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DIÁLOGOS ENTRE A JUSTIÇA RESTAURATIVA E A ABORDAGEM

CENTRADA NA PESSOA

Jana Gabriela Barros da Silva


Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da Universidade Federal de
Pernambuco.
jana.gabriela@gmail.com

Éllcio Ricardo de Melo Farias


Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco.
ellcioricardo@hotmail.com

Cynthia Colette Christiane Lucienne


Professora do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da Universidade Federal de
Pernambuco.
cynthialucienne@gmail.com

RESUMO
A Cultura de Paz foi proposta para fazer contraponto à cultura de violência, que esvazia a vida de
sentidos e gera medo, insegurança, baixa autoestima, desconfiança nas relações humanas e sofrimento
psíquico. Segundo Pelizzoli (2015), a Cultura de Paz é um guarda-chuva paradigmático e de
inteligências sistêmicas que acolhe ideias e práticas para reconstrução da cultura e do tecido social,
humanização e resgate da Justiça como valor social. Por meio da revisão de literatura dos autores
Howard Zehr (2008) e Carl Rogers (1983, 1997), objetivamos apontar os pontos de convergência
entre os principais conceitos, valores e princípios da JR e da ACP. Situamos a JR e a Abordagem
Centrada na pessoa no âmbito da Cultura de Paz. Encontramos convergências das práticas
restaurativas com os conceitos rogerianos de empatia, acolhimento, escuta, consideração
incondicional e congruência. A ACP nos ajuda a pensar em processos de mudança ocorridos a partir
de experiências inter-humanas, nas quais o acolhimento da alteridade tem um lugar privilegiado.
Ambas as perspectivas trazem uma revolução no modo de pensar a subjetivação da vida mostrando
que a construção da Cultura de Paz passa por mudanças no modo que construímos nossas relações a
partir daquilo que desejamos e podemos ser, manifestando toda nossa potencialidade.
Palavras-chave: Justiça Restaurativa. Abordagem Centrada na Pessoa. Cultura de Paz.

ABSTRACT
The culture of peace was proposed to counterpoint the culture of violence, which empties the life of
senses and generates fear, insecurity, low self-esteem, mistrust in human relations and psychic
suffering. According to Pelizzoli (2015), the Culture of Peace is a paradigmatic umbrella and of

ANINTER/SH - ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES


VIII CONINTER - Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades, Maceió/AL – 28 a 31 de outubro de 2019
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systemic intelligences that welcomes ideas and practices for the reconstruction of culture and social
fabric, humanization and redemption of justice as a social value. Through literature review by the
authors Howard Zehr (2008) and Carl Rogers (1983, 1997), this study aim to point out the
convergence points between the main concepts, values and principles of Restorative Justice and
Centered Person Theory. We situate both in the context of the culture of peace. We found
convergences of restorative practices with the rogerian concepts of empathy, welcoming, listening,
unconditional consideration and congruence. The person centered theory helps us to think of
processes of change occurring from inter experiences, in which the welcoming of otherness has a
privileged place. Both perspectives bring about a revolution in the way of thinking the subjectification
of life showing that the construction of the culture of peace goes through changes in the way we build
our relationships from what we desire and can be, magnifying all our capability.
Keywords: Restorative Justice. Person Centered Theory. Culture of Peace.

Introdução

Este artigo é resultado da aproximação humana entre os dois autores, que na acontecência
deste encontro puderam conversar sobre suas perspectivas da formação acadêmica em Psicologia e
de que forma esta se articula com o campo de conhecimento da Cultura de Paz, resolução alternativa
de conflitos e Justiça Restaurativa (JR). Na disciplina Ética e Resolução de Conflitos, do mestrado
em Direitos Humanos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), os autores observaram que,
mesmo não referenciados explicitamente, diversos conceitos da teoria humanista de Carl Rogers
emergiam nas discussões, a exemplo de potencialidade humana, consideração positiva, aceitação
incondicional e compreensão empática.

Pensamos que a Psicologia tem muito a contribuir com a construção da Cultura de Paz e pouco
tem se aproximado deste campo. Antagonicamente, o saber “psi” tem dado importantes contribuições
para compreensão dos aspectos da violência nas suas mais diversas facetas como os estudos do
racismo, da homofobia e propriamente da psicologia jurídica. Portanto, as perspectivas da Justiça
Restaurativa e da terceira força das abordagens humanistas da Psicologia guardam grande potência
para repensarmos o paradigma dos laços sociais na atual conjuntura social.

