Você está na página 1de 84

O Preço do Orgulho

BOSS MAN FROM OGALLALA

Janet Dailey

Quando Flint McCallister chegou ao rancho dos Gilmore, a guerra entre Casey
e ele estava declarada. Flint vinha dirigir o rancho enquanto o pai de Casey estivesse
no hospital recuperando-se de uma queda, e era competente e trabalhador. Mas Casey,
nascida e criada no rancho, orgulhava-se de ser perfeitamente capaz de cuidar
sozinha de tudo — e não admitia que um estranho tomasse seu lugar. Para piorar a
situação, Flint era um homem extremamente sedutor... e Casey acabou apaixonada por
ele. Pena que, depois de receber tantas agressões por parte de Casey, Flint a tratasse
agora com tamanho desprezo...

Digitalização: Simoninha
Revisão: Adriana Queiroz
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

Copyright: JANET DAILEY


Título original: "BOSS MAN FROM OGALLALA"
Publicado originalmente em 1975 pela Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra
Tradução: DIOGO BORGES
Copyright para língua portuguesa em 1979
ABRIL S. A. CULTURAL E INDUSTRIAL — SÃO PAULO
Composto e impresso nas Oficinas da
ABRIL S. A. CULTURAL E INDUSTRIAL
Caixa Postal 2372 — São Paulo
Foto da capa: TRANSWORLD

-2-
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

CAPITULO I

— Casey, meu bem, seu velho hoje não vai ganhar um beijo? — indagou aquela
voz fraca, vinda de um leito de hospital.
Um sorriso propositadamente feliz aflorou nos lábios de Casey Gilmore
enquanto ela se esquivava dos fios e pesos que mantinham a perna de seu pai suspensa
no ar. Encostou ligeiramente seus lábios nos dele, notando a palidez. Nem mesmo a
forte dose de sedativos havia removido o reflexo de dor em seus olhos castanhos,
contribuindo apenas para empanar seu brilho.
— Sinto muito chegar tão tarde, papai. — O sorriso alegre, porém não
transparecia em seu olhar, enquanto mirava de relance sua mãe, sentada em uma
cadeira ao lado da cama. Então Casey se acomodou.
— Estávamos começando a ficar preocupados com você. — A mãe estudou-a
atentamente e sua voz demonstrava a apreensão que tinha se tornado lugar comum
naqueles últimos dias.
— Almocei com Johnny antes que ele regressasse a North Platte — explicou
Casey, mantendo o tom de sua voz intencionalmente casual para que seu pai não
notasse quanto ela ficara desapontada com os resultados daquela conversa. Com um
gesto nervoso afastou do rosto os cabelos castanhos, sentindo que, apesar do modo
alegre como a haviam acolhido, seus pais tinham tido uma séria discussão antes de sua
chegada.
— Pelo que vejo, você ainda não começou a expulsar as enfermeiras — ela
comentou, a fim de quebrar o silêncio.
— E pelo jeito isto não vai acontecer — respondeu John Gilmore, suspirando.
Seus cabelos escuros estavam começando a ficar grisalhos e ele agitou a cabeça de um
lado para o outro, inquieto.
— Seis semanas metido nesta geringonça! — Fixou os olhos no teto, em sinal
de desespero, e se pôs a praguejar. — Era só o que me faltava, ser cuspido para fora
da sela e justamente nesta época. Como é que vão indo as coisas lá no rancho, Casey?
Para ela foi penoso enfrentar aquele olhar límpido. Estava contente pelo fato
de sua mãe ter passado os últimos dias em Scottsbluff, ao lado do pai. Assim não
ficaria sabendo dos acontecimentos do rancho. A mãe era totalmente incapaz de
disfarçar seus sentimentos e não conseguia esconder nada do marido, por mais que
tentasse.
— Fora o fato de que todos sentem demais sua falta, tudo o mais corre muito
bem. — As mãos de Casey estavam tensas e cruzadas sobre o colo. Recusava-se a
pensar na bomba de água quebrada ou nas dez cabeças de gado que tinham fugido do
pasto.
— Você não estaria escondendo alguma coisa de mim, Casey? — ele perguntou,
com aquela perspicácia toda sua, que lhe permitia ler a mente da filha.
— Você é terrível! A coisa mais séria que aconteceu desde seu acidente é que o

-3-
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

Bugre perdeu uma ferradura — respondeu Casey, meio sem jeito. — E eu preferia que
ele tivesse quebrado a perna, pois assim o mataria.
A risada curta que ele deu, ao ouvir o comentário da filha, não poderia de modo
algum comparar-se com suas gargalhadas de outros tempos.
— Eu provavelmente teria disparado o gatilho para você. — Sua expressão
tornou-se mais séria enquanto ele olhava de relance para sua mulher e em seguida para
Casey. — Fred Lawlor, lá do banco, apareceu por aqui hoje de manhã depois que você e
Johnny partiram.
— Espero que não tenha trazido mais problemas! — Casey estremeceu
interiormente, pois sabia como sua situação financeira tinha ficado precária depois
que o mercado de gado entrou em crise. O rosto de seu pai revelava que seu amigo
mais antigo não o tinha visitado somente para demonstrar sua amizade.
— Foi muito gentil da parte dele — ela comentou em voz alta.
— Foi, sim. — John Gilmore virou-se desconfortavelmente na cama. A túnica
branca dava-lhe uma aparência muito pouco natural. — Ele fez uma sugestão e sua mãe
e eu estivemos conversando a respeito. — Casey ficou tensa. — Ele sabe que vou ficar
imobilizado pelo menos durante seis semanas, até a fratura do quadril se consolidar. E
depois disso. . . bem, já não sou mais jovem. Mesmo depois de o médico ter inserido
um parafuso de aço, vai levar um bom tempo até que este meu esqueleto se recupere.
Até lá, a administração do rancho vai cair em suas costas.
— Eu dou conta do recado, papai — afirmou Casey rapidamente. — Antes do
seu acidente já tínhamos removido todos os parasitas dos animais, marcado o gado e
aplicado as vacinas. Logo Mark deixará a escola e poderá nos dar uma mão, apesar de
ter somente quinze anos. Você estará de pé e poderá supervisionar os trabalhos,
durante o próximo outono. — A troca de olhares entre seus pais revelava a Casey que
sua argumentação não estava tendo muito sucesso. — Sam também está lá. Se precisar
de ajuda extra, você sabe que Smith estará sempre pronto para cooperar. Papai,
tenho vinte e um anos. Conheço o rancho como a palma de minha mão. Vivi lá a vida
toda.
— Não estou duvidando de suas habilidades. Nunca dei um passo sem seu
auxílio ou de sua mãe. Você sabe como tivemos prejuízos no ano passado, com as
inundações da primavera e o preço do gado. Se não fosse a valorização das terras, não
sei se teria conseguido outro empréstimo do banco. Fred Lawlor conhece você muito
bem. Se dependesse dele, escolheria você para encarregar-se de tudo. — Ele não
conseguiu mais sustentar o olhar da filha e pôs-se a mirar a perna suspensa no ar. — O
banco sugeriu que se traga alguém de fora para administrar o rancho até que eu
esteja em condições de fazê-lo.
Casey mordeu os lábios com força. Fixou o olhar nas pregas de seus jeans azuis
e na biqueira de sua bota, suspirando profundamente.
— É porque sou mulher, não é? Se Johnny estivesse em casa seria diferente,
não é mesmo?
— Não seja amarga, meu bem — disse sua mãe calmamente. — Acontece que as
coisas são assim mesmo.

-4-
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

— A representante do movimento feminista certamente sabe o que está


dizendo. — Casey tentou rir, conseguindo apenas soltar um suspiro amargurado
enquanto se levantava da cadeira e se dirigia para a janela.
— Se houvesse uma chance de eu me recuperar em casa, eles provavelmente
nem teriam pensado nisso. Você tem de enfrentar os fatos, Casey — disse-lhe o pai.
— O rancho fica a duas horas daqui, e em caso de emergência estamos muito
afastados de tudo.
— Mas você foi o único patrão que Anchor Bar já teve — protestou Casey. —
Não sei se conseguiria aceitar ordens de alguém que não fosse você. Não pode falar
com o Sr. Lawlor? Não quer persuadi-lo a... .
— Ele conhece um homem de Ogallala — interrompeu-a John Gilmore com
firmeza. — Trata-se de alguém muito experiente e capaz. Já lhe disse que entre em
contato com ele e o mande para o rancho. — Acrescentou, então, um pouco mais gentil:
— Gostaria de saber se posso contar com você para que as coisas corram mais
facilmente para ele.
— Devo enfrentar a situação como um homem, não é? — Casey não se
importava em esconder sua amargura, sabendo muito bem que ela e seu pai eram muito
chegados um ao outro para que ele deixasse de perceber o que a filha estava sentindo.
A expressão de seu rosto refletia a determinação de que estava possuída quando se
afastou da janela e encarou-o. — Pode confiar em mim, papai, e você sempre soube
disto.
— Eu tinha certeza — ele sorriu — mas agora que ouvi você dizer, sinto-me
melhor.
Uma enfermeira entrou no quarto, carregando uma bandeja.
— Está novamente na hora, Sr. Gilmore. — Olhou para Casey e sua mãe,
solicitando em silêncio que elas partissem.
— Vou me despedir, papai. — Casey foi até a cama e beijou seu pai no rosto. —
Quero chegar em casa antes de Mark. — Fez uma pausa. — Quando é que devo esperar
o homem que está para vir?
— Fred disse que tentaria mandá-lo para lá no começo da semana.
Casey levantou as sobrancelhas e em seguida sorriu. Teria no máximo cinco
dias para colocar tudo na mais perfeita ordem.
— Mark e eu viremos visitá-lo no domingo — ela prometeu, enquanto seguia sua
mãe para fora do quarto.
Ao sair ficou parada diante da Sra. Gilmore, reparando nas rugas em torno de
sua boca e em como o vestido dançava em seu corpo. Casey admirava freqüentemente
a dedicação de sua mãe em relação ao marido. Agora notava os estragos que o amor
fizera, naqueles quatro dias que se passaram desde o desastre. A compostura serena
dos traços delicados de Lucille Gilmore desvaneceu-se, enquanto ela se voltava para
sua filha.
— Você compreende, não é mesmo, Casey, que seu pai não estava em posição de
discutir com o banco? — indagou.
— Posso compreender sem necessariamente gostar.

-5-
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

— Eu, para dizer a verdade, fiquei contente — suspirou a mãe, olhando para
Casey. — Não gosto que você assuma tantas responsabilidades sozinha, principalmente
agora que as coisas estão tão difíceis.
— Tudo vai acabar dando certo, mamãe. Preocupe-se unicamente com papai e
deixe que eu me encarrego do rancho e do novo administrador.
— Durante todos estes anos fiquei tão preocupada com este seu jeito tão
despachado. Agora que Johnny decidiu trabalhar na estrada de ferro, em vez de
administrar o rancho, como eu e seu pai tínhamos planejado, ficamos contentes por
você ser como é. Quando tudo isto terminar e John voltar para casa. . . — Não
conseguiu prosseguir.
Casey riu com aquele mesmo jeito forçado que tinha herdado de sua mãe.
Nenhuma das duas conseguia descobrir um assunto que não fosse mais importante do
que aquele homem internado no hospital com um fratura na bacia. Até mesmo as
perguntas de Lucille Gilmore a respeito de seu filho mais novo, Mark, foram feitas
com o pensamento de que se não fosse pelos padecimentos de seu marido, ela agora
estaria em casa com ele.
Após se beijarem, Lucille prometeu, com alguma relutância, que voltaria para
casa com Casey e Mark quando eles viessem ao hospital no domingo. Casey percebia
que sua mãe estava dividida entre o desejo de permanecer ao lado do marido e estar
com seus filhos. Aprendera que, a despeito de sua aparência de extrema delicadeza, a
mãe, interiormente, era uma mulher excepcionalmente forte. O assunto provavelmente
fora discutido a fundo com seu pai e tinham chegado a uma decisão. Não havia
necessidade de Casey tentar dissuadi-la. Ambos ficariam mais tranqüilos sabendo que
Lucille estava no rancho com os filhos.
Ao deixar o hospital, Casey acariciou a idéia de fazer uma pequena viagem até
North Platte e encontrar-se novamente com o irmão mais velho, para insistir que ele
regressasse ao rancho e a ajudasse nessa nova crise. Lembrava-se de sua recusa
categórica em aceitar suas sugestões. Durante a adolescência, John vivera segundo as
expectativas de seu pai, aprendendo como lidar com um rancho para que um dia
pudesse substituí-lo, mas assim que terminou o ginásio alistou-se no exército. Foi
servir no exterior e de lá escreveu para Casey dizendo-lhe que tinha decidido não
voltar a trabalhar com o pai. Terminou o serviço militar no verão do ano passado e não
perdeu tempo em avisar seus pais de que aceitara um emprego na Estrada de Ferro
Union Pacific, em North Platte.
Seus pais haviam ficado extremamente desapontados e isso juntou-se aos
reveses por que haviam passado, mas eles trataram de não exteriorizar o que estavam
sentindo. Casey conseguia apenas adivinhar a dor de seu pai quando mandou o filho
mais velho cuidar de seu próprio futuro. Esperava secretamente que durante o almoço
com o irmão conseguisse persuadi-lo a voltar, mesmo temporariamente. Johnny
mostrou-se compreensivo e ao mesmo tempo envergonhado ao recusar.
— Já me desliguei de tudo aquilo — disse. — Sei que papai jamais se oporia a
meus planos, mesmo assim sinto-me muito culpado por abandoná-lo neste momento.
Sei quanto contava comigo. Se eu voltar agora, estarei dando a ele falsas esperanças.

-6-
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

Vamos encarar a verdade, Casey. Você se importa mais com aquele rancho do que eu.
Seu próximo comentário foi suficiente para impedir Casey de lhe dar a notícia
de que alguém estava para chegar a fim de assumir o controle do rancho.
— Se as coisas ficarem pretas demais, mana, você e papai poderão contratar
alguém muito mais experiente do que eu — concluiu Johnny.
De volta ao rancho, ela estava tomada ao mesmo tempo por uma sensação de
ansiedade e raiva. O pensamento de que seu pai ficaria confinado naquela cama de
hospital durante seis semanas, quando sua presença era tão necessária ao rancho,
contrastava violentamente com a revolta que sentia, ao imaginar que um estranho viria
para tomar conta do futuro deles.
Seis quilômetros depois de ter tomado a estrada coberta de cascalhos que
levava até o rancho, Casey viu uma perua saindo do rancho dos Smith. Ambas as
buzinas soaram ao mesmo tempo e Casey parou o carro. Abaixou o vidro e sorriu para o
homem de jeans desbotados e chapéu de palha, que estava ao volante da perua.
— Está voltando do hospital? — perguntou Smith, afastando o chapéu da testa
para limpar o suor.
Casey assentiu, olhando aquele rosto muito queimado de sol, jovem e simpático
em sua ânsia de viver. Seus olhos eram castanhos e ostentavam um brilho perene. Seus
cabelos eram igualmente castanhos, de um tom bem quente; cobriam-lhe as orelhas e
misturavam-se com suas costeletas. Eram suficientemente compridos para seguir a
moda e suficientemente curtos para não incorrer no desagrado de seu pai.
Smith, ou melhor dizendo, Don Smith, era o único filho de Robert e Jo Smith,
os vizinhos mais próximos dos Gilmore. Ele tinha vinte e três anos, a mesma idade de
Johnny, o irmão de Casey. Desde quando podia se lembrar, Casey estava sempre no
encalço deles, até a idade dos dezessete anos, quando Smith subitamente começou a
se interessar por ela. Contrariamente a Johnny, ambos compartilhavam um grande
amor pela vida do rancho, esportes e animais.
— Papai está bem melhor. Ainda sente muita dor, mas você sabe como ele é,
nunca se queixa. — Casey sorriu, demonstrando o orgulho que sentia por seu pai.
— Vamos aparecer por lá no domingo — disse Smith. — Como vão indo as coisas
lá no rancho?
— A bomba de água quebrou no poço número dez. Sam tentou consertá-la, mas
não entende muito bem de motores. Estava pensando se. . .
— Se eu poderia ir até lá dar uma espiada? — concluiu Smith, rindo. — Claro
que sim. Meu velho dispensou-me para ir até lá sempre que você precisar de mim. Você
conseguiu convencer Johnny a voltar? — Casey tinha lhe dito na véspera que ia tentar.
— Não. — O suspiro fundo que acompanhou sua negativa revelava que a
tentativa tinha sido inútil, o que ele de resto já previa. - E isto não é tudo. — As mãos
de Casey agarraram-se à direção, em um gesto nervoso e zangado. — Fred Lawlor, lá
do banco, está tomando providências para que venha alguém para cá assumir o rancho
até papai sarar.
Ao ouvir isto, Smith franziu o cenho e soltou uma exclamação de espanto.
Conhecia Casey há muito tempo e sabia qual seria sua reação.

-7-
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

— Eles não confiam em mulher — acrescentou ela, enrugando a testa.


— Minha Casey, que é tão independente, vai ter de aceitar ordens de um
patrão — disse Smith, brincando. Ao ver seus olhos marejados, saiu do carro e com os
dedos seguiu as sardas que pontilhavam o nariz de Casey, ergueu seu queixo e,
inclinando-se, depositou um beijo em seus lábios. — Que bom. Nunca gostei que minha
namorada ficasse amarrada em um rancho vinte e quatro horas por dia durante todo o
verão.
Casey sabia que devia sentir-se lisonjeada com aquela declaração, mas a idéia
de ter alguém que não um Gilmore dando ordens no rancho Anchor Bar era algo que
estava acima de suas forças. Ao pensar naquilo, seu senso de humor dissipava-se
totalmente.
— Como é que você se sentiria se alguém aparecesse em seu rancho e se
pusesse a lhe dar ordens? — ela replicou. — Você não é mulher e provavelmente isto
jamais lhe aconteceria.
— Ah, vamos lá, Casey, não encare isto como uma ofensa pessoal. — Conhecia
muito bem suas colocações a respeito do assunto, pois uma vez ela se indignara quando
conversavam sobre a igualdade dos sexos. Pressentia que ela estava novamente
disposta a comprar uma briga. — Não vai ser para sempre.
— Achei que você fosse entender — ela retrucou acusadoramente.
— Entendo, sim. Não adianta se preocupar com alguma coisa que não pode ser
modificada. Mudando de assunto, hoje fui até o pasto lá perto da colina. Acho que vi
aquele gado de que você sentiu falta misturada ao nosso.
— Isto quer dizer que em algum lugar a cerca foi arrebentada — suspirou
Casey, aliviada ao saber que o gado tinha fugido, e não roubado como ela temera.
— Podemos nos encontrar lá amanhã e separaremos as cabeças — ofereceu-se
Smith.
— Obrigada. Quero que tudo esteja na mais perfeita ordem quando aquele
tal. . . Homem vier.
— Quem é ele?
— Alguém de Ogallala — disse Casey, dando de ombros. Estava preocupada
demais e não prestara atenção nos detalhes. — Acho bom ir andando. Quero chegar
em casa antes de Mark.
— Eu vi o ônibus passando há meia hora. — Caminhou em direção à perua. —
Temos um encontro domingo à noite. Ainda está de pé?
— Tenho de ir até Scottsbluff com Mark. Por que você não aparece mais tarde
e a gente assiste televisão? — sugeriu Casey, pondo o carro em movimento, enquanto
Smith lhe acenava, concordando.
Dois quilômetros depois Casey tomou a estradinha que levava à sede do rancho.
Seus olhos pousaram-se instintivamente nas colinas suaves; o capim já começava a
perder o seu verde e amarelava. Em meio a ele erguiam-se as manchas dos cactos e as
cabeças avermelhadas do gado Hereford. As colinas estendiam-se interminavelmente
horizonte afora e, cá e lá, despontavam moinhos de vento. Casey seguiu pela estrada
que subia por uma das colinas mais altas e viu surgir a seus pés o pequeno vale e as

-8-
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

construções que para ela significavam seu lar, levantadas em uma encosta e abrigadas
das rajadas do vento frio do norte.
Quando o carro se aproximou da varanda da casa, um cachorro correu, afoito.
Era de raças tão misturadas que despertava a atenção de todos que o viam. As orelhas
eram pontudas; o pêlo, comprido e desgrenhado; o focinho, achatado; a cauda, muito
peluda, agitava-se sem cessar. Todos concordavam que devia ter algum antepassado
pastor, mas um olhar em sua pelagem preta e marrom levava as pessoas a
desconfiarem que ele fosse mestiço de coiote, pastor alemão, ou ambos. Shep,
entretanto, era considerado um membro da família desde o dia em que apareceu no
quintal, magricela e assustado. Já não era mais magro e avançou com seus cinqüenta
quilos para Casey, o membro mais querido de sua família adotiva.
Mark apareceu na varanda enquanto Casey acariciava o cachorro, persuadindo-
o a ficar um pouco mais calmo. Sorriu para o rapaz desajeitado, cujos jeans davam
acima do tornozelo, mostrando quanto ele crescera durante a primavera. Sua camisa
toda amarrotada estava desabotoada, mostrando seu peito queimado de sol. Mark
tinha os cabelos aloirados e os olhos azuis de sua mãe e prometia ficar tão alto quanto
o pai. Aliás, já estava da mesma altura de Casey.
— Já estava na hora de você chegar em casa — murmurou Mark em um tom de
voz que ameaçava rachar a qualquer momento, tão típico da adolescência. Deixou-se
afundar em uma das cadeiras da varanda, jogando de lado um par de botas usadas. —
Estou morto de fome. Não podemos ir comer uma pizza na cidade hoje a noite?
— Você já terminou suas tarefas? — indagou Casey, não tomando
conhecimento daquela sua fome insaciável.
— Não, acabo de chegar em casa.
— Smith disse que o ônibus passou pelo rancho deles há mais ou menos meia
hora, o que significa que você teve tempo suficiente para dar fim nos biscoitos que a
Sra. Barker nos mandou e no meio litro de leite que estava na geladeira — replicou
Casey. — Isto deve ter dado a você energia suficiente para terminar suas tarefas.
— Eu estava com fome — disse ele, dando de ombros e enfiando as botas.
Como vai o papai?
— Acho que melhorou.
— Tenho de ir à escola amanhã? Você não pode me levar para vê-lo e escrever
um bilhete para a escola, para ser dispensado?
— Meu Deus do céu, Mark, amanhã é sexta-feira. Um dia a mais não vai lhe
tirar nenhum pedaço. Além disso, na semana que vem começam as férias de verão. —
Subiu os degraus que levavam à varanda. — Termine logo suas tarefas.
Mark ainda resmungava quando se encaminhou para a maior das três
construções que, juntamente com a casa, compunham a sede do rancho.
— Não se esqueça de trazer a sela para levá-la mais tarde — gritou Casey,
antes de entrar em casa.
A jarra vazia e o copo ainda com um resto de leite estavam sobre a mesa da
cozinha, entre migalhas de biscoito. Casey balançou a cabeça, desanimada, enquanto
limpava a mesa. Sem a menor dúvida ficaria contente quando sua mãe voltasse. Não

-9-
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

sabia o que mais detestava: se cozinhar, limpar a casa ou lavar pratos. Ela e Mark
tinham tido a sorte de ver os vizinhos aparecerem após o acidente com seu pai,
trazendo pratos de comida e sobremesa, enquanto sua mãe partia para Scottsbluff
para ficar ao lado do velho, até ele se recuperar da intervenção cirúrgica. Mark,
entretanto, acabara de devorar as últimas provisões oferecidas pelos vizinhos. Casey
andou até a pia e soltou um gemido, ao se dar conta de que tinha esquecido de retirar
a carne do congelador para servi-la no jantar.
Se isso tivesse acontecido com sua mãe, o que aliás seria pouco provável, ela
seria perfeitamente capaz de recolher os últimos restos deixados na geladeira e as
derradeiras latas de conserva guardadas no armário e improvisar uma refeição
deliciosa. Casey sabia muito bem que seria incapaz de fazer coisa igual. Decidiu
preparar ovos, além de batata cozida. Era uma receita infalível para quem estava
desprevenido, pensou Casey, enquanto tirava as batatas.
Uma hora mais tarde ouviu o barulho forte de patadas que vinha da cocheira.
Isto queria dizer que Tally, seu cavalo baio, estava pedindo mais milho. Desde que ele
era um potro tinha o hábito de escoicear a manjedoura assim que acabava de comer,
aliás um trejeito muito característico. Se Mark não se atrasasse, chegaria para o
jantar dentro de quinze minutos.
Casey acendeu o fogo e colocou sobre ele a panela com batatas, o bacon em
uma segunda panela e uma colherada de manteiga na terceira. A mesa já estava posta
e a torradeira encontrava-se pronta para tostar os pães feitos em casa por sua mãe.
Abriu a geladeira, colocou meia dúzia de ovos num prato, agitando uma garrafa de
conservas com a mão que estava livre. Estava começando a sentir-se muito eficiente
enquanto colocava o prato com ovos ao lado do fogão e dispunha as conservas sobre a
mesa. Colocou fatias de pão na torradeira, virou as batatas para que elas tostassem
por igual e retirou o bacon, que começava a encaracolar. Lembrando-se de que Mark
gostava de ovos malpassados, Casey acendeu o fogo sob a última panela e tirou da
prateleira um outro prato, para quebrar os ovos dentro dele, como tinha visto sua mãe
fazer muitas vezes. Ao bater o ovo na borda da panela, a casca quebrou-se com
facilidade e ela jogou o conteúdo dentro do recipiente. A superfície da panela,
entretanto, rompeu a gema do ovo. Fez uma cara, pensando ao mesmo tempo que não
se importava em comer ovos bem-passados. Mas quando a mesma história se repetiu
com o segundo, terceiro e quarto ovos, Casey levantou as mãos em sinal de desespero,
esperando não somente que Mark consentisse em comer ovos mexidos como também
gostasse. Quebrou apressadamente os últimos ovos dentro da panela e começou a
mexê-los com um garfo. Sentiu simultaneamente o cheiro do bacon que queimava e
ouviu o chiar da torradeira. Agindo tão rapidamente quanto possível, colocou o bacon,
um tanto bem-passado, sobre um guardanapo, a fim de eliminar o excesso de gordura,
mexeu mais uma vez as batatas, que estavam ficando tostadas demais, correu até a
mesa para passar manteiga nas torradas e lembrou-se subitamente dos ovos,
Mark entrou na cozinha, observou Casey resmungando, enquanto corria do
fogão para a mesa e sacudiu a cabeça, mal acreditando no que via.
— Não teria sido muito mais simples ir comer na cidade? — perguntou,

- 10 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

enfrentando o olhar irado de Casey, observando em seguida as batatas


excessivamente fritas, o bacon queimado, a manteiga gelada sobre as torradas já
frias e os ovos estraçalhados. — Não entendo como mamãe pôde ter uma filha como
você, péssima cozinheira.
— Cale a boca e coma! — Afastou a cadeira da mesa e sentou-se, tentando não
olhar muito de perto aquela comida tão pouco apetitosa.
— O jantar de ontem já foi suficientemente ruim. — Mark levantou-se da
cadeira, abriu a porta da geladeira e tirou uma garrafa de ketchup de dentro. — Você
deixou secar a água das batatas e esqueceu de ligar o forno para esquentar a carne
cozida que a Sra. Gordon nos trouxe. Mas uma refeição inteira preparada por você é
dose para leão.
Casey comia os ovos fingindo uma falsa alegria. Olhou de relance para o irmão,
no exato momento em que ele se servia de um pedaço excessivamente frito de bacon,
que se esfarelou ao ser tocado.
— Quando é que mamãe vem para casa? — ele indagou, em tom de queixa.
— Só no domingo — respondeu Casey, em tom igualmente deprimido.
Seus olhos se cruzaram e eles levantaram-se da mesa.
— Se ambos capricharmos, poderemos limpar a cozinha em dez minutos e
estaremos no restaurante dentro de uma hora — propôs Mark.

CAPÍTULO II
Casey acenou para Mark enquanto ele se afastava em seu cavalo baio. A
distância da casa até a estrada coberta de cascalhos, onde o ônibus da escola o
pegava, era de quase três quilômetros. Mark acreditava de todo coração no lema que
dizia: "Nunca ande quando você pode montar". Contava os dias que faltavam para seu
décimo sexto aniversário, quando então poderia tirar sua carta e não mais se veria
forçado a tomar o ônibus. E faltava pouco tempo para isso, pensou Casey suspirando,
apenas cinco meses.
Sam Wolver, que trabalhava para eles no rancho, estava consertando uma
ferradura em sua tenda de ferreiro portátil. Sem querer, Casey olhou para o cavalo
amarrado a uma estaca. Era Bugre, o animal que tinha jogado seu pai ao chão. Voltou a
olhá-lo com maior atenção e desta vez admirou suas formas quase perfeitas. A
pelagem cor de café brilhava à luz do sol da manhã e sua cauda quase negra espantava
preguiçosamente as moscas. Seria um cavalo baio com manchas negras, não fossem
suas patas, brancas desde o casco até a altura do joelho. O animal sacudiu a cabeça ao
ouvir as botas de Casey rangendo ao pisar aquela mistura de areia e cascalhos. Não
conseguiu dominar o arrepio que a percorreu enquanto olhava sua cara totalmente
branca, ligeiramente manchada de castanho. Aquele cavalo era um mistério, conforme
seu pai dizia, e Casey concordou, sobretudo quando fitou seus olhos. Um era castanho
e, o outro, azul.
O simples fato de defrontar-se com o olhar do animal era enervante. Insistia
freqüentemente com seu pai para que o vendesse, mas ele sempre enfatizava o quanto

- 11 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

ele era bom, quando se tratava de vigiar os rebanhos. De fato, Bugre, na sua
categoria, era provavelmente o melhor cavalo do rancho. Cada vez que ele se
aproximava de uma manada, era uma alegria deixar-se ficar sentado na sela e observá-
lo agir. Mas era em outras circunstâncias que Casey não se sentia à vontade com ele.
Bugre era completamente imprevisível e não se podia contar com ele para executar
tarefas mais corriqueiras.
No dia do acidente, Casey tentou convencer o pai a usar o seu cavalo para
inspecionar o poço lá no pasto, já que seu animal favorito estava mancando. Ele, no
entanto, insistiu em levar Bugre, que há muito tempo não era cavalgado.
Ela já não tinha gostado do jeito do cavalo, pisando duro. Sabia que jamais
gostaria de reviver aquele momento quando, passadas três horas, viu o cavalo
regressar à sede do rancho sem ninguém na sela. O terror que se apoderou dela a fez
emudecer. Seus joelhos tremiam tanto, quando montou em seu próprio cavalo, que
sentiu dificuldade em dominá-lo. Felizmente Smith estava por lá. Graças a sua calma,
ela se dominou o suficiente para retraçar o suposto caminho percorrido por seu pai,
enquanto Smith a seguia na perua.
Encontraram o Sr. Gilmore arrastando-se e tentando encontrar o atalho que
cortava todos os pastos. Com o rosto pálido de dor, narrou-lhes o que tinha
acontecido. O cavalo tinha se mostrado rebelde assim que chegaram ao pasto. Quando
John Gilmore pensou que ele se acalmara, o animal abaixou repentinamente a cabeça e
saiu em disparada. No primeiro salto que deu, um pé do cavaleiro desprendeu-se do
estribo e, no segundo, ele foi cuspido para fora da sela.
Casey fez um esforço para livrar-se daquela terrível recordação. Andou
apressadamente em direção à cocheira, onde seu cavalo baio já estava à espera,
selado e pronto para partir. A cor dourada de seu pêlo contrastava lindamente com a
crina e a cauda negras e as patas da mesma tonalidade. Ele a seguiu docilmente quando
ela tomou as rédeas e encaminhou-se para o reboque próprio para transportar cavalos,
acoplado à perua. O cachorro Shep estava parado ao lado da perua e escavava o chão,
impaciente. Assim que acomodou o cavalo no reboque, Casey ordenou a Shep que
entrasse na perua. Ele não precisava que lhe dissessem mais nada e obedeceu, fazendo
o maior alarido.
Assim que se acomodou na perua, Casey tocou duas vezes a buzina para avisar
Sam que estava de saída. Trabalhava com eles há muito tempo,
quase dez anos, e não precisava mais que lhe dissessem o que fazer e quando
fazê-lo. Contanto que não se tratasse de coisas mecânicas, Sam Wolver desempenhava
qualquer tarefa no rancho, aliás com muita competência.
Sam Silencioso, chamava-o Mark. Na verdade não conheciam muito a seu
respeito. Ao que tudo indicava, parecia não ter família. Tinha se recusado a dormir no
paiol e em vez disso acomodou-se em um trailer um tanto precário, à margem de um
dos lagos do rancho que não passava de uma modesta represa. Sam nunca falava muito,
daí seu apelido, porém quando o fazia dizia coisas importantes e transmitia muitas
informações. Tinha uma atitude muito conservadora em relação às mulheres, tratando-
as com o maior respeito e cortesia. Casey percebeu mais de uma vez que o

- 12 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

comportamento dele em relação a sua mãe quase atingia as raias da veneração. Tinha a
sensação de que ele era o último representante daquela valorosa estirpe de homens
que tinham alargado as fronteiras do faroeste. Alto, magro, tímido e muito versado
nos caprichos dos animais e plantas pertencentes à Mãe Natureza, descreveu para
Casey as diferentes ervas que cresciam em Sand Hills e que uso os índios que outrora
habitavam a região faziam delas. Falou também do tempo em que os bisões dominavam
aquelas pradarias, povoadas por milhões deles.
Casey lembrava-se de que, quando era mais jovem, Smith e Johnny
costumavam caçoar com ela, dizendo que Sam ficara órfão quando a caravana em que
viajava fora atacada por índios, que o capturaram e o criaram como se fosse um deles.
Seu rosto, que não demonstrava a verdadeira idade, e seus conhecimentos espantosos
convenceram-na de que a história era verdadeira, até que um dia seu pai explicou-lhe
que tudo aquilo era impossível. Assim mesmo Sam Wolver sempre significaria para ela
o testemunho vivo de uma outra época e de uma outra raça de homem.
Casey já se aproximava do portão do pasto quando viu a poeira levantada pela
perua de Smith, que se aproximava. Quando ele encostou o veículo ao lado do dela,
Casey tirou Tally do reboque e abriu o portão. Smith, a exemplo de Casey, não perdeu
tempo em fazer sua montaria sair do reboque. Ambos sabiam que o trabalho vinha em
primeiro lugar e a conversa depois. Uma vez fechado o portão, montaram e os cavalos
puseram-se a trotar. Shep ia à frente deles e sua cauda peluda agitava-se no ar.
Seguiram a cerca durante algum tempo até que Smith interrompeu o silêncio.
— O que Mark disse quando você lhe contou a respeito do homem que vem
trabalhar aqui?
— Você conhece muito bem Mark e sabe que a maior catástrofe de sua vida
aconteceu quando pensou que tinha parado de crescer. — Casey riu, muito à vontade,
porém franziu ligeiramente o cenho e isto não tinha nada a ver com os reflexos do sol.
— Parece ter ficado aliviado por não precisar trabalhar tanto durante o verão. Acho
que é uma reação natural da parte de alguém tão jovem quanto ele.
— São as palavras de uma velha senhora sensata — disse Smith, em tom
caçoísta — e que acumulou muita sabedoria ao longo dos anos.
Casey corou ligeiramente, admitindo ter se exprimido em um tom um tanto
maternal. A cor que lhe aflorou ao rosto contribuiu para dar um toque muito feminino
à sua aparência, contrastando com sua calça e botas um tanto masculinas e com a blusa
de corte muito austero. Sua cabeça estava descoberta e o sol punha reflexos doura-
dos em seus cabelos castanhos. A brisa soprava sobre as mechas revoltas que lhe
cobriam por vezes o rosto. Suas sobrancelhas, negras e naturalmente arqueadas,
possuíam um formato gracioso. Seus olhos castanhos, nos quais algumas vezes
transparecia um reflexo irado, eram acolhedores e quase tímidos. A abundância de
sardas que cobria seu nariz e rosto parecia espalhar-se de propósito sobre a pele
queimada de sol, a fim de lhe dar um ar de inocência. Apesar da boca ser pequena e
combinar com o resto de seus traços, seus lábios muito finos eram agradavelmente
generosos.
— Há um rombo na cerca! — apontou Casey.

