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ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE FILOSOFIA E PSICANÁLISE

ANA LÚCIA RAMOS MATHEUS GARCIA

A ACEPÇÃO DE FREUD SOBRE AS NEUROSES

BAURU/SP
2012-03-09
INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo é discorrer sobre a acepção das neuroses nas


teorias de Freud, e assim, permitir-nos-á uma idéia clara e concisa, de forma a
embasarmos com segurança nosso trabalho clínico e futuros trabalhos teóricos
que necessitem utilizar a acepção das neuroses a outros conceitos de teoria
psicanalítica.
A questão que direciona nosso artigo é qual a acepção das neuroses na
obra de Freud?
Assim, faremos um esquema das neuroses, sob o ponto de vista técnico
tentando dar ao leitor um resumo ortodoxo das mesmas. O que caracteriza a
Psicanálise como ciência não é, pois a matéria de que trata, mas a técnica que se
emprega. Seu único fim e sua única função consistem em descobrir o
inconsciente na vida psíquica.

Neuroses

Conforme Silva (1968), Freud divide as neuroses em dois grupos: As


neuroses atuais, em que a causa é uma perturbação atual do funcionamento
genital, onde se enquadram a neurastenia, a neurose de angústia e a hipocondria.
A neurastenia por excessos sexuais, a neurose de angústia consiste em
um estado permanente de ansiedade, onde aparecem crises paroxísticas de
angústia sem nenhum motivo aparente, cuja causa reside na excitação erótica
não satisfeita. A hipocondria raramente apresenta-se isolada e, às vezes constitui
o prenúncio de uma psicose (esquizofrenia).
No segundo grupo estão classificadas as psiconeuroses, aquelas que têm
a origem na perturbação do desenvolvimento psicossexual. Neste grupo
encontramos a histeria, que é às vezes uma conversão da energia da libido que
se opera na trama da inervação corporal. Para Freud a histeria é um meio de
expressão empregado pelo paciente para traduzir as tendências eróticas
recalcadas, sendo o ataque histérico um equivalente imaginário, plástico-erótico,
paroxístico e provocado por uma lembrança ou por um motivo físico de ordem
sensual (SILVA, 1968).
Silva 1968 afirma que para Freud os histéricos sofrem de reminiscências,
prendem-se ao passado, ou seja, não querem saber do presente e da realidade.
Seus sintomas são resíduos simbólicos e comemorativos de acontecimentos
passados e também afetivos. Na histeria os sintomas aparecem sob outros
aspectos, também apresentando sintomas obsessivos, onde encontramos afora
as perturbações psicossexuais, o chamado fenômeno de conversão, que não é
outra coisa senão o reflexo dessas perturbações psíquicas na trama de inervação
corporal. Assim, a histeria tem para a Psicanálise uma significação diversa das
opiniões correntes. Desintegrando a histeria veremos que as suas raízes se
fortalecem numa regressão à vida infantil, motivada pela anormalidade nas etapas
da Libido.
Ainda nesse mesmo grupo vêm as fobias e as obsessões, que não são
mais que substituições de idéias, imagens absurdas, provocadas por impulsos
recalcados que tiveram suas raízes quase sempre na infância (sadismo,
masoquismo, tendências incestuosas, etc.). Tratando-se de um deslocamento da
acentuação emocional e que mantém a consciência em permanente ação
agressiva com a censura. A obsessão resulta então de uma defesa incompleta da
personalidade. Conforme Freud os atos que se realizam, os obsessivos, são
sempre inocentes e insignificantes, consistindo quase sempre em repetições
cerimoniosas das ações mais correntes da vida cotidiana, etc. Todos esses atos
impostos aos doentes acham-se ligados à substituição de uma idéia absurda por
outra, que não é menos absurda, variando o quadro sintomático (SILVA, 1968).
Também, num certo sentido diz Freud, todo indivíduo normal tem uma
espécie de cerimonial na sua vida íntima. Precisando assim de certas condições
para conciliar o sono, por exemplo, certas formalidades que precisam repetir
todas as noites, etc. O cerimonial obsessivo, porém carece de flexibilidade.
Impõe-se ao preço dos maiores sacrifícios, diferenciando-se daquele, sobretudo
por exagerada minuciosidade. A investigação consiste então em descobrir a
situação passada na qual tiveram esses atos ou idéias um sentido determinado. É
o porquê revelado pela técnica psicanalítica.
Silva (1968) afirma que se quisermos compreender melhor tudo isso, devemos
concluir que os sintomas obsessivos defendem impulsos, substituindo, por
inocentes tendências, outras que levariam o individuo a desatinos. As tendências
perigosas ficam proibidas de se manifestar pela realização do ato obsessivo. O
doente se refugia na neurose, mantendo sua obsessão em detrimento do principio
do prazer, que lhe é vedado pela realidade, não podendo satisfazer seus impulsos
sofre e para justificar esse sofrimento, numa forma de desprazer menos intensa,
encontra nos atos obsessivos a sua própria defesa.
Podemos concluir então que as neuroses se dividem então, tal qual foi dito
em dois grupos: neuroses atuais, também chamadas de reais, ou ainda neuroses
propriamente ditas, e psiconeuroses, que assim se denominam por possuir
