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A Ilha do Destino

“THE VELVET TOUCH”

MARGERY HILTON

Laurel foi para a ilha Destino, no arquipélago das Canárias, com uma dupla missão: pesquisar
as possibilidades turísticas da ilha e tomar conta da rebelde adolescente, filha do seu chefe, para
que não se envolvesse outra vez em encrencas. Logo de início, teve dois encontros desastrosos
com o senhor da ilha, o Conde Rodrigo de Renzi, cujo magnetismo envolvente fez com que ela se
apaixonasse. Mas o êxito do seu projeto, que era secreto, dependia exclusivamente da boa
vontade de Rodrigo. Deveria contar-lhe toda a verdade e renunciar a seu amor, ou manter seu
segredo, para que ele não se afastasse dela?

Digitalização: Desconhecida
Revisão e Formatação: Deda Dantas
Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton

CAPÍTULO I

Graças a Deus, logo seria sábado!


Laurel Daneway colocou o bloco de anotações sobre a mesa do chefe, cobriu a máquina de
escrever e trancou a gaveta. Depois fez uma figa.
Não que fosse uma garota muito supersticiosa, mas ainda faltava muito para o dia acabar,
apesar de já ser quase sete horas, uma hora além do seu horário de saída normal. Estava mesmo
começando a imaginar que devia existir um gênio maligno, cujo dia de alegria era sexta-feira,
treze. Se houvesse, hoje tinha tido um grande dia, pelo menos em relação à Empresa de Férias
Panorama!
O chefe tinha saído mais cedo por problemas de família, o guia de Roma tinha ficado doente,
a inauguração do novo Hotel La Reina fora novamente adiada — e para onde se poderia transferir
trezentas pessoas que esperavam aproveitar a primeira semana de gala? E as notícias da hora do
almoço para culminar! Uma pequena revolução em Saringo, o último lugar pacífico no mundo,
pelo menos no que se relacionava a férias planejadas. Não tinham tido problemas com revoluções
há pelo menos dois mil anos! E agora, bem no meio de tudo, encontravam-se ali quarenta e cinco
nervosos e apreensivos hóspedes de meia-idade.
Tudo isso fazia com que Laurel achasse que suas próprias atribulações — como a meia
desfiada, perder o ônibus naquela manhã e seu programa de fim de semana não ter dado certo —
parecessem completamente sem importância. Tinha até murmurado imprecações contra o patrão
ausente e depois se arrependido, pois, afinal, ele era uma ótima pessoa para se ter como chefe, e
todas aquelas más notícias estariam aguardando por ele na manhã seguinte...
Laurel franziu a testa ao dar uma olhada à sua volta antes de sair do escritório. Será que
tinha agido certo ao mandar Jeanne no voo noturno para Roma e ter telefonado para Ray, em
Tânger, para que deixasse tudo com seu assistente e fosse de qualquer jeito para Saringo cuidar
daqueles quarenta e cinco preciosos hóspedes...? Normalmente ela não precisava tomar decisões
tão vitais, mas não havia mais ninguém.
O telefone começou a tocar assim que fechou a porta. Suspirou baixinho, parada, indecisa
no corredor, depois, rapidamente, abriu a porta, desejando que o telefone parasse de tocar antes
que ela pudesse atender, a não ser que fosse Phii para dizer-lhe que tinha conseguido se livrar dos
compromissos para a noite.
Mas não era Phil, era o chefe. Ele falou rápido, parecendo não perceber o tom de
desapontamento que Laurel não conseguia esconder e, sem deixar que ela começasse a contar os
desastres do dia, disse: — Você está livre? Poderia estar aqui às oito?
— Acho que sim. — O que seria de tão importante que o sr. Searle tinha para discutir com
ela?
— Não se preocupe em ir para casa trocar de roupa. Você sempre consegue estar tão
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atraente quando sai do escritório como quando chega de manhã.
— Muito obrigada — disse ela, sabendo que Gordon Searle não costumava dispensar elogios
à toa. — Mas?...
— Desculpe-me por estar fazendo isso — disse ele -, mas eu preciso da sua ajuda, Laurel.
Preciso mesmo. Será que podia vir o mais rápido possível? Pegue um táxi, está bem?
— Sim, claro, sr. Searle. — Desligou, meio espantada, depois chamou um táxi pelo telefone.
Enquanto esperava, retocou a maquilagem e suspendeu o macio cabelo louro prateado em um
coque. O que é que tinha acontecido? Ele parecia tão preocupado, coisa que raramente acontecia.
Estava esperando por ela no restaurante, o mesmo sorriso cortês de sempre; Laurel, porém
percebeu algo de cansado em seu olhar. Será que a esposa estava doente novamente? Ou a filha
arranjando encrenca outra vez? Será que a firma estava em dificuldades?
Teve que esperar até que estivessem acomodados em uma mesa reservada, o pedido feito e
os aperitivos já servidos, antes que ele olhasse diretamente para ela do outro lado da mesa.
— Você deve estar lembrada de eu ter mencionado a possibilidade de abrirmos um novo
empreendimento em uma ilha? Existem duas possibilidades para serem estudadas: Maraxos, uma
das ilhas gregas, e Destino, uma ilhota perto das Canárias. Já recebi um relatório preliminar sobre
Maraxos e estava planejando ir eu mesmo até Destino na próxima semana.
O primeiro prato estava sendo servido, e Gordon Searle esperou até que ficassem sozinhos
novamente para recomeçar a falar. Uma onda de entusiasmo varreu por alguns instantes a
preocupação do seu rosto enquanto ele descrevia os planos para o novo cruzeiro que a firma
ofereceria no próximo ano. De repente, controlou-se e sorriu sem jeito.
— Você deve estar imaginando por que eu a teria obrigado a vir até aqui hoje para falar
sobre isso. Mas, infelizmente, eu não vou poder ir na próxima semana e queria que você fosse no
meu lugar.
— Eu? — Laurel até parou de comer. — Quer dizer, para essa ilha?
— E fazer um relatório sobre ela.
— Mas eu sou só sua secretária! — exclamou. — Eu... eu não teria a menor ideia de como
fazer isso. Eu...
— Você vai fazer muito bem — interrompeu ele com firmeza. — É só uma investigação
preliminar. Colher alguns dados, fazer um reconhecimento e anotar as coisas que a incomodariam
se estivesse passando férias lá. Na verdade, é isso mesmo que você irá fazer, e, dependendo do
que encontrar, eu irei em seguida. Descubra se existem correntes traiçoeiras, praias ruins e se os
lugares para tomar banhos servem para nós. Fale com o pessoal do lugar, descubra os defeitos e
sonde o que eles acham do turismo. Mas o principal é que permaneça incógnita. Não queremos
nossos rivais aparecendo por lá, pois quanto menos souberem de nossos planos melhor.
Olhou para ela cheio de esperança, e as linhas de cansaço apareceram novamente ao redor
dos seus olhos. Ela respondeu meio indecisa: — O senhor sabe que eu faria tudo para ajudar, mas
tenho receio de fazer algo errado.
— Você não faria. Como pode pensar nisso? Sinto dizer que não há nada de muito especial
em matéria de acomodações. Só uma pensão pequena que aceita uma meia dúzia de pessoas. Os
donos são um casal de ingleses aposentados, de meia-idade, que já mora lá há vários anos. Pelo
que se sabe, é a mesma história de sempre: inflação. Então tentam aumentar a renda recebendo

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alguns hóspedes no verão. É um lugar simples, de classe média. Um companheiro de clube é que
me avisou. Disse que lá tudo ainda é bem primitivo, e não tinha certeza sobre o suprimento de
água. Você vai ter que descobrir tudo sobre isso. O plano não irá para frente se não houver água
suficiente.
Laurel ficou silenciosa. Gostaria de poder sentir tanta confiança em si mesma sobre esse
projeto, como Gordon Searle tinha sobre ela. Como é que uma garota, estranha ao lugar, poderia
descobrir algo sobre a disponibilidade de água potável? E qual seria a língua? Espanhol ou
português? Isso enfim não tinha importância, já que não sabia nenhuma das duas.
— Já fiz uma reserva provisória para você, por um mês, mas, para ser franco, antes que você
diga que vai, tenho que avisá-la sobre duas coisas desagradáveis.
— Conte-me a pior.
— Quero que leve minha filha com você.
— Yvone? — Laurel tinha uma vívida lembrança da garota mimada e teimosa, que aos
dezesseis anos era uma constante fonte de preocupações para o pai. — Ela também quer
conhecer a ilha?
— É a última coisa que ela quer, neste momento — disse com azedume -, mas, com
franqueza, não aguento mais essa capeta.
— Sinto muito — disse Laurel, mostrando um sentimento de piedade nos olhos cinzentos. —
Farei o que puder, para ajudar.
— Eu sei e aprecio demais você por isso — disse cansado. — Mas tem que entender que
estou lhe contando isso em confiança. Sei que não cometerá indiscrição.
Ela sentiu uma curiosidade que era perfeitamente natural nas circunstâncias, mas olhou
séria para ele.
— Yvone se envolveu com uma turma de indesejáveis, um rapaz em particular. E agora
descobri que o rapaz está envolvido no tráfico de drogas. Tenho que levar Yvone para longe disso.
A mãe morreria de tristeza se soubesse e se Yvone também acabasse envolvida...
Parou, estendendo a mão para o copo de vinho, e Laurel não teve dificuldade em visualizar o
desespero que ele deveria estar sentindo.
Depois de um instante, continuou: — Hoje cedo dei-lhe uma opção: ou ela vai com você,
para ajudá-la, coisa que ela não vai mesmo fazer, mas achei que assim poderia apelar para sua
vaidade, ou suspendo sua mesada até o fim do ano. — Deu um sorriso amargo.
— Ela preferiu as férias. Yvone gosta de conforto e acho que é esperta o suficiente para
perceber que já passei do estágio de fazer ameaças vãs. Acho que para você, Laurel, não vai ser
um programa agradável. Será que estou pedindo demais a você?
Dez minutos antes, Laurel talvez tivesse dúvidas, mas agora estava comprometida
emocionalmente. Estava com pena, e era generosa por natureza, chegando às vezes a se
encarregar de problemas alheios.
— Não, é claro que não! — disse impulsivamente. — E, por favor, não se preocupe tanto
assim; tenho certeza de que vai dar certo para Yvone, quero dizer, depois de um mês de férias,
provavelmente ela vai encarar o rapaz sob um ponto de vista diferente, seu bom senso vai fazer
com que perceba que .estava sendo um tanto tola.

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— Espero que você tenha razão. — Gordon Searle soltou um suspiro, depois endireitou os
ombros. — Mas devo avisá-la de que ela pode se tornar difícil. E se algo acontecer, você deve
entrar em contato comigo e deixá-la voltar para casa. Hoje em dia, não se consegue segurar
nenhuma garota teimosa em lugar algum contra sua vontade.
Laurel sabia que isso era verdade. Se Yvone resolvesse que estava cansada de Destino, nada
poderia ser feito, a não ser mandá-la de volta para os pais. Mas claro que Yvone também não era
tão temível assim.
— Se fosse possível, gostaria que vocês embarcassem no dia primeiro, na próxima sexta.
Se...
Laurel deve ter dado algum sinal de desapontamento, porque ele parou e olhou para ela. —
Não é conveniente para você?
— Sim — hesitou apenas uma fração de segundo, esforçando-se para não pensar no fim de
semana perdido com Phil. Ela é que tinha sido tola em ficar sempre esperando por Phil, sem nunca
marcar compromissos com antecedência com ninguém, para o caso dele telefonar e dizer que
estava na cidade e queria sair com ela... Assim como podia reconhecer a fraqueza de Yvone,
também reconhecia a sua. Seu patrão estava com um ar triste.
— Sinto muito, minha querida. Estou tão envolvido com minhas próprias preocupações que
me esqueci que você tem uma vida particular, e um rapaz que não vai ficar nada feliz por eu
mandá-la longe dele por um mês inteiro. Talvez seja melhor eu tentar encontrar outra solução.
— Não. Eu vou. — Laurel olhou para ele com firmeza. — Gostaria mesmo de ir — continuou
rápido. — E a propósito, sobre hoje... — Depressa, e com os olhos meio preocupados, contou os
desastres do dia, terminando: — Espero ter feito a coisa certa, mas não consegui entrar em
contato com o senhor.
Gordon Searle deu um sorriso maroto. — Você fez exatamente o que eu faria. Mandou um
substituto, contatou Roy, pedindo para que fosse resolver o problema de Saringo, deixando o
assistente em seu lugar.
— Foi por ser o primeiro serviço de Linda Dale com os turistas de Saringo, e ela devia estar
apavorada.
— Na verdade, eu soube das notícias, e também telefonei para o Roy, mas você já tinha
resolvido tudo. E, um pouco antes de você chegar aqui, entrei em contato com as autoridades de
Saringo. Eles estão controlando a rebelião, e até agora as coisas ainda estavam calmas na
província costeira de Lyssan, onde os turistas estão hoje, se o programa estiver em dia. Espero
ainda esta noite receber notícias sobre a partida deles.
Laurel soltou um suspiro de alívio e pensou no trabalho que ia fazer. Será que dariq, conta?
O sucesso de milhares de férias futuras e talvez alguma perda para a empresa dependia
exclusivamente do relatório que ela iria fazer. E também havia Yvone...
De repente, seu patrão lembrou-se de algo: — É verdade, há mais uma coisa. O chefe local!
— A segunda parte desagradável?
— Sim. — Gordon Searle murmurou. — Sua propriedade cobre mais de dois terços da ilha, e,
na verdade, é a parte mais bonita. Aparentemente é apenas uma das muitas propriedades que
possui. Gostaria que você sondasse a opinião local e tentasse descobrir que tipo de reação
poderemos esperar do cavalheiro. Vai depender muito da cooperação dele para a ilha tornar-se
um grande centro turístico.
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— Mas o senhor não quer que eu vá procurá-lo?
— Não até que esse primeiro reconhecimento do local tenha sido feito. Estaríamos todos
perdendo tempo se entrássemos em contato com ele antes de termos chegado a uma decisão
sobre o assunto.
Laurel concordou pensativa. Já estava começando a sentir-se entusiasmada. Nunca tinha
feito nada parecido, e mesmo a ideia de ter que aguentar Yvone não a deixava deprimida.-
Perguntou animada:
— O senhor acha que ele vai arranjar encrenca?
Gordon Searle hesitou, depois concordou.
— Alguma razão especial? — indagou Laurel, estranhando que ele tivesse hesitado.
— Não, apenas intuição. — Gordon Searle torceu o lábio. Infelizmente ou felizmente, eu
geralmente acerto.
— Qual é o nome dele, dessa pessoa eminente? — perguntou ela.
— Não consigo me lembrar. Tenho escrito em algum lugar. Pertence a uma daquelas longas
linhagens aristocráticas. Você sabe como eles muitas vezes juntam os nomes e as propriedades
quando duas famílias se unem por um casamento. — O chefe procurava a carteira no bolso. Deu
uma olhada e exclamou triunfante: — Conde Vicente Rodrigo de Renzi y Valdés! — proclamou
dramaticamente. Olhou para o rosto espantado de Laurel a apertou os lábios. — Ele pode ser um
problema tão grande quanto minha filha!
Mas, sinceramente, por sua causa, minha querida, espero que isso não aconteça.
— Eu também — disse Laurel.
Mas durante os dias seguintes ela teve pouco tempo para arrependimentos, pois havia dois
funcionários novos para aprenderem a rotina do escritório, e a esposa de Gordon Searle seria
submetida a uma pequena cirurgia, coisa que o deixou preocupado, pois era muito dedicado a ela.
Apesar de tudo isso, não se esqueceu de dar uma generosa quantia em dinheiro para que Laurel
comprasse as roupas extras que achasse necessário para a viagem.
— Bobagem — disse ele quando ela protestou. — Vai precisar de roupas adequadas, e não
tenho a intenção de sobrecarregá-la com o custo de roupas que nunca iria comprar se não fosse
por isso.
— Mas o senhor já está pagando todas as despesas fora o meu salário! — exclamou ela.
— Mas também estou tomando todo o seu tempo — disse ele com firmeza -, além de estar
empurrando Yvone para cima de você. Você precisa ver o enxoval que ela comprou para a viagem;
dá para vestir uma porção de gente!
Laurel passou uma tarde inteira fazendo compras de roupas para praia e alguns conjuntos
que pudessem ser usados uns com os outros. O sr. Searle tinha avisado que seria difícil fazer
alguma compra em Destino, por isso, ela também se preveniu com bronzeadores, filmes e outros
artigos de férias.
Na quinta-feira pela manhã, o Sr. Searle trouxe Yvone ao escritório e levou as duas moças
para almoçar. Yvone era quatro anos mais moça, mas era bem mais alta que Laurel. Era também
muito atraente, com cabelos castanhos-escuros, longos e sedosos, e pele corada, apesar da
petulância de seus lábios excessivamente pintados e da atitude de ressentimento contra o pai, que

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ela mal conseguia disfarçar. Mas a animação normal da juventude começou a tomar conta dela
enquanto almoçavam, e Yvone não conseguiu deixar de contar em detalhes o que tinha comprado
de novo. Descreveu a saia vermelha longa e o corpete de renda branca, inclinando a cabeça
impertinente na direção do pai: — Apesar de ele dizer que não há vida noturna e que não vamos
ficar em um hotel propriamente dito.
— Você vai acabar sendo expulsa da ilha se usar uma saia meio transparente, sem uma
anágua pôr baixo — explicou Gordon Searle com paciência.
Laurel acabou se separando de Yvone da melhor forma possível e passou a tarde com o
chefe, revendo os detalhes do relatório que deveria fazer para ele. Depois de tomarem chá no
escritório, ele a mandou para casa para pôr as coisas em ordem e fazer as malas. Às oito horas
estava exausta. Tinha acabado de arrumar suas coisas, dado um jeito no apartamento, deixado o
aluguel com a amiga do andar de baixo e lembrado de deixar uma nota para o leiteiro. Tudo o que
restava fazer era tomar um bom banho. Iam sair de manhã, e ela não podia se arriscar a perder a
hora.
Estava saindo do banho quando a campainha tocou. Resmungando desanimada, embrulhou-
se no roupão e foi abrir uma fresta da porta. O homem que esperava impaciente deu uns passos à
frente, sorrindo com segurança.
— Phil! — espantou-se ela. — Mas eu não...
— Não se preocupe, querida. Não me incomodo de esperar. Estava atravessando a soleira,
tremendamente confiante, as mãos estendidas para ela. — Afinal, tínhamos um encontro, não é?
— Sim. Mas... — Laurel soltou-se depressa do abraço, de repente consciente de como estava
vestida e de um calor a mais no beijo dele. Fez um gesto com as mãos. -
Mas eu não o esperava; você ligou para dizer que estaria ocupado a semana inteira, e
então...
— Eu sei, querida. — Sua boca atraente, os olhos castanhos e a voz contrita, tudo isso
expressava o charme a que ela nunca tinha conseguido resistir, desde o primeiro momento em
que ele entrara em sua vida, há seis meses. — Tive sorte, porém, e consegui terminar aquele
negócio cansativo com o Daverley mais depressa do que imaginava; depois Jake Harving ligou para
avisar que a reunião de amanhã tinha sido cancelada porque precisava ir até nossa fábrica no
Norte resolver um problema. Por isso, estou livre! Todinho seu até a manhã de segunda-feira",
docinho.
Beijou de leve a boca de Laurel, assustada, e atravessou a sala até o pequeno armário onde
ela guardava o modesto estoque de bebidas. Perfeitamente à vontade, franziu a testa à garrafa de
sherry só pela metade e pegou a de Martini.
— Querida, nosso estoque está bem baixo. Ou você tem uma adega escondida no porão?
Ele já estava pegando dois copos, e como ela não respondesse, virou-se. — Querida, não
fique parada aí. Já são mais de nove horas, você sabe. Vá se aprontar como uma boa menina. A
não ser que... -? Franziu os lábios — essa seja a última moda em roupas para receber e você
prefira ficar em casa esta noite. Tudo bem para mim!
— Não, não é, e eu não posso. — Apertou o cordão à volta da cintura e ajeitou a gola mais
perto do pescoço, — Phil, não posso sair com você. Acabei de tomar banho e meu cabelo ainda
está molhado. Eu...
— O que você quer dizer? Não pode? — Largou o copo e chegou perto. — Está bem, eu sei.
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Você está aborrecida, minha querida. Colocou a mão no ombro dela e olhou dentro dos seus
olhos. — Então deixe-me pedir desculpas. Mas eu não podia fazer nada, você sabe.
— Você já disse a mesma coisa na última vez, e na outra, e nas outras. — Laurel sentia-se
cansada e desiludida ao se dar conta de como Phil conseguia ganhá-la com bajulação. — É muito
tarde. Tenho que acordar muito cedo amanhã porque. ..
— Amanhã! Mas ainda temos toda esta noite! Vamos, Laurie e colocou um dedo sob o
queixo dela e sorriu. — Um beijo e ficamos de bem, depois vamos até a cidade, em qualquer lugar
que você queira! Que tal?
— Não! — Quase em desespero evitou um novo abraço, sabendo como era difícil resistir
quando Phil resolvia lançar mão de todo o seu charme. — Não posso, Phil, vou embora amanhã.
— Embora? — O sorriso morreu em seu rosto moreno e uma ruga apareceu-lhe na testa. —
Que quer dizer? Vai embora? Nunca disse nada sobre isso! — exclamou acusando.
— Eu mesma não sabia de nada até a semana passada — contou ela, mexendo a cabeça. —
Você esteve fora a semana inteira. Como é que eu poderia avisá-lo?
Ele apertou os lábios e uma expressão arrogante estampou-se em seu rosto quando
percebeu que ela estava apenas citando um fato. Então disse devagar: — Sim, é claro. Mas isso
não foi muito repentino? E por quanto tempo?
— Um mês, talvez mais. Você sabe...
— Um mês! — repetiu espantado. — Oh, não, Laurie, você não pode fazer isso comigo. Vai
estragar tudo. — Ficou olhando para o rosto incrédulo dela, depois continuou:
— Olhe, fomos convidados para a casa do Jake Harving no próximo fim de semana, lá perto
de Hove. É a primeira vez que recebo um convite para uma das festas de fim de semana do Jake.
Oh, Laurie! Você tem que voltar a tempo.
— Mas não posso. Já está tudo acertado. Além disso, não conheço o sr. Harving. Por que é
que ele me convidou? Quero dizer, se é uma reunião de negócios...
— Não, você não entende — disse, quase desesperado. — É uma tremenda oportunidade
para mim. Estarei encontrando pessoas influentes, e também significa que Jake está
reconhecendo meu potencial. Ele nunca admite um executivo júnior em seu círculo social a não
ser que esteja muito impressionado com ele. Mas, naturalmente, sempre quer que se leve uma
garota, senão se é casado. E, naturalmente, eu pensei em você, não imaginando nem por um
instante que isto pudesse acontecer.
— Sinto muito, Phil, mas não sei o que possa fazer. Minha viagem também é de trabalho e já
dei minha palavra. — Ergueu os ombros. — Não posso desapontar o sr. Searle. Mas de bom grado
mando minhas desculpas ao seu chefe, mesmo que o convite não tenha sido pessoal, se você
achar que ajuda.
— Você ainda não entendeu — repetiu ele impaciente. — Eu falei sobre você com ele, e Jake
quer conhecê-la. Você é o tipo de garota que ele gostaria. Você é elegante, dá-se bem com todo o
mundo e isso é importante para alguém como Jake. E agora você diz que não pode! Que vai viajar
e pronto!
Estava tão envolvido em sua própria indignação que não percebeu os sinais de perigo que
começavam a se evidenciar nos olhos de Laurel. Quando parou de falar e olhou para ela,
esperando um arrependimento instantâneo, ela explodiu.

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— Olhe, Phil. Já disse que sinto muito, e isso é tudo. Eu não vou mudar meus planos a essa
hora só para aceitar um convite para uma festa de fim de semana de um homem que eu nem
conheço, mesmo que ele seja seu chefe. E, de qualquer modo — fez um gesto com as mãos -, eu
ainda não consegui entender o que o fato de eu não ir pode significar para suas chances de
promoção.
-- Não entendeu? Pois já devia ter entendido — disse ele amargo.
— A mulher certa por trás de um homem pode fazer toda a diferença do mundo, em
algumas companhias, e a nossa é uma delas. Pensei que fosse importante para você, mas, pelo
jeito, não é.
Laurel ficou em silêncio por um momento, enquanto digeria as palavras de Phil. Depois
respirou fundo e, controlando-se com dificuldade, disse devagar: — Você era importante para
mim. Se isso serve de consolo, apaixonei-me por você na primeira vez que saímos juntos. Mas
parece que você não estava querendo uma garota que se apaixonasse por você-e nem uma amiga.
Você estava procurando um trunfo, uma garota que aumentasse o seu prestígio. — Laurel elevou
a voz, de forma amarga e com desprezo.
— Você queria uma garota que seu chefe aprovasse. Uma garota que combinasse com o que
ele achasse certo para seus auxiliares. Bem, eu não sou essa moça. Vagarosamente atravessou a
sala e abriu a porta, com um ar sério e digno, apesar do cabelo molhado e de estar usando um
roupão caseiro. — Acho que não há mais nada a ser dito, Phil...
Ficou esperando, enquanto ele a fitava com olhos incrédulos. Ele deu um passo à frente. —
Não, isso não é verdade, Laurie. Não pode ser.
— Oh, mas é sim!
— Mas nós nos amamos! Você admitiu isso! E eu posso prová-lo. — Dirigiu-se para ela com
toda intenção de fazer isso.
— Não. — Estendeu as mãos para impedir-lhe o abraço, mantendo a expressão fria. Sabia do
poder que Phil tinha sobre seus sentidos, mas seu cérebro não a deixou fraquejar.
— Estou cansada de ficar sempre esperando, esperando o telefone tocar, ter que escutar
suas desculpas, estar sempre pronta, sempre à sua disposição. Acabou, Phil. É verdade!
— Estou acreditando. — Mas parado ali, parecia que não estava acreditando no que ouvia.
— E pensar que eu imaginei que você entendia que eu estava trabalhando para o nosso futuro;
que, assim que eu me sentisse seguro dentro da companhia, poderia pedi-la em casamento e
poderia ter uma casa da qual pudéssemos nos orgulhar. Você está cometendo um terrível engano,
Laurie.
Ela balançou a cabeça. Todas as coisas que até então ela não quisera ver estavam
aparecendo agora com enorme clareza: Phil era profundamente egoísta, e qualquer moça que
desse seu coração a ele teria que se submeter inteiramente à sua vontade. O que Phil queria da
vida viria sempre em primeiro lugar. O doce charme que ele exercia, não passava de uma casca
daquele mesmo egoísmo. Era muito bom ser ambicioso e, talvez, algumas garotas não
concordassem com ela, mas Laurel queria algo mais que isso do homem que fosse seu parceiro. E
a última coisa que queria era ser escolhida porque era o tipo de garota que o chefe achava certa.
Olhou para ele, com uma tristeza imensa nos olhos cinzentos ao reconhecer ainda mais uma
verdade: mesmo nessa hora Phil estava representando. Por um momento achou que ele ainda ia
discutir, mas Phil mudou de ideia e ergueu os ombros, resignado.
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— Vejo que estou perdendo meu tempo conversando com você enquanto está desse jeito —
disse aborrecido. — Talvez mais tarde você pense diferente. Boa-noite, Laurie.
O que significa que talvez ele a perdoasse mais tarde, quando ela caísse em si e pedisse as
desculpas que ele considerasse justas, pensou amargurada. Mas permaneceu parada e quieta, só
respondendo com um boa-noite curto, após o que ele fechou a porta com uma batida seca.
Ficou ouvindo enquanto ele descia as escadas e batia a porta da frente. Só então virou-se
para a sala silenciosa e compreendeu com clareza o que tinha feito. Esforçou-se para completar as
tarefas interrompidas, resolvida a não se afundar no arrependimento. Estava tudo acabado, tinha
que enfrentar o fato. A não ser que ela desse o primeiro passo, Phil nunca voltaria. Ela tinha ferido
seu orgulho, mesmo sacrificando o seu próprio coração. Mas era melhor ter reconhecido a
verdade agora do que depois, quando a dor seria muito maior.
Só que, apesar de toda sua força de vontade, acabou chorando naquela noite, quando
apagou a lâmpada de cabeceira e a escuridão se fechou sobre ela. Ficou acordada durante horas,
desejando que ele não tivesse aparecido, que tudo não estivesse terminado, que Jake Harving não
tivesse feito o convite. Ela nunca teria certeza, mas de algum modo a cena com Phil parecia uma
ameaça para o futuro.
De repente, sentiu-se só e desanimada, e com um pouco de medo.