- 13 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

Bem diante deles havia uma árvore, ao lado da cerca. Invernos gelados e
verões tórridos tinham-na despido de suas folhas e desnudado seu tronco. A brancura
daquele tronco estorricado pelo sol contrastava vivamente com o verde da pradaria
sem fim. Um galho podre despencara da árvore, arrastando em sua queda um pedaço
da cerca.
Casey e Smith amarraram uma corda ao redor do galho, passando a outra ponta
em volta do santantônio das selas. Assim que conseguiram afastar o galho da cerca,
removeram o pedaço de arame farpado inutilizado. Voltaram a montar nos cavalos e
Smith indicou em que direção acreditava ter visto o gado do rancho Anchor Bar.
As colinas, não muito altas, ondulavam diante de seus olhos. No entanto,
qualquer depressão do terreno, por menor que fosse, poderia servir de esconderijo
para uma vaca ou ocultar um cavaleiro e sua montaria. Aqui e lá a erosão removera a
camada de capim das encostas das colinas, deixando à mostra manchas de terra
arenosa. Ouviu-se o trinado de um pássaro e subitamente um galo de campina saiu
voando pelos ares, a alguns passos deles.
Aquela era uma terra esquecida de Deus, era o que Casey ouvira algumas
pessoas dizer, ao contemplarem a imensidão do céu e as colinas que se estendiam a
perder de vista, impressionadas com tamanha solidão. Casey prestava atenção no
murmúrio do vento, nos chamados melodiosos dos pássaros e no ruído que as patas dos
cavalos produziam, ao pisar em cima do capim e da areia. Gostava demais de levantar-
se bem cedo e espiar o sol dissolver a bruma, e de contemplar o caleidoscópio de cores
quando o sol se punha no final do dia. Aquele era seu lar e lá não havia solidão. E como
seria isso possível, quando ela estava rodeada pelas pessoas a quem amava, mergulhada
nas paisagens e nos sons colocados naquela terra por Deus?
Os dois cavaleiros subiram no topo de uma colina e viram o pequeno grupo de
vacas pastando no sopé. Assustadas, ergueram suas caras brancas enquanto Casey e
Smith se aproximavam devagarzinho do rebanho. Shep seguia-os em silêncio, com a
boca aberta, como se estivesse rindo, e respirava ofegante, devido ao calor. Seus
olhos brilhantes não se despregavam das vacas, enquanto esperava pacientemente que
sua dona lhe desse um sinal, para que ele ajudasse a tange-las.
-- Contei sete vacas com a marca do rancho — falou Casey baixinho.
Smith concordou e ambos rodearam o rebanho; neste momento perceberam
mais três, que tinham se afastado das demais. Casey fez um gesto e Shep disparou,
atropelando as vacas e mordendo-as, preocupado em que todas elas se juntassem. O
cachorro não parava um minuto, indo de um animal a outro, até que todo o rebanho
juntou-se em um círculo. Casey e Smith avançaram, separando as vacas do rancho
Anchor Bar das do rancho Box S. Shep ficou sem se mexer, avançando somente
quando uma vaca do rancho Anchor Bar ameaçava juntar-se a alguma outra do rancho
vizinho.
— Sou até capaz de jurar que este cachorro sabe distinguir as marcas —
declarou Smith, após separar a última vaca. Puseram-se a tocar as dez cabeças de
gado em direção ao rombo da cerca.
— Algumas vezes ele transmite mesmo uma sensação esquisita — concordou

- 14 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

Casey, sorrindo para o cachorro que andava lado a lado com o gado.
Chegaram rapidamente à cerca e, sem perda de tempo, guiaram o gado para o
rancho dos Gilmore. Levaram mais de uma hora consertando o arame farpado e a cerca
ficou em completa segurança.
— Há uma garrafa de limonada na perua — ofereceu Casey, enquanto Smith
guardava o alicate na bolsa.
— Pois vamos a ela! — ele exclamou, enxugando o suor da testa com o dorso da
mão. — Vamos ver quem chega primeiro?
Casey não pensou duas vezes antes de aceitar o desafio. Soltou as rédeas e o
cavalo saiu em disparada, com Smith bem na sua cola. O cavalo quase voava, enquanto
ela metia as esporas em seu flanco. O baio de Smith era tão veloz quando o seu Tally.
Disputavam a corrida palmo a palmo, evitando os tufos de grama ou saltando por cima
deles quando queriam ganhar tempo. Casey, porém, pesava bem menos, e isto
prenunciava que ela seria a vencedora. Com efeito, à medida que se aproximavam do
portão do pasto, seu animal ganhava vantagem. Quando frearam os cavalos, ela tinha
ganhado com uma considerável diferença.
— Quem perdeu leva os cavalos para se refrescar! — ela disse rindo, contente.
— Não me incomodo, contanto que a vencedora sirva a limonada. — Smith
tomou as rédeas, rindo bem-humorado.
Casey juntou-se a ele alguns minutos mais tarde, levando-lhe um copo de
limonada. Tomou seu cavalo pela rédea e pôs-se a andar a seu lado, enquanto eles
faziam um círculo vagaroso para refrescar os animais suados.
— Contei para papai ontem à noite as providências que seu pai tomou para
arranjar um administrador, enquanto está no hospital. Papai pediu maiores detalhes,
que eu, evidentemente, ignorava, e então ele fez um telefonema interurbano para o
hospital. Sabe quem virá para cá? — perguntou Smith, olhando o rosto emburrado de
Casey.
— Não, não sei. E pouco me importa — ela retrucou.
— Flint McCallister. — Smith fez uma pausa e aquele nome ficou ecoando no
ar. Casey continuou a andar, sem fazer o menor comentário.
— Você sabe quem é ele, não?
— Não posso dizer que saiba. — Sua resposta foi fria, indicando quão pouco ela
apreciava aquele assunto.
— Os McCallister, da Companhia Agrícola e Pastoril de Ogallala! Todo
rancheiro que se preze já ouviu falar deles.
— Ah, agora sei — comentou Casey, com uma expressão de desdém.
— Não me diga que você não ficou impressionada com a notícia — continuou
Smith. — Certamente já lhe contaram aquela história a respeito do velho McCallister
e de seu filho. Durante aqueles anos bravos de seca, eles tiveram oportunidade de se
apropriar de toda a região de Sand Hills e adquirir o maior rebanho dos Estados
Unidos. Em vez disso, o velho pôs-se a ajudar todos os proprietários de ranchos que
podiam, conseguindo até mesmo crédito para eles, quando não era ele próprio quem
fornecia. Numa dessas, quase foi à falência. Flint McCallister é neto dele — Smith

- 15 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

notou o ar de admiração no rosto de Casey. — Há uns dois anos, Flint McCallister


viajou para a Austrália, para estudar novos métodos de criação de gado. Você não se
lembra desse fato?
— Lembro-me perfeitamente — resmungou Casey. — Ele vai se sentir
rebaixado por ter que tomar conta de nossos míseros oitenta alqueires.
— Puxa vida, Casey! Por que não pára de ser tão amarga e pensa na
oportunidade que vai ter? — perguntou Smith. — Imagine só quanto vai poder
aprender com esse homem, enquanto ele estiver aqui! Fala-se que o pai dele vai
aposentar-se no próximo inverno, entregando a Flint e controle completo da
companhia.
— Como é que você pode ser tão cego? — retrucou Casey, tomada de ira. —
Não está percebendo que esse "grande homem" vai nos tratar com toda a insolência
que ele dispensa a míseros mortais? Pois fique sabendo que tem diante de você alguém
que não admitirá receber ordens desse sabe-tudo!
Smith comprimiu os lábios. Era absolutamente inútil discutir com ela. Quando
queria, Casey conseguia ser de uma teimosia sem par e eles acabariam por trocar
palavras ásperas. Conduziu seu cavalo para a perua e o colocou no reboque, percebendo
que Casey fazia o mesmo.
— Irei com você até o rancho e pegarei o motor quebrado — ele disse
brevemente, antes de sentar-se ao volante da perua.
Casey assentiu, ainda irritada, fechando a porta com um gesto enérgico.
Flint McCallister. . . Flint McCallister. . . Flint McCallister! Casey sentiu que, se
ouvisse esse nome mais uma vez, explodiria. Durante toda a semana ele surgira nos
lábios de todos os que haviam visitado seu pai no hospital. O velho tinha ficado cada
vez mais enamorado com a idéia de que aquele homem ia dirigir seu rancho. Parecia ter
orgulho de que alguém tão conhecido e respeitado quanto Flint McCallister fosse o
novo patrão do Anchor Bar. O entusiasmo de seus amigos e proprietários de outros
ranchos aumentava seu contentamento. O tom de consideração e reverência com que
pronunciavam aquele nome deixava Casey aborrecida. Referiam-se a ele como um misto
de presidente dos Estados Unidos, estrela de cinema e Deus.
Johnny apareceu no domingo. Ficou particularmente feliz com as notícias,
desligando-se do sentimento de culpa que tinha se apoderado dele. Casey tivera razão,
ao decidir que era inútil apelar para o irmão a fim de impedir aquele intruso de vir
para o rancho. Johnny mostrava-se inteiramente favorável a ele. Até mesmo Mark
ficou contagiado e passou a elogiar aquele modelo de eficiência chamado Flint
McCallister. Ao voltarem para o rancho, em companhia da mãe, tinha atormentado
Casey reproduzindo todas as histórias que ouviu a seu respeito. A sra. Gilmore foi a
única a notar seu mutismo e Casey lutava interiormente para dominar sua crescente
irritação. O modo solidário como a mãe a olhava não a consolava nem um pouco. Sabia
muito bem que Lucille Gilmore sentia-se feliz por ter um homem tomando conta de
Anchor Bar.
Naquela manhã Casey foi ao escritório de seu pai telefonar para Smith, para
que ele lhe desse notícias sobre a bomba quebrada do poço número dez. O aposento

- 16 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

deveria ter sido originariamente a sala de jantar e situava-se ao lado da cozinha. Foi
porém destinado a ser um escritório e ali John Gilmore instalou uma mesa, com os
livros de contabilidade do rancho, um painel com suas armas, decorou as paredes com
seus troféus de caça e levou para lá sua cadeira de balanço favorita. Ultimamente o
mobiliário tinha se completado com uma cama de campanha, pois o trabalho de
escritório aumentou e seu pai passava cada vez mais tempo ali.
Assim que Casey pousou o gancho do telefone, sua mãe entrou no escritório
com as mãos cheias de flanelas, esfregões e cera.
Casey não prestou muita atenção em sua entrada e, quando se preparava para
sair, a voz de sua mãe interrompeu-lhe os passos.
— Há alguns lençóis e colchas limpas na gaveta da mesa do corredor, Casey.
Quer trazê-los para cá?
— Para quê? — Olhou a mãe remover a colcha da cama de campanha.
— Para que eu possa arrumar a cama — replicou a mãe. Fez-se uma pausa,
enquanto a sra. Gilmore olhava apreensiva para o colchão. — Pensando melhor, você não
quer levar o colchão lá para fora e deixá-lo tomar um pouco de sol? Vou precisar
também de sua ajuda para trazer do depósito aquela cômoda que foi de sua avó. Vamos
precisar do auxílio de Sam. Nós duas, porém, daremos conta do criado-mudo que está
lá no sótão. — Os olhos da sra. Gilmore percorreram o escritório com a maior atenção
e, aos poucos, Casey começou a entender o que estava acontecendo. — Acho que
poderemos dispor a mobília de modo satisfatório e ainda sobrar bastante espaço para
ele acomodar suas roupas.
— Você está querendo dizer que ele vai ficar neste quarto? — explodiu Casey.
O que há de errado com o galpão, onde dormem todos os empregados? Por que ele tem
de morar aqui em casa conosco?
— O sr. McCallister não é exatamente um empregado, Cassandra — observou
Lucille Gilmore, com um leve tom de censura na voz. Só chamava a filha pelo nome de
batismo quando ficava aborrecida com ela.
— Mas isto aqui é o escritório de papai! — Lágrimas de raiva afloraram a seus
olhos no momento em que Casey se deu conta de que Flint McCallister não somente
estava usurpando a posição de seu pai como também seu local de trabalho. Palavras
venenosas, mordazes e agressivas subiram-lhe à garganta, porém ela não as
pronunciou, ao deparar com o olhar reprovador de sua mãe.
— Pensei que você já tivesse superado esse sentimento de antagonismo. Temos
muita sorte de poder contar com um homem tão capacitado — ela disse, com firmeza.
— Eu o odeio! — Estas palavras foram pronunciadas com muita dificuldade e
Casey tremia com a violência de sua emoção.
— Minha filha! — O tom chocado com que sua mãe se exprimia fez com que
Casey abandonasse rapidamente o escritório. Não estava disposta a ouvir mais um
discurso sobre aquela criatura exemplar chamada Flint McCallister.
Chamou por Sam, que estava no paiol, dizendo-lhe que precisavam dele na sede
e entrou na perua azul e branca, batendo a porta com força. As rodas puseram-se a
girar, abrindo sulcos na areia, e Casey observou Sam dirigindo-se à varanda da casa.

- 17 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

Tirou respeitosamente o chapéu no momento em que a sra. Gilmore apareceu. Esta


protegia os olhos enquanto observava Casey afastar-se estrada afora, a tal ponto
enfurecida que nem se deu conta de como tinha ido parar na estrada coberta de
cascalhos. Somente quando chegou ao desvio que levava ao ribeirão das Ágatas sua
raiva se dissipou, dando lugar à amargura e à frustração. Manobrou a perua, ao chegar
à ponte, deu marcha à ré e fez o caminho de volta.
Flint McCallister! Conseguia imaginá-lo vestido em um daqueles ternos estilo
faroeste, confeccionado por algum alfaiate da moda, usando um chapéu branco, bem
elegante, e botas macias de couro de canguru. Certamente traria no pescoço uma
gravatinha de laços bem curtos, com uma ferradura de ouro. Já tinha ouvido falar
daqueles criadores de gado milionários, de como se vangloriavam em relação ao
dinheiro que haviam ganho e do dinheiro que perdiam nos fins de semana, nos cassinos
de Las Vegas. O pai do tal McCallister com toda certeza tinha se sentido mais do que
feliz ao enviar o filho para a Austrália, pois assim ele não dilapidaria a fortuna da
família. Ela conhecera alguns daqueles netos mimados dos antigos pioneiros. Aquele
homem provavelmente aprendera há muito tempo como se vangloriar do nome de sua
família. Não admirava que os estrangeiros tivessem a impressão de que os americanos
são gente pretensiosa e arrogante, pensou Casey com amargura, e alguém como Flint
McCallister era o pior exemplo que poderia ser enviado ao exterior.
Olhou de soslaio e viu um pequeno grupo de antílopes pastando à beira da
estrada. Buzinou e eles levantaram, assustados, suas cabeças delicadas, antes de se
afastar aos saltos. O carro fazia quase sessenta quilômetros por hora e os animais
corriam ao lado da cerca, emparelhados com o veículo, até que finalmente tomaram
outro rumo. Suas ancas manchadas de branco tornaram-se visíveis durante alguns
segundos e eles finalmente desapareceram por trás de uma colina.
Casey descia uma elevação e voltou sua atenção para a estrada. Subitamente
surgiu diante dela uma perua levando um reboque e que desenvolvia pouca velocidade.
Tinha duas escolhas: acionar o breque, esperando que o carro freasse a tempo e não
abalroasse o reboque, ou ultrapassar a perua. Teve apenas um segundo para notar que
a estrada estava desimpedida. Casey acelerou o motor e desviou para a esquerda,
certa de que deixaria a perua para trás, sem o menor problema. Não duvidava de suas
habilidades de motorista, pois tomara suas primeiras lições quando tinha apenas nove
anos, guiando primeiro o trator do rancho e mais tarde a perua, quando suas pernas
tornaram-se suficientemente compridas para alcançar o acelerador.
Um pequeno sorriso de satisfação surgiu em seu rosto, enquanto ela
ultrapassava a perua, deixando bastante folga entre os dois veículos. O ruído do vento
entrando pela janela aberta ecoava dentro do carro, dando-lhe um sentimento
exuberante de vitória, tão forte que ela sequer cuidou de diminuir a velocidade. Ao
descer a colina, o velocímetro marcava oitenta. De repente Casey ouviu uma pequena
explosão seca, ao mesmo tempo em que a direção quase lhe escapava da mão. Um pneu
furado! Reunindo todas as suas forças, segurou a direção com firmeza, retirou o pé do
acelerador e com toda habilidade manobrou o breque.
A perua finalmente parou no acostamento da estrada. Seus braços e pernas

- 18 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

tremiam de tal maneira que ela mal conseguia se mexer. Apoiou a cabeça no volante,
censurando-se mentalmente por ter abusado da velocidade, e ao mesmo tempo
tentando consolar-se com o pensamento de que felizmente havia um pneu
sobressalente e em boas condições. Logo em seguida a porta foi aberta com todo
ímpeto e ela deparou-se com dois olhos cinzentos que exprimiam uma cólera como ela
jamais vira igual. Por um breve momento recordou-se das nuvens sombrias,
prenunciadores de chuva, que de vez em quando cobriam o céu de Sand Hills.
— Sua louca, sua idiota! O que é que pretendia, andando em tamanha
velocidade? Por acaso estava tentando se matar? Essas mulheres, que guiam com tal
imprudência, são uma ameaça para qualquer pessoa que esteja na estrada!
— Muito obrigada — retrucou Casey, sentindo que seu temperamento rebelde
reagia contra aquele desconhecido insolente. — Não, não me machuquei. Foi muita
bondade de sua parte perguntar.
— Habitualmente quem se machuca está no outro carro — replicou o homem,
sem tomar conhecimento de seu comentário sarcástico. — Onde está o macaco?
— Sou perfeitamente capaz de trocar meu pneu — respondeu Casey, saindo da
perua e abrindo o porta-malas para retirar o macaco. Com a ferramenta na mão,
lançou-lhe um olhar desdenhoso em retribuição à sua expressão divertida e arrogante,
que demonstrava claramente sua descrença de que a jovem conseguiria trocar o pneu
sem o seu auxílio.
Casey não tentou disfarçar o seu enfado ao ouvir o ruído dos passos do
estranho que a seguia. Levou apenas alguns segundos para acionar o macaco e
suspender a frente da perua. Começou a desatarraxar as porcas, mantendo com a
outra mão o pneu furado no lugar. A primeira porca cedeu imediatamente, mas a
segunda engripou. Casey podia sentir os olhos do desconhecido, que a contemplavam.
Sem querer, ficou ruborizada enquanto golpeava a porca para que ela afrouxasse. A
palma de sua mão ficou toda dolorida, mas a porca permaneceu na mesma posição.
Antes que pudesse detê-lo, ele a empurrou de lado.
— Deixe que eu faço! — ela protestou, zangada.
— Bem vejo — ele respondeu, enquanto manobrava com habilidade a chave
inglesa e desatarraxava a porca. — Se quiser ser útil, traga o pneu de reserva.
Casey contraiu as mãos, tomada de raiva, e foi à procura do pneu. O tom
autoritário dele fazia seu sangue ferver. Quando ela voltou, ele já tinha removido o
pneu furado e então, com muita perícia, colocou o pneu novo no lugar. Pela primeira vez
Casey teve a oportunidade de estudar o homem que se dispusera a ajudá-la muito
contra sua vontade.
O chapéu de cowboy estava puxado para trás, revelando seus cabelos
castanhos, onde havia um ou outro reflexo avermelhado. Seu perfil era bem delineado
e másculo; a testa ampla, o nariz reto, o rosto largo e o queixo bem moldado davam-lhe
uma aparência de força e virilidade. Suas sobrancelhas eram escuras como seu cabelo
e a esquerda parecia estar perpetuamente arqueada, em sinal de zombaria. Seus olhos
eram de um cinza tão escuro que pareciam negros, quando a sombra incidia sobre eles.
Sua pele era muito queimada, resultado de uma longa exposição ao sol, contrastando

- 19 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

notavelmente com a camisa que ele usava. Casey notou que ele era muito alto e esguio
estudando suas pernas compridas, sob os jeans apertados, e a musculatura de suas
costas. *
— Pronto. — Ele levantou-se, retirou o macaco, desmontou-o e o devolveu.
Sorria ligeiramente e as covinhas que se formaram em seu rosto teriam atraído
qualquer outra pessoa, porém Casey achou que elas reforçavam a expressão
zombeteira de seu olhar.
Observou-o enquanto colocava o pneu furado no porta-malas da perua e
guardava o macaco.
— Não há de quê — disse ironicamente, ao notar que Casey não agradecia à
ajuda que ele lhe prestara.
— Não pedi seu auxílio — ela retrucou.
— Pois então me enganei. — Irônico, levou a mão ao chapéu, em sinal de
respeito. — Juro que não acontecerá de novo. Guie um pouco mais devagar. Da próxima
vez talvez não tenha tanta sorte.
Casey entrou rapidamente na perua, preocupada em afastar-se dali com toda
rapidez. Ao se olhar no espelho lateral, notou sua expresso de desagrado, acelerou e
pôs o carro em movimento. Ninguém tinha o direito de lhe dizer como deveria guiar um
carro!

CAPITULO III
Após ter colocado uma certa distância entre ela e a perua, Casey diminuiu um
pouco a velocidade. Por nada deste mundo teria confessando para aquele cowboy
enfurecido que o incidente a deixara um pouco assustada. Tinha a impressão de que o
mundo inteiro estava contra ela, só porque era mulher. Por que isso acontecia? Ele
tinha até mesmo soltado um comentário pouco lisonjeiro, relativo à estupidez das
mulheres. Não era de admirar que o movimento de liberação da mulher se fortalecesse
dia a dia!
A velocidade da perua, quando entrou finalmente no atalho que conduzia à sede
do rancho, era consideravelmente menor do que na ida. Casey encaminhou-se para a
bomba de gasolina do rancho, a fim de encher o tanque, quase no final da reserva. Viu
Sam dentro do cercado e suas mãos habilidosas tentavam acalmar um potrinho que ele
havia começado a amansar. Sua mãe com toda certeza já tinha acabado de arrumar o
antigo escritório do pai, pronto para receber o sr. Flint McCallister. Assim que encheu
o tanque, Casey levou o carro para a sombra de uma grande árvore no quintal e
estacionou-o. Shep apareceu, vindo não se sabia de onde, e acolheu-a com o
entusiasmo de sempre.
Casey mal acabara de pôr o pé na varanda quando ouviu o barulho de um outro
carro que se aproximava. Durante alguns momentos uma nuvem de poeira o precedeu,
ocultando-o. O ouvido aguçado de Shep não conseguia reconhecer o barulho do motor e
portanto não o identificava com qualquer outro veículo que já tivesse vindo ao rancho.
O pêlo comprido de seu dorso eriçou-se e ele avançou corajosamente, a fim de
enfrentar o intruso que se aproximava.

- 20 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

Casey pôs as mãos na cintura, num gesto que denotava raiva e enfado, ao
reconhecer a perua e seu reboque. Seus lábios comprimiram-se, tensos. A perua
brecou diante da casa e o desconhecido que a ajudara a trocar o pneu saltou,
imperturbável diante dos latidos ferozes de Shep.
— Você não tinha a menor necessidade de me seguir — observou Casey, com
sarcasmo. — Fui perfeitamente capaz de regressar sem a sua colaboração.
— É aqui o rancho dos Gilmore, não é mesmo? — Sua voz de barítono, bem
modulada, encerrava um tom de comando.
— É, sim. Mas se está procurando emprego, pode voltar para a perua e ir
embora, pois não estamos contratando ninguém — retrucou Casey, com rispidez. — E
mesmo que estivéssemos, não haveríamos de querer cowboys de fita de cinema.
Seus olhares se cruzaram, lançando um desafio mudo, enquanto Shep rosnava
ameaçadoramente para o desconhecido. O rancor transparecia naqueles olhos
cinzentos, mas Casey ficou surpreendida ao perceber neles um brilho divertido, como
se ela fosse uma gata tentando impedir um leopardo de penetrar em seus domínios.
Aquele homem não passava de um reles intruso, pensou Casey, sem tentar disfarçar o
desprezo que sentia.
— Será que ouvi um carro se aproximar? — perguntou a mãe, e logo em seguida
a porta da entrada abriu-se de par em par. Antes que Casey pudesse responder,
Lucille Gilmore viu o estranho diante do cão que continuava rosnando. Juntou as mãos,
em um gesto que denotava preocupação, repreendeu o cão e lançou um olhar de cen-
sura a sua filha. O desconhecido tirou educadamente seu chapéu de cowboy , revelando
novamente sua cabeleira castanha, que de vez em quando refletia o fogo do sol.
- Sra. Gilmore? — Deu um passo adiante.
- Sim, sou eu mesma. Deseja alguma coisa? — A voz melódica de sua mãe
revelava as disposições acolhedoras que nela eram tão comuns.
- Meu nome é McCallister, Flint McCallister.
A revelação surpreendeu a ambas. Era no entanto a reação de Casey que ele
estava observando. Ela tirou as mãos da cintura e seus ombros arrearam, num gesto
que revelava quanto fora pega desprevenida. Seu espanto diante do que via era óbvio.
Estávamos contando que chegasse no meio da semana — disse a mãe, enquanto
Casey continuou fitando o forasteiro, que não tinha a menor semelhança com o Flint
McCallister de sua imaginação.
— Espero que não tenha lhe causado nenhum inconveniente.
— Absolutamente. Acabo de tirar o pão do forno e a água do café está no
fogo. Não quer entrar? — Lucille Gilmore sorriu.
— Primeiro gostaria de cuidar de meu cavalo. — Fez um gesto, apontando para
o reboque. — Depois disso aceito sim, com muito gosto.
— Minha filha, Cassandra, vai lhe mostrar onde pode acomodá-lo — disse a
mãe, para grande irritação de Casey. Primeiro porque a sra. Gilmore tinha usado seu
nome, que ela tanto detestava; segundo porque Casey não estava nem um pouco
interessada em mostrar para aquele homem qualquer coisa que dissesse respeito ao
rancho. Ela, entretanto, não estava em posição de discordar.

- 21 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

Seu olhar rebelde enfrentou o olhar divertido de Flint por um breve instante,
antes que ela caminhasse em sua direção. O som da porta que se fechava indicou que a
mãe tinha entrado em casa. Permaneceu de olhos baixos enquanto se dirigia para o
reboque, seguindo Flint McCallister. Toda a agressividade que sentira por aquele
homem mesmo antes de conhecê-lo e pelo forasteiro que a auxiliara com tanta
arrogância fundiram-se em um único bloco. Os olhos de Casey pareciam desprender
fagulhas de ódio, enquanto ele retirava o cavalo do reboque.
Em qualquer outra circunstância Casey teria ficado apaixonada pelo cavalo. Era
um alazão negro, de um negro quase azulado, com o dorso percorrido por uma estria
branca, formando um contraste belíssimo. A única coisa que conseguiu pensar foi que
um cavalo como aquele não estava ao alcance de qualquer bolso. Achou que um homem
como McCallister só poderia mesmo ter escolhido uma montaria daquelas para chamar
a atenção sobre si mesmo.
— Imagino que há de querer instalá-lo na cocheira — foram as únicas palavras
que ela conseguiu pronunciar em voz alta. — Os cavalos aqui do rancho ficam dentro de
um cercado e se abrigam sob um telheiro.
— Ele é um garanhão. Prefiro que fique separado — replicou Flint McCallister.
—: A cocheira é desnecessária.
— Sam, nosso empregado, poderá acomodá-lo. — Fez um gesto em direção ao
paiol. — Ele passou a manhã amansando alguns potros.
O alazão seguiu-os documente enquanto caminhavam para a edificação. Sam
estava apoiado de encontro a uma das paredes, com um cigarro de palha no canto da
boca, enquanto falava baixinho com um dos potros. Casey não gostava de interromper
aquelas sessões íntimas, durante as quais as orelhas dos potros ficavam em pé, ouvindo
com muita atenção cada palavra que era dita por Sam. Não havia necessidade de avisar
que estavam do outro lado do cercado, pois Sam já sabia. Ela olhou de soslaio para
Flint, quase esperando que ele demonstrasse impaciência. Isto não aconteceu,
entretanto. Contemplava a cena com a mesma atenção que ela, enquanto o velho
cowboy executava aquele ato de pura magia com o potrinho. Finalmente Sam
endireitou-se e conduziu o animal em direção ao portão do pasto. Deu-lhe uma palmada
na anca e o potro saiu galopando pelos campos abertos.
No momento em que Sam os encarou, Casey examinou seu rosto detidamente,
ansiosa por ver como ele reagiria ao novo patrão. Qualquer pensamento que lhe tivesse
ocorrido, enquanto estendia a mão, após Casey tê-los apresentado, permaneceu oculto
por detrás de seu rosto sem idade. O diálogo entre ambos foi breve e Sam afastou-se,
levando o alazão. Casey pisou o chão com raiva, voltando-se em direção à casa.
Esperava livrar-se da companhia de McCallister, empurrando-o para Sam. Tinha
certeza de que ele não permitiria que Sam cuidasse de seu precioso cavalo sem estar
por perto, olhando. Flint, no entanto, regressou com ela para a sede.
— Vi seu pai esta manhã. Conversamos sobre diversos assuntos e ficaria muito
grato se você me ajudasse nestas próximas semanas, Cassandra.
Casey lançou-lhe um olhar carregado de hostilidade. O que deveria falar?
Atirar-se a seus pés por ele ter lhe dado um pedacinho de açúcar quando o torrão

- 22 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

inteiro deveria ser dela?


