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Sabrina n° 077
Amarga Traição
(Kyle's Kingdom)
Mary Wibberley
Fugindo de casa, Isla finalmente encontrou em Kyle alguém em quem podia confiar. E o
amou. Mas Kyle também a traiu!
Kyle Quentin, um gigante loiro e perturbador, apareceu tão de repente na vida de Isla
que ela mal teve tempo de resistir ao seu fascínio. Em duas semanas estava tão apaixonada
que o seguiu numa viagem inesperada, apesar de não saber nada sobre seu passado e ter uma
inexplicável sensação de que algo estava errado. O dia em que suas dúvidas seriam
esclarecidas estava próximo.
Voavam no jato particular de Kyle quando foram apanhados por uma tempestade, caindo
numa ilha deserta das Caraíbas. Só então Isla descobriu como estava sendo enganada pelo
homem que amava… e que agora só podia odiar e desprezar.
Este livro faz parte de um projeto sem fins lucrativos, de fãs para fãs. Sua distribuição é livre
e sua comercialização estritamente proibida. Cultura: um bem universal.
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CAPÍTULO I
Isla Duncan olhou para o calendário e sorriu. Três meses podem parecer muito
tempo, mas para ela passaram voando. Era a primeira vez, desde sua infância, que
escapava do severo domínio do pai. Parou um momento para pensar nisso; nunca antes
tinha vivido tal sentimento de liberdade.
Podia ouvir vozes de crianças próximas, e também uma voz de mulher. Falavam
português e, para seu espanto, Isla não só entendia tudo, como já conseguia falar a
língua bastante bem. Dentro de duas horas Kyle viria buscá-la para saírem juntos.
Kyle! Isla pensava nele com muita ternura. Tinham se conhecido há apenas dez dias,
porém ele a impressionou tanto que era como se o conhecesse a vida toda.
— Isla, você está muito quieta!
Aquela voz macia interrompeu seus pensamentos. Era Maria de Oliveira, sua
patroa e amiga, que estava de pé na porta da cozinha.
— Estava pensando… — Isla deu uma olhada no relógio de parede. — Meu Deus, é
melhor eu dar de comer às crianças agora mesmo ou elas vão morrer de fome.
Maria sorriu. Tinha trinta anos, dez mais do que Isla, e era uma mulher morena e
atraente; mãe de três crianças cheias de vida e ótima pessoa para se ter como amiga e
confidente.
— Você sabe muito bem que eu não faço questão de que cozinhe — respondeu
Maria, ao mesmo tempo que olhava sorridente para Isla. — Vá se arrumar antes que
Kyle chegue. Eu posso terminar o jantar.
— É cedo ainda. Ele não vai chegar antes das nove horas.
— Aonde vocês vão hoje à noite?
Isla sabia que Maria não perguntava por simples curiosidade, mas porque
realmente se importava com ela.
— Não sei. Ele me disse que seria uma surpresa, por isso vou ter que esperar
para saber. Mas certamente não voltaremos tarde.
Maria encolheu os ombros: — Ah, eu não perguntei por causa disso. É só porque
você não o conhece muito bem… Isto é…
— Você gosta dele? — Isla perguntou suavemente.
Os olhos azuis de Maria se arregalaram: — Sim, ele é um homem educado, tem
boa aparência e seu modo de agir chega a ser excepcional, por se tratar de um inglês.
Mas acontece que vocês não foram apresentados…
Ela parou de falar quando Isla começou a rir.
— Ora, Maria! Eu já lhe disse que na Inglaterra as coisas são diferentes agora.
De verdade. Bem, pelo menos — e seus olhos se tornaram sombrios — elas são
diferentes para a maioria das pessoas por lá. Para ser franca, eu nunca antes tinha
conhecido alguém por acaso, isto é, sem antes ter sido apresentada. Mas isso só
porque meu pai sempre foi super protetor.
Maria balançou a cabeça.
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— Eu sei, eu sei, querida. Deve ter sido muito difícil para você. Diga-me, ainda
escreve para ele?
— Sim. Apesar de tudo, acho que ainda lhe devo isso. Mas ele nunca vai ficar
sabendo onde estou. Todas as minhas cartas são enviadas de cidades diferentes. Ele
só sabe que estou no Brasil, porém é um país tão grande que será impossível descobrir
meu verdadeiro endereço.
— Sim — respondeu Maria —, mas só porque meu marido, que viaja
constantemente, pode fazer isso por você. Se não fosse isso, como é que você se
arranjaria?
Isla sorriu sacudindo a cabeça: — Bem, teria que descobrir outro jeito. Sei que
não devo simplesmente esquecer que meu pai existe. Mas, por outro lado, se você
soubesse o que é a gente se sentir prisioneira…
— Isla, se eu não tivesse realmente compreendido seus problemas familiares, não
ia aceitar que viesse trabalhar aqui em casa. E agora que você está conosco, não me
arrependo; foi à melhor coisa que me aconteceu ultimamente. Você tem sido tão
maravilhosa com as crianças. E elas adoram você.
Nesse momento, um pequeno vulto passou correndo como um raio pela porta da
cozinha e se jogou nos braços de Isla, berrando num inglês bastante duvidoso:
— Luís quer me pegar, Isla, não deixe! Maria sorriu:
— Está vendo só? Vá para fora, Adriano, já! Isla e eu estamos conversando. Saia
daqui!
O garoto loiro e bochechudo amarrou a cara e saiu da cozinha, relutante.
Isla levou uma frigideira ao fogo, cozinhando uma deliciosa mistura de carne com
legumes. As aulas de culinária, que tinham sido tão caras, eram muito úteis agora. Isla
nunca imaginou que um dia colocaria em prática esse curso. O pai tinha planejado um
futuro bem diferente para ela: um casamento com algum jovem rico, provavelmente
escolhido por ele mesmo, pois assim ela continuaria a levar a vida de sempre — muita
riqueza e luxo desnecessário associados ao aborrecimento e à monotonia de nunca ter
nada para fazer. A idéia desse futuro a apavorava.
— Bem — disse Maria —, já que você acha que está tudo sob controle, eu não vou
interferir. Acredite-me, Isla, você nunca vai imaginar o que sua companhia tem
significado para mim. Ainda mais com Roberto que está sempre viajando…
— Por favor, sou eu que agradeço, Maria, por você me ajudar quando eu mais
precisava. Nunca poderei lhe retribuir.
Isla nunca se esqueceria do dia de sua chegada ao Rio de Janeiro, três meses
antes, depois de uma longa e exaustiva viagem de avião. Ao desembarcar, telefonou
para Maria, que imediatamente a convidou para ficar em sua casa. Isla tinha conhecido
Roberto e Maria em Londres, por intermédio de seu pai. Encontrou-os somente duas
vezes, mas logo sentiu que poderia confiar neles. Assim, contou-lhes seus problemas
com o pai, seus planos para uma futura viagem, e procurou informar-se de algum lugar
onde pudesse se hospedar. Logo que chegou ao Rio, recebeu o convite de Maria, que
também lhe ofereceu um trabalho:
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nunca mais. Ontem, quando passava por aqui, um dos meninos gritou seu nome.
Ela se lembrava do que tinha acontecido. Foi quando Luís achou uma pedra
preciosa, ou pelo menos ele pensava que era preciosa. Era um pedaço de vidro verde
corroído pela água do mar.
Como se tivesse ensaiado a cena, Luís orgulhosamente tirou a pedra do bolso do
short azul e a exibiu a Kyle Quentin que, ao vê-la, deu um assobio fingindo espanto:
— Sim, entendo o que quer dizer: deve ser muito valiosa. Você nunca imaginou que
a encontraria, não é mesmo?
Porém, enquanto falava, ele olhava fixamente para Isla que, por alguma razão,
sentiu-se obrigada a desviar o olhar.
Depois daquela apresentação rápida e informal, Kyle ajudou-a a levar os garotos
para casa. Chegou a ficar surpresa e contente com ela mesma por aceitar o convite
dele para jantar fora naquela mesma noite. Maria, ao saber que ela ia sair com um
desconhecido, ficou horrorizada. Sentia-se responsável pela amiga, principalmente ao
notar que ela parecia muito interessada por ele. De tão apreensiva, resolveu
acompanhá-los para ficar perto de Isla durante todo o tempo que aquele estranho
estivesse em sua companhia.
Não foi necessário. Kyle era o tipo de homem que tinha charme bastante para
encantar até mesmo uma cobra, se quisesse. Foi um verdadeiro cavalheiro. Chegou até
a perguntar a Maria — delicadamente, mas sem muita convicção — se não gostaria de
acompanhá-los para jantar. Maria se desculpou; achava que não devia deixá-los
sozinhos, mas preferiu dizer a Kyle que não tinha ninguém para ficar cuidando das
crianças.
Desde então, Kyle e Isla saíam quase todas as noites. Ele tentou beijá-la na
primeira vez que saíram juntos; não tentou novamente na segunda noite, o que, por
vaidade, fez com que Isla ficasse aborrecida. Ela sabia como lidar com rapazes
infantis e inoportunos; Kyle era o oposto. Era um homem que agradava muito a Isla e
ao mesmo tempo não tocava um dedo nela; chegava a parecer desinteressado e isso a
deixava confusa.
Foi quase um alívio quando, na terceira noite, ao passar pelo corredor escuro que
levava ao apartamento, ele parou, puxando-a delicadamente para perto dele: — Espere
um momento — falou numa voz profunda e macia — há uma coisa que quero fazer a
muito tempo.
Foi então que ele a beijou. Já tinha sido beijada antes, porém, somente por
rapazes que seu pai escolhia e permitia que namorassem com ela. Foram situações
constrangedoras. Com Kyle era completamente diferente, parecia um sonho. Assim que
sentiu seus lábios, Isla correspondeu tão calorosamente que ficou chocada com seu
comportamento.
E agora, enquanto esperava as horas passarem lentamente até ele chegar,
imaginava se estaria apaixonada por Kyle.
Eram quase nove horas e Isla estava no quarto terminando a maquilagem quando a
campainha tocou. Ela sorriu; Kyle nunca se atrasara a um encontro. Se marcava para
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nove horas, lá estaria a essa hora, nem um minuto mais tarde ou mais cedo. Ouviu a voz
de Maria, seguida pela voz grave de Kyle, enquanto a porta se fechava atrás dele.
Ela saiu de seu devaneio e olhou-se no espelho. Tinha os cabelos castanho-claros,
compridos. Kyle os teria achado bonitos? Seu rosto tinha o bronzeado dourado do sol
do Rio de Janeiro e algumas sardas começavam a aparecer em seu nariz. A boca, de um
formato delicado, e os olhos azuis claros, sombreados por cílios um tanto escuros. Seu
tipo moreno era bonito. Engraçado, antes nunca tinha se preocupado tanto com a
aparência. Pegou a bolsa branca, amarrou a alça da sandália e saiu.
— Olá, Isla.
Kyle estava parado ao lado da janela quando ela entrou na sala. Usava calça cinza,
blazer azul-marinho e uma camisa branca que realçava seu bronzeado. Seus olhos
encontraram-se com os dela enquanto pegava sua mão com ternura. Maria observava
tudo com ar de aprovação. Kyle era muito gentil: sempre trazia flores ou bombons
para Maria e balas para os meninos.
— Quer tomar um café antes de sair, Kyle? — perguntou Maria.
— Não, obrigado. Eu reservei mesa para as dez horas e vamos levar uma hora
para chegar lá. — Olhou para Isla: — Você está pronta?
— Sim. Aonde vamos?
— Espere e verá. — Ele sorriu para Maria, piscando rapidamente um olho: — Você
acha que ela vai gostar?
— Tenho certeza que sim. É melhor vocês irem andando. Isla, está levando sua
chave?
— Sim, Maria.
— Boa noite. Voltaremos cedo.
Seu Volks vermelho estava estacionado a algumas quadras do apartamento, e eles
foram andando até lá. O céu escuro parecia veludo enfeitado de diamantes; uma noite
esplêndida para passear a pé, sentindo a brisa morna de verão. Kyle pegou-a pela mão
como se fosse a coisa mais natural do mundo. Ela trançou os dedos nos dele, sentindo o
calor de sua mão. Para eles, era como se as pessoas que passavam pela rua naquele
momento, não existissem.
— Feliz? — perguntou Kyle suavemente.
— Sim. E você?
— Ê claro que sim. — Ele riu como se estivesse surpreso. Ela sempre gostava de
ouvir sua risada sonora. — Por que não estaria contente junto de você?
Isla balançou a cabeça, indecisa. Nunca tinha conhecido alguém como ele, um
homem com tanto charme e sempre bem-humorado. Apesar disso, sentia que havia um
outro lado de seu caráter que ainda não conhecia, e que às vezes o tornava misterioso,
deixando-a confusa. Mas agora não era o momento para pensar nisso — tinham uma
noite inteira para se divertir a provavelmente ele a levaria a um lugar muito especial.
— Pronto? Está confortável aí?
— Sim, obrigada. — Ela jogou a bolsa no banco de trás do carro e colocou o cinto
de segurança. Kyle não dirigia muito devagar, porém Isla tinha plena confiança nele.
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Rodaram vários quilômetros e a cidade foi ficando para trás. Kyle diminuiu a
velocidade e virou à direita, seguindo por uma sinuosa estrada secundária que subia um
morro. Olhando para trás. Isla podia ver o mar escuro lá embaixo, até o horizonte,
espelhando os reflexos pálidos da lua. Os carros agora eram cada vez mais raros. Tudo
estava quieto.
Kyle parou no acostamento e desligou o motor.
— Gostaria de lhe fazer uma pergunta. O que acha de viajar uns dias comigo?
Ela virou-se lentamente para olhá-lo e sua expressão sem dúvida mostrou o que
estava pensando, porque ele balançou a cabeça rindo.
— Oh, não. Isla! Vamos, diga.
Ela ficou embaraçada.
— Dizer o quê?
— Está escrito no seu rosto: “Eis enfim a proposta habitual!” Não era isso que
estava pensando?
— Eu não sei. O que mais podia pensar?
— Simplesmente que eu gostaria de passar alguns dias com você. E isso é tudo,
sem maiores pretensões. Ou, se prefere que eu seja mais vulgar, não tentarei seduzi-
la, prometo.
Ela soltou o fôlego num longo suspiro.
— Oh, Kyle, desculpe Acontece que eu nunca tinha sido convidada dessa forma
antes.
— É mesmo? Bem, há sempre uma primeira vez. E eu que pensei que você ia vibrar
com o convite. Acho que Maria e Roberto não se importarão que você vá, não é?
— N… não, eu acho que não. Você os impressionou bem. E além disso, eu sou livre,
agora.
— Livre, agora? — ele repetiu sem entender. — O que você quer dizer com isso?
Isla nunca tinha lhe contado nada sobre seu passado e, por outro lado, ele
também nunca perguntou. E não pretendia falar a respeito: não por enquanto. Mais
tarde, talvez.
Ela sorriu:
— Não foi nada mais que uma força de expressão. Esqueça.
— Está bem, já esqueci. E então, o que me diz do convite?
— Eu adoraria. Quando iremos?
— Na semana que vem. Você gosta de voar?
— Eu não me importo. Mas para onde?
— Espere e verá. Eu não disse que tinha uma surpresa para você? Confia em mim,
não é?
— Sim — respondeu espontaneamente.
— Ótimo. — Ligou o motor do carro. — Não esqueça seu maiô.
— Está bem. Tenho três, levarei todos.
Não chegou a notar o olhar estranho que ele lhe dirigia, pois estava muito
ocupada pensando na viagem. E foi melhor para ela não ter percebido, porque aquele
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Mas no momento, mais fácil do que decifrar o homem era explorar o interior do
avião. Havia somente oito lugares. Quatro poltronas azuis de cada lado do corredor,
bem separadas umas das outras. Sem dúvida, um avião feito sob encomenda. Isla
virou-se para Kyle com os olhos arregalados.
Ela estava habituada ao luxo desde criança, a riqueza já fazia parte de sua vida.
Contudo, não queria deixar que ele percebesse e por isso procurou parecer muito
surpresa com o luxuoso avião:
— Estou realmente fascinada. Aquela é a “Cozinha”?
— Sim. Gostaria que nos fizesse um café quando estivermos voando.
Dessa vez ele sorriu. Aquele olhar distante que tinha há pouco havia
desaparecido.
O avião correu na pista e minutos depois sobrevoava o mar.
— Isla.
A voz dele interrompeu seus pensamentos.
— Sim? — respondeu ela que tinha levantado e estava perto da kitchenet.
— Quer me trazer o café agora?
— Claro. Quer comer alguma coisa?
— Não, ainda não tenho fome. E você?
— Também não. Posso sentar ao seu lado enquanto toma seu café?
Ele virou a cabeça para olhá-la: — Claro!
A pequena kitchenet estava cuidadosamente limpa e em perfeita ordem. Isla
colocou a água para esquentar e despejou um pouco de café instantâneo nas xícaras.
Lá embaixo, havia agora uma vasta mata verde-escura, que daquela altura parecia um
gramado. Mas na verdade eram milhões de árvores, uma floresta misteriosa. Por um
instante, ela sentiu um calafrio na espinha.
Com as xícaras na mão, caminhou cuidadosamente para não derramar o café no
caso de o avião trepidar. Mas não aconteceu nada, o aparelho era muito estável.
Sentia-se apenas a vibração dos motores.
— Aqui está o café.
— Obrigado. — Ele acendeu um pequeno charuto e o aroma se espalhou por toda a
cabine. Ela o observava, recostado comodamente na poltrona, segurando a direção;
suas mãos e braços eram fortes e sugeriam poder, assim como todo seu corpo.
Subitamente Isla se deu conta de que não conhecia absolutamente nada a seu
respeito! Sentiu-se perturbada com a idéia, mas agora já era muito tarde para
desistir da viagem; além disso, não queria desistir…
— Você está muito quieta.
— Só estava pensando.
Isla examinou o perfil de Kyle: o nariz comprido e fino, a boca larga, o queixo
quase teimoso, tudo lhe parecia muito, muito atraente. Imaginou se sentiria o mesmo
por ela. Aqueles cabelos curtos e loiros, queimados pelo sol, deviam ter sido castanhos
bem claros.
— Você não está com sono? — perguntou com receio de que ele percebesse que o
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observava.
— Não. — Por um instante, até pareceu se divertir com a pergunta. — Eu preciso
de poucas horas de sono. Além disso, podia dirigir está coisa mesmo dormindo.
— Não! Não tente fazer isso!
— Não se preocupe. Estou apenas brincando. — Mas, puxando uma alavanca, tirou
as mãos da direção, tentando assustá-la. — Agora até que podia mesmo ir dormir.
Em vez de fazer o jogo dele, Isla sem querer se traiu, mostrando que não era tão
ignorante sobre aviões.
— Ah, sim, o piloto automático.
— Ora, então conhece alguma coisa sobre jatos não é? Muito bem, ele é todo seu.
E dizendo isto, Kyle se levantou.
— Mas você não pode…
— Oh, sim, posso. Voltarei logo.
Isla sentou-se na poltrona do piloto. De certa forma, era assustador sentir-se no
comando do avião, mesmo que estivesse sob o controle do piloto automático. Tomou
cuidado para não tocar em nada, nem esbarrar no painel.
— Pronto. Estou de volta. Agora mude de lugar, já chega.
Ela olhou para cima, e Kyle estava inclinado sobre a poltrona com o rosto muito
próximo do seu. Por um momento, pareceu que ia beijá-la… porém não o fez. Isla
mudou-se para a poltrona do co-piloto. Seu pulso estava acelerado e teve a sensação
de que havia qualquer coisa diferente naquele homem, que ela não sabia explicar.
Isla olhou pela janela e tudo parecia tão pequeno lá embaixo, como se fosse um
brinquedo. Teria ainda muitas horas de viagem, com um homem que não conhecia.
Também não conhecia absolutamente nada sobre o local onde iam ficar. Nada além do
nome: ilha de Trintero, uma pequena mancha no meio de um mapa. Como seria esse
lugar?
Capítulo II
Já era noite, Isla tinha pegado no sono e agora Kyle a acordava, tocando
gentilmente em seu braço.
— Chegamos, Isla, acorde.
Ela bocejou, se espreguiçou e então tremeu um pouco: fazia frio no avião e seu
vestido era muito leve.
— Estamos em Trintero?
— Sim. Já podemos descer. Custons está nos esperando com um carro aí fora. —
Ele se curvou para soltar o cinto de segurança dela.
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Lá fora a escuridão era total e não se ouvia um ruído sequer. Podia ser um lugar
qualquer do mundo.
— Para onde vamos?
— Para um hotel. Você verá, vai gostar dele. Venha.
Ajudou Isla a descer do avião e, pegando-a pelo braço, foram caminhando até o
carro. O avião, estacionado e com as luzes apagadas, parecia agora um carro grande
parado no final de uma pista de aterrissagem. Ela se esforçava para se habituar à
escuridão. Podia enxergar, bem longe, alguns prédios iluminados e ouvia o som de
música distante. Mais perto deles, o barulho do motor de um carro, Isla e Kyle
subiram nele.
— Boa noite, Isla. Durma bem. Estou no quarto ao lado, e vou deixar a porta
destrancada, caso você precise de alguma coisa. Se quiser, tranque a sua porta, mas
não é necessário, porque este é um bom hotel.
— Estou certa disso.
Era um hotel espaçoso, moderno e muito limpo. Isla olhou para a cama de lençóis
brancos, macia e convidativa.