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CAPÍTULO II

— Oh, deixe-me sozinha! Não me aborreça! — Yvone fez um gesto de impaciência e se


atirou no grande balanço de jardim, encarando Laurel com um jeito petulante.
Laurel olhou desanimada a figura esguia, vestida com um minúsculo biquini floreado. Era o
começo da rebeldia sobre a qual o pai da garota havia avisado, e que ela agora percebia, fervendo
dentro da filha mimada de Gordon Searle.
Yvone olhou para ela com indisfarçável insolência. — Você está perdendo seu tempo parada
aí. Eu não quero ir com você.
Laurel controlou a impaciência. Yvone estava muito quieta desde o café da manhã, e talvez
não estivesse se sentindo muito bem por causa do calor ou do tempero diferente da comida.
Então, perguntou tranquila: — Você não está se sentindo mal ou coisa assim, Yvone?
— Ha! Ha! Essa é demais! Estou cheia! Não aguento mais. Já estamos aqui há três dias, e a
única coisa que fizemos foi andar por esta horrível ilha. Não há mais nada para fazer, nenhum
lugar para ir e nada para ver. Ilha do Destino! Eu podia bem dizer qual devia ser o destino dela.
Devia...
— Fale baixo — disse Laurel, seca. — Seja justa, Yvone, você sabia que não iria haver muitos
turistas e que seria tranquilo.
— Tranquilo! — explodiu Yvone. — É tão quieto que você pode ouvir as verduras crescendo.
E sobre os turistas... Existem oito pessoas nesta imitação de hotel, e eu acho que sou a única que
não está com um pé na cova. Tem o velho coronel Carlton e a esposa, tropeçando por aí. Ele só
fala de política, e ela reclama da juventude atual. Eu poderia dizer a ela o que é que há de errado
na geração dela. E o sr. Binkley, aquele velho gaga, tentando beliscar meu traseiro quando pensa
que ninguém está olhando. Deve ter no mínimo oitenta anos.
— Eu acho que eu não estou exatamente com o pé na cova observou Laurel secamente.
— Você é mulher — disse Yvone, como se isso fosse um defeito.
— Isso sem falar naquela chata da sra. Jessops, grudada na gente, falando, falando, falando
o tempo todo sobre o alto custo de vida e por que ela não pode mais passar férias em Cannes.
— A sra. Jessops é muito solitária. Sua amiga morreu há pouco e ela está sozinha no mundo.
Não custa muito fazer-lhe um pouco de companhia.
— Não a minha, obrigada. Por que ela não arranja uma outra companheira, alguém tão
chata quanto ela, já que se sente tão sozinha?
Laurel estava quase por perder a paciência. — Escute — disse, séria — eu sei que é tranquilo
demais. Sei que não há muita gente jovem aqui no momento, mas tente lembrar-se de que eu
estou aqui a trabalho, um trabalho pelo qual seu pai está me pagando.
— Ninguém está impedindo que você faça seu trabalho. A única coisa que peço é que me
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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
deixe fora dele.
— Mas o que é que vai ficar fazendo sozinha?
— Encontro alguma coisa. Vou nadar, depois ler, talvez. — Yvone pegou os óculos escuros de
dentro da bolsa de lona e colocou-os. Mas não vou ficar andando quilômetros à toa. Ontem
arranjei uma bolha, não se lembra?
— É, mas isso não teria acontecido se você tivesse usado os sapatos certos.
— Mas eu gosto dos sapatos que usei, e comprei-os especialmente para esta viagem.
Laurel olhou para ela desanimada. Estava descobrindo como era difícil ganhar uma
discussão, por mais lógica que fosse, da teimosa Yvone. Mas o que ela podia fazer? Laurel ainda
tentou mais uma Vez.
— Bem, acho divertido explorar uma ilha desconhecida. Estou aproveitando muito. E você
tem que admitir que a paisagem é linda, aqui em Destino.
— Ninguém está impedindo que você aproveite — disse Yvone, abanando a mão. — Eu não
estou — acrescentou incisivamente.
Nesse instante apareceu Rosita, a criada, trazendo uma pequena cesta.
— O lanche para o piquenique, senoritas. — Estendeu a cesta para Laurel e continuou seu
caminho para a cozinha, que ficava nos fundos do prédio comprido e branco da pensão.
Laurel ficou indecisa, olhando a moça vestida de negro passar pelo alto portão de ferro do
muro. Através dele viu uma outra pessoa, Renaldo, o jovem garçom moreno, cujos olhos e sorriso
doce encantavam as velhas senhoras todos os dias na sala de jantar, mas não os homens. O
coronel Carlton chamara-o desaprovadoramente de latino, e o sr. Binkley também reclamara dele,
dizendo que não compreendia como é que em sua casa dirigida por ingleses, a criadagem não
entendesse essa língua. Laurel sorriu ao lembrar-se disso, e seu sorriso acentuou-se quando
percebeu movimentos suspeitos por trás do portão alto. O gritinho feminino era obviamente de
Rosita, como também o protesto que se seguiu, mas que foi abruptamente silenciado por alguns
momentos, antes que Rosita surgisse, sacudindo o cabelo escuro por cima dos ombros enquanto
caminhava para casa. O portão bateu e Laurel voltou aos seus próprios problemas.
— E o seu almoço está aqui, pois disse a eles que iríamos ficar fora o dia todo.
— E o que é que tem? — Yvone bocejou. — Não vou morrer de fome, não se preocupe.
— Você não tem jeito mesmo! — Laurel achou melhor desistir. — Não se esqueça de pedir
desculpas e não vá nadar logo depois de comer, está ouvindo?
— Prometo, mas agora não é melhor você ir? Logo vai ficar quente demais.
Depois de um momento de hesitação, Laurel enfiou seu mapa dentro da cesta e colocou os
óculos escuros. Estava se sentindo meio preocupada com Yvone, mas não sabia a razão. Além de
tudo, o que poderia acontecer a Yvone, a não ser se afogar ou cair de algum precipício, ou algo
semelhante? E o que ela podia fazer, a não ser insistir em levar Yvone à força? Uma coisa que
provavelmente não adiantaria nada, pensou Laurel ao sair pelo portão lateral do muro alto.
Começou subindo um caminho estreito que seguia tortuosamente montanha acima. Na
tarde anterior, tinha reparado em um segundo caminho que saía de uma bifurcação a meio
caminho da subida, e hoje pretendia seguir por ele e marcá-lo no esboço do mapa que estava
fazendo da ilha. Talvez ele levasse à outra ponta da ilha, escondida por trás de uma segunda série

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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
de elevações que cruzava Destino. Talvez a levasse ao castelo batido de sol, que dominava toda a
paisagem da ilha. Sua pasta estava se enchendo de notas e ela já achava que provavelmente as
coisas dariam certo para o sr. Searle. Obviamente não havia muito divertimento, como Yvone
tinha comentado tão aborrecida, mas para umas férias esportivas, Destino tinha muito que a
recomendasse. Sol quente e ventos frescos que o amenizavam. Uma ótima praia para banhos.a
pouca distância da pensão, do lado protegido da ilha, fora do alcance das grandes ondas do
Atlântico, que impediam o banho nas praias do lado oeste. Havia vales e ravinas para serem
explorados, e uma vila pitoresca, onde as mulheres se sentavam às portas de suas casas, bordando
trabalhos incríveis. O vinho local era bom e barato, havia abundância de frutas, os frutos do mar
eram ótimos e o ar puro tinha um aroma todo especial. Mas ainda faltava saber sobre os
mananciais de água potável, e se havia algum lugar apropriado para construções. Até agora não
tinha encontrado um lugar assim, talvez do outro lado da ilha...
Às onze horas julgou que já tinha coberto a metade da distância, mas as encostas verdes
pareciam tão longínquas quanto antes. Parou por uns dez minutos para descansar e comer uma
maçã, e depois continuou. Era quase uma hora, e o sol estava a pino, quando ela chegou ao fim do
caminho, que se encontrava com outro, subindo à sua direita montanha acima e descendo à
esquerda até uma pequena baía protegida por rochedos. Sem pensar em mais nada, virou e
desceu o caminho da esquerda, em direção ao mar.
A praia estava deserta. Laurel encontrou um lugar com sombra e sentou-se
confortavelmente. Abriu a cesta e arrumou o lanche em cima da toalha xadrez que a sra. AHen
tinha providenciado. O lugar estava incrivelmente quieto e Laurel começou a sentir-se como se só
ela estivesse viva. Era difícil acreditar que alguém pudesse morar a algumas milhas dessa pequena
praia selvagem e remota, cujas areias mostravam apenas pegadas dela.
O sol fez com que ficasse sonolenta, e ela recostou-se um pouco.
Estava suada e com muito calor, e as pernas não tinham a menor vontade de obedecer ao
comando de levantar-se e caminhar. Suspirando, juntou o resto do lanche, fechou a cesta e ficou
olhando para o mar. Nunca tinha parecido tão convidativo.
Suspirou novamente, tirando a areia dos pés, quando apareceu uma enorme tentação. Será
que se atrevia? Apenas um mergulho, para se refrescar? Não havia ninguém à vista, e ela podia
avistar todas as reentrâncias dos rochedos que cercavam a pequena baía. O caminho pelo qual
descera estava vazio, e não se via casa alguma por perto, a não ser o grande castelo lá em cima,
onde sempre estava. Olhou para o alto, para o castelo. Será que eles ficavam lá, olhando de
binóculos? De qualquer modo, era hora da sesta! Quem é que estaria acordado a uma hora
daquelas?
Num instante arrancou fora os jeans e a camisa de algodão, fez uma pequena trouxa da
calcinha e sutiã, e correu para as ondas. Estava divino! Nadou vagarosamente, adorando a
passagem da água pelo seu corpo, e dizendo a si mesma que ficaria só mais um pouquinho, só o
tempo de se refrescar...
Mas o sol estava quente, o céu de um azul límpido, e essa era a primeira vez que Laurel
nadava nua. Nunca tinha imaginado que pudesse ser tão agradável. Esqueceu-se do tempo,
esqueceu-se de tudo, a não ser esse sentimento de liberdade que acabara de encontrar pela
primeira vez, e ficou brincando na água como fazia quando era criança.
Cansada, por fim, ficou boiando um pouco. Então, virou-se para começar a nadar para a
praia e quase desmaiou de susto. Não estava mais sozinha.

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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
Alguém vinha nadando em direção a ela, cortando a água com longas e potentes braçadas,
que diminuíram a distância entre os dois pela metade, nos poucos segundos que demorou para
entender o que estava acontecendo.
Era um homem!
Laurel sem querer abriu a boca, engolindo um bocado de água e afundou. Em pânico, subiu
engasgando e tratou de escapar na única direção que podia, para o mar.
— Senhora! Senhorita!
A voz forte cortou o azul. Laurel nadou mais depressa. De onde é que ele tinha aparecido?
Por que tinha que aparecer justo agora? Ou será que tinha ficado a observá-la...
Laurel deu uma olhada para trás e viu confirmadas suas suspeitas: ele a estava seguindo!
— Pare! Senhorita, tenha cuidado!
Parar? De jeito nenhum! Como é que podia? Laurel nadava desesperada, rezando para que
seu perseguidor se cansasse e desistisse, mas uma nova gritaria chegou até seus ouvidos. Ele devia
ter os pulmões e a força de aço! Estava bem perto agora, e através dos borrifos, via os braços
poderosos cortando a água. Laurel parou de nadar e juntou forças para gritar desesperada:
— Vá embora, por favor!
— Meu Deus! Uma inglesa! Eu devia ter percebido!
A resposta ricocheteou através da água e Laurel mergulhou desvairada, forçando os
membros cansados a entrarem em ação. Será que ele era louco? Ela devia ter nadado quilômetros
para fora. Como é que iria voltar? E a água agora estava tão fria e o mar mais bravo.
Lutou para não sucumbir ao pânico, tremendo em pensar no que seria pior: morrer de
esgotamento num mar que não era mais tão calmo, ou ser pega nadando nua, por um latino
louco, resolvido a... O que é que ele estava resolvido a fazer? O cérebro de Laurel ficou em branco
e tudo sumiu ao sentir uma dor enorme que irradiava da sua perna para todo o resto do corpo.
Virou desesperada, sem saber o que tinha acontecido, depois com um grito engasgado, afundou,
presa do pesadelo que ataca sem aviso. Câimbra.
Voltou à superfície, os braços abanando, empenhada unicamente em conseguir se agarrar
em alguma coisa. Nada mais importava a não ser sobreviver. Os ouvidos pareciam estourar, a
cabeça rodava, e a voz soava muito longe. Mãos a seguraram e a empurraram, e ela afundou outra
vez. O estúpido ia deixá-la se afogar.
— Não lute! — gritou a voz. -Não quero ter que bater em você!
— Ajude-me! — gritou ela. — Não posso...
Parecia que ele se afastava. Ouviu de longe a exclamação: — Você vai afogar nós dois! —
antes que a água se fechasse sobre ela, apagando tudo, a não ser o rugido nos seus ouvidos. Tudo
escureceu e ela estava afundando, mas de repente se viu tentando respirar o ar abençoado. Sentia
uma barra dura sob o queixo e o sol nos olhos, embaralhando a vista. A barra era o pulso do
estranho, e ele a estava puxando através das ondas. Uma grande moleza a invadiu, e ela deixou de
lutar. Fechou os olhos e percebeu que não deveria fazer movimento ou as consequências
poderiam ser fatais...
O perseguidor rebocou o corpo inerte de Laurel em direção à praia, um braço enganchado
em seu pescoço, fazendo com que a boca ficasse acima da linha da água, e o outro dando

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braçadas para ajudar o impulso das pernas abaixo dela. Quando por fim chegaram à terra firme,
ele ficou de pé e carregou Laurel sem esforço até a areia seca, onde a deitou de bruços sobre um
roupão felpudo azul. Curvou-se sobre ela, a respiração apenas um pouco alterada pelo exercício, e
colocou as mãos sobre suas costas, para aplicar uma massagem. Mas ao toque delas, Laurel
estremeceu com violência.
Através da tontura percebeu o horror da situação, e tentou se encolher, querendo se
esconder, ao mesmo tempo que tossia e vomitava.
Ele abaixou-se a seu lado, o rosto moreno tenso de raiva e falou seco: — Parece que você
prefere se recuperar sozinha.
Por entre espasmos horríveis, ela conseguiu falar: — Vá embora... você...
— É muito tarde para isso. — com um gesto de sarcasmo, puxou uma ponta do roupão e
cobriu o corpo de Laurel. — Somente uma mulher tentaria discutir com os pulmões cheios de
água.
Laurel não conseguiu responder. Queria morrer. Os minutos seguintes foram os mais
terríveis de toda sua vida. Os métodos que a natureza usava para contra-atacar os efeitos de um
quase afogamento eram os mais desagradáveis, e mesmo estando muito consciente da presença
silenciosa do homem ali perto, Laurel não conseguia parar de vomitar. Quando conseguiu respirar
mais livremente, estava tão fraca que não pôde fazer nada além de ficar encolhida dentro do
roupão azul, tentando conter as lágrimas que escorriam dos olhos doloridos.
— Então está começando a se recuperar, senhorita.
O tom gelado mal conseguia disfarçar a raiva contida, mas Laurel apenas concordou com a
cabeça. O cabelo grudava em seu rosto e a água escorria pelo pescoço e pelos ombros; o corpo
inteiro doía. Sentia-se muito mal e desejava de todo o coração estar em qualquer outro lugar do
mundo, menos nesta praia solitária, junto com seu outro ocupante. Mas ele não ficou satisfeito
com seu silêncio.
— Talvez já esteja suficientemente boa para explicar sua besteira — sugeriu friamente.
— Besteira? Eu? — Laurel por fim virou a cabeça, para se defender. — Mas foi tudo culpa
sua! Você é que começou! Você...
Gaguejou e acabou parando de fazer ao encontrar a arrogância que emanava do seu
adversário, olhando para ele frente a frente pela primeira vez. Ele tinha a cabeça orgulhosa de um
aristocrata, os olhos arrogantes e dominadores de um conquistador, o corpo musculoso de um
atleta, como uma estátua de um deus grego, e um tipo de magnetismo que faria qualquer homem
mais fraco desaparecer na insignificância. Estava ajoelhado, o pequeno maio vermelho dando um
toque colorido ao corpo dourado, queimado de sol, mas se ficasse de pé, provavelmente teria
mais de um metro e oitenta.
— Bem — disse, aparentemente cansado de ser examinado por ela -, a senhorita ia me
acusando do que, afinal?
— Eu estava muito bem, até que você chegou, me seguindo, recusando-se a me deixar nadar
em paz e...
— Seguindo?! — Os olhos escuros brilharam. — Por que se recusou a atender meus avisos?
Poderíamos ter nos afogado os dois, por causa de sua bobagem!
Laurel olhou para ele como se ele tivesse ficado doido. — Que avisos? Como é que tem a

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coragem de me acusar, quando ficou o tempo todo me... me...
— Eu estava tentando impedir que uma intrusa encontrasse um perigo enorme, que ela
parecia ignorar, mas que agora, pensando bem, deveria ter deixado que ela enfrentasse —
interrompeu ele zangado. Apertou os lábios ao notar o olhar incrédulo da moça. — Oh, sim
senhorita, você estava em propriedade particular, em grande perigo.
Laurel estava começando a se sentir gelada e trêmula, mas psicologicamente estava melhor,
e disse teimosa: — Não encontrei nenhum perigo até que você chegasse.
— Não? Será que pode ficar quieta até que eu a convença? — Sem esperar que ela
respondesse, continuou no mesmo tom frio:
— A enseada parece idílica, não é? O mar calmo convidativo, a praia linda e dourada. É claro
que alguém pode nadar aqui em perfeita segurança, contanto que não se aventure perto do
rodamoinho.
— Rodamoinho?... — Laurel assustou-se, e os lábios do estranho se abriram num sorriso
cínico. — Há um rodamoinho mesmo lá fora? — guaguejou ela.
— Perto daquela ponta.
Laurel sentiu como se seu sangue tivesse gelado, e moveu a cabeça sem acreditar. — Eu não
sabia. Eu...
— E ainda assim preferiu ignorar meus avisos e me desafiar, senhorita.
— Eu não percebi. Pensei... pensei que... Parou, sem conseguir falar a verdade, e outra vez
viu o sorriso sarcástico.
— Provavelmente achou que eu a perseguia com outras intenções, não é?
E que mais poderia pensar?
Ele inclinou a cabeça e um ar de troça apareceu em seus olhos escuros. — Posso lhe
assegurar, senhorita, que não percebi a razão de ter fugido, a não ser muito tarde.
Então só pude agir do modo como fiz. — Fez uma pausa. — Já tinha ouvido dizer que as
moças inglesas têm pouco respeito pelas convenções, mas nunca esperaria encontrar uma delas,
despida, em minha propriedade. Aqui não é a Riviera.
Laurel de repente lembrou-se de Yvone e até sorriu. Suspirou. — Não, agora percebo isso.
Mas se eu soubesse...
Havia uma grande amargura em suas palavras, mais até do que pretendia. Ele então disse
com voz calma:
— Então, senhorita, vamos dar o caso por encerrado.
Mas não era tão fácil assim. Laurel só pensava em escapar. Estava lembrando que a água de
repente tinha ficado fria, sem dúvida a indicação da proximidade do rodamoinho, onde ela quase
caíra, mas tudo tinha sido culpa do estranho, pois nunca teria nadado para tão longe se não fosse
por ele. Achava que devia agradecê-lo por tê-la salvo, acreditar que tinha ido atrás dela só por
esse motivo... Olhou para ele.
— Conheço muito pouco de sua língua... não entendi que estava querendo me avisar.
— Eu disse para não se falar mais nisso. — Estava olhando para ela com intensidade, e Laurel
sentiu que corava.
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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
— Agradeço por ter salvo a minha vida — disse sem jeito.
Ele levantou a mão num gesto de silêncio. — Está se sentindo melhor agora?
— Eu... eu tenho que me vestir. .. minhas roupas... — Agarrou-se ao roupão e mais uma vez
sentiu a intensidade do olhar dele. Não mostrou nenhum sinal de se afastar.
Em pé, ao lado dela, olhou para a pequena forma enredilhada com um ar sardónico.
— Mais uma vez, acho que é um pouco tarde para tanto... pudor senhorita.
Ela não reconheceu a palavra, mas adivinhou instintivamente que em inglês deveria ser
vergonha, e sentiu a raiva aumentar, fazendo com que se levantasse. — Não acho que seja muito
tarde, pelo menos quanto a mim... Oh! com pressa de levantar-se e ao mesmo tempo segurar o
roupão contra o corpo, sentiu uma tontura e quase caiu. Instantaneamente, duas mãos fortes a
agarraram.
Ela lutou contra a fraqueza, odiando ter que depender daquele homem, consciente do corpo
dele tão junto ao seu;
— Acho que ainda não se recuperou. Ainda está meio em choque — disse ele severo. —
Sente-se, senhorita, e diga-me onde deixou suas coisas. Vou buscá-las.
Ela obedeceu, e pouco depois ele voltava, carregando a cesta e a pequena trouxa com suas
roupas.
— E agora — disse — vou nadar. Por favor, vista-se e tenha a certeza de que não estarei
prestando atenção à senhorita. — Hesitou, olhando novamente para ela com aquele estranho
sorriso. — Talvez tenha mais confiança se eu afirmar que nem sua aparência atual nem seu estado
de espírito estão em condições de atiçar o desejo de um homem, nem que fosse só para brincar
de... — Fez uma pausa, querendo lembrar-se da frase certa, depois exclamou, triunfante: — Espiar
pelo buraco da fechadura!
Antes que ela pudesse reagir a esse ataque insolente, ele virou-se e correu para o mar.
Laurel começou a se sentir como se tivesse levado uma sova. Ficou olhando a cabeça escura
e os braços que cortavam as águas mais fundas, depois soltou o ar com raiva.
Como é que ele se atrevia! Esse ganhava de todos os machões arrogantes e insuportáveis
que tinha conhecido! Com movimentos enraivecidos enfiou as roupas e tentou dar um jeito nos
cabelos. Quando terminou, a raiva tinha se transformado em autopiedade. Sem dúvida, sua
aparência estava uma droga, mas se ele quase tivesse se afogado e depois tivesse que aguentar
um bruto arrogante ainda por cima, com toda a certeza também não estaria muito lindo! E se ele
não tivesse ido atrás dela, nada disso teria acontecido. Laurel enfiou os ténis, sacudiu a areia do
roupão e dobrou-o. Pronto, estava tudo em ordem. com sorte, ela já teria ido embora antes que
ele voltasse.
Olhou para as ondas e viu que ele ainda estava nadando um pouco mais para fora. Bom, isso
evitava qualquer discussão. Ergueu a cesta e virou-se para voltar pelo caminho que viera. Tinha
dado uma meia dúzia de passos quando ouviu a voz autoritária. Ele vinha saindo da água um
pouco à frente, e logo depois barrava seu caminho.
— Para onde está indo, senhorita?
— De volta para a pensão, é claro.
— A pensão dos Allen? Acha que aguentará, senhorita? São quase dez quilômetros.

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— E o que tem? — Olhou cansada para ele. — E o que sugere? Que eu acampe na praia? Em
propriedade alheia?
— Não ia sugerir nada disso. Estamos a dez minutos da minha casa. A senhorita pode tomar
um banho e se refrescar. Venha, é por este lado.
Ficou ali, alto e dominador, centelhas de impaciência em seu olhos escuros, e Laurel deu um
passo atrás, sacudindo a cabeça.
— Não, obrigada, senhor — disse com frieza. — Aprecio sua oferta, mas não posso aceitar.
— Por que não? — Pareceu espantado, como se ninguém nunca o houvesse contrariado.
— Porque não quero ir — disse tranquilamente, virando-se. - Até logo, senhor.
— Um minuto!
De repente sentiu seu pulso agarrado e foi virada à força para encarar dois olhos furiosos.
— Que tola, senhorita! Por que está com medo de mim?
— Largue-me! Não estou com medo!
— Então por que não aceita minha oferta de hospitalidade? Laurel deu um repelão e soltou-
se. — Acho que isso é óbvio, senhor! Primeiro quase me afogo por sua causa, depois me acusa de
invasão de propriedade, depois caçoa de mim! E ainda pergunta por que não aceito sua
hospitalidade?
Por um momento parecia que ele ia agredi-la, depois conseguiu controlar-se. — Não sabe o -
que está dizendo, senhorita. Vou ignorar suas acusações e sugerir que não se encontra num
estado apropriado para a caminhada de volta à pensão.
— Mas vou assim mesmo. Nada me convenceria a ficar aqui por mais um instante. — Laurel
falou alto. — Será que não aceita um "não" como resposta? Será que não entende que tudo o que
quero é sair deste lugar e esquecer o momento mais embaraçoso de toda a minha vida? Não,
senhor, não quero sua hospitalidade, nem quero vê-lo nunca mais!
Virou-se, então, lágrimas de raiva e fraqueza escorrendo pelo rosto, e começou a correr.
Tropeçou por duas vezes, mas sempre, por medo dele e de sofrer mais humilhações, continuou
desesperada subindo pelo caminho. Só quando alcançou a sombra das árvores do bosque é que
parou e olhou para trás.
Ele ainda estava lá. Mas quando ela se virou para continuar ele também se moveu, jogando
o roupão nos ombros e se dirigindo a passos largos para o lado oposto da praia. Laurel olhou para
sua sombra escura sobre a areia dourada, e algo fez com que colocasse a mão sobre o coração que
batia desordenado.
Apesar de não haver nenhuma brisa fria que aliviasse o calor, ela estava tremendo, e a pele
tinha ficado úmida de suor. O estranho arrogante já tinha sumido de vista, mas por alguma razão
Laurel não conseguia esquecer aquela sombra negra sobre a areia. Era quase tão perturbadora
quanto o dono.

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CAPíTULO III

Laurel estava exausta ao chegar à pensão. A medonha experiência da tarde tinha deixado
marcas, e apesar dela ter parado por três . vezes para descansar, suas pernas tremiam. Já estava
escuro, e ela sentira satisfação ao ver as luzes do jardim acesas como para recebê-la. Não se via
sinal de Yvone, e na varanda iluminada não havia ninguém quando Laurel passou por ela para
devolver a cesta. Tudo o que queria agora era tomar um bom banho quente e cair na cama logo
depois do jantar. Deixou a cesta ao lado da porta que dava para a cozinha e ia se dirigindo para a
escada quando alguém chamou. Era a sra. Allen, esposa do proprietário.
Laurel parou com relutância, mas a sra. Allen não veio perto dela. Em vez disso, indicou com
a cabeça sua sala particular. — Se puder dispor de alguns minutos — disse em voz baixa -, gostaria
de dar-lhe duas palavrinhas, srta. Daneway.
— Sim, claro. — Fazendo um esforço para esconder seu cansaço, Laurel entrou na sala
pequena que dava para os fundos da casa. Passou-lhe pela cabeça que podia ter acontecido
alguma coisa de grave com Yvone durante sua ausência e ficou assustada. — Há algo errado? —
perguntou aflita. ?
A sra, Allen sacudiu a cabeça imediatamente, mas continuou com um ar tão preocupado que
não acalmou Laurel.
— Por favor, sente-se. — A dona da pensão indicou uma cadeira e sentou-se também. —
Espero que não se ofenda com o que vou dizer; de modo geral não interfiro nos assuntos dos
meus hóspedes, mas estou muito preocupada.
— Mas por quê? — Laurel apertou os braços da cadeira, com medo de que alguém estivesse
sabendo de sua aventura de hoje. — O que aconteceu? O que é que eu fiz? — perguntou.
— Oh, não é nada com você, minha querida! — A sra. Allen sorriu. — Se todos os nossos
hóspedes incomodassem tanto quanto você, estaríamos no paraíso. É sobre a srta. Searle. Sinto
dizer.
Yvone! Laurel gemeu por dentro. O que é que a garota mimada tinha aprontado agora?
— Eu sei que ela é muito jovem e está acostumada a conseguir tudo o que quer —
continuou a sra. Allen, como se pedisse desculpas -, mas pelo bem dela, uma de nós duas tem que
avisá-la.
— Sobre o quê?
-- Por ficar fazendo charme para um dos nossos garçons. Estava percebendo isso? Que ela
está se envolvendo com Renaldo?
— Oh, não! — O rosto de Laurel se ensombreceu de desânimo. Eu não tinha a menor ideia.
Estamos aqui há apenas três dias. Foi só hoje que a deixei sozinha.
— Bem, ela não perdeu a oportunidade — disse a sra. Allen, azeda. — Eu os peguei no
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jardim. — Oh, tudo muito inocente, creia, mas eles tinham passado a tarde na praia. — O rosto da
sra. Allen se suavizou. — Você vê, querida, as encrencas começam com tanta facilidade. Renaldo é
jovem e atraente, e sabe disso, mas as moças de origem espanhola não se comportam como as
nossas. Oh, querida, não estou me explicando direito — suspirou. — Você entende, a ilha nunca
foi um lugar muito cheio de turistas, o patrão nunca deixaria que isso acontecesse, e por isso a
vida tende a continuar como há séculos, especialmente por estarmos tão longe da Espanha.
Laurel não estava entendendo muito bem, e desejava que a sra. Allen, acabasse logo com o
assunto, mas ela continuava.
— Oh, sim, Destino é uma possessão espanhola, já há quatrocentos anos, mas na verdade
quem manda em Destino é o Conde. Você deve ter notado o castelo lá em cima. Ele só permite
algumas pequenas mudanças. Temos um pequeno, porém moderno hospital, uma nova escola, e;
ninguém sabe o que é a pobreza, mas sem ser isso.. . A dona da pensão sacudiu os ombros
expressivamente.
— Então é por isso que lhe estou pedindo para falar com a srta. Searle. Tente explicar a ela
que o que para uma adolescente normal da Inglaterra é apenas um namorico inocente, para a
gente daqui é comportamento imoral. Para eles uma moça está se oferecendo, se encoraja um
rapaz a namorá-la. É claro que os rapazes acham isso ótimo, especialmente os que, como Renaldo
e seu irmão, já trabalharam na temporada em Costa Brava, e voltaram para casa contando
vantagens sobre suas conquistas. Na verdade, é patético, quando se vê mulheres tão solitárias
assim, mas não queremos que aconteça nada parecido aqui, não logo depois do caso dos Lang.
Laurel controlou um suspiro.
A sra. Allen estava com a corda toda. Mais por educação que por curiosidade, perguntou: —
O que aconteceu?
— Era uma família que estava hospedada aqui, pouco tempo atrás. Tinham uma filha,
mocinha bonita, mas terrivelmente reprimida e controlada, provavelmente por ser filha única e
nascida quando os pais já eram de meia-idade. Ela nunca tinha conhecido alguém como Renaldo
em sua vida tão protegida, e ficou louca por ele. Você vê — e a senhora Allen baixou a voz — a
senhora Lang tinha estado doente, e o marido as trouxe para cá para que ela pudesse se
recuperar. Ele ficou por uma semana, depois voltou para trabalhar, com planos de voltar na
Primavera para buscá-las, depois que o Inverno já tivesse acabado na Inglaterra. Mas então já era
tarde de mais para a coitada da Sara!
— Mas por quê? — por fim, Laurel prestou atenção ao que a senhora Allen dizia. — O que
foi que aconteceu?
— Ela está grávida.
— A senhora está dizendo... que aconteceu aqui?
— Sim. E Renaldo era responsável. Ele mesmo admitiu. Disse que ela o havia tentado. Pobre
senhora Lang! Ela mal sabia o significado da palavra. Oh, ele se ofereceu para casar com ela,
obrigado pelas autoridades, mas o senhor Lang disse que não queria a filha amarrada a um
casamento desses com aquela idade. Tinha só dezesseis anos. E eu acho que a coisa toda não teria
aparecido se na ocasião não tivéssemos hospedado aqui uma enfermeira aposentada. Não
demorou muito para que ela percebesse porque Sara estava tão branca, amedrontada e enjoada
pela manhã. Nunca vou me esquecer do dia em que ela disse de repente: "Aquela menina está
grávida". E o negócio explodiu. O senhor Lang tinha chegado na véspera, todo contente porque a
esposa estava tão bem, e depois um choque desses... De qualquer modo, ele as levou embora

