O objetivo deste artigo é discorrer sobre a acepção das neuroses nas
teorias de Freud, e assim, permitir-nos-á uma idéia clara e concisa, de forma a embasarmos com segurança nosso trabalho clínico e futuros trabalhos teóricos que necessitem utilizar a acepção das neuroses a outros conceitos de teoria psicanalítica. A questão que direciona nosso artigo é qual a acepção das neuroses na obra de Freud? Assim, faremos um esquema das neuroses, sob o ponto de vista técnico tentando dar ao leitor um resumo ortodoxo das mesmas. O que caracteriza a Psicanálise como ciência não é, pois a matéria de que trata, mas a técnica que se emprega. Seu único fim e sua única função consistem em descobrir o inconsciente na vida psíquica.
Neuroses
Conforme Silva (1968), Freud divide as neuroses em dois grupos: As
neuroses atuais, em que a causa é uma perturbação atual do funcionamento genital, onde se enquadram a neurastenia, a neurose de angústia e a hipocondria. A neurastenia por excessos sexuais, a neurose de angústia consiste em um estado permanente de ansiedade, onde aparecem crises paroxísticas de angústia sem nenhum motivo aparente, cuja causa reside na excitação erótica não satisfeita. A hipocondria raramente apresenta-se isolada e, às vezes constitui o prenúncio de uma psicose (esquizofrenia). No segundo grupo estão classificadas as psiconeuroses, aquelas que têm a origem na perturbação do desenvolvimento psicossexual. Neste grupo encontramos a histeria, que é às vezes uma conversão da energia da libido que se opera na trama da inervação corporal. Para Freud a histeria é um meio de expressão empregado pelo paciente para traduzir as tendências eróticas recalcadas, sendo o ataque histérico um equivalente imaginário, plástico-erótico, paroxístico e provocado por uma lembrança ou por um motivo físico de ordem sensual (SILVA, 1968). Silva 1968 afirma que para Freud os histéricos sofrem de reminiscências, prendem-se ao passado, ou seja, não querem saber do presente e da realidade. Seus sintomas são resíduos simbólicos e comemorativos de acontecimentos passados e também afetivos. Na histeria os sintomas aparecem sob outros aspectos, também apresentando sintomas obsessivos, onde encontramos afora as perturbações psicossexuais, o chamado fenômeno de conversão, que não é outra coisa senão o reflexo dessas perturbações psíquicas na trama de inervação corporal. Assim, a histeria tem para a Psicanálise uma significação diversa das opiniões correntes. Desintegrando a histeria veremos que as suas raízes se fortalecem numa regressão à vida infantil, motivada pela anormalidade nas etapas da Libido. Ainda nesse mesmo grupo vêm as fobias e as obsessões, que não são mais que substituições de idéias, imagens absurdas, provocadas por impulsos recalcados que tiveram suas raízes quase sempre na infância (sadismo, masoquismo, tendências incestuosas, etc.). Tratando-se de um deslocamento da acentuação emocional e que mantém a consciência em permanente ação agressiva com a censura. A obsessão resulta então de uma defesa incompleta da personalidade. Conforme Freud os atos que se realizam, os obsessivos, são sempre inocentes e insignificantes, consistindo quase sempre em repetições cerimoniosas das ações mais correntes da vida cotidiana, etc. Todos esses atos impostos aos doentes acham-se ligados à substituição de uma idéia absurda por outra, que não é menos absurda, variando o quadro sintomático (SILVA, 1968). Também, num certo sentido diz Freud, todo indivíduo normal tem uma espécie de cerimonial na sua vida íntima. Precisando assim de certas condições para conciliar o sono, por exemplo, certas formalidades que precisam repetir todas as noites, etc. O cerimonial obsessivo, porém carece de flexibilidade. Impõe-se ao preço dos maiores sacrifícios, diferenciando-se daquele, sobretudo por exagerada minuciosidade. A investigação consiste então em descobrir a situação passada na qual tiveram esses atos ou idéias um sentido determinado. É o porquê revelado pela técnica psicanalítica. Silva (1968) afirma que se quisermos compreender melhor tudo isso, devemos concluir que os sintomas obsessivos defendem impulsos, substituindo, por inocentes