-- É muita bondade de sua parte dizer uma coisa destas. — Seu rosto assumiu
uma expressão irônica. — Especialmente por se tratar de uma mulher. — Não fez caso
de sua reação de surpresa e continuou: — Diga, por favor, à minha mãe que fui até
Harrison a fim de consertar o pneu. Almoçarei lá.
Casey afastou-se abruptamente. Que os outros lhe dessem as boas-vindas,
pensou com amargura. Ela é que não iria fazê-lo; não estava disposta a dizer o que não
sentia. Ele era um intruso, sua presença não era nem desejada e nem apreciada.
Ao guiar o carro em direção ao atalho, viu que ele a fitava. Conseguia perceber,
pela sua postura, quanto Flint McCallister ficara enraivecido com sua rudeza. Mesmo
assim sua cabeça pendia ligeiramente para o lado, como se ele estivesse se divertindo
com alguma coisa.
Ao voltar da cidade Casey encontrou Smith, que se dirigia para seu rancho. Ele
buzinou e fez um sinal, apontando para a traseira de sua perua. Ela olhou de relance e
viu um motor acomodado no bagageiro. Smith tinha consertado a bomba do poço
número dez. Casey acenou para que ele a seguisse e tomou a estradinha que ia dar no
poço.
— Que cara tão enfezada é essa? — perguntou Smith, enquanto tirava o motor
da perua e o colocava em sua primitiva posição.
— "Ele" chegou — disse Casey, muito séria.
— McCallister? Flint McCallister? — Fez uma pausa e pôs-se a contemplá-la. —
Agora que você conheceu o grande homem, o que acha dele?
— Ele não é grande — ela replicou. — É apenas alto. — Deu-lhe as costas
impetuosamente e encostou-se no pára-lama da perua. — Oh, Smith, ele é pior do que
eu imaginava!
Com muito jeito Smith fez com que ela explicasse o que estava sentindo.
Enquanto contava o que sucedera na estrada, ele manteve uma calma exterior e
continuou a ajustar o motor. Sentiu que sua voz tremia diante da impotência de seu
ódio por Flint McCallister. Smith sabia quanto Casey detestava que a olhassem, quando
ela sucumbia diante do lado mais feminino de sua natureza, encarando-o como uma
forma de covardia.
— Foi horrível! — ela concluiu, exaltada. — Ele me tratou como se eu fosse
alguma mulher desmiolada, sem um mínimo de sensatez. Você pode imaginar o que ele
pensa de uma mulher dirigindo um rancho! Pude muito bem perceber o déspota que ele
é, quando pediu minha ajuda no tom mais condescendente possível!
— Como é que você sabe que ele se sentiu assim? —- perguntou Smith
acusadoramente, vindo para perto dela. — Por que não consegue aceitar o fato de que
esse homem quer sua ajuda? Até parece que você tem um complexo de inferioridade
bem paranóico!
— Não tenho coisa nenhuma!
— Então por que toma qualquer observação como um ataque pessoal a seu
sexo? — Smith sorriu, tentando suavizar suas palavras.
— Não é verdade! Como é que fomos chegar a esta situação? É porque não sou

- 23 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

homem! — Casey tremia de raiva. — Foi por isso que papai teve de contratar alguém de
fora para vir para cá. E fez isso para agradar àqueles machos chovinistas que acham
que uma mulher é incapaz de tomar conta de um rancho! E este... este sujeito
concorda com eles. Garanto.
— Você é tão liberal quanto uma beata. — Smitty sacudiu a cabeça,
contrariado. — Leve-me até lá e apresente-me àquele tirano que se apoderou de seu
rancho.
— Com prazer!
Casey, porém, não teve a oportunidade de fazê-lo. Quando voltavam ao rancho,
a sra. Gilmore informou Casey, um tanto bruscamente, que o sr. McCallister estava
percorrendo a propriedade, sozinho.
— Cabia a você acompanhá-lo, Casey — disse-lhe a mãe, em tom de repreensão.
Apesar do brilho de rebeldia em seus olhos, Casey baixou-os, como se sentisse
culpada. A reprovação de sua mãe punha a nu seu comportamento infantil. Apesar de
Casey detestar reconhecer que errara, ainda assim conseguiu murmurar uma desculpa.
— Você não precisa se desculpar perante mim — disse a sra. Oilmore —, e sim
perante o sr. McCallister.
— A que horas ele vai voltar? — perguntou Casey, mal-humorada.
— Eu lhe disse que o jantar será servido às seis.
— Não vou poder ficar esperando — comentou Smith. — Talvez volte hoje à
noite para conhecer o novo patrão de Casey. — Sorriu provocadoramente para Casey,
que em resposta franziu o nariz. — Você me acompanha até a perua?
— Como é o jeito dele? — perguntou Mark, postado ao lado do estábulo, onde
Casey estava ordenhando sua vaca, Maisy.
— Ah, sei lá. É alto, talvez um metro e noventa, noventa e dois; é mais alto do
que Johnny. — Tentou dominar a irritação que as perguntas do irmão lhe provocavam.
— Tem boa aparência, mas é um tanto irônico e presunçoso. Mas que importância tem
tudo isto? Mark ignorou esta última observação.
— Que idade ele tem?
— Como é que eu posso saber? Não vi sua certidão de nascimento. '
— Ah, deixe disso. Não consegue nem adivinhar? \
— Acho que uns trinta e poucos. — Casey deu uma palmada na anca da vaca
enquanto retirava o balde e punha-se de pé.
— Ele parece ser um cara bem interessante — disse Mark, sorrindo ao notar a
expressão do rosto de sua irmã, quando ela lhe entregou o balde.
— Puxa vida, Mark, até parece que para você ele é o Paul Newman! Ele é apenas
o filho arrogante e convencido de um fazendeiro rico, que está desempenhando o papel
de um cowboy! — retrucou Casey. O som de um veículo que se aproximava foi
acompanhado pelo latido frenético de Shep. — Provavelmente é o grande homem que
está chegando.
Mark encaminhou-se para a porta, diminuindo o passo quando Casey lhe
recomendou que não derramasse o leite. Ela foi para a cocheira e ficou lá tanto quanto
pôde, brincando com os cavalos, que Mark já havia tratado, até que finalmente dirigiu-

- 24 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

se para casa. Já eram quase seis horas. E quando sua mãe dizia que o jantar seria
servido às seis, a coisa era infalível. Seu atraso tinha evidentemente funcionado, pois
quando Casey finalmente entrou na cozinha não havia o menor sinal de Flint
McCallister. Ela pôs-se a trabalhar rapidamente, lavando as mãos antes de ajudar a
mãe a colocar os pratos quentes na mesa. Alguns segundos mais tarde Mark entrou na
sala, seguido diretamente por Flint McCallister.
Casey dominou-se a todo custo para não olhar em sua direção. Sentia
interiormente ressentimento, frustração e autopiedade, em luta uns contra os outros.
No entanto, todos os seus sentidos estavam ligados em sua presença. Sentia o cheiro
do sabonete misturado com o da loção de barbear e, com o canto do olho, via sua
camisa de uma alvura imaculada, contrastando com seus cabelos escuros, ainda mo-
lhados. Ouviu o ranger da cadeira enquanto ele se sentava e o timbre de sua voz, claro
e melodioso, respondendo com paciência e interesse às perguntas de Mark.
Quando todos os pratos estavam postos na mesa, Casey não teve outra
alternativa senão sentar-se. A única cadeira vaga estava à direita de Flint. Conseguiu
esboçar um sorriso polido dirigido a ele, sabendo muito bem que a falsidade
transparecia em seu olhar. Seus olhos acinzentados perceberam o que estava se
passando e ele retribuiu o sorriso com uma certa condescendência. Casey levantou o
queixo agressivamente enquanto lhe passava o prato de batatas. Tinha certeza de que
seu silêncio não passara despercebido a quem quer que fosse, mas as perguntas de
Mark eram intermináveis, preenchendo o vazio que ela criara.
— Fala-nos sobre a Austrália? — pediu Mark, enchendo seu prato de batatas, a
despeito do olhar reprovador de sua mãe. — Como é que são os ranchos por lá?
— Os dois ranchos que visitei eram no centro da Austrália — respondeu Flint,
demonstrando muita simpatia. — A terra lá é árida e plana, com muito pouca
vegetação. O trabalho não é muito diferente do que se faz por aqui. A questão era
principalmente acostumar-se com os termos diferentes que eles usam. Os ranchos lá
são denominados "paragens". Os rodeios recebem o nome de "ajuntamentos" e por
causa da diferença de estações são feitos na primavera e não no outono. A diferença
principal é que eles não alimentam o gado, como fazemos, com milho e outros cereais.
Em conseqüência, quando você come um bife, a carne não é tão tenra, como nos
Estados Unidos, apesar de ter ótimo sabor.
— Você viu muitos cangurus?
Casey olhou para Flint, desafiando-o abertamente a continuar
monopolizando a conversa com o relato de suas proezas. Seu rosto ficou
manifestadamente tenso, enquanto ele se voltava para Mark com uma expressão
indulgente, à qual não faltava uma certa gentileza, como ela se viu forçada a admitir.
— Vi, sim, um bocado, mas lá eles são considerados uma praga. Vi também
porcos e perus selvagens. Os porcos eram gordos e dariam um belo churrasco, mas
Benedict, o dono da paragem, garantiu-me que eram infestados de doenças. — Mark
acompanhava tudo aquilo com o maior interesse e Flint prosseguiu: — O animal mais
indesejável que existe é o dingo.
- É uma espécie de cachorro selvagem, não é mesmo? — interrompeu Mark,

- 25 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

desejoso de mostrar seus conhecimentos, por mais incipientes que fossem.


— Eles cruzam com cachorros domésticos, e as crias são incrivelmente
inteligentes e difíceis de se pegar. Só andam em matilhas, percorrem áreas extensas
e atacam bezerros e animais mais fracos. São comparáveis ao coiote, quanto aos
prejuízos que provocam, apesar de que um dingo é muito mais valente quando atacado.
O tempo voava enquanto Flint McCallister continuava a relatar os
acontecimentos ocorridos durante o ano que passara na Austrália. A despeito de si
mesma, Casey descobriu que estava tão interessada quanto sua mãe e seu irmão.
Durante o curto espaço de tempo que levou para jantar, aprendeu mais sobre a
Austrália do que nas aulas de geografia do ginásio. Manteve, porém, uma expressão um
tanto forçada de desinteresse.
— Sra. Gilmore — disse Flint, sorvendo as últimas gotas de café — o jantar
estava uma delícia.
— Esta família só funciona quando é chamada pelo primeiro nome, sr.
McCallister — disse Lucille Gilmore, com um sorriso acolhedor. — Meu nome é Lucille.
— Então deixe de lado o sr. McCallister e chame-me de Flint. — Casey viu seu
rosto transformar-se: em lugar daquela segurança um tanto irônica, ele demonstrava
agora sua perturbadora simpatia. — Esta é a minha primeira noite aqui e
provavelmente não terei muitas noites livres, devido à contabilidade. Gostaria de
demonstrar quanto apreciei o jantar, ajudando a lavar a louça.
— Eu me encarrego disto para minha mãe — disse Casey, interrompendo o
silêncio que se instalara.
— Mas fica bufando de raiva o tempo todo-----comentou Mark, rindo.
A observação era verdadeira, mas Casey insistira em assumir aquela tarefa
detestável para compensar o fato de que não ajudava em outras tarefas domésticas.
— Neste caso ela provavelmente ficará contente em receber uma ajuda. —
Seus olhares se cruzaram e Casey conseguiu perceber quanto ele a desafiava naquele
momento.
Estava a ponto de recusar sua cooperação, mas o quadro dele diante de uma
pia repleta de pratos era por demais tentador. Quando pensou em vê-lo com um dos
aventais de sua mãe amarrado em torno da cintura não pôde impedir de sorrir
ironicamente, e aceitou sua oferta com ar zombeteiro.
Puseram-se a trabalhar em silêncio. Flint preferiu lavar os pratos, pois Casey
sabia onde guardá-los, uma vez secos. Curiosamente Flint não parecia tão deslocado
assim diante da pia. Parecia adivinhar o desejo de Casey, de colocar uma certa
distância entre ambos.
— Notei que a plantação de milho lá da divisa já está no ponto de ser cortada
— ele disse, quebrando finalmente o silêncio.
— Sim, no começo da próxima semana — concordou Casey com brusquidão,
detestando ter de concordar com ele. — O milho amadureceu mais cedo este ano; no
ano passado o corte foi feito na segunda semana de junho.
— O avião aqui do rancho não teve sua licença renovada este ano. Gostaria de
ter uma vista aérea do lugar para ter uma idéia melhor de como ele se apresenta. —

- 26 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

Casey sentiu que seu olhar pousava nela durante um minuto. — Seria possível
emprestar um avião da vizinhança?
— Tenho certeza de que os Smith me emprestariam o deles. Não sei,
entretanto, como se sentiriam, em se tratando de um estranho. — Gostou de poder
ter dado uma agulhada, mesmo que ela não peneirasse em sua pele rija.
— Não tinha a intenção de pilotá-lo. Sua mãe disse que você se sentia tão à
vontade pilotando um avião quanto montada em uma sela. — Seus olhos cinzentos
enfrentaram o olhar espantado de Casey, com um leve indício do quanto ele estava se
divertindo. — Naturalmente poderei estudar melhor o rancho se não estiver no
comando do avião.
— Entendo. — Percebeu que estaria muito próxima àquele homem durante duas
ou três horas. Com crescente irritação, sentiu que a inspeção do rancho seria muito
minuciosa. — Para quando quer que eu providencie o avião?
— Para amanhã.
Casey interrompeu o gesto de mergulhar a caçarola na água com detergente.
Ele não parecia disposto a lhe dar uma oportunidade de se acostumar com a idéia.
— Vou perguntar aos Smith se o avião vai estar livre. Quem sabe eles têm
algum vôo programado.
— É possível — concordou Flint, mas Casey quase podia adivinhar a expressão
de zombaria estampada em seu rosto.
Ela tinha procurado ganhar tempo e sabia muito bem que ele tinha se
apercebido do fato. Casey pôs-se na ponta dos pés e estendeu os braços em direção à
terceira prateleira do armário, em cima da pia. Segurando um prato com uma das
mãos, tentou empurrar algumas jarras com a outra. Algumas tampas de plástico
caíram-lhe sobre a cabeça, pois as jarras tinham ficado muito próximas uma das
outras e ameaçavam despencar. Casey apoiou-se contra a pia e percebeu com muita
raiva que a barra de sua blusa estava ficando ensopada de água. Procurava um jeito de
pousar o prato e impedir as jarras de caírem e nesse momento notou a reação de Flint
à sua aflição. Sua altura permitia-lhe alcançar facilmente a terceira prateleira, mas
para fazê-lo ele teve de encostar-se em Casey. Seu corpo musculoso, quase colado ao
dela, provocou-lhe uma tensão incrível, enquanto ela tentava controlar o tremor
que a invadiu. Ouviu-se o barulho de uma porta que batia e o grito alegre de Mark.
— Olá, Smith! Tinha um palpite de que você viria hoje à noite. — A voz de Mark
ressoava na cozinha. — O novo administrador vai lhe dar muito trabalho! Está na
cozinha ajudando Casey a lavar os pratos!
As jarras e o prato tinham sido acomodados na prateleira. Casey ficou rubra
da cabeça aos pés. Flint olhou-a intrigado e recuou. Por um momento ela sentiu
vontade de sair correndo até a varanda e estrangular seu irmão indiscreto.
— Pelo que vejo, seu namorado chegou — comentou Flint, voltando-se para a
pia, onde o esperava uma última panela.
— É. . . é o Smith — Casey disse, tentando manter uma certa compostura,
perturbada por tamanha virilidade. — É o nosso vizinho mais próximo.
— É ele quem vai nos emprestar o avião?

- 27 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

— Sim.
— Muito bem. Agora mesmo poderemos saber se ele está disponível.
Casey dispendeu um esforço enorme para monopolizar Smith e a conversa,
enquanto a noite se desenrolava. Falava de propósito sobre pessoas e lugares que só
eles conheciam, deixando Flint McCallister de lado. Smith, no entanto, mostrava-se
desentendido ou teimoso, pois voltava toda hora a falar de ranchos. Casey ficou em
silêncio, amuada, enquanto eles discutiam inseminação artificial, irrigação, sementes e
os efeitos do clima. Flint não lhe deu oportunidade de pedir permissão a Smith de usar
seu avião. Bastou que Flint lhe dirigisse uma breve e polida solicitação para que Smith
concordasse imediatamente, quase em êxtase. Mais tarde, quando Casey e Smith
foram deixados a sós pelo discreto sr. McCallister, ela o interpelou, com ironia:
— O modo como você agiu, quando lhe disse que poderia usar o avião quando
quisesse, deixou-me envergonhada — afirmou Casey. — Quase podia ver você
colocando uma placa naquela cadeira, com os dizeres: "Flint McCallister sentou-se aqui
um dia".
— Oh, Casey — replicou Smitty, exasperado —, por que você insiste em fazer
uma tempestade em um copo d'água? Nosso avião está à disposição de vocês desde
que o seu ficou com defeito. McCallister pelo visto não sabia disso, pois você
obviamente não lhe contou. Eu apenas disse a ele que o assistiria em tudo.
Casey suspirou fundo ao ouvir o comentário de Smith. Era evidente que ela
estava sozinha em sua aversão a Flint McCallister. Em um só dia tinha visto a adesão
de seu irmão mais novo. Tinha certeza de que sua mãe se rendeu aos encantos de sua
bela aparência, e agora Smith tinha aderido à corte de admiradores.
Nuvens brancas como algodão flutuavam ao redor do Cessna e Casey olhava de
relance o homem sentado a seu lado, no banco de passageiros. Imediatamente cruzou
com dois olhos cinzentos, que a observavam cada vez mais ensimesmada à medida em
que seus pensamentos se tornavam mais e mais deprimentes. Já estavam voando há
mais de uma hora.
— O que mais você quer ver? — ela perguntou, recusando-se a ficar desarmada
pelo fato dele não tirar os olhos dela.
— Vamos sobrevoar mais uma vez aquele pasto ao sul do rancho, mas desta vez
voe um pouco mais devagar.
Casey fez um sinal com a cabeça, concordando, e muito habilmente manobrou o
avião, baixando a mais ou menos uns quinhentos metros do nível do solo. Voar era uma
de suas paixões. Sentia-se contente ao ver que o avião correspondia ao menor de seus
gestos, prontamente quanto um cavalo bem treinado. Além do mais, vinha-lhe a
sensação de sentir-se desligada do mundo. Em um avião havia uma serenidade que não
se encontrava em terra firme.
— Você é excelente piloto — disse-lhe Flint.
— Eu sei — respondeu Casey calmamente, sem demonstrar a menor presunção.
— Seu pai disse-me que você é quase indispensável. E ele não me parece ser o
tipo de homem que diria uma coisa dessas se não acreditasse nela.
— Não, acho que não — concordou Casey, sentindo-se orgulhosa com o elogio

- 28 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

dispensado por seu pai. — Ali está a colina — apontou. — O pasto fica logo depois.
— Tive a impressão de que ele achava que você poderia dirigir o rancho com
muita eficiência — prosseguiu Flint, olhando a paisagem que se estendia a perder de
vista.
— Poderia, sim. — Havia um certo ar de desafio no modo como ela erguia o
queixo e enfrentava seu olhar. — Pensei que você quisesse inspecionar o rancho.
— Em parte.
— E qual é a outra parte? — ela insistiu.
— Queria conhecê-la melhor, Cassandra. — O tom de sua voz era displicente,
mas havia uma seriedade em sua expressão que dizia a Casey que ela era o principal
objeto da viagem. — Tive a impressão de que se eu tivesse tentado provocar um
encontro no rancho você teria conseguido escapar, exatamente como fez ontem. — Ele
examinou com o olhar o interior do aeroplano. — Você tem de reconhecer que
dificilmente conseguiria afastar-se de mim aqui dentro.
Os lábios de Casey se comprimiram.
— Vamos deixar as coisas muito bem esclarecidas, sr. McCallister. Eu não o
queria aqui no rancho. A idéia não foi minha, nem de meu pai. Se está aqui é porque o
banco queria um homem à frente dos negócios. — Ela enfatizou bem a palavra
"homem". — Para ser honesta, não gostava muito de você antes de conhecê-lo, e agora
que o conheci. ...
— Ainda não gosta — ele terminou por ela. — Seu modo de agir tornou seus
sentimentos perfeitamente claros. Porém, estou aqui. E, como dizem em tempo de
guerra, aqui ficarei enquanto a coisa durar.
— Que falta de sorte para ambos!
— Se esta vai ser sua atitude, vamos passar um mês e meio dos mais difíceis.
— Flint encarou-a com ar de interrogação. — Ou então você aceita o fato de que eu
estou substituindo temporariamente seu pai.
Você não chega aos pés dele, pensou Casey com amargura.
— A decisão é sua, Cassandra. Você pode me tratar como um estranho ou como
um rancheiro, como são seus vizinhos, os Smith. Qualquer que seja a escolha, gostaria
de lembrar-lhe o velho provérbio indígena: "Não julgue um homem enquanto você não
tiver andado dez quilômetros usando seus mocassins".
Suas mãos apertaram a direção enquanto ela se rebelava interiormente com
aquele jeito arrogante dele de filosofar. Havia um lado dela que até podia reconhecer
quanto havia de verdade em suas afirmativas, mas havia um outro lado — e este
preponderava — que não queria entabular qualquer tipo de conversa com ele.
— Como você mesmo diz, ambos teremos de tirar o melhor partido de uma
situação negativa — ela disse, sorrindo ligeiramente. — Podemos voltar para o rancho?
Flint concordou e seu olhar arguto não deixou de notar o ódio estampado no
olhar de Casey.
— Mais uma coisa — acrescentou ela. — De agora em diante, pode me chamar
de "Hei, você aí" ou Casey, mas nunca mais me trate por Cassandra. Odeio este nome!
O médico lhes garantiu que John Gilmore se recuperava muito bem. Casey teve

- 29 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

de reconhecer que ele estava com ânimo excelente. No domingo Flint ofereceu-se para
levar Casey, sua mãe e Mark até Scottsbluff. Se a sra. Gilmore não fizesse objeções,
iria até Ogallula visitar seus pais e pegaria os Gilmore naquela mesma tarde, após o
horário de visita no hospital. A mãe concordou prontamente com o plano.
Havia um pouco mais de cor no rosto de seu pai, notou Casey, no momento em
que entraram no quarto. Seus olhos escuros brilhavam enquanto ele tomava a mão de
sua mulher e a fazia curvar-se a fim ele beijá-la ligeiramente nos lábios. Disseram um
para o outro: "Senti sua falta", e isto deixou Casey enternecida. O que não a impediu,
aliás, de olhar de soslaio para Flint McCallister, para ver se ele tinha percebido
aquelas palavras. Ele os acompanhara até o quarto por mera cortesia e também para
ver John Gilmore.
A solenidade de sua expressão deu a Casey a certeza de que ele tinha ouvido.
Mesmo a contragosto, tinha de lhe ser grata pelo fato de que Flint lhes fizera
companhia, embora estivesse ansioso para cumprimentar John Gilmore e sair logo
em seguida para visitar seus pais.
— O senhor está com aspecto muito melhor, sr. Gilmore. — Flint apertou com
firmeza a mão que lhe era estendida.
Casey não apreciou que ele se dirigisse a seu pai com tamanho respeito. Teria
preferido que Flint adotasse uma atitude de superioridade, que, nesse caso, teria
merecido de seu pai um olhar reprovâdor.
— Estou me sentindo muito melhor — ele comentou.— E o meu nome é John,
Flint. I
— Estou indo visitar meus pais — disse Flint sorrindo, depois de ter feito um
sinal com a cabeça, expressando sua aceitação de um relacionamento mais familiar
entre ambos. — Queria que você soubesse que vai indo tudo muito bem no rancho, com
exceção de algumas caras tristes provocadas por sua ausência. I
Seu olhar pousou sobre toda a família e funcionou como uma explicação
suplementar, embora Casey sentisse que seus olhos se detivessem nela mais tempo.
Recusou-se entretanto a sentir-se culpada.
— Muito obrigado por sua visita. Sei que você deve estar ansioso para
prosseguir viagem. — John Gilmore deu um largo sorriso. — Não vou reter você com
perguntas intermináveis. Deixarei para fazê-las a Casey. — O pai piscou para ela.
Casey sentiu dificuldade em enfrentar o olhar de Flint, que expressava a
dúvida que ele sentia de que ela pudesse ser capaz de lhe fazer um relato objetivo.
Flint partiu, dizendo que estaria de volta lá pelas oito da noite. As perguntas
que John Gilmore tinha em mente nem chegaram a ser formuladas, pois assim que Flint
saiu os Smith chegaram.
— Ainda não consegui descobrir por que Casey está usando vestido hoje. — O
pai riu cordialmente enquanto apertava a mão de Smith. — De início achei que era por
minha causa. Em seguida pensei que fosse por causa de McCallister. Agora que você
apareceu, Smith, estou na maior dúvida.
Casey corou ligeiramente, um tanto irritada, enquanto baixava os olhos para o
vestido estampado. Era talhado no estilo da década de quarenta, com decote redondo

- 30 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

e bem amplo, mangas que davam quase pelo cotovelo e uma saia um pouco mais curta do
que o modelo original. O estilo lhe assentava muito bem, mas não a cor predomi nante,
um tanto neutra.
— Usei o vestido para ir à igreja hoje de manhã, papai — esclareceu Casey. —
Você sabe muito bem que o reverendo Carver implica com calças compridas.
— Ah, então é por isso! — O brilho malicioso no olhar do pai deixava-a
entretanto profundamente irritada. Casey ficou furiosa consigo mesma por não ter
conseguido responder com o mesmo bom humor. Mas, mesmo que se tratasse de uma
brincadeira, era insultuoso da parte de seu pai imaginar que ela pudesse ter usado um
vestido para impressionar Flint McCallister. Ela foi a única a levar a sério aquele
comentário feito de passagem e o assunto foi rapidamente esquecido.
John Gilmore era muito conhecido e apreciado na região e recebeu numerosas
visitas durante todo o dia. Havia pessoas entrando e saindo constantemente do quarto,
de modo a não ultrapassar o número de visitas que o paciente podia ver de cada vez. A
única pessoa autorizada a permanecer o tempo todo foi Lucille Gilmore. John Gilmore
ficou segurando sua mão o tempo todo.
No momento em que os Smith começavam a se despedir, no final da tarde,
Johnny Gilmore chegou. Smith imediatamente tirou vantagem da situação e conseguiu
de Casey que fossem para casa a fim de que ele pudesse passar algumas horas na
companhia de Johnny. Os três, Casey, Johnny e Smith acabaram jantando juntos,
rememorando os velhos tempos e comunicando o que havia de novo.
— Fale-me a respeito do novo administrador — insistiu Johnny, quase na
metade do jantar. — Papai falou-me ligeiramente a respeito de suas qualificações.
Como é ele, na realidade?
— Certamente não é o bicho-papão que sua irmã descreveu. — Smith lançou um
olhar de desafio a Casey antes de voltar-se para Johnny. — Flint, na realidade, é uma
pessoa sensacional. Estive lá no rancho muitas vezes durante a semana. Juro por Deus,
Johnny, acho que não há nenhuma técnica nova relativa à administração de um rancho
da qual ele não saiba apontar os prós e os contras. Mas não impinge nem exibe seus
conhecimentos, e age com muita naturalidade. McCallister jamais adota um tom de
superioridade. — Smith fez uma pausa, olhando para Casey com alguma hesitação,
antes de prosseguir. — E ele não é somente um homem de negócios. Dá a impressão de
alguém que tem um traquejo social.
— Ele é bonito? — perguntou Johnny com um sorriso matreiro, olhando
provocadoramente sua irmã.
— Para quem gosta do tipo... — respondeu Casey, em tom propositalmente
enfastiado.
— Não acredite nela — disse Smith, rindo. — É um daqueles tipos esguios e
vigorosos, que parecem ter saído de uma tela de cinema. Com toda certeza seu
caderno de endereços está repleto de nomes de garotas que estão apenas à espera de
que ele lhes faça um sinal.
— Você é nojento! — exclamou Casey, zangada. — Daqui a pouco vai estar se
vangloriando de suas conquistas. Acredito que Flint McCallister não sinta muito

- 31 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

respeito pela reputação de uma mulher, mas vocês dois deveriam ter.
— Que fizemos para merecer tamanha explosão? — Johnny olhou para ela
como se estivesse se divertindo enormemente.
— Não se importe com ela. — Smith sacudiu a cabeça. — Basta mencionar o
nome do sujeito diante de sua irmã e ela perde a cabeça. A primeira vez que Casey o
encontrou estava a toda na estrada e furou o pneu. Ele passou-lhe um pito e desde
então ela não o tolera mais.
— Uma coisa não tem nada a ver com a outra! —- Casey protestou, mas
debilmente, e atirou o guardanapo na mesa. Remexeu na bolsa, tirando finalmente
algumas notas, que passou a Smith. — Vou voltar para ver papai. Aqui está minha parte
do jantar. Vocês dois podem ficar o tempo que quiserem!
Flint chegou pontualmente às oito para levá-los para casa. Não fez o menor
comentário ao ver que Smith ia com eles, dirigindo-lhe apenas um alô enquanto abria a
porta traseira da perua para que Casey, Mark e Smith entrassem. Em seguida
acomodou a sra. Gilmore no assento da frente, a seu lado, antes de sentar-se à
direção. A mãe de Casey imediatamente começou a falar a respeito da visita que ele
tinha feito a seus pais e o tom com que conversavam era suficientemente baixo para
não incluir os ocupantes do banco de trás. O que, de resto, convinha a Casey
perfeitamente.
Ela se sentara perto da janela, atrás de Flint, com Smith no meio e Mark do
outro lado. Smith estava estranhamente silencioso, pensou Casey. Mark tirou o rádio
de pilha do bolso, ligou-o bem baixinho e encostou-se na porta, mantendo o aparelho
bem próximo do ouvido. Ela olhou para fora, contemplando o sol alaranjado que se
punha no horizonte. Sentia-se muito pouco contente e não conseguia saber por quê.
Seus olhos pousaram sobre o homem sentado diante dela e examinaram o cabelo
castanho e encaracolado. Sentiu que Smith passava o braço em torno de seus ombros.
Seu gesto gerou nela uma sensação reconfortante e voltou-se para ele, com um sorriso
iluminando-lhe o rosto.
Meu querido, adorável Smith, pensou Casey, tomando a mão que se apoiava
em seu ombro e levando-o até os lábios, beijando a ponta de seus dedos.
Por algum motivo, acessível somente a seu subconsciente, seu olhar voltou-se
para o espelho retrovisor. Os olhos de Flint, sombrios, lançavam chispas, evidenciando
toda a ira de que ele estava tomado. Ela ficou espantada com a sua violência. Quase
imediatamente sua mãe disse algo indecifrável para Flint e a expressão de seus olhos
desapareceu instantaneamente, enquanto ele se voltava para Lucille. O modo insolente
pelo qual ele desaprovou aquela sua carícia inocente despertou em Casey uma reação
do mesmo nível, fazendo com que se aconchegasse mais a Smith. Alguns minutos mais
tarde, ela olhou de soslaio, com a cabeça apoiada no ombro de Smith. Os olhos de Flint
cruzaram rapidamente com os dela; estavam um pouco mais claros e exprimiam uma
indiferença completa.
O calor dos braços de Smith e a escuridão da noite que caía provocaram em
Casey uma sensação parecida com sono. Somente quando o ritmo constante do
automóvel diminuiu ela se deu conta de onde estava.