— Boa noite, Kyle.
Trancou a porta, trocou de roupas e depois de cinco minutos já estava dormindo.
Acordou com os raios de sol entrando pela janela, penetrando pelas cortinas,
mesmo fechadas, e chegando até sua cama como dedos quentes sobre seu rosto.
Estava faminta. Kyle já teria acordado?
Aproximou-se da porta e não ouvindo nenhum ruído, bateu.
— Kyle, você já acordou? — Seu relógio tinha parado durante a noite, e ela nem
sequer sabia as horas.
Não teve resposta e por um instante ficou apavorada; sentiu-se só, muito só,
como se tivesse sido abandonada. Mas acabou rindo: que pensamento estúpido!
No banheiro havia um lindo pote de sais de banho. Usou um bom punhado deles e
deixou a espuma cobrir todo o seu corpo. Sentia-se leve quando saiu da banheira.
Vestiu uma saia azul, uma camiseta e destrancou a porta para sair.
— Bom dia! — disse Kyle.
Ele vinha andando pelo corredor. Usava um short branco, estava descalço e seu
cabelo molhado pingava. Tinha uma toalha azul em volta do pescoço. Riu cinicamente
para Isla.
— Você pensou que eu tinha ido embora?
— Chamei você quando acordei. Ninguém respondeu, pensei que estivesse
dormindo, então fui tomar banho.
— Fui à piscina há mais de uma hora; estava ótima. Você está pronta para o café?
— Sim. Estou faminta.
Kyle tinha um físico perfeito: ombros largos, braços fortes e as pernas eram
longas e bronzeadas. Ela percebeu que o estava examinando exageradamente e tratou
de desviar o olhar.
— Oh, esqueci minha bolsa. Vou buscá-la. Enquanto se dirigia ao quarto, ele
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avisou:
— Estarei de volta num minuto, vou trocar de roupa.
O salão de café estava frio. Havia vasos com flores e folhagens atrás de sua
mesa, o que a tornava mais íntima. Eles eram observados com curiosidade pelos outros
únicos hóspedes que estavam no salão: dois casais que devoravam avidamente um
suculento café da manhã.
— Eu vou de café simples e torradas. E você?
— Eu não sei — disse Isla, sorrindo. — Acho que conseguia enfrentar um café
completo, como o daqueles casais.
Kyle se aprumou na cadeira e disse:
— Seu desejo é uma ordem, senhora. — Chamou o garçom. — Eu pensei que vocês,
mulheres, se preocupassem muito com o peso.
Encomendou o café e perguntou a Isla:
— O que quer fazer hoje?
— Pensei que tínhamos vindo aqui para você tratar de negócios. Ele encolheu os
ombros:
— Levará pouco mais de uma hora e será somente à tarde. A manhã e a noite são
inteiramente suas.
— Gostaria de visitar a ilha. Ou então as lojas.
— É isso que quer? Faremos as duas coisas. Alugarei um carro, assim iremos por
nossa própria conta. E então amanhã…
Fez uma pausa. Seu olhar de repente estava novamente estranho, dispersivo.
— Amanhã vamos visitar outra ilha e em seguida voltaremos para casa.
— Você é quem manda — concordou Isla, tentando ser agradável. No entanto,
franziu a testa sentindo que algo estava errado; seu instinto lhe dizia isso. Havia uma
certa rigidez nele, não tanto em seu rosto, mas em todo seu comportamento. Uma
certa reserva que ela já tinha notado antes.
Esqueceu essas preocupações bem depressa. Kyle se portou como um perfeito
cicerone. O carro os esperava na porta do hotel, quando terminaram o café: um
pequeno Chrysler azul. Kyle abriu a porta para que Isla entrasse, e logo em seguida
passavam por uma rua ladeada de palmeiras e flores multicoloridas. Os nativos
esbarravam em turistas carregando câmeras e fotografando tudo que viam. Em frente
ao hotel havia um mercado de produtos da região, frutas, roupas e enfeites.
O trânsito era quase nenhum; praticamente só carroças puxadas por burros. Isla
olhava à sua volta fascinada, enquanto Kyle dirigia bem devagar para que ela pudesse
apreciar tudo. As construções eram modernas. Passaram por uma rua repleta de todo
tipo de lojas, Isla virou-se para ele, entusiasmada.
— Que lugar maravilhoso!
— Sim, gosto muito daqui. Há uma excursão visitando a ilha hoje. É por isso que
tem tantos turistas por aqui. Eles vêm e compram lembranças pela metade do preço de
qualquer outro lugar, e assim, voltam para casa felizes.
Ele olhou rapidamente para ela
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Ele apareceu de trás da enorme rocha, jogou as roupas dentro do carro e pegou a
mão dela.
— Quer apostar corrida?
Os dois começaram a correr de mãos dadas. Ao chegar à beira do mar ele parou,
puxando-a para perto:
— Vou jogar você dentro d'água.
— Não, você não se atreveria! — respondeu Isla, tentando libertar-se dele. Kyle
começou a rir.
— Não? Você vai ver só. — Dizendo isso, pegou-a pela cintura, suspendendo-a do
chão. Ela passou os braços em volta do pescoço dele.
— Kyle! — e começou a rir.
Ele andava dentro d'água, carregando-a com tanta facilidade, que ela se sentia
leve como uma pluma. Era uma sensação nova e deliciosa. Estavam longe da praia e a
água já batia na cintura dele. Isla gostava do mar, estava quase morno.
— Muito bem — disse ela —, jogue-me se tiver coragem. Ele balançou a cabeça.
— Acha que realmente faria isso? — Colocou-a de pé com delicadeza. —
Ficaremos aqui. Não nos afastaremos mais. Os tubarões não costumam se aproximar
muito da praia, mas em todo caso é melhor não arriscar…
— Tubarões?! — Isla olhou subitamente para a água, como se um deles acabasse
de passar por ela nesse instante — Meu Deus!
— Aqui estaremos seguros. Vamos nadar um pouco.
Passaram meia hora maravilhosa dentro da água. Ela já tinha esquecido
completamente os tubarões. Sentiu-se tão cansada que resolveu boiar por uns
momentos e a felicidade a invadiu de tal forma que parecia até que ia explodir. Que
lugar maravilhoso aquele! E como Kyle era maravilhoso também!
— Um doce pelo que está pensando.
Abriu os olhos e viu Kyle rindo, de pé, à sua frente.
— Hum? Estava apenas sonhando.
Era tudo que podia dizer; não podia explicar mais, pois eram sentimentos muito
pessoais. A água batia nos cabelos e no rosto de Kyle, e seu bronzeado parecia mais
escuro do que nunca.
Num rápido movimento ele a levantou, colocando-a de pé, e abraçou-a pela
cintura. Ali, dentro da água, com as ondas a acariciá-los delicadamente, eles se
beijaram. Kyle murmurou alguma coisa, e os dois caminharam em direção à praia
lentamente, sentindo a força da água, como se quisesse trazê-los de volta para dentro
do mar.
Ao se aproximarem do carro, Kyle enfiou a mão por entre os cabelos de Isla,
acariciando-os, de modo que ela se sentiu forçada a olhá-lo. Seu coração ainda batia
loucamente por causa do último beijo. E o seguinte foi ainda melhor. Parecia que o
tempo tinha parado. Abraçaram-se com força com o sol quente em suas costas, e se
beijaram demoradamente, até que…
— Meu Deus! — disse ele, afastando Isla. Seus olhos agora estavam muito
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escuros. — Meu Deus, é melhor você ir até o carro para trocar de roupa.
Os dois estavam tremendo. Ela podia sentir o leve tremor nas mãos de Kyle
enquanto ele a afastava. Seus olhos se encontraram, mas Isla desviou o olhar.
— Está bem — disse ela —, deixe-me ir agora. — Sua voz estava rouca e muito
fraca, como a dele. Ela mal conseguia respirar. Percebeu em que situação delicada se
encontrava… Uma palavra, uma carícia… e tudo poderia acontecer. Ele foi para trás do
rochedo enquanto ela mudava de roupa.
O carro agora tinha dificuldade para subir a estrada íngreme. Aquele panorama
desconcertante se estendia abaixo deles e Isla olhava a praia imensa que se alargava
até a linha do horizonte. Pouco depois, já podiam avistar a cidade, ao longe, feito uma
miniatura. As casas, tão pequenas, pareciam caixinhas de fósforos.
O ambiente dentro do carro ainda estava muito tenso. Enquanto dirigia, Kyle
pegou o braço dela.
— Desculpe, Isla.
Ela balançou a cabeça.
— Não, por favor. Está tudo bem, Kyle.
— Eu prometi me comportar. Não tornará a acontecer.
— Eu sei. — Aos poucos foram ficando mais à vontade. Ela já conseguia falar
normalmente com ele, contando-lhe o quanto tinha gostado daquele lugar.
— Espere só até chegarmos a George.
— O quê? George? — e começou a rir.
— O que há de tão engraçado?
— Nada. É que é um nome tão comum para um lugar que você diz ser tão fabuloso.
— É verdade. Acontece que George é o nome do proprietário do hotel e é um
velho amigo meu. Ele é grego e cozinha divinamente.
— Hum, ótimo. Estou faminta!
— Não estará mais quando terminar de comer o almoço que ele faz. Depois então
poderá descansar.
— Seria ótimo.
— Há um terraço maravilhoso lá, com espreguiçadeiras onde você poderá se
esticar e ninguém irá incomodá-la.
— E quanto a você?
Ele encolheu os ombros, sem tirar os olhos da estrada, cujas curvas se tornavam
cada vez mais perigosas e cheias de surpresas, com pedras e árvores quê pareciam que
iam cair sobre o carro. — Acho que não vou descansar depois do almoço. Com certeza
estarei muito ocupado ouvindo as novidades que George terá para me contar.
— Em grego? — ela perguntou brincando.
— É claro que sim!
Ela começou a rir. “Kyle já a impressionara com seu português tão fluente no Rio
de Janeiro, a facilidade que tinha para se comunicar com Maria, sua família e em todos
os restaurantes a que costumavam ir.
— Vamos, diga então quantas línguas você fala.
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Capítulo III
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— A noite está apenas começando. George faz questão de que fiquemos para uma
ceia antes de partirmos. Portanto, um pouco de exercício nos abrirá o apetite para
mais tarde.
E sem esperar resposta ele pegou o braço dela e começaram a andar por entre as
árvores sombrias, longe do casarão iluminado, deixando o barulho e as luzes para trás.
Na metade do caminho, tudo era calmo J silencioso. Kyle parou, apertou-a em seus
braços, beijando-a. Isla o abraçou com força, lembrando os momentos inquietantes
que tiveram na praia…
Porém, logo em seguida, a emoção desapareceu ao sentir que Kyle procurava se
afastar. Sua voz estava rouca:
— Oh, Isla, Isla! — disse, tocando em seu rosto. — Vamos voltar agora.
— Não, ainda não. — E segurou o rosto dele, tentando beijá-lo. Mas Kyle se
afastou bruscamente. — Vamos voltar, Isla.
Sua voz tinha mudado por completo. Ela não entendia a razão dessa atitude. Ficou
parada, no meio da escuridão, olhando para ele. À noite, tudo era diferente,
especialmente Kyle.
— Está bem, vamos voltar.
Começaram a andar em direção ao casarão. Depois desse incidente, tudo tinha
mudado, Isla não saberia dizer por que, mas mudara.
Aquele toque mágico desapareceu. Eles dançaram mais uma vez e em seguida
foram para a sala particular de George para conhecer sua família e alguns de seus
amigos mais íntimos. Todos eram muito simpáticos. Um dos filhos de George chegou
até a deixar bem claro que, se Isla não estivesse em companhia de Kyle…
Ela olhou para Kyle que, sentado num canto, conversava com George. Ficou
tentada a aceitar as atenções do rapaz; bem que gostaria de provocar ciúmes.
Ela dançou com Costas, o filho de George, e teve sérias dificuldades para mantê-
lo a uma distância respeitável. Kyle, percebendo a cena, olhou-o de esguelha e então
fixou o olhar em Costas. Sua expressão continuava impassível, mas, mesmo assim,
Costas afrouxou o abraço, colocando uma certa distância entre eles. Foram dançando
para o outro lado do salão, longe de George e Kyle, e foi então que Costas sussurrou:
— Que situação difícil a minha.
Ela sabia o que ele queria dizer, mas fingiu que não entendia.
— O que você quer dizer com isso?
Costas era muito amável e também um tipo moreno bem bonito.
— O seu Kyle. Não gostaria de ficar mal com ele.
— Ora! — respondeu Isla, fingindo surpresa. — Ele não é absolutamente “meu”
Kyle.
— Não? — perguntou, como se não acreditasse. — Não importa. Você está comigo
agora, e é só isso que me interessa. — Agora parecia ansioso: — Ah, se você estivesse
sozinha… — Fitou-a nos olhos. — Aí, seria bem diferente…
Isla riu.
— Costas, francamente! Aposto que você fala assim para todas as moças que
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velocidade. Por isso, pelo amor de Deus, segure-se bem firme na poltrona.
Obedeceu. O que sentia era insuportável, uma sensação doentia. Parecia que o
avião tinha enlouquecido, descendo de encontro a terra como um pedaço de chumbo.
Eles sobrevoavam o oceano naquele momento, e Isla rezava para que surgisse um
pedaço de terra lá embaixo, onde pudessem pousar.
Os minutos que se seguiram foram um verdadeiro pesadelo, um caleidoscópio de
sons e luzes, e aquela chuva incessante. O ar dentro da cabine estava morbidamente
frio e deprimente…
— Graças a Deus!
Essas palavras soaram quase como resposta a uma prece, ao avistarem algumas
árvores e a areia branca, ainda bem longe deles, lá embaixo. O avião descia
rapidamente, e Kyle procurava encontrar o melhor ângulo para a aterrissagem. Isla
fechou os olhos, porque isso era uma coisa que ela não queria ver. Estava tão abalada
que suas forças chegaram no limite máximo. Aos poucos, tudo ficava escuro em sua
mente, e as imagens estavam cada vez mais distantes; ela começava a perder a
consciência. A única coisa que ainda conseguia sentir era uma desagradável dor de
cabeça, mas até mesmo isso, agora, não importava mais…
— Isla! Estamos salvos, Isla, acorde, acorde!
A voz vinha de muito longe, e gradualmente foi se aproximando, até que percebeu
que era Kyle. Abriu os olhos. Tentou erguer-se na poltrona; foi então que se deu conta
de que não estava mais no avião, e sim deitada num chão de cimento
— Kyle! Onde estamos?
— Salvos, e numa ilha cujo nome não consigo me lembrar. Você está deitada num
barracão que certa vez serviu de base de controle de um aeroporto.
Olhou à sua volta: tudo estava escuro, e Kyle era apenas um vulto ajoelhado a seu
lado. A chuva caía ruidosamente no teto de metal do barracão e o vento batia
violentamente nas janelas.
— O avião está…
— Eu não sei ainda. Procurei abandoná-lo rapidamente; o incêndio no avião foi
pequeno e consegui dominá-lo com ajuda de um extintor. A chuva fez o resto. De
qualquer modo, está bem danificado. Terei de esperar até amanhã para avaliar os
estragos.
— Oh, Kyle! Você foi maravilhoso nos trazendo aqui sãos e salvos.
Tentou se levantar, mas a cabeça ainda doía.
— Você esteve magnífico, Kyle. Só senti medo no momento da aterrissagem,
porém, enquanto estávamos lá em cima, não duvidei nem um segundo de sua habilidade
de conseguir encontrar qualquer meio humanamente possível para nos trazer aqui para
baixo, em segurança.
— Não? — disse, ficando de pé num gesto ágil ajudando Isla a se levantar. —
Gostaria muito que me tivesse dito isso quando estávamos lá em cima, porque,
sinceramente, estava morto de medo.
— Não, eu senti que você não tinha medo. Aliás, foi isso que me deixou mais
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— Quer dizer — ela mal podia falar — que… que ninguém virá nos procurar?
— É isso mesmo.
— Oh, meu Deus!
— Ouça, é noite e estamos cansados. As coisas sempre parecem piores à noite.
Amanhã cedo pensaremos no assunto. E depois, nunca se sabe; talvez eu consiga o
rádio. E mesmo se não conseguir, pensaremos em alguma outra saída.
Isla adormeceu, porém teve pesadelos terríveis. Acordou assustada, c então se
lembrou que estavam dormindo no avião. Seu lençol caíra no chão e, inclinando-se para
pegá-lo, viu Kyle que dormia na poltrona atrás da sua. Dormia profundamente, enrolado
em seu cobertor. Ela sorriu; Kyle parecia o tipo de pessoa que podia dormir em
qualquer lugar, em qualquer posição, sem que nada neste mundo o fizesse acordar.
Suspirou profundamente; seu corpo todo doía. Mas não se sentia nem um pouco
embaraçada por dormir perto de Kyle.
— Isla! O sol está brilhando. A chuva parou e o dia está lindo de novo. — A voz
dele a tirava de seus sonhos, ao mesmo tempo que tentava acordá-la sacudindo-lhe o
braço.
— Faz tempo que você acordou?
— Não, uns cinco minutos. Estou faminto. Quer ir ao barracão para se trocar?
— Sim, já vou.
— Mais tarde vamos dar uma volta para ver se encontramos água para beber. Até
lá, não use a água da cozinha do avião, ouviu?
Isla olhou surpresa. Não havia pensado nisso; sua boca ficou seca diante da idéia
de ficarem sem água.
— Você quer dizer que talvez não encontraremos nenhuma água por aqui?
— Ficaria surpreso se não tivesse; normalmente existe água potável em qualquer
ilha. Mas não se preocupe com isso. Sempre se arruma um jeito.
Isla se levantou. Andou com cuidado; um movimento mais brusco e o avião
balançava todo, devido à posição irregular em que se encontrava.
Foi até o barracão, colocou o vestido amarelo e sandálias. Caminhou devagar de
volta ao avião, olhando ao redor pela primeira vez. A longa pista de pouso, feita de
concreto, estava quase totalmente invadida pelo mato. Foi um verdadeiro milagre Kyle
ter aterrissado tão bem. A sua esquerda, via a areia branca estender-se até o mar c. á
sua direita, um bloco denso de árvores e arbustos. O chão de cimento estava quente, o
que lhe lembrou as palavras de Kyle: ela nunca dera tanta importância à água como
agora. Contudo, sabia que, se não encontrassem uma nascente, Kyle procuraria outra
solução. Tinha um sentimento reconfortante de que Kyle era capaz de vencer qualquer
tipo de problema.
Comeram salsichas em lata e tomaram café, como primeira refeição do dia.
— Venha — disse Kyle — vamos explorar a região. — Carregava uma latinha vazia
e ela perguntou por quê.
— Porque, se encontrarmos água, poderemos tomar um pouco. Foram andando e,
ao passarem o avião, Isla viu uma árvore caída atrás dele:
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CAPÍTULO IV
Não podia acreditar no que ouvia. E como poderia? Era monstruoso demais para
ser verdade. Entretanto, o que Kyle dissera ecoava insistentemente em seus ouvidos.
Os dois estavam de pé, imóveis, e Isla encarando-o nos olhos, percebeu que era tudo
verdade.
Balançou a cabeça, desconcertada:
— Oh, não, não. — Kyle se aproximou, nervoso. — Não, não se aproxime de mim! —
Jogou a lata de água no chão e saiu correndo em direção ao barracão; estaria mais
segura lá do que perto dele.
Seu sangue parecia estar fervendo. Ao entrar no barracão, parou: estava
tremendo. Que vontade de gritar! O choque tinha sido muito violento. Ouviu passos do
lado de fora, em seguida a porta se abriu.
— Bem — disse ele —, não pretendia lhe contar dessa maneira, tão bruscamente.
Isla recuperou a voz:
— Por que me contou? — Tudo era quase irreal, como se estivesse acontecendo à
outra pessoa qualquer, menos a ela.
O queixo de Kyle tremeu um pouco antes de falar.
— Porque não sei quanto tempo permaneceremos aqui juntos. Portanto, não
gostaria de alimentar essa mentira.
— Você ia me levar de volta à Inglaterra?
— Ia.
O ódio brilhou nos olhos dela.
— Quer dizer que, para mim, até que foi bom o avião ter caído aqui, não é mesmo?
Se o avião for seu, fico contente que tenha caído; muito mesmo. Ou será que é do meu
pai? Ah, então seria divertido! — Ela tentou rir, mas o que conseguiu foi quase um
soluço. — Ele emprestou o avião para você? Foi bem pago pelo serviço? — Seu tom de
voz se elevava cada vez mais. Olhou para aquele homem de pé, diante dela; certa vez
pensou poder amá-lo. Mas isso foi há muito, muito tempo atrás, embora poucas horas a
separassem do dia feliz com ele, em Trintero.
— O avião é meu, e não de seu pai — respondeu ele calmamente, o que feriu Isla
ainda mais. Por falar em ferir, bem que Isla gostaria de feri-lo, de prejudicá-lo de
algum modo. Mas como?
Por detrás daquela calma aparente, havia um homem duro, implacável e
monstruoso. Como tinha sido tola! O ar dentro do barracão estava muito quente e Isla
ofegava, como se não pudesse respirar. Lá estavam os dois; por quanto tempo ficaria
presa com ele naquela ilha? A idéia se tornava insuportável.
— Eu odeio você! — disse em voz alta.
