida que vai
tomar o lugar “Na cruz morta do mundo”, esta advertência refere-se a uma ordem
maçónica direta a ordem Rosa-Cruz. A Rosa nesta estrofe simboliza a vida, a Cruz também
é um símbolo, representado a morte.
O símbolo que na primeira estrofe era fecundo, agora também é algo divino. Esse
símbolo que “Traz o dia já visto” , é algo que já se adivinhava. Cruz representa nesta
estrofe o sofrimento que é o destino. A Rosa é Cristo.
O Símbolo fecundo e divino agora também é final, pois é definitivo e traz o
império final, o império espiritual. Nesta estrofe há uma revelação do mistério, o
conhecimento completo.
O BANDARRA
Sonhava, anónimo e disperso,
O Império por Deus mesmo visto,
Confuso como o Universo
E plebeu como Jesus Cristo.
Não foi nem santo nem herói,
Mas Deus sagrou com Seu sinal
Este, cujo coração foi
Não português mas Portugal.

Este poema relaciona-se bastante com o poema “Ilhas Afortunadas” pois Fernando Pessoa
diz-nos em forma de aviso a chegada de D. Sebastião. Aqui não se trata de um regresso
físico mas espiritual, em Símbolo.
O primeiro a comunicar o regresso de D. Sebastião, mesmo antes do seu
nascimento, foi “O Bandarra”, chamado Gonçalo Annes, era um sapateiro humilde e profeta
popular. Foi o criador das Trovas, que aparecem como referência a um Rei Encoberto,
calcula-se que Pessoa encontrou ai uma grande inspiração para o seu texto.
O autor descreve-nos o espírito de Bandarra. Ele vivia muito a base dos seus
sonhos, não sendo nenhum sábio nem tendo a certeza de nada. Foi escolhido, mas não pelo
seu estatuto social, monetário ou pela sua educação. Bandarra era um profeta, que tinha
sonhos confusos, como o universo, mas ate este faz sentido, e por isso Pessoa defende o
sentido que as Trovas têm.
Por fim, Bandarra não era conhecido pelos seus feitos nem coragem, mas foi o
eleito por Deus para dar a Boa Nova.

ANTÓNIO VIEIRA
O céu estrela o azul e tem grandeza.
Este, que teve a fama e a glória tem,
Imperador da língua portuguesa,
Foi-nos um céu também.
No imenso espaço seu de meditar,
Constelado de forma e de visão,
Surge, prenúncio claro do luar,
El-Rei D. Sebastião.
Mas não, não é luar: é luz do etéreo.
É um dia; e, no céu amplo de desejo,
A madrugada irreal do Quinto Império
Doira as margens do Tejo.
Neste poema, Fernando Pessoa qualifica António Vieira como o maior orador do seu
tempo, notável estilista da prosa portuguesa como se denota no verso “ imperador da
língua portuguesa”.
Quando Pessoa diz “surge, prenúncio claro do luar, El-rei D.Sebastião” refere-se aos
escritos do Padre António Vieira referente às esperanças de Portugal que um grande rei
conduziria a um futuro Quinto Império Mundo. Baseia-se também nas profecias de
Bandarra que anunciava o regresso do rei D.Sebastião.
Pessoa tem um momento em que afirma “foi-nos um céu também”, ou seja, designa
António Vieira como um céu estrelado dos portugueses, grandioso, trazendo assim,
grandiosidade à Língua Portuguesa.
No verso “Mas não, não é luar: é luz do etéreo”, o poeta diz que não é o luar, ou seja, o final
do dia, referindo-se ao Império Material das Índias mas a luz celeste, o começo de um novo
dia, um Império Espiritual, o Quinto Império.

TERCEIRO
'Screvo meu livro à beira mágoa.

Meu coração não tem que ter.

Tenho meus olhos quentes de água.

Só tu, Senhor, me dás viver.

Só te sentir e te pensar

Meus dias vácuos enche e doura.

Mas quando quererás voltar?

Quando é o Rei? Quando é a Hora?