- 32 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

— Você já quer ir para casa, Smith? — perguntou Flint, voltando-se.


— Eu. .. darei uma carona para ele lá de casa — disse Casey, bocejando e
endireitando-se.
— Já passam das dez. Precisaremos levantar muito cedo amanhã para começar
a cortar o milharal. — O tom com que ele se exprimia parecia pouco intencional, mas
continha dúvidas suficientes para deixar Casey perturbada.
— Não se preocupe. Já fiquei acordada até bem mais tarde ainda assim
levantei ao nascer do sol. :— Aquela crítica disfarçada tinha despertado Casey
completamente e ela não poupou o sarcasmo.
— Como quiser.
Já tinham entrado no atalho que levava à sede. Dentro de poucos minutos a
perua estacionou no pátio ao lado da casa. Todos se desejaram boa noite rapidamente.
Casey beijou sua mãe, exprimiu seu contentamento por Mark estar em casa e sorriu
muito forçadamente para Flint, acomodando-se no assento até então ocupado por ele.
— Faça com que ela guie com cuidado. — Flint levantou a mão, saudando Smith.
Seu olhar arrogante pousou sobre Casey durante alguns segundos.
Ela estava de volta uns quarenta minutos mais tarde. Excetuando a luz da
varanda, a casa parecia estar às escuras. Casey entrou o mais silenciosamente que
pôde. Do aposento que agora servia de quarto e escritório para Flint escapava uma
réstia de luz. O assoalho rangeu no exato momento em que ela passava diante de sua
porta, que abriu-se imediatamente, mostrando a silhueta de Flint.
— Você não precisava ter esperado por mim. — Estava zangada, mas não foi
por esta razão que seu rosto ficou intensamente ruborizado. Era pela maneira como
ele a estudava, como se os beijos de Smith tivessem ficado imprimidos em seus lábios
com tinta indelével.
— Pois não esperei. — A musculatura de seu rosto se enrijeceu. — Bem,
esperei, sim. Já tive uma amostra de como você dirige. Além do mais, tinha de pôr em
ordem a papelada.
— Sua preocupação é dispensável e vem muito mal, a propósito. Boa noite, sr.
McCallister.
A critica injustificada de Flint deixou-a amargurada e isto transpareceu em
suas palavras.
Flint limitou-se a sacudir a cabeça, evidenciando ressentimento e impaciência,
até que finalmente fechou a porta.

CAPITULO IV
O dia fora surpreendentemente quente, mesmo considerando que já era
começo do verão. Casey quase podia jurar que a temperatura atingira vinte e cinco
graus bem antes do meio-dia. Suspirou profundamente, tentando perceber o que a
deixara mais abatida: o sol queimando sua cabeça durante todo o dia ou a inutilidade
de sua cólera. Consultou o relógio de pulso. Se isto servia de consolo, ainda eram
quatro horas e o que ainda restava de milho já tinha sido cortado. Massageou o
pescoço, rígido com a tensão que se instalara nele nos últimos três dias.

- 33 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

Nos anos anteriores ela apreciara o trabalho de ceifar os campos. No que lhe
dizia respeito, não havia odor mais agradável do que o do mato recém-cortado. Mas
desta vez ela nem sequer tinha notado. Tudo devido àquele despótico Flint
McCallister. Cada ordem que ele dera irritara seus nervos até que eles ficaram tensos
a ponto de quase arrebentar. Em qualquer tarefa que empreendesse sentia seus
olhos que a vigiavam, prontos para detectar qualquer sinal revelador de sua inaptidão
como mulher. Ela, entretanto, demonstrou do que era capaz. Levantava-se antes de
todo mundo, era a última a deixar os campos e seus músculos doloridos estavam lá para
demonstrar seu esforço. Naquele momento não queria saber de mais nada. Suas pernas
galgaram a custo os degraus da varanda.
— Mamãe! — Abriu de par em par a porta da cozinha.
- Estou aqui, meu bem. — Lucille Gilmore saiu de perto do fogão, caminhando
em direção à filha. — Já terminaram? Você parece exausta.
— Quer ajeitar alguma coisa para eu comer? Vou até o lago. — Casey tentou
aparentar despreocupação, mas sua fadiga era visível.
Sua mãe, pensativa, estudou-a por alguns instantes. — Sim, claro que ajeito. —
Com muito tato, indagou: — Você ainda não se reconciliou com Flint, não é mesmo?
Casey olhou culposamente para sua mãe. Os pais não tinham o direito de ler tão
bem os pensamentos dos filhos. Em vez de responder, comunicou que ia até seu quarto
trocar de roupa.
Quando desceu havia um saco de papel sobre a mesa e uma garrafa térmica ao
lado, cheia de limonada. Um sorriso breve aflorou aos lábios de Casey, ao ver quanto
sua mãe era solícita. Saiu correndo para a porta, levando a comida, a bebida e uma
pequena vara de pescar. Seu cavalo já estava selado e à sua espera.
Ao chegar às margens arenosas do lago, Casey deixou Tally pastar com toda
tranqüilidade e começou a instalar-se. As pedras que haviam servido em outras
fogueiras ainda formavam um círculo protetor em torno das cinzas enegrecidas e o
chão estava cheio de galhos secos. Em poucos minutos ela já havia acendido uma
fogueira e sentava-se sobre uma pequena manta, apoiando o queixo nos joelhos, pen-
sativa. Seus olhos estavam inundados de lágrimas, evidenciando a frustração que
sentia.
Casey decidiu que não se deixaria abandonar aquela emoção infantil. Engoliu um
soluço e jurou mais uma vez que Flint McCallister jamais contaria com sua simpatia.
Mas a coisa nào dizia tanto respeito a ele; o problema maior era que ela se sentia
sozinha a enfrentá-lo. Primeiro sua família a tinha abandonado, em seguida Smith e,
por fim, Sam. Como seria possível lutar contra ele sem o apoio de quem quer que
fosse?
Com um gemido de irritação, Casey ouviu o barulho de um cavalo que se
aproximava.
— Se Mark me seguiu até aqui — disse baixinho , ele vai ver só! Faria melhor
se estivesse no encalço de seu herói. Esfregou os olhos rapidamente, a fim de enxugar
as lágrimas.
— Já pescou alguma coisa! — Não era Mark, e sim Flint. Ela sentiu

- 34 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

interiormente uma explosão de ódio, que irrompeu com força vulcânica enquanto se
punha de pé.
— Por que você tem que me seguir onde quer que eu vá? — gritou Casey. —
Deixe-me só!
— Vi a fumaça de sua fogueira. Não tinha a menor idéia de que você estava
aqui e a primeira coisa que me ocorreu é que talvez os campos estivessem pegando
fogo.
Aquela voz, controlada com muita dificuldade, devia ter posto Casey de
sobreaviso, o que entretanto não aconteceu. Do mesmo modo passou-lhe despercebida
a tensão presente no rosto dele.
— Você devia ter voltado para casa quando percebeu que não se tratava de um
incêndio. — Seu corpo inteiro tremia de raiva. Viu que Flint caminhava em sua direção,
mas só quando ele chegou bem perto é que notou a ira estampada em seu rosto.
Ele a agarrou pelo pulso, fez com que ela se voltasse e puxou-a para junto de
si.
— Está vendo aquilo ali? — Os olhos de Casey seguiram seu gesto e ela, muito
contra a vontade, obedeceu àquela voz dominadora. Olhou o pé de cardo a seus pés e a
flor, branca como a neve, que o coroava.
— Aquilo? — perguntou em tom de zombaria, olhando novamente a flor, que se
assemelhava a uma papoula, só que bem mais clara.
— Vá pegar aquela flor para mim — ordenou Flint.
— Você está ficando louco? — Ela olhou para ele, sem poder acreditar no que
ouvia. — Aquilo é um cardo! O galho está cheio de espinhos. — Casey sentiu-se mal ao
notar a tensão no rosto de Flint e percebeu que aquele corpo musculoso estava a ponto
de empreender uma ação violenta, porém não recuou em sua atitude corajosa.
— Eeu tive de enfrentar os seus espinhos durante dez dias, Casey! Eu não pedi
este emprego, do mesmo modo como você não pediu que seu pai fosse acidentado. Mas
estou aqui e aqui vou permanecer!
Ele não tinha soltado o pulso dela e suas unhas entravam-lhe na carne. Não era,
entretanto, a dor física que a fazia tremer. Era o modo assustadoramente calmo como
Flint falava.
— E eu estou contando os dias que faltam para você ir embora! — ela retrucou,
com um ligeiro tremor na voz.
— Seu pai lhe ensinou muita coisa relativa a um rancho, mas é mais do que
evidente que ele nunca se preocupou em lhe ensinar boas maneiras! — Flint soltou o
braço dela, num gesto de aversão, e começou a se afastar.
— Não fale desta maneira a respeito de meu pai! — Desta vez foi a mão de
Casey que se estendeu para detê-lo. As lágrimas que lhe queimavam os olhos agora
começavam a enevoar-lhe a visão.
— Ele é o pai mais perfeito do mundo. Eu faria o que quer que fosse por ele e
papai faria o que quer que fosse por mim.
— Aí é que você se engana, Casey. — Flint encarou-a com uma frieza
desconcertante. — Você é egoísta demais para fazer o que quer que seja por ele.

- 35 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

— É mentira! — Seu protesto veemente terminou em um soluço.


— É mesmo? Você não consegue nem mesmo ser civilizada em relação a mim e
seria muito pedir que se mostrasse amável. Se seu pai pudesse ter escolhido, ele
ficaria contente em ver você dirigindo o rancho. Mas todos sabemos que isto não foi
possível. Mas você não o ouve se queixar. Você não sabe perder, Casey, e ninguém
gosta de alguém que não sabe perder.
Ela não conseguia enfrentar seu olhar. Tentou argumentar consigo mesma,
dizendo-se que ele estava sendo injusto. Sentia-se tão insignificante quanto um grão
de areia e não havia como negar: era uma criatura mimada, egoísta e ingrata, que não
merecia ou dava valor às coisas que tinha. O barulho do couro que rangia fez com que
Casey levantasse seu queixo trêmulo, e nesse momento viu Flint montado no cavalo,
pronto para se dirigir à sede do rancho.
— Flint — falou em tom bem baixo, mas ele ouviu. Flint deteve o cavalo e olhou
para ela. O orgulho fazia com que sua garganta se contraísse, mas Casey engoliu em
seco e caminhou em sua direção.
Não enxugou as lágrimas que lhe escorriam pelo rosto, e levantou a cabeça
para encará-lo. — Peço. . . muitas. . . desculpas pelo modo como agi. . .
Antes de conseguir completar a sentença, baixou a cabeça e pôs-se a mirar o
chão. Ficou à espera de que ele não aceitasse suas desculpas, que lhe dissesse que era
tarde demais para se penitenciar. Em vez disso Flint estendeu-lhe a mão, em sinal de
amizade.
— Talvez nunca sejamos amigos, Casey — disse Flint, segurando gentilmente a
mão que ela tinha colocado na dele. — Mas não sejamos inimigos.
Desconcertada ela concordou, retirando a mão. Flint levantou seu queixo, até
que Casey viu-se obrigada a encará-lo. Ele tinha estampado no rosto um daqueles
sorrisos devastadores que sempre tinha reservado para os outros. Ela prendeu a
respiração, ao sentir a força de sua sedução.
— Você acaba de fazer uma coisa difícil, admitindo que estava errada,
sobretudo por se tratar de minha pessoa. Seu pai é um homem teimoso, caso contrário
não seria um rancheiro, mas é também justo e honesto. Não acreditei que sua filha
pudesse ser diferente. Talvez ela fosse apenas um pouco mais obstinada.
Casey ficou admirada por nunca ter notado o brilho de seus olhos ou os traços
de seu rosto, tão bem delineados. Ficou toda ruborizada quando se deu conta de que o
estava encarando e gostando do que via. Hesitante, deu um passo atrás, sem saber o
que dizer e sentindo-se ridiculamente envergonhada.
De uma colina próxima veio um relincho agudo, imediatamente cor-
respondido pelo cavalo de Flint. Casey enxugou as lágrimas e voltou a cabeça em
direção ao primeiro som. Deu um amplo sorriso ao ver o cavalo branco que sacudia a
cabeça, a uns cem metros de onde estavam.
— Ê meu cavalo, Mercúrio. — Casey levou os dedos à boca e assoviou. Um brilho
de orgulho iluminava seus olhos enquanto contemplava o cavalo que trotava em direção
a eles. Sua marcha era ondulante, e ele levantava o focinho como se estivesse
aspirando o cheiro do perigo, a cauda muito ereta, acima do dorso. Seu pêlo branco

- 36 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

reluzia, transpirando saúde e somente quando parou diante de Casey é que se pôde
notar o peso de sua idade. Ela esfregou seu pescoço com ternura, enquanto ele enfiava
o focinho nos bolsos de sua blusa. Casey riu, toda feliz, pondo na mão alguns cubos de
açúcar e oferecendo-os no animal.
— Ele tem quase dezessete anos. Mal se nota, não é? — Casey olhou para Flint,
esperando que ele concordasse. — Foi o meu primeiro cavalo de verdade e nunca
precisou que batessem nele para que deixasse de trotar. — Acariciou afetuosamente
sua cara. — Ele é rápido como o vento. É por isso que o chamei de Mercúrio, em
homenagem ao deus romano que tem asas nos pés.
Casey olhou hesitantemente para Flint, sem saber se ele a estava achando tola
e infantil. Ele, no entanto, parecia que a estudava com Interesse.
- Eu era completamente estabanada — prosseguiu.
- Era ou é? — ele disse e riu, mas era uma risada gentil, que ela compartilhou.
- Gostava de fingir que Mercúrio era um pônei índio. Eu o montava sem usar
sela ou rédea e o guiava com meus joelhos. A maior parte do tempo dava certo — ela
disse, sorrindo.
— Ele parece em muito boa forma para sua idade.
— Seus dentes estão começando a estragar. — Havia um tom de tristeza em
sua voz. — Nessa última primavera, quando lhe demos um purgante, papai disse que no
fim do próximo verão Mercúrio provavelmente não terá mais nenhum dente. Estarão
todos gastos. E ele gosta tanto de pastar -— ela declarou, com fervor. —- Detestarei
ver chegar o dia em que Mercúrio ficará reduzido a comer farelo, em vez do capim
verde dos pastos.
O cavalo vasculhou mais uma vez seus bolsos, à procura de algum cubo de
açúcar escondido. Descobrindo que não havia nenhum, ele se afastou, trotando em
direção à colina de onde tinha surgido.
— Algum dia isto vai ter que acontecer. — Não havia nenhuma profecia nas
palavras de Flint, somente uma constatação. Casey, porém, sentiu que ele lhe
comunicava uma grande compreensão.
— Sim. . . Sim, eu sei. Ele. . . teve uma vida cheia. — Estas últimas palavras
foram acompanhadas por um sorriso. O fato de viver em um rancho tinha-lhe ensinado
que o ciclo da vida era imutável e ninguém conseguia detê-lo. Tinha aprendido a aceitar
as coisas que não estavam em seu poder modificar, apesar de que isto não as tornava
mais fáceis.
Para ela representava uma nova experiência comunicar-se tão facilmente com
Flint; Casey achava-a pertubadora e ao mesmo tempo imensamente válida. Durante
alguns breves momentos Flint a fizera sentir-se importante. Talvez por isso sentiu-se
um tanto solitária, quando ele partiu.
Casey galgou dois a dois os degraus da varanda. A melodia "Não há lugar
melhor do que o meu lar" vinha-lhe constantemente aos lábios e combinava com seu
estado de espírito, que era o melhor possível. As coisas tinham se modificado a partir
do momento em que aceitou Flint como seu companheiro nas lides do rancho, sabendo
que o seu interesse, como o dela, consistia em fazer o que havia de melhor em

- 37 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

benefício da propriedade. Casey descobriu uma nova alegria em trabalhar a seu lado,
que a enchia de uma satisfação que jamais experimentara. Descobriu também que
estava sentindo uma certa admiração por Flint, que ela tentava disfarçar, mas que a
cada dia se tornava mais aparente. No momento em que abria a porta da cozinha, ouviu
Mark exclamar: — Não! Não!
Ele estava parado diante da mesa com um papel nas mãos e sacudia
energicamente a cabeça de um lado para outro. Ao ouvir o som dos passos de Casey,
voltou para ela seu rosto convulsionado.
— Como é possível que minha mãe me tenha feito uma coisa dessas? —
exclamou Mark.
— A que você está se referindo'? — Casey tomou o papel que ele lhe estendia
e, com o rabo do olho, percebeu Flint entrar na sala.
— A sra. Grassick passou por aqui hoje ao meio-dia — explicou Flint, enquanto
Casey lia o que estava escrito no papel. — Ela ofereceu-se para levar sua mãe até
Scottsbluff para visitar seu pai. Deixou este bilhete explicando por que não estaria
aqui para o jantar.
— Eu de modo algum vou comer a comida feita por minha irmã! — Mark deixou-
se afundar na cadeira da cozinha. — Tive de engoli-la durante uma semana inteira,
quando mamãe ficou com papai. Foi um milagre eu não ter morrido de indigestão.
— Mark! — Envergonhada, não conseguiu deter o rubor que invadia seu rosto,
notando a expressão divertida de Flint. Também não pôde deixar de notar como sua
camisa colorida combinava com seu cabelo castanho e contrastava com o tom de sua
calça.
— Flint, garanto que jamais na vida você conheceu uma cozinheira pior do que
Casey. — Ela tinha vontade de estapear Mark ou fazer qualquer outro gesto que
fizesse calar aquelas palavras humilhantes. — Certa vez ela tentou fazer uma
sobremesa de gelatina. Colocou tanta água que tivemos de bebê-la!
— Acho melhor mudarmos de assunto, Mark, antes que você se veja forçado a
se defender. Já resolvi que é preferível irmos jantar no Forte Robinson hoje à noite,
em vez de obrigar sua irmã a ir para a cozinha, depois de ter trabalhado tanto durante
o dia inteiro — disse Flint rindo, enquanto contemplava a expressão zangada de Casey.
— Incrível! — exclamou Mark.
— O que você acha da idéia, Casey? Pela primeira vez na vida, Casey desejou
saber cozinhar tão bem quanto sua mãe. Depois de ouvir os comentários degradantes
de Mark, quis mais do que nunca saber preparar algum prato bem exótico. Murmurou
que desejava trocar de roupa e saiu correndo da sala, antes que as lágrimas
revelassem quanto se sentia irada e humilhada.
Durante todo o trajeto para o Forte Robinson, Casey sentia-se
insuportavelmente constrangida. Tentou convencer a si mesma que não tinha a menor
importância saber cozinhar ou não, mas não conseguia deixar de optar pela primeira
alternativa. E compreendeu que lhe importava muito o que Flint pensava a seu respeito.
Nem mesmo a paisagem esplêndida do parque estadual de Forte Robinson contribuiu
para atenuar seu sentimento de inferioridade. Descobriu quanto se sentia deslocada

- 38 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

no momento em que Flint ajudou-a a descer do carro. Ele usava um paletó na mesma
tonalidade da calça, debruado de marrom, e que combinava com a camisa. A roupa lhe
caía muito bem. Casey surpreendeu-se a pensar que deveria ter tomado mais cuidado
na escolha de sua roupa. A calça branca e a blusa de losangos vermelhos casavam muito
bem, mas ela se sentia desajeitada como uma caipira. Era uma pena que não estivesse
tão elegante quanto Flint, pensou suspirando. Pelo menos tinha trocado suas botas de
cowboy por um par de sandálias brancas.
Mark encaminhou-se para o restaurante de turistas, que outrora tinha servido
de quartel, e imediatamente começou a informar Flint sobre a história do forte.
— Aquela grande construçãp branca costumava ser o quartel-general, mas
agora é um museu. Na verdade este forte era muito famoso, não só durante o
povoamento do oeste mas também por ocasião das duas grandes guerras.
Casey sabia que Mark se entusiasmara com a história do Forte Robinson e a ele
pouco importava se Flint estava interessado ou não. Estava decidido a fazer o seu
relato de qualquer maneira.
— Do outro lado da estrada — continuou Mark —, o cacique Águia Branca foi
morto ao resistir aos soldados que tentavam levá-lo para uma cela. Foi também para
aqui que vieram os índios Cheyenne quando fugiram de sua reserva em Oklahoma.
Recusaram-se a voltar para lá e estavam a ponto de morrer de fome quando foram
forçados a regressar, em meio ao inverno, porém muitos deles conseguiram fugir do
forte. Tem muita gente que conhece esta história. — Mark fez um gesto que mostrava
o seu desprezo por aqueles que desconheciam aquelas peripécias.
— Como é que a gente faz para desligá-lo? — disse Flint rindo, enquanto abria
a porta do restaurante.
— Ninguém consegue. É preciso esperar, até que ele se canse por si mesmo. —
Seu olhar era provocador, ao contemplar a reação encabulada de seu irmão.
— É que este lugar foi muito famoso — respondeu Mark
defendendo-se.
Os três mal acabavam de se acomodar quando Mark foi abordado por dois
rapazes louros.
— Olá, Mark, estávamos falando a seu respeito. — O mais alto dos dois bateu
ruidosamente nas costas de Mark.
— Kevin! Kyle! — Mark riu, tentando esquivar-se da palmada do outro garoto. —
O que estão fazendo aqui?
— Convencemos papai a levar-nos ao cinema, já que mamãe preferiu nos
abandonar e ir a Scottsbluff.
Casey sentiu dificuldades em definir qual dos dois filhos gêmeos da sra.
Grassick estava falando.
— Sua mãe levou a minha com ela, deixando-me entregue à cozinha de minha
irmã, até que Flint me salvou. — Os olhos de Mark brilharam, zombeteiros.
— Depois que você acabar de jantar. . . ou melhor, venha jantar conosco. — O
mais baixo dos dois tomou Mark pelo braço, a fim de dar maior ênfase ao convite. —
Papai está sentado conosco. Acabamos de fazer o pedido. Mais tarde você poderá ir

- 39 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

conosco ao cinema.
Mark olhou interrogativamente para Casey e o desejo de juntar-se a eles
transparecia em seus olhos.
— Pode ir — ela assentiu. — Contanto que o sr. Grassick não se importe de
levá-lo até em casa.
— Ele não se importará — garantiu-lhe o gêmeo mais alto.
O silêncio que se seguiu à partida daqueles garotos barulhentos durou um bom
tempo. A despeito de estar zangada com o irmão, Casey desejou que ele ainda
estivesse ali, para diminuir o silêncio que já a estava deixando pouco à vontade.
— Você está muito quieta hoje à noite — observou Flint, notando seu súbito
rubor. — Espero que as caçoadas de Mark não a tenham deixado perturbada. Os
irmãos são assim mesmo, como você sabe.
— Claro que não. Ele caçoa de mim o tempo todo. — Hesitou brevemente em
responder e sentiu uma certa dificuldade em retribuir seu olhar. — Além disso, é mais
do que sabido que eu não sei nem mesmo pôr água para ferver.
— Smithsabe cozinhar?
— Smith? Como é que posso saber? — Desta vez seus olhos intrigados o
encararam de frente. — E o que tem uma coisa a ver com a outra?
— De tudo que pude ouvir, é um fato estabelecido que vocês dois vão se casar.
Seria muito conveniente se um de vocês soubesse cozinhar. — Ele deu um risinho, em
sinal de zombaria.
— Que estranho! — retrucou Casey, com ironia. — Se estivéssemos planejando
nos casar. . . o que, aliás, não acontece, o fato de um de nós saber ou não cozinhar não
lhe diz absolutamente respeito. — Ela não conseguia suportar as ironias relativas à sua
falta de habilidade em cozinhar. A raiva nascida de sua própria vulnerabilidade
transpareceu em suas palavras. — Que nota você dá para suas namoradas, no que diz
respeito a seus talentos de cozinheiras?
— Elas são muito hábeis para preparar comida em conserva. — Surgiu um
brilho audacioso nos olhos de Flint, apesar de sua expressão permanecer sóbria.
Não havia a menor dúvida de que ele estava caçoando de seu
temperamento impulsivo, o que deixou Casey ainda mais furiosa.
— Não duvido mesmo que um machão como você atraia somente tipos muito
femininos. — Seu sorriso contrastava com o fogo que brilhava nos olhos escuros. —
Ainda mais com esse peito tão largo, onde elas podem se recostar. . .
— Acho que você está voltando a mostrar seus espinhos.
— Se isto acontece, a culpa é sua. — A maior parte de seu ressentimento
dissipou-se diante do irresistível calor de seu sorriso.
— É interessante contemplá-la quando você fica zangada. Seu rosto torna-se
um misto de olhos que faíscarn e de um rubor que a invade inteira, o que, aliás, é uma
combinação das mais atraentes.
Foi o primeiro elogio que Casey recebeu de Flint e os efeitos não podiam ter
sido mais perturbadores. Baixou o olhar para o prato vazio, desejando ser uma pessoa
muito traquejada, capaz de despistar um elogio com um comentário brilhante.

- 40 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

— Vamos dar um passeio pelo forte antes de voltarmos para o rancho? —


sugeriu Flint, levantando-se e puxando a cadeira de Casey.
Ela estava preocupada demais pelo modo como reagira e limitou a virar
discretamente e fazer um gesto de olhar admirado enquanto ele pagava a refeição.
Casey não deixou de notar como a moça do caixa lançava olhares a Flint.
__ Vamos primeiro ao campo do restaurante. - Casey concordou enquanto se
detinham na varanda. Desceram os degraus, passando pelas edificações, sentindo o
odor do capim. O sol ainda não se pusera e refletia no capim recentemente ceifado. Na
extremidade à distância ouvia-se o ruído do mastro que erguia-se ao vento.
Enquanto ultrapassavam vagarosamente para o corpo de bombeiros, Casey
falou.
__ É fácil imaginar este setor do forte na época do acampamento. Algumas
vezes fecho os olhos e solto a imaginação.
__ Mark tinha razão ao se entusiasmar - O forte foi um posto importante.
Deve ser preservado para as futuras gerações e não ser levado apenas em conta o
valor monetário.
Flint olhou para Casey e disse:
- A noite está linda, a companhia é ótima.
Recuso-me a estragar tudo isto com discussões sobre o lado mesquinho da
raça humana.
A mão de Flint permaneceu em sua cintura com inesperada displicência e isto
causou nela uma verdadeira revolução interior. Flint mudou de assunto, mas Casey não
conseguia concentrar-se em nada que implicasse em grandes raciocínios. Estava
totalmente impregnada de sua forte presença masculina.
Casey aprendeu muita coisa a respeito de Flint durante o passeio ao Forte
Robinson e no trajeto de volta para casa. Ele falou sobre seus pais e avós, sobre seus
três irmãos e a irmã caçula. Durante alguns momentos teve a impressão de que
estavam ficando mais íntimos; Casey pelo menos sentia a coisa dessa forma. Smith,
muito descontente, estava à espera de Casey, sem esconder sua reprovação por ela
ter acompanhado Flint até o forte, sem considerar o fato de que no início do passeio
havia três pessoas. Pela primeira vez Casey ressentiu-se da atitude possessiva de
Smith.
Para agravar as coisas um pouco mais, Flint deu mostras de achar que o
comportamento de Smith era compreensível e retirou-se silenciosamente para seu
aposento. A noite, que transcorrera tão agradavelmente, terminava de modo
melancólico. Casey e Smith sentiram-se afetados pelo que estava acontecendo, mas
ela não tinha a menor certeza de que Flint se importasse. Tentou aceitar o fato de que
ela provavelmente não passava de um passatempo para ele. Achava no entanto difícil
imaginar o que Flint significava para ela.
Foi por isso que Casey foi sozinha a cavalo para os confins do rancho. Precisava
de algum tempo para pôr em ordem seus pensamentos e colocar aqueles
acontecimentos tão recentes em uma perspectiva apropriada. Inspecionaria também
os novilhos de um ano, mas este era um motivo secundário. Conduziu Tally, seu cavalo

- 41 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

baio, até uma pequena elevação, parando a fim de contemplar o panorama das colinas
ondulantes. Sua atenção foi desviada para um corpo castanho-avermelhado que se
movia ao longe. Ouviu distintamente um balido fraco e queixoso.
Casey não precisou que as orelhas pontuüas de seu cavalo se empinassem para
perceber que o grito partira daquela mesma massa que se agitava. Conduziu a montaria
para o lado mais inclinado da colina e encaminhou-se para onde estava a novilha. Os
olhos do bichinho esquadrinhavam as colinas, à procura de sua mãe. Casey sabia que
não existe nada mais perigoso do que uma vaca que protege seu filhote. Por mais
estranho que fosse, não havia nenhum outro animal em volta. Havia uma explicação
possível: a novilha talvez pertencesse a uma vaca muito nova, cujos instintos maternais
ainda não tinham se desenvolvido completamente.
Casey deteve o cavalo a uns cinqüenta metros da novilha. Um pedaço de arame
farpado enferrujado enrolava-se nas patas do animal, manchadas de sangue. Dois
coiotes surgiram misteriosamente em uma das colinas da proximidade. Casey sabia que
não tinha muito tempo a perder. A areia toda manchada sob as patas da novilha e o
fato de que ela parara de se debater revelavam claramente que o bichinho perdera
muito sangue. Tudo que ela podia fazer era livrá-lo do arame e transportá-lo para o
rancho no lombo do cavalo.
A novilha estava fraca demais para resistir e Casey aproximou-se dela com um
alicate na mão. Sabia que não tinha nada a temer dos coiotes, pois bastava a presença
de um ser humano para mantê-los à distância. A novilha ergueu seus olhos enormes e
cheios de dor e Casey pôs-se a cortar rapidamente o arame, tirando-o com muito jeito
das patas do animal. Tomou cuidado para não se machucar nas farpas pontiagudas,
lamentando não ter trazido as luvas de couro, guardadas na gaveta da cozinha.
Finalmente a novilha viu-se livre, mas estava fraca demais para reagir.
Casey lutou para erguer o pesado animal em seus braços. Parecia um peso
morto, até que ela finalmente conseguiu ficar de pé. A novilha encontrou forças para
emitir um berro assustado. Casey deu um passo em direção ao cavalo que ainda
permanecia no lugar onde o havia deixado, com as rédeas arrastando pelo chão. Nesse
momento viu que a montaria virava a cabeça para a colina à esquerda. Olhou
rapidamente naquela direção e nesse preciso momento ouviu um mugido furioso.
O coração de Casey pôs-se a bater descompassadamente assim que a vaca
começou a descer a colina em carreira desabalada. Havia um único animal em todo o
rebanho do rancho Anchor Bar com chifres tão compridos e pontiagudos. Mark dera-
lhe o nome de Fura-Fura. Casey mediu a distância que havia entre ela e o cavalo e
compreendeu que não teria forças para cobri-la carregando a novilha.
Mesmo assim, contrariando todas as regras da lógica, Casey saiu correndo em
direção ao cavalo, carregando o bichinho nos braços. O som das patas da vaca, pisando
no capim e na areia, misturava-se com o barulho do couro da sela que rangia. Com o
canto do olho e com a sensação de que o coração ia lhe saltar pela boca, Casey viu o
alazão de Flint descendo a colina em direção à vaca. Ele segurava um laço e atirou-o,
colhendo a vaca pelos chifres, detendo sua investida sobre Casey.
— A perua e o reboque estão junto ao portão! — gritou Flint, enquanto o alazão

- 42 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

se agitava e a vaca jazia no chão, mugindo e esperneando.