— Eu sei. Mas é melhor você esquecer isso por enquanto, pois vamos ficar aqui e
devemos nos organizar se quisermos um mínimo de conforto. Portanto, sugiro que
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encerremos o assunto. A primeira coisa a fazer é sair deste barracão infernal, antes
que você desmaie de calor. — O suor caía das sobrancelhas, escorrendo pelo rosto de
Isla. Ele abriu a porta para que ela saísse.
— Vou me trocar e dar um mergulho, e já que não pode suportar o calor aqui
dentro, saia daqui — disse ela.
— Está bem, vá nadar, mas não se afaste muito da praia. Há tubarões por aqui e
eles não escolhem quem vão comer.
— E é lógico que você não gostaria disso, não é? Isto é, perdendo sua mercadoria,
como faria para voltar à Inglaterra de mãos vazias? E o que diria papai, então? — Kyle
não tinha nenhuma intenção de responder e virou as costas para ir embora. Ela
continuou: — E, pior, você não receberia seu pagamento, não é? — Ele saiu e fechou a
porta.
Enquanto vestia o maiô, uma leve sensação de triunfo a invadiu. Percebeu que
tinha conseguido atingi-lo, embora ele tentasse não deixar transparecer seus
sentimentos. Saiu-se vitoriosa, mesmo que por um breve instante.
Lembrava agora como tinham se conhecido em Copacabana, tão casualmente. Ela
mordeu a isca, e como foi ludibriada. Ele encenou seu papel muito bem, pensou Isla
amargamente, recordando-se de suas visitas ao apartamento. E de como, com seu jeito
tão descontraído e simpático, cativou Maria, Roberto e as crianças, e ela própria.
— Oh, sim — pensava Isla, enquanto duas lágrimas escorriam-lhe pelo rosto —, ia
me levar de volta à Inglaterra, não é? Pois é o que você pensa! — Saiu do barracão.
Não havia sinal de Kyle. Tudo estava deserto e silencioso. Isla correu pela pista de
cimento quente, lamentando não ter trazido suas sandálias.
Entrou no mar. À água estava morna e, à medida que ia mais para o fundo,
tornava-se mais fria. Isla nadava sem parar, com o sol ferindo-lhe o rosto. Mas como?
Pensava, como conseguiria ficar longe de Kyle? Que pesadelo seria ficar com ele por
semanas ou até meses naquela ilha!
Se pelo menos tudo não passasse de um sonho ruim! Ele a magoara bem mais do
que podia imaginar. Agora ela sabia o porquê de seus olhares tão estranhos,
intrigantes. Nunca mais confiaria nele novamente.
— Isla, venha! Saia já daí! — ordenou Kyle.
Ela o ignorava num gesto infantil, afastando-se cada vez mais da praia. Ainda
preferia os tubarões a ele.
— Isla! Está me ouvindo? — gritava ele para chamá-la, não havendo porém
nenhum sinal de raiva em sua voz; mantinha a mesma calma de sempre. Será que nada,
jamais, o abalaria? O que faria se ela se afastasse da praia mais e mais?
Ela nadava sem parar. Procurou não pensar mais nas horríveis palavras de Kyle.
Uma coisa que tinha aprendido com o pai foi a erguer uma barreira emocional contra
as mágoas e desapontamentos que tivera durante toda a vida. Foi obrigada a agir
assim, de outro modo não conseguiria viver sob o domínio autoritário de seu pai, que
sempre escolhia seus namorados e amigos. Por isso que nos últimos três meses a vida
tinha parecido tão formidável, tão feliz e despreocupada, e Kyle tinha posto tudo a
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perder.
Maria, Roberto e as crianças deviam estar preocupados. Mas não adiantava
pensar nisso agora, ela nada podia fazer para avisá-los…
— Pelo amor de Deus, volte já para a praia! — A voz dele a assustou tanto que ela
chegou a engolir um pouco de água, cuspindo, enjoada, em seguida. Ele estava nadando
bem ao seu lado.
— E por que eu voltaria? Vá embora você!
— Já disse para não se afastar muito. Você passou do limite. Falo sério, aqui tem
tubarões, não estou brincando. Agora, você vai sair espontaneamente ou terei de
forçá-la?
— Prefiro que não ponha as mãos em cima de mim — e olharam-se duramente por
alguns segundos.
— Então vá andando — disse ele calmamente.
Isla deu meia volta e nadou até a praia, com ele sempre a seu lado.
O sol estava forte e refletia o tom dourado da pele dela. Isla foi até o barracão,
pegou um sabonete em sua mala, suas roupas, e saiu. Ele esperava do lado de fora,
provavelmente para se trocar, pois as calças que vestia estavam ensopadas.
— Ê todo seu — disse-lhe sorrindo com ironia. — Vou lavar minhas roupas na
cachoeira. — Virou-se e saiu andando.
Isla era alta, esguia e bonita e caminhava de modo orgulhoso, como se não desse
um centavo por Kyle, nem por ninguém desse mundo. Ele ficou parado, imóvel,
observando-a ir embora. A expressão em seu rosto era indefinida. Ninguém poderia
dizer exatamente o que pensava naquele instante.
O trabalho de ensaboar e esfregar a roupa ajudou a aliviar sua tensão. Estendeu
as roupas molhadas sobre alguns arbustos próximos ao barracão. Com o calor que
fazia, secariam num segundo. Isla tentava adaptar-se à idéia de morar por tempo
indeterminado naquela ilha deserta. Procurava até mesmo aceitar o fato de que Kyle
não passava de um hipócrita, e da pior espécie. Um homem que cativou sua afeição por
um motivo dos mais mesquinhos: dinheiro.
Que situação ridícula, pensar que tinha conhecido o primeiro homem em sua vida
que não sabia nada a respeito da fortuna de seu pai. Até onde uma pessoa pode se
enganar? Deliberadamente, tratou de afastar as lembranças dos momentos felizes a
seu lado; não lhe faria nada bem esse tipo de recordação. Quanto antes conseguisse
esquecer, melhor seria para ela, para vencer sua batalha, pois não tinha nenhuma
intenção de voltar à Inglaterra. E muito menos com Kyle.
Ouviu umas batidas que vinham da direção do avião. O que ele estaria fazendo?
Kyle estava atrás do avião, e havia um monte de gravetos empilhados a seu lado.
Por um momento, Isla pensou que ele ia acender uma fogueira, mas percebeu logo que
seria muito estúpido fazer fogo debaixo de um avião. Kyle notou o que Isla tentava
adivinhar.
— Estou protegendo o tanque de gasolina do sol. Portanto, trate de ficar longe —
falava ele sem demonstrar qualquer interesse por ela.
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— Deixe-me ajudá-lo.
— Se você quiser… Mas já vou avisando: esses ramos vão sujar todo seu maiô.
— E por acaso estou reclamando? Eu preciso fazer alguma coisa. Se ficar parada,
acho que enlouqueço só de pensar no motivo por que estou aqui.
Kyle levantou-se devagar.
— Eu lhe garanto que há muito trabalho a ser feito aqui. Faremos isto primeiro;
depois, pensaremos na comida e vamos procurar um abrigo confortável. Por isso,
esteja certa de que autopiedade não nos ajudará em nada.
— Autopiedade? — Isla levantou a voz. — Fique tranqüilo, eu não sofro disso. Se
existe alguém aqui de quem se deve ter pena é só de você, por aceitar um trabalho tão
imundo. Mas, provavelmente, você deve sentir prazer nisso, não é? Ou será que foi só
pelo dinheiro?
Enfatizou esta última palavra e viu os músculos da face de Kyle se esticarem.
— Está perdendo seu tempo, Isla. Não pretendo discutir com você. Guarde suas
energias para o trabalho, em vez de ficar desperdiçando comigo. — A voz dele estava
bastante tranqüila.
Ela suspirou impaciente, odiando-o por aquela calma sem fim. Não haveria
qualquer coisa neste mundo que pudesse enfurecê-lo? Talvez nem mesmo tivesse
consciência do mal que fizera. Pegou os galhos do chão para ajudá-lo. Podia sentir a
tensão no ar. Afinal, ele não era tão inatingível como parecia ser. Ela chegou a sentir a
pulsação descontrolada dele; até que enfim tinha conseguido abalar seus sentimentos.
Ótimo!
Kyle carregava os galhos, até os mais pesados, com muita facilidade, enquanto
que os braços de Isla tremiam com o esforço. Ela estava decidida a não deixar que ele
percebesse. Depois de uma hora de trabalho, sentia muita sede.
— Já podemos tomar água da cozinha do avião?
— Não há necessidade. Vou buscar um pouco de água da cachoeira, que está bem
mais fresca.
— Pegue para você. Enquanto isso, vou fazer um suco de laranja para mim.
Levantou os braços para suspender o corpo e subir no avião. Kyle, tentando
ajudar, pegou-a pela cintura. Enraivecida, afastou as mãos dele com violência.
— Quando precisar de ajuda, eu peço. Até então, não ponha suas mãos em cima
de mim!
— Vá em frente — respondeu Kyle mostrando pouco caso. — Você não irá muito
longe comigo, se continuar com esse tipo de comportamento. Lembre-se de que este
lugar não é uma cidade grande, e quanto antes você perceber isso, melhor. Teremos
que viver nesta ilha, e dependeremos somente de nossa inteligência e habilidade.
Portanto, nos sairemos bem melhor se ajudarmos um ao outro, em vez de brigar o
tempo todo.
— Brigar? Eu não saberia como começar a brigar, com você. Aposto que você
conhece os truques mais sujos.
O ar ficou ainda mais carregado. Kyle estava sensivelmente nervoso e parecia que
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ia explodir. Seria interessante ver até onde ela podia chegar antes que ele perdesse o
controle. Não se importando com o que aconteceria, continuou.
— Sem dúvida você jogou sujo no Rio, não é? Ora, e eu pensando que gostava de
mim!
Isla procurou conter as lágrimas. Seu único desejo era ofendê-lo.
— Vamos, diga como fui imbecil. Afinal, qualquer coisa ou pessoa ligada a meu pai
não é digna de confiança. E está sempre sujeita a se corromper. O excesso de ambição
estragou vocês.
Enquanto falava, seu corpo esguio tremia nervosamente. Kyle, ao ouvir suas
últimas palavras, ficou visivelmente agitado e virou-lhe as costas, como se não
quisesse continuar a discussão. Porém, já que tinha começado, pensou Isla, devia ir até
o fim. Para impedir que ele fosse embora, pegou-o pelo braço tentando virá-lo
bruscamente.
— Qual é o problema? Tem medo da verdade?
Os olhos de Kyle ficaram sombrios.
— Não tenho medo de nada e de ninguém; muito menos de vocês. Tenho muito
trabalho a fazer e já disse que não pretendo discutir esse assunto.
Ele olhou para o braço e depois para Isla, e ela o soltou.
Sem dizer uma palavra, ela deu as costas e subiu no avião. De repente, ouviu um
forte ruído e logo a seguir o avião tombou ainda mais para o lado, jogando-a contra as
poltronas. Era praticamente impossível, agora, andar lá dentro.
Ele gritou do lado de fora.
— Isla, está tudo bem? — Estava muito assustada para responder e então ele
subiu.
— Vamos sair. Pode ser que se mova ainda mais.
— Primeiro vou tomar meu suco de laranja.
— Saia. Eu levo você pra fora.
— Vá para o inferno! — Tentou andar, porém Kyle a agarrou por trás e, andando
com dificuldade até a porta, jogou-a para fora do avião. Ao descer, estava furioso.
— Ouça bem: quando digo para você fazer uma coisa…
A tensão de Isla chegara ao limite máximo. Tinha sido “descarregada” para fora
do avião como um pacote. Aquilo era um insulto insuportável. Esbofeteou-o com tanta
força que sua mão chegou a doer. Ficou parada diante dele, com as pernas tremendo, e
a respiração acelerada ao ver a expressão no rosto dele. Isla fez de tudo para irritá-
lo e conseguiu o que queria. Pensou em correr, mas para onde? Como fugir dele naquele
lugar?
Os olhos de Kyle soltavam faíscas e sua voz tremia ao dizer:
— Diabos, você já passou do limite! O que a faz pensar que eu também não vou
bater em você?
Isla levantou o rosto em desafio.
— Não ficaria nem um pouco surpresa. Aliás, nada em você me surpreenderia. Vá
em frente, vamos: eu não me importo!
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— Não me tente. É uma pena que não lhe tenham dado umas palmadas quando
você ainda era criança. Você seria bem menos impulsiva e arrogante.
Seu rosto estava marcado pelo tapa. Isla deu uma risada ao notar isso, e ele,
pegando-a pelos braços, começou a sacudi-la com força, mas sem ódio.
— Você acaba de esgotar minha paciência! Quando disse para sair do avião, era
para seu próprio bem, porque a cada segundo ele pode se mexer mais e mais, e a essa
altura você estaria com a cabeça quebrada. Ora! Mas é você que sabe das coisas, não é
verdade? Vamos deixar uma coisa bem clara, agora mesmo! Enquanto estivermos aqui,
eu é que dou as ordens, e você obedece. Entendeu?
De repente, a raiva de Isla se evaporou. Sentia agora uma mistura de sensações:
calor, cansaço, sede. E, embora não quisesse admitir, tinha medo de sua fraqueza
diante daquele gigante de temperamento difícil. Baixou a cabeça, lutando contra as
lágrimas que tentavam escapar.
— Entendeu? — repetiu Kyle, mas ela não podia responder. Levantou a cabeça
com os olhos úmidos.
Sem dizer nada, ela consentiu com um aceno, as lágrimas caíram e começou a
soluçar. Não chegou a ver a dura fisionomia de Kyle transformar-se completamente.
Aliás, enxergava apenas uma névoa obscura e vaga, e não sentia mais nada além do
calor das mãos dele em seus braços, que a seguravam impedindo que caísse.
Desfaleceu apenas por um ou dois segundos.
— Oh, Isla.
Porém, derrotada pela angústia, não podia ouvir nada. Libertou-se dele, correu
para o mar, ajoelhou-se e molhou o rosto. Sentiu-se bem melhor. Seguiu então para a
cachoeira, para tomar um pouco de água. Kyle a esperava do lado de fora do avião,
segurando dois copos.
Estendendo-lhe um, disse.
— Fiz um suco de laranja.
— Obrigada.
— Vou até a cachoeira buscar água. Depois vou ver que tipos de frutas e vegetais
há por aqui, e tentar pegar um peixe para o almoço. Devemos economizar os alimentos
enlatados. — Falava de modo impessoal, como se fossem estranhos. Talvez fosse
melhor assim, pensou ela. Isso evitaria outras discussões.
— Posso ir com você procurar frutas? Não tenho nada para fazer.
— Sim. Se você quiser ajudar, pegue uns galhos para acender o fogo.
— Está bem. — Ele foi embora, sem olhar para trás uma só vez e desapareceu no
meio das árvores. Parecia que, quanto mais tempo ficavam juntos, mais aumentava a
indiferença de Kyle em relação a ela. Isla percebia cada vez mais como tinha sido tola
confiando nele. Como ele devia ter se divertido a sua custa!
Quando voltou, Isla já tinha juntado uma enorme pilha de galhos. Ele veio em sua
direção segurando dois garrafões plásticos cheios de água. O coração de Isla começou
a pular: não podia evitar. Apesar de tudo, havia nele alguma coisa muito atraente.
Ninguém podia negar. Era um animal magnífico; sim, era exatamente isso que parecia.
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Ele se aproximou mais e olhou para ela; Isla teve a impressão de ver um tigre na sua
frente, pronto para atacar a vítima.
— Vou deixar a água perto do barracão. Não pode mais ficar no avião.
— Então, onde vamos dormir esta noite?
Colocou os garrafões no chão e, levantando-se, perguntou: — O que você sugere?
— Não havia nenhum tom de arrogância em sua voz, com o qual ela pudesse se irritar
ou mesmo fazer qualquer objeção. Parecia ser deste modo que a obrigava a evitar
cenas como à de ainda há pouco. Portanto, ela tratou de ficar bem-humorada.
— Eu não sei. Talvez aqui fora. — Mesmo porque, não pretendo dormir com você
no barracão, comentou apenas consigo mesma. Já tinham tido brigas suficientes por
um dia só.
— Pode haver cobras por aqui. Se não fosse por isso, estaria tudo bem. — Ele
olhou para a pilha de galhos no chão de cimento. — Deixe isso para depois, vamos ver
se encontramos alguma coisa para comer.
— Está bem.
Ele disse que daria as ordens, e deu o assunto por encerrado. Isla sentia-se
desolada. Como faria para combatê-lo e vencê-lo? Não tinha nenhuma saída.
Penetraram na densa mata de árvores, e ele foi na frente. Passaram por trás do
barracão e ali as árvores já eram bastante próximas umas das outras, de modo que a
luz do sol não chegava a atravessar as copas frondosas. Dentro da mata, a escuridão
era total. Isla teve medo. Pela primeira vez, desde que descobriu o verdadeiro caráter
de Kyle, sentiu-se feliz por ele estar perto dela. Ouviu um ruído que vinha de muito
longe; seriam pessoas ou animais?
— Será que existe alguém aqui além de nós? — perguntou, embora tivesse
prometido a si mesma que só falaria com ele quando fosse estritamente necessário.
— Não. Não agora. — Esta foi sua única e enigmática resposta. Logo iria
descobrir o que ele queria dizer com isso. Isla ofegava, a subida era difícil. Não
pararam nem um minuto para descansar. Começou a imaginar onde estariam indo, pois,
se Kyle estivesse procurando qualquer coisa para comer, deviam parar de vez em
quando. Desconfiou de que havia um outro propósito nessa caminhada; era como se já
soubesse para onde se dirigia. Isla ouviu alguma coisa se mexendo atrás dela, è entrou
em pânico. Talvez Kyle não tivesse percebido; ou possivelmente, fingia não perceber.
Ela queria lhe dizer que estava com medo, mas não o fez. Ele estava lá, e isso já
bastava.
Aos poucos, a luz do sol foi reaparecendo. Saíram daquela mata escura, entrando
agora numa clareira. E, bem no centro dela, estava uma enorme casa. Ou seria melhor
dizer, o que restava de uma enorme casa.
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Capítulo V
Isla estava imóvel. Esperava ver muita coisa naquela ilha, mas nunca uma casa.
Kyle, notando sua surpresa, ficou quieto por algum tempo. A casa de madeira
avermelhada era ampla e baixa, e a varanda ocupava toda a fachada. Estava
parcialmente destruída, sem teto, com as paredes desgastadas por tempestades e
pela ação do tempo. Eram poucas as janelas que estavam inteiras. Apesar de
abandonada, notava-se que tinha sido uma casa luxuosa e confortável.
Ao recuperar a voz, ela perguntou.
— Você já conhecia esta casa, não é?
— Não, apenas sabia de sua existência. Não sabia em que estado se encontrava.
Sua voz era indiferente, como a de um estranho, apenas respondendo suas perguntas
para não ser rude a ponto de ignorá-la por completo.
— Você sabe a quem pertenceu?
— Sim. Era de um homem excêntrico, chamado Joseph Cumberland, que morou
nela por mais de trinta anos, até morrer, há cinco anos atrás.
— Morava sozinho?
— Não, mas quase. Tinha dois ou três empregados, todos homens. Não havia
mulheres. Ele odiava mulheres. Era um milionário. Os boatos dizem que, em seu
testamento, ele expressou o desejo de que a ilha, esta ilha, passasse a pertencer ao
próximo homem, depois dele, que viesse morar aqui. E, que eu saiba, ninguém depois de
sua morte, pisou aqui.
Dirigiu-se até a porta da frente, deixando Isla atordoada com suas palavras.
Falara de modo tão casual que parecia se divertir com isso. Se os rumores
fossem verdadeiros — podiam ser, já que esse Cumberland era um excêntrico —, Kyle,
por obra de uma tempestade, tornara-se proprietário da ilha. Que irônico! Logo a
seguir, uma idéia tomou conta, dela: sim, este seria o império de Kyle! Por piores que
fossem os motivos que os prendessem naquele lugar, a idéia chegava a ser quase
engraçada. Isla o seguiu, parando na porta a seu lado.
Ele estendeu o braço, para que ela não entrasse.
— Espere — ordenou. — O assoalho está solto. Não entre.
Da porta, ela pôde identificar a mobília ainda existente: uma mesa, uma cadeira e
o que restava de um tapete, da mesma cor da madeira. Olhou para o que uma vez tinha
sido um capacho; havia um desenho nele que não se conseguia distinguir, pois as cores
tinham desaparecido quase por completo. As paredes internas sugeriam uma
atmosfera muito triste. Isla não gostou. — Vou esperar aqui fora — e desceu a
varanda.
Agora percebia por que a casa tinha sido construída naquele local; bem à direita,
um pequeno lago reluzia ao sol, escondido parcialmente por trás de árvores e de uma
infinidade de flores. Uma das margens era coberta por arbustos de hibiscos que caíam
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frondosos até o chão. Isla ficou fascinada ao ver que essas flores cresciam selvagens,
sem nenhum trato. Na Inglaterra, plantavam-se hibiscos em vasos, e precisavam do
máximo cuidado para se desenvolverem.
Deu a volta no lago e encontrou vários tipos de flores exóticas, como orquídeas
que desabrochavam radiantes ao redor de um tronco velho. Examinando melhor, notou
que não se tratava de um lago natural, e sim uma espécie de piscina de pedras,
construída para passar por um lago verdadeiro. Numa das margens jorrava uma fonte
natural, mantendo dessa forma a água da piscina sempre limpa. Molhou os dedos:
estava fria.