tendências, outras que levariam o individuo a desatinos. As tendências perigosas ficam proibidas de se manifestar pela realização do ato obsessivo. O doente se refugia na neurose, mantendo sua obsessão em detrimento do principio do prazer, que lhe é vedado pela realidade, não podendo satisfazer seus impulsos sofre e para justificar esse sofrimento, numa forma de desprazer menos intensa, encontra nos atos obsessivos a sua própria defesa. Podemos concluir então que as neuroses se dividem então, tal qual foi dito em dois grupos: neuroses atuais, também chamadas de reais, ou ainda neuroses propriamente ditas, e psiconeuroses, que assim se denominam por possuir apenas um conteúdo psicossexual. Enquanto as do primeiro grupo se enlaçam a fatores de outra ordem, as psiconeuroses são puramente psicanalisáveis, uma vez que não são mais substituições disfarçadas das idéias reprimidas (SILVA, 1968). Na psiconeurose é o individuo que nos favorece a conversão do inconsciente em consciente por meio da técnica psicanalítica, ou seja, através da transferência, fator esse importantíssimo, que é um fenômeno muito comum, onde transferimos aquilo que nos oprime ao nosso confidente, pessoa na qual depositamos inteira confiança. O que difere a transferência comum e a psicanalítica é que nesta ultima há uma técnica, capaz de orientar a associação de idéias, preenchendo lacunas da memória, as amnésias. Vale ressaltar que nem todas as neuroses são acessíveis à transferência, porém as psiconeuroses são as únicas que possuem esta qualidade essencialmente psicanalítica, de serem os seus sintomas interpretados, desmascarados, compreendidos pela consciência através da análise e, por conseguinte libertados. Podemos concluir então que as neuroses podem ser classificadas de maneira simples, em neuroses com transferência e neuroses sem transferência. Vendo assim que estas últimas não se limitam apenas a órbita psicanalítica, uma vez que estão ligadas duplamente a perturbação, a um tempo psicofísica. Porém como raríssimas vezes as neuroses, como tantas afecções, são essenciais, a Psicanálise tem principalmente nestes últimos tempos prestado reais serviços, associada a outros métodos de cura. No quadro das neuroses propriamente ditas, neuroses de causas psicofísicas podemos incluir as psicoses. Nas psicoses as afecções mentais são devidas a um mecanismo mais obscuro ainda, no qual a realização simbólica dos desejos recalcados assume igualmente o papel primordial. Contudo o ato de defesa contra as idéias penosas à consciência moral é, por assim dizer mais radical, mais profundo. Tal é a loucura periódica, que consiste em intervalos periódicos mais ou menos longos de excitação e de depressão psíquicas. A demência precoce (esquizofrenia), que envolve quase todas as loucuras que se encontram em hospitais de alienados, consiste essencialmente numa perda de contato com a realidade. O indivíduo absorvido dentro de um sonho interior projeta uma atividade simbólica, à primeira vista incompreensível. Dentro da defesa suprema da personalidade, potencialmente intata do meio ambiente de um sonho imaginativo no qual se materializam aos seus olhos todos os complexos recalcados. Da mesma maneira a paranóia, ou o delírio crônico, geralmente de persecução, que se exterioriza com localização sobre um conjunto de tendências sentimentais recalcadas – em particular homossexuais (Silva, 1968). Segundo Freud, a concepção de paranóia possui um íntimo parentesco com a demência precoce, até o ponto de reunir as duas sob denominação comum de parafrenia. Os enfermos mostram duas características principais: Mania de grandeza e a falta de todo o interesse pelo mundo exterior (pessoas ou coisas). Esta circunstancia afasta-se quase totalmente sob o influxo da Psicanálise. Porém, a indiferença do parafrênico ante ao mundo exterior, apresenta caracteres particulares que é necessário determinar. O histérico e o neurótico obsessivo também perdem sua relação com a realidade, mas a análise demonstra que apesar disso eles não rompem suas relações eróticas com pessoas ou coisas, ao contrário conservam tais relações em suas fantasias, substituindo assim os objetos