Casey não perdeu tempo: colocou a novilha sobre a sela, montou e afastou-se
rapidamente. Assim que alcançou a perua, acomodou o animal na parte de trás e fez o
cavalo entrar no reboque. Mal acabara de tomar essas providências e Flint veio
galopando em sua direção.
Seus olhos cinzentos pousaram sobre ela e a expressão perturbada que neles
se via não ajudava a dominar o tremor que se apoderara das pernas dela. Fez o cavalo
subir para o reboque dando-lhe um tapa na anca, fechou a porta e voltou-se para
Casey. A expressão selvagem de seu rosto parecia ter sido talhada em pedra.
— Eu. . . eu irei atrás com a novilha. — A voz de Casey soou como se ela
estivesse tentando salvar-se da tempestade que se armava.
Flint acomodou-se na direção, batendo a porta com incrível violência. A perua
quase derrapou, enquanto tomava a estrada precária que levava à sede do rancho.
— Agora vai dar tudo certo — disse Casey à guisa de consolo, acomodando a
novilha, parcialmente deitada em seu colo. Estava entretanto tentando consolar a si
mesma, muito mais do que ao animal.
Sam Wolver, com sua percepção aguçada, estava à espera deles no portão
principal. Abriu a porta e sentou-se ao lado de Casey, pondo-se imediatamente a
examinar os ferimentos nas patas da novilha. Quando Sam retirou o animal da perua,
Casey saltou, para segui-lo. Queria estar em qualquer lugar, contanto que não tivesse
de enfrentar os terríveis olhos cinzentos de Flint.
— Casey! Quero falar com você. — O tom de voz de Flint era calmo, mas
absolutamente inflexível.
— A. . . a novilha. — Fez um gesto inútil em direção a Sam, que se afastava
rapidamente.
— Sam cuidará dela.
— Ouça, Flint McCallister. — O ataque era a melhor defesa, decidiu Casey,
respirando fundo antes de começar a falar. — Acabo de passar por uma experiência
assustadora e não estou nem um pouco interessada em ouvir sermões de sua parte.
Agora, a única coisa que me preocupa é a novilha. Não podemos nos dar ao luxo de
perder sequer uma cabeça de gado.
— Pois então preste atenção, Casey Gilmore! — Estendeu a mão e agarrou-a
pelo braço, ao perceber que ela ia se afastar. — Você não aprendeu nenhuma lição,
após o acidente com seu pai? Até mesmo ele teve a preocupação de avisar onde ia. Se
Sam não tivesse visto você cavalgar naquela direção, jamais saberia onde você se en-
contrava. Como é que você foi ter a idéia de afastar a novilha de sua mãe sem o auxílio
de ninguém?
— Para início de conversa, a novilha estava muito machucada. — Seu
temperamento começava a inflamar-se e a sobrepor-se à timidez inicial. — E em
segundo lugar, não se via o menor sinal da vaca quando eu cheguei lá. E em terceiro
lugar — arrematou Casey, desvencilhando-se dele — você não tem o menor direito de
me censurar! Uma expressão divertida surgiu no rosto de Flint, ao ver aquela explosão
súbita de temperamento. Ela sentiu-se frustrada ao ver que ele se divertia com seu

- 43 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

rancor.
— Este não é o tipo de linguagem apropriado para uma senhora.
— Não sou uma senhora. Sou um galho cheio de espinhos, já esqueceu? —
Ergueu a cabeça e olhou desafiadoramente para Flint.
— Estou começando a ficar intrigado, querendo saber o que existe por trás
desses espinhos — ele murmurou.
Com um gesto ágil e fluido, suas mãos rodearam a cintura de Casey e puxaram-
na para si, enquanto seus lábios pousavam possessivamente sobre os dela.
Ela resistiu, zangada, e apoiou as mãos em seu peito, para empurrá-lo. Nesse
momento o incrível calor de seu beijo invadiu-a inteira, eliminando qualquer
pensamento de resistência, dando lugar a um desejo imperioso de corresponder. Casey
sentiu que seus dedos acariciavam o peito musculoso de Flint. Uma fraqueza deliciosa
apoderou-se de todo seu corpo. Estava afundando em um turbilhão de desejo e queria
saborear aquele momento com toda a intensidade possível.
Havia uma parte dela que se sentia chocada com a reação física que seu beijo
estava provocando.
Quando os lábios dele se apartaram lentamente dos seus, Casey sentiu-se
como se tivesse sido desertada. Percebeu que o ar ia lhe faltar e fez o possível para
dominar-se. Aquele beijo havia acendido dentro dela uma fogueira, cujas chamas se
refletiam em seus olhos.
— Aposto que você nunca beijou Smith desta maneira. — Aquelas palavras
pronunciadas com voz rouca tiveram o efeito de uma ducha de água fria.
— Por que. . . por que está dizendo isto?
— Porque se tivesse beijado, ou já estaria casada com ele ou pelo menos
estariam tendo um caso. A primeira hipótese não é verdadeira. E seus olhos inocentes
dizem-me claramente que a segunda também não é.
Casey fitou seus olhos arrogantes, sentindo-se envergonhada ao perceber que
ele sabia tanta coisa a seu respeito. Por que reagia tão irrefletidamente em relação a
ele? Revoltava-se interiormente, mesmo que seu olhar se perdesse na contemplação
daquele rosto atraente.
— Você teve sorte de Smith não estar aqui para ver o que você fez — ela
disse, acusadoramente.
— Quando um não quer, dois não fazem, Casey. — O olhar de Flint pousou em
seus lábios ainda úmidos, ligeiramente inchados pelo beijo. — Acho que ninguém
acreditaria que este beijo foi dado contra sua vontade.
Ela sentiu-se impotente e frustrada. Suas emoções conflitantes guerreavam e
ela não conseguia decidir se se deixaria abandonar em seus braços ou se o estapearia.
Acabou não fazendo nem uma coisa nem outra. Deu-lhe as costas e afastou-se,
enquanto uma risada de triunfo ecoava em seus ouvidos.
De nada serviria sentir-se atraída por Flint McCallister, disse Casey para si
mesma, censurando-se, e seria muito pior apaixonar-se por ele. Era exatamente isto
que iria acontecer se ela não se cuidasse. Que reflexão sensata!, pensou, enquanto o
contemplava sentado diante dela na sala de estar. Sentiu um aperto na garganta ao

- 44 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

estudar o modo como seu cabelo castanho caía-lhe sobre a fronte e ao contemplar as
linhas fortes e bem delineadas de seu perfil, semelhantes à escultura de um deus
romano. Seus olhos sentiam-se inevitavelmente atraídos para a curva sensual da boca
que abalara os alicerces de sua existência naquela tarde.
— O que acha da idéia, Casey? — O par de olhos acinzentados voltou-se para
ela.
— Desculpe... — ela gaguejou. Concentrara-se a tal ponto nele que não se deu
conta de que Flint falava. — Não ouvi o que você estava dizendo.
Flint caçoou dela abertamente e seus olhos brilharam, ao notar o rubor em seu
rosto.
— Sua mãe estava falando sobre a quadrilha que os Gordon vão promover na
sexta-feira à noite. Ela disse que não iria porque John não está aqui. Sugeri que ela
fosse, assim compareceríamos como se fôssemos uma única família.
— Eu acho que não deveria ir, não. — Lucille Gilmore levantou os olhos da pilha
de meias que estava cerzindo. — Vocês três não podem deixar de ir, mas eu não me
sentiria bem sem a presença de John.
— Mamãe, você sabe muito bem que iria se divertir bastante. — Casey desviou
o olhar do rosto hipnótico de Flint. — Além do mais, papai nunca foi um grande
dançarino. Ele detesta este tipo de festa, mas jamais proibiu você de comparecer.
— Todos os que estarão lá são seus amigos e vizinhos — comentou Flint. —
Ninguém pensará mal de você por acompanhar seus filhos, com John no hospital.
— Tenho certeza disso — concordou a mãe de Casey com alguma hesitação —
mas. . .
— Não aceito esse "mas". Está decidido. Vamos todos — disse Flint, com
firmeza. — Não aceitaremos uma negativa como resposta, não é mesmo, Casey?
Ela sentiu um prazer imenso ao ver que seu desejo coincidia com o de Flint. E
não conseguiu apagar o brilho de seus olhos, ao mesmo tempo em que concordava com
ele.
— Você não combinou ir à festa com Smith, não é mesmo, Casey? Porque se
combinou. . . — disse a mãe, hesitante.
Casey sentiu uma certa dor de consciência, tentando se lembrar se Smith
tinha falado a respeito da festa.
— Tenho certeza que não. — Aquele tom convincente era mais dirigido a ela do
que a sua mãe. A afirmação foi acompanhada por um dar de ombros tímido. — Ele se
tomou. . . um tanto seguro de si mesmo, ultimamente.
Lucille Gilmore sorriu para ela, contente com as táticas femininas e
inesperadas que sua filha parecia estar empregando.
— Muito bem, irei.
— E por falar no diabo — comentou Mark —, Smith está chegando.
Casey pôs-se de pé, certa de que aqueles olhos acinzentados e pensativos a
tinham sob sua mira.
- Vou atender a porta — ela disse, pcrém seu gesto foi desnecessário, pois
Smith entrou na casa como se ela lhe pertencesse.

- 45 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

— Olá, beleza — saudou-a Smith.


— Olá como vai? — Desejou que seu súbito ataque de nervos se dissipasse e
que seu sorriso parecesse menos forçado.
— Você está um tanto pálida. Está se sentindo bem?
— Estou ótima. — Seu sorriso pretensamente tranqüilo carecia porém de
naturalidade. Não apreciava nem um pouco os pensamentos que adivinhava em Smitty.
— Dei uma passada por aqui para confirmar nosso encontro sexta-feira à noite.
— Ele também não apreciou o rubor que invadia o rosto de Casey. — Você vai comigo?
— À festa dos Gordon? — indagou Casey. — Estávamos justamente falando a
respeito. — Ela tentou sorrir, enfrentando seus olhos castanhos. — Flint e eu
estávamos convencendo mamãe a ir conosco. Ela não queria, pelo fato de papai estar no
hospital.
— Flint e você? — Seu olhar tornou-se acusador. — Isto quer dizer que você
vai com ele?
— Vamos todos juntos, Mark, mamãe, eu e. . . e Flint. — Por que se sentia tão
culpada?
— Com que então Flint agora faz parte da família? — Não havia como ignorar o
tom de sarcasmo com que Smith se dirigia a ela. — O que sou, afinal? Um sapato velho
que você joga fora?
— Você sabe muito bem que sua presença será bem-vinda. — A mágoa
emprestava-lhe uma aparência digna.
— Não, obrigado. Três, o diabo fez!
— Donald Smith! Você não tem o direito de me falar neste tom! — explodiu
Casey. — Você não é dono de mim! E não tem a menor razão de se mostrar tão
sarcástico, só porque não vou à festa em sua companhia.
— Não me incomodo que você me abandone por sua família, Casey. Só me
oponho a que você me deixe por Flint McCallister. Johnny bem que me preveniu a
respeito dele, mas não achei que. . . Ora, afinal de contas, de que adianta tudo isto?
— Mas não é por causa dele que eu vou. — Sua voz era baixa e trêmula.
— Não é mesmo? Pois está escrito em seu rosto. — Smith aproximou-se dela,
estendeu as mãos para Casey e deixou-as cair, em sinal de desespero. -— Quando
penso como fui paciente com você! Casey, ele não está interessado em você. Flint já
percorreu o mundo todo. Que graça ele pode achar em uma garota simples do campo,
como você?
Ela sentiu vontade de tapar os ouvidos e impedir suas palavras insultuosas de
penetrar neles. Tudo o que Smith estava dizendo era verdade, eram coisas que ela já
tinha dito a si mesma. O mais difícil de suportar era ter deixado Flint perceber que
era susceptível a seus encantos. O que mais a assustava era saber que estava a ponto
de sucumbir a um amor que somente lhe proporcionaria mágoas.

CAPÍTULO V
Casey sentiu-se contente por estar sentada no assento de trás do carro; sua

- 46 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

mãe estava na frente com Flint. Seus sentidos exaltados faziam-na sentir-se mal,
confinada naquele espaço. A força magnética que emanava de Flint continuava a agir
com todo seu poder, atraindo-a para ele mesmo quando ela queria se afastar. Somente
seu lado sensato desejava apartar-se dele, enquanto seu lado imprudente dizia que
era preciso acercar-se cada vez mais. Ela se sentia como uma criança que brinca com o
fogo e fica cada vez mais fascinada pela chama. Seu medo não era o de se queimar,
mas o de ser consumida pelo fogo.
Ao pensar na noite que os esperava, Casey não conseguiu impedir que uma onda
de felicidade se apoderasse dela. Sabia que em determinado momento Flint a
convidaria para dançar. Lembrava-se do calor sensual que emanava de suas mãos,
quando ele a tomara pela cintura, e da rigidez de seu corpo musculoso apoiado contra o
dela. Por mais que dissesse a si mesma que não devia colocar-se em uma situação
vulnerável, Casey sabia muito bem que iria aceitar seu convite e vibrar intensamente
com seu contato.
As várias anáguas sob sua saia vermelha farfalharam no momento em que ela
mudou de posição. Flint olhou para ela por cima dos ombros. Ao contemplar seus olhos,
o último vestígio de resistência desapareceu e Casey sorriu para ele.
— Estamos quase chegando — ele disse, como se necessitasse explicar por que
tinha se voltado para ela.
Lanternas japonesas estendiam-se de um poste a outro no jardim dos Gordon.
Um enorme tablado fora disposto sobre o gramado, para servir de pista de dança. Uma
carroça de feno, colocada em um dos lados, abrigava uma pequena orquestra. A
combinação de violões, violas, acordeão e bateria enchia o ar noturno com uma melodia
agitada. Casey e Mark seguiram Flint e sua mãe até o local da festa. Jim Kingston
estava ao microfone; seu pé acompanhava o ritmo da bateria e ele chamava os
dançarinos para a pista.
— Cavalheiros, dêem o braço às suas damas. Vamos todos dançar! Caminho da
roça! Mudem de par!
Em redor da pista de dança muita gente batia palmas, acompanhando
automaticamente a toada, e saias multicoloridas rodopiavam ao som da melodia. Alguns
dançarinos se enganavam no passo e eram corrigidos pelos que tinham mais
experiência. Casey sentiu que, a despeito de si mesma, seu pé marcava o ritmo. Seu
olhar dirigiu-se para Flint, que imediatamente sorriu para ela.
— Você gosta de dançar. — Era mais uma constatação do que uma indagação.
— Minha única característica feminina. — A atmosfera de alegria tornava-a
mais ousada do que tinha sido até então e seus olhos castanhos brilhavam de, alegria.
Sua mãe fora raptada pela sra. Gordon e Mark localizara Kevin e Kyle Grassick
do outro lado da pista de danças. Casey viu-se sozinha ao lado de Flint. Era uma
situação que ela considerava bastante atraente, se bem que um pouco perigosa.
— Smith ficou muito aborrecido por você não ter vindo à festa com ele? — A
pergunta de Flint foi bastante inesperada.
— Sim — ela respondeu, com simplicidade. Gostava do modo como os olhos dele
percorriam seu rosto, despertando a chama que se escondia em seu interior. — Ele pôs

- 47 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

a culpa em você.
Ficou prisioneira de seu olhar, sentindo-se um tanta assustada com sua
intensidade, ao mesmo tempo em que se excitava. Por um momento Casey sentiu-se
subjugada não só pela estatura dele como também por seu poder quase ilimitado de
despertar nela um desejo que até aquele momento não imaginara existir em si mesma.
— E ele preveniu você a meu respeito. — Flint expressou-se com toda calma,
estudando suas menores reações. — Disse-lhe que eu era mais vivido e experiente do
que você. E que eu poderia magoá-la. É verdade, Casey.
Ela piscou os olhos, para disfarçar a dor que lhe invadia o peito, antes de
sorrir amplamente.
— E daí? Nos dias de hoje a mulher deve correr seus riscos. Afinal de contas,
um homem tem de viver muitas experiências, enquanto não decide se aquietar.
— Você é mesmo uma feiticeira. — A mão que tocou suas costas fez com que
uma língua de fogo lhe subisse pela espinha.
Ela não se sentia como uma feiticeira, e sim como a Bela Adormecida,
despertada por um príncipe de cabelos castanhos. Nem mesmo o olhar severo de
Smith, ao lado do tablado de dança, conseguia ofuscar a felicidade que irradiava de
seu rosto. Outros homens haviam-na tomado em seus braços, enquanto seus pés
obedeciam o comando do par, mas eram apenas fantasmas, criaturas feitas de sombra,
que não monopolizavam a atenção de Casey.
A quadrilha terminou em meio a risadas e exclamações de júbilo. Flint
continuou abraçado a Casey e seus olhos sorridentes contemplavam o rubor da jovem.
Outras pessoas, homens principalmente, reconheceram-no e foram até ele para se
apresentar. Flint aceitou aquelas demonstrações de deferência e Casey admirou em
silêncio sua atitude altaneira, que aliás não o impedia de exteriorizar sua enorme
simpatia. Uma onda de orgulho enchia-lhe o peito cada vez que as filhas dos rancheiros
olhavam com inveja sua mão, segurada com tanta firmeza por Flint.
Brenda Fairlie, a quem Casey não via desde os tempos do ginásio, não era o tipo
de garota que recuasse tão facilmente quando se interessava por um homem tão
atraente quanto aquele. Era alta e tinha a pele muito clara. Caminhou em direção a
Casey e Flint, com Smith a reboque. Mesmo no tempo da escola, Brenda parecia
sempre consciente de sua importância. Era uma atitude arrogante, que impedira Casey
de fazer amizade com ela. Agora, no terceiro ano da universidade, ela irradiava classe
e cultura.
— Casey, há tanto tempo estou pretendendo fazer-lhe uma visita! — Casey viu-
se forçada a retribuir um abraço um tanto forçado. — Mas você sabe como é, quando a
gente está em casa durante apenas algumas semanas, é impossível ver todo mundo.
Fiquei tão contente quando soube que os Gordon iam dar esta festa. . . É a
oportunidade de encontrar todo mundo. — Brenda pousou seus olhos azuis e infantis
sobre Flint. — Você deve ser o novo administrador de Ogallala. Smith já me falou um
bocado a seu respeito, sr. McCallister. Havia uma certa preocupação no olhar de Casey
no momento em que ela viu Flint apreciar o corpo esguio e bem proporcionado de
Brenda.

- 48 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

— Meu nome é Brenda Fairlie. — Ela adiantou-se nas apresentações antes que
Casey tivesse a oportunidade de fazê-lo. — Casey e eu fomos colegas de ginásio. Meus
pais enviaram-me para a universidade e desde então não nos encontramos muitas
vezes.
Ela ainda consegue monopolizar uma conversa e valorizar-se aos olhos dos
outros, pensou Casey ressentida, odiando o modo como Brenda se insinuava perante
Flint.
Flint sorriu. Seus olhos adquiriram uma expressão bem-humorada. Apertou a
mão de Casey com mais força.
— Desculpe-nos, mas prometi dançar a primeira polca com Casey. Rapidamente,
e antes que qualquer objeção pudesse ser levantada, ele se encaminhou com Casey
para o tablado. O brilho em seus olhos dizia claramente: "Esta noite é nossa". Bastou
isso para Casey sentir-se transportada para regiões que ela julgara incapaz de atingir.
O simples pensamento de que ele a escolhera no lugar de alguém tão sofisticada e
linda quanto Brenda, que parecia ser muito mais o seu tipo, fazia sua cabeça girar.
Seus pés pareciam mal tocar o chão e o tempo ficou suspenso. Casey nem sequer tinha
consciência da música, pois aquela toada feliz parecia nascer de dentro dela. A
pressão firme do braço de Flint em redor de sua cintura passava-lhe um calor que
provocava um rubor saudável em seu rosto. E nos olhos dele brilhava uma promessa
que causava arrepios de alegria em todo seu corpo. Ele a conduziu através de uma
série intrincada de passos que ela jamais tinha dado. Sua harmonia, entretanto, era
completa, e Casey não errou nenhuma vez.
Quando a última nota do acordeão se dissipou, eles estavam do lado oposto do
tablado, separados dos demais convidados. Casey mal conseguia respirar, devido à
exaltação que se apoderara dela, não ao cansaço. A mão que permaneceu em sua
cintura depois que a música parou empurrou-a gentilmente para a escuridão. Querendo
saborear aquele momento mágico, ela obedeceu voluntariamente ao seu comando. No
entanto, não conseguia enfrentar seu olhar, de medo que Flint percebesse que aquele
momento significava muito mais para ela do que para ele. Diante deles estendia-se uma
cerca e Casey correu até lá. — Você costuma dispensar as garotas, como fez com
Brenda? — A risada que acompanhou sua pergunta revelou até certo ponto quanto
estava nervosa. Encostou-se na cerca pintada de branco, segurando a trave com toda
força. Sentia-se como se estivesse flutuando e precisava agarrar-se em algo a fim de
manter os pés no chão.
— É a melhor maneira de não ser importunado por elas — disse Flint, sorrindo.
Seus olhos encontraram-se com os dela por um segundo antes que ele tirasse um
cigarro da carteira. Perguntou se Casey queria fumar, mas ela não aceitou, preferindo
contemplar o céu com seu manto azul cravejado de estrelas.
— Você deve ter um bocado de namoradas. — Casey olhou-o por cima do ombro
e desejou em silêncio que seu rosto não estivesse na sombra para que ela pudesse ver
o que ele estava pensando.
— Bem, elas estão na fila de espera — disse ele caçoando, apoiado na cerca a
fim de poder estudar melhor o rosto dela.

- 49 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

— Garanto que as mães estão sempre exibindo suas filhas diante de você —
replicou Casey, com o mesmo tom de zombaria na voz. — Você deve ser o solteiro mais
cobiçado de toda esta região e as casamenteiras só podem ficar em polvorosa ao vê-lo.
— Você está querendo entrar na fila, como todas as outras?
— Quem, eu? Não seria tão presunçosa. — Era difícil rir ao notar que ele a
contemplava através da fumaça do cigarro. — Sou apenas uma garota do campo e nem
tenho como competir com suas garotas.
— Pois você seria um páreo duro.
Casey sentiu uma sensação absurda de estar se afogando, ao mesmo tempo em
que se perdia no turbilhão de cor cinza dos seus olhos e ouvia a tonalidade sedutora de
sua voz.
— Seus olhos são escuros e tentam dissimular com muito esforço uma
natureza apaixonada. Seu cabelo é macio e cacheado e deve ser gostoso tocá-lo. —
Como se quisesse provar o que estava afirmando, ele estendeu a mão e passou os
dedos por seus cabelos, tomando em seguida sua cabeça entre as mãos. Ela prendeu a
respiração e fechou os olhos ao sentir o prazer delicioso que sua carícia provocava. —
Seus lábios são macios, convidativos e sobretudo extremamente beijáveis. — O
coração de Casey batia descompassadamente. — Além disso. ..
Flint não terminou a sentença. Tomou-a afetuosamente nos braços. Ela apoiou-
se prazerosamente nele e seu corpo arqueou-se enquanto ele a segurava firmemente
pela cintura. Beijou-a com uma paixão que a deixou fraca e tremendo.
— Eu a assusto, não é mesmo? — murmurou Flint. Casey ficara, com efeito,
assustada, temerosa da reação que ele despertava nela e que ela se sentia incapaz de
controlar. Era inútil negar o que estava acontecendo, pois sabia que seu rosto
espelhava seus sentimentos de maneira por demais evidente.
— Eu nunca tive um caso antes. — Sua voz estava rouca.
— Que pena — suspirou Flint. Seus olhos percorriam intimamente seu rosto,
sem disfarçar a satisfação que ele sentia ao notar quanto o rosto dela ficara
ruborizado.
— O que foi? — ela perguntou, sem poder respirar.
— Você tem vinte e um anos. Nos dias de hoje, em que todo mundo é liberado,
um caso seria a solução perfeita. — Ele esfregou-lhe o rosto com o dorso da mão.
Casey ficou toda arrepiada. — Mas isto não faz seu gênero, Casey, e sabe disso muito
bem. Você é daquelas mulheres antiquadas, que pertencem a um só homem, e isto é
raro nos dias que correm.
Ela permaneceu em seus braços sem se mover. O modo terno como ele a
rejeitou foi uma punhalada em seu coração.
— Você sempre acha que conhece as mulheres tão bem? — perguntou Casey,
ressentida.
Ele levantou seu queixo obstinado, com ternura. Inclinou ligeiramente a cabeça
e estudava seus olhos escuros.
— Já me enganei muitas vezes no passado. Mas ficaria muito desapontado se
me enganasse em relação a você. — Afastou-se dela, porém estendeu-lhe a mão. —

- 50 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

Vão sentir nossa falta na festa. Não gostaria de incorrer na raiva de Smith, mais do
que já incorri.
— Não, isto não acontecerá — retrucou Casey com sarcasmo, recusando a mão
que ele lhe estendia.
— Olhe os espinhos aparecendo de novo — murmurou Flint em seu ouvido,
andando bem junto a ela enquanto se dirigiam apressadamente para a área iluminada.
A despeito de si mesma, Casey não conseguiu deixar de se sentir atingida,
perturbada por sua voz zombeteira e principalmente desapontada pelo modo como ele
estava encerrando aquele pequeno jogo amoroso, mesmo que ela tentasse se convencer
de que era a melhor solução. Havia um vazio dentro dela que desejava ser preenchido.
Uma vozinha interior perguntava por que não tinha passado mais alguns minutos em
seus braços.
— Ah, Smith. — A voz de Flint era ouvida claramente, apesar da música. —
Estávamos falando a seu respeito.
— Posso bem imaginar. — Smith olhou zangado para Casey. — Estava à sua
procura.
— É mesmo? — ela retrucou, com ar de desafio. — O que aconteceu com a
querida Brenda? Fico muito surpreendida ao ver que você conseguiu sair de perto dela.
— Desculpe-me, Casey. — Flint afastou-se e ela não conseguiu tirar os olhos
dele.
— Puxa, como ele a deixou perturbada! — exclamou Smith, ao notar a
expressão magoada em seu rosto.
— Você quer dançar comigo? Porque se não quiser, pode ir embora! — Sentiu-
se contente por voltar sua frustração contra alguém que não ela mesma.
Aquela noite deixou Casey perturbada por vários dias. Excetuando o incidente
com Smith, Flint tinha se mostrado excepcionalmente atencioso o resto do tempo. Mas
não tentou ficar com ela a sós e muito menos nos dias que se seguiram. Casey sentiu
que ele estava tentando eliminá-la de sua vida.
Se ao menos fosse uma pesspa vivida e capaz de levar adiante um caso
daqueles com classe, pensou. Em seguida sorriu amargamente, admirada que uma idéia
daquelas lhe tivesse atravessado a mente. Flint fora muito correto ao lhe dizer que
ela não era seu tipo, mas isto não representava uma compensação. O conhecimento que
ele tinha da vida e sua riqueza excluíam-na de participar de qualquer competição cujo
prêmio fosse o casamento.
Casey atirou um pedregulho na água, observando os círculos que se alargavam a
partir do centro. Um simples olhar de Flint era o suficiente para deixar seu corpo
arrepiado, com mais violência do que aquelas águas encrespadas. As exigências físicas
e emocionais que seu corpo lhe fazia tinham finalmente eclodido. Tornava-se cada vez
mais aparente que seu amor por Flint não podia mais ser negado, assim como seu
desejo.
Tentou desesperadamente ignorar as semanas que se estendiam à sua frente,
pois faltava muito pouco tempo para seu pai voltar para casa e Flint partir. Outrora
ela desejara que aquele dia chegasse. Agora conseguia sentir apenas uma parte do

- 51 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

vazio que sua ausência significaria. Era um vácuo, um poço negro e sinistro, que
escancarava sua boca diante dela. Se esse pensamento conseguia deprimi-la tanto
quando ele ainda estava lá, como seria quando Flint se fosse de vez?
Um pingo de chuva caiu em seu braço e a terra subitamente ressoou à sua
volta. Seu olhar desviou-se do lago, voltando-se para o céu. Um relâmpago rasgou as
nuvens escuras e densas. Quando estava cavalgando em direção ao lago, tinha notado
aquelas mesmas nuvens acumulando-se no horizonte. Agora elas enegreciam comple-
tamente o céu. Uma trovoada fez o solo ressoar novamente e mais uma gota de chuva
caiu sobre ela. Aquelas tempestades súbitas eram muito comuns em Nebraska. Olhou
para o prado onde seu cavalo baio estava pastando.
Ele levantou a cabeça e seus olhos contemplavam com medo os relâmpagos que
ofuscavam as nuvens. Uma trovoada mais forte fez com que o animal se debatesse
desesperadamente, como se quisesse afastar-se correndo do lago. Casey pôs-se
imediatamente em pé, gritando para o cavalo que se afastava, com a cabeça muito
empinada e virada de lado para impedir as rédeas de embaraçar-se em suas patas. —
Tally! Tally! — Seu grito foi abafado pela chuva que se precipitava com toda força.
Em questão de segundos ela ficou ensopada até os ossos. De nada adiantava
ficar lá a contemplar o cavalo que fugia, pensou, revoltada. Subiu até o topo da colina,
mas o baio já era pouco visível. Aflita e, irritada, levou dois dedos à boca e emitiu um
assovio agudo. Era inútil. O cavalo sequer dignou-se voltar a cabeça. Olhou as nuvens
escuras com irritação antes de decidir-se a voltar a pé para a sede do rancho, a uns
três quilômetros de distância. Se pelo menos tivesse parado de sentir pena de si
mesma e contemplado o céu, não estaria naquela situação, disse a si mesma, indignada.
Sentia que a bota já começava a apertar seus pés.
Um relincho a fez deter-se e ela sorriu, com esperança. Talvez Tally houvesse
regressado. Quando olhou melhor, viu um cavalo branco que galopava em sua direção.
— Mercúrio, como é que você está? — Falava com muita ternura e o cavalo
esfregava-lhe o focinho no rosto. — Hoje não tenho açúcar, meu amigo.
Um relâmpago voltou a riscar o céu, desta vez muito mais perto, enquanto a
tempestade violenta caía com toda intensidade. Casey sabia que só tinha aquela
oportunidade de chegar em casa antes que a força total da tempestade se abatesse
sobre ela. No entanto, não montava em Mercúrio há vários anos. Se conseguisse
controlá-lo e fazer com que ele se dirigisse para o rancho, unicamente pela pressão
dos joelhos contra seus flancos.. . Não lhe restava outra alternativa e precisava
tentar.
O cavalo branco assustou-se quando ela se sentou em sua garupa. Agitou-se,
inquieto, e Casey dirigiu-se a ele com palavras tranqüilizadoras, antes de fazer com
que se pusesse a caminho. Deu os primeiros passos com alguma hesitação,
acostumando-se vagarosamente ao peso no dorso, que ele não sentia há muitos anos.
As lembranças e os hábitos são, entretanto, fáceis de serem recuperados. Logo Casey
conseguiu colocá-lo a meio galope e o cavalo respondia ao menor de seus gestos, quase
com a mesma rapidez demonstrada nos dias de sua juventude, quando ele e Casey eram
inseparáveis.