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correndo, e o conde ficou furioso. Muitas vezes fica imaginando o que será que aconteceu com
Sara...
Por fim a Senhora Allen parou de falar, e Laurel sentiu um aperto de apreensão. Claro que a
dona da pensão devia estar preocupada de Yvone, se a tolinha estava começando a paquerar o
Casanova da ilha. Só que o Casanova verdadeiro tinha sempre tomado cuidado para que suas
conquistas não tivessem consequências, Laurel lembrou-se de repente. Céus, e o pai de Yvone a
tinha mandado para cá para tirá-la do perigo! Levantou-se.
— Obrigada por me avisar, senhora Allen. Pode ter certeza que vou falar com Yvone. — Não
que Yvone fosse ligar para isso, pensou ela conformada.
— E você, teve um dia agradável? — perguntou a senhora Allen, com um sorriso.
Laurel deu uma resposta óbvia e completamente inverídica e conseguiu escapar. Agora só
teria tempo para um banho rápido antes de se aprontar para o jantar. Com um suspiro, foi
procurar Yvone, resolvida a falar logo com ela. Só que não conseguiu achá-la. Laurel procurou nos
jardins e depois desistiu, aliviada ao ver Renaldo na sala de jantar. Falaria com Yvone à noite.
Mas ficou meio surpreendida com o rosto empalidecido de Yvone ao encontrá-la na hora do
jantar. A garota só chegou quando todos os outros hóspedes já estavam à mesa, e parecia muito
desanimada. Quando Laurel perguntou o motivo, ela apenas sacudiu os ombros sem dizer nada, e
ficou brincando com a comida. Quase não comeu, deixou metade da sobremesa e recusou o café.
Laurel então perguntou:
— Yvone, o que está havendo? Você quase não comeu nada.
Yvone endireitou-se com ar petulante: — Não estou me sentindo bem. Se quer saber, fiquei
menstruada e estou com uma terrível dor de cabeça. Agora me deixe sozinha. Vou para a cama.
Levantou-se, quase derrubando a xícara de café e saiu depressa da sala. Laurel terminou o
café e nem acompanhou os outros hóspedes até o terraço, que era o lugar onde se reuniam após
o jantar para mais um café e bebidas. Foi direto para o dormitório arejado que partilhava com
Yvone, entrando com cuidado, com a intenção de oferecer um comprimido ou qualquer outra
coisa que a moça precisasse.
— Está precisando de alguma coisa? — perguntou baixinho. — Não houve resposta. Yvone
estava com o rosto enterrado no travesseiro, o cabelo escuro todo espalhado sobre a fronha
branca. Estava adormecida.
Laurel endireitou-se. Era melhor não acordá-la. Se dormisse bem, estaria melhor na manhã
seguinte. Ainda era muito cedo, nem dez horas, e Laurel ficou indecisa; parecia ridículo ir dormir
àquela hora, mas ela estava muito cansada. Chegou até a janela e puxou as cortinas. Ficou
olhando para o jardim iluminado, um lugar tão romântico que, por um momento, fez com que se
esquecesse de seus problemas atuais. Se Phil estivesse ali, se pudessem esquecer aquela noite
terrível e recomeçar... Fechou os olhos, procurando um retrato mental de Phil, e de repente
estremeceu.
Apesar de estar pensando em Phil, a figura que imaginava não era a dele.. . Quase com raiva
virou-se para dentro do quarto. Já fora ruim que um estranho invadisse sua intimidade, quase
fazendo com que se afogasse, e agora também aparecia em seus pensamentos como...
Laurel se preparou para dormir, mas a escuridão pareceu configurar ainda mais seu
adversário. Vagarosamente sua imaginação recriou todo o episódio, as ondas de cristal e o sol
dourado, a voz dele, seus braços e o espesso cabelo negro, a zombaria e a raiva, a arrogância e o
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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
tremendo poder de atração...
Laurel virava e revirava na cama, no esforço de escapar. Seu corpo começou a arder pelo
efeito do sol e da água salgada, e também pela lembrança dos braços do desconhecido a
segurarem seu corpo. Será que... será que ele tinha olhado para ela? Encolheu-se embaixo das
cobertas como se essa ação ajudasse a esquecer aqueles momentos de vulnerabilidade. E ela nem
sabia quem era ele... Então acabou sucumbindo ao cansaço, afundando num sono agitado. Os
ruídos da noite desapareceram de seus ouvidos, sua respiração ficou compassada, e os novos
ruídos que começaram uns vinte minutos mais tarde não a incomodaram.
Yvone deu um suspiro de impaciência e saiu cuidadosamente debaixo das cobertas, olhando
fixamente para a outra cama enquanto se vestia. O rosto estava pálido e ansioso, e havia uma
centelha de medo em seus olhos quando tentou ver as horas no relógio de pulso. A impaciência
fez com que não tomasse tanto cuidado ao sair do quarto, segurando pelas tiras suas sandálias.
Uma das fivelas se abriu e a sandália caiu no chão.
Laurel se mexeu e murmurou algo. Ouviu-se uma imprecação abafada, um movimento
rápido e então a porta se fechou. De repente, Laurel estava completamente acordada: Sentou-se e
acendeu a luz. Então, seus olhos ofuscados viram a outra cama vazia e com um grito de alarme
pulou da cama e correu para a porta. Yvone já estava no alto da escada. Laurel dirigiu-se a ela. —
O que aconteceu? Você está doente?
— Não. Pode voltar para a cama — disse Yvone.
— Para onde está indo?
— Fique quieta! — Yvone fez uma careta zangada. — Quer acordar todo mundo? Só estou
indo lá embaixo — e começou a descer a escada.
— Mas para quê? Yvone, por que é que está vestida? O que... — Laurel desceu atrás.
— Porque eu vou sair. E você não vai me impedir!
— Mas você não vai! Não sem explicar por quê. — Laurel esticou o braço e agarrou o pulso
da garota. — O que é que está acontecendo?
— Já falei, não é nada! — Yvone tentou se livrar, quando uma intuição fez com que Laurel a
segurasse com força. Então uma porta se abriu e uma figura gorda, de roupão, espiou para fora.
— O que está acontecendo? — O sr. Binkley queria saber e quando percebeu quem era, seu
tom mudou de curiosidade para aborrecimento. — Ah, são nossas amiguinhas. É uma reunião
secreta?
— Oh, diabos! — Yvone virou-se e subiu correndo as escadas, passando pelo espantado sr.
Binkley. A porta bateu e Laurel também subiu, passando pelo velho sem dizer palavra; pelo menos
Yvone estava vestida, o que não se podia dizer dela, Laurel pensou com azedume. Hoje não era
mesmo seu dia!
Seu rosto queimava quando entrou no quarto e agarrou o robe. No momento não queria
saber de desculpas. Yvone tinha se atirado na cama e chorava alto, mas Laurel disse secamente: —
Afinal, o que é tudo isso?
— É tudo culpa sua! Você estragou tudo. — Yvone enfiou o rosto no travesseiro. — Oh, vá
embora! Eu a odeio.
— Que diabos está querendo dizer? — Laurel estava perdendo depressa a paciência. — Você
disse que não estava passando bem, e depois tenta escapulir. Por quê?
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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
Não recebeu resposta. Chegou perto da cama. — Onde você estava indo?
— Se você quer mesmo saber, ia encontrar uma pessoa!
— Encontrar uma pessoa? A essa hora da noite?
— E agora já é tarde demais, não vou consegui-lo de volta. Oh, o que é que eu vou fazer?
Yvone explodiu em nova crise de choro, e Laurel ficou olhando intrigada para ela. Sobre o
que a garota estava falando? Uma certeza de que algo estava errado, algo muito pior que uma
escapulida inocente, começou a penetrar no cérebro de Laurel, e sua raiva foi diminuindo. Baixou
e tocou no ombro de Yvone.
— Eu não estou entendendo, por que é tarde demais? O que é que não vai conseguir de
volta? Acho melhor você contar para mim.
— É o meu anel, o de rubi, aquele com a cobra. É de ouro e os olhos-são de rubi verdadeiro.
Papai me deu como presente de aniversário. Custou caro demais. Ele vai ficar furioso!
— E você o perdeu?
Yvone assentiu, tentando encontrar um canto seco no lenço. Laurel soltou uma exclamação
de preocupação. Lembrava-se muito bem do anel. Yvone o estava usando no dia em que as duas
saíram para almoçar. O feitio era de joia oriental. Mas o que é que tinha dado em Yvone para
trazer um anel tão valioso? Laurel estendeu-lhe um lenço limpo.
— Quando foi que o viu pela última vez?
— Não tenho certeza — disse Yvone, o rosto enfiado no lenço.
— Você o usou hoje? — Uma pausa, depois um som que Laurel presumiu fosse de
assentimento. Segurando um suspiro. Laurel insistiu: — Bem, e para onde você foi quando eu saí?
— Nenhum lugar especial, só na praia. — Abruptamente Yvone sentou-se e as lágrimas
tinham secado, deixando-lhe o rosto amuado.
Mas evitou os olhos de Laurel, e ela suspeitou de algo.
— Pare de mentir para mim. Você disse que era tarde demais. O que isso quer dizer? E por
que estava tentando escapulir? Se esse anel não aparecer, vou ter que contar para a sra. Allen,
você sabe, e ela vai ter que chamar a polícia. :
— Oh, não! — Yvone olhou para ela tão horrorizada que Laurel levou um choque. — Não,
você não pode contar para ninguém.
De repente, Laurel controlou sua impaciência. Tinha percebido que, por baixo das lágrimas e
da rebeldia, Yvone estava com medo. Laurel sentou-se na beira da cama e tocou o braço da
garota. — O que é? — perguntou com gentileza. — Conte para mim.
— Só se você prometer não interferir, nem contar para ninguém.
— Estou só querendo ajudar.
— Então não complique as coisas; deixe-me sair daqui sem acordar os velhotes.
Laurel perdeu a paciência outra vez. — Escute, eu não nasci ontem. , Quem é que você está
planejando encontrar?
— Está bem! — Yvone virou-se para ela. — vou encontrar-me com Renaldo. Foi ele quem
ficou com meu anel.

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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
— Oh, não! — Laurel empalideceu. — Mas como? E...
— Nós estávamos na praia, esta tarde, nadando e brincando. Eu me esqueci que estava
usando o anel, até que ele notou e disse que eu podia perdê-lo. — A garota tremeu os lábios. —
Eu ia correr de volta para guardar, mas ele disse que tomava conta ,e colocou na corrente que usa
no pescoço, mas depois, quando era hora de voltar, e eu o pedi de volta, ele disse para eu pegar.
Nós estávamos rindo, e ele me pegou e começou a me beijar, e...
Laurel apertou os lábios. A velha chantagem moral que aparecia novamente. — E ele se
recusou a entregar.
— Disse que me devolveria esta noite, à meia-noite na enseada.
— Mas que grande boboca — exclamou Laurel. — Você acredita mesmo que ele irá devolvê-
lo? Será que não percebe que ele está gozando você?
— Pensei que você fosse dizer que ele iria abusar de mim! Não se preocupe, eu sei o que
estou fazendo e sei lidar com o Renaldo.
— Famosas últimas palavras! Até agora não teve muito sucesso — lembrou-lhe Laurel. —
Pelo amor de Deus, cresça. O Renaldo fica contando vantagem sobre suas conquistas e sobre os
presentes que ganha. A sra. Allen contou para mim.
— E o próprio Renaldo me contou — disse Yvone triunfante. Ele me contou tudo. Como às
vezes as garotas que vêm passar férias se sentem solitárias, ele tem pena delas e faz parte do
serviço dele ser gentil com elas. Mas ele não é desse jeito, como você está supondo.
— Acho que você mesmo acabou de dizer — disse Laurel com clareza, abandonando a
pretensão de ficar zangada. — Acho também que você está caminhando para a dor e para a
desilusão. — Ficou de pé. — vou trazer seu anel de volta.
— Você!
— Sim. — Laurel já estava tirando o pijama. — Prometi a seu pai que tomaria conta de você,
e é isso mesmo que vou fazer. Vou pegar aquele anel nem que tenha que acordar os guardas.
— Não! — Yvone agarrou seu braço. — A polícia não! Você prometeu! Ele vai negar! Você
vê: é só a minha palavra contra a dele. Vai dizer que eu perdi o anel e eu nunca mais vou tê-lo de
volta. — Encostou-se na cama, com os ombros sacudidos por novos soluços.
— Você vai sim! — afirmou Laurel, com uma segurança que estava longe de sentir. — Agora
volte para a cama e fique aí.
Yvone não discutiu mais, e um pouco depois Laurel descia a escada silenciosamente e saía da
pensão adormecida. Estava zangada demais para sentir-se nervosa mas, enquanto descia o
caminho estreito para a vila, começou a desejar que a ilha tivesse um turismo um pouco mais
desenvolvido. Apesar de haver luz em algumas das janelas e ainda se escutar o choro de crianças e
o barulho de rádios, a vila parecia se fechar contra ela, deixando-a mais sozinha.
Então saiu pela última rua estreita e viu o campo se estendendo à sua frente. Mais alguns
minutos e chegaria à enseada que era o lugar de encontro. A raiva já havia passado e ela sentia
tremores descendo pela espinha. E se Renaldo se recusasse a entregar o anel? Pela primeira vez
começou a achar que era tão tola quanto Yvone. Ele poderia até nem estar lá. Mas ela tinha que
continuar.
Para seu alívio, a Lua começou a aparecer, prateando o caminho que descia a encosta
rochosa até a praia. As pedras e as folhagens formavam sombras escuras, e o ruído do mar não era
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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
alto. Laurel pisou na areia macia e olhou à volta. Não podia ver ninguém, nem ouvia nada que
indicasse haver mais alguém por ali- àquela hora. Controlando o impulso de voltar, percorreu um
trecho da praia, depois parou, sentindo voltar toda a raiva ao ver que tinha ido à toa. O dia tinha
trazido uma boa quantidade de problemas para ela e para Yvone. No futuro, tomaria mais cuidado
para...
— Senhorita?
Um grito de susto morreu na garganta de Laurel. Virou-se para procurar o adversário e por
um momento não enxergou ninguém. Então uma sombra se moveu perto dos rochedos e uma
risada escapou da escuridão.
— Então acabou vindo, senhorita. Estava começando a achar que ia me desapontar.
Parecia estar esperando que ela fosse até ele, em direção à fenda no rochedo, que parecia
uma pequena caverna. Laurel ficou parada, obedecendo ao instinto que dizia para que ficasse
calada. Por fim, a sombra se moveu e Renaldo apareceu na faixa de luar. Podia ver o branco dos
seus dentes e percebeu que seu próprio rosto estava na sombra, e que ele ainda não tinha
percebido quem era.
— Acho que vai mesmo ficar desapontado, senhor — disse com frieza.
Ele se assustou e o sorriso desapareceu. — Não estou entendendo. Onde está a srta, Searle?
— No hotel.
— E o que é que você está fazendo aqui? — perguntou, chegando mais perto para olhar para
ela com os penetrantes olhos negros. Por que ela não veio ao nosso encontro?
— Isso não interessa a você. Onde está o anel dela?
— Que anel? — fingiu espanto. — Não sei o que está querendo dizer.
— Sabe muito bem. — Laurel segurou as pontas do casaco com dedos que queriam tremer.
— O anel que pertence à srta. Searle, que você não devolveu hoje à tarde. -
De repente ela percebeu um brilho no dedo mínimo do rapaz. — Acho que você está com
ele, neste momento.
Ele escondeu a mão atrás das costas, — A senhorita não é a dona. Prometi entregá-lo à
dona.
— Você não tinha o direito de ficar com ele.
— Está me ameaçando, senhorita? — Sua voz denunciava perigo.
— Ainda não. Estou apenas exigindo a devolução de um objeto de minha amiga.
— Não gosto de exigências desse tipo, senhorita. Por que não me pede com delicadeza? Era
só uma brincadeira.
— Meu senso de humor nunca aprendeu espanhol. — Laurel respirou fundo. — A
brincadeira acabou, Renaldo. É muito tarde e eu estou muito cansada. Agora me dê o anel.
Ele deu um passo atrás, os olhos escuros olhando para ela de alto a baixo. — Um momento.
Agora está fazendo com que eu fique zangado, senhorita, já que roubou algo de mim.
Laurel perdeu a paciência. — Pelo amor de Deus, pare de ser ridículo! O que é que eu
poderia ter roubado de você?

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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
— Roubou os momentos pelos quais fiquei esperando a tarde toda: meu encontro com a
encantadora srta. Yvone. Oh, sim, ela me contou sobre a senhora, sobre a autoridade que o pai
dela lhe deu, do freio que impõe sobre sua liberdade. Isso soava como verdade. Laurel podia até
ouvir a teimosa Yvone pronunciando as palavras. Laurel controlou um suspiro de desânimo e um
impulso natural de se defender. — Não vou discutir com você. Agora, você vai devolver o anel ou
tenho que ir à polícia?
— Então é isso? — O hálito dele veio como um sopro quente contra o rosto dela. — Então
está me ameaçando mesmo! Ou será que estou enganado? — De repente esticou os braços e a
agarrou pelos ombros. — Talvez tenha uma outra razão, senhorita.
— Outra razão? — Laurel quis fugir. — O que quer dizer?
As mãos dele a apertaram com mais força, prevendo o movimento dela e continuando a
segurá-la. O luar revelou seu sorriso desagradável quando ele chegou mais perto para encará-la.
— Quero dizer que está curiosa a meu respeito, senhorita. Talvez com inveja de sua amiga.
— Inveja! Oh... Ora, seu convencido!... — Laurel quase gaguejava de raiva e desespero. Será
que ele imaginava mesmo que seria esse o motivo do encontro? Lutou, zangada.
— Nunca ouvi palavras tão estúpidas! Largue-me! Você deve estar...
— Oh, não! — Ele segurou-a outra vez com facilidade. — Todas falam isso no começo. Então
me diga, senhorita, sua amiga ficou com medo? Mandou-a no lugar dela?
— No lugar dela! Largue-me ou vou gritar até que...
— Ninguém vai ouvir, sua tola! — com um riso triunfante puxou-a para mais perto e tentou
beijar a boca que ela afastava desesperada. A reação de Laurel só fez com que ele redobrasse a
força. Percebeu então que, apesar dele ser apenas um pouco mais alto que ela, tinha muita força e
determinação. Sua jaqueta estava sendo torcida, o pano quase cedendo e ela ficou com mais
medo quando Renaldo deu um puxão e segurou seu braço nas costas.
— Será que achou que podia me tapear? — exclamou ele, furioso, apertando a garganta
dela e obrigando-a a olhar para ele. — Ou será que gosta de fingir primeiro!
Ele riu novamente, e a cabeça de Laurel foi forçada para trás, sob a força dos beijos dele.
Então de repente a jaqueta se rasgou e as mãos de Renaldo passaram afoitas pelos seus seios.
— Não! — Laurel lutava violentamente, chutando com selvageria e um grito escapou do
rapaz.
— Sua danada, vai se arrepender disso! — Sem remorsos, jogou-a na areia. O medo tomou
conta de Laurel ao perceber sua situação. O anel foi esquecido; a única coisa que importava era
escapar, antes que Renaldo perdesse completamente a cabeça! Com um esforço desesperado
conseguiu libertar um braço, bateu às cegas e gritou com todas as suas forças: — Socorro!
Socorro!
O barulho das batidas parou e ela viu uma sombra enorme sobre os dois, e de repente o
corpo de Renaldo foi tirado de cima dela. Escutou um gemido e um grito, depois um barulho de
algo caindo. Virou-se e viu novamente a grande sombra. Duas mãos então a ajudaram a levantar-
se.
— Senhorita, está tudo bem?
A pergunta parecia vir de longe, através de um nevoeiro. Não podia ser! Mas as mãos fortes
que a ajudavam a sentar-se eram bem reais, assim como a cabeça escura baixada sobre ela e a voz
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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
que soava estranhamente familiar. Ela levou a mão ao rosto, empurrando o cabelo em desordem,
e respirou fundo. A névoa estava clareando e ela percebia uma outra forma atirada na areia, a
pouca distância.
Enquanto se movia, viu a figura de Renaldo estirada na areia se mexer e vagarosamente
levantar-se e sair andando. Laurel encontrou sua voz.
— Segure-o, ele está com meu anel!
Fez um esforço para ficar de pé. Depois de ter passado por tudo aquilo, não ia deixar que ele
escapasse com o objeto causador de toda a encrenca. Seu salvador deu dois passos e esticou um
braço, enquanto as pernas de Laurel cediam sob seu peso.
— O que é isso? — perguntou o estranho. — Além de atacar a senhorita, você também a
roubou?
Ela escutou Renaldo murmurar alguma coisa, e depois uma torrente de espanhol. Momentos
depois o estranho voltou, estendendo a mão aberta, e a figura de Renaldo começou a se esgueirar
para longe, na sombra do rochedo.— É este?
Laurel olhou estonteada o anel na palma da mão e concordou, mas não fez movimento
algum para pegá-lo. — Sim, é da minha amiga.
— Talvez seja melhor a senhorita explicar o que houve e me garantir que não foi mesmo
molestada.
— Estou bem, obrigada. Mas se não tivesse aparecido... — Tentou controlar a voz, ficar em
pé e arrumar um pouco a roupa, mas percebeu que o corpo não obedecia às ordens do
cérebro..Lágrimas começaram a escorrer do seu rosto e seu corpo tremia sob os soluços.
O estranho ficou parado por um instante, olhando para ela. Então abaixou-se e, antes que
ela pudesse protestar, levantou-a no colo como se fosse uma criança.
— Não parece estar bem — comentou. — Duas vezes num dia só! Será que é um hábito seu?
Ela sacudiu a cabeça, cansada demais para responder e ele virou-se para seu cavalo negro,
murmurando uma ordem. Instantaneamente o animal ficou imóvel, e seu dono perguntou a
Laurel: — Se eu a colocar em cima dele, será que pode segurar-se até que eu monte?
Ela fez que sim com a cabeça e sentiu-se levantada para o alto e colocada na sela. Sentiu
tudo rodar, agarrou a crina macia e logo depois seu salvador estava montado atrás dela, com um
braço firme segurando sua cintura e apoiando-a contra si.
— Relaxe-se e recoste — instruiu com voz profunda -, e levante os joelhos um pouco: verá
que assim é mais confortável.
— É muita gentileza sua, senhor — disse enquanto obedecia. — Mas não precisa me levar de
volta. Eu podia...
— Voltar a pé? Acho que não ia conseguir. Agora, por favor, não fale.
Ela sentiu a força poderosa do grande animal sob seu corpo e retesou-se instintivamente.
— Eu disse relaxe-se — veio a ordem calma. — Não vou deixá-la cair.
A galopada terrível que ela temia não aconteceu. Como se soubesse, ou se respondesse às
ordens do dono, o garanhão moveu-se pela praia num passo lento. Vagarosamente o corpo de
Laurel parou de tremer, e ela conseguiu se relaxar naquela estranha sensação de segurança. Foi só
mais tarde que percebeu que tinham passado do caminho que subia para a vila. Mexeu-se
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alarmada e o braço rijo que a segurava a apertou mais.
— Não fique amedrontada, senhorita. Estou levando-a para minha casa, não pode se
apresentar na pensão nesse estado.
— Mas eu...
— Por favor, deixe que eu resolva o que é melhor para você. Estou começando a suspeitar
que a senhorita não sabe o que é isso. É claro que não é preciso que eu afirme que meu pessoal é
completamente civilizado. Não vai acontecer nada pior do que quando estava à mercê daquele
cachorrinho insolente, quando eu cheguei.
— Sim, senhor, é muito gentil e eu sou muito grata, mas já é mais de meia-noite.
— E daí?
A estranha sensação de segurança voltou a embalá-la num estado em que ela cessou de se
preocupar para onde estavam indo e por que estaria ele andando a cavalo na praia àquela hora. A
Lua brilhava sobre o mar calmo e a ilha escura podia até ser desabitada, a não ser por ela e pelo
homem silencioso cujo braço a segurava com tanta facilidade. A única coisa que importava era que
a terrível experiência estava sumindo como um fim de pesadelo.
A praia se acabava mais adiante e dela saía um caminho que subia a encosta. Atravessaram
um bosque e chegaram a uma estrada mais larga. Havia o aroma das flores noturnas e o ruído das
pequenas criaturas da noite. Olhou à frente, para a alta grade de ferro que parecia uma renda
negra contra o céu enluarado, a larga entrada por onde estavam passando, e viu a grande silhueta
brilhando mais adiante, delineando as torres, as grossas paredes e os torrões de pedra que só
havia enxergado de longe.
Sentiu um choque ao perceber para onde estavam indo. Como é que não tinha adivinhado?
Tinham chegado ao castelo. E aquele estranho homem, que já havia desmontado, que a estava
erguendo do magnífico cavalo negro, e cujo sorriso zombeteiro brilhava agora enquanto seus
braços ainda a seguravam, não podia ser outro senão... o próprio conde.

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CAPíTULO IV

— Bem-vinda a Valderosa!
Laurel caminhava sob o enorme arco de pedra com o eco dessas palavras nos ouvidos. A sala
de entrada era alta e cavernosa, cheia de estatuetas barrocas e quadros antigos com molduras de
gesso, tudo escurecido pela idade, e uma enorme tapeçaria antiga quase cobria uma das paredes.
Havia uma larga escadaria e no alto, meio escondida nas sombras, uma galeria. As arcas
entalhadas, as cadeiras de espaldar alto e as mesas contendo objetos de metal e porcelana fariam
o deleite de qualquer antiquário. O conjunto era iluminado uma luz difusa que parecia aumentar a
sensação de sonho em que Laurel se encontrava.
Ela virou-se, ainda meio estonteada com a revelação da identidade do seu anfitrião, e levou
um susto ao encontrar um criado vestido de preto, que tinha aparecido silenciosamente por uma
porta lateral, e agora olhava para o conde.
O conde deu algumas ordens rápidas, depois disse a Laurel: — Vá com José. Logo irei
encontrá-la, senhorita.
O criado não demonstrou surpresa ou curiosidade com a- chegada de uma jovem estranha à
meia-noite. Laurel seguiu-o ao longo de um corredor interminável, até que José parou, abriu uma
porta entalhada e acendeu a luz, depois apontou para uma porta no fim do corredor.
— Se a senhorita quiser se refrescar, encontrará ali tudo o que precisa. — Depois se virou e
desapareceu por onde tinham vindo.
Laurel foi até a porta indicada e viu que era um banheiro espaçoso, com toalhas felpudas
penduradas em cabides. A água estava quente e ela ficou tentada a tomar um banho rápido, mas
lavou o rosto e as mãos e escovou os cabelos para retirar a areia. Depois, sentiu-se mais à vontade
para voltar à sala, que era um aposento menor e mais simples que o grande vestíbulo do castelo.
Ali haviam estantes cheias de livros e quadros mais modernos e sobre uma mesa baixa, perto da
janela, uma guitarra de formato moderno.
Então alguém na casa do conde gostava de música. Laurel sentou-se em uma cadeira,
consciente de seu extremo cansaço. Se ela pudesse voltar o relógio! E pensar que tinha que ser o
mesmo homem! Justo ele, a quem ela deveria impressionar muito bem, por causa do projeto do
chefe. Ela tinha mesmo posto tudo a perder, pois o conde não tinha feito segredo de sua opinião
sobre ela. Besteira juvenil. . tola... invasão de propriedade... Oh, se ela pudesse voltar o relógio! O
episódio no mar tinha .sido terrível, mas as desgraças dessa noite...
Laurel estremeceu só em lembrar. Graças a Deus, o conde tinha aparecido, pensasse o que
pensasse sobre ela. Oh, por que não tinha insistido em voltar para a pensão, ao invés de... Laurel
deu um pulo da cadeira quando a porta se abriu. Encontrou o olhar inquiridor do seu anfitrião.
— Eu... eu preciso voltar — gaguejou.
— Mas apenas acabou de chegar! Pelo menos espere pelo café que José está fazendo.
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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
— Oh, não devia ter se incomodado. — Mordeu o lábio, querendo saber o que ele estaria
pensando, e sentou-se novamente. — É que está ficando tarde demais.
— Isso tende a acontecer com encontros à meia-noite.
— Verdade? Só que o encontro não era meu!
— Assim mesmo a senhorita foi. — Virou-se ao ouvir um ruído. — Ah, coloque aqui, José.
O criado pôs a bandeja na mesa indicada e retirou-se. O conde olhou para Laurel de modo
enigmático.
— Acredito que seja costume em seu país que a visita sirva os refrescos quando a dona da
casa não está presente, não é?
Laurel levantou-se e dirigiu-se para a mesa. Levantou com cuidado o bule de prata e serviu
duas xícaras de café bem preto.
— Parece estar bem informado sobre os costumes de minha terra, senhor — comentou
secamente.
— Passei algum tempo em seu país, há alguns anos. — Agradeceu com a cortesia típica dos
espanhóis ao pegar a xícara, depois esperou que ela se sentasse antes de se acomodar na cadeira
em frente.
— Tenho a impressão que a senhorita não conhece tão bem os nossos — comentou.
— O que quer dizer com isso?
Um laivo de riso reprimido apareceu por trás do ar grave. — Não sou eu quem vai lhe
esclarecer, senhorita. Não gostaria de embaraçá-la lembrando o que aconteceu hoje.
— Senhor, apreciei demais sua hospitalidade, e estou muito grata por tudo o que fez por
mim hoje, mas eu preciso voltar.
— Por quê?
— Porque é muito tarde, — gaguejou — e eu nem devia estar aqui. Nós nem nos
conhecemos...
Parou quando ele começou a rir.
— O que é que chama de tarde, senhorita? Está de férias, não é? E a pensão não exige que
os hóspedes cheguem na hora certa, como se fossem crianças! — Fez um gesto de caçoada. —
Então por que não deveria estar aqui? Por que não fomos formalmente apresentados? Era isso
que ia dizer?
— Bem, é verdade. E é mesmo muito tarde. Eu...
— Mas imagino que não ligue muito para as convenções sociais. — Um sorriso maroto
apareceu em seus olhos e os dentes brancos brilharam. — Ora, senhorita, não espera que eu
acredite isso de uma jovem inglesa que nada vestida como veio ao mundo e que combina
encontros à meia-noite com um jovem garçom que estava claramente querendo se divertir! Eu
não posso ser comparado com o jovem conquistador de Destino!
— Nunca pensei em fazer tal comparação — explodiu ela — e eu sigo as convenções, apesar
de não parecer, por isso não pense que eu seja...
Ele riu.

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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
— Se pensa que vou ficar aqui... para sofrer zombaria e... e... — Acabou calando a boca,
sentindo que ele a reduzira a uma escolar encabulada, mas ainda assim indignada com as
insinuações dele. Respirou fundo. — Não é engraçado, senhor, apesar de parecer.
— Senhorita! — A voz era um modelo de dignidade ofendida. — Acha que estou caçoando!
Por favor, um milhão de desculpas! Como poderei me desculpar?
Laurel fechou os olhos desanimada. — Por favor, leve as coisas um pouco mais a sério, e
acredite em mim quando digo que o que aconteceu esta noite não foi por vontade minha.
— Não? — De repente os olhos negros ficaram atentos. — Como é que seu anel foi parar
com Renaldo?
— O anel pertence a Yvone. Eu queria pegá-lo de volta para ela. — Laurel olhou para suas
mãos, sem vontade de entrar em detalhes que deixariam mal a moça, mas ainda assim ansiosa
para esclarecer a impressão dúbia que causara nesse homem. — Achei que não estava certo ela ir
ao encontro, e foi por isso que aconteceu tudo aquilo, senhor.
O conde escolheu um pequeno charuto e o acendeu, franzindo a testa. — Mas isso não é
meio estranho? Por que entregou ao Renaldo um anel que não era seu? Ou ele havia roubado a
joia?
— Oh, não! — Laurel respondeu horrorizada, e percebeu que tinha que contar a verdade,
apesar de a história parecer meio ridícula agora, para esse homem moreno, que de repente tinha
ficado sério. — Veja, senhor. Sou responsável por Yvone. Ela está aqui por causa de uma amizade
inconveniente, e eu prometi ao pai dela que tomaria conta da filha. Então como é que poderia
deixar que se envolvesse com Renaldo? Eu tinha que tentar resolver eu mesma a situação.
Houve um silêncio. Depois de um momento Laurel levantou os olhos, preparada para o riso,
o sarcasmo e mesmo a indiferença a uma história que parecia apenas imprudência feminina, e, ao
invés, viu algo que nunca esperaria. Simpatia e pena! Ele abanou a fumaça azul e apagou o
charuto. — Ela é muito jovem, essa garota?
— Tem dezesseis anos.
— Sei exatamente como se sente, senhorita. Tenho um problema parecido em minhas mãos.
— Como?
Ele deixou escapar um leve sorriso com a surpresa de Laurel. — Oh, sim, senhorita. Os
problemas com a juventude de hoje não aparecem somente em países de quase total liberdade
como o seu. Nós também estamos enfrentando esse problema, mas temos muito mais
dificuldades em aceitar isso. As nossas tradições são ainda muito fortes e arraigadas. Você não
aprova, não é mesmo? A tradição é uma coisa para ser banida para longe, e ninguém quer saber
das consequências, certo?
— Depende de qual seja a tradição e da pessoa envolvida — respondeu Laurel secamente,
sem desejar se envolver em uma discussão que podia ser como areia movediça.
— Nesse caso, a pessoa envolvida é jovem, caprichosa, cabeçuda, e completamente sem
sabedoria para julgar o valor das nossas tradições.
Laurel ficou quieta e depois de um instante o dono da casa recostou-se na cadeira, os traços
clássicos escondidos pela sombra.
— Minha prima é um pouco mais velha que a sua pupila e também está andando com uma
pessoa que tem toda desaprovação da família. Um perdido e, como é que vocês falam? — o conde
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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
gesticulava com impaciência — ... quem procura uma esposa rica?
— Quer dar o golpe do baú?
— Exatamente! — O conde estalou os dedos. — Carlota ficará muito rica quando for maior
de idade, e não queremos que ela fique ligada a um pobretão, que dissipará a fortuna dela
rapidamente. Então teve que ser removida de perto da tentação até que tome juízo. Deve chegar
este fim de semana.
Laurel sentiu uma ponta de pena da garota desconhecida. — Mas sua prima provavelmente
se sentirá muito infeliz — atreveu-se a dizer. — Ela pode não achar que o rapaz seja interesseiro;
vocês podiam estar enganados a respeito dele.
— Enganados ou não, o caso está terminado. Ela está proibida de vê-lo novamente. Logo vai
esquecê-lo. — O conde ficou olhando para Laurel, um poder em seus olhos que não admitia ser
contradito. — Uma moça de dezessete anos não conhece sua própria mente, quanto mais seu
coração.
— Talvez não — Laurel disse tranquila—, mas isso não diminui sua capacidade de
sofrimento.
— Então provavelmente vai aliar-se a Carlota. — O olhar indagador apareceu novamente. —
No entanto, interfere nos assuntos de sua jovem amiga, para o bem dela naturalmente. A
senhorita é então mais contraditória do que eu imaginava.
Repentinamente Laurel sentiu todo o cansaço voltando. Por algum motivo, esse conde
arrogante se divertia em desafiar suas opiniões, especialmente porque as circunstâncias faziam
com que ela fosse mais cuidadosa. Encolheu os ombros. — Eu realmente não sei o suficiente sobre
os fatos para me aliar ou não à sua sobrinha. Quanto a ser contraditória, julgo que o senhor é
bastante justo para não atirar uma culpa dessas em alguém só porque não concorda consigo.
Por um momento os olhos negros brilharam, depois os lábios se abriram em um sorriso. —
Atenção, senhorita. Talvez eu tenha subestimado sua capacidade de compreensão, mas Carlota
não tem necessidade de aliados, como a senhorita mesmo verá depois de conhecê-la.
Laurel franziu a testa, depois sacudiu a cabeça. Como havia pouca probabilidade de ficar
conhecendo Carlota, isso tudo não importava.
— Talvez seja isso mesmo, mas eu na verdade não tenho nada com isso... — Levantou-se. —
E agora, senhor, estou muito cansada...
— É claro, desculpe-me! — Levantou-se depressa. — vou levá-la. Mas antes...
— Sim? — Ficou olhando para ele, pois parecia que hesitava no que ia dizer.
— Quanto tempo vai ficar em Destino?
— Talvez um mês. — Laurel estava achando difícil esconder sua surpresa. De repente ficou
em pânico. Será que ele pretendia expulsá-la da ilha?
— E há quanto tempo está aqui?
— Menos de uma semana. Mas, por que pergunta, senhor?
— Por muitas razões. — A arrogância que percebera pela primeira vez à tarde, na praia,
estava de volta. — A senhorita não pode permanecer na pensão agora.
— Mas por quê? Não estou entendendo. Temos acomodações reservadas por um mês, com
a opção de mais duas semanas...
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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
— Mas claro, senhorita. — Ficou mais sério ainda. — Deve perceber que, depois do que
aconteceu, isso não é possível.
— Não estou entendendo... — Mordeu o lábio.
— Nem seria certo — observou. — A senhorita foi atacada por um empregado da pensão da
sra. Allen, por uma bobagem feita por sua protegida, e isso não devia ter acontecido. Eu achei que
Renaldo tinha aprendido a lição, depois que... — Repentinamente o conde se interrompeu, depois
continuou: — Mas fique descansada, vou tratar pessoalmente do caso. Acho que não vai mais
fazer nada de errado, depois de ouvir o que tenho a dizer a ele amanhã cedo.
Laura lembrou-se de repente e percebeu a causa da raiva mal disfarçada do homem à frente
dela: ele também estava se lembrando de Sara... Laurel apertava as mãos. Claro que o dono da
ilha não podia obrigá-las a irem embora, pois não tinham culpa do que tinha havido. E só Deus
sabia o que ia acontecer com Renaldo!
Olhou para ele, e disse vagarosamente: — Isso quem decide é o senhor. Por mim, quero
apenas esquecer, mas não entendo por que devamos sofrer as consequências. Não podemos
interromper nossas férias só porque um incidente tolo fez com que um namorico se tornasse algo
perigoso.
— Mas esta noite ficou com medo?
— É claro que fiquei com medo — disse tensa -, mas não o suficiente para ir embora só por
causa... não, senhor, não concordo. E não há mais nenhum lugar para ficarmos, a não ser na
pensão.
— Gostaria que aceitassem minha hospitalidade.
— Sua? — Laurel espantou-se. — Quer dizer, aqui?
— Não olhe para mim como se eu estivesse louco — disse ele secamente. — Tente encarar o
caso sob o ponto de vista lógico e pense no aborrecimento que tudo vai causar à sra. Allen.
— Se é isso que o está preocupando, não se incomode, não vou contar nada a ela e nem a
Yvone — disse Laurel. — Eu já disse, quero esquecer todo o caso, e aposto que Yvone, que estava
desesperada com a perda do anel, também não dirá nada. Quanto a Renaldo, daqui para frente
não vamos ficar em seu caminho.
— Não desculpo Renaldo, mas também não o culpo inteiramente.
— A quem culpa então?
— Culpo as garotas sem juízo, que brincam com fogo e depois gritam quando se queimam.
Elas ficam andando com quase ou nenhuma roupa pelas nossas praias, namoram nossos homens,
e esperam que eles apaguem o desejo como se apaga uma vela. Não sabem o que desencadeiam e
depois se espantam quando eles não as respeitam.
Por um momento Laurel ficou olhando para ele, imaginando se tinha ouvido bem. Será que
ele achava que ela?... Por que ela?... Laurel explodiu: — Está sugerindo que eu seja uma dessas?
Só porque aconteceu aquilo comigo esta tarde? Por que me envolvi em um caso que não tinha
nada comigo esta noite? Como se atreve a me insultar desse modo? Que direito tem? Só porque,
oh! eu deveria ter esperado tal atitude! Os homens são rápidos em condenar. Não ligam para
nada, a não ser suas opiniões arrogantes, e seus próprios desejos. São incapazes de julgar o
caráter de qualquer mulher. — Engoliu em seco, cega de fúria e louca com as injustiças da vida. —
Gostaria de nunca ter posto os olhos nesta ilha, nem no senhor! Nada, nada mesmo faria com que