apenas um conteúdo psicossexual. Enquanto as do primeiro grupo se enlaçam a
fatores de outra ordem, as psiconeuroses são puramente psicanalisáveis, uma
vez que não são mais substituições disfarçadas das idéias reprimidas (SILVA,
1968). Na psiconeurose é o individuo que nos favorece a conversão do
inconsciente em consciente por meio da técnica psicanalítica, ou seja, através da
transferência, fator esse importantíssimo, que é um fenômeno muito comum, onde
transferimos aquilo que nos oprime ao nosso confidente, pessoa na qual
depositamos inteira confiança. O que difere a transferência comum e a
psicanalítica é que nesta ultima há uma técnica, capaz de orientar a associação
de idéias, preenchendo lacunas da memória, as amnésias. Vale ressaltar que
nem todas as neuroses são acessíveis à transferência, porém as psiconeuroses
são as únicas que possuem esta qualidade essencialmente psicanalítica, de
serem os seus sintomas interpretados, desmascarados, compreendidos pela
consciência através da análise e, por conseguinte libertados. Podemos concluir
então que as neuroses podem ser classificadas de maneira simples, em neuroses
com transferência e neuroses sem transferência. Vendo assim que estas últimas
não se limitam apenas a órbita psicanalítica, uma vez que estão ligadas
duplamente a perturbação, a um tempo psicofísica. Porém como raríssimas vezes
as neuroses, como tantas afecções, são essenciais, a Psicanálise tem
principalmente nestes últimos tempos prestado reais serviços, associada a outros
métodos de cura.
No quadro das neuroses propriamente ditas, neuroses de causas
psicofísicas podemos incluir as psicoses. Nas psicoses as afecções mentais são
devidas a um mecanismo mais obscuro ainda, no qual a realização simbólica dos
desejos recalcados assume igualmente o papel primordial. Contudo o ato de
defesa contra as idéias penosas à consciência moral é, por assim dizer mais
radical, mais profundo. Tal é a loucura periódica, que consiste em intervalos
periódicos mais ou menos longos de excitação e de depressão psíquicas. A
demência precoce (esquizofrenia), que envolve quase todas as loucuras que se
encontram em hospitais de alienados, consiste essencialmente numa perda de
contato com a realidade. O indivíduo absorvido dentro de um sonho interior
projeta uma atividade simbólica, à primeira vista incompreensível. Dentro da
defesa suprema da personalidade, potencialmente intata do meio ambiente de um
sonho imaginativo no qual se materializam aos seus olhos todos os complexos
recalcados. Da mesma maneira a paranóia, ou o delírio crônico, geralmente de
persecução, que se exterioriza com localização sobre um conjunto de tendências
sentimentais recalcadas – em particular homossexuais (Silva, 1968).
Segundo Freud, a concepção de paranóia possui um íntimo parentesco
com a demência precoce, até o ponto de reunir as duas sob denominação comum
de parafrenia. Os enfermos mostram duas características principais: Mania de
grandeza e a falta de todo o interesse pelo mundo exterior (pessoas ou coisas).
Esta circunstancia afasta-se quase totalmente sob o influxo da Psicanálise.
Porém, a indiferença do parafrênico ante ao mundo exterior, apresenta caracteres
particulares que é necessário determinar.
O histérico e o neurótico obsessivo também perdem sua relação com a
realidade, mas a análise demonstra que apesar disso eles não rompem suas
relações eróticas com pessoas ou coisas, ao contrário conservam tais relações
em suas fantasias, substituindo assim os objetos reais por outros imaginários, ou
misturando-os com eles. Por outro lado renunciam a realizar os atos motores
necessários para conseguir uma finalidade em tais objetos. É isto que se chama
em Psicanálise introversão da libido. Na parafrenia, o doente retira realmente sua
libido das pessoas e das coisas do mundo exterior, sem substituí-las por outras
na sua fantasia. Quando em algum caso isolado, encontra-se uma substituição,
está será sempre de caráter secundário e corresponde a uma tentativa de cura
(Silva, 1968). Tal é o caso de Schreber, narrado por Freud, na parafrenia a libido,
subtraída ao mundo exterior, fica ligado ao eu, surgindo assim um estado a que
se dá o nome de narcisismo. O valor dos conceitos da libido do eu e a libido
objetivada reside principalmente na procedência da elaboração dos caracteres
íntimos dos processos neuróticos e psicóticos.
A divisão da libido própria do eu e outra dos objetos é o prolongamento
inevitável de uma primeira hipótese que dividiu os instintos em instintos do eu e
instintos sexuais.
Podemos concluir que as neuroses são sempre o resultado de uma
disposição, por fixação libidinal, quer hereditária, quer por acontecimentos
infantis. Esta última apresenta importância para a Pedagogia, cuja missão é de
prevenir a neurose, intervindo desde logo no desenvolvimento sexual da criança.
Tal vantagem, porém não deixa de ser duvidosa e delicada. Duvidosa por
favorecer uma exagerada repressão sexual que pode trazer resultados
desastrosos. Delicada ao evitar impressões desta ordem.
Enfim, podemos então classificar as neuroses segundo Freud da seguinte
maneira:

Psiconeuroses ou neuroses com transferência:


 Histeria
 Neurose obsessiva ou coacta
Neuroses atuais ou reais:
 Neurastenia
 Neurose de angústia
 Hipocondria
Psicoses, também chamadas neuroses narcísicas:
 Parafrenias
 Esquizofrenia (ou demência precoce)
 Paranóia (ou estados paranóicos)
 Psicose maníaco-depressiva
 Psicose alucinatória

Ainda conforme Silva (1968) pode ser incluída em outras neuroses, a


neurose de guerra, a epilepsia, a impotência, a frigidez, etc. Sobre as neuroses de
guerra Freud, Ferenczi, Abraham, Simmel e Jones, apresentaram curiosas
contribuições no 5º Congresso Internacional de Psicanálise. Concluindo que as
neuroses de guerra são oriundas de forças instintivas que se exprimem na
formação dos sintomas, os quais se originam por sua vez do conflito do eu (ego) e
os instintos sexuais por eles repudiados. O que parece é que nas neuroses
traumáticas e de guerra o eu defende-se contra um inimigo exterior que o
ameaça, ou que para ele se concretiza, graças a uma situação estranha ao seu
próprio ego. Nas neuroses de transferência do tempo da paz, o ego considera a
libido como inimiga, cujas exigências lhe parecem ameaçadoras. Em ambos os
casos, o ego tem medo de ser lesado, aqui pela libido, ali por violências
exteriores. Vale ressaltar que o estudo das neuroses de guerra ficou apenas
iniciado, pois foi quase ao terminar a hecatombe, começada em 1914, que tais
pesquisas principiaram a ser encetadas em gabinetes improvisados no próprio
front, mas desde logo o trabalho se viu interrompido pela terminação daquele
conflito universal (Silva, 1968).
Enfim, o sintoma neurótico não é a tendência em si, mas a tendência
disfarçada. È uma espécie de febre psíquica, obscura, sem causa aparente, cuja
significação depende da agudeza e do exame inteligente do clínico, ou seja, a
neurose é, pois uma perturbação psíquico-nervosa oriunda de um conflito entre
uma tendência agressiva à personalidade e outra que a esta reage por um
processo de defesa. Podemos então concluir que ao serem lidas todas as
interpretações de Freud sobre as neuroses e sua classificação, podemos
perceber o valor histórico da sua teoria, pois com a evolução da psicanálise as
neuroses sofreram modificações em sua estrutura, bem como maneira diversa,
quanto à interpretação.
REFERÊNCIAS:

Freud, Sigmund. Obras Psicológicas completas de Sigmund Freud: edição


standard brasileira. Volumes I, II, VII, X, XII, XIV, XVI, XVII, XX, XIX, XXI. Imago
Editora/ 2006. Rio de Janeiro/RJ.

Pereira da Silva, Gastão, Para compreender Freud. Enciclopédia de Psicologia e


Psicanálise, 1968. Editora Itatiaia Limitada. Belo Horizonte/MG.

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