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64. Nós todos damos conta de que as mais elaboradas formas assumidas
por nossa vida servem apenas para que fujamos da tarefa que nos é própria
(gostamos de esconder nossa cabeça em algum lugar), de que apressadamente
despachamos nosso coração para o Estado, o dinheiro, sociabilidade ou para a
ciência apenas para não mais o possuir, de que fruímos até do mais pesado dia
de trabalho de forma ardorosa e inconsciente, como se isso fosse necessário
para viver: porque nos parece mais necessário não tomar consciência. Geral é
a necessidade de palavras que soem de forma nova, de modo que a vida ganhe
um ar ruidoso e festivo. Todos conhecem aquele estranho estado em que, depois
que subitamente nos assomam memórias desagradáveis, esforçamo-nos para
expulsá-las da mente por meio de gestos e sons brusco: os gestos e sons da
vida comum permitem adivinhar que nós todos nos encontramos sempre em tal
estado com medo da intromissão das memórias e da introspecção. O que é isso
que tão frequentemente nos incomoda, que inseto é esse que não nos deixa
dormir. Cada instante da vida quer nos dizer algo, mas não queremos ouvir essas
vozes espirituais. Tememos quando estamos sozinhos e em silencia, que algo
nos seja sussurrado ao ouvido e então odiamos o silencia e nos anestesiamos
por meio da sociabilidade. Simultaneamente percebemos como somos fracos
para suportar por muito tempo aqueles momentos em que nos voltamos do modo
mais profundo para dentro. Mesmo esse emergir e despertar por um instante
fugaz não o fazemos com nossas próprias forças, pois precisamos ser
levantados – quem são esses que nos levantam? Esses são os verdadeiros
homens, os não-mais-animais, os filósofos, artistas e santos. Com seu
aparecimento dá seu único salto de alegria, pois pela primeira vez ela sente ter
alcançado sua meta, justamente ali onde compreende que precisa desaprender
a ter metas e que apostou alto demais no jogo da vida.
Da produção do filósofo pela cultura.
67. Que destino pressentir o suficiente da resolução e ventura próprias ao
filósofo, apenas para sentir toda a irresolução e desventura do não-filósofo.
Saber-se um fruto que jamais poderá amadurecer uma vez que sua árvore está
sob sombra, e ver, um palmo à frente, o raio de sol do qual se carece! Alcanço
aqui o ponto em que posso responder à questão de se é possível ligar-se ao
grande ideal do homem schopenhariano por meio de uma atividade. Aqueles
novos deveres não são os deveres de um homem isolado. Somos introduzidos
em uma poderosa comunidade que se mantém unida por meio de um
pensamento fundamental: o pensamento fundamental da cultura. Promover a
produção do filósofo, do artista e do santo dentro e fora de nós e, desse modo,
trabalhar para o arremate da natureza. Em nosso estado ordinário não podemos Comentado [BHdRX20]: Da produção do filósofo pela
cultura
contribuir para a produção do homem redentor, por isso odiamo-nos quando
nesse estado um ódio que é a raiz daquele pessimismo que Schopenhauer
precisou ensinar à nossa época. Somente quando formos admitidos naquela
sublime ordem dos filósofos, dos artistas e dos santos, será fixada também uma
nova meta para nosso amor e nosso ódio. Sabemos o que é a cultura. Para ser
útil ao homem schopenhariano, ela quer que preparemos e promovamos
continuamente produção desse homem – em suma, que combatamos o que nos
prejudica na realização suprema de nossa existência ao impedir de nos
tornarmos tais homens schopenhauerianos.