Quando virás a ser o Cristo



De a quem morreu o falso Deus,

E a despertar do mal que existo

A Nova Terra e os Novos Céus?

Quando virás, ó Encoberto,



Sonho das eras português,

Tornar-me mais que o sopro incerto

De um grande anseio que Deus fez?

Ah, quando quererás, voltando



Fazer minha esperança amor?

Da névoa e da saudade quando?

Quando, meu Sonho e meu Senhor?

Este é o único poema de Mensagem que não apresenta titulo, sendo, por esse facto,
considerado como aquele em que o discurso se identifica com o próprio Pessoa.
O poema estrutura-se em torno do desencanto e da mágoa do poeta que sente os
seus “dias vácuos”, o vazio que subjaz à ruína do império, e que anseia pela chegada de um
messias, de um salvador, que possa restituir a Portugal a grandeza perdida – “Quando virás,
Ó Encoberto,/Sonho das eras português”.
O predomínio das interrogações revela essa dor do presente e a ânsia da chegada da
“Nova Terra” e dos “Novos Céus”. Atende-se, ainda, na identificação realizada pelo sujeito
poético entre o sonho e a entidade divina inspiradora – “Quando, meu Sonho e meu Senhor?”
– que o torna uma das forças impulsionadoras da vontade humana.
NOITE
A nau de um deles tinha-se perdido
No mar indefinido.
O segundo pediu licença ao Rei
De, na fé e na lei
Da descoberta, ir em procura
Do irmão no mar sem fim e a névoa escura.
Tempo foi. Nem primeiro nem segundo
Volveu do fim profundo
Do mar ignoto à pátria por quem dera
O enigma que fizera.
Então o terceiro a El-Rei rogou
Licença de os buscar, e El-Rei negou.
*
Como a um cativo, o ouvem a passar
Os servos do solar.
E, quando o vêem, vêem a figura
Da febre e da amargura,
Com fixos olhos rasos de ânsia
Fitando a proibida azul distância.
*
Senhor, os dois irmãos do nosso Nome
O Poder e o Renome —
Ambos se foram pelo mar da idade
À tua eternidade;
E com eles de nós se foi
O que faz a alma poder ser de herói.
Queremos ir buscá-los, desta vil
Nossa prisão servil:
É a busca de quem somos, na distância
De nós; e, em febre de ânsia,
A Deus as mãos alçamos.
Mas Deus não dá licença que partamos.

O poema “Noite” dá luz à terceira parte da obra, “O Encoberto”, e expressa o desejo


do renascimento e da reconquista de uma alma e de uma identidade perdidas, e apela à
mudança e à acção dos portugueses na construção de um Império futuro, o Quinto Império,
que não se inscreve na esfera do terreno (como os Descobrimentos), mas sim naquilo que é
espiritual e imaterial.
O primeiro momento corresponde às duas primeiras estrofes e diz respeito ao
passado enquanto tempo da descoberta e da superação refirindo-se, então, aos heróis dos
Descobrimentos (“na fé e na lei/ Da descoberta, ir em procura”), aqueles que nunca atingem
a satisfação e a felicidade e que se distinguem do animal (“Ser descontente é ser homem” – in
“O Quinto Império”). O mar tem uma configuração simbólica na medida em que é o local
onde os portugueses superaram os limites representando a conquista humana em relação
ao conhecimento. Já a terceira e quarta estrofes representam, após a morte concreta dos
heróis, o presente, isto é, a decadência do Império (“Cumpriu-se o Mar e o Império se desfez”
– in “O Infante”) e a vontade de reabilitação da morte dos dois irmãos, da pátria,
concretizada pelo terceiro irmão (“olhos rasos de ânsia/ Fitando a proibida azul distância”).
O “Poder” e o “Renome” são a alusão simbólica a dois referentes históricos, os irmãos Corte-
Real, que estão aqui desmaterializados para vencer o tempo (natureza do mito). A estrofe
final é um apelo a Deus, enquanto entidade abstracta, pelo ressurgimento do Império (“A
Deus as mãos alçamos”).
O sujeito poético termina com “Mas Deus não dá licença que partamos”, que
estabelece uma relação com o último verso de “Nevoeiro” – e da obra –, “É a Hora!”,
determinando, assim, a necessidade de criação de um Império Espiritual e revelando o
desejo de um renascimento: está na altura de Portugal se reabilitar enquanto nação, o que
se compagina com o louvor a “Deus” (“A Deus as mãos alçamos”).