Ao abordar a realidade histórico-cultural brasileira, testemunhamos a intolerância étnico-


racial e religiosa, discriminação e violências de gênero, assim como um elemento fortemente presente
de manifestações de ódio a pessoas por divergências políticas. As polaridades entre direita e esquerda
foram intensificadas, gerando um cenário de relações humanas contaminadas por discursos que
reforçam os lugares de vítima e ofensor, opressor e oprimido, a partir do ódio e da violência.

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Sem adentrar nos meandros do fenômeno da violência, nossa perspectiva é de que alternativas
já foram pensadas por diversos autores para interrupção dos ciclos de violências que se estabelecem
nas coletividades, nas instituições, na vida social, nas relações familiares e comunitárias, contribuindo
para a construção de caminhos iluminadores da retomada da esperança no humano. Como
contraponto a esta cultura de violência, que esvazia a vida de sentidos e gera medo, insegurança,
baixa autoestima, desconfiança nas relações humanas e sofrimento psíquico, a Cultura de Paz orienta
caminhos mais amorosos de afetação, na medida em que cria possibilidades para que cada pessoa
possa expressar todo o potencial de desenvolvimento que ela carrega consigo.

A Organização das Nações Unidas, em sua Resolução 53/ 243, de 06 de outubro de 1999,
profere a Cultura de Paz como um conjunto de valores, atitudes, tradições, comportamentos e estilos
de vida baseados nos princípios do respeito à vida, no fim da violência e na promoção e prática da
não violência por meio da Educação, do diálogo e da cooperação. Baseia-se ainda no respeito pleno
e na promoção de todos os direitos humanos e das liberdades fundamentais, bem como no
compromisso de resolução pacífica dos conflitos, observando, para isso, as necessidades de
desenvolvimento e proteção do meio ambiente das gerações presentes e futuras. Outro fundamento
desta Cultura é a adesão aos princípios de liberdade, justiça, democracia, tolerância, solidariedade,
cooperação, pluralismo, diversidade cultural, diálogo e entendimento em todos os níveis da sociedade
e entre as nações (STAMFORD DA SILVA, 2010).

Segundo Pelizzoli (2015), a Cultura de Paz é um guarda-chuva paradigmático e de


inteligências sistêmicas que acolhe ideias e práticas para reconstrução da cultura e do tecido social,
humanização e resgate da Justiça como valor social. Em nosso estudo, partimos da premissa de que
tanto a Justiça Restaurativa quanto a Abordagem Centrada na Pessoa encontram abrigo neste guarda-
chuva.

Neste sentido, o presente artigo é uma revisão de literatura e objetiva apontar os pontos de
convergência entre os principais conceitos, valores e princípios da Justiça Restaurativa (JR) e da
Abordagem Centrada na Pessoa (ACP). Para isso, nos baseamos nas principais referências teóricas
das respectivas abordagens: Howard Zehr (2008) e Carl Rogers (1983, 1997).

Notas sobre a Justiça Restaurativa e Abordagem Centrada na Pessoa

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O conceito de Justiça Restaurativa é aberto, polissêmico e “se extrai da relação que as práticas
restaurativas estabelecem com o sistema tradicional de justiça em cada contexto, cada ordem
normativa, cada comunidade” (PALLAMOLLA, 2009, p. 15). Howard Zehr (2008), referência
teórica na área, propõe que a Justiça Restaurativa demanda uma troca de lentes, para modificar
substancialmente a nossa forma de abordar conflitos e crimes. O autor explica que, nesta perspectiva,
considera-se que o crime viola pessoas e relacionamentos, sendo papel da justiça identificar
necessidades e obrigações por meio do fomento do diálogo e entendimento mútuo entre as partes
afetadas (vítimas, ofensores e comunidade). Dessa forma, a Justiça é avaliada pela medida em que
estas partes assumiram responsabilidades, suas necessidades foram atendidas, e cura dos indivíduos
e relacionamentos promovida.

Por estar centrada nas pessoas diretamente envolvidas, a Justiça Restaurativa dispensa
“esferas burocratizadas estatais de intervenção para consecução do fim principal, a reconstrução dos
laços que se viram desfeitos pelo rompimento produzido pela relação conflituosa” (SALM; LEAL,
2012, p. 196). O Estado seria, portanto, convidado de honra do processo restaurativo, e não a principal
parte interessada. Válido pontuar, ainda com esses autores, que a abordagem restaurativa se insere
em um contexto de desburocratização dos espaços de tomada de decisão, o que passa necessariamente
pelo fomento de relações dialógicas mais democráticas e de participação social ativa, onde quer que
se busque Justiça (academia, judiciário, polícia, comunidade, igreja, prisões, associações de bairro,
locais de trabalho, etc.). Assim, sejam estes espaços formais ou informais, a ideia é que promovam
importantes questionamentos acerca do próprio paradigma da Justiça, por meio da subversão da
lógica de poder.