- 52 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

A chuva caía com mais força e as gotas pareciam balas ricocheteando sobre
sua pele. A terra vibrava sob as patas do cavalo e o céu tornava-se alternadamente
claro e escuro devido aos relâmpagos que o riscavam. Mercúrio apressou o passo e em
breve estava em pleno galope. A coisa aconteceu tão gradualmente que Casey nem
sequer notou, até perceber que os campos logo ficavam para trás.
Não tinha como diminuir o galope e limitou-se a apertar suas pernas molhadas
de encontro ao flanco úmido do animal. Seu coração disparou, enquanto corriam
desabaladamente prado afora. Casey sabia que devia diminuir seu passo, que a
velocidade era demais para um cavalo de sua idade, desacostumado a conduzir
tamanho peso. Ela, no entanto, talvez a exemplo do animal, recordava-se de outras
épocas, quando Mercúrio era mais jovem e os dois percorriam os campos a todo galope.
Dizia a si mesma que ele não estava se esforçando em demasia e que desenvolvia a
marcha com a facilidade de sempre.
No momento em que este pensamento atravessou-lhe a mente, ela sentiu uma
pequena diferença no ritmo do seu galope. Antes mesmo que Mercúrio caísse, Casey
adivinhou que ele não estava mais resistindo. Pulou fora antes que ele desse o salto
final. Um arbusto amorteceu-lhe a queda e ela caiu no chão quase sem fôlego.
Certificou-se de que não tinha quebrado nenhum osso e seus olhos voltaram-se para
aquela massa inerte a alguns metros de distância. A mistura de chuva e lama maculara
a alvura do cavalo. Casey caminhou aos tropeções até onde o animal se encontrava.
Seus olhos encheram-se de lágrimas diante daquele corpo que até há poucos momentos
ainda respirava. Agora ele estava inerte. — Mercúrio. . .
Ela estendeu as mãos e tocou a crina branca. O corpo inteiro tremia, ao
compreender que seu cavalo estava morto. Soluçando desesperadamente, Casey apoiou
a cabeça do animal no colo. Aqueles olhos, mansos como os de uma gazela, agora
estavam fechados para sempre.
— Sinto muito. — Essas palavras, ditas em um murmúrio, mal foram ouvidas,
enquanto ela enterrava a cabeça no pescoço do cavalo. Seu amigo mais querido se fora.
Os relâmpagos, os raios, a chuva, nada mais importava.
Ela mal se deu conta de que a chuva diminuía e finalmente cessava. Somente no
momento em que duas mãos se apoiaram em seus ombros Casey desviou a atenção do
cavalo morto em seus braços. Seu olhar enevoado deparou-se com aquele par de olhos
cinzentos que a miravam solidários sob a aba do chapéu todo molhado de chuva.
— O cavalo baio voltou para o rancho. Fiquei preocupado — foi tudo o que Flint
disse, apertando Casey de encontro a seu peito, onde ela recomeçou a soluçar.
— Eu.. . estava montada. Ele. . . começou a galopar. .. e eu. . . não consegui fazer
com que parasse. — A contração que sentia na garganta tornava sua explicação difícil,
mas o conforto que sentia nos braços de Flint deu-lhe ânimo para prosseguir: — Então
ele. . . ele caiu. Ele morreu, Flint. — Desta vez Casey olhou para seu rosto.
Flint afastou as mechas de cabelo castanho de seu rosto. — Não se censure,
Casey. Não foi melhor assim? — Seu sorriso era terno. — Aposto que ele agora está
galopando pelos céus, livre para sempre.
Aquele pensamento fantástico trouxe mais alívio para Casey do que qualquer

- 53 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

outra reflexão lógica que ela tivesse formulado. Era ainda mais consolador quando ela
se recordou do modo como tinham cavalgado pelas colinas antes que Mercúrio caísse.
Permaneceu com a cabeça reclinada no ombro de Flint e a mágoa que sentia diminuiu.
Quando os lábios de Flint tocaram seu cabelo, Casey não conseguiu evitar
chegar-se mais a ele, aninhando-se no calor reconfortante daqueles braços. Sentiu os
lábios de Flint tocarem-lhe a fronte e um arrepio percorreu-a da cabeça aos pés. Ele
beijou em seguida suas pálpebras, a curva do nariz e demorou-se nas menores sardas
de seu rosto. Entre um beijo e outro pronunciava seu nome com a maior ternura.
Abriu os olhos, trêmula, contemplando o fogo que irradiava de seus olhos e
levantou a cabeça para receber seu beijo. Com um gesto decidido ela removeu seu
chapéu, antes que seus lábios clamassem pelos dela. Com a outra mão ela afagou seus
cabelos sedosos, puxando-o para junto dela. Ondas de êxtase percorriam-na inteira e
cada uma delas a deixava mais fraca e mais dócil do que a outra. A umi dade morna da
boca de Flint afogava todas as resistências de Casey. Ao sentir a solicitação cada vez
mais imperiosa de seu beijo, ela abriu os lábios involuntariamente, o que lhe
proporcionou um gozo ainda maior. Seus braços pareciam feitos de aço e a apertavam
com tamanha força que os botões de seu paletó penetraram por entre o trançado de
sua blusa.
Seus lábios se separaram e Flint enterrou a cabeça no pescoço de Casey,
beijando-o com sofreguidão, até fazê-la gemer de prazer. Agora ela conseguia sentir a
batida rápida de seu coração, palpitando tão descompassadamente quanto o dela. Um
tremor delicioso de satisfação percorreu-a inteira ao compreender que o deixara
profundamente excitado, tanto quanto ele a ela.
Flint procurou mais uma vez seus lábios, ávida e possessivamente, enquanto o
desejo de ambos alcançava uma intensidade ainda maior. Subitamente ela sentiu medo
e seus lábios ficaram inertes. Sem ter consciência de que tinha chegado a uma
decisão, começou a lutar para livrar-se daquele corpo que se colava ao dela. Sussurrou
um "não" suplicante com um fio de voz. No início Flint ignorou seu pedido,
intensificando o ardor e a paixão de seu beijo até deixá-la quase sem fôlego. Casey
tentou não corresponder, mas sem sucesso, apesar de sua rebeldia ser evidente.
Logo em seguida o calor de seu corpo desprendeu-se do dela e Flint, ofegante,
debruçou-se sobre Casey. Ela sabia que o rubor provocado pela paixão ainda estava
presente em seu rosto e que seus lábios estavam inchados, devido aos beijos. E que a
chama do desejo ainda brilhava nos olhos dele. Flint contemplou-a silenciosamente por
um momento e afastou-se. Casey abriu a boca para falar, mas ele não permitiu.
— Não se desculpe. — Flint tomou-a firmemente pelos ombros, forçando-a a
encará-lo face a face. — Se... Você não teria conseguido me deter, Casey, e ambos
sabemos disto.
A cólera se refletia em sua voz e em seu rosto. Casey sentiu uma certa
humilhação pelo fato de que era dirigida contra ele e não contra ela. Sentira muito de
perto quanto Flint poderia ser hábil no ato do amor e não tinha a menor certeza de
que teria tentado resistir.
— Monte no meu cavalo e volte para o rancho — ordenou Flint, bruscamente. —

- 54 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

Diga a Sam que venha até aqui ajudar-me a enterrar Mercúrio.


Casey olhou para a carcaça do animal e para as nuvens cinzas que se
esgarçavam no firmamento. Achou que tudo não tinha passado de uma daquelas
tempestades violentas tão comuns naquela região de Nebraska. Uma hora o céu estava
claro e no momento seguinte cobria-se de nuvens e relâmpagos. A tempestade passava
com a mesma rapidez com que surgia, algumas vezes deixando em seu rastro destrui-
ção e devastação. Contemplou Flint e a expressão dura de seu rosto. Seria ele como
uma daquelas tempestades? Chegando inesperadamente, destruindo a rotina pacífica
do rancho, destruindo Casey e partindo sem aviso?
Seu olhar voltou-se para Mercúrio. Algo morre e algo nasce em seu lugar. Mas
o amor que nascera entre ela e Flint não acabava de morrer? E o que nasceria em seu
lugar? Mágoa?
Pobre Mercúrio, pensou consigo mesma, que sorte você tem de ser livre. —
Então cavalgou a montaria de Flint e afastou-se de lá.

CAPITULO VI
A tarde estava insuportavelmente quente. Nem uma folha se agitava no ar. O
sol era uma bola de fogo que castigava a terra arenosa. Casey sentia-se deprimida e
irritadiça e esse estado de ânimo tinha se tornado preponderante naqueles dois
últimos dias. Sua irritação tinha alcançado o auge ao visitar o rancho dos Smith. Fora
até lá combinar o empréstimo do avião para o dia seguinte, pois queria inspecionar as
cercas das divisas do rancho. Infelizmente, no que dizia respeito a Casey, toda a
família estava na varanda quando chegou à sede.
Os pais de Smith saudaram-na com o entusiasmo de sempre, insistindo que ela
se demorasse um pouco e tomasse uma xícara de chá. O silêncio emburrado de Smith
era tão evidente que tornou-se impossível para seus pais não notá-lo. Quando ele
finalmente falou, suas indagações sarcásticas a respeito de "McCallister" provocaram
olhares espantados de seus pais, que contemplaram a expressão carrancuda de Casey
sem entender o que estava acontecendo.
Casey fez o possível para manter-se cortês, mas lá pelas tantas seu
temperamento impulsivo manifestou-se. O Sr. e a Sra. Smith, nervosos, procuraram
não levar a sério as observações um tanto agressivas de Casey e Smith, tratando a
animosidade existente entre o casal como uma briga de namorados.
Entretanto aquela demonstração mal disfarçada de polidez dissipou-se no
momento em que o sr. Smith disse em tom de brincadeira a Smitty:
— Bem, hoje é sexta-feira. Imagino que você vai levar Casey ao cinema à noite,
para ela se distrair um pouco.
— Tenho certeza de que Casey e McCallister têm outros planos para hoje à
noite — replicou Smitty, bruscamente. — Porém vou precisar do carro. — Olhou para
Casey com ar de triunfo. — Acho que vou fazer uma visita a Brenda.
Casey murmurou a primeira desculpa que lhe passou pela cabeça e foi embora.
Subitamente não tinha a menor importância se o avião seria emprestado no dia
seguinte ou nunca mais. Primeiro Flint lhe tinha dado praticamente as costas,

- 55 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

tratando-a como se fosse uma planta venenosa da qual não deveria se aproximar, e
agora Smitty a abandonava por uma garota tão ridícula quanto Brenda Fairlie. Casey
sentiu-se tão confusa que nada parecia mais fazer sentido.
Parte de seus problemas com Flint era invenção dela. Sentia dificuldade em
encará-lo de frente. Um misto de vergonha e exaltação apoderou-se dela. Sentia-se
tão confusa que não sabia se deveria ou não ignorar o que tinha se passado entre os
dois. Mas o tom com que Flint se dirigira a ela sugeriu-lhe qual o caminho a tomar.
Uma mosca varejeira zumbia incomodamente próxima a seu ouvido. Espantou-a
sem muito sucesso e prosseguiu em direção à casa. Tomada de raiva Casey fechou a
porta com toda força assim que entrou na cozinha, que aliás estava estranhamente
vazia. Àquela hora da tarde sua mãe costumava estar por lá preparando o jantar.
Casey procurou não tomar conhecimento do ligeiro mal-estar que sentia e tirou da
geladeira a jarra de chá. Deu uma olhada no fogão vazio, sem nada que indicasse que o
jantar estava sendo providenciado.
Tinha enchido um copo de chá e estava levando-o aos lábios quando ouviu um
som vindo da porta. Olhou, esperando que sua mãe entrasse na cozinha, mas no lugar
dela surgiu Flint. Estava massageando a nuca, como se estivesse fatigado. Olhou Casey
com ar pensativo e distante. Sua expressão era tensa e seu olhar demonstrava
preocupação. Ela dominou o desejo de correr até ele e reconfortá-lo; em vez disso,
ficou de costas para ele.
— Passei metade do dia a sua procura. — O tom irritado com que ele falava
afetou seus nervos já um tanto abalados. Felizmente estava de costas e Flint não
conseguiu notar sua expressão. — Será que você não vai aprender nunca a avisar as
pessoas, quando tem de ir a algum lugar?
— Achei que isso não tinha a menor importância — retrucou Casey com a
mesma irritação. — Onde está mamãe?
— Da próxima vez não pense, apenas faça aquilo que lhe for dito. — Doía-lhe
terrivelmente ouvir Flint dirigir-se a ela como se fosse uma criança. — Quanto a sua
mãe, telefonaram do hospital hoje de manhã. . .
— Papai já está vindo para casa? — Ela esforçou-se para imprimir à sua voz um
tom de contentamento, mesmo sabendo que esse acontecimento significava a partida
de Flint.
— Não.
O tom decidido com que ele respondeu obrigou Casey a engolir em seco,
enquanto esperava ansiosa por uma explicação. Flint estudou-a detidamente antes de
continuar.
— Ele contraiu um vírus. Sua mãe foi até lá hoje de manhã porque o médico
achou que sua condição era crítica.
Ela aspirou avidamente o ar, mas isto não aliviou a dor que sentiu na boca do
estômago. Casey queria que Flint permanecesse no rancho, mas não às custas da saúde
de seu pai. A despeito da dureza de seu rosto, Flint dirigiu-lhe um olhar de
solidariedade.
— Lucille telefonou há alguns minutos dizendo que ele tinha melhorado

- 56 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

consideravelmente — disse Flint, tranqüilizando-a. — Convenci-a de que o lugar dela é


junto a seu pai e ela decidiu permanecer em Scottsbluff com a irmã dela até que ele
tenha alta do hospital.
Flint atravessou a cozinha e serviu-se de uma xícara de chá, enquanto Casey
contemplava-o, silenciosa. Estava tentando acostumar-se com aquela notícia súbita e
com a tensão inabitual que parecia ter-se apoderado de Flint. Ela o tinha estudado tão
freqüentemente naquelas últimas semanas que seria capaz de dizer que havia muito
mais coisas a serem ditas. Ele contemplou o líquido dourado antes de sorvê-lo de uma
só tragada, como se fosse alguma bebida alcoólica. Em seguida voltou-se para ela.
— Telefonei para minha irmã hoje de manhã. — Fez uma pausa, examinando o
rosto de Casey. — Combinei com ela para você ficar em sua companhia até que sua mãe
e seu pai voltem para casa.
— O quê? — Casey ficou atônita. — Do que é que você está falando?
A pergunta foi formulada com suficiente agressividade para deixar Flint tenso
e ele pousou a xícara sobre a mesa.
— Já discuti o assunto com sua mãe e ela concordou comigo que você não
deveria ficar sob o mesmo teto com um homem solteiro.
— E Mark, não conta? Ele está aqui!
— Um garoto de quinze anos não é para ser levado muito em consideração como
companhia.
— Mas isto é um arbítrio! Eu me sinto como uma garota espanhola que precisa
ficar trancada a sete chaves! — Ela sacudiu a cabeça, mal acreditando no que ouvira.
Antes que a ira estampada nos olhos de Flint pudesse ser formulada em voz
alta, ela falou, mas desta vez com mais calma:
— Pode telefonar para sua irmã e dizer-lhe que não irei. Meu lugar é aqui no
rancho. Há trabalho demais para que você o execute sozinho.
A mão dele abateu-se sobre a mesa e a violência do gesto a fez saltar.
— Casey, será que não entra na sua cabeça que não quero que você permaneça
aqui?
Subitamente ela sentiu que perdera todo o fôlego e pôs-se a fitar aqueles
olhos inflexíveis. Sua frieza deixou-a gelada, da mesma forma que seu calor a
queimara, um dia.
Casey deu-lhe as costas, com os olhos cheios de lágrimas. Ele não fizera o
menor mistério quanto à natureza de seus sentimentos em relação a ela. Se tivesse
feito um desenho não poderia ter sido mais claro. Estava cansado dela. Bem, pensou
Casey recompondo-se, sobrara-lhe algum orgulho.
— Irei. — Sua voz calma disfarçava o fato de que ela se reconhecia derrotada.
Ouviu Flint suspirando, mas não era um sinal de alívio e sim de exasperação e
irritação. Suas mãos tomaram-na pelos ombros e fizeram com que ela se voltasse a fim
de encará-lo. Casey controlou rigidamente seus músculos para que eles não reagissem
como queriam, levando-a a abrigar-se em seus braços e em seu peito amplo e
acolhedor.
— Eu conduzi essa história toda muito mal. — Flint parecia escolher as

- 57 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

palavras com cuidado, tentando parecer lógico e controlado. No entanto, a musculatura


do maxilar tremia. — O que eu estou tentando dizer é que aconteceram algumas coisas
entre nós. — Seus olhos enfrentaram os dela, tentando colocá-la mais à vontade.
Casey, porém, permaneceu tensa e inacessível e seu olhar demonstrava frieza e
desafio. Sua falta de cooperação enraiveceu-o. — Se ficássemos aqui a sós. . . — Ele
deixou a frase pelo meio. Casey levantou a sobrancelha, irônica, e o fitou.
— Falando claramente, acho que você se apaixonou por mim — declarou Flint.
Sua expressão severa fez Casey sentir-se humilhada e ela ruborizou-se. Por
que suas emoções tinham de ser tão transparentes para ele?
— De todos os homens egoístas que conheci, você é o pior — disse Casey,
tentando manter sua voz fria e agressiva e controlando-se para não demonstrar
quanto seu corpo tremia. — Você está tão acostumado a que as mulheres dêem em
cima de você que acabou achando que este é um direito que lhe cabe! Com toda esta
sua arrogância, acho que você pensa que basta um beijo para que uma garota passe a
lhe pertencer. — Fez uma pausa e respirou fundo. — Pois fique sabendo de uma coisa,
Flint McCallister: eu não sou uma dessas mulheres com quem você anda. Eu sempre
soube que você era um homem desprezível. Eu me envolvi com você durante um certo
tempo porque queria descobrir qual era seu jogo. Portanto não se dê ao trabalho de
me incluir na lista de suas conquistas!
— Você está me dizendo a verdade? Porque se não estiver, eu. . . — Seus dedos
eram como garras que lhe apertavam os ombros. Ela olhou para ele com altivez,
caçoando de sua tentativa de extrair a verdade dela.
— O que você acha? — retrucou com sarcasmo. — Se você me soltar, irei
arrumar minha mala. Será divertido esclarecer sua irmã a respeito do irmão glorioso
que ela tem.
— Pois vá! — disse Flint com voz rouca, soltando-a abruptamente. — Saia daqui!
— Com prazer — ela retrucou, com igual intensidade.
Quase três horas mais tarde Flint e Casey chegaram ao hospital. John Gilmore
parecia consideravelmente mais fraco, mas ainda assim conseguiu caçoar com a filha,
dizendo que precisou ter baixado no hospital para ficar doente. Casey sentiu-se
surpreendida ao notar que conseguia parecer relaxada e natural diante de seus pais.
Interiormente estava tomada por um sentimento de dor e rejeição, suficientemente
intenso para privá-la de qualquer emoção. Evitou fazer qualquer referência a Flint
McCallister, que permaneceu o tempo todo taciturno. Ele trocou algumas rápidas
palavras com John Gilmore e encostou-se a uma parede, observando Casey o tempo
todo.
Houve um momento em que Casey teve de enfrentar o olhar indagador de seu
pai, logo após sua mãe ter declarado que ela ia se hospedar na casa da irmã de Flint.
Ela entretanto conseguiu levar a coisa na esportiva.
— Que folga, não é mesmo, papai? — disse, e sorriu. — Você aqui no hospital e
eu fazendo uma viagem!
A sra. Gilmore olhou apreensiva para Casey e em seguida para Flint. Apesar da
filha parecer natural, não era o caso de Flint. Mãe alguma deixaria de notar os

- 58 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

acontecimentos que se desenrolaram subterraneamente em sua casa durante aquelas


duas últimas semanas. Talvez tivesse cometido um engano ao concordar com a
sugestão de Flint, de que Casey ficasse com sua irmã. No momento aquela lhe parecera
uma solução sensata. Quando ia pretextar uma desculpa para ficar a sós com a filha e
descobrir se havia algum problema pendente entre ela e Flint, um dos médicos entrou,
para ver se o paciente não estava precisando de nada. Flint aproveitou a
oportunidade e sugeriu que ele e Casey partissem. A tensão por ter de exibir uma
máscara de alegria estava ficando insuportável para Casey e ela concordou
imediatamente. Assegurou a seu pai que voltaria para visitá-lo sempre que pudesse.
Casey nunca supôs que a viagem de Scottsbluff a Ogallala demorasse tanto.
Não imaginou também que Flint pudesse tratá-la com tamanho desdém. Até sua
sobrancelha arqueada, quando ele se voltava para ela, parecia conter uma expressão
agressiva, que aliás casava com a frieza de seus olhos. Quanto a ela, não tentou
contribuir em nada para melhorar o ambiente. Ficou olhando a paisagem o tempo todo,
fingindo que Flint não estava lá.
Quando passaram pela Montanha da Chaminé, toda alaranjada devido ao sol que
se punha, Casey sentiu que as lágrimas, há tanto tempo contidas, subiam-lhe aos olhos.
Ao olhar a montanha, um marco famoso em todo o oeste, ficou a imaginar que
tormentos ainda a esperavam. Compreendeu que o amor que sentia por Flint era autên-
tico e o fato de que ele não a queria doía-lhe como uma ferida fatal, mas seu orgulho
jamais permitiria que ela desse a menor demonstração do fato.
As águas escuras do lago surgiram diante de seus olhos, bem como os
montículos de areia que se estendiam pelo vale do rio da Prata. Casey pôs-se a pensar
cada vez mais sobre a finalidade daquela viagem. Descobriu que sabia muito pouco a
respeito da mulher com quem ia ficar. Seu nome era Gabrielle, tinha vinte e quatro
anos de idade e era escritora. Sentia vontade de fazer algumas perguntas a Flint, mas
reprimia seus impulsos. Dado o modo como se sentia em relação a ele, achava um erro
envolver-se com sua família. Imaginou-se conversando a respeito dele com os seus,
durante dias e dias que lhe pareciam intermináveis. Um sorriso amargo e irônico aflo-
rou-lhe aos lábios quando lembrou ter dito a seu pai que ia partir em férias. Nada mais
distante da verdade. Aquela viagem seria um teste para seus nervos. Naquele
momento achava que não conseguiria enfrentar a situação.
Flint deixou a estrada principal, dirigiu a perua para os lados do lago e
prosseguiu através de uma estradinha precária, até chegar a um grupo de cabanas. Em
meio à luz avermelhada do crepúsculo, o olhar de Casey pousou sobre uma cabana de
linhas bem modernas, tipo chalé, com uma grande varanda na parte de trás e que dava
para o lago. A arquitetura muito simples denotava classe e distinção e foi
provavelmente por esta razão que Casey estremeceu quando Flint se aproximou da
cabana. Para ela aquilo era um símbolo de riqueza, o que a tornava consciente da
simplicidade de suas origens.
O carro parou e seu coração começou a bater mais devagar. Flint desligou o
motor. Casey ficou na expectativa dele abrir-lhe a porta e assinalar o fim da viagem,
mas isto não se deu. O carro estava quase mergulhado na penumbra e ele se voltou

- 59 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

para ela. Seu pulso começou a bater rápido, ao se ver centro de suas atenções. A
distância entre os dois parecia tão pequena que ao menor movimento ela poderia estar
em seus braços. Era surpreendente como sentiu subitamente um frio interior e
recordou com muita nitidez a sensação provocada outrora pelo calor do corpo de Flint
de encontro ao seu.
— Você disse no hospital que ia partir de férias. — O tom de compaixão
presente em sua voz irritava Casey mais do que qualquer agressão. Ela não queria sua
piedade. — Espero que você tenha sido sincera. Aconteceram demasiadas coisas em
muito pouco tempo. Agora entraremos em um ritmo mais suave e você terá tempo de
examinar melhor as coisas e dará a si mesma a oportunidade de descobrir quais são
seus verdadeiros sentimentos.
— Pare de fingir — ela respondeu com amargura. — Você sabe muito bem que
eu disse aquilo apenas para tranqüilizar meu pai. Deixe sua piedade para as pobres
garotas que se apaixonam por um macho chauvinista e egocêntrico como você!
Por um momento os olhos de Flint lançaram uma chispa de ódio.
— O bom senso deveria levá-la a reconhecer que o que estou fazendo é certo.
— O bom senso me diz que eu jamais deveria ter consentido que yocê pusesse
os pés no rancho Anchor Bar. O meu maior erro foi não ter seguido minha intuição. —
Aquela agressividade era a única defesa com que ela contava.
— Você está cometendo um erro ainda maior ao insistir em me repelir —
ameaçou Flint, acercando-se dela um pouco mais.
— De nada adianta conversar com você — replicou Casey com mordacidade,
sem querer admitir que ela ficara ligeiramente intimidada com sua ameaça. Abriu a
porta do carro e saiu, antes que ele pudesse detê-la.
Suas pernas tremiam como geléia, mas Casey conseguiu encará-lo com altivez,
enquanto ele batia a porta do carro com toda força e tirava sua bagagem do porta-
malas. A expressão de desdém em seu rosto provocou-lhe imediata tensão. Tudo o
que desejava era afastar-se dele e dar livre curso às lágrimas. Este impulso, aliás, a
acompanhara durante toda a tarde. Não queria lhe proporcionar a satisfação de saber
que poderia fazê-la chorar. Flint fez um sinal para que ela o precedesse na cabana. Era
difícil manter as costas eretas, o queixo erguido e o andar calmo, sabendo que seus
olhos estavam cravados nela. Sentiu-se imensamente aliviada no momento em que a
porta da frente se abriu e ela se viu inundada de luz.
— Estava começando a achar que vocês não vinham mais! — exclamou a garota
alta e de cabelos pretos em um tom acolhedor de boas-vindas.
— Ele foi muito brusco, não é mesmo? — disse Gabrielle, ou Gaby, como ela
insistiu que Casey a chamasse, comentando a saída de Flint. — Não se pode dizer que
tenha sido um modelo de cortesia.
— Sim, ele foi muito seco — admitiu Casey prontamente, contente por alguém
mais ter notado sua fria indiferença.
Flint tinha se mostrado muito conciso, a ponto de deixá-las constrangidas.
Apresentou-as sumariamente, antes de colocar as malas no chão e dizer que tinha de
voltar para o rancho. Gaby ofereceu-lhe um refresco, mas ele não aceitou,

- 60 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

despedindo-se de Casey com um leve aceno de cabeça.


Apesar de Casey ainda se sentir pouco à vontade, o aperto de mão de Gaby
fora caloroso e acolhedor. Naquele mesmo momento ela estava tentando estabelecer
laços de camaradagem entre ambas. O problema é que Casey descobriu que a partida
súbita de Flint removera sua couraça protetora. A rigidez e a tensão se foram e ela se
sentia perigosamente próxima às lágrimas.
— Tenho algumas bebidas na cozinha. Por que não vai para a sala de estar e se
põe à vontade? — sugeriu Gaby.
Casey olhou-a com gratidão.
— Obrigada, vou sim — concordou.
O aposento era acolhedor e alegre, mas Casey não se sentia com disposição
para apreciá-lo. As paredes eram muito brancas e divididas por largas vigas de
madeira, que davam à sala uma aparência rústica e acolhedora. Uma enorme poltrona
de vime oferecia-se a ela acolhedoramente e Casey refestelou-se em suas almofadas
forradas com uma estamparia muito colorida. Suas mãos inquietas brincaram com a
samambaia em um vaso ao lado da cadeira. Gaby veio até ela alguns minutos mais
tarde, com um copo na mão.
— Acho melhor preveni-la de que pus um pouco de vodca nisso aí — disse,
enquanto Casey levava a bebida à boca.
O gosto de limão refrescou-lhe a garganta seca e a vodca relaxou seus
músculos e aqueceu-a por dentro.
— Você estava com cara de quem precisava de algo bem estimulante —
comentou Gaby.
— Estava, sim — suspirou Casey. Olhou para o copo, ouvindo o gelo tilintar.
— Como está seu pai? — Gaby recostou-se no sofá estofado de azul.
— Muito melhor. Acho que os efeitos do vírus chegaram ao ponto máximo hoje
de manhã. Ele estava bem-humorado hoje à tarde, quando Fli. . . quando eu fui lá. —
Casey estava preocupada em preencher sua mente com pensamentos que a impedissem
de concentrar-se em Flint
— Flint parecia extremamente preocupado quando me telefonou, na hora do
almoço. — Os olhos esverdeados de Gaby estudaram Casey pensativamente antes de
pousarem no bracelete de prata que trazia no pulso. — Ele não é o tipo de pessoa que
se alarma sem motivos. Casey engoliu em seco, mas não conseguiu se livrar do aperto
que sentia na garganta. Gaby fez uma pausa suficientemente longa para dar a Casey
uma oportunidade de tecer um comentário, se este fosse seu desejo.
— Nestes poucos fins de semana que Flint passou conosco, falou-nos um
bocado a respeito de sua família. Ele admira muito seus pais. Você tem dois irmãos,
não é mesmo?
Casey fez sinal que sim.
— Flint acha que o mais novo, Mark, será um rancheiro e tanto. Flint disse que
ele tem uma ligação natural com a terra.
Flint! Flint! Flint! Não havia como escapar dele. As lágrimas inundaram-lhe os
olhos. Em poucos momentos elas estariam escorrendo por seu rosto. Casey pôs-se

- 61 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

subitamente de pé, colocando o copo sobre uma mesinha ao lado.


— Desculpe-me. — Casey lutou para se controlar. Recusava-se a chorar diante
da irmã de Flint. — Sei que ainda é muito cedo, mas eu gostaria muito de. . . —
reprimiu um soluço — me recolher. Meu dia hoje começou bem de manhãzinha.
— Você não precisa se justificar — sorriu Gaby, levantando-se também. — Éu
compreendo.
Levou Casey até um pequeno quarto na parte de trás da cabana, mostrou-lhe
onde ficava o banheiro, abriu as gavetas vazias da cômoda e indicou onde guardar os
vestidos.
— Fique deitada quanto quiser. Trabalho durante a manhã, portanto cubra a
cabeça com o travesseiro quando me ouvir batendo à máquina. Durma bem, Casey.
Assim que a porta se fechou, Casey deixou-se afundar na cama de solteiro.
Com muito esforço tirou os sapatos, as meias e o vestido e deitou-se de costas,
fitando o teto. Neste momento uma cortina de lágrimas desceu sobre seus olhos.
Na manhã do dia seguinte, Casey levou quase meia hora para reparar os danos
provocados pela tempestade de lágrimas da véspera. Mesmo assim os recursos
empregados não conseguiram disfarçar a ausência de cor em seu rosto e a expressão
abatida de seu olhar.
Deu de ombros, achando que não lhe importava mais que impressão sua
aparência produziria, e enfiou um pulôver verde, para combinar com os jeans de um
verde desbotado. Assim que entrou na sala de estar, Gaby saiu da cozinha carregando
uma bandeja.
— Pausa para o café da manhã — anunciou alegremente, caminhando em direção
à porta de vidro que dava para a varanda. — Sempre digo isto quando enfrento
momentos difíceis diante da máquina de escrever. Qualquer desculpa serve para me
afastar daquele monstro! Torradas, geléía e café. . . isto lhe diz alguma coisa?
— Pelo jeito, deve estar uma delícia. — Casey seguiu-a até a varanda. Não
conseguia parar de admirar o quimono verde-água que Gaby usava. Seus longos cabelos
negros estavam presos no alto da cabeça.
— Gosta do meu traje? — perguntou Gaby, ao notar a inspeção prolongada de
Casey. — A maioria das pessoas acha que os escritores devem ser excêntricos e
bizarros. Não gosto de desapontá-las.
— Você usa esta roupa com tanta naturalidade que não consigo imaginar que
alguém a considere bizarra — disse Casey e sorriu, afastando a cadeira da mesa de
ferro batido. — Que tal ser uma escritora?
— Tem seus altos e baixos. Os baixos parecem incrivelmente desanimadores
quando você está olhando para uma folha de papel em branco e o teclado da máquina
de escrever está lá a lembrar que ele existe. Mas não existe felicidade maior do que
ver seu nome assinando um artigo publicado.
Casey sorveu devagarinho o café muito quente, inebriada com seu forte aroma.
— Que tipo de coisas você escreve exatamente? — perguntou, enquanto
espalhava geléia de morangos sobre uma torrada.
.— Contos, artigos para revistas — respondeu Gaby, esboçando um gesto

- 62 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

sugestivo. — O Grande Romance Americano vive rodopiando na minha cabeça, mas até
agora não se pôs a dançar no papel. — Encostou-se na cadeira, mordiscando a torrada,
e contemplou as águas azuis do lago.
O sangue sumiu do rosto de Casey e o perfil aristocrático de Gaby recortou-
se diante de uma nesga de céu azul. Era impressionante como aquela garota
assemelhava-se a Flint. Gaby tinha a mesma conformação dos ossos do rosto, o mesmo
nariz reto e as sobrancelhas arqueadas do irmão. A linha do maxilar era mais
requintada e feminina. Era surpreendentemente bela, à sua maneira. Lembrava
constantemente Flint e tudo o que havia de bonito nele.
— Você está reconhecendo os traços de família? -— Os olhos esverdeados
contemplaram o olhar magoado de Casey, que sentiu muita dificuldade em encará-los.
— Eu. . . eu não sei do que você está falando — gaguejou Casey, tentando
ignorar o olhar direto de Gaby.
— Todos os McCallister se parecem de uma maneira ou de outra. Flint e eu
temos quase a mesma estrutura óssea, apesar de que meu cabelo é mais escuro do que
o dele. Também não tenho aquelas covinhas que surgem toda vez que ele ri. Você
acabaria por notar a semelhança mais cedo ou mais tarde — concluiu Gaby num tom de
voz suave.
Casey tentou disfarçar sua confusão, tomando um gole de café, e reconheceu
que havia uma ligeira semelhança.
— Você está com cara de quem passou a noite chorando.
Ao ouvir um comentário tão direto, Casey não conseguiu impedir que a xícara
chacoalhasse no pires.
— Foi observando as pessoas a meu redor que eu me tornei uma escritora
moderadamente bem-sucedida. Não sou nada sutil e nem pretendo ser. — Seu olhar
suavizou-se enquanto observava emoções conflitantes surgirem no rosto de Casey. —
Aposto que as lágrimas da noite passada eram devidas a meu irmão e não a seu pai.
Acertei?
Casey olhou para ela, atônita. Como era possível que Gaby soubesse? Como
teria adivinhado? Abriu a boca para negar a acusação com veemência, mas em vez
disso deixou escapar um "sim" quase incoerente.
— Você quer conversar sobre este assunto? — indagou Gaby, com muito tato.
Casey levantou a cabeça e olhou-a pensativa.
— Eu falo demais, mas não traio as confidencias que me fazem. Portanto não se
preocupe, pois Flint não ficará sabendo de nada — assegurou-lhe Gaby. — E se você
preferir não me contar nada, não tem a menor importância.
A necessidade de confiar suas mágoas a alguém foi mais forte do que tudo.
Além do mais, havia algo em Gaby — como também em Flint — que dizia a Casey que ela
podia confiar na jovem. Mas as confidencias de Casey foram até determinados limites.
Não revelou os detalhes mais íntimos, resumindo o mais que podia, e terminou dizendo:
— Ele deixou bem claro que não me queria. A serenidade com que ela contou o
que se passava surpreendeu-a.
As palavras pareciam sair de outra pessoa. Talvez isso se desse, pensou,

- 63 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

porque tinha gastado todas as lágrimas na véspera.