Os pássaros voavam entre as flores e depois voltavam para as árvores. Alguma
coisa se moveu a poucos metros de distância; era um pequeno lagarto verde,
espreguiçando-se ao calor do sol. Isla procurou ficar imóvel para não assustá-lo.
Por toda a parte sentia-se o perfume das flores. Kyle tinha desaparecido e por
alguns instantes Isla chegou a esquecer de onde estava.
A atmosfera que a cercava era calma e transmitia muita paz. Até que o antigo
proprietário deste lugar não tinha sido assim tão excêntrico, pensou. Um homem que
construísse uma casa próxima a essa natureza exuberante não podia ser totalmente
insensível. Isla riu. Quem melhor do que Kyle para substituir com tanta perfeição o
antigo dono daquele lugar? Ele devia, inclusive, detestar mulheres também. Caso
contrário, nunca trabalharia num serviço tão sujo como o que tinha feito com ela.
— Dei uma boa olhada por aqui — disse ele atravessando o gramado invadido pelo
mato e que uma vez já tinha sido muito bem tratado. — Podemos usar bastante
madeira desta casa; tiraremos as tábuas das paredes que estão praticamente
destruídas. Usaremos também a mobília velha. Vamos amontoá-las num lugar
apropriado e atear fogo, caso apareça um avião ou um navio no horizonte.
Parecia bastante lógico.
— É claro. Vamos levar tudo para a praia?
— Não. Empilharemos tudo no ponto mais alto da ilha — disse ele, apontando para
a região atrás da casa. — Dei uma volta lá por trás e vi que existe uma colina onde há
uma esplanada de pedra, ideal para se fazer uma fogueira. Usaremos madeira seca e
também um pouco de madeira verde, o que ajudará a fazer muita fumaça, que é
exatamente do que precisamos.
Será que ele alguma vez já tinha estado numa ilha deserta? Comportava-se de um
modo tão frio e prático, conhecia todos os meios para sair-se bem de situações
difíceis.
— Não me admiraria se você conseguisse providenciar um outro avião — disse
Isla calmamente.
— O que você disse?
Isla olhou-o de relance, arrependida do que tinha dito.
— Nada. Estava apenas pensando em voz alta. — Preferiu não explicar por que
dissera aquilo. Bastava de brigas por aquele dia.
Ele também não parecia disposto a começar outra discussão.
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— Vamos ver se arranjamos alguma coisa para comer hoje. Depois nos
preocuparemos com a fogueira… Isto é, eu cuidarei disso; a menos que você queira
ajudar.
— Sim, eu ajudo. Não há nada para se fazer aqui. Além disso, sou bem mais forte
do que aparento.
— Não tenho dúvidas quanto a isso — e ele levou instintivamente a mão ao rosto.
Enquanto iam embora, Isla deu uma última olhada para aquela piscina maravilhosa.
Voltaria lá para tomar um banho; era a única coisa naquela ilha pela qual ansiava. Ao
passarem pelas árvores atrás da piscina, encontrou o maior cacho de bananas que já
tinha visto em toda sua vida. Parou para tocar naquela penca de frutas douradas que
pendia da árvore e ouviu a risada de Kyle:
— Banana ouro. É muito doce, mais doce do que qualquer outro tipo. — Tirou uma
porção delas, oferecendo-lhe duas: — Tome, experimente. Parecem feitas de mel.
Ela descascou uma e comeu. Era deliciosa. Sim, realmente parecia haver mel
dentro dela. Isla chegou a esquecer seu inimigo.
— Fantástica!
— Não é? — Ele é frio o suficiente por nós dois juntos, pensou Isla.
Durante uma hora descobriram um verdadeiro tesouro de frutas e vários tipos
de vegetais.
Isla estava cansada. Em parte devido ao calor, e também por causa de todas as
emoções daquele dia. Depois de almoçarem o que tinham colhido, sentia dificuldade em
manter os olhos abertos. Kyle, notando seu estado, disse:
— Vou descansar um pouco. Por que não faz o mesmo?
— Sim.
— O barracão está muito quente e o avião não é seguro. Se você se deitar no
chão, poderá ser devorada pelas formigas ou outro animal ainda pior.
Ela o encarou assustada. Havia algum tom de zombaria por trás daquele rosto
bronzeado atraente? Difícil dizer. Manteve-se calma.
— O que você sugere? Onde você vai dormir?
Ele encolheu os ombros.
— Estava pensando. Há dois botes auto-infláveis no avião. Um para mim e um para
você. Vou apanhar, são bastante seguros.
Dizendo isso, saiu a passos largos em direção ao avião. Ao voltar não trazia
somente os botes, mas também um pacote embrulhado em celofane.
— Aqui dentro há três rojões. Se avistarmos um navio ou avião, soltaremos um
deles; além de acender a fogueira, é claro.
Ela segurou o pacote, examinando-o com curiosidade. Continha três bastões que
mais se pareciam com dinamite.
— Isto? — ela perguntou. — São aquelas coisas que sobem ao céu feito uma
flecha em chamas?
— Sim. Vou lhe ensinar como se lança um desses rojões. Se no momento eu
estiver longe acendendo a fogueira, você mesma terá que arremessá-lo.
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— É, sim… — Uma sensação de angústia tomou conta dela. Precisava ouvir suas
instruções com muita atenção, para depois não cometer nenhum erro.
Kyle disse tranqüilamente, como se lesse seu pensamento.
— É muito fácil, você vai ver.
Os botes se inflaram em questão de segundos.
— Você logo se acostumará com eles — disse Kyle, divertindo-se com a expressão
no rosto dela.
— Tenho certeza disso. Como você mesmo disse, será bem melhor que deitar no
chão e ser devorada pelas formigas.
Ele arrastou o bote até as árvores e parou.
— Aqui está. Se você quiser, pegue um lençol no barracão. Estarei lá em cima, na
casa, mas não vou demorar muito.
Ela não perguntou por que ele ia lá. Apenas ficou contente que não estivesse por
perto; assim, dormiria tranqüila.
Quando Isla acordou, já não fazia tanto calor. Demorou alguns segundos para se
lembrar de onde estava. O outro bote estava a vários metros de distância, mas não
havia sinal de Kyle. Tudo estava silencioso. Talvez por um milagre, Kyle tivesse ido
embora daquela ilha, pensou. Em seguida, sentiu-se deprimida pelo pensamento. Seria o
pior dos castigos ficar sozinha naquele lugar; e, além disso, ela valia muito dinheiro
para ele. Portanto, não iria embora deixando-a lá.
Entrou no barracão para se trocar. Ao se abaixar para pegar as sandálias, notou
que alguma coisa escura se mexia perto delas. A respiração de Isla quase parou: era
uma aranha enorme e negra, que andava pelo banco onde estavam suas sandálias. Isla
sempre teve pavor de aranhas, desde criança, e nem mesmo sabia a razão. Fugiu
correndo do barracão.
— Pensei que tinha dito para não andar sem suas sandálias. — Zangou Kyle quando
a viu descalça.
Olhou para ele, desolada. Podia lhe explicar o motivo: Sim, eu sei, mas não posso
entrar lá porque há uma aranha enorme que me deixou apavorada. Podia ter dito isso,
mas não quis admitir que estava com medo. Falou de modo arrogante:
— Disse, sim, mas preferi deixá-las no barracão!
— Então vá buscá-las — fez uma pausa esperando que ela obedecesse. — Agora!
Isla simplesmente afastou-se ainda mais do barracão. Pela primeira vez, Kyle
pareceu confuso, como se não compreendesse sua atitude. Porém, logo em seguida,
voltou à calma arrogante que tanto a enfurecia.
— Ah, já vi tudo. Você está novamente de mau humor, não é?
Está voltando a agir como a criança mimada que sempre foi.
— Se você pensa assim… — Encolheu os ombros, e sorriu:
— Se quer que eu calce as sandálias, vá até o barracão buscá-las para mim.
Os olhos dele se estreitaram.
— Pode ser que você tenha muitos empregados, e esteja habituada a dar ordens;
mas aqui você pegou o homem errado. Eu não obedeço ordens e não estou disposto a
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Mais cedo ou mais tarde, ela precisaria entrar lá, e o que aconteceria, então?
Haviam deixado os alimentos dentro do barracão e Isla estava com fome. Tentou
mostrar-se mais corajosa.
— Não se preocupe, j-já me acalmei agora, o medo p-passou. Apenas tomarei mais
cuidado quando tiver que entrar lá.
— Você mente muito mal — disse ele calmamente.
— O que você quer dizer com isso?
— Você sabe muito bem; está simplesmente apavorada. — Isla tentou fazer
alguma objeção, mas ele fez um gesto com a mão para que não continuasse. — Pelo
amor de Deus, não tente negar, mulher. Você não vai se diminuir apenas por admitir
que tem medo de aranhas. Além disso, se era uma tarântula, você teve toda a razão de
ficar apavorada. É claro que se fosse mordida pela aranha não iria morrer, pois é
muito jovem e tem saúde. Mas, em todo o caso, nestas circunstâncias, é melhor não
corrermos riscos à toa. Portanto, quando você quiser alguma coisa do barracão, peça
para mim, certo?
— Sim — disse ela, tentando sorrir.
— Muito bem. Vou buscar a comida lá dentro e almoçaremos aqui na sombra.
Depois decidiremos onde vamos dormir hoje à noite.
Isla ficou fora do barracão. Assim que ele entrou, ela ouviu uma exclamação; seu
coração começou a bater rapidamente, alarmado. Kyle voltou, com as mãos juntas em
forma de concha, como se estivesse segurando alguma coisa. Ela desconfiou do que se
tratava.
— Oh, não — disse mexendo a cabeça de um lado para outro.
— Oh…
— Controle-se, vamos. Só quero que dê uma olhada. Fique onde está, prometo que
não vou deixar que ela se aproxime de você. — Descobriu a mão, exibindo na outra uma
aranha horrível, preta e peluda. — Diga-me apenas se foi esta a aranha que você viu.
— E-eu acho que s-sim. — Não foi fácil falar, sua boca estava muito seca.
— Tem certeza?
— Sim, tenho. P-por quê?
— Ótimo. — Dizendo isso, colocou a aranha no chão, em meio às folhagens de um
arbusto, onde ela desapareceu rapidamente.
— Porque é inofensiva. Caso contrário, não teria me arriscado a pegá-la. Se essa
é a aranha que você viu, não há por que se preocupar. As tarântulas são bem
diferentes dela. Eu só queria ter certeza, foi por isso que a trouxe para você ver.
Minha intenção não era assustá-la.
— Você não a matou. — Coisa estranha para se dizer, mas Isla não conseguia
pensar em nada mais além disso no momento.
— Não. Não acho que se deva matar quando não há necessidade. Ela não me fez
nenhum mal… Nem a você. Matando-a, seu medo por aranhas diminuiria?
— Não. Não foi isso que eu quis dizer. Não queria que você a matasse; mas,
sinceramente, pensei que fosse matar.
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Capítulo VI
Nada deveria parecer muito evidente, decidiu Isla. Sutileza seria sua arma
principal. Levantou-se cedo na manhã seguinte, antes de Kyle, e dirigiu-se ao barracão,
sem fazer um só ruído. Somente quando estava lá dentro é que se lembrou das
aranhas.
Suspirou profundamente: que se danem as aranhas! O que tinha em mente era
bem mais importante que seu medo por elas. Remexeu na mala e encontrou o que
procurava. Um vestido azul claro, de tecido muito fino, cuidadosamente dobrado para
não amarrotar. Pretendia usá-lo durante a viagem a Trintero, mas tinha se esquecido
completamente dele. Estava feliz agora por aquele esquecimento. Sabia que ficava
muito bonita dentro dele.
Comprara esse vestido no Rio, assim que conheceu Kyle, mas nunca tinha tido
oportunidade para usá-lo. Pagou uma fortuna pelo vestido, de corte perfeito, bastante
decotado, cujo tecido macio moldava seu corpo quando andava. Estendeu o vestido
sobre o banco, pegando o pente e o batom, que estava quase derretido pelo calor,
deixando-os ao lado do vestido.
Correu para a praia, tirou as sandálias e entrou no mar. Kyle estava acendendo o
fogo quando voltou do banho. Ela o cumprimentou com um sorriso radiante:
— Bom dia.
Por um breve momento pôde perceber sua surpresa. Então ele respondeu:
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— Bom dia, Isla. Vou tentar pegar um peixe para comermos agora. Mas, primeiro,
preciso me barbear. Não vou demorar muito.
— Não há pressa.
Dizendo isso, sumiu dentro do barracão. O primeiro passo tinha sido mais fácil do
que ela imaginara. Colocou o vestido, penteou o cabelo cacheado e passou o batom nos
lábios; lembrou-se de seu perfume, de que tanto gostava. Passou algumas gotas atrás
das orelhas, nos pulsos e no pescoço. Tudo em ordem: estava pronta para começar a
executar o plano. Seu coração batia rapidamente. Sorriu para si mesma ao sair do
barracão, sabendo que estava bonita.
Ele tinha colocado um espelho na fenda de uma rocha, e estava concentrado
removendo o sabão do rosto, com passadas rápidas de lâmina. A princípio estava muito
ocupado para olhá-la; mas quando olhou, a lâmina escapou — só por um instante — e ela
pôde ouvi-lo resmungar:
— Droga!
Uma gota vermelha correu por seu rosto, contrastando com o branco da espuma.
Ele pegou a toalha, enxugando-se.
Isla se esforçou para não rir. O vestido tinha feito mais efeito do que ela
imaginava. Ele terminou a barba e se dirigiu ao barracão, sem dizer uma só palavra.
— Oh, você se machucou? — perguntou quando Kyle voltou. A tira de esparadrapo
respondia por ele.
— Parece que sim — disse laconicamente.
Isla arregalou os olhos.
— Acho que isto o impedirá de entrar no mar para pegar um peixe. Isto é, os
tubarões costumam farejar sangue, não é verdade?
Achou que tinha ido muito longe, mas como que respondendo à sua dúvida, ele
sorriu.
— Bem, se é assim, terei que pegar o tubarão antes que ele me pegue. Pelo menos,
desse modo teremos peixe para muitas refeições.
Seus olhos a observavam com insistência, não deixando transparecer o que
realmente pensava. Não importa, pensou Isla, já tinha visto o suficiente nesses
últimos segundos; descobrira o que queria saber. Ele não era tão invulnerável como
tentava parecer. Essa certeza lhe dava bastante segurança.
Pegou as xícaras e o café, colocando-os sobre a areia, perto do fogo, e Kyle
apanhou o bule, enchendo-o com a água do garrafão plástico que estava à sombra, do
lado do barracão.
— Você quer primeiro tomar café? — perguntou ele, colocando o bule no fogo.
— Sim, por favor. Está tão quente hoje, não é? Após o café podemos ir pegar a
madeira para a fogueira. — Então ela se lembrou — Você não vai me ensinar a usar os
rojões?
— Sim, logo depois do café. Quer um cigarro?
— Sim, se não lhe fizer falta; posso passar sem eles.
— Eu tenho um pacote. Quando terminarem, não fumaremos mais. Eu não me
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importo.
Ele acendeu dois cigarros com um pedaço de madeira cuja ponta estava em brasa
e estendeu um a Isla. Por um instante, as mãos deles se tocaram levemente. Kyle
sentou-se na areia, olhando para o mar enquanto fumava, e Isla o observava. Seu perfil
fino e moreno, em contraste com o céu claro, tinha uma expressão levemente
arrogante. Imaginou o que ele poderia estar pensando naquele momento: difícil de
saber, como sempre. Assim como tinha sido impossível sequer suspeitar, por exemplo,
de seus planos para levá-la de volta à Inglaterra. Era muito inteligente!
Se eu conseguir o que pretendo, pensou Isla, você vai lamentar muito ter tentado
me trair. Segurou com mais força a xícara de café, e Kyle olhou para ela nesse exato
momento, como se os pensamentos dela o tivessem feito desviar a atenção.
— Vou buscar os rojões.
— Sim. Estou esperando que você me ensine.
Ele se levantou e foi embora. Isla limpou alguns grãos de areia do vestido. Andou
calmamente para o mar para lavar as xícaras. Não tinha nenhuma pressa. Ele que
espere! Tomou cuidado para não molhar o vestido enquanto enxaguava a louça. Mesmo
sem olhar para trás, ela sabia que Kyle estava de pé, ao lado do fogo, olhando para ela.
Ele abriu o pacote, estendendo-lhe um bastão.
— Não mexa na ponta — avisou.
Estava muito próximo dela agora, porque precisava ensinar a maneira correta de
segurar e acender o rojão.
— Sim, estou vendo.
Ela levantou a cabeça para olhá-lo. Estavam frente a frente, e quando movia a
cabeça seus cabelos batiam no rosto dele. Uma pequena sensação de triunfo tomava
conta dela. Ouvia todas as suas instruções apenas com metade da atenção; a outra
metade estava muito ocupada, concentrada nos próximos passos de seu plano. Ao
devolver o bastão, Isla lhe disse:
— Explique de novo, por favor. Mostre-me como se segura o rojão.
Ele pegou a mão de Isla e lhe mostrou como deveria fazer para acendê-lo; sentiu
o calor de sua pele e seus longos dedos envolviam a mão dela completamente. Ouviu-o
suspirar fundo e em seguida tirou a mão bruscamente.
— É só isso — disse ele. — Agora você já sabe como fazer. Vou deixá-lo no
barracão, em cima do banco.
Ele foi embora a passos largos. Isla esfregou os dedos como se tivessem ficado
adormecidos pelo toque de sua mão. Não se passou mais que um minuto e ele voltou,
vestindo um calção de banho e trazendo uma faca:
— Vou ver se pego um peixe — e entrou no mar.
Kyle se movia com muita rapidez dentro da água, feito um atleta em perfeitas
condições físicas. Aliás, nadava muito bem. Isla não conseguia enxergá-lo mais;
prendeu a respiração. Parecia ridículo ficar preocupada, pois ele não estava tão longe
para correr qualquer perigo; mas quem pode saber o que se passa no fundo do mar? Ele
levava uma faca, era forte e tinha bom senso; mesmo assim, Isla ficou tensa. Apesar
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de detestá-lo, não queria que nada acontecesse com ele… E então a cabeça de Kyle
reapareceu fora da água.
Suspirou aliviada. Tudo estava bem. Kyle voltava para a praia trazendo um peixe
grande e esbranquiçado, cujas escamas brilhavam ao sol.
— Por favor, Isla, pode acender o fogo enquanto limpo o peixe?
Enquanto o limpava, as gaivotas já sobrevoavam a região, esperando
pacientemente sua parte: pele, espinhos e escamas. Isla acendeu o fogo como ele
pedira e ficou olhando a habilidade de Kyle em cortar os filés. Colocaram-nos numa
panela tirada da cozinha do avião, e o cozinharam com bananas. Uma combinação
estranha, pensou Isla, divertida; porém, estava muito gostoso — era só isso que
importava.
Meia hora mais tarde, os dois se dirigiam à casa que tinha pertencido a Joseph
Cumberland. Fazia muito calor para trabalhar. Contudo, tinham que trabalhar, e rápido.
Caso contrário, perderiam a oportunidade quando aparecesse um avião ou um navio.
Isla não se conformava com a idéia de continuar naquele lugar por muito tempo.
Fazia duas noite e um dia que estavam lá — já parecia um século — e nem sinal de
ninguém para socorrê-los. Quanto mais pensava nisso, mais as horas demoravam para
passar. Não ouvia nenhum ruído de motor no céu: somente o canto dos pássaros.
Olhando para o mar, não via nada no horizonte, além de uma linha reta. Essa idéia
deixou-a desesperada. Parou de andar de repente, sentindo um aperto no coração.
— O que foi? — Kyle parou também, percebendo que alguma coisa estava errada.
Ela não quis contar.
— Nada. Estou apenas retomando o fôlego — mentiu, sorrindo.
Não lhe passou pela cabeça que, se levasse seus planos adiante, poderia estar
brincando com fogo. De fato, essa possibilidade nem chegou a lhe passar pela cabeça.
Quase uma hora depois a tempestade começou. Foi com muita rapidez, e os pegou
de surpresa. Estavam atarefados, tirando as tábuas do assoalho e das paredes da
casa. Kyle, ainda em seu calção de banho, arrancava as tábuas mais pesadas. Isla
carregava as menores para o local onde seria armada a fogueira.
Ela olhava ansiosa para a piscina, toda a vez que passava perto. Um mergulho
naquela água fria seria maravilhoso. Porém, tinha se oferecido para ajudá-lo, portanto,
nada de mergulho agora. Continuaria seu trabalho até que ele lhe dissesse para parar.
Pelo jeito, isso nunca ia acontecer.
Estavam junto da fogueira, quando o céu ficou escuro e começaram os trovões.
Isla ficou paralisada ao ver um relâmpago prateado não muito longe deles. A figura de
Kyle correndo em sua direção parecia completar aquela cena de terror. Queria gritar,
mas se controlou. Foi praticamente carregada para dentro da casa por Kyle que,
puxando-a pelo braço, tentava se abrigar da tempestade.
Por incrível que pareça, havia um quarto naquela casa, cujo teto estava intacto.