Por isso, para Salm e Leal (2012), o modelo de justiça restaurativo profanaria o monopólio do
Estado na construção de sentidos sobre crime e justiça, ao elevar a fala das vítimas e ofensores ao
lugar principal na narrativa do processo judicial. Vemos a suposta neutralidade do discurso jurídico
sendo abandonada, para reafirmação dos compromissos com o resgate do tecido social por meio da
resolução de conflito e a devolução da capacidade de resolução à sociedade. Portanto, idealmente, a
JR deve ser construída pelos próprios autores fora dos espaços estatais oficiais, constituindo-se uma
verdadeira juridicidade alternativa.

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A Abordagem Centrada na Pessoa- ACP (ROGERS, 1983), por sua vez, foi desenvolvida pelo
psicólogo Carl Rogers a partir de diversas modificações empreendidas no que ele chamou
primeiramente de Psicoterapia Não-Diretiva ou Aconselhamento Não-Diretivo (ROGERS, 1940).
Partindo daí, Rogers caminhou para a Terapia Centrada no Cliente, Ensino Centrado no Aluno,
Liderança Centrada no Grupo, para só então chegar à Abordagem Centrada na Pessoa. Segundo
Moreira (2010), “o primeiro Rogers, o psicoterapeuta, foi se ampliando no Rogers professor,
facilitador de grupos, e o Rogers preocupado com processos sociais e questões como a paz mundial”
(p. 538).

Ao longo da vida, Rogers teve diferentes interesses e focos de estudo e sua proposta teórica
acompanhou esse movimento: atitudes do terapeuta, métodos de terapia, experiência ou processos
internos, facilitação do aprendizado, relacionamentos interpessoais e, por fim, processos sociais,
formação e transformação de cultura. Assim, ele foi pouco a pouco transpondo os princípios
terapêuticos a situações de conflitos e processos sociais, a partir de uma interface política.

A abordagem humanista de Carl Rogers “se dedicou ao tema da paz, de modo a inserir, no
panorama acadêmico, reflexões e práticas voltadas à mediação de conflitos transculturais, políticos e
sociais” (SILVA et al., 2017, p. 21). Em sua fase coletiva (MOREIRA, 2010), Rogers propôs uma
metodologia para abordagem de situações de conflito: os grupos de encontro, em diferentes contextos,
a saber: trabalho, igreja, política, relações raciais, tensões internacionais, família e educação
(ROGERS, 2005). Assim, pessoas que, em algum nível, estejam emaranhadas em processos
conflituosos, podem encontrar um ambiente em que se expressem livremente e um clima de aceitação,
confiança e compreensão não defensivas.

A seguir, apresentaremos com mais detalhamento a perspectiva da Justiça Restaurativa,


apontando as convergências com o pensamento de Carl Rogers ao longo de sua carreira.

A lente restaurativa sobre crime: um olhar centrado na pessoa

Howard Zehr, em sua obra “Trocando as lentes” (2008), apresenta a Justiça Restaurativa a
partir de uma contraposição ao modelo de justiça retributivo. Este último, hegemônico, torna o
processo penal negligente frente às necessidades das vítimas e dos ofensores, por estar focado nos
processos de culpabilização e punição. Na lógica da justiça retributiva, o crime é abordado como

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violação contra o Estado, definida pela desobediência da lei e pela culpa. Segundo o autor, “a justiça
determina a culpa e inflige dor no contexto de uma disputa entre ofensor e Estado, regida por regras
sistemáticas” (ZERH, 2008, p. 170).

Recorrendo às raízes judaico-cristãs e à história da Justiça de base comunitária do Ocidente,


Zehr nos convida para compreensão e definição do crime em termos concretos, enquanto dano e
violação de pessoas e relacionamentos, que tem lugar em um complexo contexto ético, social,
econômico e político. O foco das intervenções, portanto, deveria residir na obrigação de reparação
(corrigir o erro). “Fazer justiça”, segundo sua proposta de lente restaurativa, envolveria todas as partes
diretamente envolvidas (vítima, ofensor e comunidade), em um processo de construção
compartilhada de estratégias de reparação, conciliação e segurança.

Esse entendimento do crime como violação, baseada na visão bíblica de shalom, leva em conta
sua dimensão interpessoal, por meio da qual concebemos que “ele afeta nossa confiança no outro,
trazendo sentimentos de suspeita e estranheza” (Zehr, 2008, p. 171), ou seja, degrada as relações
interpessoais e comunitárias. E mais, a experiência do crime representa um dilaceramento do
relacionamento vítima-ofensor, criando um vínculo alicerçado na hostilidade mútua. É de se esperar,
naturalmente, que o bem-estar das partes envolvidas sofra impactos significativos, demandando
atenção e cuidado, conforme discutiremos adiante.