— Mas quanta falta de sensibilidade! — Gaby, furiosa, expeliu uma baforada de
fumaça. — Mesmo sendo meu irmão, acho que o comportamento dele foi atroz. — O
verde de seu traje refletia-se em seus olhos. — Se Flint ficou cego a ponto de não
conseguir enxergar a preciosidade que tinha nas mãos, então há de merecer o que está
por vir.
— Do que você está falando? — Casey ficou intrigada com o comentário
enigmático de Gaby.
— Generalidades. — Gaby deu de ombros e levantou-se. — Preciso voltar ao
trabalho. Se tiver vontade, caia na água. As praias aqui são fantásticas.
Alguns momentos depois Casey ouviu o barulho da máquina de escrever.
Suspirou fundo, desejando estar de volta ao rancho, pois lá pelo menos estaria
ocupada com suas tarefas. Agora tudo o que lhe a restava fazer era contemplar a
beleza do lago e suas praias de areias douradas que se infiltravam nas águas azuis. Em
meio a todo aquele esplendor de sol e areia, Casey tornou-se ainda mais consciente de
seu amor sofrido por Flint. O rosto dele dançava na sua frente com uma precisão
dolorosa.
O tilintar agudo do telefone deixou-a momentaneamente assustada, como um
despertador que a acordasse de um pesadelo. Casey ficou à espera de que Gaby
atendesse, mas o barulho distante da máquina de escrever prosseguiu. No quarto
toque Casey levantou-se e foi para a casa. O telefone não parava de chamar. Olhou de
relance para o quarto onde Gaby trabalhava. Talvez não quisesse que ninguém
soubesse que ela se encontrava lá, pensou. Não podia, entretanto, ignorar o aparelho e
acabou por atender. '
— Alô — disse uma voz masculina em tom bem-humorado, fazendo o coração de
Casey disparar. — É você, Gaby?
Por um momento o timbre quente de uma voz masculina fez Casey pensar que
se tratava de Flint. Suas pernas mal a sustentavam e ela deixou-se cair sentada em um
sofá.
— Não, não é Gaby. — Recuperou a voz com muita dificuldade. — Um momento,
vou chamá-la.
Pôs o gancho ao lado do aparelho antes que o homem pudesse falar e dirigiu-se
para o quarto onde Gaby trabalhava. Bateu de leve na porta entreaberta.
— Telefonema para você.
— Quem é? — Gaby levantou os olhos da máquina de escrever com alguma
relutância.
— Eu. . . eu não perguntei. É voz de homem.
— Melhor! — Gaby deu um amplo sorriso e encaminhou-se para a sala de estar.
Foi impossível para Casey deixar de prestar atenção na conversa.
— Alô. . . estava trabalhando. Você sabe como fico quando estou diante da
máquina.de escrever. Podia até explodir uma carga de dinamite debaixo de minha
cadeira. . . Oh, quem atendeu foi Casey Gilmore. Flint nos falou a seu respeito, lembra-
se? Ela vai ficar comigo até o pai deixar o hospital. . . Estou terminando um artigo. Não

- 64 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

quer deixar para o próximo fim de semana? Então está combinado. Até logo, um beijo.
Gaby voltou-se para Casey, após colocar o telefone no gancho. Seus olhos
brilhavam, zombeteiros.
— Você tinha razão, era um homem — disse. — Meu pai! Eles virão no fim de
semana. Mamãe e papai adoram pescar e acham impossível ficar longe deste lago por
muito tempo.
Casey tentou sorrir, mas o resultado foi lastimável. Sabia que não havia a
menor possibilidade de seu pai receber alta do hospital na semana que entrava. Teria
de submeter-se a exames durante mais dez dias. Já não bastava o fato de ter de
ficar na companhia da irmã de Flint? Teria também de conhecer seus pais?
Se Gaby notou sua falta de entusiasmo diante das notícias, não fez o menor
comentário. Desculpou-se rapidamente e voltou para o quartinho onde costumava
trabalhar.

CAPITULO VII
Parecia que um caracol guiava os ponteiros do relógio e Casey podia jurar que
cada dia tinha quarenta e oito horas. Quarenta e oito horas durante as quais a
enormidade de seu amor pesava como um fardo sobre seus ombros, deixando-a a tal
ponto arreada que ela sentiu que não teria mais forças para suportar. Gaby tinha feito
o que pudera nos últimos quatro dias para ajudar Casey a preencher o tempo. Tra-
balhava somente durante a manhã e dedicava o resto do dia a planejar atividades para
as duas.
Por duas vezes levou Casey a Scottsbluff em seu carrinho esporte para que ela
visitasse o pai. As horas, porém, decorriam carregadas de tensão e Casey tinha de
tomar cuidado com tudo o que dizia para não trair o verdadeiro estado de suas
emoções. Seu pai tinha melhorado consideravelmente e estava ansioso por voltar para
casa. Pela primeira vez Casey sentiu dificuldade em discutir os assuntos do rancho
com ele. Parecia que o nome de Flint interpunha-se em todas as frases que ela
pronunciava. Sua vida estava solidamente ligada à dele.
Gaby, extremamente perspicaz, percebeu o problema e imediatamente
predispôs-se a dar um jeito na situação. Nas tardes que se seguiram levou Casey para
um passeio até Ogallala, que ficava a uns quinze quilômetros do lago. A Mansão da
Colina, a rua principal, o cemitério, todas as atrações que faziam de Ogallala a "Capital
Cowboy de Nebraska" foram mostradas a Casey. No entanto os retratos desbotados
dos cowboys no museu serviram apenas para evocar imagens de Flint. Casey observara
freqüentemente sua silhueta recortada contra o céu e seu olhar perdido espreitava o
horizonte sem fim. A solidão do cemitério encontrou eco na solidão de seu próprio
coração.
Gaby levou-a em seguida para fazer compras, fazendo-a experimentar vestido
após vestido e insistindo que todos eles lhe caíam muito bem. Ela não resistiu aos mais
coloridos, pois sabia que as cores quentes realçavam sua beleza. Comprou roupas
sofisticadas, tentando criar uma nova imagem, mas perguntando-se logo em seguida
quais as razões para preocupações daquele tipo. Tecidos coloridos não podiam

- 65 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

penetrar em seu coração e aliviar a dor que ela sentia.


O fato de estar na companhia de Gaby fortificou a resolução de Casey de lutar
contra aquilo que a atormentava. O único problema é que se tratava de uma guerra de
grandes proporções. A batalha se desenrolava toda vez que a imagem de Flint
desfilava diante de seus olhos. Inquieta e irritadiça, Casey só conseguia encontrar
alívio à medida em que se dedicava a atividades constantes. Conseguia ir para a cama à
noite certa de que sua exaustão lhe proporcionaria um sono instantâneo. Mas o
repouso noturno, pesado e sem sonhos, embora servindo para espantar os pesadelos,
terminava de manhã bem cedo. Seguia-se um dia interminável, que a desafiava a
preenchê-lo sem a presença de Flint.
Que som era aquele? O da brisa soprando através das árvores ou o seu suspiro
fundo? Casey ficou na dúvida. Algumas vezes os dois sons combinavam tão bem que
parecia que a terra a acompanhava em suas lamentações.
O relógio de pulso marcava quase nove horas. Casey foi passear na praia e logo
perdeu de vista a cabana onde Gaby estava trabalhando. Subiu em uma pedra e pôs-se
a contemplar o lago e os barcos que singravam suas águas. Tirou um cigarro da
carteira e acendeu-o desajeitadamente. Fumar era o seu hábito mais recente. Ao
mesmo tempo que mantinha suas mãos ocupadas, não contribuía em nada para relaxá-
la, provocando-lhe somente uma sensação de queimadura na garganta.
Ficou sentada sobre a pedra, imóvel, deixando o sol queimar-lhe as pernas. Era
estranho como a inatividade física proporcionava imediatamente à sua mente a
oportunidade de evocar recordações de Flint. . . O calor do sol sobre sua pele
relembrava o fogo contido em seu beijo. Bastava cerrar os olhos para sentir a
respiração dele sobre seu rosto e os beijos que a faziam gemer de prazer. O tremor
que estas lembranças lhe causavam era doloroso e violento.
— Não é justo! — disse num gemido e levantou-se rapidamente.
A natureza inteira conspirava contra ela. Até mesmo as nuvens escuras no
horizonte evocavam a cor dos olhos dele — um cinza que ia do brilho da prata antiga ao
tom violento das nuvens carregadas de chuva, terminando na dureza metálica do ferro
e do aço.
Casey ficou parada por um momento diante da beira do lago. Tirou as sandálias,
a saída de praia, o relógio e guardou-os junto com a bolsa e a toalha antes de entrar
na água. Teve uma sensação agradável ao sentir a água fresca sobre sua pele quente e
depois de alguns momentos pôs-se a nadar. Afastou-se cada vez mais da praia, pro-
curando a exaustão física para afastar de si as lembranças insuportáveis que a
perseguiam. Dava duas, três, quatro braçadas, punha a cabeça fora da água para
expelir o ar dos pulmões e respirar novamente.
O sangue subiu-lhe à cabeça, ela fendia as águas com movimentos cada vez
mais enérgicos, e nesse momento ouviu uma voz que a chamava. Durante um segundo
teve a sensação de que a voz vinha de perto, apesar de não se lembrar de ter visto
outros banhistas na praia. De repente sua mão encontrou um obstáculo sólido à sua
frente. A força das águas levou-a a chocar-se contra aquela massa e sentiu uma dor
aguda na cabeça. Submergiu nas águas e lutou para voltar à superfície, tentando

- 66 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

sobrepor-se à dor que lhe comprimia o crânio. Sentiu que uma mão a agarrava por um
braço e em seguida pelo outro. Subitamente foi retirada das águas e deitou-se
arfante na ponte de um pequeno barco a vela. Sacudiu a cabeça e tentou enxergar
através da cortina de água que se adensava em suas pestanas.
— Você está bem? — Alguém se inclinava sobre ela. Casey piscou e limpou os
olhos. — Eu a chamei, porém você não me ouviu. O vento parou de soprar e o barco não
obedecia a meu comando.
Casey sentou-se; uma leve tontura a impedia de fazer qualquer outro
movimento.
— Estou bem. Um tanto trêmula, mas é só. — Sua voz oscilava, mas mesmo
assim ela sorriu ligeiramente a fim de tranqüilizar o jovem agachado com tanta
ansiedade ao seu lado.
Ele sorriu aliviado.
— Há café na garrafa térmica. Acho melhor você tomar um pouco. — Andou
cuidadosamente para a outra extremidade do barco, onde havia uma cesta de vime.
Casey aproveitou a oportunidade para estudar o seu salvador. Não era muito
mais velho do que ela; talvez tivesse vinte e dois ou vinte e três anos. De pé deveria
medir um metro e oitenta, imaginou. O cabelo muito loiro estava quase branco, devido
ao sol, e ele o usava bem comprido. Sua pele estava muito queimada e adquirira um tom
fantástico. Quando ele se voltou para ela, Casey notou que seus olhos eram azuis e
brilhantes. Por mais irônico que parecesse, o que chamou a atenção dela não foi o fato
do rapaz ser muito atraente e sim a sua total falta de semelhança com Flint. Na
verdade, o contraste entre ambos era total.
Ele sorriu, mostrando dentes muito alvos, e estendeu-lhe uma xícara cheia de
café bem quente. Esperou pacientemente enquanto Casey o tomava com cuidado. A
bebida aqueceu-a um pouco.
— Obrigada — disse, sorrindo para ele com gratidão. — Está muito bom.
— Você não bateu a cabeça com muita força, não é mesmo? Espero que não
tenha ficado com alguma contusão. — Seus olhos azuis percorreram o rosto e os
cabelos de Casey, como se pudesse encontrar alguma evidência exterior que
confirmasse o que ele temia.
— Na verdade, não sei. — Ela riu um tanto nervosa, tocando o ponto
machucado. Não havia a menor dúvida de que estava inchado, mas Casey tinha certeza
de que não passava de um galo. — Acho que não foi nada sério.
— Ainda bem. — Ele sorriu, aliviado, e sacudiu a cabeça. Estendeu-lhe a mão. —
Meu nome é Sean, Sean Sorenson. Foi um prazer conhecê-la, srta.
— Casey Gilmore.
A vela vermelha e amarela se enfunou, no momento em que o vento recomeçou
a soprar. Sean pôs-se imediatamente a agir, apoderando-se do leme. Casey, que nunca
havia estado em um barco a vela, olhava-o com interesse. Em seguida a embarcação
começou a abrir sulcos na superfície das águas.
— Que tal um passeio pelo lago? É uma espécie de compensação pela batida da
cabeça — disse Sean.

- 67 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

Casey hesitou. Na verdade não o conhecia, apesar de ter gostado dele. Ele não
parecia ser um tipo atrevido, mas como saber?
— Prometo que não darei sumiço em você — ele acrescentou, ao notar sua
hesitação. Um brilho malicioso surgiu em seus olhos.
— Manterei o barco perto da praia. Se eu me tornar inconveniente, você pode
pular para dentro da água e ir nadando até a praia. Casey então riu.
— Gostaria muito de dar esse passeio. É a primeira vez que estou num barco a
vela. Sempre achei que devia ser divertido.
— Pois então prepare-se para uma bela aventura — afirmou Sean, com a
atenção voltada para a vela e para o leme.
E foi o que aconteceu. O barco deslizava sobre as águas como um cisne. Sean
manteve a palavra dada e não se afastou nem por um momento da praia. Casey sentiu-
se como se estivesse sendo transportada em um tapete mágico, a tal ponto a viagem
era silenciosa, sem o barulho importuno do motor para interromper a calma.
Pequenas ilhotas de pedra emergiam do lago, fantásticas em sua beleza áspera.
A longa sucessão de praias brilhava ao sol e a água que batia no casco do barco
refletia o azul do céu. Calções de banho muito coloridos pontilhavam a praia, na qual
turistas em férias gozavam aquele paraíso de sol e praias, que se assemelhava a um
oásis no meio das planícies.
Tudo aquilo deixou Casey incrivelmente entusiasmada. Disse para si mesma que
quase tinha esquecido Flint, mas ao formular este pensamento voltou a lembrar-se
dele. Sentia vagamente o desejo de que ele estivesse naquele momento em sua
companhia. As pétalas muito alvas de uma flor de cardo, plantado no alto de uma
elevação, despertaram-lhe a atenção e ela não ouviu quando Sean a chamou.
— Hei, Casey! — ele voltou a chamar.
Ela voltou-se para ele, com os olhos enevoados de lágrimas. Limpou-as
furtivamente e fez sinal para que Sean falasse mais alto, pois o vento soprava forte e
ela mal conseguia ouvi-lo.
— Há um porto logo adiante e tem um restaurante muito bom. Gostaria de
comer um sanduíche?
Ela sorriu em sinal de aquiescência. Voltou-se para o lago, dando-lhe as costas,
de modo a não precisar falar. Alguns minutos mais tarde ele manobrava o barco em
direção ao cais e ali chegando saltou em terra firme. Casey tomou a mão que ele lhe
estendia e logo em seguida estava a seu lado.
— Espere um pouco — ele disse, saltando novamente para dentro do barco, e
substituindo o blusão que usava por uma camisa amarela. Ofereceu o blusão a Casey.
— Pode usá-lo. . . e isto aqui também, se quiser. — Sean jogou um par de
sandálias de couro aos pés de Casey. — Talvez elas fiquem um pouco largas, mas é só
para quebrar o galho.
O blusão azul combinava às mil maravilhas com seu biquíni azul e dourado. Os
punhos eram forrados com elástico e Casey podia puxar as mangas até o cotovelo.
Ambos riram enquanto Casey andava desajeitadamente com aquelas sandálias grandes
demais. Era difícil acostumar-se a elas.

- 68 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

Ao chegarem ao restaurante, Casey pediu um hambúrguer e uma Coca-Cola e


Sean ordenou algo mais reforçado. Havia dois dias que seu apetite era praticamente
inexistente e ficou surpreendida ao notar que comia o sanduíche sem maiores
dificuldades. A conversa com Sean, de certo modo uma pessoa estranha, desenrolou-
se muito à vontade. Falaram de generalidades e não se aprofundaram em nenhum
assunto. Casey ficou sabendo que ele estudava em uma universidade e trabalhava em
Ogallala durante o verão.
— Trabalho em um daqueles clubes à beira do lago, manobrando barcos, etc. —
disse. — Nos meus dias de folga saio para velejar. Os barcos são minha paixão, ao lado
da Medicina. E você? Mora, trabalha ou está aqui apenas a passeio?
Casey sorriu.
— Minha família tem um rancho mais para o norte do Estado. Meu pai fraturou
a bacia na primavera, ao cair de um cavalo, e está internado no hospital de
Scottsbluff. Ele contratou alguém para substituí-lo. Como minha mãe ficou fazendo
companhia a meu pai no hospital, vi-me obrigada a vir aqui para Ogallala, pois não podia
permanecer sozinha no rancho com um homem solteiro.
— Uma atitude bem comportada — disse Sean, rindo. — Com quem você está
hospedada?
Casey hesitou, tomando a Coca-Cola através de um canudinho.
— Gabrielle McCallister. É irmã do homem que contratamos.
— McCallister! — exclamou Sean admirado, estudando Casey com novos olhos.
— Isto é o que se chama de um assalariado regiamente pago. Espero que você esteja
se referindo àquela família de rancheiros milionários.
Sentiu uma certa rigidez no pescoço. Não gostava dos rumos que a conversa
estava tomando e arrependeu-se de ter respondido a pergunta. Procurou controlar sua
crescente irritação. Sean com toda certeza não pretendera mostrar-se agressivo e
ela voltava a comportar-se infantilmente.
— Meu pai queria o que houvesse de melhor — disse finalmente.
— Pelo que sei, ele acabou conseguindo.
— Que horas serão? — Casey agitou-se na cadeira. — Gaby já deve estar a
minha espera.
Sean olhou para o relógio acima da porta do restaurante.
— Um quarto para a uma.
Casey olhou o relógio, espantada. O passeio não parecia ter demorado nada.
Costumava sempre voltar da praia por volta de meio-dia. Tinha certeza de que Gaby
estaria preocupada. Voltou-se rapidamente para Sean.
— Você não repara? Tenho de ir embora imediatamente. Não me dei conta de
que era tão tarde. — Casey levantou-se da cadeira, para enfatizar a sua afirmativa.
— Não, não, absolutamente. — Sean também ficou de pé, tirando dinheiro do
bolso da camisa.
Eles tinham se distanciado bastante do ponto onde Casey encontrara Sean. O
sol já cumprira metade de sua trajetória e dardejava seus raios sobre eles. O lago era
como uma superfície de vidro, refletindo todo o brilho do astro-rei. O vento, que

- 69 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

antes soprara com bastante intensidade, agora não passava de uma brisa ligeira.
Casey tinha pressa em voltar e Sean pôs-se a remar para impulsionar o barco,
cujas velas enfunavam quando o vento ocasionalmente soprava. Finalmente ela localizou
as pedras próximas a uma touceira onde tinha deixado suas coisas. Sean dirigiu o
barco para um ponto da praia onde a areia se acumulava.
— Gostei demais do passeio — disse Casey, tentando expressar sua
sinceridade, apesar de estar com uma pressa enorme. Tirou o blusão de Sean e
devolveu-o. — E muito obrigada pelo almoço.
— Gostaria de vê-la novamente, Casey. — Seus olhos azuis percorreram o
rosto dela, admirando-a.
Ela passara momentos agradáveis, mas não tinha certeza de querer repeti-los.
— Não sei quanto tempo ainda vou ficar por aqui — declarou.
— Provavelmente voltaremos a nos encontrar na praia. Lá a gente marca um
encontro, está certo? — sugeriu Sean, esperançoso.
— Está bem — ela concordou, nervosamente. — Já está na hora de eu ir. Até a
vista, Sean.
Casey ajudou-o a empurrar o barco para dentro da água e permaneceu na praia
o tempo suficiente para lhe acenar um adeus antes de correr para o lugar onde tinha
deixado suas coisas. Ao chegar lá não as encontrou mais. Ela mal podia acreditar no
que via. Olhou em torno. Tinha certeza de que aquele era o lugar correto. Claro, tinha
se afastado o suficiente para poder ter sido roubada. Muito aborrecida, encaminhou-
se para a cabana, censurando sua própria estupidez por ter deixado seus pertences à
vista de todo mundo.
Ao passar perto da touceira ouviu um barulho de galhos e folhas, bem como de
seixos que rolavam. Olhou apreensiva em direção àquele lugar sombrio e ficou
estatelada ao notar que uma figura alta e esguia saía de dentro dos arbustos. Sentiu
como se tivesse recebido um choque elétrico e levou a mão ao peito, para deter as
batidas furiosas do coração.
— Você estava procurando suas coisas? — Olhos tão cinzentos e frios como as
pontas de um iceberg pousaram sobre Casey, e Flint estendeu a mão que segurava as
roupas dela. Não se tratava de uma aparição. Ele estava diante dela e sua presença era
absolutamente real.
— Como. . . como foi que você chegou aqui? — Quase sem poder respirar,
disciplinou seus pensamentos e tentou dominar o tremor que se apoderou de sua voz.
— O que está fazendo aqui?
-— Seguindo a pista de uma criatura irresponsável! — ele retrucou,
agressivamente.
Uma onda de calor subiu ao rosto de Casey, enquanto o olhar de Flint percorria
seu corpo desnudo. O fato de exibir seu corpo não havia deixado Casey preocupada
até aquele momento, mas o modo como ele a olhava a fazia sentir-se indecente.
Esboçou um gesto involuntário de cobrir os seios.
— Vista-se — ordenou Flint, entregando-lhe a saída de praia.
Casey obedeceu de bom grado. Pelo menos assim sua pele não queimava, ao

- 70 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

sentir o olhar dele. Seus olhos ficaram presos aos de Flint até que a intensidade de
seu olhar forçou-a a desviá-los.
— Acho melhor voltar para a cabana — murmurou Casey, dando-lhe as costas.
— Gaby já deve estar preocupada.
— Preocupada! — Flint cobriu a distância entre eles antes que Casey desse o
primeiro passo. Tomou-a pelos ombros e sacudiu-a violentamente, sem se deixar
comover por seu olhar assustado. — Sua idiota! Por que acha que estou aqui? Gaby
quase enlouqueceu de tanta aflição!
— Você. . . está me machucando! — gemeu Casey apavorada, mesmo sentindo
quanto era excitante ser tocada por ele.
— Pois eu gostaria de fazer muito mais do que isto! — Ele parou de sacudi-la,
porém não a soltou. Seus olhos mergulharam nos dela. — Quando penso no que você fez
Gaby passar, sinto vontade de estrangulá-la.
Casey tentou desvencilhar-se dele, mas ele a agarrou com força ainda maior. A
luta dela, porém, era muito mais forte do que a daquelas mãos que seguravam seus
ombros. Lutava contra o desejo de estar em seus braços, de voltar seu rosto para o
dele e de provocar o estímulo físico que ela sabia ser perfeitamente capaz de
despertar. Tudo o que desejava era passar os braços em volta dele, segurá-lo bem
junto dela e nunca mais deixá-lo partir. Casey engoliu em seco para se controlar e
forçar seu corpo a obedecer a mente e não ao seu coração.
— Sei que me atrasei — disse Casey, com toda calma. — Não houve como
evitar. O vento parou de soprar e a brisa não era suficiente para mover a vela. Sean
teve de remar durante quase todo o caminho de volta.
— Ah, Sean fez isto, é? Quanta gentileza — zombou Flint. Seu olhar insolente
provocava uma dor ainda maior. — É uma desculpa tão boa quanto a de faltar gasolina
no carro, não é mesmo?
Sua fúria explodiu com intensidade e sua mão abateu-se sobre o rosto de
Flint. O formigamento que sentiu na palma da mão não lhe revelou claramente o que
acabara de fazer. A marca vermelha que surgiu em seu rosto era mais eloqüente do
que tudo. A reação de Flint foi imediata. Antes que ela pudesse se mover, ele prendeu
seus braços atrás das costas, ao mesmo tempo que a arrastava em direção ao tronco
de uma árvore caída. Colocou-a sobre os joelhos sem o menor esforço, ignorando seus
pés que se debatiam, e começou a golpear seu traseiro com palmadas vigorosas. Ele
permaneceu imperturbável diante de seus gritos de dor e indignação. Finalmente
soltou-a e pôs-se a contemplar as lágrimas de raiva que lhe escorriam pela face. Casey
esfregava a parte machucada de seu corpo, ao mesmo tempo que o olhava com rancor.
— Você gostaria de tentar repetir o que fez? — Flint ficou parado diante dela,
com a mão na cintura e uma expressão de desafio no olhar. — Pois se tentar, eu
repetirei a dose com o maior prazer.
— Eu o odeio. — Sua voz estava completamente rouca. — Eu o odeio!
— E você acha que devo ficar surpreendido? — ele disse, caçoando.
— Pouco me importa! — Seus olhos castanhos pousaram nele com altivez. —
Estou cansada de ser tratada como uma criança por você. Tenho vinte e um anos. Tudo

- 71 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

o que desejo é que você fique fora de minha vida. — Era impossível pedir-lhe que
ficasse fora de seu coração.
— Mal posso esperar o dia em que poderei lavar as mãos em relação a você.
Não se preocupe. Agora tudo o que desejo é tranqüilizar Gaby. — Flint estendeu a mão
e agarrou-a pelo pulso, arrastando-a em direção ao automóvel.
Muito brusco, fez com que ela se sentasse no assento dianteiro, atirando seus
pertences no banco de trás, e acomodou-se ao lado dela. Olhou-a de soslaio para
certificar-se de que ela não estava tentando escapar. Casey permaneceu muito tensa e
ereta, mantendo propositadamente os olhos cravados na paisagem que se desenrolava.
Era difícil ignorar a dor na parte inferior de seu corpo, sobretudo porque o calor do
sol esquentava o estofamento do banco. Flint ligou a chave e esperou durante alguns
momentos antes de dar a partida. Casey conseguia sentir seus olhos sobre ela, mas
recusou-se a enfrentá-los.
— Casey, quero que você me prometa uma coisa — disse Flint, taciturno.
Ela voltou seu olhar hostil para ele.
— Você não se cansa de mandar nas pessoas?
— Quero que você prometa que nunca mais voltará a sair sem dizer a Gaby
onde foi. — Flint ignorou completamente seu ar zombeteiro, apesar do ar de ameaça
que surgiu em seus olhos.
— Por que não transforma seu pedido em uma ordem? — Seu sorriso agridoce
combinava com o brilho do olhar. — Afinal de contas, você é quem manda em tudo.
— Nós poderíamos ficar trocando insultos o dia inteiro — respondeu Flint, com
muita paciência. Ele estava fazendo o possível para se controlar e Casey tentava
irritá-lo por todos os meios. — Tudo o que eu quero é sua palavra de que não voltará a
colocar Gaby em uma situação dessas, preocupada desde as nove da manhã com o que
poderia estar acontecendo. Faço este pedido por ela, não por mim.
— Desde manhã? — indagou Casey, intrigada. — E por que estaria ela me
procurando desde aquela hora? Eu só volto da praia lá pelo meio-dia. Ela sempre
trabalha no período da manhã.
-— Eu telefonei hoje de manhã, pois queria falar com você. O motivo do meu
telefonema agora não vem ao caso. Ela foi até a praia procurá-la e não encontrou o
menor vestígio seu, a não ser seus pertences, deixados na areia. Gaby naturalmente
imaginou que você tivesse ido nadar. E a partir do momento que não a viu na água, ficou
com medo de que você tivesse se afogado. Ainda bem que Gaby não é o tipo de pessoa
que entra em pânico. Em vez de convocar os salva-vidas e pedir-lhes que vasculhassem
o lago, tentando localizar seu corpo, ela me telefonou e poupou-nos um bocado de
constrangimento, pois você passou toda a manhã na companhia de seu namorado.
— Ele não é meu namorado — replicou Casey com aspereza, ainda espantada
com a notícia de que tinham estado à sua procura desde as nove horas da manhã.
— Não tenho nada a ver com isso — respondeu Flint, com igual agressividade.
— Estou pouco me importando se ele é seu primo, seu amigo ou seu amante!
Não lhe deu oportunidade de responder. Ligou imediatamente o motor, de tal
forma que o que quer que fosse que ela tivesse a dizer perdeu-se em meio ao barulho.

- 72 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

Ela mordeu os lábios com toda força para reprimir as lágrimas, até que o gosto de
sangue a tornou consciente do que estava fazendo. Sabia, porém, que teria preferido
que Gaby chamasse os salva-vidas e estaria disposta a fornecer todas as
explicações, mas não suportava ser acusada por Flint.
Gaby estava na varanda quando eles voltaram e imediatamente percebeu a
tensão existente entre os dois. Se Casey não tivesse tão envolvida em suas próprias
emoções, teria notado que o rosto de Gaby exprimia uma notável ausência de
ansiedade.
— Casey, você está bem? — Gaby deu um passo adiante e abraçou-a. — Você
nos fez passar por um grande susto. Onde estava?
— Fui velejar — respondeu Casey antes que Flint fizesse alguma observação
sarcástica. — Acho que perdi a noção de tempo.
— Não há dúvida de que ela estava embalada demais com quem lhe fazia
companhia. . . — Flint olhou para ela rapidamente.
— Companhia? — repetiu Gaby, olhando para Casey como quem pedia uma
explicação.
Casey, muito a contragosto, entrou em detalhes, consciente de que aqueles
olhos cinzentos não se despregavam dela.
— Conheci um rapaz que trabalha em um dos clubes daqui. Ele se ofereceu para
me levar em um barco a vela e eu aceitei.
Suas palavras foram seguidas por um silêncio um tanto incômodo. Aquela súbita
ausência de sons parecia ter sido orquestrada por Flint, a fim de que a tolice de sua
atitude pudesse ser ressaltada.
— Gaby, providencie uma bebida para a gente. — Flint não tirou os olhos dela,
nem mesmo quando fez o pedido à sua irmã.
Gaby, intrigada, levantou a sobrancelha, antes de deixar a varanda. O calor
tornou-se subitamente opressivo e Casey achou que a atmosfera reinante na varanda
era insuportavelmente desconfortável. Apoiou-se na grade, contemplando o lago e suas
águas refrescantes. Com muita hesitação olhou para Flint. Sentiu um frio na boca do
estômago ao ver seu rosto queimado de sol e seus cabelos castanhos.
— O que você quis dizer, ao falar que conheceu um rapaz? — ele perguntou,
com ar taciturno.
—- Exatamente o que você entendeu. — Deu-lhe as costas e apoiou as mãos na
grade da varanda com tamanha força, que os dedos começaram a doer.
—- Quando foi que você o conheceu? — Flint prosseguia em seu interrogatório.
O modo súbito pelo qual seu coração pôs-se a disparar indicou que ele estava se
aproximando cada vez mais.
— Hoje — ela respondeu em um tom ligeiro e propositadamente
despreocupado.
— Você está querendo dizer que ficou conhecendo um estranho e foi velejar
com ele? — Não havia como ignorar a cólera em sua voz. Uma mão invisível pousou
sobre seu coração e apertou-o até que Casey sentiu vontade de gritar de dor. — Você
permitiu que um tipo absolutamente estranho a levasse em sua companhia? É possível

- 73 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

que você seja ingênua a esse ponto?