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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
eu ficasse aqui depois disso! — Correu para a porta, pensando em escapar, e soluçou alto, ao
perceber que o vulto moreno chegava lá primeiro.
— Oh, não tão depressa, senhorita! — Barrou-lhe a passagem, alto e implacável. — Está me
condenando injustamente.
— Como também me condenou, senhor! Deixe-me passar.
— Ah, não! — Seus dedos se agarraram nos pulsos dela, enquanto Laurel se esforçava para
passar por ele. -- Nenhuma mulher fala comigo desse modo, senhorita, e escapa ao castigo.
— E. nenhum homem fala comigo como fez sem acontecer nada. O senhor é insuportável!
Fora de si de tanta raiva, lutou para se libertar, mas foi inteiramente por acidente que uma
de suas mãos escapou e bateu no rosto dele. Ele soltou uma imprecação e no instante seguinte ela
sentiu-se presa. Uma força muito maior que a dela segurava seus braços, e um par de olhos
escuros luziam perto de seu rosto. Os lábios dele se comprimiram, e de repente ele baixou a
cabeça e colou sua boca na dela.
Laurel ficou atónita demais para qualquer reação. O beijo feroz trancou-a no tempo e no
espaço, anulando qualquer movimento. Sua cabeça ficou enevoada ao sentir o corpo dele colado
ao seu e ele deixou escapar um gemido. E de repente ela estava livre.
— Sua garota tola! — A força das palavras quase bateram em seus lábios. — Eu não sugeri
nada! Não estava me referindo à senhorita nem ao que aconteceu esta tarde.
— Como se atreveu a me beijar?!
— Olho por olho, dente por dente! — A boca ainda estava perigosamente perto. — E vou
fazer isso novamente se não se desculpar.
— Pedir desculpas? Nunca! — Virou a cabeça num movimento desesperado para se soltar.
— Sugere que eu seja sem juízo, e depois me submete a isso! Quem tem que pedir desculpas é o
senhor!
— Por quê? — gritou ele. — Por fazer uma generalização? Não está escutando? Quando é
que eu a chamei de sem juízo?
— Mas deu a entender! E agora está querendo me tratar como se eu fosse assim! Largue-
me! Não tem o direito de...
— Não? — Os olhos faiscavam de raiva. — Não, enquanto lança sobre mim falsas acusações
e suas mãos ardem de vontade de me esbofetear? Estou tentando me controlar, mas está se
tornando cada vez mais difícil! Agora, será que quer me ouvir, em vez de ficar tão enfurecida? E
por favor, entenda o que estou querendo dizer!
— Não quero ouvir mais nada.
— Deixe-me terminar o que estou tentando falar, por favor! Seu tom estava mudando,
mostrando que se controlava, e a tensão que aparecia em seus traços revelava como era grande a
raiva que -ele segurava. Alguma coisa, Laurel nem soube o quê, obrigou-a a ficar calada, e ele
disse, persuasivo:
— Eu generalizei, como você também fez quando condenou o modo como os homens
tratam as mulheres. Mas será que não entende que por causa do comportamento de algumas,
como a moça sob sua responsabilidade, você se arrisca a um vexame nas mãos de Renaldo, como
aconteceu? E sou classificado na mesma categoria que ele? É a esse ponto que estou tentando

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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
chegar, senhorita, e não a uma dissertação sobre seu caráter pessoal.
O conde interrompeu-se e deixou escapar um suspiro. Soltou um dos pulsos de Laurel e
levantou a mão, passando de leve o dedo pelo rosto dela. Sacudiu a cabeça, quase triste.
— Garota tola! Gente sem juízo não fica vermelha! Não como fez hoje, como uma rosa
zangada e como está corando neste momento.
— Não, não estou! — Laurel ficou tão encabulada que esqueceu a raiva. — Será que não
pode esquecer aqueles fatos tão horríveis? Ou pelo menos deixe que eu esqueça!
— Não tenho certeza de que quero esquecer — disse ele com suavidade, e um tom quente
em sua voz fez com que nova onda de rubor cobrisse o rosto da moça, — mas prometo que não
direi mais uma palavra sobre o assunto, com uma condição. Vamos fazer as pazes? E prometa-me
que nunca mais tornará a mencionar este nosso mal-entendido.
Largou-a e deu um passo atrás, olhando-a enigmaticamente. Laurel sacudiu de leve a
cabeça. Nem mesmo ela entendia seus sentimentos. Sua boca ainda sentia o gosto do beijo e suas
pernas estavam bambas, pedindo que ela se sentasse. Estranhamente ela queria acreditar na
explicação dele, aceitar sua sinceridade, e, mais que tudo, queria dizer que sentia muito tudo o
que tinha havido. Respirou fundo. Oh, era ridículo! Ele estava fazendo charme. Dali a pouco ela
estaria comendo na mão dele! Ela tinha sido uma idiota em cair naquela! Mas por que ele tinha
ficado tão diferente, depois de toda aquela história de querer punir a mulher que se atrevesse a
enfrentá-lo? Pôs de lado esses pensamentos, consciente dos olhos dele, e disse com firmeza para
si mesma que não podia deixar de ser grata a ele. Inclinou a cabeça.
— Muito bem, senhor. Se quer assim... — Sua mão alcançou a porta, mas ela hesitou,
virando-se. — Eu nem sempre perco a cabeça desse jeito, senhor, mas hoje...
— Como?
Ela mordeu o lábio, de repente com vontade de rir. — É que eu normalmente não tomo
atitudes precipitadas, mas hoje eu tive um dia muito difícil.
— Concordo.
Ela suspirou, o rosto novamente grave, mostrando cansaço. Estendeu a mão. — Obrigada,
senhor, por ter me ajudado, e pelo café e por tudo. E agora, acho melhor... — Parou. Ele estava
olhando para ela novamente com um ar de riso.
— O aperto de mão tão formal, senhorita? Depois de um dia tão complicado? — Sacudiu a
cabeça. — Nunca vou conseguir entender os ingleses, mesmo que fique bem velho.
Abriu a porta, ficando de lado para que ela passasse, depois indicou o caminho. Em silêncio
seguiram pelo corredor e saíram por uma porta lateral que ela não tinha visto antes. Entraram em
um aposento com piso de lajotas e o conde abriu uma porta que dava para um pátio iluminado
por antigos lampiões de metal, dirigindo-se para um carro verde estacionado ali perto.
Laurel entrou no carro e olhou à volta. Era impossível não ficar impressionada com a cena. A
Lua já estava alta e lançava sombras nas muralhas e torreões de pedra, e pelo arco de pedra via-se
o céu de veludo e o brilho do mar. A viagem levou só alguns minutos, e Laurel chegou a sentir uma
ponta de tristeza por ter acabado tão depressa. O conde parou silenciosamente no portão da
pensão.
Virou-se para ela.
— Está suspirando, senhorita. Deve estar extremamente cansada. Sinto muito tê-la retido
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até tão tarde.
— Não... eu suspirei porque achei tudo tão lindo. — Laurel hesitou. — Acho que não falava
sério quando disse que teríamos que ir embora de Destino.
— Mas eu nunca sugeri isso! — Parecia surpreso. — Eu disse que a senhorita e sua protegida
não podiam permanecer onde estavam. E confirmo o que disse — repetiu com firmeza.
— Quer dizer que...
— Ocorreu-me que seria ótimo se houvesse uma companhia feminina durante a visita de
minha prima. Dona Constenza, minha tia, está passando uma temporada com alguns amigos em
Granada, e não iria gostar de ter que voltar mais cedo para tomar conta de Carlota. Infelizmente
tenho negócios a tratar em Madrid que não podem ser adiados, e apesar de me tomarem apenas
alguns dias, vão fazer com que Carlota fique à vontade demais. Minha avó é muito frágil para ter
que aguentar o temperamento e a rebeldia de Carlota.
— Estou vendo. Vai ser um problema, se ela é tão cabeçuda quanto diz, senhor — disse
Laurel vagarosamente. — Mas acha que a presença de estranhos vai adiantar alguma coisa?
— Oh, sim. A presença de hóspedes, e ela tendo que assumir a responsabilidade de anfitriã
para ajudar minha avó, vai obrigá-la a ficar aqui. Por isso, senhorita, por favor, pense no assunto.
Se aceitar meu convite vai resolver os dois problemas. E lembre-se, se recusar, Renaldo vai ter que
perder seu lugar de garçom imediatamente. Não posso permitir que ele continue perto de uma
jovem tão impressionável como parece ser sua amiga, e muito menos perto de uma pessoa a
quem ele ofendeu, como a senhorita. Mas isso vai ser muito inconveniente para a sra. Allen, pois
dificilmente encontrará alguém para substituí-lo nesta época do ano.
— É verdade? — Laurel ainda não estava inteiramente convencida. — Não imaginaria que
fosse tão difícil.
— É que não conhece minha ilha, nem sua mão-de-obra. Por isso deixe-me tratar do assunto
como achar melhor.
— É claro, senhor. — disse ela depressa —, mas existe a parte financeira a considerar. Não
sei o que fazer quanto a isso; quero dizer, já pagamos por nossa hospedagem. Não acho justo que
a sra. Allen perca por causa do que aconteceu.
Ele a deixou chocada, pois riu alto. — A sra. Allen não vai perder nada com isso, e nem
vocês, minha inglesinha teimosa. E eu ficarei mais sossegado sabendo que tenho vocês sob minha
proteção. Porque, se me permite dizer, acho que a senhorita atrai acidentes, e só Deus sabe o que
mais poderá lhe acontecer antes que vá embora de Destino.
Laurel engoliu uma resposta indignada. Imagine, ela atraindo acidentes! Mas não era mais
hora para ficar zangada, ele parecia sinceramente preocupado com o bem-estar delas e muito
generoso em oferecer hospitalidade. Só que não sabia o que dizer. A última coisa que tinha
esperado era receber um convite para ficar no castelo. Reparando que ele aguardava, disse por
fim: — É muito gentil de sua parte, com quem já estou em débito, mas não acho que seja
necessário sentir-se responsável por duas estranhas. E quanto a sua sobrinha, bem — hesitou
meio sem jeito —, ficaríamos encantadas em ajudar no que for possível para que ela não se sinta
sozinha.
— Senhorita! — Virou-se para olhá-la de frente, e todo o charme de antes tinha
desaparecido. Seus olhos escuros faiscavam de raiva. — Creio que já afirmei que não me deve
nada, mas parece que não se convenceu! Ou será que os ingleses têm sempre que protestar, com
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receio que se ofereça algo somente por delicadeza?
— Não, é claro que não! — Laurel até se encolheu da aura de poder que emanava desse
homem. — Por favor não pense que eu...
— Escute uma coisa, senhorita. Nós também temos nosso código social. Quando saímos de
minha casa eu deveria ter dito: "Já sabe onde é a sua casa!" Não dizer isso ofenderia muito uma
visita acostumada com nossas formalidades. Mas, diga-me, onde, em nossa conversa, dei a
entender que convidava apenas por educação?
Laurel controlou um suspiro de desânimo. Será que nunca conseguia dizer a coisa certa? —
Não, senhor, não disse, Oh, tente entender. É verdade. .. protestamos por educação, e também
conheço o modo como vocês oferecem suas casas. Só que quero ter certeza de não estar
causando problemas. — Suspirou, e olhou para suas mãos, tentando fazer com que parassem de
tremer. — Mas parece que eu só consigo ofendê-lo, senhor, e isso é a última coisa que desejo.
Houve um breve silêncio. Depois ele estendeu o braço e tocou a mão de Laurel. — Acho que
no fundo eu sei disso. E agora já a detive por tempo demais. Voltarei amanhã e resolveremos
tudo.
Ergueu a mão dela e tocou-a com os lábios, e Laurel imaginou se não estava sonhando. Há
meia hora atrás ele a havia beijado com raiva, agora estava formal, saindo do carro para ajudá-la a
descer e acompanhando-a até a entrada: — Adeus! Não devemos acordar os coronéis
adormecidos!
Laurel ficou ouvindo o ruído do carro que se afastava, depois entrou sem fazer barulho na
casa silenciosa. De repente se sentiu estranhamente trémula e com a cabeça leve. Parecia que
fazia séculos desde que tinha saído de manhã, para conhecer a ilha. Na ocasião, o conde era
apenas um nome e agora parecia encher toda a sua vida... A não ser que tudo tivesse sido um
sonho...
— Laurel! Onde é que você esteve?
Yvone desceu correndo, na penumbra da escadaria, o rosto branco lê tenso, a expressão
quase acusadora ao encarar Laurel.
— Estou quase louca de preocupação! Quem era aquele? Eu vi o carro e pensei... — Não deu
tempo para que Laurel respondesse e estendeu a mão. — Conseguiu pegá-lo?
Por um instante Laurel ficou olhando intrigada para ela. De repente quase teve um ataque
de riso. O anel! A causa de toda a encrenca.
O conde tinha ficado com o anel.

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CAPíTULO V

— Mas ele falou a que horas viria?


— Não. — Laurel colocou a tampa no tubo de pasta de dente e abriu a torneira da pia. — Ele
só disse que viria amanhã, isto é, hoje — acrescentou, com um ar cansado.
— Mas e se ele não vier? — Yvone fez uma careta para o espelho. — E se eu não conseguir o
anel de volta? Honestamente, Laurel, você é demais. Não sei como nem se lembrou de pedi-lo de
volta.
— Já tinham acontecido coisas demais durante o dia. — Laurel pegou a toalha e perdeu a
paciência. — Eu já tinha tido uma briga com ele, e depois... Tudo o que eu queria era voltar para
cá. Lutar contra o seu conquistador não foi brincadeira.
— Puxa! — Yvone esqueceu seu problema por um momento e um brilho maroto apareceu
em seus olhos. — Ele a atacou mesmo?
— Mesmo o quê? Se quis me possuir à força?
— Bem... é, se esse outro sujeito teve que acudir você...
— Bem que ele tentou — disse Laurel seca. — Só quero que você fique longe desse Renaldo
daqui para frente.
— Céus! — Yvone arregalou os olhos. — Eu não tinha certeza de que você estava falando a
verdade quando me preveniu contra ele. Mas acho que você deve tê-lo tentado!
— Não fiz nada disso! — disse Laurel azeda, virando-se para pendurar a toalha.
Yvone esperou, depois disse esperançosa: — Não vai me contar? — Já contei ontem à noite.
— Ah, você é egoísta! — Yvone fez bico. Depois os olhos brilharam. — De qualquer modo
deve ter sido excitante... ser salva à meia-noite por um estranho, um verdadeiro conde espanhol,
num grande cavalo negro, e ser carregada para seu castelo. — Suspirou.
— Há gente que tem sorte demais!
— Foi sorte e excitação... e eu podia muito bem ter passado sem isso — respondeu Laurel
zangada.
Começou a se vestir, recusando-se a satisfazer a curiosidade de Yvone. Suas olheiras
mostravam as aflições do dia anterior e também a noite mal dormida, pois era mais de duas horas
quando Yvone deixou que ela descansasse. Agora, continuava fazendo perguntas durante todo o
café.
— Nós vamos mesmo ficar no castelo?
— Eu não sei.
— Mas se ele nos convidou...
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— Não sei se seria certo aceitarmos.
— Mas por que não? Eu quero ir! Acho que é uma ideia formidável. — Yvone debruçou-se
sobre a mesa. — Você ainda não me contou como ele é. Ainda é moço?
— Eu não perguntei a idade dele! — Laurel respondeu enfezada, e arrependeu-se
imediatamente, pois Yvone ficou magoada. — Acho que deve ter uns trinta e poucos. Não é jovem
como Renaldo.
— Oh! — Yvone franziu o nariz. — É mais velho. Mas é atraente? Você sabe, quente e
moreno.e meio aveludado, como Renaldo?
— Eu não juntaria os dois na mesma descrição. — Laurel apertou os lábios. Achava que o
conde era um homem extremamente atraente. Repentinamente se sentiu estranhamente
relutante em começar a descrevê-lo para Yvone. Não sabia se conseguiria ficar completamente
indiferente. — Não há termo de comparação — disse tensa. Mas provavelmente você mesma
verá.
— Eu sempre quis ficar num castelo — murmurou Yvone sonhadora, depois se lembrou de
algo. — Ei! Você disse que tinha brigado com ele. Quando? Como foi?
Laurel arrependeu-se de ter dado com a língua nos dentes. Não tinha intenção alguma de
contar a Yvone sobre o bate-boca na sala do castelo na noite passada, e muito menos entrar em
detalhes sobre o episódio humilhante quando encontrara o conde pela primeira vez. , — Eu estava
exagerando. Como você, o conde imaginou que eu tivesse provocado Renaldo, e eu tive que fazer
com que ele entendesse que não.
— E foi só?
— E acho que já foi bastante. — Laurel decidiu que já era tempo de mudar de assunto. — E
você, está se sentindo melhor hoje?
— Eu? Oh, sim, estou ótima. — Yvone parecia ter até se esquecido da indisposição da
véspera. — Estou com boa aparência?
— Perfeita! Se eu sentisse a metade da disposição que você está mostrando agora, seria
ótimo.
— Mas você sempre parece ótima, Laurie, Sempre suave, linda e serena. Sempre desejei ser
como você, — disse num momento de candura —, mas nunca dá certo comigo.
Então foi a vez de Laurel parecer surpresa. O elogio inesperado aqueceu seu coração. — Não
acho que tenha motivos para se preocupar, Yvone. Você é muito atraente; quando for um pouco
mais velha e souber explorar todo o seu potencial, nunca vai precisar invejar outras garotas.
Nesse estado de satisfação, as duas moças pegaram seus livros e seus óculos escuros e
saíram para tomar o sol da manhã. Mas, ninguém apareceu antes do almoço e à tarde Yvone
começou a se preocupar outra vez com a perda do anel. Não adiantou nada Laurel afirmar-lhe que
o anel estava em perfeita segurança, e por fim teve que prometer que iriam até o castelo se o
conde não aparecesse até . a noite.
Depois do almoço, ecoavam no terraço os roncos sonoros do coronel Carlton e do sr.
Binkley. As duas senhoras estavam discutindo sobre pontos de crochê e o sr Jamieson, vestido
com umas bermudas largas, que chamavam a atenção sobre suas pernas magras, dava tacadas
imaginárias, reclamando a falta de um campo de golfe em Destino.
— Começou outra vez — gemeu Yvone baixinho. — Por que não vai passar as férias em
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algum outro lugar? Laurie, você fica aqui? Mesmo que eu perca a oportunidade de conhecer o
conde, não aguento passar a tarde assim.
— E onde você vai?
— vou à praia. Deve haver alguém lá. Não vou demorar.
Foi saindo, leve e esguia, com um short vermelho e uma bata de florzinhas azuis, e o sr.
Jamieson ficou olhando para ela do modo meio descarado como os velhos fazem.
Laurel suspirou, esperando que não houvesse ninguém na praia, muito menos Renaldo! Mas
o ,que ela poderia fazer? Nem que quisesse, não conseguiria tomar conta de Yvone as vinte e
quatro horas do dia. Talvez o conde tivesse mesmo razão, o castelo seria o melhor lugar para
Yvone, se não para ela mesma. E se Carlota fosse uma pessoa agradável. havia possibilidade de
uma nova amizade, que poderia aliviar a solidão que Yvone nem conseguia mais disfarçar. Mas, do
fundo do coração, Laurel não culpava a garota por se sentir assim. A ilha linda como era, no
estágio atual, pertencia apenas ao seu povo.
Apreciavam os visitantes, contanto que eles aceitassem a ilha e suas tradições. Para alguém
como Yvone, férias num lugar assim só poderiam mesmo ser sem graça. De repente se viu
esperando que o convite do conde não fosse só da boca para fora, e que ele se lembrasse de sua
promessa de procurá-las...
Quando foi pegar papel e uma caneta para escrever algumas cartas, Laurel entrou em casa e
imediatamente encontrou-se com a sra. Jessop. A solitária e delicada mulherzinha sempre acendia
uma centelha de compaixão em Laurel, e ela parou para cumprimentar a outra antes de subir para
o quarto. Quando desceu, a sra. Jessop ainda estava por ali, olhando alguns cartões postais em
uma estante perto da mesa de recepção. Piscou nervosa para Laurel e começou a conversar
animadamente, mesmo depois que voltaram para o terraço.
Uma abelha passava preguiçosamente de flor em flor perto de Laurel, e alguns pássaros
cantavam em uma árvore próxima, enquanto a sra. Jessop desfiava memórias de tempos idos,
povoando o terraço de fantasmas do seu passado, alguns tristes, alguns alegres, mas todos
estranhamente evocativos. Até que ela parou de repente, os olhos se sombreando de culpa.
— Minha querida, devo estar aborrecendo você demais. Desculpe-me.
— Não há nada para desculpar, E eu não estou aborrecida. Laurel estava falando a verdade,
pois a sra. Jessop tinha o dom do contador de histórias, sabendo escolher os fatos mais
interessantes de uma vida que não tinha tido nada de monótona.
— Você é que é bondosa demais, minha querida! Não vou falar mais uma palavra!
A sra. Jessop dedicou-se a escrever seus cartões e durante algum tempo nada se ouviu, até
que os outros começaram a chegar do jardim. Eram quase quatro horas, e a sra. Allen sempre
servia o chá a essa hora, no terraço. Para a surpresa de Laurel, Yvone voltou do passeio. Afundou-
se em uma cadeira e ficou se abanando e fazendo caretas para Laurel. Ela fingiu que não via e a
sra. Jessop, inocentemente, perguntou a Yvone se tinha passado uma tarde agradável.
— Está brincando! — Yvone soltou um suspiro de aborrecimento, e a sra. Jessop, com um
olhar de -pena para a garota, levantou-se para ir ao lado oposto do terraço, onde estava o
carrinho de chá.
— Olhe só para eles — disse Yvone. — Positivamente é a única coisa que fazem aqui: viver
de uma refeição para a outra. Mas é claro, não têm mais nada por que viver, os coitados.

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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
— Yvone! — admoestou Laurel falando baixo. — Fale baixo, se tem que fazer tais
comentários!
— Ora, mas é verdade. — Yvone fez o favor de baixar a voz. Não foi bem assim que eu quis
dizer.
— Então, talvez, no futuro, seja melhor fazer observações tão francas com um pouco mais
de discrição, senhorita.
O tom tranquilo, mas reprovador, fez com que as duas moças virassem a cabeça para o
recém-chegado. A mão de Laurel subiu até a garganta, ao encontrar o negro olhar irônico que
estava começando a persegui-la, tanto dormindo quanto acordada. Há quanto tempo ele estava
ali? Como é que ela não o tinha ouvido chegar pelo pátio, ficando bem atrás de sua cadeira? Mas
Yvone não deu demonstração de surpresa, apenas ficou olhando para ele de modo ressentido.
— Geralmente eu não faço comentários confidenciais para estranhos, principalmente se sei
que eles estão ouvindo — disse, seca.
O coração de Laurel deu um salto. Começou a levantar-se, mas o conde não estava olhando
para ela. Seu olhar estava no rosto indignado de Yvone e, de repente, sorriu.
— Perdoe-me, senhorita. Meu erro foi bem maior que o seu. Deixe-me apresentar... —
Levantou a mão de Yvone até os lábios. Rodrigo de Renzi, a seu serviço. E a senhorita deve ser...
Yvone sussurrou seu nome, animando-se visivelmente com o charme agora dirigido todo
para ele, depois se lembrou e retirou a mão. Sorriu interessada para ele e disse:
— Já o perdoei, senhor, pois sabe que não tive intenção de ofender.
— Tenho certeza, senhorita. E na verdade, quando se fica velho, existem poucas coisas além
de comida e vinho para se apreciar, mas poucos jovens parecem perceber isso. — Por fim pareceu
lembrar-se de Laurel, dizendo: — Posso juntar-me a vocês?
— É claro. — Percebendo que sua autoconfiança a havia abandonado, sentou-se novamente.
Yvone conversava com ele com toda a desenvoltura, sem nenhum traço do antigo aborrecimento
e uma alegre vitalidade iluminando seus traços e brilhando em seus olhos. Estava se realizando só
de prazer em monopolizar a atenção do homem mais atraente da região, e o conde já estava
tirando o anel de serpente do bolso em resposta a uma pergunta inquieta. Ele debruçou-se,
murmurando que ela deveria tomar cuidado e colocar o anel em lugar seguro,, e ela estendeu a
mão esguia dizendo: — Acho que o meu dedo é o lugar mais seguro!
O conde sorriu, levantando as sobrancelhas escuras: — Posso?
Yvone deu um sorriso maroto enquanto ele lhe colocava o anel no dedo, depois agradeceu,
acrescentando no seu modo desinibido que o pai a mataria se perdesse a joia.
Laurel tentou segurar um sorriso cínico a essa última afirmação, pois o sr. Searle não
representava bem a figura do pai austero. Depois se esqueceu do chefe quando o conde se voltou
para ela.
— Não é a mim que devia agradecer, senhorita. Deve a sua amiga a devolução do seu anel.
— Oh, sim — disse Yvone meio desligada -, a coitada de Laurie passou por maus bocados
ontem à noite.
— Sim, na verdade, coitada da Laurie. — Seus olhos ficaram graves outra vez e não havia
mais ironia em seu olhar. — Acredito que esteja inteiramente recuperada de suas aflições de

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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
ontem, senhorita?
Ela assentiu, estranhando sentir um aperto no coração ao ouvi-lo falando o diminutivo do
seu nome pela primeira vez. — Quer um pouco de chá? — indagou, lembrando-se de repente que
todos estavam tomando chá.
— Obrigado, já foi providenciado, e eu também já falei com a sra. Allen sobre o assunto que
discutimos ontem à noite. — Fez uma pausa. — Ela concordou inteiramente comigo. Tudo o que
resta é esperar que aceitem, senhoritas, e marcar uma hora para a ida para o castelo.
Os olhos de Yvone brilharam e Laurel tentou apagar uma pequena dúvida que ainda
persistia. Se tivesse absoluta certeza de estarem fazendo o que era melhor, deixando que o conde
tomasse conta delas daquele jeito! Ainda assim, se a sra. Allen sabia e tinha concordado ...
Afinal, quando cruzaram o arco de pedra e penetraram no pátio majestoso, a exaltação de
Yvone tinha passado um pouco para Laurel, e ela sentiu o coração bater mais depressa ao descer
do carro e notar o conde se aproximando para recebê-las.
Ele sugeriu que elas fossem primeiro para seus quartos e mais tarde se encontrassem com
ele para tomar um aperitivo. — Vamos jantar às nove — acrescentou -, mas não vai ser nada
formal, pois d. Costenza está fora.
— Não sei o que ele quis dizer com jantar informal — disse Yvone, quando estava sozinha
com Laurel no quarto que tinha sido destinado à moça mais velha. — Devemos ir de jeans ou de
roupa de gala?
— Vou mais segura com minha saia de veludo e corpete de renda.
— E eu, será que uso minha roupa nova... não tive oportunidade até agora. — Yvone deu um
sorriso maroto. — E por que não? vou dar o que pensar a Sua Majestade. Talvez ele precise disso,
se tem sempre que fazer as refeições junto com uma tia velha.
A cara que Laurel fez, imaginando Yvone descendo as escadas com as pernas aparecendo
através da saia, transparente vermelha e negra foi o suficiente para que Yvone caísse na risada.
— Não se preocupe, eu estava só brincando — disse. — Não acha ótimo que tenhamos
quartos só para nós? Venha ver o meu; parece um salão de baile, e tenho meu próprio balcão,
virado para o mar.
Os dormitórios, modernizados, eram mobiliados com luxo e bom gosto.
— Estava imaginando encontrar painéis de madeira e antigas camas com reposteiros, e
retrados de antepassados nos olhando das paredes — caçoou Yvone. — Veja, Laurel, não acha que
daria um ótimo hotel para o projeto de papai?
Laurel soltou uma exclamação abafada, e Yvone olhou espantada.
— O que foi?
O vestido com seu cabide, ainda dependurado no braço, Yvone deu um passo para Laurel,
que se sentou na cama com ar de desânimo. Ficou olhando para a garota mais nova.
— Eu me esqueci! Como é que pude me esquecer disso?
— Esqueceu o quê?
— O trabalho! O serviço do seu pai!
Yvone fez um ar ainda mais incrédulo. — Mas você não se esqueceu! O que está querendo
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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
dizer?
Laurel sacudiu a cabeça, quase como se não tivesse ouvido. Como eu vou fazer para contar
para ele?
Yvone ficou olhando para ela, e de repente acordou. — Ah, quer dizer o conde? Você não
contou a ele por que viemos para Destino?
— Não! — gemeu Laurel. — Tanta coisa aconteceu nestes últimos dias que nem me lembrei.
Céus, o que vou fazer? Quero dizer, como é que se faz para contar para um anfitrião tão gentil que
viemos espionar sua terra?
— Você não pode!
— Não? Mas eu preciso! Não tenho outra alternativa!
— Sim, tem. Não diga uma palavra. — Yvone falou ansiosa. Você não está vendo? É uma
oportunidade maravilhosa, não podia ser melhor. Como suas hóspedes, ele vai falar conosco,
mostrar tudo, contar tudo o que queremos saber. Vai ficar tudo mais fácil.
— Yvone! Não posso! Isso seria enganá-lo deliberadamente.
— Acho que não, afinal poderia não dar mesmo nada certo com o projeto de papai e o
conde nem ficaria sabendo.
— Ainda assim, não tenho jeito de deixar que ele continue pensando que somos turistas
comuns. Não. — Laurel levantou-se e foi até a janela. — vou dizer a ele assim que descermos.
Tenho medo até de pensar no que ele vai dizer.
— Eu estava achando que era bom demais para ser verdade. Bem, acho melhor começar a
fazer novamente as malas.
Laurel não respondeu e, logo depois, Yvone atravessou o quarto e tocou em seu ombro:
— Será que um estranho significa mais para você do que eu e papai?
— Não, é claro que não! — Laurel virou-se zangada. — Não é o caso de significar mais ou
menos. Espero poder ser sempre leal a seu pai, mas não posso enganar um homem que nos
ofereceu sua hospitalidade, não nestas circunstâncias.
— Mas não é bem assim como você está dizendo — protestou Yvone. — O conde não nos
convidou apenas por bondade, Laurie. Ele também tem um problema. Precisa de alguém para
distrair sua prima rebelde, não é? E nós estávamos bem à mão. Não acha que isso é o suficiente
para igualar os dois casos?
— Oh, não é tão fácil assim, Yvone. Gostaria que fosse!
Yvone olhou para o rosto preocupado da outra e sacudiu os ombros, desanimada. — Acho
que você tem razão. Mas nem sei o que papai vai dizer quando voltarmos para Londres e
dissermos que nada deu certo. Você não imaginou que a gente pudesse voltar a pensão da sra.
Allen, não é? — gritou ela. — Quando ele souber, vamos ter que ir embora da ilha, quanto mais da
pensão! E papai vai querer saber por quê. E eu vou ter que contar. Ele vai dizer que foi tudo culpa
minha!
— Mas não foi! — Laurel respondeu espantada. -Como é que você poderia saber que ia
acontecer tudo isso?
— É minha culpa. — As lágrimas começaram a escorrer dos olhos de Yvone. — Se não fosse-
por mim e meu anel, e Renaldo, e tudo, nada disso teria acontecido. E não adianta você dizer que
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não vai contar para o papai — chorava amargamente -, porque ele vai saber que fui a culpada,
mesmo sem ninguém contar. Ultimamente andei causando problemas demais para ele. — Seus
ombros começaram a tremer e estendeu a mão para pegar um lenço. Assoou o nariz e fungou
tristemente. — Acho que não quero descer para jantar, Laurie.
Laurel fechou os olhos, desanimada. Se houvesse uma saída para o impasse! Qualquer
caminho que tomasse traria problemas. Yvone tinha mostrado o risco real que a verdade traria,
pois era quase certo que o conde pediria que elas se retirassem da ilha. Laurel se lembrava muito
bem da raiva dele e de sua atitude crítica, quando ela quase morreu afogada na tarde anterior. E
ainda mais o que acontecera à noite... Ele não havia deixado qualquer dúvida sobre sua opinião a
respeito de moças que não seguiam suas próprias regras de comportamento. E também havia o
chefe a considerar. Ele ficaria magoado e desapontado se ela falhasse com o relatório. Laurel
suspirou e voltou ao presente.
Disse com firmeza: — Você tem que descer para jantar, Yvone, mesmo que seja só por
delicadeza.
— Promete que não vai pôr tudo para fora enquanto eu estiver lá? Porque seria pior para
mim — implorou Yvone. — É o meu pai que está interessado em fazer da ilha um grande centro
turístico; no fundo, você está apenas obedecendo ordens.
Yvone parecia tão desesperada que Laurel acabou prometendo o que ela queria, mas sentia
o coração pesado quando desceu é entrou na vasta sala onde o conde esperava. Aquilo ia contra
todos os seus princípios, mas se não ficasse calada iria causar uma reação em cadeia contra os
planos do sr. Searle. Se o conde tivesse continuado a se mostrar tão agressivo como quando Laurel
o conhecera, teria sido mais fácil agir como Yvone achava certo, mas até parecia que ele
deliberadamente fazia de tudo para agradar e até encantar suas duas jovens hóspedes. Havia
vinho e música suave na sala elegante, acompanhando uma refeição sossegada na sala de jantar
iluminada a velas.
A cena toda parecia um sonho, o conde mais atraente ainda usando roupas sociais, e a luz
das velas dando aos seus traços morenos um ar de-misticismo que era perigosamente fascinante.
Ele contou que sua avó, a idosa condessa, havia mandado boas-vindas, e esperava encontrar, as
duas jovens na manhã seguinte.
— Ela está muito fraca e às vezes acha que descer para jantar está cima de suas forças —
explicou ele. — Ultimamente ela passa a maior parte do tempo nos seus aposentos, com Maria,
que cuida dela.
Não forneceu mais nenhuma informação, e Laurel ficou imaginando mais quantos membros
da família morariam no castelo. Como receberiam as estranhas que ele tinha convidado para sua
casa? Yvone não parecia se preocupar com tais pensamentos ao saírem para o terraço, para
admirar as luzinhas da vila que piscavam ao longe e a enorme lua cheia que saía do mar. O conde
conversava bem à vontade, encorajando Yvone e aparentemente nem notando que Laurel estava
quieta e tensa. Já passava da meia-noite quando ele, relanceando os olhos pelo relógio, exclamou
com relutância:
— Acho que monopolizei a noite de vocês; devem estar querendo arrumar suas coisas e
descansar. Desculpem-me.
Acompanhou-as até o sopé da escadaria e desejou-lhes boa noite. As moças começaram a
subir, Yvone um ou dois degraus à frente de Laurel, e então de repente o conde disse em sua voz
atraente: Srta. Daneway, perdoe-me, mas me esqueci de uma coisa! Ela parou percebendo que