Apoiando-se em autores abolicionistas penais, a exemplo do criminologista Louk Hulsman,


Zehr (2008) defende que o crime envolve um conflito. E o que isso significa? Que o crime ou emerge
de um conflito prévio entre as partes e/ou gera conflitos interpessoais a posteriori. Dessa forma,
situações litigiosas- criminalizadas ou não- poderiam ser consideradas oportunidade de aprendizado
e crescimento.

Além de interpessoal, o crime abarcaria, uma dimensão social. Por esta razão, a sociedade,
enquanto parte interessada, tem um importante papel a desempenhar. Entretanto, Zehr (2008) nos
alerta que os interesses e necessidades da sociedade não devem ser o centro, tampouco o ponto de
partida do processo: “o crime não é primeiramente uma ofensa contra a sociedade, muito menos
contra o Estado. Ele é em primeiro lugar uma ofensa contra as pessoas, e é delas que se deve partir”
(p. 172).

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Deste modo, colocamos a pessoa como Centro do processo jurídico, porque confiamos no seu
potencial irrestrito para encontrar os melhores caminhos no sentido de preservação de sua integridade
e do seu crescimento. Quando conseguimos olhar verdadeiramente para a pessoa e aceita-la
incondicionalmente, sem julgamentos, independente das motivações que à conduziram para a prática
da ofensa e do crime, poderemos encontrar sua tendência atualizante trabalhando para juntar as partes
da sua estrutura do eu que foram quebradas e a pessoa tenderá a entrar em estado de maior
congruência.

Nesse ponto, o autor supracitado problematiza ao menos dois pressupostos construídos


socialmente acerca do crime: a) total segurança e ordem são possíveis no contexto de uma sociedade
livre e, b) quase sempre pensamos na ordem como controles formais, ou seja, regras e penalidades.
No contexto do controle social do crime e coesão social, a Justiça Restaurativa teria como grande
desafio conciliar a liberdade pessoal e o poder coercitivo do Estado, valorizando os sistemas informais
de controle (crenças, pressões, obrigações sociais e recompensas pela conformidade) frente aos
formais.

Carl Rogers (1986) já confiava, ao se referir à tendência atualizante, no potencial humano para
isso:

A pessoa é livre para escolher qualquer direção, mas, na realidade, ela seleciona
caminhos positivos e construtivos. Eu só posso explicar isso em termos de uma
tendência direcional inerente ao organismo humano - uma tendência para crescer, se
desenvolver e realizar plenamente seu potencial (ROGERS, 1986, p.127).

Para Rogers esta atualização é a motivação do ser humano na qual o seu próprio ser, enquanto
organismo, caminha no sentido da busca do equilíbrio, da satisfação, do aperfeiçoamento. É a
tendência que guia a construção da personalidade. Está presente em todos os organismos, mas se
expressa de maneira única em cada um como elemento de vida, portanto é somente na presença ou
ausência deste processo que se pode afirmar que o organismo está vivo ou morto (FREIRE, s/a).

Outro aspecto da tendência atualizante é a sua natureza pró-social, ou seja, ela impulsiona
todo organismo na direção da sociabilidade. Logo, ela promove uma capacidade de empatia e
simpatia, está presente nas atitudes de comunicação e colaboração social, na capacidade do ser
humano de construir regras e acordos sociais, assim como o esforço para cumpri-los (FREIRE, s/a).

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Mesmo diante da instauração de relações conflituosas, nas quais as pessoas se veem
emaranhadas com sentimentos e emoções que muitas vezes não compreendem, afetadas de forma que
perdem momentaneamente a capacidade de discernir sobre decisões mais acertadas, mesmo que
muitas vezes estas pessoas tenham atitudes que não estão sintonizadas com o que pensam e o que
sentem, ainda assim, elas têm a capacidade de lidar com seus próprios problemas desde que haja um
clima em que elas possam fazer isso.

Portanto, há no ser humano uma inclinação para manifestação das potencialidades e


habilidades sociais principalmente quando encontra um clima propício para sua livre expressão:

Quando somos capazes de libertar o indivíduo da defensividade, de forma que esteja


aberto a larga extensão das suas necessidades, bem como a larga extensão das
demandas sociais e ambientais, pode-se confiar que suas reações serão positivas,
dirigidas para frente, construtivas (ROGERS, 1958, p.28).

A tendência à atualização tem mais potencialidade de se desenvolver no sentido que a pessoa


se oriente para sua autodeterminação e crescimento na medida em que encontra condições que
facilitem este processo. Estas condições são a Empatia ou Compreensão Empática, Aceitação Positiva
Incondicional e Congruência ou Autenticidade.