— Pare com esses exageros! — retrucou Casey. O modo como ele a criticava
era insuportável. Flint jamais acreditaria quão inocente a manhã tinha sido. — Sean é
um rapaz muito gentil e não lhe passou pela mente nada que não dissesse respeito a um
passeio de barco.
Flint tomou-a pelos ombros e fez com que ela se voltasse, puxando para baixo
sua saída de praia. O biquíni de Casey ficou exposto perante seus olhos severos.
— Com você vestida desse jeito, ele só tinha mesmo que pensar em um passeio
de barco. . .
— Mas o que é que há? — retrucou Casey. Seus olhos lançavam chispas e ela
enfrentava os dele, numa atitude de desafio. — Você está arrependido por não ter me
seduzido quando a oportunidade surgiu?
Podia sentir a incrível tensão no corpo de Flint e que se refletia nas mãos que a
agarravam. O olhar dele demorou-se em seus lábios trêmulos e uma onda de calor
percorreu todo seu corpo. Seus lábios entreabriram-se, antecipando o beijo, e ela
sentiu-se inteiramente possuída pelo desejo. Conseguiu detectar nos olhos dele que o
que ela estava sentindo naquele momento encontrava correspondência. Flint fez um
gesto de puxá-la para si e neste momento a porta da casa abriu-se de par em par.
— Desculpem! Acho que dei um fora. Vou lá dentro buscar uns biscoitos —
disse Gaby com muito bom humor, ao ver o casal. Deu-lhes as costas e entrou em casa.
— Não se incomode — disse Flint, soltando Casey e encaminhando-se para uma
mesinha. — Você não interrompeu nada.
— Pois então me enganei — comentou Gaby, com um amplo sorriso. — Achei que
estava metendo o nariz onde não era chamada.
Casey dominou-se com um pouco mais de lentidão, pois precisava de tempo para
controlar suas emoções. O silêncio reinante na mesa era tão denso que podia ser
cortado com uma faca e servido em porções generosas. Sua mão tremia demais e ela
não se aventurava a pegar um copo. Permaneceu imóvel na cadeira, fingindo que exa-
minava um fiapo na manga da saída de praia. Ao ouvir a cadeira de Flint rangendo
levantou os olhos para ele. Sentiu-se prisioneira da expressão de cansaço e derrota
que seu olhar revelava. Por um breve momento poderia ter jurado que seus olhos
suplicavam algo e sentiu-se abalada. Bastou entretanto um segundo para eles se
tornarem novamente duros, austeros e inflexíveis.
— Preciso voltar para o rancho — declarou Flint abruptamente. — Você é
suficientemente bem-educada para me acompanhar até o carro, Casey?
Ela fez o que estava a seu alcance para firmar-se em suas pernas
bamboleantes, enquanto Gaby murmurava que ia dar um jeito na casa. Como desejou
que Gaby a tivesse acompanhado! Assim Flint não a submeteria mais a seus
comentários agressivos. Ele esperou com fria polidez que ela passasse a sua frente.
Sua atitude corporal era rígida e antinatural e a expressão irritada de Flint revelou-
lhe que ele tinha notado quanto ela se sentia mal.
— Sinto muito que você tenha vindo até aqui inutilmente — disse Casey, assim
que chegaram perto da perua. — Seria bom se eu tivesse morrido afogada; assim você

- 74 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

não teria perdido a viagem.


— Mesmo que você tivesse morrido — respondeu Flint, sem tirar os olhos de
seu rosto tenso —, acho que voltaria para me assombrar. — Abriu a porta do carro,
acomodou-se e olhou para ela com uma ternura desconcertante. — Acho que é inútil
sugerir que você não volte a ver aquele rapaz.
— Acho que é, sim. — Ela respondeu com a maior calma, pois não tinha a
intenção ou desejo de voltar a ver Sean.
— Acho que você não está planejando encontrá-lo novamente. — Ele esboçou
um sorriso zombeteiro, ao mesmo tempo que estudava seu rosto. — Só que você quer
me deixar na dúvida.
— Mas como você é perspicaz! — Casey assumiu um gesto de desafio. —-
Talvez eu me encontre com ele hoje à noite.
— Talvez. — Os olhos de Flint brilharam maliciosamente. — Algo, porém, me
diz que você não irá.
— Já o acompanhei até a perua, sr. McCallister. Está na hora de ir embora. —
Ele tinha certeza absoluta de que não estava enganado, o que a deixou bastante
irritada.
— Você ainda é aquela flor carregada de espinhos que tenta ferir a todos que
se aproximam demasiado, não é mesmo, Casey? — zombou Flint, dando partida no
carro.
— Só quando se trata da pessoa errada. — Ela deu-lhe as costas e encaminhou-
se para a cabana, notando o riso irônico que aflorou aos lábios de Flint.

CAPITULO VIII
— Quero lhe apresentar meu pai, Lucas McCallister. — Gaby tomou
afetuosamente pelo braço aquele homem alto que se parecia impressionantemente com
Flint.
Casey encontrou a maior dificuldade em encarar aqueles olhos de um cinza
claro, tão semelhante aos de Flint quando ele estava de bom humor. O sorriso
incrivelmente encantador era o mesmo: um dos cantos da boca levantava-se mais do
que o outro, mas o cabelo do pai era de uma tonalidade mais escura de castanho, com
um toque grisalho nas têmporas, que lhe dava um ar de grande distinção. Ele ainda era
uma figura imponente, consideravelmente atraente se se levasse em conta sua idade.
— Como vai, Casey Gilmore? — Apertou a mão dela calorosamente e o timbre
agradável de sua voz conseguiu acalmá-la um pouco. Encarou-o com alguma hesitação e
sentiu-se envolvida pelo brilho que se desprendia de seus olhos. — Há muito que
queríamos conhecê-la.
Lucas McCallister sorriu afetuosamente para a senhora esguia a seu lado.
Olhos de um verde profundo sorriram para Casey. Era impossível não retribuir o
sorriso.
— Ouvimos falar tanto de você, Casey, que até parece fazer parte da família.
— O modo como ela sorria era desprovido de artifícios e atenuou uma boa parte dos
temores que Casey estava sentindo.

- 75 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

— É muita bondade de sua parte, sra. McCallister — respondeu Casey.


Naqueles últimos dias ela se pusera a imaginar que os pais de Flint eram gente
distante e esnobe, e que o amor que sentia por ele não se estenderia aos velhos. Agora
que os conhecia, sua amabilidade despida de qualquer artifício dissipava todos os seus
preconceitos. Sentia que eles a atraíam para o círculo de sua afeição.
— Chame-me de Meg — insistiu a mãe de Flint, apertando afetuosamente a
mão de Casey. — Somos uma família muito pouco formal.
— Vocês dois vão para a varanda. Casey e eu serviremos limonada — ordenou
Gaby, endereçando um sorriso orgulhoso para Casey.
Teve de convencer sua mãe de que não precisava de sua ajuda e eles
finalmente saíram, deixando-a a sós com Casey. Virou-se para ela, radiante.
— Talvez eu seja terrivelmente parcial, mas acho que tenho os melhores pais
do mundo.
— Eles parecem muito joviais e divertidos — reconheceu Casey, olhando o
casal que se retirava. Tanta cordialidade lembrava-lhe sua própria família, cuja falta
ela começava a sentir.
Gaby suspirou.
— Meu pai é capaz de conquistar o coração de qualquer mulher. Não é de
admirar que com os quatro irmãos que tenho e mais um pai como ele não consiga
admirar os homens com quem me relaciono. Provavelmente estou condenada a me
tornar uma solteirona.
— Duvido muito — disse Casey rindo, admirando aquele rosto tão atraente.
Do ponto de vista de Casey, a observação não era tão divertida assim. De
agora em diante se sentiria tentada a comparar os homens que conhecia com Flint.
Carregava dentro de si o sentimento terrível de que pertencia àquele tipo de mulheres
que ama somente uma vez na vida. E, para ela, o amor era Flint. Ela, entretanto, não
estava destinada a possuir seu amor. Este pensamento não prenunciava um futuro
muito feliz.
Tomou a bandeja com os copos que Gaby lhe estendia e encaminhou-se para a
varanda. No momento em que passou diante do espelho da sala de visitas, Casey
surpreendeu-se com a figura que nele se refletia. O vestido que usava era de um
vermelho muito vivo, que comunicava um brilho todo especial a seu rosto. Somente uma
pequena parte da angústia por que passara fazia-se visível em seus olhos, um pouco
velados pela tristeza. Fora isso, assemelhava-se a qualquer outra garota saudável e
normal de sua idade.
— Como vai seu pai? — indagou Lucas McCaliister no momento em que Casey
entrou na varanda e colocou a bandeja sobre a mesa junto da qual ele estava sentado.
— Muito melhor. Está começando a ficar animado com a perspectiva de voltar
para o rancho — respondeu Casey.
— Isso é muito positivo — ele disse, rindo.
— Pois na minha opinião, acho que seria bom ele ainda ficar de cama por mais
uma semana — opinou Meg, lançando um olhar entendido para Casey e seu marido.
— Minha mãe bem que concordaria com você — disse Casey, rindo —, mas eu

- 76 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

sou um pouco como meu pai e estou ansiosa para que as coisas voltem ao que eram. Era
um desejo ardente e Casey sabia no fundo de si mesma que ele jamais haveria de se
realizar.
— Claro, vai demorar algum tempo até seu pai poder trabalhar no ritmo ao qual
ele estava acostumado. Vai ter de se conformar em dirigir as coisas sentado em uma
cadeira, pelo menos por um tempo. — Piscou para ela, malicioso. — Meu filho disse que
você acha que é capaz de dirigir o rancho com muita competência.
— O trabalho feminino não se restringe mais só à casa. — O tom brusco de sua
voz era muito mais dirigido ao distante Flint do que a seu pái.
— Mesmo assim, é uma responsabilidade pesada demais para uma moça — disse
Lucas sorrindo e olhando para sua mulher. — As garotas do campo são um bocado
resistentes, mas não há nada de mal em ter um homem por perto, no qual se possa
confiar quando a situação assim o exige. E também quando ela não o exige. — Casey
ficou intensamente ruborizada pois ele, com muita sutileza, referia-se à ligação dela
com Flint. — E como é que vão as coisas lá no rancho?
—- Na verdade, não sei — ela respondeu, hesitante.
— É mesmo? Fiquei sabendo que Flint esteve aqui para vê-la. imagino que veio
para discutir negócios. Ou foi uma visita de natureza mais pessoal?
— Foram... foram... circunstâncias inesperadas que o trouxeram aqui —
gaguejou Casey. — Além do que, ele costuma discutir com meu pai todos os assuntos
relativos ao rancho.
— Sim, claro. Não tenho a menor intenção de ofendê-la, Casey, mas não
consigo imaginar meu filho prestando contas a uma mulher, mesmo que ela seja
liberada — disse ele, rindo.
— Flint falou-nos tanto a respeito de sua família que Luke e eu ficamos com a
maior vontade de conhecê-la um dia destes. — Meg McCaliister mudou habilmente de
assunto, desviando a atenção de Casey da versão mais velha de Flint.
Casey aproveitou a oportunidade, agora que o choque inicial de conhecer
alguém tão parecido com Flint tinha se atenuado, para estudar sua mãe. Seus cabelos
castanhos eram um pouco mais claros do que os de Flint, apesar de elegantemente
grisalhos e, quando ela sorria, como fazia naquele momento, formavam-se duas
covinhas em seu rosto.
— Sabia que foi só depois de Flint conhecer seu pai que ele se decidiu a
aceitar o emprego? — indagou Meg. — Flint o respeita um bocado.
— Sei que papai também o considera muito — reconheceu Casey. — Só de
saber que poderia contar com alguém tão experiente e competente quanto Flint papai
conseguiu aceitar com mais facilidade o fato de ter de permanecer no hospital. Mamãe
também sentiu-se mais aliviada ao saber que haveria um homem se ocupando de tudo.
— Você tem atitudes muito pouco corriqueiras, Casey. — Ouviu uma voz por
detrás dela. — Elogia um homem quando ele não está presente e o insulta quando está
diante dele. É mesmo muito estranho.
O sangue sumiu-lhe do rosto ao ouvir aquela voz. Quase derramou a jarra de
limonada ao levantar-se bruscamente da cadeira a fim de encará-lo. Flint permaneceu

- 77 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

a seu lado, olhando-a com um sorriso irônico. Queria fugir, esconder-se, mas sentia-se
hipnotizada pelo olhar zombeteiro de Flint.
— Trouxe Mark comigo, mas acho que ele foi espiar a praia. Ele é um pescador
e tanto e conhece a fundo todas as espécies de peixe que existem neste lago. — Seus
olhos desviaram-se dos dela e Flint voltou-se para seus pais. — Papai, mamãe, vocês
estão preparados para passar um fim de semana à beira da água?
— Pretendo aproveitar o mais que possa. — Lucas levantou-se e tomou a mão
do filho. — Você nos pegou de surpresa. Não esperava vê-lo por aqui. — Lucas dirigiu a
Casey, ainda um tanto desnorteada, um olhar de compreensão. Flint não deixou de
notá-lo.
— Não se impressione. Ela costuma ficar louca de alegria toda vez que me vê —
ele disse, voltando-se para sua mãe. — Minhas orelhas queimaram durante toda a
viagem. Acho que vocês estavam falando a meu respeito.
— Mas como você é presunçoso! — exclamou Gaby, estendendo um copo de
limonada para Flint e fazendo-o sentar-se.
— Falamos de você apenas indiretamente. — Meg sorriu, porém Casey não
conseguiu fazer o mesmo. — Estamos apenas começando a conhecer Casey e se o seu
nome foi mencionado foi apenas por descuido.
— Gostaria de saber, Flint, por que você nunca nos disse quanto Casey é
encantadora — disse Lucas, inclinando-se para o filho. — Sempre achei que você era
entendido em beleza.
O rosto de Casey tornou-se intensamente ruborizado. Não sabia se conseguiria
suportar por muito tempo aqueles elogios rasgados, sobretudo diante de Flint, que
acompanhava suas reações com o maior interesse. Não encontrava o menor consolo ao
dizer a si mesma que tudo aquilo não passava de uma brincadeira amável. Tornou-se
mais do que evidente que ninguém viria socorrê-la. É claro que eles não sabiam a dor
que seus comentários inocentes provocavam. Flint se deliciava ao vê-la tão pouco à
vontade.
— Olá, mana! — Mark apareceu na varanda? radiante. — Mas que lugar legal!
Gostaria de passar uma semana inteira aqui. Você pode me substituir no rancho quando
quiser.
Casey levantou-se para beijá-lo, lutando contra o desejo de agarrar-se a ele
como um salva-vidas. Mark, entretanto, já estava crescido demais para aquelas
expansões de afeto. Só o fato de ficar a seu lado já lhe dava mais coragem e Flint
apresentou o garoto a seus pais.
— Ouvi dizer que a pesca por aqui é fantástica — disse Mark, depois de Flint
ter mencionado que seus pais estavam lá com aquele propósito. — Aparecem peixes
enormes por aqui, não é? Ouvi dizer que vem gente do Texas de avião, só para pescar
aqui.
Lucas McCallister embarcou imediatamente naquela conversa e Casey ficou-
lhe eternamente grata. Isto lhe dava a oportunidade de recompor-se, enquanto Flint e
seu pai distraíam Mark com o relato de pescarias fabulosas. Era um tormento delicioso
estudar Flint sem que ele estivesse percebendo; era bom gravar para sempre em sua

- 78 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

memória seus traços enérgicos, as pestanas negras que velavam preguiçosamente seus
olhos e aquele cabelo castanho que refletia um pouco o fogo do sol. Quando seu olhar
percorreu a curva sensual de sua boca, uma corrente elétrica correu-lhe pela
espinha, deixando em seu rastro uma esteira de fogo que se espalhou por todo seu
corpo. O desejo de sentir aqueles lábios colados aos dela intensificava-se novamente.
Desprovida de todas as suas defesas e por demais consciente de sua presença, Casey
quase saltou da cadeira quando lhe tocaram o braço.
— Já está na hora do almoço — disse Gaby suavemente, com um olhar de
compreensão ao sentir a angústia estampada no rosto de Casey. — Você não quer me
dar uma mão?
— Claro — concordou Casey, evitando enfrentar o olhar de Flint.
— Desculpe por tê-la assustado — disse Gaby, enquanto entravam em casa. —
Mas é que seu rosto algumas vezes torna-se por demais transparente. Achei que você
não gostaria que Flint notasse. Mas ele bem que deveria perceber, pois assim eu
poderia lhe dizer quanto ele é tolo.
— Obrigada — murmurou Casey, sabendo quanto se sentiria envergonhada se
Flint tivesse surpreendido o sentimento amoroso que devia estar estampado em seu
rosto. — Não é culpa dele se não me ama. Estas coisas acontecem ou não.
— Tem gente que pega sarampo, só que sara com muita rapidez. — O tom de
cinismo na voz de Gaby era tocante.
— Do jeito que você fala até parece que mágoa de amor dura para sempre —
disse Casey com um leve sorriso, tentando dar um tom divertido à conversa, que já
estava ameaçando trazer lágrimas a seus olhos. Gaby, entretanto, limitou-se a lançar-
lhe um olhar que dizia: "E não é verdade?"
Ambas estavam conscientes de que não adiantaria nada continuar a discutir a
situação. Começaram a trabalhar em silêncio, tirando da geladeira a bandeja com os
sanduíches e a salada. Por duas vezes encaminharam-se até a varanda, servindo
praticamente tudo. Restava apenas trazer uma travessa com salada de batatas, os
guardanapos e os talheres. Casey ficou um tanto intrigada quando Mark ofereceu-se
para ajudá-la. Ele não costumava preocupar-se em lhe oferecer uma mão, mesmo
quando se tratava de seu estômago. Ficou ainda mais surpresa quando, ao se
encontrarem a sós na cozinha, ele começou a dar indícios de que estava nervoso.
— Não é de seu feitio, Mark — disse, caçoando —, oferecer-se para ajudar.
— Eu queria falar com você. — Olhou-a de frente e baixou o tom de voz. — O
sr. McCallister acaba de me convidar para ir pescar e eu não sabia se teria outra
oportunidade de falar com você a sós.
— O que está acontecendo? — perguntou Casey, impressionada com o tom de
confidencia do irmão. — Você já tem idade suficiente para não me pedir permissão
para ir.
— Não é a isto que me refiro. — Franziu a testa. — Você estará de volta ao
rancho dentro de uma semana e acho que você precisa saber de uma coisa. Achei que
seria melhor que alguém da família lhe contasse e não um estranho.
Casey sentiu-se ansiosa para que ele lhe contasse de uma vez o que estava

- 79 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

acontecendo, mas era óbvio que Mark estava sentindo dificuldades e até mesmo
constrangimento. Por mais que forçasse sua imaginação, não conseguia perceber do
que se tratava, mas certamente Flint não devia estar envolvido no assunto.
— Desde que você veio embora, Smith anda saindo com Brenda Fairlie — disse
Mark precipitadamente, muito ruborizado. Casey quase suspirou de alívio. — No dia em
que você partiu, eles saíram juntos. Foram a um restaurante e ela começou a assumir
aqueles ares presunçosos, como sempre faz. Smith então dispensou-a, mas ela deve
gostar da técnica do homem das cavernas, pois quase caiu nos braços dele, pedindo
desculpas. Desde então são inseparáveis. Estão até mesmo falando que ela não voltará
para a universidade no outono. — Mark olhou de relance para sua irmã a fim de ver
como ela recebia a notícia.
As lágrimas não eram devidas à perda de Smith, mas àquela súbita
demonstração de dedicação por parte de Mark. Sentia vontade de abraçá-lo e apertá-
lo de encontro a si, mas sabia que jamais faria aquilo. Não restava ao garoto outra
opção se não a de imaginar que as lágrimas eram por causa de Smith.
—- Obrigada por me contar. — Sua voz estava rouca, mas o sorriso era
sincero.
— Eu sabia que você e Smith estavam namorando firme. E achei. . . bem, achei
que seria mais fácil se você ficasse sabendo antes que. . .
— Foi mais fácil, sim. — Casey olhou à sua volta e deparou-se com a salada de
batatas. — Leve isto lá para a varanda e eu levarei o resto dentro de um minuto.
— Se você quiser, direi a todos que está lavando os talheres. . .
— Já, já irei para lá, Mark. Eu estou bem, não se preocupe — disse ela,
tranqüilizando-o.
Casey estava sendo honesta consigo mesma. Chegou até a sorrir para Mark
enquanto ele saía da cozinha. Disse a si mesma que estava contente por Smith e
Brenda. Smith, sempre tão estável. . . seus lábios tremeram e seus olhos encheram-se
de lágrimas. Desta vez ele não estaria ali, nem mesmo como amigo, pois Brenda jamais
compreenderia. Não que Smith a tivesse reconfortado, pensou, enquanto as íágrimas
desciam-lhe pelo rosto. Ele a tinha prevenido em relação a Flint e seria mais provável
que dissesse "Eu a avisei" em vez de consolá-la. Mas era como remover uma rocha
sólida dos alicerces de sua vida.
— Mark falou que ia pescar com meu pai?
Casey ficou tensa ao ouvir a voz de Flint, mas não se voltou.
— Falou, sim.
— Estava pensando que podíamos fazer uma visita a seu pai.
Ele se aproximava cada vez mais.
— Se quiser, podemos ir, sim — Sua voz estava estridente. Subitamente
sentiu-se cansada demais para discutir com ele e fingiu que se ocupava em recolher os
talheres espalhados em cima da mesa.
— Podemos partir assim que eu der um jeito nisto tudo.
Ele segurou-lhe o queixo e fez com que ela o fitasse nos olhos. Casey reuniu
todo o seu orgulho a fim de encará-lo desafiadoramente. Não havia porém como

- 80 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

reprimir as lágrimas que lhe afloravam aos olhos.


— Acho que fui indiscreto — disse Flint, desculpando-se. — Não imaginei que a
atitude de Smith afetaria você a esse ponto.
— Há muitas coisas a respeito de mim e de meus sentimentos que lhe são
desconhecidas, sr. McCallister. — Afastou a mão dele do queixo e enxugou as lágrimas.
— Toda vez que penso que estou começando a entendê-la, você muda de cor
como um camaleão. -— Estas palavras foram proferidas com muita irritação.
— Antes eu era uma flor de cardo cheia de espinhos, agora um camaleão. — Um
brilho de desafio surgiu nos olhos de Casey. — Você também me parece muito instável!
— Você já discutiu o assunto com Flint? — perguntou Lucille Gilmore,
estudando o rosto tenso de sua filha.
— Com Flint? O que ele tem a ver com isto? Acaso isto lhe diz respeito? —
respondeu Casey, exaltada. — Se eu não puder ficar em casa de tia Jo, me hospedarei
em um hotel. Lá é que eu não volto! Após uma viagem interminável na companhia de
Flint, de Ogallala ao hospital em Scottsbluff, Casey atingiu o ponto de exaustão. Não
lhe interessava mais saber se aquilo que estava propondo era uma covardia, uma forma
de fugir. A única coisa que sabia era que não poderia voltar para a casa de Gaby na
companhia de Flint. A angústia de estar tão próxima a ele, de ter de entabular um
diálogo convencional com ele era algo insuportável. Foi por isso que Casey não perdeu
tempo, persuadindo sua mãe a ir com ela até o corredor, onde fez seu pedido.
— Meu bem, não se trata de saber se tia Jo tem ou não lugar para você. É
claro que tem. — Lucille abraçou Casey, tentando reconfortá-la. — Eu também fiz uma
observação tola, ao indagar se você tinha contado a Flint. Nas presentes
circunstâncias, isso seria muito pouco provável, não é?
Sua mãe ficou levemente ruborizada no momento em que Casey a encarou.
Será que sabia como ela se sentia a respeito dele? Seria possível que tivesse
adivinhado?
— Que espécie de mãe eu seria se não pudesse nem mesmo adivinhar quando
minha filha se apaixona? Tome. — Tirou um molho de chaves da bolsa. — Esta é a
chave do carro de tia Jo, que está lá no estacionamento. Apresentarei desculpas a
Flint e a seu pai. Agora pode ir e mais tarde conversaremos.
— Oh, mamãe! — Casey abraçou-a com toda força, segurando firme as chaves
que a libertariam. — Obrigada — murmurou, com gratidão.
O estacionamento estava repleto de automóveis pertencentes às pessoas que
tinham ido fazer visitas. Casey procurou com afinco o sedan amarelo de sua tia. Entrou
em pânico ao ver que não conseguia localizá-lo. Ele tinha de estar lá! Simplesmente
tinha de estar lá!
De repente sentiu que a agarravam brutalmente pelos ombros e a levavam em
direção à perua verde que a tinha trazido até lá. Flint não perdeu tempo em se
mostrar polido, fazendo com que Casey se sentasse no banco da frente. Ela agarrou a
maçaneta para abrir a porta.
— Não perca seu tempo. Está trancada. — Querendo assegurar-se de que ela
não tentaria escapar, agarrou uma de suas mãos e com a mão livre deu partida no

- 81 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

carro.
— Você vai me deixar sair deste carro já, já — ordenou Casey. torcendo o
punho, numa tentativa de esbapar dele.
Flint lançou-lhe um olhar glacial e voltou a concentrar-se na direção.
— Nunca imaginei que você fosse uma dessas mulheres fracas que fogem e se
escondem quando ficam magoadas. Só porque algum pirralho. . . —- Ele respirou fundo
mas não terminou a frase.
— Você está machucando meu braço!
Casey não fez a menor tentativa de disfarçar a dor que sentia naquele
momento. Flint olhou para ela significativamente.
— Não serei tão tola de querer cometer suicídio ao saltar de um carro nesta
velocidade — observou Casey.
Flint diminuiu a velocidade e soltou a mão dela. Agora estavam em uma estrada
de cascalhos e a cidade ficara para trás. Havia uma ou outra casa esparsa e o campo
estendia-se diante deles. Flint finalmente parou o carro. Casey contemplou uma duna
de areia ao longe, sentindo que aquele par de olhos cinzentos não se despregava dela.
— Imagino que para você deve ter sido um golpe receber aquelas notícias de
Smith. — Sua voz soava baixa e controlada. — Mas essas coisas passam, Casey. É
preciso dar tempo ao tempo.
— Dispenso esses chavões — murmurou Casey, tapando os ouvidos.
— Por que você age desse jeito? Estou apenas tentando ajudá-la. — Sua
gentileza fez com que o coração lhe batesse mais rápido e um tremor crescente
apoderou-se de seu corpo. Era quase impossível não se sentir atingida por seu tom
envolvente.
Uma mão firme e calejada segurou a mão de Casey, não bruscamente como
antes, mas com ternura, como se se tratasse de um passarinho ferido. Teria sido tão
fácil retirá-la. . . Casey porém não o fez.
— Você acabará por encontrar alguém que significará tanto quanto ele — Flint
disse, suavemente.
Desta vez ela se voltou e enfrentou seu olhar. Fitou o rosto daquele homem a
quem adorava com todo o seu coração. Um grito irrompeu-lhe dos lábios.
— Não, não, isto jamais acontecerá!
— Claro que acontecerá! — rebateu Flint, enérgico.
— Você. . . você está sendo muito gentil, Flint. — Desviou o olhar e as lágrimas
subiram-lhe aos olhos. — Mas. . . agora isto de nada adianta.
— Oh, Casey, por favor, não chore — murmurou Flint, cobrindo a pequena
distância que os separava, antes que Casey pudesse protestar, e tomando-a nos
braços. — Não suporto ver você chorando — declarou, afundando o rosto em seus
cabelos, enquanto Casey debatia-se com muito pouco sucesso contra a energia contida
em seu braço.
— Por favor, por favor, solte-me! — ela disse com um fio de voz, mas todo o
seu ser ansiava por não se desprender daqueles braços.
Ele riu com amargura, afastando-se para encarar sua prisioneira.

- 82 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

— Gaby disse-me hoje que eu era um idiota por tratá-la do modo como venho
fazendo. Ela, porém não sabe que este é o único modo que encontro para me afastar
de você. Mesmo agora, sabendo que suas lágrimas são provocadas por um outro homem,
tudo o que eu desejo é declarar meu amor por você. — Ele ficou a contemplar o tremor
em seus lábios. — Isto a diverte?
— Não — ela murmurou, com os olhos brilhando diante daquela inesperada
felicidade.
— Pois deveria divertir.
Ela levou a mão aos lábios de Flint para fazê-lo calar e tremeu ao tocar aquela
pele tão sensual.
— Você. . . você está dizendo que me ama? — murmurou Casey.
— Se você quer que eu coloque os pingos nos is, a resposta é: sim, eu a amo!
Casey prendeu o fôlego, ao sentir a violência com que ele falava. Seus olhos
cerraram-se, para ela saborear a glória daquele momento, e em seguida falou num tom
trêmulo, porém feliz:
— Devo lhe dizer que. . . estas lágrimas são devidas a um homem que, segundo
eu imaginava, considerava-me apenas o espinho de uma flor.
Flint levantou-lhe o queixo para olhá-la cara a cara.
— Você quer dizer que Smith. . .
— Eu quero dizer que o amo, Flint McCallister. — Era inacreditável que aquelas
palavras ditas em tom calmo e comedido fossem proferidas por alguém que se
encontrava no auge da exaltação.
Fez-se uma pequena pausa, carregada de silêncio, antes que Flint cobrisse seus
lábios com os dele, apoderando-se possessivamente do amor que ela lhe proporcionava
e retribuindo-o com uma intensidade dez vezes maior. Os momentos seguintes foram
tempestuosos e cheios de calor. Poderiam ir muito mais longe, mas Flint
afastou-a deliberadamente.
— Quando penso no inferno pelo qual você me fez passar, sinto vontade de
estrangular este seu precioso pescoço! — Aquela voz rouca fez com que Casey ficasse
arrepiada de prazer. — Não podia acreditar que você não me amava, mas você negou o
fato com tamanha violência no dia em que eu a levei até a casa de Gaby, que tive de me
conformar. Mas eu queria demais que você ficasse conhecendo minha família tão bem
quanto eu conheço a sua.
— Achei que você queria se livrar de mim, que tinha me usado para satisfazer
seus desejos físicos e que tivesse ficado com medo que eu fosse exigir que você. . .
que você... — Casey não conseguiu terminar a frase.
— Que eu a desposasse — terminou Flint em seu lugar, sorrindo diante da onda
de rubor que aflorou no rosto dela. — Decidi que me casaria com você naquele dia em
que me pediu desculpas com aquele jeitinho terno que é só seu. E é o que vou fazer.
Nós nos casaremos assim que os papéis ficarem prontos. —- Fez uma pausa e seus
olhos percorreram-na possessivamente. — Seu vestido de noiva será tão branco
quanto as pétalas da flor de cardo.
— Imaginei que coubesse à noiva pensar nesses detalhes — disse Casey rindo,

- 83 -
Sabrina 84 – O preço do orgulho – Janet Dailey

emocionada diante do amor que brilhava em seus olhos.


— Usualmente, sim — concordou Flint, puxando-a novamente para si e
cobrindo-a de beijos. Em seguida fez uma pausa e murmurou em seu ouvido: — Tenho
receio de que você leve tempo demais e acho que não consigo esperar.
Casey sentiu o desejo presente em sua voz e colou os lábios aos dele,
murmurando:
— Você é quem manda!
FIM

- 84 -

Você também pode gostar