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queria falar com ela e desceu lentamente até onde ele a esperava.
O conde indicou uma porta a sua direita e ela obedeceu ao gesto que pedia que entrasse.
Sentou-se outra vez, o coração acelerado sentindo algo parecido com medo, enquanto ele fechava
a porta. O que é que estava errado? O que ela tinha feito ou dito?
— Senhorita, o que é que a preocupa? — perguntou imediatamente.
— Nada, sr. conde. Por que pergunta?
— Parecia quieta demais a noite toda.
— Verdade? Não tive a intenção — disse sem jeito.
As sobrancelhas negras se arquearam. — Fiquei pensando que talvez as tivesse ofendido de
algum modo.
Essa era a volta à galanteria — apesar de o ar estar cheio de perguntas — e Laurel achou
estranho. Podia ser sua consciência pesada, mas ela quase preferia que ele ficasse zangado e
arrogante do que assim tão gentil.
— Como pode ter me ofendido, senhor? Pelo contrário, estou encantada com sua
hospitalidade. Fez de tudo para que nos sentíssemos bem.
— É assim que deveria ser. — A cabeça morena erguida indicava o orgulho dê quem acharia
uma ofensa pessoal se algum dos seus hóspedes tivesse algum motivo para reclamar.
— Gostaria que sua temporada conosco fosse a melhor possível. Foi por isso que me
preocupei, porque algo parece não estar bem, senhorita.
Ficou esperando, o olhar quase a obrigando a encará-lo. O nó de tensão dentro dela apertou
ainda mais. A consciência lhe dizia que este era o momento para contar a verdade sobre sua
presença na ilha, que se ela deixasse passar esta oportunidade, talvez não houvesse outra. Lutou
para encontrar as palavras para começar e viu que a expressão do rosto dele mudava. O olhar de
zombaria voltou e a ameaça de um sorriso apareceu nos cantos da boca sensual.
— Vamos, garota, não há nada para temer! Onde está aquele espírito de luta que me atacou
por todos os lados ontem? — Agora ria francamente. — Ou é por que na presença da sua
protegida precisa manter uma aparência de respeitabilidade?
— Pode ser — respondeu Laurel seca. O momento tinha passado, e em seu lugar apareciam
sinais de perigo. Conhecia este homem apenas há pouco mais de vinte e quatro horas, mas já
reconhecia as diversas facetas da sua personalidade. Ele tinha a capacidade de irritá-la, ela diria
coisas de que se arrependeria amargamente depois, e o ar de zombaria logo se transformaria em
raiva.
Ele ainda sorria. — Somos humanos, senhorita, e eu pelo menos não imagino que uma moça
inglesa vá se comportar do mesmo modo que uma espanhola.
— Nem sonharia em fazer tal coisa, senhor. Mas apenas espero que desfaça suas primeiras
impressões sobre mim. Eu seria pouco agradecida se desejasse atacar um anfitrião tão generoso.
— Muito bem — moveu levemente os ombros -, sem brigas então, senhorita?
— Sem brigas — disse ela secamente.
Ele virou-se e encarou o quadro de um antepassado de fronte pensativa, em cujos olhos
também se via uma centelha bem conhecida. Riu de leve. — Parece que eu também ergo minha
espada à menor provocação.
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— Se considera uma arma necessária, eu concordo.
— Senhorita, estou arrasado!
De repente Laurel sentiu os olhos úmidos e não conseguiu mais encarar o desafio que via no
rosto moreno. — Certamente não por uma oponente tão fraca, senhor.
— Não se subestime, garota! — exclamou ele. — Por baixo da suavidade de uma mulher
existe a força do aço, que pode derrotar a melhor arma de um homem.
— Talvez fale por experiência própria, senhor. Mas não desejo duelar nem com palavras
nem com armas, nem me esconder sob a capa da suavidade feminina.
— E eu ficaria bem decepcionado se o fizesse. — Chegou mais perto dela e ficou olhando
para seu rosto, que não o encarava.
— Costuma sempre desafiar seus hóspedes para um duelo, senhor?
— Só se os considero merecedores de minha espada.
Uma onda de tristeza invadiu-a novamente e ela virou o rosto, sem se incomodar que ele
pudesse achá-la descortês. — Acho que está caçoando de mim outra vez, senhor.
Houve um instante de silêncio e depois o som de movimentos leves atrás dela, antes que
duas mãos fortes segurassem seus ombros. Laurel sentiu o hálito dele em seus cabelos, depois ele
sussurrou: Nunca!
Um tremor inexplicável percorreu o corpo de Laurel e trouxe a lembrança vívida daquele
beijo feroz da noite passada. Ela sentiu que ele a virava de frente, mas a sensação perturbadora
que a presença dele causava fez com que ela se soltasse das mãos do conde e pusesse uma
distância tranquilizadora entre os dois. Sem perceber direito o que dizia, falou: — Eu espero ter
respondido sua pergunta, senhor.
— Ah, sim... — Seu tom de voz estava claramente mudado, a fria máscara da cortesia
reaparecendo, enquanto respondia: — Uma vez mais eu me esqueço e. a detenho, senhorita. Mil
perdões...
Estendeu uma das mãos para abrir a porta para ela, mas antes que ela se movesse segurou
seus dedos com a mão livre e os levou aos lábios, mantendo-os lá por um instante a mais que o
necessário, depois deu um passo atrás para que ela passasse.
Laurel inclinou a cabeça murmurando boa noite, numa voz que parecia não pertencer a ela,
depois se dirigiu como um autómato para seu quarto. Enquanto subia a escadaria estava
consciente da mistura de emoções que faziam seu coração bater desesperado no peito. Uma
sensação de exaltação lutando para se libertar, e, para oprimi-la, uma tristeza que ela não se
atrevia a explicar.

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CAPíTULO VI

— Ah, isso é o que eu chamo de vida boa! — Yvone espreguiçou-se à vontade e analisou o
esmalte cor-de-rosa que tinha acabado de aplicar nas unhas. — Que você acha, Laurie?
Laurel sorriu com indulgência. — Você está ficando mesmo uma boa-vida, não acha? Está
gostando das lições de equitação?
— Claro! — disse a garota, sorrindo. — E você, está gostando das sessões de poesia com a
condessa?
— Na verdade ela é muito boazinha. É uma pena que sofra tanto com a artrite.
— É verdade — disse Yvone, soprando o esmalte -, parece que ela se tomou de amores por
você.
— Acho que se sente sozinha. A idade não alterou sua capacidade intelectual nem seu amor
pela literatura inglesa.
— E por isso você passa a metade dos seus dias lendo poesia para ela e discutindo sobre os
clássicos do século XIX. Bem Yvone levantou-se -, antes você do que eu! O mar está me chamando.
Até logo!
Estavam no castelo já há três dias e Yvone estava se divertindo a valer. Adorava cavalos, e
assim que o conde descobriu que ela montava bem, arranjou-lhe um bom cavalo e, todos os dias
pela manhã. a acompanhava no belo garanhão negro chamado César. Yvone estava tendo
oportunidade de ver a ilha sob um ponto de vista invejável, e seu guia não podia ser melhor.
Depois do passeio tomavam o café, junto com Laurel e a condessa, e à tarde as duas moças
tomavam banho de mar e exploravam os jardins do castelo. O conde parecia se esforçar para ser o
anfitrião perfeito, e Yvone estava maravilhada com seu charme.
Laurel guardava uma certa distância, pois estava bem consciente de sua vulnerabilidade no
que se referia a ele, e também do peso em sua consciência cada vez que se lembrava que ele e
Yvone estavam de um certo modo enganando o dono do castelo. Mas agora era tarde demais!
Tinha tido a oportunidade ideal naquela primeira noite. Suspirando, fechou a porta do quarto e
desceu até o apartamento da condessa.
Ela estava sentada em sua cadeira de espaldar alto ao lado das portas-venezianas abertas.
Quando viu quem era, seus olhos se acenderam. A condessa tinha oitenta anos e suas mãos
retorcidas mostravam bem o problema que a afligia; mas, apesar disso, sentava-se ereta, a cabeça
levantada, e todos os traços sob a pele ainda rosada mostravam como tinha sido bela na
juventude. Sorriu para Laurel.
— Bem-vinda, minha querida. Venha sentar-se. Maria, pode sair um pouco.
Laurel atravessou o quarto e sentou-se na confortável cadeira de vime em frente à condessa.
Do terraço vinha uma brisa suave, trazendo o perfume das flores do jardim e a música das abelhas.

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Mais adiante, uma fonte espargia sua água fresca.
— Está admirando minha fonte? — perguntou a condessa.
— Sim e todo o seu jardim — sorriu Laurel. — É lindo demais.
— Meu neto o reformou para mim há dois anos, quando tive que admitir que não podia dar
minhas voltas a pé. Mas ainda consigo andar um pouquinho dentro do meu cantinho especial.
Será que podia ser um anjo e dar-me seu braço, minha querida?
— Sim, claro. — Laurel levantou-se.
— O ar está tão agradável esta manhã. — A condessa segurou a bengala com as mãos
doloridas, e com a ajuda de Laurel levantou-se.
Vagarosamente a velha senhora caminhou pelo terraço e ao longo do caminho largo por
entre canteiros de flores. A condessa conhecia cada botão pelo nome, e citava todas as suas
favoritas. — Meu neto escolheu as que eu gostava mais e fez um caminho sem degraus para que
eu pudesse andar mais facilmente por entre minhas queridas flores. Ele é um bom neto, não acha?
— Tenho certeza de que é — concordou Laurel com gentileza.
— José está alimentando meus pássaros; você já vai ver, minha querida. — O caminho dava
para um alto portão de ferro numa sebe de flores cor-de-rosa, com o formato de sino. Laurel abriu
o portão e ficou de lado para deixar a condessa passar, depois a seguiu. Encontrou-se num espaço
circular, cercado de arbustos e com bancos,as árvores floridas. No centro havia um enorme viveiro
fechado de onde vinha o barulho da orquestra de pássaros. José estava dentro do viveiro, um
saquinho à cintura, de onde tirava punhados de grãos que atirava para as aves. Estas esvoaçavam
a sua volta, algumas pousando em sua cabeça e ombros.
— E agora — a condessa virou-se com movimentos claramente dolorosos, mas que seu
espírito indómito enfrentava com coragem. — Vamos nos sentar aqui por algum tempo. É mais
fresco para sua pele tão delicada, não é?
Laurel acompanhou sua anfitriã até um dos bancos, e se acomodaram na sombra agradável.
A condessa ficou falando animadamente sobre seu jardim, mas depois de alguns minutos a
conversa voltou ao assunto do neto.; a quem ela devotava grande afeição. Laurel ficou chocada
em saber que os pais dele, o filho da condessa e sua esposa, haviam morrido tragicamente em um
desastre aéreo, quando o rapaz tinha só dezesseis anos. Infelizmente, seis meses depois a
condessa sofreu novo golpe quando seu marido faleceu de um colapso cardíaco enquanto visitava
parentes em Madri.
Os olhos cansados ficaram úmidos ao voltar no tempo. A condessa tinha três filhas, duas
casadas, e a terceira, Costenza, sobre quem o conde já havia falado a Laurel, tinha ficado em
Valderosa. — É uma rebelde. — A condessa apertou os lábios. — Queria fazer um casamento que
nós desaprovamos, e por isso se recusou a aceitar o candidato que tínhamos escolhido. Agora,
imagino se não está arrependida de ter sido tão independente, quando não tem mais nada a fazer
senão esperar a velhice, e uma nova dona em sua casa quando meu neto resolver se casar.
Pobre Costenza, pensou Laurel. Outra vítima da tradição de marcar o casamento das filhas
sem se incomodar se o amor entrava no caso ou não. Mas ficou quieta, em deferência a sua
anfitriã e também por um lampejo de curiosidade: será que a noiva do conde já fora escolhida?
Como seria ela? A imagem de uma beldade morena, de cabelos negros e olhos brilhantes
atravessou a mente de Laurel e de repente sentiu necessidade de saber... Olhou ansiosa para a
condessa e viu um sorriso de reminiscência aparecer nos velhos lábios, mas não ficou
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desapontada.
— Acho que Carlota puxou por minha filha tola. Mas, ah!, muito pior! Desde pequena que
ela desafia a autoridade e agora... — Fez uma pausa, momentaneamente sem palavras para
descrever sua opinião sobre a terrível Carlota. Suspirou. — Durante um certo tempo, seus pais
imaginaram que ela cresceria para ser uma noiva apropriada para meu neto, apesar de termos
escrúpulos em relação a mais um casamento em família. Mas Rodrigo não deu sinal algum de que
aprovava essa solução. Às vezes eu acho que não foi muito bom ele ter completado sua educação
na famosa universidade da sua terra, minha querida. Isso fez com que ele encarasse a vida de
forma muito mais liberal do que imaginávamos!
A condessa parou, depois deu um sorriso triste. — E, assim, amanhã vamos ser incomodadas
por essa garota causadora de problemas, e enquanto isso Rodrigo vai para longe do alcance de
seus acessos de raiva.
Laurel escondeu um sorriso. Não podia imaginar Rodrigo desconcertado pela atitude de
garota nenhuma, por piores que fossem seus acessos de raiva.
— Mas ela ainda é muito jovem, não é? — murmurou Laurel. Não é sempre fácil ver as
coisas sob o ponto de vista de alguém de outra geração.
A condessa levantou o queixo, como se estivesse ofendida. — Carlota se recusa a ver a vida
ou a razão por qualquer outro ponto de vista que não seja o dela, como a senhorita logo vai ver
por si mesma.
— Acho que não — disse Laurel despreocupada. — Tenho que fazer alguma coisa para pagar
a hospitalidade de seu filho.
— Talvez — disse a condessa, lançando-lhe um olhar de lado.
— Mas acho que é o próprio Rodrigo quem vai ter que resolver a situação, como se não
bastasse tudo o que tem que resolver!
Laurel teve que sorrir. Apenas há um momento a condessa estava reclamando que ele não
ficaria em casa para lidar com a recalcitrante Carlota! — Acho assim mesmo que vou poder dar
meu apoio a Carlota.
— Isso não vai adiantar nada — respondeu a condessa secamente.
— Deveria ser obrigação dos pais de Carlota, fazer com que ela obedecesse às regras, e não
do meu neto. Mas ele ainda se sente em débito com a família, cujo esforço conjunto permitiu que
ele se ausentasse da ilha para terminar sua educação. Eu acho.que, às vezes, ele leva isso a sério
demais, em seu próprio prejuízo.
— Prejuízo?
— Talvez não seja esta a palavra que eu procuro. — A condessa suspirou impaciente. — Não
faz mal, acho que você sabe o que quero dizer quando digo que ele se sacrifica demais pela
família, por Valderosa e pela ilha.
— Mas é a herança dele! — disse Laurel com gentileza.
— Verdade. Mas ter uma ilha como esta como propriedade traz grande responsabilidade.
Hoje os nossos jovens já estão desejando o tipo de vida do mundo lá fora, as armadilhas e
artifícios da tecnologia e do comércio. Para alguns países isso pode funcionar, torna-se essencial
continuar a expansão, mas para nossa ilha, com seus recursos limitados, muitas brechas contra a
tradição só podem levar ao desastre.
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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
A velha senhora calou-se, depois colocou as mãos com firmeza sobre o castão da bengala. —
Eu falo demais! — exclamou. — E monopolizo muito do seu tempo. Vamos voltar para casa.
Laurel acompanhou a condessa até o terraço e deixou-a sob os cuidados de Maria. Não havia
sinal do conde, mas Yvone já tinha voltado do passeio, corada, alegre e vendendo saúde. As duas
garotas passaram o resto do dia explorando os arredores do castelo e dando uma chegada à vila
para comprar cartões postais para mandar aos amigos. A noite caía quando chegaram de volta ao
castelo, então foram para os quartos, preparar-se para o jantar.
Como sempre, a comida estava excelente, e o anfitrião o mais gentil possível. A condessa
estava presente, e Laurel começou a lembrar-se das confidências daquela manhã no jardim. Sob a
luz desses novos conhecimentos, Laurel teve que modificar sua opinião sobre o conde, e sentir o
calor do entendimento quando se lembrou da tragédia que se tinha abatido sobre ele na
juventude. Talvez fosse a responsabilidade muito grande que fizera com que ele ficasse arrogante
e duro, e sem isso Destino poderia ter se transformado em uma terra pobre e a propriedade
acabaria em um leilão.
Laurel tomou um pequeno gole de vinho, os olhos pensativos. Sim, um grande trabalho por
trás dos bastidores era responsável pela ordem e coordenação dos recursos e da força de trabalho
da ilha, e quem além do conde poderia conseguir isso? Laurel suspirou sem sentir e, de repente,
percebeu um silêncio a sua volta. Virou a cabeça e viu que o conde tinha se levantado da mesa.
— Será que podem me desculpar, avozinha... senhoritas... disse, inclinando a cabeça na
direção de cada uma delas. — Tenho um trabalho cansativo para fazer ainda esta noite. Por favor,
chamem José se precisarem de alguma coisa.
Uma estranha sensação pareceu descer sobre a sala depois que a porta se fechou, como se
uma força vital tivesse ido embora. A condessa soltou uma exclamação de tristeza. — Vejam! Ele
nem pode descansar! Tem sempre tanta coisa para fazer. Eu sempre digo a ele que precisa de uma
esposa e de muitos filhos para ajudá-lo. Logo vai acabar ficando solteirão, e sem filhos, e então o
que será de Destino? Mas ele não quer me escutar!
Laurel sorriu com pena. — Acho que ainda vai demorar muito para que seu neto fique
solteirão, dona Luísa.
Não havia nada de senil nas qualidades intelectuais da condessa. José trouxe mais vinho e
ela regalou as duas moças com histórias da sua mocidade, seu marido, sua família e sua infância
em Castela. Uma hora se passou, e por fim ela se calou. — Falo demais, como todas as
espanholas!
As moças a acompanharam até seu apartamento e depois voltaram para a sala. Ouviam-se
algumas vozes na direção da cozinha, mas a não ser isso o castelo estava silencioso.
— Vou até o jardim, quer vir? — perguntou Laurel.
Yvone sacudiu a cabeça. — Preciso lavar meu cabelo; está grudento de água do mar. Não
vou querer que ele esteja parecendo macarrão quando Carlota chegar.
— Seja honesta! Não é para Carlota que você quer ficar bonita! — riu Laurel.
— Não sei o que você quer dizer — respondeu Yvone. — De qualquer modo, ele vai embora
amanhã, não vai?
Saiu correndo e Laurel foi para o jardim, pensativa. Esperava que Yvone não se sentisse
atraída pelo magnético aristocrata de Destino. Durante os últimos dias parecia que ele estava se
esmerando em agradá-la. Mas talvez ela estivesse imaginando coisas.
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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
Laurel passou pelo arco de pedra e chegou ao pátio, tentando apagar o pensamento
perturbador. O ar noturno estava doce e morno. As lâmpadas lançavam uma luz mortiça que
atraía os insetos noturnos. Laurel passou pela sombra do castelo e abriu o portão de ferro que
levava ao bosque. Dali saía um caminho que passava por entre as árvores adormecidas e chegava
até um terraço bem sobre o mar. Ali ela parou, olhando para a baía iluminada pela lua. Quem
poderia pensar, um mês atrás, que hoje ela estaria ali!
Não tinha ideia de quanto tempo ficou parada, apenas saboreando a noite fresca, a vista
maravilhosa, sem conseguir sair do lugar e voltar para dentro. Então, quando acabara de se decidir
a voltar, ouviu as notas alegres e vibrantes de uma guitarra.
Laurel se enrijeceu, os dedos segurando o parapeito de pedra, depois relaxou, rindo de si
mesma por causa do susto. O som vinha de longe. Devia ser José ou um dos criados se distraindo
antes de dormir.
Virou-se para voltar pelo caminho que viera, e outra vez ficou gelada ao perceber um
movimento com o canto dos olhos.
— Eu a assustei, senhorita?
A voz veio suave, o tom alegre em harmonia com o som da guitarra. Viu o branco-azulado de
uma camisa de homem e o brilho metálico do instrumento. Depois, quando se adiantou incerta,
uma mão apareceu e segurou-lhe o pulso. Foi puxada para a frente contra um corpo rijo e olhou
para o rosto do conde.
— Está com pressa de voltar?
— Não. — Olhou para o nicho do terraço, encoberto pela folhagem e o banco de ferro. —
Não sabia que estava ali... até que começou a tocar.
— Eu não queria que soubesse. — Soltou-lhe o braço.
— Desculpe-me. Não queria interromper.
— Não está interrompendo. — Colocou a guitarra de lado. Por favor, sente-se, senhorita, ou
também terei que ficar de pé.
Meio incerta, Laurel sentou-se, dura e tensa. — Não imaginava encontrá-lo aqui tão tarde,
tocando. Por que não avisou, eu teria me retirado e o deixado em paz, senhor.
— E por que eu não deveria estar aqui a esta hora? Por que não posso descansar? Agora
quanto a sua tola pergunta, senhorita, se eu tivesse lhe falado na escuridão, imagino que teria
ficado amedrontada. — Estava bem perto dela. — Não acha que a música foi o melhor meio de
indicar minha presença?
Laurel olhou para as próprias mãos, achando que devia fazer um esforço para sair daquela
situação, mas também sentindo que não tinha vontade alguma de fazer aquele esforço.
— Por favor, senhor, continue a tocar e deixe-me escutar um pouco.
— com todo o prazer, senhorita.
Colocou a guitarra sobre o joelho e começou a tocar. Laurel ouvia com prazer crescente. Ele
tocava como um virtuose, com a magia da velha Espanha, no ritmo vivo e apaixonante do
flamengo. Quando as últimas notas soaram na noite, Laurel soltou a respiração. Por fim
murmurou: — Nunca sonhei que pudesse tocar tão bem.
— Está surpresa, senhorita?
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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
— O senhor é que é cheio de surpresas!
— Mas a música, a dança e a arte fazem parte da nossa tradição. Por que ficar surpresa com
isso?
— Não imaginava que tivesse tempo livre para tais coisas.
— Ah, minha avó esteve conversando com a senhorita.
— É verdade. — Laurel olhou para as mãos, de repente lembrando-se de uma coisa. —
Gostaria de saber, senhor...
— Sim? — perguntou.
— Mencionou trabalho esta noite. Será que eu poderia ajudar em algo enquanto estou aqui?
Sou secretária, acostumada com a rotina de um escritório, e pensei — continuou meio sem jeito
— que talvez pudesse bater algumas de suas cartas... talvez assim pudesse pagar-lhe, uma
pequena parte, por sua hospitalidade.
— Então esta era a razão do seu ar pensativo durante o jantar. Está preocupada comigo?
Ela mordeu o lábio, vendo que ele estava caçoando dela.
— Bem, de um certo modo, sim — disse fazendo um movimento de desafio com a cabeça.
— Estou comovido, senhorita, profundamente.
Laurel sentiu um princípio de irritação. — Bem, contanto que não fique com raiva, senhor...
— Raiva? Por que eu haveria de ficar com raiva?
— Não me pergunte — respondeu ela atrevida -, mas parece que eu sempre desperto raiva
no senhor, quando menos espero.
— Senhorita, estou estupefato!
— Então talvez eu esteja progredindo.
— Ou andando cautelosamente... — Segurou-lhe o queixo com os dedos longos.
— Tenho razão para isso!
— Razão? — Os dedos longos se aquietaram. — Será que percebo por este comentário que
tem medo de mim?
— Não medo, senhor. Sou contrária ao seu método de punição!
— Mas os que erram geralmente não escolhem seu castigo disse ele com voz macia.
Ela sabia que ele se lembrava, e sabia que o terreno era perigoso, mas a temeridade fez com
que continuasse. — Não no que concerne ao senhor, tenho certeza. Mas, diga-me, sempre pune
suas mulheres com beijos selvagens?
— Se elas merecem, sim! Descobri que é o único meio de fazer com que se calem!
— Oh, é incorrigível! — Laurel levantou-se de repente. — Acho melhor ir embora, já está
muito tarde.
— Antes que provoque minha raiva outra vez? — O tom de provocação estava de volta. —
Senhorita, tome cuidado, estou me esforçando para manter nosso tratado de paz, mas a senhorita
está tornando isso cada vez mais difícil para mim.
— Verdade? — Laurel sacudiu os ombros. — Estava apenas oferecendo meus préstimos.
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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
— O que eu sinceramente aprecio — levantou-se — mas acho que se esqueceu de um
pequeno detalhe.
— Qual? — Ela virou-se para ele.
— Não quero menosprezar suas qualidades de secretária, senhorita, em sua própria língua.
Por um momento ela não percebeu o que ele queria dizer, mas repentinamente caiu em si, e
ficou com raiva de sua própria estupidez. Como pudera se esquecer de que aquelas cartas, que ela
datilografaria com todo o prazer, seriam escritas em uma língua que ela não conhecia? Soltou uma
exclamação e tentou rir.
— Sou uma tola! Não sei como pude...
— Esquecer? — O rosto dele estava na sombra agora, e ela apenas podia adivinhar-lhe a
expressão. Fez um movimento para retirar-se, mas ele disse depressa: — Não vá ainda, e por favor
não diga outra vez que já é tarde. Começo a pensar que deve haver alguém muito possessivo em
sua vida. Alguém que conseguiu instilar-lhe um senso de culpa se fica ausente por mais de uma
hora.
A surpresa impediu que ela respondesse logo. Como tinha adivinhado? Disse baixinho: —
Meus pais morreram quando eu era muito pequena e minha tia me criou. Ela era boa, mas muito
severa, e até eu sair de casa para trabalhar em Londres, dois anos atrás, insistia para que eu
chegasse em casa antes de uma certa hora, todas as noites. Nunca consegui deixar o hábito de me
preocupar com a hora, depois das onze.
— Estou vendo. Então ambos partilhamos de um acontecimento triste em nossa vida.
Ela lembrou-se e assentiu.
— Então agora está querendo quebrar os grilhões da disciplina.
— Na verdade, não. Percebo agora que me deu uma certa força. — Hesitou e olhou além
dele, para o mar enluarado. — Pode não me acreditar, mas foi muito difícil persuadir a mim
mesma a nadar como eu fiz naquela tarde, quando...
— Não me esqueci! E existem muitas coisas que estou começando a entender. — De
repente as mãos dele se fecharam nos ombros de Laurel enquanto o tremor de surpresa dela se
transmitia a ele. — Não, senhorita — murmurou terno — não é tarde, e não há nenhum guardião
severo de olho no relógio!
Laurel tremia. O que estava para acontecer era inevitável, mas ainda assim uma força fora
do seu controle fazia com que ainda dissesse, inibida.
— Não... a não ser o senhor...
Ele riu suavemente. — Mas eu sou um homem, senhorita, e muito humano, apesar de achar
que não acredita muito nisso. — Apertou-a mais no círculo dos seus braços, as batidas do coração
dela no mesmo ritmo que o dele. O conde tocou com os lábios levemente uma, duas e três vezes
os lábios de Laurel, e depois beijou-a apaixonadamente.
Ela permaneceu imóvel, os braços ardendo de vontade de abraçá-lo também, mas ainda
incerta em fazer isso. Ele parou de beijá-la e ela conseguiu respirar um pouco.
Ouviu-o dizer com suavidade: — Está vendo, minha inglesinha cheia de dúvidas, nem sempre
um beijo é uma punição!
Os lábios de Laurel se abriram trêmulos e ele engoliu em seco.
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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
— Meu Deus! Que doce tentação... — Seus braços apertaram-na outra vez e sua cabeça
encobriu as estrelas.
Alguma coisa explodiu dentro dela em centenas de fagulhas, e as mãos de Laurel acharam o
caminho à volta dos ombros dele, estremecendo ao contato dos seus músculos sob a fazenda fina
da camisa, querendo segurar para sempre, não largar nunca mais... Séculos ou instantes depois
interrompeu o beijo e apertou o rosto dela contra seu ombro, enquanto com o fogo dos seus
lábios acariciava a garganta e o pescoço de Laurel. Então ela escutou quando ele suspirou.
Vagarosamente a soltou e segurando as mãos dela, levou-as até seus lábios.
— Talvez fosse melhor eu acompanhá-la até lá dentro, minha querida!
Pegou a guitarra e com a outra mão segurou-lhe o braço e a guiou de volta ao castelo. Os
sentidos de Laurel estavam como num redemoinho e quase sem entender o que ele disse quando
entraram e pararam ao pé da escadaria. Olhou para ele, viu aquela luz que queimava e desviou os
olhos, antes que ele percebesse a verdade em seus próprios olhos. Nunca tinha sido beijada
daquele jeito! Nunca tinha nem imaginado que um beijo podia ser assim!
— Boa-noite, senhorita — disse ele sério.
— Boa-noite, senhor — sussurrou e saiu correndo.