TORMENTA
Que jaz no abismo sob o mar que se ergue?
Nós, Portugal, o poder ser.
Que inquietação do fundo nos soergue?
O desejar poder querer.
Isto, e o mistério de que a noite é o fausto...
Mas súbito, onde o vento ruge,
O relâmpago, farol de Deus, um hausto
Brilha, e o mar escuro estruge.
Á “Noite” segue-se a “Tormenta”.

Há certamente uma razão para tudo se seguir à “Noite”. É como se a realidade que
aparece, seja sempre velada pela “Noite”, escondida dos olhos, apenas sentida pela
intuição.

Não é claro – pois não podemos adivinhar o pensamento do poeta, apenas intuí-lo –
porque Pessoa escolhe os termos que escolhe, nem a cadência dos mesmos na sua
narrativa hermética. Parece-nos, no entanto, que há uma grande metáfora nos cinco
“Tempos”, cinco “Impérios”, representando o nascimento – no mar – de um novo dia.

Certo é que o mar – espelho que revela e esconde, água que renova e purifica – é o palco
do drama que trará a nova realidade, a Nova Vida. A “Tormenta” representa o começo da
agitação dessa Nova Vida, dessa energia latente. É Roma – poder de conquista, força.
“Que jaz no abismo sob o mar que se ergue”. Lembra-nos esta passagem, outra passagem
anterior: “Deus ao mar o perigo e o abismo deu,” (poema “Mar Português” na Segunda
Parte). Também no poema “Ascens~o de Vasco da Gama” fizera Pessoa referência a um
abismo: “O céu abrir o abismo { alma do Argonauta”.

Mas o abismo é aqui, n~o o mar superfície, mas o fundo do mar (“sob o mar”). Tal como
em “Mar Português”, pensamos que Pessoa se refere ao abismo como infinito, como
contraponto { realidade finita do homem.

Confirmamos isso com a linha seguinte, pois Pessoa diz-nos o que reside no “abismo sob
o mar que se ergue”: é “Portugal, o poder ser”. A potência, o dever-ser, a essência só pode
residir no infinito, à espera de ser concretizada. E a razão dessa concretização é – segundo
Pessoa – “o desejar poder querer”, “inquietaç~o” que “do fundo nos soergue”.
Não é afinal apenas inquietação o que move o dever-ser na direcç~o da realidade. É
também “o mistério de que a noite é o fausto”. Fausto, uma lenda medieval alemã, foi
tratado com honras de grande clássico da literatura por figuras como Marlowe e
Goethe214, e conta a história de um homem que vende a alma eterna ao diabo em troca
de riqueza e conhecimentos terrenos.

“A noite é o fausto”, pode significar que a noite, como Fausto, quer o conhecimento, não
se contenta em estar na escuridão, seja qual for o custo dessa audácia215.

Seja como for, no meio da inquietaç~o que se agita, surge “onde o vento ruge”, “o
rel}mpago, farol de Deus”, “um hausto / Brilha e o mar 'scuro 'struge”. De maneira
arcaizante e formal Pessoa aponta a intervenção divina: a permissão que não fora dada
no poema “Noite”, e que agora aparece pl|cida e subentendida. Como se fosse necessário
o rebuliço e tremor do dever-ser, para que Deus acorde “dar licença que partamos”
(poema “Noite”, 5.º estrofe). É uma licença divina, em forma de facho de luz (“hausto”),
que rompe a noite com a sua Verdade e agita o mar escuro com a corrente da Nova Vida.