Era um quarto pequeno, mínimo mesmo. Lá fora, os relâmpagos rasgavam o céu,
fazendo toda a casa tremer. O barulho ensurdecedor e os clarões chegavam quase
simultaneamente, e Isla, lembrando a última tempestade desastrosa, sentiu-se
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apavorada.
Kyle estava bem a seu lado, com as gotas de chuva caindo pelo seu rosto e
correndo pelos braços e peito. Agora Isla podia continuar com seu plano.
— Estou assustada — disse ela e começou a tremer.
Parte de seu tremor era causado pelo medo. Havia, porém, alguma coisa mais, uma
tensão inexplicável por estar com ele num lugar tão pequeno, cercado por tábuas
velhas e o cheiro dela misturando-se com o cheiro da chuva e da terra molhada.
— Estamos seguros aqui — disse ele. — Essas tempestades passam logo. Você vai
ver.
— Sim. Acontece que as tempestades me fazem lembrar a queda do avião.
Subitamente, caiu um raio bem mais perto do que todos os outros, com uma luz
intensa e apavorante. Ela agarrou Kyle, aterrorizada… Sentiu que ele passava os
braços em volta de seus ombros, abraçando-a de um jeito protetor.
— Fique calma. Conte até vinte bem devagar, tudo vai passar.
Mas ela não podia ouvi-lo. O medo que sentia tinha dado lugar a uma outra emoção
profunda e inquietante, que nem mesmo ela podia entender. Seu coração batia
descompassadamente ao sentir o calor dos braços que a seguravam firmemente. Essa
era a melhor chance que teria para pôr em execução seus planos.
Isla começou a contar, esperando pelo próximo relâmpago. Um, dois, três, quatro,
cinco. O raio veio então e ela agarrou-se ainda mais a ele, como se estivesse muito
aterrorizada; mas não era realmente medo o que sentia agora.
— Isla — murmurou ele enquanto abaixava a cabeça.
Sua voz estava abafada, porque encostou a boca nos cabelos dela. Levantando a
cabeça para olhá-lo, disse:
— Oh, quando é que isso vai parar?
Ele podia sentir a pulsação irregular de Isla, mas nem mesmo isso importava
agora, pois, aproximando o rosto do dela, beijou-a impulsivamente. Kyle era novamente
gentil e carinhoso como o homem que tinha conhecido no Rio. Isla correspondia sem
dificuldade. Mas, dentro dela, o plano de vingança continuava — ia lhe dar uma lição!
Abraçou Kyle mais ainda e sentiu que ele também correspondia intensamente.
— Boa tentativa, Isla — ele afastou o rosto e sua voz agora estava fria, muito
fria. — Você esteve ótima, sabe?
Não era isso que ela queria ouvir. As palavras a atingiram como uma bofetada.
Inclinou a cabeça para trás. Kyle começou a rir, devagar a princípio, e depois bem alto,
como para dissipar a tensão que sentia.
— O q-que você quer dizer? — seus olhos se arregalaram.
— Eu só queria descobrir até quando você levaria adiante essa farsa. Acha que
não sei o que pretendia? — Falava zombando dela. Isla tentou se afastar, mas ele a
agarrou com mais força; não era mais um abraço carinhoso.
— Solte-me — disse violentamente.
— Só quando terminar o que tenho para dizer. O que você pretendia fazer?
Provocar-me e em seguida me ignorar? Ou fazer com que eu me apaixonasse por você?
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— Sua voz era áspera e cruel. — Não, Isla, esqueça. Você não tem nenhuma chance
precisaria ser muito mais mulher; ter bem mais do que você tem a me oferecer.
Isla levantou a mão, tentando esbofeteá-lo, mas Kyle era muito rápido para ela;
segurou-a com firmeza. A raiva apoderou-se de Isla e ela se sacudiu violentamente
para libertar-se dele, pois não queria ouvir mais nada. Ofegava de desespero e
cansaço.
— Eu o odeio!
— Eu sei. Aliás, foi exatamente isso que me fez desconfiar de sua mudança
repentina. Meu Deus, você me acha um idiota? Era tudo tão óbvio: o perfume, o batom,
o vestido. — Kyle olhou para Isla, divertido: — Ninguém em sã consciência ia usar um
vestido para carregar pedaços de madeira suja.
Passou os dedos pelo rosto e pelo pescoço de Isla; ela recuou e ele então voltou a
falar tranqüilamente:
— Vê o que estou dizendo? Agora você se encolhe de medo só porque encostei a
mão em seu rosto. Ora, mas que grande esforço deve ter feito para me beijar. Como
conseguiu?
Não pretendia responder. O que sentia agora era muito intenso para deixá-la
falar. Ficou parada, esperando que ele soltasse seus braços. Kyle era muito forte, não
podia lutar com ele. Tudo o que queria era que ele tirasse as mãos de cima dela, e
como se ele adivinhasse o que pensava, libertou-a.
A tensão enchia de tal forma aquele pequeno quarto, que parecia que ia explodir.
Kyle fitava o rosto de Isla, mostrando-se muito à vontade, embora ela soubesse que
ele estava tão tenso quanto um animal acuado. Virou as costas, deixando a casa, não se
importando com a tempestade. Ele não falou nada, apenas observou. Seu olhar fixo
sobre ela era muito desconcertante.
Correu sob a tempestade, para qualquer lugar onde pudesse ficar longe dele.
Chegou ao barracão quase sem fôlego e, ao entrar, deixou a porta aberta. Lá
dentro estava muito agradável, a chuva tinha refrescado o ar. Sabia, porém, que logo
mais, quando a chuva parasse, aquilo se transformaria novamente num forno. A
tempestade passou pouco depois.
Isla sentou-se no banco, seu corpo todo doía devido à ansiedade e ao nervosismo
por que passara. Inclinou a cabeça para a frente, colocando as mãos no rosto. Queria
chorar, porém as lágrimas não saíram.
Então ele já sabia; seu plano tinha falhado. Não alimentava mais qualquer ilusão
de continuar sua vingança. Kyle parecia adivinhar tudo o que ela pensava. Notou uma
sombra na porta; levantou os olhos e pôde ver Kyle parado, olhando para ela. Um
calafrio percorreu sua espinha; o que ele iria fazer agora? Parecia um gigante
pensativo, cuja presença a inquietava. Apesar de sentir medo, ela decidiu que não
deixaria transparecer. Levantou-se com tranqüilidade, esforçando-se para não tremer,
pois suas pernas estavam fracas. Ergueu a cabeça e disse, em tom de desafio:
— O que você quer?
Ele se aproximou devagar.
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mais tempo a perder. A lata devia ser enterrada e a panela lavada e depois escondida.
Não podia deixar nenhuma pista. Colocaria as revistas em sua mala e acenderia o seu
próprio fogo, agora. Enterrou a lata na areia atrás do barracão. Sentia-se bem melhor
do que uma hora antes. Estava quase esquecendo o comportamento rude de Kyle;
quase.
Escondeu os jornais e revistas em sua mala, ficando com uma delas. Pelo menos,
podia ler novelas e piadas, e fazer palavras cruzadas. O fogo que ela acendera já
estava alto, soltando fagulhas que se perdiam na escuridão. Com o pôr-do-sol, a
temperatura caiu, e sua pequena fogueira agora tornava-se muito útil. Deitou-se ao
lado do fogo para ler a revista.
De onde ela estava podia observar Kyle, sem que ele a visse. Estava sentado ao
lado do fogo e tinha também uma lanterna acesa. Isla não pôde entender o que ele
fazia: estava lidando com arames muito finos e pedaços de metal. Ela não tinha
certeza se isso fazia parte do rádio ou se pretendia usá-los na casa. Não ia perguntar,
pois era exatamente isso que ele esperava; que Isla cedesse, que admitisse que não
podia tomar conta de si mesma. O pior é que ela odiava a solidão, detestava ser
obrigada a ficar calada, não poder conversar com ninguém.
— Não, eu não vou me render! — murmurou para si mesma. Voltou a ler sua
revista, e viu um artigo que chegava a ser quase engraçado nas circunstâncias em que
se encontrava: um anúncio que chamava a atenção de quem quisesse emagrecer,
aconselhando a comer peixe grelhado nas refeições.
Isla tentou rir, enquanto as letras se embaralhavam diante de seus olhos. Piscou
várias vezes, reclamando da luz fraca. Na verdade sabia que não se tratava da luz,
quando uma lágrima caiu sobre a revista. Foi dominada por um intenso sentimento de
desolação. A vida naquele momento parecia não ter nenhum sentido, bem como não via
lógica em lutar contra seu cruel destino, que a levara àquele lugar abandonado. E com
um homem que, a princípio, pensara ser tudo aquilo que esperava de bom para sua vida.
Um homem por quem se apaixonara até que suas palavras mudaram toda a situação.
Palavras terríveis que ninguém nunca lhe tinha dito antes.
Nada lhe parecera mais cruel do que suas palavras depois de beijá-la. Não
conseguia esquecer nenhuma de suas frases, nunca mais esqueceria: Precisaria ser
muito mais mulher; “ter bem mais do que você tem a me oferecer”.
Isla escondeu a cabeça entre os braços e chorou silenciosamente.
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Capítulo VII
Isla teve uma noite agitada. Ao acordar na manhã seguinte, sentia-se cansada.
Era ainda muito cedo e tudo estava escuro; sentou-se esfregando os olhos e pôde ver
uma linha alaranjada como sinal da alvorada no horizonte. Logo depois, o sol nasceu.
Aos poucos, tudo foi se tornando dourado. No céu não havia uma só nuvem,
prometendo um dia bastante quente pela frente. Saiu do bote e foi ao barracão, para
mudar de roupa.
Vestiu um short azul-claro e uma camiseta branca. Isla estava muito bronzeada,
sua pele tinha um lindo tom dourado e seus cabelos castanho-claros estavam
levemente avermelhados pelo sol. Não se olhava no espelho há vários dias, mesmo
porque isso não interessava mais. Não se importava com sua aparência. Ela mal sabia
que agora estava mais linda do que nunca até mesmo as marcas escuras de cansaço sob
os olhos serviam para realçar sua feminilidade.
Era elegante e tinha pernas longas. Correu para o mar e molhou o rosto, tentando
refrescar-se. Pretendia comer frutas no café da manhã e, assim que surgisse a
oportunidade, apanharia uma lata de comida da cozinha do avião. Se Kyle a pegasse em
flagrante, ela já sabia o que responder: diria que esse era um modo de amenizar a
mágoa provocada pelo que ele lhe tinha dito no dia anterior. Havia tempo de sobra
para pôr em ação o que pretendia fazer. Logo mais, quando acordasse, Kyle iria direto
para a antiga casa. Isla aprendia agora a ser paciente.
Não lhe dirigiu a palavra quando ele acordou; virou as costas e foi para o
barracão. Até mesmo o delicioso aroma de café que Kyle preparava não lhe despertou
o menor interesse. O suco de laranjas colhidas na hora afastou esse pensamento.
Olhou para Kyle que subia no avião e, por um breve momento, ficou amedrontada; se
ele procurasse uma revista, não encontraria nenhuma lá. Nem mesmo pensou na lata de
carne que também tinha sumido.
Após tomar seu suco de laranja, Isla descascou uma manga, cortando-a em
pedaços. Kyle se demorava no avião, e ela ficou imaginando por quê. Até que se
lembrou que o vira trabalhando com pedaços de arame e metal na véspera. Será que
estaria consertando o rádio? Tomara que fosse isso!
Levantou-se, pronta para ir ao avião e perguntar. Então se lembrou: não, não
devia. Sua cabeça começou a girar, tendo de se apoiar na parede do barracão para não
cair. Sem dúvida não era motivo de preocupação: apenas calor e cansaço. Mais tarde
deitaria para descansar. A tontura passou mas, apesar disso, sentia-se abatida.
O sol estava alto e muito forte, transformando o céu num azul-metálico. Fazia um
calor quase insuportável. Foi até a piscina e mergulhou, mas também a água estava
quente. Não tinha fome, somente uma sede insaciável. Tomou mais suco de laranja,
porém a sede não passou; foi até a cachoeira e bebeu vários copos de água.
Isla ouviu umas batidas vindas do avião e que continuaram durante toda à tarde,
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enquanto dormia à sombra das árvores. Esse barulho acompanhou seu sono, fazendo-a
sonhar com os tambores do conjunto musical do hotel de George e revivendo os
momentos em que tinha dançado com Kyle.
Seu sonho era colorido e agradável, parecia estar voltando no tempo; parecia
voltar para aquele mundo mágico que partilhara com Kyle durante alguns dias
inesquecíveis…
Ao acordar, foi duro tomar consciência da realidade, perceber que tudo não
passava de um lindo sonho. As batidas pararam e o dia já não estava tão quente. A
cabeça de Isla, porém, queimava como fogo. Kyle descia do avião agora e Isla levantou-
se, saindo do bote.
Ele a olhou de relance, sem dizer nada, e sumiu por entre as árvores, dirigindo-se
para a casa. Isla esperou que ele se afastasse e então foi até o avião. Era quase noite,
e tinha passado o dia todo apenas com suco de laranja e manga. A fome estava
voltando. O fogo não estava aceso, mas isso não tinha importância. Procuraria qualquer
coisa para comer, mesmo fria.
Não foi nada fácil subir no avião desta vez. Parecia estar mais alto ainda. Assim
que entrou, teve a estranha sensação que o avião tremia. Apoiou-se nas poltronas e
ouviu um zunido persistente dentro da cabeça.
Lá estava ela! Pegou a lata de carne, tomando o caminho de volta para a porta. Foi
quando o avião começou a balançar violentamente e Isla quase caiu. Dava a impressão
de estar num navio, em meio a uma tempestade. Tentou gritar, mas a voz ficou presa
na garganta. Tropeçando, conseguiu chegar até a porta, apavorada com o que estava
acontecendo. A voz de Kyle cortou seu pânico:
— Achei que, se voltasse, pegaria você aqui.
Olhou para ele: será que não via o que estava acontecendo? Ou será que não se
importava? Estava parado lá fora, com o sol brilhando sobre ele, transformando-o num
deus grego, bronzeado, ágil e forte, pronto para agarrá-la assim que ela pulasse do
avião, com a lata de carne presa entre os dedos.
Nesse momento, percebeu que ele não tinha ficado nem um pouco preocupado
com o movimento violento do avião, pois o problema não era com o avião e sim com a
cabeça dela, que girava sem parar. Ficou assustada: o que está acontecendo comigo?
— Você não vai tirar a lata de mim — disse Isla agressivamente.
— Eu disse que devíamos economizar os alimentos enlatados. — Sua voz parecia
distante.
— Vá para o inferno — respondeu Isla, indo embora.
Ele a segurou pelo braço, com delicadeza, mas Isla virou-se com rapidez,
tentando agredi-lo violentamente. Não adiantou: ele pegou seu outro braço e agora
estava com raiva.
— Não dou ordens para me divertir — respondeu ele, em tom de ameaça. —
Temos que nos alimentar com o que esta ilha nos oferece e guardar os alimentos
enlatados para o caso de surgir alguma dificuldade. Não conseguiremos isso se você
acabar com eles. Agora, seja razoável e venha almoçar comigo, está bem?
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— Fique com sua lata. — Dizendo isso, Isla arremessou a lata longe, entre os
arbustos. — Vá pegá-la você mesmo.
Sua cabeça doía terrivelmente. Tudo que queria agora era deitar. Sentia
fraqueza, mas não queria dar o braço a torcer.
— Sua peste! Vá buscá-la já!
Arrastou Isla até os arbustos. Ela tentou lutar, mas foi inútil. Não adiantava
oferecer resistência, ele era muito mais forte. Sua cabeça começou a girar
novamente, só que agora a vista lhe fugia, tudo se tornava escuro, as imagens pareciam
se misturar.
Ouviu a voz de Kyle como se viesse de muito longe, percebeu que caía e nada
podia fazer para evitar. Sentiu que ele a segurava, carregando-a para um lugar
qualquer.
A água estava fria: Kyle molhava seu rosto delicadamente com um pano úmido.
Estava deitada em cima de um lençol, à sombra de uma palmeira, e ele, ajoelhado a seu
lado, segurava uma toalha.
Isla ficou assustada, pois não conseguia se mexer, nem falar. Tudo era sombrio,
como se já fosse noite.
— Tente beber isto.
Sua voz era tranqüila, não estava mais com raiva. Levantou a cabeça dela e
levando-lhe um copo até a boca, obrigou com delicadeza que tomasse o remédio.
— Beba tudo. Você está com febre isso ajudará a baixar a temperatura. Era
como se falasse para uma criança e Isla obedeceu, dócil. Estava muito fraca para
fazer qualquer objeção. Seu corpo tremia sem parar.
— Desculpe.
Não sabia exatamente por que dizia aquilo, se era porque tinha jogado a lata
longe ou porque estava doente — e ele já tinha tanto trabalho para fazer!
— Está tudo bem. Não se preocupe com coisa nenhuma. Vou preparar um suco
agora. Fique deitada, você estará boa logo mais.
Levantou-se, olhando longamente para Isla, e foi embora.
Kyle trouxe o suco de laranja, que estava delicioso.
— Vou levar você até o bote. Terei que carregá-la no colo. Está pronta?
— S… sim, mas não quero lhe dar trabalho — sussurrou, esforçando-se para falar.
Kyle riu
— Não se preocupe comigo. Você foi mordida por algum tipo de inseto, isso é
tudo. Ficará curada em um dia ou dois. Até lá, fará tudo o que eu mandar, está bem?
Levantou Isla com agilidade, carregando-a até o bote. A noite se aproximava e
ela ainda se sentia bastante doente. Por quanto tempo ficaria assim? Estava
amedrontada. Sentia frio e calor ao mesmo tempo. O pior é que estava completamente
inútil, sem forças para erguer um dedo sequer.
— Você quer comer alguma coisa? — perguntou Kyle.
— Não. Não tenho fome.
— Está bem. De qualquer maneira, vou tentar pegar um peixe, mas não demorarei
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Esperou que ele se afastasse, contou até cem, e saiu do bote com extrema
dificuldade e lentidão. Em sua mente febril acreditava que se conseguisse chegar até
a pista de pouso, o único lugar onde um avião poderia aterrissar, então estaria salva.
Esperaria o avião lá, para ir embora daquele lugar.
Não conseguiu ficar de pé, suas pernas estavam muito fracas. Exausta, deitou na
areia ao lado do bote. O sol batia em seus olhos fazendo sua pele arder, só conseguia
distinguir o mar, lá ao longe.
A água era tentadora. Tinha vontade de correr e mergulhar. Apoiou-se nos
braços e começou a rastejar até a quente pista de concreto. Teve de parar no meio do
caminho, pois o esforço era demais para ela; porém, continuaria tentando, até chegar
lá. Estava bastante desesperada para tentar.
Ele não podia deixá-la sozinha naquela ilha. Ouviu um ruído que, aos poucos,
parecia se aproximar. Que estranho sonhar com aviões, quando havia um tão próximo
dela, embora todo quebrado! Talvez fosse o ruído do avião de Kyle que ouvira. Talvez
ele tivesse consertado o motor do avião, assim como tinha feito com o rádio.
Ora, a idéia era simplesmente ridícula, impossível! Isla começou a rir, deitando-se
na areia quente, muito próxima da pista de pouso, tão próxima que se estendesse o
braço esquerdo poderia tocá-la…
— Isla, pelo amor de Deus!
Era a voz de Kyle e parecia assustado. Assustado! Como podia um homem como
Kyle ficar com medo? Ele a levantou e ela sentiu o corpo dele contra o seu. Começou a
correr, tentando fugir da pista. Foi jogada no chão e suas costas doeram com o
choque; estava aterrorizada para gritar.
— Você podia ter morrido. Será que não ouviu o… — sua voz estava rouca de raiva
e Isla o olhou.
— Ouvir o quê? — Ela mal podia falar.
— O avião, próximo da aterrissagem. E você, você… — Parou de falar, seu rosto
estava branco de medo, imaginando o que teria acontecido. — Você disse que não ia
sair do bote.
— Pensei que você iria embora sem mim.
Isla lutou para ficar de pé, e Kyle a ajudou, segurando-a. Viu o pequeno avião
descendo, com as asas prateadas brilhando ao sol. Então entendeu o que Kyle queria
dizer quando falou que podia ter morrido: ela estava caminhando direto para o centro
da pista de pouso.
Viu dois homens saltarem do avião. Para ela, pareciam duas figuras muito
pequenas. Os raios de sol sobre as asas ofuscavam seus olhos, impedindo-a de
enxergar com clareza.
Ouviu os homens gritarem, mas suas vozes pareciam distantes. O momento de
abandonar aquele lugar tinha chegado; um momento maravilhoso. Seu maior desejo,
desde quando Kyle lhe tinha dito aquelas palavras horríveis. Chegou também a hora de
fugir dele; havia planejado tudo, como escapar dele assim que saíssem daquela ilha. Só
que agora tudo parecia muito difícil, seria um esforço excessivo para ela. Fechou os
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olhos e os pesadelos recomeçaram. Estava muito fraca para lutar contra os braços de
Kyle, que a carregava.
Os homens se aproximavam e um deles, sorrindo cinicamente, estendeu a mão
para cumprimentá-los.
— Kyle! Nunca esperava encontrá-lo aqui, nesta situação. Como é que você… —
Para Isla a reunião tinha terminado; ela desmaiou.