As condições para desenvolvimento do potencial humano em um contexto de conflitos

Em uma relação inter-humana, a empatia é a capacidade de perceber e compreender o mundo


a partir do ponto de vista do outro. A empatia era vista por Rogers não apenas como uma resposta
reflexa ao comportamento do outro, mas também como “habilidade aprendida/ desenvolvida que
envolve o estabelecimento de vínculos cognitivo-afetivos entre duas ou mais pessoas, durante os
quais alguém se permite, deliberadamente, sensibilizar-se e envolver-se com a vida privada de outros”
(SILVA et al., 2017, p. 27).

A compreensão empática diz da nossa habilidade e real capacidade de nos colocarmos no


lugar da outra pessoa e poder ver o mundo a partir de sua ótica, mergulhar na experiência do outro e
saber como ele se sente no caleidoscópio de situações que está envolvido.

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Na ocasião do crime, se instaura uma cisão na relação entre vítima e ofensor, transbordando
no fechamento da experiência empática. Estas duas pessoas terminam assumindo papéis e colocando
lentes de visão– associadas a estes papéis– que torna suas percepções muitas vezes distorcidas e
limitadas. Porém, não é apenas a relação entre ambos que se compromete, mas também a visão,
consequentemente a atuação da Justiça com relação as pessoas envolvidas no delito.

A empatia atua no sentido de devolver às partes envolvidas uma possibilidade de legitimação


de ambas as experiências, de reconhecimento e compreensão profunda dos sentimentos que emergem,
de duas pessoas que possivelmente sofrem com o dano ocorrido. Para Gusmão (1983) a empatia é um
processo de transformação mútua, uma fusão de personalidades que afeta o campo da interação com
a capacidade de promover uma nova reação química, ou seja, se criar um terceiro, uma nova
possibilidade.

A autora ainda acrescenta que a empatia não ocorre no vazio de relação, mas na reciprocidade
que promove aprendizagem e mudança, abre a possibilidade de autocorreção, as pessoas tendem a
vencer os bloqueios de suas personalidades, caminham para um estado de maior integração das partes
de si que estão alienadas, permite que as pessoas possam se integrar aos aspectos de sua experiência
formando terreno para caminhar numa maior congruência/autenticidade.

No âmbito da Justiça, esta nova possibilidade, que surge a partir da experimentação com estas
condições facilitadoras, pode abrir o campo de reconciliação, da resolução do conflito, do encontro
de uma alternativa menos danosa para ambas as partes.

Na perspectiva da Justiça Retributiva, alicerçada na crença de que o sujeito que comete um


crime é uma pessoa má, que é culpada, que é insensível, tomada pela crueldade e que merece pagar
pelo erro que cometeu, constrói uma imagem do ofensor distante do que a pessoa realmente é, porque
encurta o grau de visão acerca da complexidade do fenômeno, e tira a pessoa do centro do problema.
Na perspectiva rogeriana, podemos promover um clima de aceitação incondicional, sem proferir
qualquer julgamento à pessoa que cometeu a ofensa. Esta aceitação permite que a pessoa entre em
contato com o melhor que tem em si, e passa a aceitar-se “incorporando experiências previamente
negadas na estrutura do eu” (ROGERS, 1997, p.88).

Na aceitação incondicional, aceita-se a pessoa como ela é, com aquilo que se convencionou
chamar de defeitos e qualidades e não se preocupa com como a pessoa deveria ser. Este conceito

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descontrói muitas das nossas crenças sobre a formação do sujeito perfeito, idealizado, sem defeito,
típico da modernidade. Aceitar a pessoa exatamente como ela é abre o campo de aproximação com a
diferença que nos constitui, nos fazendo acolher um outro distinto da nossa experiência, em uma
atitude desafiadora, já que este outro é desconhecido e, por isso, pode ser ameaçador. Porém, “à
medida que o indivíduo se torna capaz de assumir sua própria experiência, caminha em direção a
aceitação da experiência dos outros (ROGERS, 1997, p.198).

Esta experiência pode ou não estar baseada no alinhamento que aponta seu próprio organismo.
Partindo do princípio de que todo ser humano tem a necessidade de amor (aceitação), tende a viver
de forma que possa receber e encontrar esse amor, mas se no seu desenvolvimento o fluxo de amor é
interrompido, e ele viva situações nas quais, para que ele receba este amor seja necessário se distanciar
de seu organismo, isso tende a gerar experiências de incongruência. O eu (self) conforme Silva e
Freire (2014, p. 96) “surge como uma parte do campo da percepção e vai se diferenciando a partir da
experiência valorativa que faz do mundo e de si mesmo, sendo seus elementos aquilo que é controlado
por ele.”