CALMA
Que costa é que as ondas contam
E se não pode encontrar
Por mais naus que haja no mar?
O que é que as ondas encontram
E nunca se vê surgindo?
Este som de o mar praiar
Onde é que está existindo?
Ilha próxima e remota,
Que nos ouvidos persiste,
Para a vista não existe.
Que nau, que armada, que frota
Pode encontrar o caminho
À praia onde o mar insiste,
Se à vista o mar é sozinho?
Haverá rasgões no espaço
Que dêem para outro lado,
E que, um deles encontrado,
Aqui, onde há só sargaço,
Surja uma ilha velada,
O país afortunado
Que guarda o Rei desterrado
Em sua vida encantada?

Retomando um tema que encontramos nas “Ilhas Afortunadas” (em “Símbolos”), bem
como em “Horizonte” (na segunda parte, “Mar Português”), Pessoa sugere que não existe
agora uma costa onde aportar, pelo menos não uma costa física, feita de portos seguros.

Mais uma vez o poeta desmaterializa, simboliza, retira tudo menos a essência, para chegar
a uma verdade pura. Depois do sofrimento da “Tormenta”, a “costa (…) que as ondas
contam / (…) se n~o pode encontrar”, ou seja, n~o h| consolo, realidade que apare o
sofrimento, “por mais naus que haja no mar”.

A mente, louca, perdida, pergunta: “O que é que as ondas encontram / E nunca se vê


surgindo? / Este som de o mar praiar / Onde é que est| existindo?”217. A costa não existe,
mas ouvem-se as ondas a bater contra ela – é este verdadeiramente um sinal de loucura
ou de estar algo divino prestes a acontecer… Muitas das vezes em Pessoa a fronteira é
ténue, entre o desespero e o êxtase, entre a ignorância e a verdade.
Quando fala em “Ilha próxima e remota”, é óbvio que Pessoa fala da “Ilha Afortunada”,
onde a lenda diz que vive D. Sebastião, à espera do seu regresso, numa noite de nevoeiro.
Novamente Pessoa retira-lhe consistência de verdade, ao chamar-lhe “próxima e remota”,
que “para os ouvidos existe” mas “para a vista n~o existe”. J| fizera o mesmo no poema
“Ilhas Afortunadas” em “Os Símbolos”.

Mas Pessoa nunca se repete. Agora insiste apenas num mesmo tema, porque a Ilha não é
a mesma ilha. Isto porque em “Ilhas Afortunadas”, Pessoa fala (e ironiza) sobre quem
pensa que essas ilhas existem realmente e podem ser acessíveis por nau, armada ou frota.
Esta “Ilha próxima e remota”, é já uma ilha do pensamento, não uma ilha que pode ser real.
Só assim ela pode ser, pode servir à alma que a persegue.

“À vista o mar é sozinho” – ou seja, a ilha não existe na realidade, não é uma ilha como as
outras, é a Ilha Afortunada despida de significado concreto, já idealizada. É um objectivo
da mente, não das mãos, da conquista. É um objectivo espiritual e intelectual. Nenhuma
“nau (…) pode encontrar o caminho”, porque é a alma que o vai percorrer sozinha.

Pessoa continua a ironizar com aqueles que acreditam na Ilha Afortunada como coisa
real. Pergunta mesmo se “Haver| rasgões no espaço / Que dêem para outro lado, / E que,
um deles encontrado, (…) Surja uma ilha velada”.

Esta “Calma”, é uma calma quase existencialista, não fosse Pessoa requerer a presença de
Deus. Porque há certamente uma perda de todas as certezas físicas, de todas as respostas.
Não é por acaso que saímos todos da “Noite”, para esta aventura como nunca existiu outra
antes dela. A “Noite” torna-nos todos iguais, traz o equilíbrio impossível, o apagamento
das personalidades e dos orgulhos pessoais. A “Calma” que nos assalta agora, depois da
decis~o da “Tormenta”, é um medo imenso de abandono e de loucura. Ainda assim Pessoa
mostra a coragem necessária, para renegar a certeza, em busca do sempre distante ouro
espiritual.
N~o h| nenhum “país afortunado / Que guarda o Rei desterrado / Em sua vida
encantada”: essa é também a mensagem escondida do próprio livro que Pessoa escreve.
Só o símbolo, o mito, resiste. Frágil e invisível, na “Calma” impossível do mar parado. Não
há que esperar nada além disso – por mais doloroso e difícil que seja este vazio.