Quando acordou, pensou que ainda estivesse sonhando, pois estava numa cama
macia e confortável, debaixo de lençóis limpos. Olhou para o teto de madeira. Tudo
era bem diferente de seus pesadelos, bem mais agradável…
— Ela acordou. — Era uma voz feminina e suave, mas Isla não viu ninguém a seu
lado. Tentou sentar-se na cama para olhar melhor. Achava estranho que houvesse
outra mulher na ilha além dela. Estava ainda bastante confusa. Também não existia
nenhuma cama confortável naquela ilha.
A menina aproximou-se. Não uma mulher, mas uma garota de uns doze ou treze
anos, que sorria para Isla, com um rostinho bonito e dentes muito brancos. Havia
qualquer coisa de muito familiar nela.
— Onde estou? Que lugar é este? — perguntou Isla. — Estamos ainda na ilha?
— Sim, em Trintero. Minha irmã foi avisar Kyle que você acordou.
Trintero! Mas esse era o lugar onde tinham estado antes do acidente aéreo.
Então Isla se lembrou da seqüência de acontecimentos, da febre, do avião que viera
salvá-los pouco antes de ter desmaiado.
Isla dirigiu-se à garota, falando devagar.
— Por favor, diga-me onde estou. Tem mais alguém nesta casa além de nós?
— Você está no hotel de meu pai. Você veio com Kyle.
— O hotel de George?
— Sim — respondeu a garota, acenando com a cabeça. — Eu sou Tina. Minha irmã
Lila e eu cuidamos de você.
O que Tina diria em seguida, com muita naturalidade, foi um choque para Isla.
— Você está aqui há três dias.
— Três dias!
— Sim, o que tem de errado nisso? Por favor… — Tina mordeu os lábios ao
perceber que a assustara, embora não pretendesse fazer isso.
O que aconteceria agora, pensava Isla, se Kyle tivesse se comunicado com seu
pai? Ele podia até já estar em Trintero. Ou, na melhor das hipóteses, voando para lá.
— Tina, diga-me, o que aconteceu comigo?
— Você teve uma febre muito feia! Porém, já está bem melhor, dá para a gente
notar isso.
— Estou certa que sim. Acontece que não me lembro de ter deixado aquela ilha.
Isla procurava descobrir por meio de Tina qualquer pista sobre as intenções de
Kyle em relação a seu futuro.
— Você sabe alguma coisa sobre o lugar onde estive?
— Oh, sim! — Tina arregalou os olhos escuros. Não havia dúvida de que seu rosto
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contratou para que lhe fizesse um trabalho sujo. Eu não me engano a seu respeito; sei
o tipo de homem que você é.
Sua voz tremia agora, grave e intensa, deixando transparecer toda sua raiva. Viu
a expressão dele mudar, os cantos de sua boca ficarem tensos. Alguma coisa fez com
que ela continuasse:
— Você representou um falso papel durante quase duas semanas, para me levar a
gostar de você. E conseguiu. Representou com perfeição. Diga-me, isso o fez sentir-se
vitorioso? Vamos, diga! — Isla estava prestes a chorar. — Eu o desprezo! Você é a
pessoa mais detestável que já conheci, ouviu? Nojento!
Kyle levantou-se para ir embora, mas ela se inclinou na cama, pois ainda tinha
muito a dizer.
— Você entendeu? Está fugindo, agora, não é? — Como não obteve resposta, ela
continuou: — Você me fez ouvir tudo o que queria naquela ilha maldita, onde você
mandava e desmandava. Fui obrigada a ouvir você me dizer aquelas coisas horríveis.
Por que teve de fazer uma coisa daquelas? Por quê?
— Eu já disse. Não poderia viver com essa mentira. Eu não sabia por quanto
tempo…
Parou de falar. Ele estava com raiva, ela sabia disso. Havia, porém, algo mais, um
sentimento mais profundo que suas palavras causaram em Kyle. Uma sensação que Isla
não sabia descrever. Não ainda.
— Continue. Você não sabia quanto tempo teríamos que ficar lá, não é isso que ia
dizer?
Havia uma espécie de ansiedade perturbadora no ar. Isla estava com medo dele,
assim como daquela atmosfera indefinida. Mal podia respirar. Esse homem era seu
inimigo, e podia tornar-se perigoso — seu instinto a prevenia. Contudo, esforçava-se
para não ceder. Devia continuar com sua luta, ela precisava.
— Quero lhe dizer uma coisa, Kyle Quentin — disse calmamente, para que tudo
ficasse bem esclarecido. — Você não vai me levar de volta à Inglaterra. Ninguém pode
fazer isso, contra a minha vontade. Tenho mais de dezoito anos e não cometi nenhum
crime. Portanto, se você tentar me colocar em algum avião, vou fazer um escândalo
daqueles. Não vou para lugar nenhum com você, nunca mais. Você é um animal! Está
ouvindo? Um animal!
Sem uma palavra, Kyle saiu do quarto. Isla recostou-se na cama, exausta pela
explosão de raiva e ao mesmo tempo assustada pela reação que tinha provocado nele.
Notava-se claramente que tinha se controlado para não responder aos seus insultos.
Isla chegou a ver seus punhos cerrados, como se o esforço para se controlar fosse
demasiado. Se fosse um homem de verdade, sem dúvida teria levado um soco dele.
— Eu o odeio! — disse em voz baixa para si mesma. Embora não soubesse a razão,
não acreditava totalmente no que acabara de dizer.
Parecia que Tina fazia questão de bancar a enfermeira particular de Isla. Era
uma garota agradável, risonha, e deixava claro que idolatrava Kyle, do modo como
falava dele. Ela voltou alguns minutos depois que Kyle saiu, e Isla notou sinais de
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Capítulo VIII
Já não estava tão fraca depois da refeição. Olhou para Tina, que esperava
ansiosa que terminasse.
— Devo confessar que precisava disto — admitiu ela. — Estava faminta.
— Sim, eu imaginei. Quando você estava muito doente, Kyle tentou várias vezes
fazer com que bebesse um pouco de leite com brandy. Ele estava preocupado.
Sim, devia estar mesmo, pensou Isla amargurada. Seria muito inconveniente para
seus planos, se ela morresse enquanto ainda estava em suas mãos.
— Preocupado? Bem, não ficará mais, agora que sabe que você me trouxe esta
refeição. Estou feliz que você esteja aqui, Tina. Você daria uma ótima enfermeira,
sabe?
Tina riu.
— Ah! Você deve dizer isso a meu pai. Eu sempre quis ser uma enfermeira, mas
ele — encolheu os ombros eloqüentemente —, ele acha que sou muito criança. Eu!
Não haveria ocasião melhor para lhe perguntar:
— Quantos anos você tem?
— Quase quinze, mas eu sei que pareço mais moça. Não sou como Lila, ela é bem
mais alta do que eu.
— Estou certa de que ele a deixará trabalhar, quando for um pouco mais velha,
Tina. Você é ainda muito moça, mesmo. Enquanto isso, você pode praticar comigo.
Aliás, você está se saindo muito bem. Estou muito agradecida.
— É muito bom ouvir isso. — Tina pegou a bandeja com os pratos sujos. — Vou
colocar isso do lado de fora da porta, para que um dos garotos venha buscar. É só
tocar a campainha que fica no outro quarto, está bem?
— Estamos num chalé, não é?
— Sim. Você gostaria de dar uma olhada nele? Será que já pode andar?
— Sim, estou melhor. Adoraria me movimentar um pouco.
— Kyle achou que aqui seria mais tranqüilo para você; se bem que disse que você
nunca devia ficar sozinha.
Isla descobriria o sentido exato dessa frase alguns minutos mais tarde. Esperou
Tina deixar a bandeja fora do chalé e saiu da cama. Usava uma linda camisola azul-
escura. Tina, percebendo a dúvida em seu rosto, explicou: — É de Lila. Ela tem muitas
camisolas e vocês vestem o mesmo tamanho, daí…
— Vocês todos são muito gentis. Muito amáveis mesmo.
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Isla não esperava se sentir tão fraca agora que tinha comido bem. Até mesmo
com a garota segurando-a pela cintura para que não caísse, suas pernas tremiam e
falhavam. Caminharam até a outra sala onde, bem ao lado da porta, havia uma cadeira.
— Sente-se, por favor.
Isla concordou, pois sabia de suas limitações. Era uma sala de estar graciosa, com
mobília de cor clara. A garota abriu as cortinas da janela à sua frente.
— Ora, que maravilha! Que lugar encantador para se passar umas férias.
— É verdade. As pessoas podem fazer as refeições aqui ou no restaurante do
hotel. Estes chalés são bastante procurados por casais em lua-de-mel. — Ao dizer
isso, Tina corou ligeiramente.
Isla sorriu:
— É, imagino que sim. Estes chalés têm cozinha?
— Têm sim! Gostaria que eu fizesse um café? Seria muito bom, hein?
Parecia que Tina estava realmente determinada a cuidar dela e Isla começou a
perceber que isso era muito agradável.
— É uma ótima idéia. Posso ver a cozinha? — Ao levantar viu uma outra cadeira
de descanso com uns lençóis amassados e um travesseiro.
— Tina, foi você que dormiu aqui? — perguntou, enquanto se dirigia à cozinha.
Tina olhou surpresa:
— Não. Meu pai não deixaria.
— Então foi Lila?
Tina riu:
— Ah, não, foi Kyle!
Seu coração pulou de susto.
— Você está dizendo que ele veio dormir aqui todas essas noites?
— Ora, é claro! — Tina foi até o armário enquanto Isla sentava numa cadeira de
junco. A garota continuou a falar ao mesmo tempo em que procurava o café e as
xícaras. — Você não podia ficar sozinha à noite, por isso Kyle dormia aqui. De manhã,
quando ele acordava, Lila ou eu vínhamos tomar o lugar dele.
Isla foi tomada por uma raiva incontrolável. Nunca conseguiria escapar do
domínio daquele homem? Ele mais parecia um cão de guarda, que nunca a deixava
sozinha. Será que tudo isso fazia parte dos planos dele? Ela logo descobriria.
— Acontece que estou bem melhor agora. Estou certa de que, a partir de hoje,
ele não vai precisar mais passar as noites aqui.
Tina era uma garota atraente e sem dúvida se tornaria uma linda mulher. Não foi
difícil para Isla gostar dela. Desejava muito ter uma, irmã mais jovem, como Tina.
Tomaram seu café na sala e Tina trouxe da cozinha uma lata de deliciosos
biscoitos. Os pensamentos de Isla estavam longe, imaginando se Kyle pretendia passar
a noite com ela novamente: isso é o que ele pensa!
Descobriu mais tarde que tinha cometido um grande erro, contando para Tina que
não queria que ele dormisse em seu chalé. Não foi culpa da menina; provavelmente,
com toda sua inocência, devia ter comentado com a irmã o que Isla dissera. De
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Este é o único chalé ocupado. Você estaria completamente só, entendeu agora?
Por um momento a agressividade de Isla pareceu sumir.
— Estou acostumada a isso. Sempre estive só.
As palavras foram ditas sem rancor, involuntariamente: notou a fisionomia de
Kyle mudar sensivelmente e só então percebeu o que tinha dito. Ficou imaginando por
que confessar isso àquele homem.
A angústia só passou quando ele saiu. Isla suspirou; por que a expressão do rosto
de Kyle mudou tanto quando ela disse aquelas palavras? Foi até a janela e acompanhou
Kyle com o olhar. O ar que entrava trazia o perfume de flores e, em algum lugar
distante, um animal gritava, como se sofresse.
Aquele homem que estava lá fora, e que não temia coisa alguma, passara as noites
anteriores, em sua companhia; e Isla nem mesmo sabia disso. Talvez tivesse delirado
durante sua febre, falando mais do que devia. Talvez, mas de nada adiantava ficar
especulando. De qualquer modo, ele era seu inimigo. Apesar de sua preocupação por
ela, nada alterava os fatos, o que ele tinha feito e o que ainda pretendia fazer.
Tomou um banho frio, o que ajudou a reanimá-la. Vestiu uma camisola rosa que
Tina trouxera na hora do jantar. Apagou a luz do banheiro e foi para a cama.
Assim que se deitou, Kyle abriu a porta. É claro! Estava esperando as luzes do
banheiro se apagarem para entrar, pensou Isla. O que aconteceria se deixasse as luzes
acesas? Teria esperado toda a noite lá fora? A idéia podia ser engraçada se ela não se
sentisse tão triste e terrivelmente só.
Ouviu Kyle andando na cozinha e na sala. Isla sentou-se na cama, sabendo que não
conseguiria dormir tão logo. Leu uma revista, não querendo pensar no que tinha
acontecido durante o dia.
Acordou no meio da noite zangada, pensando que Kyle quisesse lhe pregar uma
peça, uma brincadeira de muito mau gosto, só para provar que não podia cuidar de si
mesma. Ouviu um ruído e, abrindo os olhos, viu uma silhueta escura pulando a janela.
Nunca imaginou que Kyle faria uma coisa dessas… O homem se movimentava
silenciosamente. Isla sentou-se na cama.
— Kyle?
Como não obteve resposta, chamou mais alto.
— Kyle!
Ele veio em sua direção e Isla percebeu que não se tratava de uma brincadeira e
gritou com todas as forças. O homem tapou sua boca com a mão.
Subitamente as luzes se acenderam e Kyle invadiu o quarto pulando sobre o
homem. Isla pôde ouvir o impacto dos dois corpos caindo no chão. Saiu da cama
tropeçando, muito assustada para gritar. O pânico apoderou-se dela quando viu Kyle
segurando a mão do assaltante que empunhava uma faca cuja lâmina prateada cintilava
sob a luz. Lembrou-se da campainha da sala e correu para alcançá-la, quase caindo ao
tropeçar num tapete à sua frente. Apertou a campainha várias vezes, insistentemente.
O mais terrível é que não sabia se funcionava, pois só poderia ser ouvida na copa do
hotel; haveria alguém lá?
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Achou que devia ajudar Kyle. Havia uma estátua de madeira a seu lado: agarrou-a
e correu para o quarto, mas o esforço que fez para correr foi bastante para perceber
que não podia continuar. Sua cabeça girava. Ela não podia desmaiar, não agora! Olhou
para os dois homens no chão, um sobre o outro e, aproximando-se, ergueu a estátua.
Porém, o homem que estava ganhando a luta era Kyle. Examinou mais uma vez para
certificar-se de que tudo estava bem, e então Kyle falou:
— Você tocou a campainha?
O sangue escorria de seu rosto e a camisa que vestia estava toda rasgada na
frente.
Isla suspirou, apoiando-se na cadeira, pois suas pernas bambeavam, já não podiam
mais sustentá-la.
— Eu, eu pensei que você estivesse tentando brincar comigo — disse, sem
refletir.
Não era o momento ideal para esse tipo de consideração. Kyle passou a mão pelo
rosto e olhou o sangue, como se estivesse surpreso.
— Verdade? Não me admira, é bem típico de você.
Isla sentou-se na cama.
— Desculpe — respondeu ela. — Sim, já toquei a campainha. Ouviu pessoas que
corriam do lado de fora do chalé, à porta se abriu, George e Costas entraram, olhando
para o homem caído no chão. George deu um tapinha no ombro de Kyle.
— Meu Deus! Você conseguiu, amigo. — Dirigindo-se a Costas, perguntou: — É ele,
não é?
Costas lutou para desviar o olhar de Isla e identificar o homem inerte, deitado
no chão.
— Sim, é ele, não há dúvida — respondeu, confirmando também com um decidido
movimento com a cabeça. Em seguida, dirigiu-se a Kyle: — O que aconteceu?
— Isla gritou. Quando entrei, ele a atacava. — Kyle abaixou-se e pegou a faca do
chão: — Olhe para isto. Aposto que o pobre diabo só estava procurando um pouco de
comida.
Pobre diabo! Isla arregalou os olhos. Não entendia mais nada. Porém sabia que
tudo aquilo não era um sonho, era bem real. Sentiu a mão forte de Costas em seu
ombro.
— Isla, você quer um drinque?
— Sim, por favor. O que é isso? Quem é ele?
George respondeu, enquanto Kyle se ocupava em levantar o homem do chão.
— Quatro dias atrás ele escapou da prisão, no outro lado da ilha. Achamos melhor
não contar nada, você podia ficar preocupada.
Dirigiram-se para a porta. O assaltante, ainda abalado pela luta, arrastava os pés
e tropeçava. Ouviu Kyle resmungar e em seguida viu-o inclinar-se, colocando o ladrão
sobre seu ombro e carregando-o para fora.
— Vamos levá-lo até o hotel, George.
Observou os dois irem embora, George na frente abrindo caminho para Kyle
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passar com o homem pendurado sobre seu ombro. Isla ficou mais tranqüila.
Estava sozinha novamente quando ouviu alguém andando na sala. Assustou-se, até
ver Costas entrando no quarto.
— Costas!
Ele se aproximou, sentando-se na cama ao lado dela.
— Aqui está, beba. É suco de laranja. Se quiser, posso lhe trazer uma bebida
mais forte.
— Não! — Alarmada, agarrou o braço dele: — Não me deixe!
— Ah, não, eu não faria isso. — Ele a olhava com ternura, com o mesmo olhar da
noite em que dançaram. Como se fosse a coisa mais natural do mundo, passou o braço
em volta do ombro dela, num gesto protetor. — Ficarei com você, não se preocupe,
Isla.
O suco de laranja estava muito bom e o braço dele era reconfortante, de modo
que Isla relaxou os músculos que estavam tão tensos. Costas pegou o copo, colocando-o
na cabeceira da cama:
— Você está tremendo.
— Estou ainda abalada por causa do que aconteceu. Se Kyle não estivesse aqui…
— Sim, mas é melhor não pensar mais sobre isso. Está tudo acabado, agora.
Sua voz era macia e o braço que a envolvia dava a impressão de que a apertava
cada vez mais. Isla olhou para ele e seu rosto estava muito próximo do dela. De fato,
se aproximava mais ainda. Roçou os lábios no rosto dela e sua voz estava muito rouca
quando murmurou: — Você é adorável, Isla.
Tentou recuar, sem saber por quê.
— Não. — Começava a falar, quando foi interrompida por Costas, que, abraçando-
a mais forte, beijou-a demoradamente. — Costas, eu não acho que…
— Ora, Isla, gostaria muito de ter cuidado de você — disse ele, suavemente. —
Mas Kyle, este é o problema, não é?
Problema! Que palavra perfeita para descrever Kyle. Gostaria de saber se Costas
realmente estava a par do problema. Não havia muito tempo para descobrir, Kyle podia
voltar a qualquer instante.
— Costas — falou Isla devagar —, o que Kyle lhe contou a meu respeito?
Ele pareceu confuso com a pergunta, então ela continuou rapidamente: — O que
quero saber é se ele lhe contou por que estamos aqui, e por que viemos para cá da
outra vez.
Ele franziu a testa:
— Vocês estavam em férias, não é? E se dirigiam à outra ilha quando o avião caiu,
certo?
Ele não sabia de nada, caso contrário, Isla teria percebido. De certo modo,
tornava-se mais difícil ainda contar-lhe toda a verdade. Quem acreditaria nela?
— Costas, eu preciso de ajuda; há muita coisa para lhe contar, mas estou com
medo de que Kyle volte a qualquer momento. Preciso fugir dele. Por favor, acredite-
me. Está tentando me levar de volta para… — Calou-se ao ouvir passos que se
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aproximavam do chalé.
— Por favor, venha durante o dia, eu preciso muito conversar com você.
Levantou-se assim que Kyle entrou no quarto. Será que Costas tinha entendido o
que lhe dissera? Então, dando uma piscada, ele sussurrou:
— Voltarei. — Foi o suficiente para deixar Isla mais tranqüila.
Kyle olhou para eles, como se desconfiasse de alguma coisa. Não, não podia
desconfiar, era apenas a imaginação dela que funcionava demais.
— Seu pai chamou a polícia — disse ele, falando com Costas.
— Chegarão a qualquer momento. Tivemos que amarrar nosso amigo para que não
fugisse. — Então dirigiu-se a Isla: — Trouxe um pouco de brandy, que, sem dúvida, lhe
fará bem.
— Vou voltar ao hotel — disse Costas, olhando para Isla. — Boa noite. Estou
certo de que não terão mais problemas.
Saiu silenciosamente. Embora não fosse tão alto e atraente quanto Kyle, Costas
tinha magnetismo e lhe transmitia segurança e tranqüilidade. Parecia ser a pessoa
certa, em quem podia confiar. O que tinha dito? “Gostaria de ter cuidado de você.”
Talvez sim. Olhou para Kyle, que voltava para a sala, e, depois de hesitar um pouco, ela
o seguiu. Seria melhor não se mostrar muito agradável com Kyle, pois uma mudança de
atitude agora poderia fazer com que desconfiasse. Se, de um momento para outro,
Isla se tornasse delicada, ele poderia suspeitar.
Kyle serviu brandy em dois copos, oferecendo-lhe um.
— Saúde.
— Saúde, e obrigada.
Kyle ergueu uma sobrancelha, cínico.
— Não me agradeça, eu não fiz nada. — Tinha um curativo no rosto, e se não
fosse por essa evidência ninguém diria que acabava de sair de uma luta.
— Por que você não me contou do assaltante que escapou da prisão?
— E por que contaria? Não vi necessidade de alarmá-la inutilmente. As chances
de que ele aparecesse nas redondezas eram muito remotas e como não sou do tipo que
vê perigo em tudo, achei dispensável tocar no assunto. Você só precisava de proteção,
isso é tudo.