reais por outros imaginários, ou misturando-os com eles. Por outro lado renunciam a realizar os atos motores necessários para conseguir uma finalidade em tais objetos. É isto que se chama em Psicanálise introversão da libido. Na parafrenia, o doente retira realmente sua libido das pessoas e das coisas do mundo exterior, sem substituí-las por outras na sua fantasia. Quando em algum caso isolado, encontra-se uma substituição, está será sempre de caráter secundário e corresponde a uma tentativa de cura (Silva, 1968). Tal é o caso de Schreber, narrado por Freud, na parafrenia a libido, subtraída ao mundo exterior, fica ligado ao eu, surgindo assim um estado a que se dá o nome de narcisismo. O valor dos conceitos da libido do eu e a libido objetivada reside principalmente na procedência da elaboração dos caracteres íntimos dos processos neuróticos e psicóticos. A divisão da libido própria do eu e outra dos objetos é o prolongamento inevitável de uma primeira hipótese que dividiu os instintos em instintos do eu e instintos sexuais. Podemos concluir que as neuroses são sempre o resultado de uma disposição, por fixação libidinal, quer hereditária, quer por acontecimentos infantis. Esta última apresenta importância para a Pedagogia, cuja missão é de prevenir a neurose, intervindo desde logo no desenvolvimento sexual da criança. Tal vantagem, porém não deixa de ser duvidosa e delicada. Duvidosa por favorecer uma exagerada repressão sexual que pode trazer resultados desastrosos. Delicada ao evitar impressões desta ordem. Enfim, podemos então classificar as neuroses segundo Freud da seguinte maneira:
Psiconeuroses ou neuroses com transferência:
Histeria Neurose obsessiva ou coacta Neuroses atuais ou reais: Neurastenia Neurose de angústia Hipocondria Psicoses, também chamadas neuroses narcísicas: Parafrenias Esquizofrenia (ou demência precoce) Paranóia (ou estados paranóicos) Psicose maníaco-depressiva Psicose alucinatória
Ainda conforme Silva (1968) pode ser incluída em outras neuroses, a
neurose de guerra, a epilepsia, a impotência, a frigidez, etc. Sobre as neuroses de guerra Freud, Ferenczi, Abraham, Simmel e Jones, apresentaram curiosas contribuições no 5º Congresso Internacional de Psicanálise. Concluindo que as neuroses de guerra são oriundas de forças instintivas que se exprimem na formação dos sintomas, os quais se originam por sua vez do conflito do eu (ego) e os instintos sexuais por eles repudiados. O que parece é que nas neuroses traumáticas e de guerra o eu defende-se contra um inimigo exterior que o ameaça, ou que para ele se concretiza, graças a uma situação estranha ao seu próprio ego. Nas neuroses de transferência do tempo da paz, o ego considera a libido como inimiga, cujas exigências lhe parecem ameaçadoras. Em ambos os casos, o ego tem medo de ser lesado, aqui pela libido, ali por violências exteriores. Vale ressaltar que o estudo das neuroses de guerra ficou apenas iniciado, pois foi quase ao terminar a hecatombe, começada em 1914, que tais pesquisas principiaram a ser encetadas em gabinetes improvisados no próprio front, mas desde logo o trabalho se viu interrompido pela terminação daquele conflito universal (Silva, 1968). Enfim, o sintoma neurótico não é a tendência em si, mas a tendência disfarçada. È uma espécie de febre psíquica, obscura, sem causa aparente, cuja significação depende da agudeza e do exame inteligente do clínico, ou seja, a neurose é, pois uma perturbação psíquico-nervosa oriunda de um conflito entre uma tendência agressiva à personalidade e outra que a esta reage por um processo de defesa. Podemos então concluir que ao serem lidas todas as interpretações de Freud sobre as neuroses e sua classificação, podemos perceber o valor histórico da sua teoria, pois com a evolução da psicanálise as neuroses sofreram modificações em sua estrutura, bem como maneira diversa, quanto à interpretação. REFERÊNCIAS:
Freud, Sigmund. Obras Psicológicas completas de Sigmund Freud: edição
standard brasileira. Volumes I, II, VII, X, XII, XIV, XVI, XVII, XX, XIX, XXI. Imago Editora/ 2006. Rio de Janeiro/RJ.
Pereira da Silva, Gastão, Para compreender Freud. Enciclopédia de Psicologia e