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CAPÍTULO VII

Na manhã seguinte, Laurel acordou num estado de sonho, meio inclinada a rir dela mesma
— devia ter apenas imaginado o interlúdio idílico da noite passada. Mas sabia que não tinha sido
um sonho. Tomou banho e se vestiu, examinando o rosto no espelho, e de repente percebeu que
não estava satisfeita com sua aparência. Tirou o vestido azul sem mangas que tinha acabado de
pôr e colocou uma blusa branca bordada, com a saia rodada vermelha, estilo camponesa, que
ainda não tinha usado. A saia franzida fazia sua cintura parecer mais esbelta e a blusa valorizava os
seios, fazendo com que se sentisse mais feminina. Escovou novamente o cabelo, deixando-o solto
até os ombros, colocou uma gota de perfume e um toque de batom, e ficou impaciente para sair.
Não aguentava esperar a hora do café, para ver...
Encontrou Yvone do lado de fora da porta e teve que se controlar para não abraçar a garota.
— Dormiu bem? — perguntou Laurel.
— Claro, eu geralmente durmo bem. E por que está tão alegre esta manhã?
Céus! Será que estava dando tanto na vista? Laurel virou-se para fechar a porta do seu
quarto antes de seguir Yvone pelo corredor.
— E por que não haveria de estar alegre? — respondeu.
— Não me pergunte, eu não estive na festa!
— O que está querendo dizer?
— Ho, ho! — riu Yvone. — Será que não está vendo você mesma? Por um horrível momento,
Laurel imaginou se por um acaso Yvone tinha saído na noite anterior e presenciado o encontro
revelador. Sentiu que corava enquanto exclamava: — Bem, pelo amor de Deus, diga-me se estou
parecendo estranha, ou coisa assim!
— Coisa assim, é verdade! — Yvone parou no alto da escada e recomeçou a rir. —
Honestamente, Laurie, você é impossível. Claro que não está estranha nem feia; nunca está. Mas é
a primeira vez que a vejo de cabelo solto, sensual e charmosa. E essa blusa... Nossa Senhora!
— Obrigada!
Yvone começou a descer assobiando e, ao alcançarem os últimos degraus, perguntou de
repente: — Onde você foi ontem à noite? Queria que me emprestasse seu creme rinse, e não
consegui encontrá-la — disse em tom acusador, pulando os dois últimos degraus de uma só vez.
— Pensei que tivesse acontecido alguma coisa.
— E por que alguma coisa poderia ter acontecido à srta. Daneway? — O conde estava à
porta da sala. Seu tom era meio de desafio. Achou que ela estivesse correndo algum perigo? —
perguntou.
— Nunca se sabe! Ela podia ter sido raptada pelo fantasma de Destino. Só que essas coisas
não acontecem com Laurie!
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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
Laurel quase não escutou a resposta atrevida. Estava consciente do olhar dele sobre ela, pois
apesar de parecer que apenas olhava seu rosto, sabia que a analisava por inteiro. Começou a se
sentir estranha e bastante perturbada. Há quanto tempo estaria ele ali parado?
Ele estendeu a mão num gesto de comando.
— Senhoritas, o café as espera.
Laurel achou que detectava um tom de impaciência sob a cortesia latina, e de repente foi
como se tudo o que acontecera na noite passada não tivesse sido nada mais que um sonho. Ele
tinha voltado a ser o homem frio e arrogante de sempre.
O ar de incerteza parecia pairar sobre o castelo todo esta manhã. Depois do café o conde se
desculpou por ter que deixá-las. A condessa permaneceu em seus aposentos, pois não se sentia
muito bem. Havia grande evidência dos preparativos para a chegada de Carlota. Uma considerável
revolução, segundo comentou Yvone ao irem as duas para a praia.
— Só espero que ela não seja do tipo mandão, querendo tudo a sua maneira — disse Yvone
prevenida. — Se ela pensa que pode mandar em mim, vai ver uma coisa!
Laurel sorriu. — Você sabe que é por isso que estamos aqui observou.
— Você quer dizer que é por isso que você está aqui — retrucou Yvone. — Não tem nada a
ver comigo. É você que tem que mantê-la na linha enquanto o conde não estiver aqui.
Laurel não tinha se esquecido, e com a aproximação da hora de o navio chegar, sentia
voltarem todas as suas dúvidas. E se Carlota fosse mesmo difícil e teimosa como tudo indicava?
Como reagiria à autoridade de uma estranha? Era muito fácil o conde dizer que a presença de
duas jovens hóspedes bastaria para que ela se comportasse melhor, sendo uma anfitriã, na
ausência do primo. Mas depois que ele fosse embora, o que iria acontecer?
Logo depois das cinco o conde saiu, provavelmente para esperar o navio e a prima. Da janela
do seu quarto Laurel viu sua figura alta caminhar para o carro e apesar da distância podia
perceber-lhe o ar sério, como se estivesse preparado para encrencas e tivesse toda a intenção de
resolvê-las sumariamente. De dentro do quarto, atrás dela, ouvia-se o ruído de vidro batendo em
vidro, pois Yvone remexia nos potes de .cosméticos sobre a penteadeira e tinha derrubado um
vidro de esmalte.
— Laurie, posso usar esta base esta noite? A minha ficou grossa demais!
— Se quiser, pode.
O tom preocupado de sua voz fez com que Yvone chegasse à janela, a tempo de ver o carro
saindo. Yvone fez bico. — Ele poderia ter nos levado junto, para encontrá-la.
— Yvone virou-se para dentro do quarto, relanceando os olhos pelo vestido branco
pendurado num cabide na porta do guarda-roupa. — Vai mudar de roupa?
— Acho melhor. — Começou a tirar a saia e a blusa. — Estou começando a me sentir não
muito à vontade.
— Bem, eu não vou me incomodar, pelo menos até a hora do jantar. Se você quer ficar toda
bonita e bem-comportada, fique. Yvone enfiou os polegares na cintura do seu jeans e dirigiu-se
para a porta. — vou sair outra vez.
— Pelo amor de Deus, não se demore.
— Depende de onde eu for.
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— A porta se fechou e Laurel mordeu o lábio. Sabia que, quando Yvone estava aborrecida,
não escutava ninguém. Mas claro que a boa educação triunfaria sobre a demonstração de
independência. Circunstâncias estranhas, e para Laurel até meio dolorosas, tinham feito com que
acabassem hóspedes no castelo. Na verdade, elas não tinham escolha, e Laurel não podia se
esquecer disso.
Depois de dar uma volta,pelos arredores e perceber que Yvone não se encontrava por perto,
Laurel voltou e sentou-se em uma saleta para ler e esperar. Mas as letras impressas no livro
pareciam se transformar em outra cena bem diferente e por fim ela fechou o volume e suspirou.
Era impossível lutar contra as lembranças da noite passada, apesar de achar que tudo tinha sido
um sonho.
Então o conde a tinha beijado ao luar. Por que estava tão perturbada por causa de um beijo?
Parecia tão sonhadora que Yvone tinha até ficado curiosa. Tinha sido tola em valorizar tanto
aqueles beijos tempestuosos. Só porque ele a tinha surpreendido, sendo terno, persuasivo e
insinuante, provocando uma onda de desejo que ela nem sonhava possuir. Mas à luz fria do dia, o
que significava na verdade? Só a velha atração física, não era? A mágica tão antiga que explodia
quando se misturavam as químicas do homem e da mulher. Mas isso não significava que ela o
amasse, não tão absolutamente que se sentiria viva só pela metade se não pudesse passar o resto
da vida com ele. Não o conhecia bastante bem para amá-lo, ao contrário, ele tinha sempre
inspirado antagonismo, uma antipatia mútua. Aquele primeiro encontro... aquele beijo feroz
quando ela se atreveu a discutir com ele...
Laurel andava de um lado para o outro, como se o exercício ajudasse a dissipar a agitação
em que se encontrava. Tinha que ser sensata e não ficar imaginando fantasias sobre um homem
tão perigoso como o conde. E ela não tinha pensado estar apaixonada por Phil? E agora podia
pensar nele sem a menor emoção. Estremeceu. Estava apavorada com a resposta e com o poder
que o conde agora tinha sobre ela. Tinha chegado a Destino com o coração ferido por um homem,
e agora estava em perigo de perdê-lo completamente para um estranho. Em perigo? E já não o
tinha perdido?
Impaciente consigo mesma, correu impulsivamente para a porta, pretendendo voltar para o
quarto e se assegurar de que a tempestade interior não transparecesse em seu rosto. Mas ao
alcançar o primeiro degrau escutou vozes que se elevavam raivosas e o ruído de passos no
assoalho. O conde estava parado na porta de fora e. no meio do vestíbulo, uma garota encarava
Laurel com os olhos negros brilhando de raiva.
Carlota — pois não podia ser mais ninguém — era miúda, delgada e morena, com rosto
corado, os cabelos negros da sua raça, e o ar de superioridade característico de sua educação, mas
a imagem tradicional acabava ali. Os cabelos de Carlota eram um emaranhado ao redor do rosto
oval, o corpo esguio vestia o uniforme da juventude: jeans de brim desbotado, uma japona sobre
os ombros e uma camiseta justa cujos botões meio abertos revelavam o pouco que ela usava por
baixo.
— Srta. Daneway... — A voz do conde veio como lascas de gelo -, por favor, quer deixar-nos
por um instante?
— Claro. — Laurel sentiu-se embaraçada, mas ao começar a obedecer, Carlota deu um salto
à frente.
— Não! — A garota espanhola desafiava o primo. — Por que quer que a srta. Daneway saia,
Rodrigo? Não me disse que ela era uma criada!

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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
Ele deu um passo à frente, os lábios apertados, a raiva visivelmente controlada. — Acho que
sabe muito bem. Não minta, Carlota.
— Sim! — gritou ela. — Eu sei! Está com vergonha de mim! Você me traz para cá, para este
forte, longe dos meus amigos, para me punir. Está zangado por causa das minhas roupas. E me
insulta trazendo uma moça inglesa para me fazer companhia, enquanto vai embora se divertir.
Uma carcereira, quer dizer! Muito bem. Quero olhar para ela. Quero ver este monumento inglês
de virtude!
Carlota virou-se, os olhos negros faiscando e os punhos pequenos fechados de fúria, para
encarar Laurel de modo insolente, com ressentimento indisfarçável. Laurel se recuperou do
choque causado pelo ataque inesperado e apertou os lábios. Sem ligar para o movimento que o
conde fazia em sua direção, disse calmamente:
— Não sou carcereira nem criada, senhorita, nem nunca desejei ser. Mas vou me retirar até
que o conde esclareça essa impressão errada que apenas ele pode ter-lhe provocado sobre mim.
Atirou um olhar desafiador a ele, e no momento de silêncio que se seguiu às suas palavras,
passou por ele, atravessou rapidamente o vestíbulo, sem olhar para os lados, e saiu pela porta
lateral, para o jardim. Estava tremendo de raiva reprimida ao chegar ao terraço. Tinha se
preparado para achar Carlota uma. adolescente rebelde e difícil, querendo, como Yvone, se
libertar da disciplina paterna e das restrições convencionais que ainda existiam, mas não tinha
imaginado encontrar uma aversão tão aberta. Estava claro que a garota espanhola tinha um
temperamento e um génio que combinavam com... Laurel se esforçou para evitar a tentação de
definir Carlota enquanto tentava acalmar seu orgulho próprio ferido. E onde, com todos os Diabos,
havia se metido Yvone? Ela não era exatamente a aliada ideal, mas a sua presença talvez
controlasse Carlota um pouco mais. Laurel chegou até a fonte e parou, o rosto perturbado. Um
monumento inglês de virtude! As palavras da garota ainda doíam e Laurel sentiu que sua raiva
mudava de direção. O que teria dito o conde a sua jovem prima? Será que ele a via assim?
— Está zangada, senhorita?
A pergunta feita num tom seco fez com que Laurel virasse a cabeça de repente. Ele estava
bem perto dela, os traços na sombra, de tal modo que ela apenas podia adivinhar a expressão dos
olhos,
— Sinto muito que minha prima tenha sido tão rude alguns momentos atrás. — Falava com
voz suave, mas sem emoção. — Posso oferecer-lhe minhas profundas desculpas em nome dela?
— Obrigada.
Houve um silêncio. Laurel sabia que sua resposta tinha soado pouco delicada, mas ainda se
sentia magoada, e tinha um medo absurdo de que se olhasse para ele e notasse zombaria em seu
olhar, acabaria se dissolvendo em lágrimas. Oh, estava maluca! Por que estava parada ali, como
uma criança emburrada?
— Esqueça, senhor conde... — disse com a voz meio engasgada e virou-se. Mas
instantaneamente sentiu a mão dele em seu braço.
— Laurel...
— Sim?
— É claro que não está tão chocada com a falta de educação de uma criança rebelde?
— Eu não acharia que Carlota fosse exatamente uma criança retrucou Laurel.

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— Talvez não. Mas eu imaginaria que sua experiência com a sua protegida a tivesse
preparado para os caprichos de uma garota temperamental, que talvez tenha sido mimada
demais. Venha, olhe para mim, senhorita — disse em tom suave, onde não faltava uma nota de
divertimento. — Certamente não é minha culpa!
— Pois eu acho que sim! — Virou a cabeça novamente. — O que disse a ela para que ficasse
com uma opinião tão errada sobre mim?
Ele ergueu as sobrancelhas e olhou inquisitivamente para ela.
— Não estou entendendo.
— Ah, não?
— Não, minha indignada pequena senhorita, não entendo. — Sacudia a cabeça espantado.
— Nada disse de ofensivo que pudesse fazer com que minha prima tivesse qualquer impressão
desfavorável a seu respeito.
— Bem, mas foi isso que aconteceu — disse ela amargamente.
— Parece ser isso mesmo. — Os olhos brilharam marotos. Achou a descrição de Carlota tão
pouco lisonjeira?
— Achei ridícula, senhor. Só posso supor que, por alguma razão desconhecida, tenha achado
que eu deva servir de exemplo. — Procurou se libertar. — Agora, por favor, solte-me!
Com um movimento completamente inesperado ele a havia segurado pela cintura e o
mundo pareceu rodar enquanto ele a levantava para o alto e a colocava sentada no parapeito da
fonte. Seu rosto zombeteiro estava a apenas alguns centímetros do de Lourie.
— Não, não vou tirá-la daí. Agora vamos resolver nosso pequeno mal-entendido. Fique
sossegada que não fui eu quem usou aquelas palavras. Só posso imaginar que Carlota não entende
tão bem inglês quanto pensei. Será — seus dentes brilharam num rápido sorriso que sem querer
eu me enganei ao descrever seu caráter?
Laurel lutava. As mãos dele ainda a seguravam firmemente pela cintura e ela sentia os
joelhos presos contra suas coxas. A água que espirrava da fonte parecia soar muito mais alto, e
Laurel só conseguia pensar no que diria a condessa se olhasse pela janela e visse aquela cena. —
Por favor, deixe-me... — Soltou outro grito quando, de repente, a soltou e ela perdeu o equilíbrio,
quase caindo dentro da fonte. Esticou os braços desesperada ao mesmo tempo que ele voltava a
segurá-la, e aflita, passou os braços pelo pescoço dele.
Outra vez a ergueu, rindo agora abertamente, e deixou-a escorregar vagarosamente dentro
do círculo dos seus braços de um modo que ela não conseguiu encostar os pés no chão.
— Será mesmo... — disse ele suavemente — um monumento inglês de virtude... ? Será que
é, minha pequena? Espero que não.
— Espera que não? O que está querendo dizer?
— Os monumentos são frios, sem o fogo do espírito para aquecer as veias e excitar os
sentidos de um homem. Não, eu não gostaria que fosse esse tipo de monumento, senhorita.
Laurel tentou fingir que não ouvira aquelas palavras, e disse com voz fraca: — Senhor, por
favor, fale sério... — Nós... nós estávamos falando sobre Carlota.
— Estávamos?
— Sim, que tinha sido um engano o fato de ter dado a ela a impressão de que estou aqui
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como uma espécie de dama de companhia com certa autoridade. É natural que ela fique
ressentida, pode até me odiar. Eu também me sentiria exatamente assim.
— Será? — Os braços se afrouxaram e ele moveu as mãos suavemente pelas costas dela. —
Está tremendo, senhorita. Não está com medo de minha prima temperamental, não é?
— Não, é claro que não. — Laurel evitou o olhar conhecedor, percebendo bem que os
tremores que sentia não eram causados por medo de Carlota. — É só que...
— A água a alcançou. Minha brincadeira tola a aborreceu. Seu vestido está úmido.
Também estava todo desarrumado. Laurel tentou arrumá-lo enquanto ele a largava, e sentiu
que corava ao perceber que havia dois botões abertos. Seus dedos se embaraçaram ao tentar
abotoá-los e o fato de perceber que ele virava o rosto de propósito não tornou a tarefa mais fácil.
— Eu não me incomodaria demais com os ataques de raiva de Carlota, senhorita — disse ele
por fim, o rosto sério e controlado agora. — Minha avó é muito frágil, mas Carlota ainda tem um
pouco de medo dela. Venha, vamos voltar, e acho que encontraremos uma garota um pouco mais
civilizada esperando por nós.
Tocou de leve o braço de Laurel e ela olhou interrogativamente para ele, que estava
sorrindo. — Disse-lhe que fosse para o quarto, e se vestisse de um modo mais apropriado para ir
falar com a avó.
Os passos do conde pararam ao chegarem aos degraus do terraço. Laurel também parou e
olhou para ele. — Vai viajar amanhã? Vai ficar muito tempo fora?
— Não. Uma, talvez duas semanas, não mais que isso. Preciso voltar antes de nossa romaria
anual.
— É uma festa especial da ilha?
— É uma peregrinação especial de Destino. — O conde fez uma pausa, a mão pousada no
parapeito, e encarou Laurel. — É a nossa comemoração da festa da Pequena Virgem de Destino,
Nossa Senhora da Fonte. Ainda não visitou nosso templo?
— Não. É muito longe daqui?
— Só uns sete quilómetros, se tanto. É uma subida e tanto, mas com o fervor da ocasião,
ninguém parece perceber. A cada ano, no dia vinte de maio fazemos uma peregrinação em honra
ao dia em que nossa fonte apareceu milagrosamente, quando atravessávamos um período de
grande seca. Em uma pequena caverna, Nossa Senhora fez brotar água cristalina da rocha pura e,
desde então, nunca mais se ouviu falar -em seca em nossa ilha.
Sua voz suavizara-se, perdendo o tom de autoridade e Laurel sentiu-se comovida. Sabia que
existiam várias lendas semelhantes, mas era bem diferente estar presente no local onde circulava
uma delas. O conde continuou:
— Então, todos os anos, depois de uma missa especial, fazemos nossa peregrinação
montanha acima até a ermida perto do templo. Lá nós damos graças e depois fazemos uma festa e
celebramos nos jardins do castelo. — Ah — e sorriu para ela é uma grande ocasião. Estou contente
por estar aqui conosco.
— Obrigada, senhor, vou esperar ansiosa — respondeu Laurel séria, depois obedeceu ao
toque em seu braço e começou a subir Os degraus do terraço.
Entraram no castelo em silêncio, o conde com um sorriso bem humorado nos lábios, mas

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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
Laurel sentia-se deprimida. O conde tinha a capacidade de fazer com que ela se sentisse feliz. Mas
mesmo o fato de ser agradável ficar esperando pela romaria não conseguia apagar a sensação de
tristeza que se abatera sobre ela. De repente, parecia que o conde ia se ausentar indefinidamente,
um período vazio e sem graça, que faria germinar... O quê?
Laurel tentou desesperadamente empurrar para longe essa sensação de depressão, dizendo
a si mesma que estava sendo tola. Forçou um sorriso ao ir encontrar a condessa, que esperava por
eles na sala, ao lado da agora calma e graciosa Carlota — quase elegante num vestido branco de
gola alta. Yvone também já havia voltado, e parecia estranhamente sossegada e bem-comportada.
O conde serviu vinho, e a conversa foi leve e cordial. Mas ainda assim Laurel desejava de
todo o coração que ele não fosse embora...

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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton

CAPÍTULO VIII

O conde partiu logo após o café, na manhã seguinte.


Laurel viu quando ele estava saindo e desejou não se sentir como se ele estivesse levando
consigo uma parte dela. Não tinha dormido bem, e não adiantava negar a razão disso, pois quando
ele voltasse a Destino já estaria quase na época delas irem embora. Haveria a romaria e só mais
uma semana antes dela e Yvone voltarem para casa. Nesse instante mesmo, ao vê-lo acenando
com a mão, sentiu um aperto no coração. Era um aviso do vazio que seriam os dias seguintes, e
todos os outros quando ele e sua ilha fossem apenas lembranças.
Engoliu em seco. Também tinha sentido o aperto na consciência nessa noite sem sono, que
lhe dizia que estava fugindo de uma tarefa desagradável: de contar a ele a verdade sobre sua
presença em Destino. No começo tinha achado que devia lealdade ao patrão e a Yvone, e que as
razões que Yvone usara eram genuínas. Mas agora.. queria desesperadamente ser honesta em
tudo que se relacionasse ao conde. A sensação de traição era insuportável, sentia-se como uma
espiã! Mesmo assim temia a reação dele. Toda essa divisão de lealdades a tinha mantido acordada
e ela não tinha achado a solução. Como poderia contar a ele e ao mesmo tempo convencê-lo de
que não tinha querido agir de má-fé, e fazer com que entendesse que sua vinda ao castelo
independera de seu controle? Mas será que ele entenderia? Ela se lembrava bem de sua raiva e
arrogância, e seu coração estremeceu.
Logo seria tarde demais. Não seria melhor e mais fácil calar? Dentro de pouco tempo tudo
estaria terminado, e as chances de se encontrarem novamente eram remotas. E só com esse
pensamento a dor recomeçava...
— Srta. Daneway...
A voz melodiosa fez com que se assustasse. Virou-se para encontrar o olhar direto de
Carlota.
A garota espanhola lançou-lhe um sorriso brilhante. — Ou eu posso chamá-la de Laurel?
— Claro. — Laurel forçou um sorriso, ainda meio prevenida contra a jovem prima do conde.
— Por favor faça isso, Carlota.
— Obrigada. — Carlota hesitou e depois mordeu o lábio com tensão aparente. — Eu devia
ter dito a noite passada... Será que aceita minhas desculpas pelo mau comportamento de ontem?
:Mas eu estava tão zangada que nem percebi o que dizia. Será que me perdoa?
Laurel ficou desarmada. Era difícil acreditar que essa garota atraente e encantadora fosse a
mesma moça atrevida de ontem. — Sim claro! — Sorriu alegre, contente de ver que havia um
pouco de amizade onde ela só esperara grosseria e inimizade.
— Ótimo. E agora talvez...
— Laurie... — Yvone descia correndo as escadas. — Estamos indo nadar. Carlota vai me

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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
mostrar uma enseada especial. Vamos até lá a cavalo, está bem?
Antes que Laurel pudesse responder, a garota espanhola interrompeu: — Mas talvez Laurie
quisesse nos acompanhar?
— Ela não anda a cavalo e tem um encontro todas as manhãs com a sua avó — disse Yvone
sem pensar. — Está pronta?
— Num instante. Preciso avisar vovó. .
— Acho que ela vai ser legal — comentou Yvone depois que Carlota saiu em direção aos
aposentos da avó. — Quer saber? Ela é seis meses mais velha do que eu. Mas acho que pareço
mais velha, pois sou mais alta. Você não acha?
Laurel tentou esconder o riso, sabendo o quanto Yvone queria ter vinte anos. — Tudo
depende da atitude adulta que você tomar e da atitude adulta que ela tomar ao mesmo tempo.
— Ora, que resposta! — Yvone fez bico, mas estava animada demais para achar ruim.
Logo depois as duas garotas saíram. A condessa tinha caminhado com dificuldade até o
vestíbulo e havia um olhar saudoso em seus olhos ao se apoiar na bengala e olhar as garotas
apressarem suas montarias e passarem pelo arco de pedra em direção ao campo.
— Elas falam a mesma língua, a língua da juventude que não conhece fronteiras — observou
a condessa com um suspiro. — Ah, hoje em dia é tudo tão diferente. — Virou-se e começou a
voltar para o seu mundo, agora pequeno devido à doença, apoiando-se no braço de Laurel. Ao
alcançar o pátio cheio de sol, ao lado de sua sala, sentou-se, cheia de dores, em sua cadeira alta e
lançou a Laurel um olhar triste.
— Você devia ir com elas, criança, e não perder as horas de sol mimando uma velha doente.
— Eu não sei montar e não considero perdida essa hora que passo a seu lado. É pouco para
pagar tanta atenção conosco — concluiu Laurel com firmeza.
A condessa fez um gesto com a mão. — Não, minha querida. Estou percebendo muito bem
que o motivo que meu neto alegou para que viessem para cá não foi nada altruísta. Mas ele não
fez segredo disso, pelo menos foi o que disse.
A condessa parecia cansada, como se não aprovasse inteiramente os planos do neto. A
própria culpa de Laurel aflorou no mesmo instante, e ela disse: — Não, d. Luísa. Sou eu quem deve
agradecer ao seu neto.
— Verdade? — Uma centelha de curiosidade acendeu os olhos da condessa e ela virou a
cabeça. — Isso parece bem estranho, querida.
Será que o conde não tinha contado para a avó o que acontecera? Parecia que não, Laurel
pensou aliviada e satisfeita por ele ter mantido aquele segredo embaraçoso!
Vendo que a condessa esperava, disse devagar: — Sim, d. Luísa, ele me ajudou numa
situação bastante embaraçosa, alguns dias depois que chegamos na ilha. Por isso eu sempre serei
grata.
— Deve ser algo doloroso e você não quer falar disso no momento? Eu entendo, minha
querida. É claro que fico feliz por seu agradecimento vir sob essa forma. Acho que eu não
conseguiria ter paciência com Carlota na ausência de Rodrigo. Ela é uma criança querida, mas tão
cansativa! Ficaria aborrecida e magoada se não tivesse companhia, mas agora o problema está
resolvido. E eu espero que se tornem boas amigas...

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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
As esperanças da condessa se realizaram durante os dias seguintes. Yvone e Carlota
tornaram-se inseparáveis, andando a cavalo, nadando. jogando, trocando confidências e criando
uma camaradagem tão completa que deixava Laurel de fora.
Ela tentou não se incomodar com tanto segredo, pois paravam de falar ou conversavam só
em cochichos e risinhos quando ela aparecia, e achava que devia sentir-se grata por ter tempo de
sobra para completar o trabalho para o sr. Searle.
A pasta estava ficando bem cheia e ela achou que devia desenhar um novo mapa da ilha,
com um código de sinais como chave para suas notas. Parecia o modo mais simples de lembrar-se
claramente de tudo, quando chegasse a Londres. Também tinha tirado muitas fotos coloridas, que
não podiam ser reveladas até que ela voltasse, e estava certa que estava fazendo o melhor
possível para uma principiante.
Apenas desejava ter mais habilidade para desenhar e possuir mais conhecimento técnico
para avaliar o que via. Aquelas torres de caixa-d'água, por exemplo. Havia três delas, na encosta
da montanha, não muito longe de onde ela se encontrava as paredes brancas brilhando ao sol. Ela
sabia que elas captavam e bombeavam água dos riachos que corriam pela encosta, mas não tinha
a menor ideia de sua capacidade. E nem coragem de perguntar para a única pessoa que podia
dizer-lhe. ...
Qual seria a reação dele? Laurel mordeu o lábio e ficou olhando a vista tão calma com olhos
preocupados. Se o sr. Searle não tivesse pedido segredo! Afinal de contas era apenas um
reconhecimento preliminar e se, como ela suspeitava, a água fosse uma comodidade preciosa
demais, as esperanças do chefe podiam cair por terra. Por isso ainda não era hora de sondar a
possibilidade de cooperação do conde.
Ah, se ela não o tivesse encontrado, nem tivesse se hospedado no castelo! Laurel sacudiu a
cabeça. Não era isso que queria! Por que não era honesta? Ele era o homem mais atraente e
excitante que conhecera. Só em pensar nele sentia calafrios pela espinha, e só em pensar no que
ele iria pensar dela se descobrisse o motivo verdadeiro de sua visita fazia com que sentisse
calafrios de outro tipo pelo corpo todo.
De repente tomou uma resolução. Iria contar tudo a ele na primeira oportunidade, logo que
ele voltasse. Tinha que fazer isso. Por que se o sr. Searle resolvesse vir ele mesmo discutir a
possibilidade de abrir um centro turístico na ilha, o conde teria mesmo que saber, e ficaria tão
zangado com o que ela fizera que provavelmente nem iria querer tocar no assunto. Era a coisa
mais certa a fazer,- e o sr Searle teria que entender.
Sentiu-se mais feliz, como se tivesse se livrado de um peso, mês mo sabendo que ficaria
apavorada quando o momento chegasse. Juntou as notas, colocou um ponto de interrogação nas
torres da água e levantou-se. Apesar de a ilha ser um local ideal para se passar férias com as mais
lindas vistas, ela não podia deixar de desejar que os planos do chefe não dessem certo. Destino
devia permanecer como era, primitiva e desconhecida. Não podia suportar a ideia de mulheres
atraentes e garotas provocadoras chegando a Destino, talvez à praia do conde, como ela fizera, e
talvez o encontrando... Yvone e Carlota passaram por ela quando se dirigia ao castelo.
— Gosta de andar, Laurel? — perguntou a garota espanhola.
— Muito. — Laurel cobriu os olhos contra a luz do sol ao olhar para cima. — Aproveitaram a
manhã?
— Sim, obrigada. — A voz de Carlota tinha um tom de superioridade. — É uma pena que não
goste de andar a cavalo! Você está perdendo tanta coisa, Laurel!
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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
— Estou? — Laurel sentiu-se como se não valesse nada, apesar de saber nadar, dançar, jogar
ténis, ler música e ganhar a vida trabalhando, havia um certo limite nas coisas que se podia fazer
no tempo livre.
Yvone riu. — Oh, mas Laurel já experimentou esta sensação de dona do mundo. Já andou no
César, sabia?
— No César? — Carlota parou o cavalo. — Montou no garanhão do meu primo? Não
acredito!
— Oh, mas com ele! — continuou Yvone, rindo.
Laurel lançou um olhar furioso a Yvone e o riso morreu no rosto da garota mais moça. —
Desculpe, não pretendia revelar seu segredo, Laurie. Foi só uma brincadeira, Carlota. Laurel não
montaria César nem que recebesse um milhão de libras!
O rosto miúdo de Carlota ficou frio. — Não estou entendendo a brincadeira.
— Não, não tem importância. — Yvone olhou sem jeito para Laurel e exclamou: — Oh,
vamos! Vamos ficar aqui o dia todo se esperarmos por Laurie. — Enfiou os calcanhares no flanco
da égua e foi indo. Depois de mais um olhar gelado em direção a Laurel, Carlota também seguiu.
Manteve-se claramente distante durante o almoço, mas a presença da condessa impediu
mais alguma pergunta embaraçosa de Carlota. Assim que a refeição terminou, as duas garotas
pediram licença e Laurel não as viu -mais até a noite.
Percebeu que trocavam olhares sorrateiros e ficou imaginando o que estariam planejando.
Nem ficou surpresa quando Yvone chegou até seu quarto quando ela se preparava para dormir, e
ficou rodeando, mexendo nos cremes de Laurel.
— Posso experimentar este?
— Claro. — Laurel deu corda no relógio e colocou na mesa de cabeceira. — Acabou o seu?
— Não... — Yvone ficou examinando sua pele com atenção esparramou o creme no rosto.
Quando acabou, olhou para Laure pelo espelho. — Laurie...
— Sim?
— Será que pode me emprestar algum dinheiro?
— Já acabou o seu?
— Bem, não exatamente... mas eu comprei um novo chapéu de palha hoje na cidade, e
tomamos três daqueles sorvetes lá no cais.
— Mas seu pai deu a você cem libras para gastar. Não pode ter acabado tudo isso! Não aqui!
Nós estivemos no café só umas duas ou três vezes, e eu paguei... e você não comprou nada. Céus,
Yvone, só existem algumas lojas em Destino.
— Mas eu mandei uma porção de cartões postais, e você sabe como o dinheiro desaparece
com bobagens quando se está de férias. — Yvone virou-se e fez uma cara triste. — Oh, não fique
tão chocada. Eu não gastei tudo, mas Carlota quer fazer uma viagem amanhã e eu quero ter
certeza de que estou levando bastante dinheiro.
— Viagem? — Laurel parou ao entrar na cama. — Que viagem?
— No navio de amanhã.
— Mas para onde?
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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
— Oh, Laurel, não fique criando caso! Nós estamos cansadas; não há nada para fazer aqui.
Carlota sabe por onde anda.
— Sim, posso imaginar, — As sobrancelhas de Laurie indicavam preocupação. — Mas ela
tem permissão para ir para onde quiser? A condessa sabe?
Yvone sacudiu os ombros. — Acho que sim. Mas nós vamos! Vai ser divertido. Vamos para as
ilhas Felizes!
— Mas essa viagem não pode ser feita em um dia! Nós demoramos cinco horas de Las
Palmas até aqui. Você...
— Eu sei e é por isso que quero mais um pouco de dinheiro, talvez a gente tenha que passar
a noite lá. Carlota tem uns amigos lá e nós provavelmente ficaremos com eles, mas no caso de
terem saído teremos que ir para um hotel. E eu não posso deixar que ela pague para mim, não é?
Ora, vamos, não faça tanta onda, Laurel — implorou Yvone. — Tudo vai dar certo. Você sabe que o
papai deixou o dinheiro maior com você. Você hão quer que eu telegrafe para ele pedindo mais,
não é?
Laurel respirou fundo. O pedido de Yvone deixou-a apreensiva. Uma relutância instintiva não
queria que ela concordasse, mas será que ela tinha alguma razão válida para recusar? E se ela
negasse, as duas obedeceriam? Laurel tinha uma forte suspeita de que elas tinham resolvido ir e
de nada adiantariam os conselhos dela ou da condessa. E o que o conde diria quando voltasse?
Laurel apertou os lábios.
— Não! — disse com firmeza. — Você precisa convencer Carlota a esquecer essa viagem,
pelo menos até que o conde volte. Então você pode ir, se ele der permissão.
— Laurie! Você não iria contar para ele! É isso que... Yvone parou e seu rosto se rebelou. —
Eu deveria saber que você é uma estraga-prazeres. Agora estragou tudo.
— Nada disso, talvez eu tenha evitado um enorme problema para Carlota. Agora vá dormir e
se esqueça disso — disse Laurel secamente.
Por um momento parecia que Yvone ia ter um ataque de raiva, depois se levantou
indignada. — Eu bem que deveria saber que você está presa às velhas tradições. Devia ter nascido
há cem anos, combinaria bem com a época — acrescentou louca de raiva, ao sair do quarto.
Laurel demorou muito tempo para conseguir dormir. O ataque de Yvone a tinha magoado
demais. Será que era verdade? perguntou a si mesma. Era uma estraga-prazeres e tudo o mais que
a moça dissera? Será que tinha sido injusta em proibir a viagem? Talvez fosse apenas uma
escapada, mas não podia permitir que duas adolescentes, que já estavam mal com a família,
desafiassem a autoridade. No fim, Laurel acabou dormindo, desejando amargamente que Carlota
e Yvone estivessem bem longe...
A criada teve que chamá-la três vezes antes que conseguisse acordar. Desanimada, viu que
era bem mais de oito e meia. A criada parecia preocupada.
— Sinto muito, acho que queria dormir até mais tarde — gaguejou, misturando inglês com
espanhol.
— Não, por favor não se preocupe. — Laurel sorriu para ela. É minha culpa se dormi demais.
A criada parecia querer explicar mais alguma coisa, mas Laurel também não entendia o
espanhol, acabou sorrindo outra vez para acalmar a moça e Sofia acabou saindo, sacudindo a
cabeça e se lamentando.