Que homem! Tinha respostas e soluções para tudo. Mais um motivo para não
deixar que soubesse que ela agora tinha um aliado. Estava certa de que Costas não se
recusaria a ajudá-la. Por isso, sabia que seu sono seria bastante tranqüilo aquela noite.
Apesar de tudo, havia uma chance de escapar de Kyle. E muito breve.
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Capítulo IX
A manhã chegou radiante, com o sol penetrando intensamente pela janela, como
se tentasse dissipar os vestígios de terror da noite anterior. Isla acordou ao ouvir
vozes na sala. Seria Costas? Não, certamente ele não viria antes que Kyle saísse.
Ouviu uma risada: era Tina.
A garota falava com Kyle, e Isla ficou imaginando do que se tratava. Seguiu-se
uma leve batida na porta e Tina perguntou:
— Isla, posso entrar?
— Sim, é claro.
— Que coisa terrível aconteceu ontem à noite! — Sentou-se ao pé de uma cama e
fitou Isla como se esperasse uma resposta. — Você deve ter ficado muito assustada.
— É verdade, mas Kyle estava aqui e me ouviu gritar.
— Eu sei, Costas me contou. Contou também do prisioneiro que fugiu e da polícia
que veio buscá-lo. Eu estava dormindo, já era de madrugada.
Isla riu:
— Ora, Tina, você esperava que alguém a acordasse para assistir a tudo isso?
A garota sacudiu a cabeça numa negativa, embora parecesse muito ansiosa com o
incidente.
— Não, ora. Se bem que acabei perdendo tudo. — Arregalou os olhos escuros: —
Você sabia por que ele estava preso? Roubou muito dinheiro e…
— Não! Agora basta. — Kyle falava com severidade mas sorriu para não assustar
a menina.
— Você está zangado?
— Não, mas acho que Isla não está passando bem, para ouvir esse tipo de
história.
Isla ficou intrigada. O que ele não queria que ela ficasse sabendo? Bem, mais
tarde haveria uma oportunidade para descobrir, quando ele fosse embora.
Kyle trazia um copo, com alguma coisa gelada. Ofereceu a Isla.
— Suco de laranja gelado. Seu café chegará dentro de alguns minutos.
— Obrigada.
Kyle tinha a aparência de quem acordara há pouco. Estava todo desarrumado e o
cabelo despenteado, e assim ficava ainda mais atraente. O coração de Isla pulsou mais
forte. Conseguiria fugir dele? De repente se lembrou de uma coisa importante: —
Maria! — disse ela, e Tina a olhou confusa. — Ela precisa saber que…
— Sim, eu já fiz isso — disse Kyle. — Estava preocupada, mas agora sabe que
você está em segurança.
Isla procurou ser cuidadosa com suas palavras: — Gostaria de telefonar para
falar com ela pessoalmente — disse de modo casual, tentando esconder sua ansiedade.
— As linhas telefônicas daqui são muito ruins, a ligação é difícil. Demorei muito
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para conseguir falar com ela. — Ele respondeu com naturalidade, mas foi muito rápido.
Rápido demais. Estaria mentindo?
Os olhos deles se encontraram. Não podia lhe responder agora que Tina estava
presente. A garota, como se sentisse que havia algo errado, franziu a testa. Kyle,
receoso de que Isla dissesse alguma coisa, falou com Tina:
— Por favor, quer ir até o hotel e ver se o café de Isla está pronto? Gostaria de
ficar a sós com ela por uns minutos. Está bem?
— Ok — disse a garota e saiu correndo. Isla falou primeiro, sabendo que Kyle já
esperava por isso: — Por que não quer me deixar falar com Maria?
— Eu dei essa impressão?
— Sim, droga! Será que não pode dar uma resposta direta às minhas perguntas?
— Já lhe disse, as linhas estão ruins. George pode confirmar isso;
— Sim, aposto que pode. Vocês, homens, sempre se unem para enganar os outros,
não é?
— Você está exausta, não consegue pensar direito. Qual acha que seria a reação
de Maria se você despejasse todos os seus problemas por telefone em cima dela?
— Pelo menos você admite que eu tenho problemas.
— Todos nós temos, não é?
Isla saiu da cama e vestiu o robe de algodão que Lila tinha emprestado. Tinha
sempre a sensação de estar em desvantagem quando ficava deitada na cama, e agora
precisava de mais confiança e segurança, pois ainda tinha muita coisa para falar.
— Escute, quem você pensa que é? Você me mantém prisioneira aqui, como aquele
ladrão. Eu sei por que me trouxe para o hotel de George em vez de me levar à cidade.
Foi para me manter fora do caminho de estranhos. Também sei por que fez questão de
que eu ficasse neste chalé isolado, com Tina cuidando de mim. Você não se importa de
usar as pessoas?
O coração parecia que ia sair pela boca. O rosto estava muito vermelho e os olhos
faiscavam. Ela não se importava com mais nada, não estava com medo dele.
— Tina é apenas uma garota e gosta de você, ainda por cima! Meu Deus, ela não
sabe quem você realmente é. Como se não bastasse, você… Você não quer me deixar
falar com minha amiga Maria. — Isla sentia-se fraca, deprimida.
— Acalme-se, Isla. — Kyle estendeu o braço, como que tentando ampará-la e
tranqüilizá-la.
— Não me toque! — Ele era detestável! Estava imóvel, com ar sossegado, como se
estivessem discutindo sobre o tempo ou outra coisa banal qualquer, o que deixou Isla
ainda mais insegura, como se tudo o que ela quisesse fazer dependesse desse homem
terrível a sua frente. Odiava ter de admitir que todos os seus esforços eram inúteis.
Inesperadamente, Kyle riu. É verdade, por incrível que pareça, a reação de Kyle,
diante de sua raiva, foi uma gargalhada.
Foi demais para ela, que, finalmente, perdeu todo o controle. Levantou o braço,
golpeando-o no rosto com o punho cerrado e ia fazê-lo de novo com toda a força,
quando ele, rapidamente, desviou-se do outro soco. Isla quase perdeu o equilíbrio com
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o impulso de seu braço que acabou por socar o ar. Num instante ele conseguiu segurá-
la e agora não ria mais. Agarrou seus pulsos, sem machucá-la, mas firme o bastante
para que ela percebesse que estava dominada.
— Escute bem, sua gata selvagem; se você sair por aí, dando socos em todo
mundo, poderá se meter em encrencas. Nem todas as pessoas são como eu.
— Graças a Deus que não são. Não deve haver muitos homens que aceitem fazer
seu tipo de trabalho, mesmo que muito bem pagos. Quem agiria como você, enganando-
me com palavras doces? Fazendo confiar em você. E gostar de você. Para poder me
trair. Sabe muito bem que eu gostava de você! — Isla hesitou por um momento mas
devia terminar agora: — Achava que era… Maravilhoso. — Tentou libertar as mãos,
mas ele continuava segurando firme, demonstrando que não pretendia soltá-la tão
logo: estava imóvel, fitando o rosto dela.
— Você está me machucando!
— Não estou, não. Você é que se machuca, lutando comigo. Não lhe fará nenhum
bem.
— Eu o odeio!
— Talvez odeie. E acha que me importo? — Apesar de cínico, suas palavras eram
ásperas, quase como se estivesse com raiva. Olhou para ele: o que viu em seu rosto
deixou-a confusa. Havia alguma coisa em seus olhos — alguma coisa diferente —, mas
não pôde perceber o que era. A raiva de Isla foi substituída por um desespero
silencioso. Era um homem sem misericórdia. A única pessoa que podia tirá-la dessa
situação era Costas. Precisava ajudá-la.
Isla não pretendia discutir mais. Fechou os olhos, esperando que ele a libertasse.
Soltou seus pulsos e, num impulso, saiu do chalé batendo a porta ruidosamente. Teve a
impressão de que ele ainda tinha alguma coisa para lhe dizer, mas nunca chegaria a
saber do que se tratava. Mesmo assim, a sensação persistiu durante alguns minutos.
Mais tarde, Isla e Tina saíram para passear nos jardins. Kyle saíra, antes mesmo
que Isla tomasse seu café, sem dizer uma palavra.
Tina entrava com a bandeja no quarto e arregalou os olhos ao ver Kyle ir embora.
— Kyle está zangado?
— Está. — Isla precisava de alguém para desabafar a terrível depressão que
agora tomava conta dela. — Acho que você não sabe por que, não é mesmo?
— Ele ama você. Não gosta dele?
A idéia era tão absurda que Isla ficou petrificada, sem saber o que responder.
Era isso o que Tina pensava? Desse modo seria difícil contar-lhe a verdade, estava
muito iludida. Mudou de assunto, preferia não falar nisso agora. Saíram para seu
passeio depois do café e andavam pelo jardim quando Isla achou que devia conversar
com Tina sobre Kyle. Não lhe diria toda a verdade, mas o suficiente para ela conhecer
a desgraça que se abatera sobre sua vida.
Havia um banco de madeira à sombra dos coqueiros.
— Podemos nos sentar aqui por uns minutos, Tina? — Estava cansada, depois de
passar tantos dias de cama. Até mesmo esta curta caminhada era bastante para
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cansá-la.
— É claro. Você quer voltar?
— Ainda não. Este lugar é muito agradável. Tina, você é muito gentil, gastando
seu tempo comigo — disse Isla sorrindo.
— Não, eu gosto disso. Estou de férias e não há muita coisa para se fazer. Se eu
não cuidar de você, meu pai vai me arranjar algum serviço para fazer lá no hotel, o que
é entediante. Tomar conta de você é bem melhor.
Isla riu:
— Eu entendo. — Ela suspirou. Queria começar a contar, mas como? — Oh, Tina,
gostaria de lhe contar…
— Sim? — os olhos da menina se arregalaram, curiosos. — Pode me falar o que
está pensando. Você acha que sou muito criança para entender? Sei que você tem
problemas com Kyle, notei isso. Só não sei o que possa ser.
— É uma longa história. Você está certa, existem problemas entre nós. Bem, eu
sei que você gosta dele…
— Sim, eu gosto dele. Ele é tão gentil comigo, e sempre foi, desde quando eu era
pequena. É um homem muito bom.
— Para você, talvez. — Isla acreditava nisso; ele sempre tinha sido bom para os
filhos de Maria, e com certeza não estava fingindo. Há muitos homens que gostam de
crianças, mesmo homens como Kyle.
— Posso ver que as coisas não vão bem. — Tina pôs a mão no braço de Isla: — Por
favor, não pense que eu quero me intrometer; porém, se acha que vai se sentir melhor
contando-me tudo, vá em frente. Sou bem amadurecida — disse Tina, levantando a
cabeça com orgulho.
Isla riu:
— Eu sei que você é. Na verdade, você daria uma ótima enfermeira, você tem a
sensibilidade necessária para isso. Vou lhe contar, mas devo prevenir que vai custar a
acreditar.
— Não importa, tente.
— É o seguinte: estava trabalhando no Rio de Janeiro quando conheci Kyle. — Isla
contou tudo que aconteceu depois do encontro “casual” em Copacabana, culminando
com sua segunda chegada a Trintero, como hóspede (ou prisioneira?) do hotel.
Tina ouviu em silêncio e, quando a história terminou, ficou alguns segundos sem
falar. Então, aos poucos, com hesitação, ela disse:
— Oh, Isla, eu lamento, lamento muito mesmo. Nunca poderia imaginar uma coisa
desta.
— Tudo é verdade, cada palavra do que disse. Agora vê por que preciso fugir
daqui. Eu sinto muito ter que lhe dizer coisas tão horríveis de um homem de que você
gosta tanto. Acontece que me sentia tão desamparada, tão só.
Isla baixou a cabeça e olhou para o chão, lutando contra as lágrimas.
— Você quer que meu irmão a ajude? — perguntou Tina pensativa. — Agora eu
posso lhe dizer: ele gosta muito de você, Isla, muito mesmo. Mas ele acha que Kyle… —
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Lá estava ele agora. Como se percebesse o que Isla pensava, ele disse:
— Olá. Kyle já foi embora, portanto, podemos conversar à vontade. Ele foi à
cidade e não voltará tão cedo. — Sentou-se no braço da cadeira: — Não quero
interromper o jogo.
— Não há problema. Tina só está me ensinando. Podemos continuar mais tarde.
Você já sabe de tudo?
— Sim. Não há com que se preocupar. Ajudaremos você em tudo o que pudermos.
— Fez uma pausa: — Kyle ficou preocupado ao saber que você almoçou tão pouco —
disse sorrindo. — Nosso pequeno esquema parece que está funcionando.
— Tina, como você conseguiu me trazer o almoço mais tarde, sem que ninguém
desconfiasse?
— Ora! — Tina riu, encolhendo os ombros. — Foi muito fácil. Paul, o mais moço dos
cozinheiros, faz qualquer coisa que eu lhe pedir. Eu disse que estava faminta e então
ele me deu aquele peixe delicioso.
Estava delicioso mesmo, lembrou-se Isla. Esse Paul parecia ser uma boa pessoa,
gostaria de conhecê-lo. Tina era uma garota decidida:
— Quanto às refeições, não há problema, se bem que você deve comer um pouco
do almoço que meu pai lhe manda, caso contrário, Kyle desconfiaria. Não comendo
absolutamente nada, dá para imaginar que você não teria forças nem para se manter
viva. Fique tranqüila que eu farei com que Kyle veja o que você deixa no prato.
Costas concordou: — Sim, é verdade. Vou examinar os vôos para Kingston e ver
qual a conexão que você precisa fazer para voltar ao Rio.
— Dinheiro! — exclamou Isla. — Não tenho muito, não o suficiente para uma
passagem de avião. Levou as mãos ao rosto, desesperada. Todos os planos dariam em
nada, por causa de dinheiro! Costas olhou para Tina e então disse hesitante:
— Bem, eu tenho o suficiente. Só preciso ir até o banco, na cidade.
— Não! Não deixarei que faça isso. — Então Isla lembrou: — Meu relógio! Existe
aqui alguma loja de penhores?
— Acho que sim. Vou tentar.
— Está em minha mala, vou apanhar. — Foi ao quarto, voltando com um relógio de
pulso. Não o usava desde o desastre aéreo. — É uma das marcas mais caras, ganhei
quando fiz dezoito anos. Na época, lembro que meu pai pagou uma pequena fortuna.
Costas segurou o relógio com cuidado, enquanto Tina olhava para o delicado
mostrador rodeado de brilhantes e a correia de ouro maciço. Era de desenho simples e
bonito.
— Oh, Isla, é lindo! Posso colocá-lo?
— É lógico. — Seguindo um impulso repentino, disse: — Espere um momento. —
Foi até o quarto e voltou, trazendo uma pulseira que o pai lhe dera: — experimente
esta aqui. — Ajudou Tina a fechar a delicada pulseira de platina e ametistas.
— Você gosta? — Tina suspirou:
— É linda! Você tem sorte, Isla.
Sorte? Pensou ela. Se as riquezas me trouxessem sorte, não estaria aqui. Além
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disso as jóias tinham sido dadas sem amor. Para o pai eram um símbolo de riqueza e
poder. Para ela, não significavam nada
— A pulseira é sua. — Tina ia protestar quando Isla continuou: — Quero que fique
com ela em troca da ajuda que está me dando. Por favor, Tina, não é um pagamento, é
um presente dado de coração. Ficaria muito contente se você aceitasse.
— Ah, então eu aceito! Obrigada, Isla. A garota abraçou a nova amiga
impulsivamente. Costas, olhando para elas, sorriu. Para Isla, a desgraça pela qual tinha
passado agora estava bem perto do fim. O plano começava a tomar forma e a ter
sucesso mais depressa do que tinha imaginado. Perguntou a Costas quanto tempo
levaria para deixar Trintero.
— Acho que dentro de uma semana, se tudo correr bem.
Uma semana! Mais uma semana aturando Kyle, e então estaria livre dele para
sempre. Seu coração bateu mais forte. Mais sete dias de decepções e, então, adeus.
Isla suspirou, pois uma ponta de tristeza se intrometeu em sua alegria, e ela não
entendeu por quê. Só havia uma explicação possível para aquela sensação.
— Será maravilhoso — disse ela — se bem que fico triste em deixar vocês. Bem,
prometo que voltarei breve.
Tina sorriu.
— Sim. Mas nós nos escreveremos, não é, Isla?
— É lógico. — Isla sentiu um nó na garganta. Que sorte encontrar amigos tão
fiéis. E como era triste ter que deixá-los tão cedo!
Os dias seguintes foram calmos e tudo correu de acordo com os planos. Isla se
alimentava bem, embora desse a impressão de que era o contrário. As bandejas com
suas refeições voltavam ao hotel quase intactas. Fazia longas caminhadas com Tina e
agora estava quase totalmente recuperada, não sentia mais cansaço, mesmo depois de
andar a tarde toda.
Isla se dava muito bem com Tina e agora que lhe havia contado toda a verdade,
sentia-se mais à vontade para falar sobre sua vida em Londres e, depois, no Rio.
Escreveu uma carta a Maria, contando toda a história de Kyle detalhadamente, suas
decepções e aventuras. Terminou dizendo que pretendia voltar tão logo recuperasse
as forças para viajar. Nas raras ocasiões em que se encontrava com Kyle, Isla
mantinha-se fria, embora educada. A certeza de que logo voltaria para o Rio devia
significar uma grande alegria para seu coração; contudo, não se sentia tão feliz quanto
deveria, e não entendia a razão.
Terça-feira à noite, Kyle entrou no chalé. Tina ouvia o rádio enquanto tomava uma
limonada com gelo. Kyle costumava chegar bem tarde da noite, geralmente quando Isla
já estava em seu quarto. Nesta noite ele chegou mais cedo e as duas estavam na sala
de estar quando ele bateu à porta.
Levou um choque ao vê-lo. Parecia que tinha bebido ou que estava muito cansado.
Havia marcas escuras de cansaço ao redor de seus olhos e ele não sorriu, mesmo
quando olhou para Tina.
— Você chegou cedo — disse Isla. — Estamos ouvindo rádio.
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— Eu sei. Acontece que há vários dias que não tenho oportunidade de falar com
você. Notei que não está se alimentando. Você não está bem?
Isla evitou olhar a garota, para não pôr em risco o andamento de seus planos.
Encolheu os ombros.
— Está tudo bem. Não tenho fome, isso é tudo. Por que pergunta?
— Todo mundo precisa se alimentar bem, inclusive você.
— Agradeço sua preocupação, que, aliás, me sensibiliza demais. — Não tentou
esconder seu sarcasmo. O desejo de feri-lo nunca a abandonava.
— Vou chamar um médico para examiná-la — disse ele.
Isla não esperava por isso. Embora levasse um choque, respondeu depressa: —
Não precisa trazer nenhum médico, não vou receber ninguém. Que está fazendo,
tentando proteger seu investimento?
Ele a fuzilou com os olhos, e não era raiva; era alguma coisa bem mais
perturbadora.
Tina levantou-se.
— Acho melhor voltar para o hotel. — Olhou para Isla: — Você quer que eu fique
mais um pouco?
— Não, obrigada, Tina. Gostei muito de sua companhia hoje, agradeço por ter
vindo. — Tina sorriu: — voltarei amanhã cedo. Podemos tentar dar uma voltinha ao
redor dos chalés. Estava de costas para Kyle, de modo que ele não podia ver a
expressão em seu rosto.
— Seria ótimo. Acho que devo tentar. — Todos os dias, antes de saírem para o
passeio, certificavam-se de que Kyle estava fora do caminho.
— Vou acompanhá-la — disse Kyle.
— Obrigada, Kyle. Você é gentil — respondeu Tina. Depois das revelações de Isla
sobre Kyle, a garota mudou de comportamento em relação a ele. Era inevitável, e Isla
não se sentia feliz por isso. Sabia que ele tinha percebido perfeitamente a mudança
de tratamento. Era como se Tina tivesse amadurecido de repente. De um momento
para outro, tornara-se fria e aquela vivacidade própria de criança desapareceu para
sempre. Observou os dois irem embora.
Costas tinha levado seu relógio para a cidade e voltou com um bom dinheiro.
Trouxe também os horários de vôo do aeroporto de Trintero. Um avião partiria na
quinta-feira para Kingston, Jamaica. Passaria a noite lá e então seguiria em outro vôo
para o Rio de Janeiro.
Estava tudo acertado. Já tinha a passagem na bolsa e mais o dinheiro que sobrara
da venda do relógio. Tudo o que devia fazer agora era esperar. Só esperar.
Kyle voltou logo e fechou a porta.
— Muito bem — disse ele. — Vamos, desembuche.
Isla ergueu as sobrancelhas espantada.
— Que expressão mais rude! O que quer dizer com isso?
— Você sabe muito bem. Por que diabo não está comendo nada? É dieta ou greve
de fome?
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— Nem um, nem outro — respondeu decidida. — Não tenho culpa se não sinto
fome e não consigo comer.
— Desse jeito nunca irá recuperar a saúde.
— E aposto que isso o preocupa, não é verdade? Oh, chega a ser tocante. Vai me
desculpar, eu vou para a cama agora. Deve concordar que para a saúde de uma pessoa o
sono é tão importante quanto à alimentação. Boa noite.
Foi para o quarto e antes de fechar a porta, virou-se para olhá-lo. O que viu em
seu rosto chegou a tirar seu fôlego. Kyle tinha a aparência de quem estava sofrendo
terrivelmente.