ANTEMANHÃ
O mostrengo que está no fim do mar
Veio das trevas a procurar
A madrugada do novo dia,
Do novo dia sem acabar;
E disse: «Quem é que dorme a lembrar
Que desvendou o Segundo Mundo,
Nem o Terceiro quer desvendar?»
E o som na treva de ele rodar
Faz mau o sono, triste o sonhar,
Rodou e foi-se o mostrengo servo
Que seu senhor veio aqui buscar.
Que veio aqui seu senhor chamar —
Chamar Aquele que está dormindo
E foi outrora Senhor do Mar.

Pessoa resgata uma figura simbólica – o mostrengo – para agora servir de interpelador
de quem procura o Encoberto, como a Esfinge protege o conhecimento oculto dos que
não estão preparados para o receber.

Em “O Mostrengo” (segunda parte, “Mar Português”), o mostrengo é diferente do que


aparece agora219. É, espantosamente, mais humano, mesmo sendo de rocha. Agora até
ele se rende ao simbolismo, parece menos vivo, irreal, já despido de sentimento,
iluminado por outra luz. Em Camões o Adamastor transfigura-se em cabo (C. V. E. 50),
aqui ocorre o contrário: é o cabo (realidade) que se transfigura em essência (irrealidade).

É ele que agora surge “das trevas a procurar / A madrugada do novo dia”. Lembremos
que foi o “rel}mpago” de Deus que iniciou este “novo dia sem acabar” – um novo dia que
significa uma nova era, um novo princípio. É também o mostrengo que agora fala e avisa,
quando antes era ele que se espantava com a passagem dos portugueses t~o perto dele.
Ele diz ent~o: “Quem é que dorme a lembrar / Que desvendou o Segundo Mundo, / Nem
o Terceiro quer desvendar?”, ou seja, quem dorme na saudade do segundo mundo (o
mundo que Pessoa descreve em Mar Português, segunda parte da Mensagem) não quer
desvendar o terceiro (o do Encoberto e do Quinto Império). A pergunta retórica do
mostrengo é intencionalmente deixada no vazio do mar.
Vindo o mostrengo anunciar a necessidade de abandonar “o segundo mundo” pelo
“terceiro”, ele faz obrar nas mentes daqueles que insistem na saudade “mau (…) sono” e
“triste (…) sonhar”. Mas é um facto que ele se foi embora (“foi-se o mostrengo servo”).
Este “foi-se” é, achamos, um momento de grande significado ontológico – porque o
homem é deixado só, sem aquele que era “outrora Senhor do Mar”.

Neste momento da história já nem o mostrengo resta do passado220. O mostrengo


revela-se ele mesmo uma ilus~o, um fantoche de uma outra vontade. Tal é assim que
Pessoa o diviniza: “Aquele que está dormindo / E foi outrora Senhor do Mar”. Afinal o
mostrengo apenas parecia ignorar o Destino de quem o desafiava. Na realidade ele é da
mesma matéria de Deus e como ele responde aos mesmos desígnios.

Quando o “Senhor do Mar” se vai, é verdadeiramente o momento da aurora do Novo Dia.


Neste sentido, como diz Clécio Quesado, “Antemanh~” anuncia a “pré-história da
ressurgência do Encoberto”221. Este insigne pessoano acrescenta ainda uma brilhante
comparação: é possível entender o poema “como se ele fosse um Viriato d'O Encoberto,
versão mítica do segundo herói da história pátria, uma vez que este é concebido pelo
narrador da Mensagem como o primordial lampejo da liberdade”. Realmente Pessoa em
“Viriato” (em “Os Castelos”) diz: Teu ser é como aquela fria / Luz que precede a
madrugada, / E é já o ir a haver o dia / Na antemanhã, confuso nada”.

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