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O café foi uma refeição solitária para Laurel, que se sentia culpada por ter dormido até tarde
e impedido que os criados tirassem a mesa. As garotas já deveriam ter saído a cavalo novamente,
e ela imaginou que Yvone já tivesse superado o aborrecimento. Terminou de tomar café e subiu
para o quarto para lavar as mãos e pegar um agasalho, para o caso de a condessa querer sair. A
julgar pelo modo como as flores da jardineira do lado de fora da sala de almoço se balançavam, lá
fora deveria estar ventando bastante.
Laurel não suspeitava de nada ao abrir a gaveta da cómoda para guardar algumas coisas,
mas franziu a testa ao ver o estado em que estavam seus guardados. Ela certamente não tinha
deixado tanta desordem... Então viu que um lenço xadrez que ela dobrara na véspera estava todo
desarrumado e que o saquinho de plástico onde guardava os passaportes e o dinheiro ainda
estava lá, mas aberto e com diversas notas faltando.
Laurel ficou pálida. Conferiu o dinheiro outra vez, procurou pela gaveta e viu que não se
enganava. Yvone devia ter entrado no quarto bem cedo e pego o que queria. Uma rápida vistoria
no quarto da moça confirmou suas suspeitas. A mala menor de Yvone estava faltando, e algumas
peças de roupas também. Tomada pela raiva, Laurel desceu as escadas, para encontrar Maria, que
vinha avisá-la que a condessa estava chamando.
Laurel ficou desanimada. A condessa tinha descoberto a fuga das duas garotas e a estava
chamando para reclamar. Mas a condessa a recebeu do mesmo modo cordial, e pediu que Maria
se retirasse. Laurel sentou-se, preparada para dar a notícia, e a condessa olhou para ela
estranhando.
— Parece preocupada, minha criança. O que aconteceu? Laurel engoliu em seco e contou
tudo.
— Nossa Senhora! — A condessa levantou os olhos para o céu, depois fechou-os por um
instante. — Tem certeza?
— Se eu não tivesse adormecido! — Mordeu o lábio, com uma outra suspeita.
Provavelmente Yvone tinha avisado a criada de que não acordasse Laurel cedo, pois ela queria
dormir até tarde, e Sofia tinha naturalmente obedecido.
— Garota encrenqueira! — exclamou a velha senhora dando uma pancada no chão com a
bengala. — Ela deve ter pedido o carro a José, bem cedo. O barco sai logo após o amanhecer.
— E ele não iria perguntar nada?
José? — disse a condessa com uma arrogância inconsciente. — Claro que não. José é um
criado bem treinado. Não iria questionar uma ordem dada por alguém da família ou por um
hóspede.
— É, acho que não — disse Laurel infeliz. — Tomara que elas estejam bem. Sinto-me
responsável.
De repente a condessa deu um sorriso triste. — Bobagem! Você não podia fazer mais nada
além de proibir a saída. Afinal de contas, ninguém consegue segurar duas garotas decididas de
verdade a fazer alguma coisa.
— Sim, mas estou com medo do que...
— Meu neto vai dizer?
— Sim.
— É muito simples, não contamos para ele se elas voltarem a salvo, sem que nada tenha
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acontecido! — A condessa fez uma pausa, a preocupação aparecendo em seus olhos negros. — De
qualquer jeito, vamos esperar que ele não volte logo.
Laurel deixou escapar uma exclamação: — Mas ele vai voltar hoje?
— Hoje? — Agora foi a vez de a condessa se espantar. — Espero que não! É melhor que ele
fique por mais uma semana.
— Uma semana! — Laurel arregalou os olhos. — Mas as meninas devem estar de volta
amanhã à noite. É só... — Parou, pois a condessa estava sacudindo a cabeça.
— Minha querida, acho que elas a enganaram. O navio em que elas embarcaram hoje cedo
não vai para Las Palmas. É o barco semanal para Madeira.
— Madeira?
— Sim. — A condessa colocou as duas mãos sobre o castão da bengala e olhou para Laurel
com uma espécie de satisfação pelo choque que provocara. — Você não sabia que, apesar de
termos sorte de ter barcos fazendo a ligação da ilha com diversos lugares, só um vai para Madeira,
e só volta daqui a cinco dias?
Laurel empalideceu. — Mas Yvone não disse nada... — Parou, não querendo acreditar que
Yvone tivesse mentido deliberadamente.
Mas, com o passar dos dias, e nem sinal das fujonas, ela foi forçada a acreditar, cada vez
mais preocupada, no fato consumado. Sua imaginação criou diversas formas de encrenca em que
Yvone podia estar metida, com a ajuda de Carlota, e suspeitava de que a condessa, por mais
estranho que parecesse, sentia uma espécie de simpatia pelas garotas.
Uma manhã, durante aquela semana, a velha senhora disse abruptamente: — Você está
preocupada, minha querida, não está? Quando Laurel assentiu, a condessa deu um sorriso.
— Você assume demais as responsabilidades. Tome cuidado para não desperdiçar sua
própria juventude.
Laurel ficou olhando e a condessa sacudiu a cabeça, os olhos de repente úmidos. — Quando
uma pessoa fica velha, como eu, começa a ver as coisas sob um prisma diferente. Quando eu era
jovem, éramos criados de uma forma muito severa, tínhamos que nos conformar e, por causa
disso, também queremos que as coisas continuem assim, sempre disciplinadas. Mas, hoje, nossa
juventude está apta a resolver as coisas por conta própria e a indagar se uma tradição é o único
meio certo, só porque é tradição. Acho que alguns de nós, que estamos velhos, simplesmente
temos inveja, porque nunca tivemos o direito de pensar e decidir por nós mesmos.
Estava muito certo que a condessa filosofasse, pensou Laurel num rasgo de rebeldia, ela não
sofreria nada na briga que iria haver. Pois se o conde chegasse em casa primeiro e descobrisse a
fuga da prima, era muito provável que não mostrasse o mesmo ponto de vista liberal de sua avó,
para não dizer nada do que aconteceria se o pai de Yvone viesse a saber da aventura.
Mas aparentemente as preocupações de Laurel não tinham fundamento. O conde não
voltou, e na quinta-feira seguinte Yvone e Carlota chegaram, parecendo só um pouco
amedrontadas com a recepção que iriam ter, e no fim estourando de novidades, depois que
perceberam que Laurel estava tão aliviada que nem sentia raiva.
— Passamos uma temporada formidável e desculpem-nos por termos escapado daquele
jeito, mas era o único modo. — Yvone deu um enorme abraço em Laurel. — Você não está mesmo
louca da vida, não é? Olhe, trouxemos uma oferta de paz!

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— E uma coisa também para vovó — interrompeu Carlota. Um pouco do seu vinho favorito
— acrescentou sorrindo, beijando o rosto da avó e entregando-lhe uma garrafa.
Tinham comprado uma bela bolsa de tapeçaria e, apesar do riso secreto entre Yvone e
Carlota mostrar que o presente era para acalmá-la, Laurel só pôde perdoá-las.
Carlota parecia ter se esquecido da animosidade contra Laurel e o jantar daquela noite foi
muito agradável. A condessa se juntou a elas e ouviu ansiosa o relato das peripécias da viagem.
— Tenho uma grande amiga em Funchal — disse pensativa. Lembra-se, Carlota? A sra.
Pereira. O marido era diplomata e quando se aposentou, compraram uma vila em Funchal. Foi
uma pena que não tivessem ido procurá-la. Já não a vejo há muito tempo.
— Eu me lembro da sra. Pereira. Mas não me lembrava do endereço, e havia tanta gente
com o sobrenome Pereira — disse Carlota prontamente. — Já sei! Vamos voltar imediatamente e
levar vovó conosco!
— Nossa Senhora! — A condessa lançou um olhar para o céu. Que mais vai inventar, menina
tola? — exclamou com afeição. Eu acho que...
Ninguém ficou sabendo o que a condessa achava, pois José havia entrado silenciosamente e
se abaixara para dar um recado em voz baixa. Houve um instante de silêncio por parte dos outros,
depois a condessa olhou para Laurel, algo entre espanto e divertimento nos olhos escuros.
— Estão chamando-a ao telefone, minha querida. Bem, vá, menina! — acrescentou depressa
quando Laurel olhou surpresa para ela
— Sim, mas eu... — Percebendo que as outras a encaravam Laurel levantou-se e pediu
licença apressadamente, indo rápido atrás de José. Será que era o pai de Yvone? Será que tinha
acontecido alguma coisa?
O criado abriu a porta do escritório do conde, indicando o telefone sobre a mesa, retirando-
se depois silenciosamente. Laurel pegou o telefone de formato diferente e disse incerta: — Alo,
aqui é Laurel.. .
Do outro lado ouviu-se um riso maroto, e uma voz grossa, com uma nota de caçoada
respondeu: — Por favor, não fique tão assustada, senhorita, o pior não está para acontecer!
— Senhor! — Laurel sentiu as pernas fracas e acabou sentando-se na cadeira perto da mesa.
— Eu... eu... não imaginava que fosse o senhor — gaguejou. — Não podia imaginar quem...
— Achei que tinha negligenciado meus hóspedes por tempo demais — interrompeu ele com
voz macia. — Está tudo bem?
— Sim, obrigada. — De repente sentiu a língua emperrada.
— E minha avó?
— Está ótima, e esperando ansiosa o seu regresso.
— Diga a ela que estarei de volta amanhã, e que a tia Costenza vai comigo.
— Está bem — disse ela obediente, superando a surpresa e esperando que ele não
perguntasse sobre a prima. Mas parecia que Carlota não estava em seus pensamentos.
Laurel escutou seu próprio nome, e depois a linha começou a chiar e sumir. Então a
interferência desapareceu e Laurel disse ansiosa: — Alo...
— Ainda estou aqui. Então devo acreditar que na verdade ninguém sentiu minha falta,
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senhorita.
— Oh, não é isso! — Laurel mordeu o lábio ao perceber que tinha dado uma ênfase
excessiva na voz. — Tenho certeza de que está enganado. Mas, senhor...
— Sim, senhorita?
— Há algo que possa fazer, algum recado que queira que eu dê antes de sua volta?
— Não, senhorita. Eu já dei as instruções ao José.
Houve outra pausa, e ela disse sem jeito: — Eu estava pensando, por que...
— Por quê?
— Bem, essa chamada deve estar custando uma fortuna. Ele riu macio. — Está preocupada
com meu bolso?
— Claro!
— Essa é uma experiência nova para mim. E estou achando muito agradável. — Sua voz
tinha adquirido um tom diferente, depois acrescentou: — Ou então é porque estou gostando de
ouvir um doce sotaque inglês.
Laurel sentiu uma onda de calor invadir seu corpo e ficou alegre por ver que somente os
olhos dos quadros testemunhavam o rubor do seu rosto.
— Então está vendo, senhorita, que eu mesmo reconheço que a minha gente às vezes fala
alto demais.
De repente ela sentiu vontade de lhe dizer que isso não era novidade nenhuma, mas ficou
com medo de quebrar o encantamento daquele instante.
— Será que eu fiz com que se calasse? — perguntou ele, antes que ela arranjasse uma
resposta adequada. — Talvez seja hora de aceitar seu sábio conselho e dizer adeus. Boa-noite,
senhorita. Até amanhã.
— Até amanhã — sussurrou e ouviu-o desligar.
Sentia-se extremamente feliz ao voltar para tomar o café e o licor. As duas garotas olharam
para ela curiosas, mas ela não tinha intenção alguma de satisfazer aquela curiosidade, e a
condessa era educada demais para tocar no assunto. Entretanto, Yvone não tinha tais inibições e
seguiu Laurel quando as duas subiram para dormir.
— Era meu pai?
— Não.
— Então quem era?
Laurel disse e os olhos de Yvone se abriram com um ar maroto.
— Eu adivinhei! O que ele queria?
— Queria dizer que volta amanhã.
— Só isso? Vá contar isso para outra! Vamos Laurie, diga!
— Não há nada para dizer.
— Não? — Yvone se esparramou confortavelmente na cama de Laurel e riu. — Está caída
por ele?
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— Claro que não. — Laurel virou-se, esperando que a voz não a denunciasse. De repente deu
um golpe de sabedoria. — O que você acharia se eu dissesse que ele queria saber tudo o que
vocês andaram fazendo?
O sorriso sumiu do rosto de Yvone. — Não é verdade! Ele não iria perder tempo com um
telefonema para perguntar o que pode saber amanhã.
— E ele provavelmente vai.
— E então? — Yvone fez uma cara atrevida. — Não estamos preocupadas.
— Parece mesmo. Diga-me — Laurel franziu a testa -, como é que Carlota tinha tanta certeza
de que ele não mudaria de planos e voltaria a tempo de encontrar vocês duas fora? Quero dizer,
com você não tem tanta importância, mas eu entendi que a temporada de Carlota aqui era mais
ou menos como um castigo — acrescentou seca.
— Ela sabia que ele iria esperar pela tia Costenza, que mora aqui, só que nós ainda não nos
encontramos. E Carlota viu a tia enquanto ainda estava na Espanha, e a tia disse que ia a um
concerto especial no dia dezoito, que é hoje, e por isso não viriam antes disso.
— Estou vendo. — Laurel franziu a testa outra vez, achando que havia algo estranho. — Mas
eu ainda não entendi como ela pretende esconder a viagem dela. Alguém, um dos empregados,
ou uma pessoa da vila pode falar nisso, mesmo sem má intenção. E eu desconfio que ele vai ficar
furioso.
— Carlota não está ligando, mesmo que ele fique. Ela não tem medo dele.
— Não tem?
— E por que haveria de ter? — disse Yvone, com um toque de ironia na voz, pois achava que
Laurel estava sendo ingénua. — Você não sabia? Ela é uma herdeira, com uma fortuna a caminho.
— Sim, eu já sabia. — Laurel mordeu o lábio, sentindo algo perturbador em tudo aquilo. —
Mas eu não sei o que tem a ver uma coisa com outra.
— Não sabe? — Carlota disse que ele quer ter certeza de que a fortuna dela ficará na família,
e vai acabar concordando com a vontade da família toda e se casar com ela, quando ela for um ou
dois anos mais velha. Se não fosse isso, ele já deveria ter se casado. Você sabe qual é a idade dele?
— Não.
— Trinta e quatro. E, de acordo com a opinião de Carlota, ele nunca foi de ignorar o sexo
feminino. Então o que mais estaria esperando?
Laurel não respondeu. Estava descobrindo que a resposta a essa pergunta era a última coisa
que ela queria saber.
— Mas Carlota ainda não tem certeza se quer ou não.
— Não tem? — perguntou Laurel baixinho.
— Bem, e você pode culpá-la? Ele nunca vai sair de Destino é quase como se ele fosse o rei
daqui. Mas você pode imaginar Carlota trancada aqui pelo resto da vida?
— Não, acho que não. — Laurel percebia que estava falando quase só por monossílabos,
mas estava ouvindo os ecos do que a condessa dissera sobre esse mesmo assunto.
— Mas ela o ama? perguntou vacilante.
— Acho que o amor não vem ao caso. Você sabe como é que são essas tradições dessas
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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
grandes famílias. Elas mantêm as propriedades juntas, as mulheres ficam em casa e tomam conta
dos filhos e o homens saem e se divertem. Mas, assim mesmo — Yvone riu -, ela gosta de provocar
ciúmes.
— Gosta? — Laurel sussurrou para si mesma ao começar a limpar o rosto da maquilagem.
Toda a alegria inocente que sentira com o telefonema do conde pareceu se evaporar, deixando-a
triste e abatida. Depois que Yvone desejou boa-noite e saiu, Laurel deitou-se e apagou a luz. Ficou
acordada por um longo tempo, olhando o vento que enchia as cortinas e tentando dizer a si
mesma que era uma tola por se sentir tão triste, pois as confidências de Yvone não deveriam lhe
causar nenhuma surpresa. De qualquer modo, Laurel disse a si mesma, a conclusão lógica era a de
que as tradições acabariam vencendo até mesmo a rebelde Carlota. Se o conde decidisse se casar
com ela, nada iria impedir que isso acontecesse. Ele era desse tipo de homem. E se ele tivesse
resolvido ganhar o amor de Carlota, além de sua fortuna, como é que ela iria resistir? Que mulher
resistiria?

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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton

CAPíTULO IX

No dia seguinte Laurel refletiu que devia esquecer a tristeza e se concentrar no seu trabalho
e voltar para casa no fim da semana. Uma vez em Londres, ocupada com a rotina do escritório e
junto com seus amigos, Destino e seu dono acabariam virando um sonho que a perseguiria
durante algum tempo, mas nem por isso ela deixava de reconhecer como um sonho mesmo.
Tomou banho e se aprontou para um novo dia, com tudo isso bem firme na mente.
As meninas foram andar a cavalo, como todos os dias, e a condessa avisou que pretendia
descansar a maior parte do dia, para preservar suas forças para a volta do neto e para a festa do
dia seguinte. Já havia muito barulho e arrumações por toda parte, enquanto os criados
começavam os preparativos, e José dirigia a colocação de lanternas coloridas, penduradas nas
árvores, e dos lampiões de ferro nos nichos da parede do castelo. Parecia não haver lugar para
Laurel, e ela decidiu fazer sua própria peregrinação à capela nessa manhã. Sofia arrumou uma
pequena cesta com um lanche e ela saiu em direção à montanha.
Estava uma manhã linda. O mar de um azul brilhante e o céu sem nuvens, com uma brisa
suave que acalmava o calor, e logo Laurel começou a sentir uma sensação de liberdade que era
inexplicavelmente agradável, como se o fato de estar sozinha ajudasse a refrear as emoções que
estavam prejudicando sua paz de espírito.
Não tinha pressa, parando de vez em quando para olhar para trás e apreciar a vista que
mudava a cada curva do caminho, e acabou chegando ao destino antes do que imaginava. Viu
primeiro a capela, construída numa curva na encosta da montanha e protegida por uma fileira de
pinheiros, e logo atrás a gruta. Era pouco mais que uma abertura na rocha, onde se chegava por
uma escadaria escavada na pedra, e que tinha ao lado o canal que levava um fio de água clara
como cristal.
Laurel subiu os degraus vagarosamente, sentindo o ar parado e a atmosfera dos lugares
santificados. Era simples e maravilhoso, velas brancas em castiçais de metal, em um parapeito
natural no fundo da gruta, que parecia um altar, e uma pequena imagem pintada da Virgem acima
da fenda por onde vertia a água. Só o ruído da água quebrava o silêncio, e Laurel ficou ali parada
um pouco, cheia de uma estranha sensação de paz, antes de sair novamente da gruta e
deslumbrar-se com a vista que dali se descortinava.
A ilha jazia como um mapa verde abaixo dela, pontilhada com as fazendas e as casas do
pequeno porto à beira do oceano azul. Podia enxergar o verde profundo das plantações de
laranjas e ouvir o grito de um menino que levava o seu rebanho para o pasto. Mais além, um
cavalo puxava uma carroça cheia de cestos de vegetais, em direção ao mercado, e Laurel
distinguiu a casa da pensão onde ficara nos primeiros dias. Parecia há tanto tempo... Suspirou e
virou a cabeça, protegendo os olhos contra a luz do sol, e viu à esquerda o vulto cinzento do
castelo, dominando a elevação e, na verdade, toda a ilha. Quantas jovens recém-casadas ele tinha
recebido em seu interior, e guardado sua felicidade e seu destino por tantos séculos? Qual seria a
emoção de entrar pelos belos jardins e chamá-lo de lar?
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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
Laurel suspirou mais uma vez e apanhou a cesta. Voltou pelo caminho até que encontrou um
lugar protegido onde tomar o lanche. Sofia tinha sido generosa. Havia sanduíches de galinha com
alface, biscoitos com queijo, azeitonas, dois ovos cozidos, algumas frutas e uma garrafa de vinho
leve. O suficiente para dois, pensou Laurel, ao jogar as migalhas para os passarinhos que
esperavam ansiosos. Depois de comer, recostou-se, com o sol batendo no rosto, e deixou o
pensamento vagar... Mas a visão do seu caderno de anotações sobre a ilha fez com que caísse na
realidade.
Se o turismo chegasse à ilha, como isso iria afetar a paz e a simplicidade que ela desfrutava
nesse instante? Na imaginação, viu a pequena capela com um grande número de barracas
colocadas ao redor, onde se vendiam lembranças e outras bobagens de que os turistas gostam.
Talvez até a própria água acabasse sendo vendida, pois a natureza humana é fraca... Laurel
sentou-se, os olhos perturbados. Se os visitantes pudessem vir como ela viera, aceitando a ilha
como era! Mas as coisas não eram assim tão simples...
Começou a arrumar as coisas dentro da cesta e dobrou a toalha xadrez. Então um
movimento captou seu olhar e ela se esqueceu dos. pensamentos perturbadores. O navio estava
entrando no porto.
Ainda estava bem distante, e ela ficou sentada ali, imóvel, sentindo o coração bater mais
depressa, olhando a embarcação cortar as águas azuis, gradualmente ficando mais visível ao se
aproximar do porto. Logo iria encostar e Laurel sentiu uma necessidade enorme de agarrar suas
coisas e sair correndo pelo caminho o mais depressa que seus pés a levassem, de volta ao feitiço
das paredes do castelo e também ao feitiço de seu dono.
Laurel lutou contra a necessidade traiçoeira. Fez força para continuar sentada onde estava
até que a embarcação ancorasse e houvesse tempo suficiente para o conde desembarcar. Sem
dúvida, José iria recebê-lo, a condessa, o neto e tia Costenza o aguardavam, e haveria uma
refeição esperando.
Laurel demorou-se e deu uma volta para chegar ao castelo. Estava com calor e cansada
quando chegou, e tudo parecia muito quieto quando entrou no vestíbulo tão deliciosamente
fresco. Colocou a pasta e suas outras coisas em uma cadeira e foi até a cozinha para deixar a cesta.
Estava querendo tomar um banho e colocar uma roupa bem leve...
Ouviu o som de vozes alteradas no minuto em que voltou ao vestíbulo. Vinham numa
torrente em espanhol pela porta aberta da sala, e Laurel ficou tensa. Deu um passo atrás,
hesitando em passar em frente à porta, e então viu Yvone do lado de dentro, com uma expressão
amedrontada. No minuto seguinte, Carlota apareceu, os traços contorcidos de raiva. Ficou
pregada no lugar ao ver Laurel, depois correu em direção a ela.
— Foi você! — acusava. — Você contou para ele! Agora eu sei porque estava com um ar tão
satisfeito ontem à noite. Como se atreve a se meter em assuntos que não são da sua conta? —
gritava. Por que arranja encrenca para mim? Você...
— Carlota! Cale a boca imediatamente! — O conde estava parado na porta, atrás dela, o
rosto com uma máscara de raiva controlada. — Peça desculpas. Agora! — disse gelado.
— Não! — Carlota virou-se para ele. — Você acha que sou uma criança? Que posso ser
mandada e castigada com uma criança tola?
— Carlota! — Segurou-lhe o braço, prendendo a outra mão furiosa que queria alcançar o seu
rosto. — Se se comporta como criança, vai ser tratada como tal. Como se atreve a atacar uma
visita desse modo e fazer acusações tão infundadas? Você...
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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
— Infundadas! — gritou. — Você a trouxe aqui para me espionar, não é verdade? E agora
fala...
— Você está errada! — A fúria que apareceu nos olhos dele ultrapassou até a tempestade de
raiva que Carlota tinha estampada no rosto. — Não foi a srta. Daneway quem me contou sobre
sua tola e desobediente escapada. Agora peça desculpas imediatamente!
— Mas quem... — O espanto interrompeu a luta da garota para se libertar. — Ninguém mais
esteve com a gente desde que você voltou. Ninguém falou conosco. Então como...
— Parece que minha palavra não basta para convencê-la — disse ele com raiva. — Parece
esquecer que o mundo ficou pequeno pelas facilidades de transporte e meios de comunicação.
Hoje cedo eu me encontrei, acidentalmente, com o sr. e a sra. Pereira. Estavam a caminho de
Lisboa. Talvez seja uma infelicidade para você, Carlota, mas acontece que eles a viram durante sua
aventura em Funchal. E eu estou começando a achar que a tristeza que sentiram por não terem
tido a oportunidade de hospedar você e sua amiga foi desperdiçada. Agora — disse azedo — estou
esperando...
Os lábios vermelhos de Carlota se apertaram e ela lançou em direção a Laurel um olhar de
maldade, antes de encarar o conde com ar de desafio. — Você vai ver, Rodrigo — gritou. — Você
me humilhou! Mas isso não importa! Oh, não! Eu fui humilhada, mas tenho que pedir desculpas.
Bem, não peço. Nunca! Eu não queria vir para cá e o que é que eu encontro quando chego? Uma
espiã! Uma espiã para ficar de olho em tudo o que faço. E você espera que eu...
— Carlota! Rodrigo!
A voz firme e clara obrigou-os ao silêncio. A condessa estava no vestíbulo, tendo ao lado
uma senhora de meia-idade, rechonchuda, o cabelo ficando grisalho. Parecia aflita e nervosa, além
de preocupada. A condessa adiantou-se com movimentos firmes, apesar da necessidade de se
apoiar na bengala. Passou os olhos pelos netos com frieza.
— Será que têm que gritar como camponeses?
O conde fechou a cara. Ergueu-se e inclinou a cabeça em direção à avó.
— Perdão, vovó — disse formal.
— No futuro — disse a condessa secamente — trate dos assuntos da família com discrição, e
poupe às nossas pobres visitas um embaraço tão grande. Carlota, quero falar com você. Vá para
minha sala e me espere lá.
Para surpresa de Laurel, a garota virou-se humildemente àquela ordem autoritária e dirigiu-
se em silêncio para a porta dos aposentos da condessa. A velha senhora endereçou um meneio de
cabeça ao neto, que significava algo muito parecido com uma ameaça, antes de virar-se e aceitar o
braço de tia Costenza.
Yvone ainda estava de pé no mesmo lugar, ostentando nos cantos dos lábios algo parecido
com um sorriso. Laurel deu um passo de aviso em direção a ela e foi barrada. O conde a olhava,
como se fosse uma estranha. — Há algo que queria conversar consigo, senhorita. Será que pode
perder alguns instantes?
As palavras foram pronunciadas com impecável cortesia, mas o tom de comando era
inegável. De repente Laurel sentiu como se algo muito precioso tivesse secado e morrido. Engoliu
em seco, resolvida que a dignidade deveria triunfar sobre o desejo de discutir, e seguiu o gesto
que indicava a porta aberta do escritório. Era com isso que ela tinha sonhado na noite passada?