Havia um olhar de agonia naquele rosto que normalmente era inflexível. Não me
importo, pensou ela, batendo a porta. A imagem do rosto dele continuou em sua mente
por alguns segundos, até ouvi-lo caminhar pela sala e ligar o rádio. Foi ao banheiro e
fechou a porta. Em menos de dois dias estaria livre. Livre dele e daquele lugar. Sua
mão tremia ao tentar alcançar a torneira do chuveiro. Ela queria chorar e não sabia
por quê.
Capítulo X
Projeto Revisoras 77
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empurrar Isla para fora do quarto. Deu um passo à frente. A expressão em seu rosto
era bastante clara, estava apavorada.
— Venha tomar um drinque. — Isla correu para pegar seu robe de algodão.
Quando voltou à sala, ele tinha desaparecido. Voltou da cozinha trazendo dois copos e
ofereceu um a ela. Kyle não tinha trocado de roupa ainda. Vestia seu jeans e uma
camisa azul. Havia qualquer coisa nele… O que seria? A atmosfera estava pesada não
somente pela tempestade, mas também por uma tensão que vibrava em torno deles.
Kyle a fitava.
— Cigarro?
Ela balançou a cabeça. — Não, obrigada. — Os relâmpagos continuavam. — As
árvores — começou ela, tentando aliviar o nervosismo, que ele também parecia sentir.
— Não há problema, estive lá fora olhando. Estes chalés estão muito bem
situados. As árvores parecem estar próximas, porém, mesmo se uma delas for atingida
por um raio, não cairá em cima de nós.
— Como pode saber? — perguntou Isla descrente.
— Eu posso! Quer ir lá fora dar uma olhada?
— Não! — Nada neste mundo a faria sair para enfrentar aquela tempestade.
— Bem, então você vai ter que acreditar no que eu digo. — Havia certa ansiedade
em sua voz que nunca tinha ouvido antes, como se estivesse constrangido. Achou que a
tempestade não era a causa, pois jamais mostrou medo antes. Nem mesmo durante a
desastrosa aterrissagem do avião. O que seria, então? Isla estava inclinada a
acreditar cada vez mais que esse homem tinha um temperamento muito complicado.
— Está tentando me transmitir segurança? — Parou de falar porque os trovões
eram ensurdecedores. Todo o chalé parecia tremer. A chuva chegou de repente,
caindo ruidosamente sobre o telhado e as paredes e balançando as janelas com tanta
violência que Isla se sentiu apavorada.
Ela se levantou nervosa, não havia para onde ir. Sentia-se aprisionada naquela
sala, tinha vontade de explodir. Eu vou fugir de você, e estou feliz por isso. Entendeu?
Feliz! Essas palavras, porém, ficaram presas na garganta. Jamais lhe diria. Levou a mão
à testa; não podia ficar doente agora. Não agora, quando o momento da fuga estava
tão próximo. Mas não se sentia nada bem.
— É melhor você voltar para a cama — disse Kyle, interrompendo seus
pensamentos. Falava como um estranho: — Só vai se aborrecer, ficando aqui comigo.
— É mesmo? E de quem é a culpa? — Seus olhos grandes brilhavam. Não tinha
penteado os cabelos ao sair da cama. Mesmo assim, estava mais linda do que nunca.
Ele não respondeu e Isla se aproximou, gritando: — Responda. Está se
acovardando? Não tem nada para responder?
— Poderia lhe dizer muita coisa, mas você não iria ouvir — falou Kyle com
amargura.
— Tente! — respondeu Isla.
Ele virou de costas para ela, enfiando as mãos nos bolsos.
— Volte para o quarto.
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— Não! Você me pediu para vir até aqui. Não pode mais me dar ordens. Está me
entendendo? Não preciso mais fazer o que você manda. Você não…
Kyle virou-se bruscamente e num gesto rápido abraçou Isla.
— Ei! O que… — ia dizer ela, mas ele a pegou de surpresa. Podia esperar qualquer
reação dele, menos esta. Inclinou a cabeça em sua direção, beijando-a de modo
selvagem e brutal, um desejo incontrolável que a assustou, deixando-a petrificada.
Depois, porém, Isla retribuiu seus sentimentos com profunda intensidade. De certa
forma, era um tormento, porque ela o odiava; no entanto, nunca tinha sido beijada
dessa maneira em sua vida. Nunca…
Isla tentou lutar. Era o mesmo que lutar contra uma força terrível, fora do
comum. Os braços dele a envolviam totalmente; não podia se mover. E o pior: ela
realmente não desejava se libertar dele — isso era o mais terrível.
Kyle não a beijava mais com violência, e sim apaixonadamente. Isla sentia a
mudança e não entendia a razão. Então, com dificuldade, conseguiu vencer aquele
encantamento. Debateu-se novamente, e desta vez ele a soltou. Correu para seu
quarto e bateu a porta, trancando-a. Tinha horror de si mesma. Recostou-se na porta,
tremendo ainda devido à atitude de Kyle, que a pegara tão desprevenida. O que mais a
chocava era não se sentir revoltada com o que Kyle fizera, parecia até que tinha
gostado.
Como ignorar o que se passou? Fingir que não aconteceu? A tempestade era
intensa lá fora. De uma coisa estava bem certa, jamais enquanto vivesse, conseguiria
atravessar uma tempestade sem se lembrar de Kyle.
Na hora do café, a chuva tinha parado, deixando muitas recordações.
— Isla? Já está acordada? — Tina entrou com uma bandeja e não havia sinal de
Kyle por perto. A sala estava em ordem, como se ninguém tivesse estado lá.
— Ficou assustada com a tempestade? — perguntou a garota, aflita.
— Um pouco — admitiu. Não contaria a ninguém o que tinha acontecido. Ainda não
estava recuperada do choque.
— Precisamos começar a arrumar sua mala hoje. Eu… nós sentiremos saudade de
você.
— Também sentirei sua falta, mas vou lhe escrever. Seu pai deixaria você ir me
visitar no Rio?
Os olhos de Tina brilharam
— Talvez sim. Vou falar com ele.
Desta vez Isla não teve de fingir quanto ao seu apetite; não pôde comer nada
mesmo. Tina fez o café e sentou-se ao lado dela, na mesa da cozinha.
— Tem certeza de que está tudo bem?
— Não dormi quase nada esta noite. — Isso era verdade; não conseguiu dormir
depois do que aconteceu. Ficou deitada, apenas pensando, pensando tanto que teve
medo de enlouquecer.
— Vamos dar um longo passeio hoje, e depois do almoço é melhor que vá
descansar. Mais tarde arrumaremos a mala.
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Capítulo XI
Era dia. Isla dormira mal, com muitos pesadelos. Sem dúvida, efeito do vinho.
Acordou antes do amanhecer, não conseguindo ficar mais na cama. Devia estar
contente com a idéia de voltar sozinha para o Rio. Contudo, não conseguia sentir nada,
além de um estranho vazio, quase assustador.
O silêncio era quase total, quebrado pelas batidas compassadas do relógio de
cabeceira. Na sala tudo estava quieto, Kyle provavelmente estaria dormindo, tranqüilo,
longe de saber o que aconteceria muito breve. Dentro de poucas horas, a vigilância
dele sobre Isla teria terminado.
Ficou lembrando da noite anterior, quando Kyle chegou. Nunca o tinha visto
naquele estado: cansado, tão abatido. Era bem tarde quando chegou, mais do que de
costume, e Tina já estava impaciente.
— Vou embora. Meu pai deve estar preocupado. — A garota olhou para Kyle, e
então para Isla, confusa. Ele parecia distante, mesmo quando lhe disse: — Vamos, eu
levo você.
Isla aproveitou a oportunidade. Ao saírem, foi para o quarto e trancou a porta.
Não podia encará-lo mais uma vez. Alguns minutos mais tarde, quando estava tomando
banho, teve a impressão de ouvir uma batida na porta, e uma voz chamando seu nome.
Achou porém, que foi apenas a imaginação, porque não bateram à porta uma segunda
vez. Voltava para o quarto, quando ouviu um ruído vindo de fora. Isla estremeceu: não,
não podia ser um assaltante novamente. Olhou pela janela; era madrugada e ainda
estava escuro.
Pôde notar um vulto andando pelo jardim e esteve a ponto de gritar, quando o
reconheceu. Era Kyle que voltava ao chalé. Seu coração pulava de medo. Era evidente
que ninguém tinha chamado por ela — Kyle não estava lá.
A porta foi fechada silenciosamente e Isla ouviu que ele ia à cozinha. Desta vez,
não a chamou: não havia tempestade. Deitou-se na cama, esperando pelos primeiros
raios dourados da alvorada.
Chegara o dia. Seu último dia em Trintero. Ouviu Tina chegar e conversar com
Kyle. Tudo estava pronto para sua partida. Deu uma última olhada no quarto para ter
certeza de que não estava esquecendo nada.
— Isla? Sou eu, Tina. Kyle já foi embora. — A voz da menina estava ansiosa e Isla
correu para abrir a porta.
— Entre. Estou pronta. Costas vai demorar?
— Eu não sei. Virá buscar a mala assim que puder, mas você deve tomar seu café
primeiro.
— Sim. — Foram para a cozinha e sentaram-se à mesa. — Não sei o que está
acontecendo com Kyle — disse Tina, surpreendendo Isla, que não esperava por isso.
— O que está tentando dizer?
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— Ele estava… eu não sei. — Tina encolheu os ombros: — Havia algo estranho
nele, como se estivesse doente.
— Doente? — perguntou Isla, quase gritando, o que chegou a assustar a garota.
— Doente? — repetiu ela, agora tentando demonstrar menos interesse. — Como
assim?
— Eu não sei. Parecia que não tinha dormido bem. — Isla sabia disso, quando o viu
voltando ao chalé de madrugada. Mas por que se importaria? Encolheu os ombros.
— Bem, talvez seja problema de consciência; isto é, se ele tem uma.
Tina acendeu o fogo para fazer o café. Usava a pulseira de ametistas que Isla lhe
dera. Era evidente, pelo modo como mexia a mão sem parar, que estava maravilhada
com o presente. Isla ficou feliz com isso. A pulseira significava muito para Tina, e para
ela, quase nada.
— Vamos, Isla, coma mais um pouco. A viagem será longa.
— Não estou com fome. Comerei alguma coisa no aeroporto, se tiver vontade. Não
se preocupe comigo, Tina.
— Gostaria tanto de acompanhá-la ao aeroporto. Será horrível ficar aqui,
sozinha.
— Por que não vem? Ninguém dará pela sua falta.
— Não. Se Kyle vier ao chalé, Costas mandou que eu dissesse que você estava
dormindo. Costas pensou em tudo!
Bateram à porta e Isla pulou da cadeira. Era Costas.
— Olá, vim buscar a mala. Kyle está tomando café. Pode deixar, eu vou pegá-la.
Está no quarto?
— Sim. Obrigada, Costas.
Ele foi embora com a mala. Isla desligou o rádio. A música, naquele momento a
enervava.
Foi à janela; tudo estava muito agradável. Parecia que as flores e as árvores
tinham um colorido mais intenso e que o sol brilhava mais do que nos outros dias. Isla
levou a mão aos olhos; eles doíam, mas não era devido à luz, e sim ao esforço que fazia
para não chorar.
A porta abriu e Costas entrou.
— Está tudo pronto, Isla. Podemos ir agora?
— Sim. Vou buscar minha bolsa. — Tina saía da cozinha, enxugando as mãos numa
toalha. Isla virou-se para lhe dizer adeus; as palavras, porém, pararam em sua
garganta ao ver a expressão de terror no rosto da menina.
— O que… — ia começar a perguntar, quando um calafrio percorreu sua espinha,
ao ouvir a voz de Costas.
— Kyle!
Isla voltou-se devagar: Kyle estava parado na porta, imóvel, sem dizer uma
palavra: apenas olhando para todos eles. Depois do que pareceu um tempo
interminável, ele quebrou o silêncio.
— Então eu estava certo. — Não parecia zangado.
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Isla engoliu em seco. Costas, ela pôde notar, também estava muito tenso; olhava
para Kyle, como se estivesse pronto para brigar. Essa era a última coisa que Isla
queria que acontecesse.
— O que quer dizer com “você está certo”? — perguntou Isla, embora já
soubesse a resposta.
— Você está planejando ir embora. Desconfiei disso há um ou dois dias. Estive
observando vocês desde então. Depois fiz algumas perguntas aqui e ali. A Paul, por
exemplo.
Olhou para Tina enquanto dizia isso. Ela deu um passo à frente, com o rosto
vermelho, e seus olhos o desafiavam:
— É pena você não ter chegado meia hora mais tarde, assim Isla estaria livre de
você! — Isla nunca tinha visto antes a garota tão exaltada. Apesar de jovem, tinha um
caráter admirável. — Por que você não vai embora? Nós não queremos você aqui!
— Tina, por favor, não se aborreça por minha causa — disse Isla, pegando-a pelo
braço.
— Não há problema, Isla. Eu não tenho medo dele!
Costas começou a falar
— Tina, espere. — Dirigiu-se a Kyle. — Você não vai nos impedir, eu não deixarei.
— Costas e a irmã estavam muito parecidos nesse momento. Havia certa rigidez no
rosto dele que Isla também nunca tinha visto antes.
Kyle respondeu quase com gentileza
— Não vai haver nenhuma briga, Costas. Eu só quero falar com Isla, a sós.
O sangue dela pareceu congelar; balançou a cabeça que não, não, não.
— Ela não quer falar com você — disse Costas.
— Ela precisa. — O olhar de Kyle procurou o de Isla através da sala
— Por favor, Isla.
Estava com medo. Não sabia por quê. Poderia Kyle magoá-la ainda mais? Costas
aproximou-se dele, com os punhos cerrados, pronto para impedi-lo. Isla não queria de
jeito nenhum que aquele rapaz, que ela tanto admirava, acabasse ferido por sua culpa.
— Está bem. Falarei com ele.
— Não, Isla. Vá embora. — respondeu Costas.
— Eu juro que só quero falar com Isla, isso é tudo. Levará apenas alguns minutos,
e depois vocês podem ir. Não vou magoá-la; não vou nem mesmo tocar nela. — Costas
olhou descrente para Isla.
— Por favor, Costas, estarei bem. Gostaria que saíssem agora. — O medo tinha
desaparecido, dando lugar a uma sensação de vazio.
— Está certo. Vamos, Tina. Estaremos sentados no banco aí fora. Se você
precisar de nós, é só gritar.
Os dois saíram. Kyle fechou a porta.
— Fique aí onde está — disse ela. — Você ouviu Costas. Não se aproxime mais ou
gritarei. Então você não terá que lutar apenas com um homem, mas com nós três.
Ele concordou, acenando com a cabeça. Ela entendia agora por que Tina tinha dito
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Adam é o filho do segundo casamento de minha mãe. Seu segundo marido não era tão
rico. No entanto, Adam achava que tinha direito à fortuna de meu pai, embora não
fosse filho dele e nem mesmo o conhecesse. Como o testamento deixava seus bens só
para mim, Adam sempre sentiu rancor por isso. Várias vezes pensei que me odiava. O
resto do problema é bastante simples: Adam passou a ostentar uma falsa situação
financeira, para que todos pensassem que era tão rico como o irmão. Comprou carros
esporte, freqüentava os lugares mais caros, jogava. Só que não tinha dinheiro para
pagar nem metade disso tudo. A ambição e o despeito o levaram a roubar.
Isla acompanhava cada palavra, sem tirar os olhos dele.
— Meu pai e eu já conhecíamos seu pai há algum tempo. De certo modo, eram
rivais no mesmo ramo de negócio. Seu pai deve ter ficado muito satisfeito ao ver o
filho de John Quentin se humilhando diante dele, implorando por misericórdia.
Kyle respirou fundo. Por um segundo, Isla notou um ar de orgulho arrogante em
seu olhar.
— Nunca tinha feito isso antes, nunca implorei nada a ninguém, e não gostei de
fazer. Mas fui obrigado. Ninguém rouba seu pai e sai ileso. Ele iria procurar Adam até
no inferno. Seu pai me deu uma escolha: ver Adam preso ou encontrar você e levá-la
de volta. Kyle apagou o cigarro no cinzeiro, reduzindo-o a pedaços.
— Concordei, e então ele me deu uma foto e duas cartas suas. Era tudo o que
tinha para encontrá-la. Foi difícil, mas consegui…
Isla teve que se sentar: sentia-se doente.
— Continue — disse ela.
— Isto é tudo. A não ser por uma coisa: não pude impedir um acontecimento
natural da vida, inevitável.
O que ele queria dizer com isso? Olhou para ele: não esperava ver em seu rosto
aquele olhar de agonia. Kyle continuou.
— Eu não pude impedir. Não estava preparado para o que iria me acontecer em
seguida. Não consegui lutar contra uma força tão poderosa. — Seus olhares se
cruzaram através da pequena distância que os separava. A voz dele agora estava mais
grave e profunda: — Oh, meu Deus, eu me apaixonei por você.
Isla não acreditava. Depois dessa história toda, dizer que a amava parecia muito
conveniente a seus planos, muito oportuno — o que era ainda mais cruel para ela. Mas
não ia deixar que percebesse sua mágoa.
— Seu mentiroso! Como você pode? Como se atreve?
— Não, eu não estou mentindo! É verdade, Isla. Eu sei que não acredita em mim…
porém eu tinha que lhe contar. Para mim, as mentiras acabaram há alguns minutos,
quando fiquei sabendo que você ia embora. — Ele abriu a porta: — Isto é tudo. Não
queria que voltasse para o Rio com uma idéia errada a meu respeito, sem saber de toda
a verdade. Não se preocupe, não tentarei impedir você, ou mesmo segui-la. Acho que
lhe devo pelo menos isso.
Será que tinha contado toda esta história para que voltasse com ele à
Inglaterra? Não entendia mais nada. Levantou-se devagar.
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Ela sorriu.
— Não sei. Vou pensar nisso depois. Não é melhor contarmos tudo a Costas e
Tina, antes que tentem massacrar você?
Kyle passou a mão pelos cabelos dela e riu:
— Ah, é verdade. Será que Tina me odeia?
— Não vai odiá-lo mais quando contarmos a verdade. Eles têm sido tão
maravilhosos, acredite. Kyle, voltarei com você para a Inglaterra. Não me importo, não
tenho mais medo. Isto é, se você estiver ao meu lado.
— Tente se livrar de mim! Eu me sujeitei à vontade de seu pai uma vez, mas não
acontecerá de novo, nunca. — Ele sorriu. — Você acredita em mim?
— Sim, eu acredito, agora.
Ouviram uma batida violenta à porta, seguida da voz de Costas.
— Isla?
— Entrem.
Costas e Tina pararam ao ver a cena diante deles: Isla e Kyle abraçados. Foi Tina
quem se recobrou do choque primeiro, conseguindo falar:
— Isla, o que está acontecendo? Você está passando bem?
Passando bem? Estava passando muito bem. Aliás, nunca esteve melhor em toda a
vida.
— Sim, está tudo bem. Mas é melhor vocês dois se sentarem. Temos muito para
contar, não é, Kyle?
— Sim. Bastante.
Os braços de Kyle envolviam Isla com segurança e carinho. E sempre estariam
assim, juntos.
F I M
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SABRINA 79
“O VALE DO SOL”
Anne Mather
Miranda foi ao México verificar se a criança recolhida por uma missão católica era
mesmo sua sobrinha Lucy, cujos pais tinham morrido num acidente. A criança estava
em boas mãos: as de Juan Cueras, que gostava muita dela. Juan era gentil e prestativo,
mas foi seu enigmático irmão, Rafael, quem atraiu Miranda. E ela logo percebeu que
teria problemas com os dois. Com Juan, por não querer separar-se da criança. Com
Rafael, justamente pelo motivo contrário: ele parecia não se importar com o que
acontecesse a Miranda e a sua sobrinha. E isso — essa indiferença — talvez fosse o
mais difícil de suportar…
SABRINA 80
“UMA SOMBRA EM SUA VIDA”
Rosemary Carter
Stacy levou um grande choque quando chegou aquele hospital no coração da selva
africana, onde ela trabalharia como enfermeira, e descobriu que o médico responsável
era André de Vries, o mesmo homem que partira seu coração dois anos atrás. Pior que
isso: Stacy teria que suportar o ciúme gelado e destruidor da proprietária do hospital,
Tensa, ela deixou bem claro, desde o primeiro dia, que André agora era sua
“propriedade”. Mesmo assim, a experiência de trabalhar ali na selva era fascinante e
Stacy se viu cada vez mais determinada a levá-la até o fim… apesar de André. Ou
seria por causa dele?
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SABRINA 81
“ALVORADA DO AMOR”
Janet Dailey
Perdida em pleno deserto do Arizona, Brandy considerou-se feliz por encontrar Jim
acampado ali. Achou que ele era um ladrão de gado — caso contrário não teria se
mostrado tão arredio com sua presença — mas sabia que não teria conseguido
sobreviver sem ele. Jim, na verdade, era James Corbett, o famoso ator de cinema, e
naquele momento ocultava sua verdadeira identidade pelo horror que a publicidade lhe
causava. Brandy se apaixonou por ele mas, de volta a sua casa, compreendeu que tudo
terminara. O que alguém como James Corbett poderia querer com uma garota tão
simples e inexperiente como ela?
SABRINA 82
“MULHER INDOMÁVEL”
Anne Hampson
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