CAPÍTULO VI – DA CRIAÇÃO DE UM HOMEM SUPERIOR
O estado destemido do autoconhecimento
71. A meta da evolução de uma espécie reside no ponto em que ela
alcançou seu limite, o ponto de transição para uma espécie mais elevada, e não
na massa dos exemplares e seu bem-estar. A humanidade deve buscar e
produzir condições favoráveis sob as quais esses grandes homens redentores
podem surgir. Com essa resolução ele se coloca no círculo da cultura. Ao
devotar-se a ela, cada um profere “eu vejo acima de mim algo mais elevado e
mais humano do que eu mesmo”. Conduzir alguém a esse estado de destemido
autoconhecimento é difícil, pois somente no amor a alma ganha não apenas um
olhar cheio de desprezo. Comentado [BHdRX21]: O estado destemido de
autoconhecimento
A meta da cultura: a produção do verdadeiro homem e gênio
74. Apenas aquele que associou seu coração a algum grande homem
recebe o primeiro sacramento da cultura; nós ansiamos desmedidamente tornar-
nos inteiros. O segundo sacramente é a transição dos acontecimentos interiores
para o julgamento dos acontecimentos exteriores, o olhar deve se voltar para
fora de modo a reencontrar no grande mundo turbulento aquele desejo por
cultura que ele conhece a partir daquelas primeiras experiências interiores. A
partir desse degrau ele deve subir para outro ainda mais alto, a cultura exige dele
não apenas aquela vivência interior, mas exige ação, a luta pela cultura e a
hostilidade contra influências, costumes, leis, instituições nos quais ele não
reconhece sua meta: a produção do gênio. Estamos realmente convencidos de Comentado [BHdRX22]: A meta da cultura: a
produção do verdadeiro homem e gênio
que a meta da cultura é promover o surgimento do verdadeiro homem.
Das instituições que promovem a cultura com interesse
75. Há um tipo de cultura que foi abusada e tornada subserviente.
Justamente os poderes que atualmente promovem a cultura de modo mais ativo
tem segundas intenções e não se portam e m relação a ela com disposições
puras e desinteressadas. Entre eles, em primeiro lugar, há a) o egoísmo dos Comentado [BHdRX23]: Das instituições que
promovem a cultura com interesse
acumuladores, o qual necessita da cultura para a formação [Bildung] das
pessoas do seu tempo. Mas com a qual também se dominam da melhor maneira
todos os meios e caminhos para ganhar dinheiro do modo mais fácil possível.
Formar o máximo possível de homens correntes! Eis o seu lema. Odeia-se toda
formação que torna solitário, que propõe metas que vão além do dinheiro e do
acúmulo, que consome muito tempo. Em segundo lugar existe o b) egoísmo do
Estado, o qual ambiciona igualmente o máximo possível de difusão da cultura e
tem nas mãos as ferramentas mais efetivas para satisfazer seus desejos. A
difusão da formação entre seus cidadãos só beneficia a ele própria na rivalidade
com outros estados. Basta que se chame à memória o que progressivamente foi
feito do cristianismo sob o egoísmo do estado. Em terceiro lugar, a cultura é
promovida por todos aqueles que são conscientes de um c) conteúdo feio ou
tedioso e querem iludir-se a seu respeito. 78. Parece-me às vezes que os
homens modernos se entediam uns com os outros, e que, julgam necessário se
tornar interessantes com o auxílio de todas as artes. Assim eles se preparam
para satisfazer todos os gostos; e todos devem ser atendidos, quer lhes apeteça
o que cheira bem ou mal, o sublime ou a grosseria rústica. Ser culto na sociedade
alemã quer dizer: não permitir que se note quão miserável e ruim se é, quão
rapinamente no ímpeto, quão insaciável no acumular, quão egoísta e
despudorado no gozar. Eu sinto que essa cultura alemã, em cujo futuro aqui se
crê — a da riqueza, do polimento e do fingimento bem-educado — é o mais hostil
antípoda da cultura alemã em que eu acredito. Assim, todos aqueles poderes
que promovem a cultura sem reconhecer a sua meta foram nomeados! Há,
contudo, um quarto poder peculiar para o erudito, trata-se do d) egoísmo da
ciência. A ciência é fria e seca, ela não tem nenhum amor e não sabe nada
acerca de um sentimento profundo de insatisfação e anseio [ciência pura].
Enquanto a cultura for compreendida como essencialmente promoção da
ciência, passará ao largo do grande homem sofredor com frieza impiedosa
porque a ciência vê em toda parte apenas problema do conhecimento. Assim, o
erudito consiste de uma emaranhada rede de estímulos e impulsos bastante
diversos. Ele é um metal impuro. Não é exatamente a verdade o que é buscado,
mas sim a própria busca, e o maior prazer consiste no bote magistral. O impulso
de encontrar certas “verdades” é, em grande parte, incorporado ao erudito, por
conta de sua subordinação aos poderosos, pois sente que se beneficia ao trazer
a verdade para o lado deles.