O self vai sendo forjado nesta relação entre o organismo e o ambiente possibilitando que a
pessoa construa uma série de valores e crenças sobre si mesma que são resultados tanto da cultura
que ela está inserida, quanto do funcionamento do organismo. A tendência atualizante segundo Silva
e Freire (2014) caminha de forma unificada quando a experiência do eu e do organismo estão
congruentes, porém tudo aquilo que se desenvolve na pessoa que não esteja na direção desta
congruência aparece como razão importante para “aquilo que se convém chamar de psicopatologia”
(p. 96).

Concordamos com Salm e Leal (2012) quando afirmam que Justiça Restaurativa é “uma
possibilidade de justiça calcada em valores e relações interpessoais (multiplicidade humana e
valorativa) onde se propõe a restauração da responsabilidade, da liberdade e da harmonia que existem
nos grupamentos sociais” (p. 196). Essa perspectiva de Justiça fundamentada numa atitude de
aceitação positiva incondicional que valoriza o humano como pessoa digna de respeito e confiança
tem como fio condutor de toda relação, o desenvolvimento do amor e da aceitação da alteridade a
partir do entendimento que esta diferença é o que enriquece a vida e que em qualquer relação é preciso
incluir o Outro em sua singularidade (SILVA; FREIRE, 2014).

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Os desdobramentos do crime e a escuta acolhedora

A justiça restaurativa volta-se para a identificação e satisfação das necessidades humanas. Na


ocorrência de um crime, as questões norteadoras das ações a serem empreendidas seriam, segundo
Zehr (2008), “quem sofreu o dano?”, “que tipo de dano?”, “o que estão precisando?”. O foco,
portanto, desloca-se do “quem fez isso?” (culpabilização) e “o que faremos com o culpado?”
(penalização), característicos da perspectiva retributiva.

As necessidades das vítimas, reafirma-se, devem ser priorizadas. O autor aponta que elas
demandam apoio, segurança, reparação, justificação, empoderamento, participação, encontrar
significado para o dano e a violação sofridos. O atendimento dessas necessidades passa pela
oportunidade de contar a história repetidamente, criando-se um espaço para ressignificação de
sentimentos e sofrimentos. Nesse processo, a escuta acolhedora revela-se titular de uma função de
grande importância:

A linguagem usada para dizer a verdade, se lamentar e exigir restituição é, via de


regra, bastante rude e raivosa. Devemos aceitar isso e ouvir verdadeiramente.
Somente assim as pessoas poderão superar essa fase e seguir adiante. (ZEHR, 2008,
p. 181)

Isso demanda a sensibilidade pelo relato da vítima, apreensão e compreensão de seus estados
internos, sem fazer nenhum julgamento de valor sobre sua subjetividade, em um exercício de
aceitação incondicional e compreensão empática, tal como proposta por Rogers.

Para Silva e Freire (2014) em respeito a este outro que apresenta sua versão é necessário
realizar uma escuta profunda e empática acolhendo o que ela traz de portas e janelas abertas para não
correr o risco de distorcer seu campo fenomenológico, o lugar da experiência da pessoa, visto que
sem o desenvolvimento da empatia se escuta “somente aquilo que quer ouvir, as confirmações da
teoria e dos (pre)conceitos já estabelecidos” (p. 100).

Não se deve perder de vista o caráter simbólico da restituição dos danos, que seria, segundo
Zehr, uma reação humana tão fundamental quanto a retribuição. Na perspectiva da vítima, esta
representa, para além da recuperação de perdas, um reconhecimento do erro e uma declaração de

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responsabilidade, por parte do ofensor (e da comunidade, quando cabível). É a forma concreta de
fazer com que a justiça restaure o equilíbrio.

Comunidades têm necessidades similares às da vítima. Considerando que o crime possui uma
dimensão social, conforme discutido anteriormente, a publicidade é uma das mais valiosas. Por esta
razão, o processo judicial criminal não pode ter caráter inteiramente privado, sigiloso. O ofensor, por
seu turno, também não pode ser negligenciado, pois “a identificação e tratamento das necessidades
dos ofensores é um elemento-chave da justiça restaurativa” (ZEHR, 2008, p. 188). É necessário que
sejam estimulados a questionar seus estereótipos e racionalizações sobre a vítima e o evento, e
desenvolvam habilidades laborais ou interpessoais, tais como responsabilidade.

Os aspectos emocionais também merecem cuidado especial: raiva, frustração, auto-imagem,


culpa, dentre outros. Zehr nos alerta que, assim como no caso das vítimas, o atendimento dessas
necessidades é condição para que os ofensores possam ter a experiência de closure, ou seja, de fechar
o ciclo e seguir adiante.

No tocante às obrigações decorrentes do crime, a primária recai sobre o ofensor: corrigir o


mal. Esta, segundo Zehr (2008), não é uma obrigação periférica tampouco opcional. O processo
judicial deveria estar voltado para “levar os ofensores a compreenderem e reconhecerem o mal que
fizeram e, em seguida, tomarem medidas, mesmo que incompletas e simbólicas, para corrigi-lo” (p.
186). Almeja-se que isso ocorra de forma espontânea e voluntária, admitindo-se, entretanto, que esse
reconhecimento simplesmente não emerja, tal como ocorre na reconciliação.

A responsabilização (prestar contas a alguém por um ato cometido) do ofensor envolve, além
do reconhecimento do dano e da ação para corrigi-lo, o compartilhamento da decisão sobre o que
precisa ser feito com a comunidade e a vítima. A responsabilização, portanto, possui várias camadas
e um caráter transformador:

Os ofensores devem responder pelos seus atos, mas a sociedade também. A


sociedade deve responder às vítimas, ajudando a identificar e atender suas
necessidades. Da mesma forma, a comunidade deve atender às necessidades dos
ofensores, buscando não apenas restaurar, mas transformar. (ZEHR, 2008, p. 190)

A participação das partes envolvidas no processo de responsabilização, intenta oferecer uma


vivência de que a Justiça está sendo operada. Além disso, diminui a sensação de distanciamento

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social, que, segundo Zehr e Towes (2006) apud Salm e Leal (2012), nos permite punir os infratores e
ignorar e/ou culpar a vítima, de forma diferente do que seríamos capazes de fazer se percebêssemos
suas humanidades.

Portanto, quando trabalhamos na Justiça Restaurativa, devemos estar abertos a “respostas


(múltiplas) complexas de acordo com o caso a que se dirige, e, coproduzidas pelos próprios
envolvidos, maiores conhecedores do contexto da relação conflituosa” (SALM; LEAL, 2012, p. 204).
Para isso, conforme Rogers propõe, é necessário desconstruir a figura de autoridade do psicoterapeuta
- no nosso caso, do aparelho estatal- para que as pessoas conduzam o processo (MOREIRA, 2010).
Deve-se renunciar ao papel de especialista, confiando que as partes e a comunidade são capazes de
encontrarem as saídas necessárias.

O lugar da fala nos processos restaurativos

Ressaltamos que em todo processo restaurativo, o ato de fala é pedra angular. Está
intimamente relacionado com a noção de empoderamento, valorização da capacidade discursiva dos
envolvidos. Parte-se da premissa de que as pessoas são profundas conhecedoras de suas próprias
vidas, da comunidade em que se insere, e, seus conhecimentos são, portanto, relevantes. Por isso,
“devem ser assim reconhecidos e trazidos para a arena decisória compartilhada da coprodução de
sociabilidade, de histórias e de justiça (SALM; LEAL, 2012, p. 197).

Os princípios mencionados até o momento estão expressos nos procedimentos restaurativos,


e os diferenciam de outros métodos de resolução dialógica e consensual de conflitos e/ou violências.
A Resolução 2002/12 das Organização das Nações Unidas (ONU, 2012), sobre os princípios básicos
para utilização de programas de justiça restaurativa em matéria criminal, define processo restaurativo
como qualquer processo no qual a vítima e o ofensor, e, quando apropriado, quaisquer outros
indivíduos ou membros da comunidade afetados por um crime, participam ativamente na resolução
das questões oriundas do crime, geralmente com a ajuda de um facilitador.

Os processos circulares (PRANIS, 2010), dentre os quais se incluem os círculos restaurativos,


fazem parte destes métodos. Fundam-se no encontro e diálogo entre as pessoas envolvidas em um
conflito, por meio dos quais se trabalham autoconfiança, autonomia e capacidade de escuta empática,
com vistas à transformação ascendente das relações rumo à não-violência. A circularidade das falas,

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sem haver uma comunicação direta e linear entre as partes que estão em situação de conflito e
violência explícita, possibilita que outros sentidos sejam construídos e atribuídos aos fatos.

Assim, se formam as condições necessárias para transformação de relacionamentos via


elaboração de planos de ação efetivo com novas formas, consensuadas, de conduzir comportamentos
e convivências. Os processos circulares asseguram a horizontalidade entre pessoas envolvidas direta
e indiretamente em um ato violento, comunidade e sociedade organizada, por meio de instituições de
garantia de direitos. Esse, portanto, é um caminho possível, viável, eficiente e justo para efetivação
de uma convivência mais participativa e responsável (PENIDO; MUMME; ROCHA, 2016).