Das características dos eruditos
Destacam-se no erudito as seguintes características: 1) senso de Comentado [BHdRX24]: Das características dos
eruditos
simplicidade, altamente estimáveis caso sejam mais do que falta de
maleabilidade; 2) vista apurada para o que está próximo, ligada, contudo, a uma
grande miopia para o que está distante e para os casos gerais; 3) a sobriedade
e a banalidade de sua natureza nas inclinações e aversões. Com essa
característica, ele é feliz especialmente no estudo da história, na medida em que
identifica os motivos de homens do passado segundo os motivos que lhe são
conhecidos; 4) pobreza de sentimento e aridez. Com isso, ele está habilitado a
fazer até mesmo vivissecções. Ele não suspeita o sofrimento que muitos
conhecimentos trazem consigo e por isso não receia adentrar domínios que
fazem gelar o coração de outros. Ele é frio e por isso facilmente parece cruel; 5)
baixa autoestima, e até mesmo modéstia; 6) lealdade a seus professores e
líderes; 7) o hábito do erudito de seguir adiante na trilha para a qual foi
empurrado; 8) fuga ao tédio. Enquanto o verdadeiro pensador não anseia por
nada além do ócio, o erudito comum lhe foge por não saber o que fazer com ele;
9) ganha-pão como motivação, no fundo, portanto, o famoso “ronco de um
estômago vazio”; 10) respeito aos pares e medo a seu desprezo; 11) o erudito
por vaidade; 12) o erudito por espírito de recreação; 13) o impulso à justiça como
motivação para o erudito, alguém poderia objetar a mim que esse impulso é
nobre. Assim, o erudito é, segundo sua essência, infértil. Ele cultiva certo ódio
natural contra os homens férteis; por essa razão os gênios e os eruditos em
todas as épocas rivalizaram entre si. Tempos completamente felizes não
precisaram de eruditos. Não é no erudito que se encontra o conhecimento acerca
da meta da cultura. Os esforços dos melhores educadores de nossos dias
produzem notadamente ou o erudito ou o funcionário público ou o acumulador
ou o filisteu da cultura ou uma mistura de todos eles.
Da utilidade de Schopenhauer hoje
Mas hoje são exatamente esses os talentos desviados de seu caminho e
afastados de seus instintos pelas vozes sedutoras daquela “cultura” em moda.
Até mesmo os melhores estão sujeitos a tais aliciamentos. 93.1 Existem homens
que sentem como se fosse sua a miséria do gênio quando o veem lutar de modo
tão extenuante, em perigo de destruir a si mesmo, ou quando sua obra é posta
de lado com indiferença pelo egoísmo míope do Estado, pela superficialidade
dos acumuladores, pela árida falta de ambição dos eruditos. Espero que existam
uns poucos que compreendam o que pretendo dizer com a apresentação do
destino de Schopenhauer e com que propósito, na minha opinião, Schopenhauer
como educador deve efetivamente educar. Comentado [BHdRX25]: Da utilidade de
Schopenhauer hoje!
CAPÍTULO VII – DE COMO SCHOPENHAUER SURGIU
A metáfora da natureza
95. Pergunta: o que deveríamos atualmente desejar e levar uma
existência como a de Schopenhauer? O que deveria ser inventado para
aumentar a probabilidade de que ele influencie seus contemporâneos? Quais
obstáculos deveriam ser afastados para que seu exemplo possa alcançar efeito
pleno? A natureza sempre deseja o proveito de todos, mas não sabe encontrar
os melhores meios e os procedimentos mais adequados: por isso ela é
melancólica. O procedimento da natureza tem a aparência de desperdício; não
se trata do desperdício própria a uma extravagância pecaminosa, mas sim da
inexperiência. A natureza lança o filósofo na direção dos homens como uma
flecha, ela não mira, mas espera que a flecha se fixará em algum lugar. Ao fazer
isso, porém, ela erra muitas vezes. É obra da simploriedade causar uma grande
avalanche quando se quer apenas empurrar um pouco de neve. Eles atingem
sempre poucos, quando deveriam atingir todos (alvos). Seria melhor se a regra
de sua casa fosse: menos custos e receita cem vezes maior. Frequentemente
tem-se a impressão de que um artista e um filósofo vivem em seu tempo por
acaso. Comentado [BHdRX26]: A metáfora da natureza