Considerações finais

Compreendemos a Justiça Restaurativa de forma ampla, não restritiva a situações de conflito,


sejam elas criminalizadas ou não. Mais do que isso, suas práticas podem auxiliar na reconstrução da
vida em comunidade, em uma perspectiva ética e emancipatória. Observamos que este modelo de
justiça leva em condição a multidimensionalidade humana (SALM; LEAL, 2012).

A Justiça Restaurativa se faz por meio de dinâmicas comunitárias consensuais (baseadas no


diálogo e sempre visando a inclusão) de resolução e transformação de conflito. Tem seu foco na
restauração das relações afetadas pela ofensa, na reparação dos danos e no entendimento das causas
que levaram ao desequilíbrio e à ofensa. Defende que o processo de responsabilização -
qualitativamente diferente ao de punição - se faça de modo dialógico, ativo e de forma consciente por
meio daquele que ocasionou o dano e de todos que contribuíram, direta ou indiretamente, para que
este ocorresse. Nesse espaço, vislumbra-se que a própria justiça possa ser posta em pauta, a partir das
experiências pessoais, dos sentidos e valor atribuídos ao justo e injusto (ZEHR, 2008; PENIDO;
MUMME; ROCHA, 2016).

Situamos a JR e a Abordagem Centrada na pessoa no âmbito da Cultura de Paz. Encontramos


convergências das práticas restaurativas com os conceitos rogerianos de empatia, acolhimento,
escuta, consideração incondicional e congruência. A ACP nos ajuda a pensar em processos de
mudança ocorridos a partir de experiências inter-humanas, nas quais o acolhimento da alteridade tem
um lugar privilegiado.

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Ambas as perspectivas trazem uma revolução no modo de pensar a subjetivação da vida
mostrando que a construção da Cultura de Paz passa por mudanças no modo que construímos nossas
relações a partir daquilo que desejamos e podemos ser, manifestando toda nossa potencialidade. O
que Amatuzzi (2010, p. 13) mencionou acerca de Rogers também se aplica a Justiça Restaurativa:
“Rogers reaproximou a ciência daquilo que era eminentemente humano, pois sua contribuição não
foi tecnológica, mas ética: ele não trouxe meios novos e sim fins novos. Mudança de paradigma”.

Referências

ARAÚJO, Iago Cavalcante; FREIRE, José Célio. Os valores e a sua importância para a teoria da
clínica da abordagem centrada na pessoa. Revista da Abordagem Gestáltica, 20(1), 2014, p. 86-93.
EVANS, Richard I. Carl Rogers: o homem e suas ideias. São Paulo: Martins Fontes, 1979.
MOREIRA, Virginia. Revisitando as fases da abordagem centrada na pessoa. Estud. psicol.
(Campinas), Campinas, v. 27, n. 4, p. 537-544, dez. 2010. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
166X2010000400011&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 20 de julho de 2018.
PENIDO, Egberto de Almeida; MUMME, Mônica Maria Ribeiro; ROCHA, Vanessa Aufiero da.
Justiça Restaurativa e sua humanidade profunda: diálogos com a Resolução 225/2016 do CNJ. CRUZ,
Flávio Bittencourt da (coord.) Justiça Restaurativa: Horizontes a partir da Resolução CNJ 225.
Brasília, DF: CNJ, 2016. p. 163-213. Disponível em:
http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/08/4d6370b2cd6b7ee42814ec39946f9b67.pdf.
Acesso em: 20 de julho de 2018.
ROGERS, Carl. Tornar-se pessoa. Trad. Manoel José do Carmo Ferreira e Alvamar Lamparelli:
Revisão Técnica Cláudia Berlinerl. 5ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
ROGERS, C. R. (1974b). Terapia centrada no paciente. 2ª. ed. Lisboa: Moraes Editores.
(Originalmente publicado em 1951).
SALM, João; LEAL, Jackson da Silva. A Justiça Restaurativa: multidimensionalidade humana e seu
convidado de honra. Sequência (Florianópolis), Florianópolis, n. 64, p. 195-226, jul. 2012.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2177-
70552012000100009&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 18 de julho de 2018.
SILVA, Marinilson Barbosa da; SOUZA, Sandra; AQUINO, Thiago Antônio Avellar de.
Contribuições humanístico-existenciais acerca da paz. DAMIANI, Suzana; HENSEL, Cláudia Maria;
QUADROS, Maria Suelena Pereira De. Cultura de Paz: processo em construção. Caxias do Sul, RS:
EDUCS, 2017. pp. 21-36.
ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. Trad. Tônia Van Acker.
São Paulo: Palas Athena, 2008.

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