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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
Depois de lhe ter fechado a porta, Laurel disse tensa: — Bem, senhor?
— Por que desobedeceu as minhas instruções? — indagou sem preâmbulos.
— Desobedecer? — Seus lábios se abriram de espanto. Tinha percebido desde o primeiro
instante que estava incluída na zanga dele, e estava preparada para uma inquisição em relação ao
comportamento das garotas. Mas não estava preparada para a absurda censura, ou acusação, que
estava patente agora na atitude dele.
— Ora, srta. Daneway. Não é tão ingénua a ponto de não entender o que estou dizendo.
Como se atreveu a permitir que minha sobrinha e sua protegida desobedecessem as minhas
ordens?
— Como me atrevi? Mas eu não... — Laurel mordeu o lábio, sem querer incriminar as
meninas ainda mais para se defender. Eu. .,
— Mas não deu sua permissão?
— Claro que não dei minha permissão para contrariarem suas ordens — disse seca.
— Então como permitiu que elas saíssem da ilha no momento em que eu virei as costas?
Laurel sentiu que estava perdendo a paciência. — Pensa que é tão simples assim? — gritou.
— Acredita mesmo que duas garotas de dezesseis anos vão aceitar esse tipo de ditadura nos
tempos de hoje? Só porque é tecnicamente o chefe da família, e um dia vai...
Mordeu a língua, e ele disse depressa: — Um dia eu vou o quê, senhorita?
— Vai querer cuidar da vida de Carlota, sem ligar para o que ela queira, só porque é a
tradição? Como imagina que ela se sinta? Será que não enxerga o ponto de vista dela? —
perguntou feroz. — Por que não tenta conversar com ela em vez de tratá-la como uma criança?
— Não se pode conversar com uma garota teimosa dessa idade, como acredito que já
descobriu. Entretanto, estou com vontade de me esquecer que a senhorita é uma hóspede sob
este teto, e tratá-la como merece. Não quero mais tocar nesse assunto.
Laurel até engasgou. Já fazia no mínimo cinco anos que um professor particularmente
sarcástico e tinha feito se sentir tão pequena e furiosa como agora. Deliberadamente se colocou
entre o conde e a porta que ele ia abrir para que ela saísse submissa. — Mas eu ainda quero falar
sobre o assunto! — exclamou zangada. — Acho que o meu maior erro foi concordar em aceitar
ficar aqui como hóspede. Devia ter confiado em minha primeira impressão e ter ficado o mais
longe possível do castelo de Valderosa!
— E qual foi a primeira impressão? — indagou ele num tom perigosamente gelado.
— Que o senhor era frio, duro e arrogante, e não ligava para os sentimentos dos que não
concordassem com suas ideias autoritárias! — explodiu ela. — Só posso dizer que sinto pena de
Carlota!
Os olhos negros queimavam como duas brasas. — É tudo o que tem a dizer, senhorita?
Laurel começou a tremer de puro medo. Os cantos da boca do conde estavam brancos e
haviam uma tensão perigosa em seus maxilares. De repente ela percebeu a violência que ele
estava tentando controlar. Encarou-o, porém, resolutamente: — Sim, acho que não há mais nada
para dizer, senhor.
— Exceto uma coisa! Talvez eu também tenha me enganado sobre uma certa impressão.
Cometi um erro de julgamento.
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— De que modo?
— Confiei em algo que aparentemente não merecia confiança, senhorita.
Mais tarde Laurel não conseguia entender como tinha conseguido sair daquela sala e da
presença do conde com a cabeça levantada, nem como tinha conseguido passar o resto do dia.
Havia vários convidados para o jantar nessa noite, mas, apesar da presença do padre da ilha, do
professor e sua senhora, e do muito querido cirurgião alemão que tinha se aposentado em
Destino, havia Ho ar uma sensação de angústia, que até mesmo a ótima comida e a acalorada
discussão sobre a romaria não conseguiram dissipar em Laurel.
Ficou satisfeita quando a longa noite foi chegando ao fim. As visitas estavam se preparando
para ir embora e Laurel escapou para a solidão do seu quarto. A cabeça estava começando a doer
e havia uma sensação de ardor em seus olhos que nada conseguia melhorar. Finalmente
conseguiu adormecer.
Na manhã seguinte, depois da missa, as crianças espalharam-se por toda a ilha para colher
flores e botões para enfeitar a capela e o andor onde a Virgem seria levada em procissão até o
templo. Às onze, os sinos começaram a tocar e, no castelo, os convidados do conde se prepararam
para o programa especial que precederia a procissão.
Laurel estava linda, num vestido branco, enquanto esperava no pátio. A tristeza deixara
marcas escuras sob seus olhos e lhe dava um ar distante estranhamente atraente. Mas ela nem
percebia como estava, pois só tinha consciência da parede que se levantara entre ela e o conde.
Nessa manhã, desejava de todo o coração conseguir derrubar essa barreira, mas cada vez que
arriscava um olhar na direção dele, desanimava diante da impossibilidade de atingir esse objetivo.
O dia não estava mesmo propício!
Sua chegada à mesa do café tinha silenciado uma discussão que parecia incluir a família
toda. Ela tinha se afastado, instantaneamente, consciente do olhar agudo do conde em sua
direção, e do modo formal como ele inclinara a cabeça para dizer bom-dia. Ela ainda hesitava, mas
a condessa chamou-a com tom de impaciência: Venha, menina, você já devia saber que
parecemos piores do que somos!
— Sinto muito — gaguejou Laurel. — Não queria chegar atrasada.
— Não, senhorita, nós é que estamos tomando café mais cedo disse o conde.
O tom gentil da voz dele só piorou as coisas e Laurel sentiu-se também pior do que nunca,
ao sentar-se no seu lugar. O silêncio agora parecia pouco natural. Carlota sorriu maliciosamente e
comentou:
— Tenho certeza que a srta. Daneway está ainda sob a impressão de que vamos nos pegar a
tapas, quando estamos apenas discutindo sobre o tempo.
O ataque era maldoso e a resposta de tia Costenza não chegou a tirar o veneno, nem o
aparte do conde. — Mas nós não estávamos discutindo sobre o tempo.
A condessa olhou para o neto e os olhos negros faiscaram de raiva.
— Eu proíbo outra palavra sobre o assunto! Está resolvido. Quero ir à igreja esta manhã e
vou fazê-lo.
— Mas, mamãe, e toda aquela gente e a emoção! — Tia Costenza abanava as mãos. — A
senhora sabe que vai ser demais! No ano passado...
— Mas agora é este ano! — A condessa lançou um olhar gelado á filha. — Será que tem que
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achar que estou tão fraca da cabeça quanto do corpo? A minha doença e os cuidados da família
me impediram durante cinco anos de seguir a procissão, mas nada vai me impedir hoje, pois não
sou a velha caduca que vocês estão imaginando. E agora, Rodrigo, vai acompanhar-me até o
carro? Ou tenho que mandar o José ressuscitar a velha carruagem?
— Isso não será necessário, vovó. Estou às suas ordens.
— Obrigada. — O sorriso da condessa mostrava triunfo. Agora que ela tinha conseguido o
que queria, a tensão começou a desaparecer. Iniciou-se então uma discussão para se saber se o
conde deveria levar primeiro a avó e a tia para a igreja, e depois voltar para buscar as moças.
Laurel imediatamente disse que iria a pé, seguida por Yvone, que também queria ir, mas o conde
fez um gesto com a mão.
— Não vai a pé, senhorita — ordenou. — Irá de carro como convém a um hóspede do
castelo.
A expressão de seu rosto não convidava a discussões, e Laurel disse baixo: — Como achar
melhor, senhor. — Mas agora, olhando o modo como ele ajudava a velha senhora a se acomodar
no carro, Laurel sentiu um endurecimento na alma. Iria deixar que ele percebesse como podia
perturbar sua felicidade? Se ele estava preferindo ser tão distante e reprovador, ela, por sua vez,
faria o mesmo, pois sua atitude era totalmente injusta. Além de tudo, ele praticamente a obrigara
a ser sua hóspede, deixando sob sua responsabilidade uma pessoa praticamente estranha.
Decidiu, entretanto, que não deixaria que ele estragasse seu dia, nem lhe daria a satisfação de
saber que a magoara tanto.
A natureza das comemorações tornou isso até mais fácil do que ela imaginara. Havia tanto
movimento e barulho, e uma alegria tão grande em tudo, que ela ficou contagiada. Nesse dia
ninguém trabalhava e a vida tinha um ar limpo e festivo. Não havia roupa pendurada nos varais, as
janelas ostentavam vasos com flores e os pássaros nas gaiolas enchiam o ar com seu canto. Todos
usavam roupas domingueiras: os homens com ternos escuros, as meninas com belos vestidos
brancos, os meninos limpos e escovados, as mulheres com vestidos estampados de fazenda leve e
lenços de cores alegres na cabeça. Somente as mulheres mais velhas mantinham o preto habitual,
e usavam mantilhas de renda para cobrir os cabelos, ao se juntarem ao povo reunido na praça.
A igreja estava lotada, cheirando a incenso, e enfeitada com muitas velas acesas, rodeando a
imagem da Virgem. Não havia lugar para todos e muita gente entrava e saía para buscar mais
cadeiras. Algumas crianças se sentavam em almofadas à frente. Terminado o serviço religioso,
chegou a hora esperada por todos, em que a imagem da Virgem era carregada reverentemente
para fora da igreja, sobre seu andor enfeitado.
A banda da cidade se postou na frente da procissão e os quatro homens que iam ser os
primeiros a carregar o andor tomaram seus lugares. Por fim começaram a se mover, em meio a
um barulho incrível de vozes, em direção ao caminho que levava à capela, no alto da montanha.
De vez em quando a procissão parava, para que fossem trocados os carregadores do andor.
Carlota e Yvone logo se perderam no meio do povo e em diversas ocasiões Laurel ficou sozinha,
separada dos companheiros. Ela, porém, sempre conseguia divisar a figura do conde, cuja cabeça
morena sobressaía quando ele lançava olhares ao redor, procurando o pessoal do castelo. Além
disso, ele não fez esforço para manter todos juntos, e Laurel tentou não ligar para o fato de ele
permanecer tão formal. Esforçou-se para sorrir e brincar com o povo da ilha, cada vez que
percebia o olhar do conde voltado para ela.
Quando a procissão alcançou a capela e a gruta, que eram pequenas demais para acomodar
toda aquela gente, o padre rezou um ofício mais curto de agradecimentos e bênçãos, que de
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algum modo foi mais comovente em sua simplicidade do que a rezada na igreja da vila. Depois de
recolocar a Virgem em seu altar, a procissão se dispersou, e o povo foi se preparar para as festas
noturnas. No castelo foi servida uma refeição leve, enquanto terminavam os preparativos para a
"invasão", como Yvone dizia. Todo mundo trabalhava, ajudando a carregar as mesas e as bandejas
com comidas, e tudo o que seria necessário para o maior piquenique que Laurel já vira.
No fim, quando tudo estava pronto, só havia tempo para um banho rápido e para vestir a
roupa de festa. Laurel reparou vagamente que alguém havia trazido suas coisas, esquecidas desde
a véspera na cadeira do vestíbulo, antes do encontro fatídico com o conde. Guardou-as no armário
e tirou a blusa de renda e a saia longa vermelha que iria usar.
O pessoal da ilha já vinha subindo o caminho para o castelo. As moças usavam vestidos de
cores vivas e alguns dos rapazes calças justas de veludo e camisas de cores fortes com babados na
frente. Um cheiro delicioso de carneiro assado, leitão e galinha pairava no ar. As mesas gemiam
sob o peso dos petiscos e dos garrafões de vinho. Quando a Lua apareceu, Laurel estava sozinha e
espantada com tudo o que via, parada perto da ponta de uma das mesas. Yvone tinha acabado de
deixá-la para procurar alguém com quem dançar, depois de confessar que não conseguia comer
mais nada. Laurel sentia o mesmo, achava que não conseguiria comer mais nada, no mínimo por
um mês.
— Experimente isto, senhorita.
— O que é? — perguntou meio atrapalhada ao ver o doce que o conde lhe oferecia.
— Marzipan de Toledo. É feito de amêndoas. Um doce que, acredito, os ingleses também
apreciam.
— Obrigada. — Tentou não olhar para os dentes brancos que brilhavam entre os lábios bem
desenhados e fascinantes, enquanto mordia um pedaço do docinho. — É muito bom —
reconheceu Laurel, com voz tensa.
— Está se divertindo?
— Bastante! — Conseguiu dominar-se e lançou a ele um sorriso polido. — Os jardins estão
maravilhosos!
Ele inclinou a cabeça de modo formal, mas, antes que pudesse responder, José apareceu ao
seu lado, parecendo ansioso. O conde teve que se afastar para resolver algum assunto importante
e Laurel respirou fundo, pondo em ordem suas emoções. Saiu andando por entre a multidão
ruidosa. De repente uma voz exclamou: — Laurel, você parece meio perdida, menina! Venha
sentar-se aqui e me conte sobre a procissão.
A condessa estava sentada em Um dos bancos do jardim, de onde se via uma parte do
terraço na qual iria haver um espetáculo logo em seguida, com a participação dos músicos que já
se acomodavam. Lanternas coloridas davam a impressão de colares e a Lua derramava sua luz
prodigamente.
Era uma cena romântica, dominada pela sombra do castelo que fazia um fantástico pano de
fundo para o espetáculo, e Laurel suspirou, ao sentar-se ao lado da condessa. Interpretando mal o
suspiro, a condessa ficou penalizada e observou: — Você parece desanimada, minha querida. Não
há ninguém olhando por você? Ramón! — Estalou os dedos e um rapaz apareceu solícito. — Traga
um pouco mais de vinho e um copo para a senhorita.
Laurel aceitou o vinho e recostou-se, contente, com a sensação de imunidade que a
presença da condessa conferia ao lugar. Respondeu às perguntas da velha senhora, até que as
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luzes do terraço se apagaram e refletores foram acesos sobre o palco improvisado no terraço.
Um instante depois seis dançarinas correram para a área iluminada. As guitarras soaram, as
castanholas marcaram o ritmo e as saias das dançarinas se transformaram num caleidoscópio
multicolorido. Dançaram um conjunto de músicas espanholas populares e Laurel se maravilhou
com a energia delas. Depois foi a vez dos cantores, que, por sua vez, deram lugar a um dançarino
muito atraente. Foi aplaudido com triunfo quando terminou, o rosto brilhando de suor enquanto
esperava imóvel o fim da ovação.
— Eu não sabia que a ilha tinha tantos talentos. Ele é maravilhoso! — exclamou Laurel para
a condessa, aplaudindo o rapaz entusiasmada.
— E é verdade, a ilha não tem.
A voz vinha de trás, não era a da condessa. Laurel estremeceu ao sentir as mãos que se
apoiavam no encosto de sua cadeira, passando de leve pelos seus ombros. Há quanto tempo
estava ali?
— Esses bailarinos vieram de Madrid; chegaram hoje cedo e voltarão amanhã — disse o
conde por cima de sua cabeça.
— Oh, eu não sabia. — A resposta de Laurel foi seca. Sentiu-se tola e ignorante. Como não
tinha percebido que era um grupo profissional?
Os cantores tinham voltado para o palco e Laurel continuou sentada, dura, sentindo um
ressentimento ilógico que fazia com que evitasse qualquer contato com o conde, que permanecia
de pé, atrás de sua cadeira. Continuou assim até o fim do espetáculo, sem sentir o menor prazer.
Logo depois pediu licença à condessa e retirou-se. Seu pretexto era verdadeiro, disse para si
mesma ao chegar ao quarto, estava com calor, sentia-se desarrumada e precisava se refrescar um
pouco. Isso feito, aplicou um pouquinho de maquilagem e voltou vagarosamente para a festa.
A parte mais formal da noite já tinha acabado e agora se ouvia música gravada. Havia
começado o baile e quase todos dançavam, enquanto os mais velhos olhavam e conversavam
sobre os acontecimentos do dia. Laurel encontrou um lugar meio escondido no canto do terraço e
ficou apoiada no parapeito olhando os pares que dançavam. Não via sinal de Yvone, mas avistou
Carlota dançando com o bailarino que tinha encantado a todos um pouco antes. Ele parecia tão
interessado nela quanto ela nele e, ao olhar para o rosto dos dois, Laurel sentiu um aperto no
coração. De repente sentiu-se muito sozinha.
Suspirou, pensando se seria a única na festa a sentir-se tão desanimada e perdida nessa
noite alegre, a mais alegre do ano em Destino. Como era tola por permitir que o coração se
sobrepusesse à razão fazendo com que se sentisse como uma adolescente abandonada! Por que
não...
— Foi aí que se escondeu, senhorita?
Assustou-se e virou depressa. Ali estava o conde, impecável em sua jaqueta de veludo, o luar
desenhando sombras em seus traços marcantes.
— Não estou me escondendo, senhor — negou ela. — Por que deveria?
— Na verdade não sei! Será que me dá a honra de dançar comigo?
— Eu... eu... — Laurel mordeu o lábio. Metade de sua força de vontade dizia que fugisse
correndo, mas a outra metade queria que se atirasse nos braços dele. A mão do conde tinha
segurado seu pulso e ela, como alguém que não estivesse no juízo perfeito, deixou-se levar pelo

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terraço, desceu os degraus e misturou-se aos outros pares.
— Relaxe — murmurou ele — e não tente me convencer de que não sabe dançar. É muito
fácil, é como se dançava antigamente nos velhos filmes. Como se diz mesmo? De rosto colado!
Laurel não podia imaginar nada mais desejável — ou perigoso no momento. — Eu... eu acho
que hoje em dia não se dança mais assim — disse meio preocupada.
— E eu acho que não existem regras fixas sobre isso — replicou ele com voz macia. O braço
pareceu apertar mais um pouco sua cintura. — Agora tente fingir que não me odeia, senhorita.
— Eu não imaginei que revelasse isso no rosto — disse ela quase desesperada.
— Não? Seus olhos estavam quase dizendo isso hoje, senhorita. Fez uma pausa, os olhos
inescrutáveis. — Eu gostaria de ouvir de sua própria boca a negativa de minha impressão.
— É claro que eu não o odeio! — disse ela quase engasgada.
— Fico feliz de ouvir isso. Talvez agora possa me contar por que me evitou o dia inteiro.
— Mas não fiz isso!
— Não? — Deu uma volta com ela, com os passos de um perfeito dançarino, e Laurel, apesar
da determinação de permanecer fria e distante, sentiu-se derreter contra o rijo corpo colado ao
seu.
— Então devo concluir que estava aborrecida — disse ele suavemente em seu ouvido.
O coração de Laurel batia tão alto que ela ficou achando que daria até para ele ouvir. —
Acho que está enganado, senhor. Virou o rosto e ficou olhando por sobre o ombro dele. — É que
não houve muita oportunidade para falar com o senhor.
— Não é essa a resposta que eu quero.
Pareceu perceber um ar de caçoada no tom de voz dele e estremeceu. Repentinamente não
aguentou mais o tormento. Como ele se atrevia a caçoar dela, como se tudo o que sucedera na
véspera não tivesse acontecido? Falseou o passo, tropeçou e afastou-se dele. Muito bem —
gritou. — vou lhe dar a resposta! Sim, fiquei com raiva o dia todo. O que mais queria que
acontecesse depois do modo como falou comigo ontem à noite? Como se eu fosse um dos seus
empregados, que tivesse cometido alguma falta que lhe desagradasse! E agora parece esperar que
eu caia em seus braços e me porte como uma visita especial, como se nada tivesse acontecido?
Ora, não faço isso, senhor! Procure outra pessoa para ser seu par!
Atónita por sua própria explosão, virou-se e correu cegamente para longe dos pares que
dançavam, e tropeçou no meio de um caminho meio escondido entre as árvores. Em seguida
percebeu um casal de namorados e virou-se procurando ir para o outro lado, não notando a
identidade do par, até que ouviu uma exclamação de baixo calão e lembrou-se de ter visto um
pedaço de roupa vermelha e branca dentro da sombra escura. Yvone! E estava com...!
Virou-se depressa a tempo de ver Yvone se soltando dos braços de Renaldo. Por um instante
esqueceu-se de tudo. Muito do que ela estava passando tinha sido por culpa do encontro de
Yvone com aquele conquistador barato, e agora Yvone estava.. . Mas, ao dar um grito, sentiu-se
pega pelos ombros e virada de frente para o conde num movimento rápido. Teve uma vaga
impressão de Renaldo e Yvone fugindo antes que o rosto impaciente do conde tapasse tudo o
mais.
— Meu Deus! Deixe-os! — exclamou, quase a sacudindo para que ficasse quieta. — Estou

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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
começando a me cansar de garotas encrenqueiras e seus namorados mais encrenqueiros ainda. E
também devia fazer o mesmo, senhorita. Por que será que sempre foge de mim antes de
acertarmos as coisas?
— E há alguma coisa para acertar? — perguntou ela amargamente. Estava quase chorando
quando ele disse impaciente: — Que resposta é essa?
Ela virou a cabeça e fez um enorme esforço para controlar suas emoções. — Quero dizer que
eu estou cansada, senhor. Mas não do mesmo modo que o senhor.
— E o que isso quer dizer?
— Que estou esgotada de ser forçada a ligar e desligar — falou.
— Num momento há o formalismo de um simples conhecido e logo depois sua raiva e suas
acusações. E depois então... então...
— E depois? — insistiu, apertando os lábios.
Laurel ergueu o queixo em desafio e olhou diretamente para ele.
— Depois tenho que fingir que nada aconteceu quando o senhor fica com vontade de bancar
o conquistador!
— Conquistador!
Os dentes brancos brilharam por entre a exclamação violenta e seus dedos se enterraram
nos ombros de Laurel com a força do aço. Ela aguardou apavorada a tempestade que viria em
reação ao seu desabafo, e o momento de silêncio absoluto pareceu uma eternidade. Depois,
inacreditavelmente, a tensão diminuiu em seus ombros e ela sentiu o sopro da respiração dele
escapar morna contra seu rosto.
— Meu Deus! É assim que me vê?
Estava sacudindo a cabeça e Laurel sentiu uma fraqueza enorme nas pernas. Fez um grande
esforço para manter o equilíbrio e não desabar em cima dele. Respondeu tremendo:
— Acho que fui provocada, senhor.
— E eu não, não é? — O tom sarcástico de sua voz fez com que ela baixasse o olhar, mas ele,
movendo a mão, agarrou-a pelo pescoço, um dedo por baixo do queixo, obrigando-a a olhar
novamente para ele. — Não, senhorita, acho que nem meus inimigos fariam uma acusação dessas,
a não ser que o fato de querer beijá-la e segurá-la em meus braços, até que desapareçam essas
olheiras de tristeza, me tornem semelhante a um conquistador, como disse.
Laurel tremia e procurava desesperadamente por palavras que não saíam. Ele estava
imperceptivelmente puxando-a contra seu corpo, e ela sabia que não tinha forças para resistir.
— Eu... eu preciso saber para onde foi Yvone — disse aflita no caso de...
— No caso do pior acontecer? Não tenha medo. A essa altura Renaldo estará tão longe
quanto possível de sua jovem protegida, sem dúvida namorando alguma outra garota tola.
— Como pode saber?
— Porque ele não vai se esquecer tão depressa do que aconteceu naquele dia em que
provocou a minha ira. .
Laurel estremeceu com a memória do encontro com Renaldo.

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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
— A lembrança daquilo a magoa?
— Só por um momento.
— Esqueça — insistiu ele suavemente. — Esta é a única noite do ano em que não devemos
nos lembrar das coisas tristes. Laurie, olhe para mim.
A voz do conde soava acariciante como veludo e ela sentiu uma tontura, como se tivesse
bebido vinho. Não conseguia resistir ao diminutivo do seu nome nem ao encantamento com que
ele a prendia.
— Quero ver desaparecer esse olhar de infelicidade dos seus olhos. ;Quero...
O resto da frase desapareceu quando ele colou os lábios nos dela, e nada mais havia do que
a sensação de puro êxtase. As mãos de Laurel envolveram o pescoço do conde, enquanto seu
corpo se colava ao dele, fundindo-se no ardor do desejo.
Quando ele levantou a cabeça, ela sentiu-se abandonada. A voz que vinha das sombras
parecia vir de outro mundo, e ela nem percebeu direito o que dizia. Como num sonho ouviu
Rodrigo responder e depois conduzi-la para a frente.
— Está na hora do champanhe e da apresentação especial.. . Venha Laurie querida...
Querida.. . querida! Laurel caminhava ao lado dele, os pés quase sem tocar o chão, sem
perceber o olhar zangado de Carlota, que tinha vindo procurar o conde para que voltasse ao
castelo, onde a condessa e os convidados especiais o aguardavam.
Garrafas enormes de champanhe esperavam dentro de baldes de gelo e taças de cristal
estavam em fila sobre as toalhas brancas das mesas. A primeira rolha estourada foi como um sinal,
pois um segundo depois uma estrela subiu céu acima para explodir e descer sobre os jardins como
uma chuva dourada: a queima de fogos havia começado.
Laurel olhava encantada as chuvas de prata, os rojões, os foguetes coloridos estourando na
noite negra e empalidecendo a Lua. Ela se sentia alegre, muito feliz. O conde ficou ao seu lado, um
braço ao redor da sua cintura. O contato com ele lançava-lhe impulsos como se fossem faíscas
elétricas por todo o seu corpo. Nunca sonhara que pudesse existir tanta felicidade...
Quando tudo acabou, ela suspirou, desejando que não houvesse fim. Pressentiu a condessa
se retirando e os visitantes voltando para o terraço, para dançar. As lâmpadas brilhavam entre as
árvores e os risos ecoavam por toda parte. Crianças corriam no meio dos pares e gritavam de
excitação. Já era bem mais de meia-noite, mas ninguém se incomodava.
— Venha, vamos dançar. .. — convidou-a e, para Laurel, havia nos olhos dele toda uma
promessa de felicidade.
Ela riu e virou-se para colocar o copo sobre a mesa, dando de cara com Carlota parada ali,
com uma estranha expressão. Laurel sentiu um calafrio, mas Carlota lançou-lhe um sorriso
brilhante.
— Você deve ter achado tudo isso muito interessante, não é mesmo? Uma atração especial
para a temporada de primavera.
Diga-me, você mesmo é que escreve a propaganda?
— O quê? — Laurel estava pasma. Um começo de horror gelava seu coração. — O que está
querendo dizer, Carlota?
— Ora, você sabe muito bem o que estou dizendo! Por que está fingindo? Não é segredo!
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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
Carlota virou os olhos grandes, aparentemente inocentes para o conde, depois novamente
para Laurel. Moveu a cabeça devagar, como se estivesse sem entender. — Por que desenha mapas
da nossa ilha e toma nota de diversas coisas sobre a gente? É verdade, não é, que o pai de Yvone é
dono de uma agência de viagens e que você é sua secretária?
Laurel sentiu que perdia o equilíbrio. Como se fosse de muito longe ouviu o conde soltar
uma exclamação, e depois Carlota gritar:
— Mas é claro que é verdade, Rodrigo. Quer dizer que não sabia? Que eles querem vir para
cá, sem dúvida para construir uma colónia de férias, com suas quadras de esporte e sorveterias.
Virão aos milhares e devastarão Destino. Mas por que não pergunta para ela? Não vai poder
negar! É seu trabalho.
— Isso é verdade?
Laurel se encolheu ante o olhar ultrajado, que encarava seu rosto como se não pudesse
acreditar no que acabara de ouvir. Lembrou-se de Yvone. Claro que ela não deveria ter se
esquecido do pedido de segredo e contado tudo para Carlota. De repente compreendeu tudo,
quando se lembrou das anotações esquecidas no vestíbulo junto com suas coisas, na tarde
anterior. Disse desesperada: — Não... deixe-me explicar... não é assim. Eu nunca pretendi...
— Diga-me a verdade! — explodiu ele. — Trabalha para esse homem? Esse...
— O nome dele é Gordon Searlé — interrompeu Carlota triunfante — e sua empresa chama-
se Férias Panorama. Está tudo anotado no caderno que a srta. Daneway largou tão displicente
para todo mundo ver. É por isso que estou admirada de você não saber de nada, Rodrigo —
acrescentou a garota com fingida inocência.
— Trabalha? — inquiriu ele, como se Carlota nem tivesse falado.
— Sim, mas... — Laurel engoliu em seco, tentando controlar a tristeza que ameaçava afogá-
la. — Eu...
— Isso é tudo o que eu preciso saber. — Seus olhos queimavam de fúria e a linha do queixo
parecia talhada em madeira. -- Enganou-me e abusou de minha hospitalidade...
— Por favor... — Laurel colocou uma mão aflita em seu braço. — Por favor, escute, senhor.
Eu...
— Não desejo ouvir mais nada. — Sacudiu o braço para que a mão dela se soltasse, como se
fosse algo repugnante. — Não, quero ouvir mais suas mentiras. — Ficou ereto e sua boca se
apertou numa linha fina. Somente o branco nas narinas e nos cantos da boca mostravam o ódio
que estava controlando. — Sem dúvida vai querer voltar logo para a Inglaterra, senhorita. A minha
resposta vai ser a mesma que dei a uma solicitação anterior. Nunca irei permitir empresas de
turismo em Destino. Boa-noite, senhorita.
Com um movimento duro de cabeça, virou-se e caminhou para o castelo. De repente Laurel
estava sozinha nas sombras. A música, o colorido, o barulho e a alegria da festa ainda estavam ao
redor dela, mas tudo era irreal, desmantelado, apenas fragmentos de um mundo que se quebrara,
como uma concha preciosa e delicada. Sua concha.. . seu mundo...

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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton

CAPíTULO X

Aquele último dia no castelo de Valderosa foi o mais miserável de toda a vida de Laurel, por
isso decidiu esquecê-lo para sempre. Mesmo depois de tudo acabado e de estar de volta à rotina
do escritório há três semanas, nada conseguia afastar o peso em seu coração.
Se pelo menos tivesse havido oportunidade para esclarecer tudo! Durante todas aquelas
últimas horas ela tinha ficado entre o medo de se encontrar face a face com o conde e a agonia da
vontade de vê-lo, escutar sua voz outra vez, enquanto de todo o coração desejava que nada
daquilo tivesse acontecido.
Mas tinha acontecido, e ela deixou Destino sem vê-lo novamente. Ele tinha passado o último
dia vistoriando a propriedade e levara Carlota. Oh, tinha deixado um recado, dizendo que as
hóspedes não deveriam hesitar em usar o telefone do castelo para avisar suas famílias que iam
voltar, e que se precisassem de alguma coisa deveriam pedir ao José, que iria levá-las até o cais e
ajudá-las com a bagagem.
Somente a condessa tinha desejado boa viagem, quando Laurel foi corajosamente se
despedir e agradecer por tudo. A condessa parecia triste, e a expressão de desapontamento em
seus velhos olhos quase levou Laurel às lágrimas. O único consolo havia vindo de Yvone. que tinha
se esforçado para alegrar Laurel durante o voo para casa. Mais uma vez a garota a havia
surpreendido com o calor e o afeto. Depois do desastroso final na festa da romaria, Laurel tinha
esperado que a outra a recriminasse por ter sido tão descuidada, esquecendo a pasta com as
anotações onde pudesse ser vista por Carlota. Mas Yvone a tinha abraçado impulsivamente,
consolando-a com o maior carinho.
Ao chegarem, Gordon Searje as esperava no aeroporto, e Yvone imediatamente começou a
contar a história toda, não dando a Laurel chance alguma de falar, e fornecendo uma versão bem
mais colorida do que tinha acontecido.
— Vocês fizeram muito bem em ter conseguido penetrar no próprio castelo — comentou,
quando conseguiu interromper a filha. Como foi que conseguiram?
— Foi o nosso charme fatal, o que é que você pensa? — disse a filha com atrevimento. Então
percebendo o olhar tenso de Laurel, baixou a voz. — Na verdade, papai, a coitada da Laurel levou
um susto enorme logo depois de chegarmos, e foi o próprio conde que a socorreu. — Yvone
contou todo o choque, dando uma versão muito mais dramática, mas sabiamente omitindo sua
parte no caso.
O rosto de Gordon Searle ficou preocupado. — Isso é verdade, minha querida? —
perguntou. — Yvone não está exagerando?
— Não estou! — gritou Yvone e Laurel suspirou. — Mais ou menos — admitiu ela, sabendo
que seria melhor deixar as coisas como estavam, se não quisesse envolver Yvone.
— Oh, sr. Searle, sinto muito! — explodiu. — Estraguei tudo e...
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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
— Bobagem! Você não podia fazer nada. Não se preocupe, nós não podemos vencer
sempre. — Depois as levou a um restaurante, apanhando antes a sra. Searle, que tinha se
recuperado inteiramente. Falou-lhes nos detalhes de um novo plano para construir um conjunto
de férias em uma das ilhas do Caribe. Para ele, Destino tinha gorado e não adiantava fazer mais
nada.
Mas nada disso devia ter acontecido. Laurel olhava o espaço, os olhos preocupados. Oh, por
que tinha sido tão tola? Deveria ter contado ao conde a verdade naquela primeira noite no
castelo. Então nada de desagradável teria acontecido. E não deveria ter se apaixonado por aquele
arrogante, maravilhoso, irresistível aristocrata...
— Alegre-se! Você parece... — O sr. Searle se interrompeu ao ver as lágrimas nos olhos de
Laurel. — Querida, o que foi que aconteceu?
Ela sacudiu a cabeça desanimada, e tentou se controlar. Mas o chefe franziu a testa. — Você
ainda está preocupada com aquele negócio de Destino? Outra vez ela sacudiu a cabeça, mas ele
era esperto demais. Acho que está. Está assim deprimida desde que voltou, e acho que conheço
você o bastante para saber — disse ele positivo. — Por favor, não se preocupe. Eu ficaria mais feliz
se você se esquecesse de tudo o que aconteceu, Laurel.
Esquecer! Como é que ela poderia?
— Era como se você tivesse uma faca nas costas, Laurel — disse ele. — Ninguém pode
ganhar, dentro de certas circunstâncias. Agora me prometa que não vai ligar mais. Yvone já falou a
você sobre a festa de aniversário?
— Sim — Laurel assoou o nariz e enxugou os olhos. — Vai ser daqui a três semanas. Eu ia
perguntar se o senhor sabe de alguma coisa que ela esteja querendo.
— Bem, para começo, todo o departamento de perfumes da loja Harrod's — disse ele bem-
humorado, e Laurel teve que sorrir. A lista de presentes que ela fez começa com meias e acaba
com um carro, mas vai ganhar o conjunto de som que está pedindo há séculos e ficar bem feliz. —
Fez uma pausa, e seu rosto ficou pensativo. Devo dizer que ela está bem mais acessível desde que
veio de Destino. Mais fácil e menos cabeçuda, e é claro que a recuperação de minha esposa
também fez diferença. Ela se sentia tão mal que não aguentava lidar com Yvone, ficava irritada e
impaciente, e tudo isso agravava o problema. Mas, graças a Deus, agora tudo está muito melhor.
— Fico contente — disse Laurel com sinceridade.
Ele sorriu. — Tenho certeza que devo grande parte disso a você, e espero que ela continue
sua amiga, apesar de às vezes ela ser infantil demais. A sinceridade patente em tais palavras
acalmou um pouco o coração ainda ferido de Laurel. — Claro, mas eu acho que os rompantes de
infantilidade dela já acabaram — disse meio sem jeito.
Ele riu, e voltou para seu escritório, deixando Laurel a refletir sobre o que acabara de ouvir.
Pelo menos os problemas domésticos do seu chefe estavam resolvidos, e estava satisfeita por isso.
Ah, se pudesse dizer o mesmo sobre seus próprios problemas! Se não sentisse um peso constante
na consciência e no coração!
Apesar de sentir-se ferida pela atitude do conde, ela não podia deixar de reconhecer sua
parcela de culpa no que acontecera. Invertendo as posições, o que ela sentiria se descobrisse que
alguém que ela recebera em sua casa tinha vindo com segundas intenções? Teria ficado com raiva
e desapontada. Não adiantava negar essa verdade; ela não tinha se comportado corretamente.
Mas que adiantava ficar chorando agora? Ela tinha engolido o orgulho e escrito para ele uma

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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
semana depois do seu regresso, pedindo desculpas pelo que fizera e agradecendo a atenção com
que ela e Yvone tinham sido tratadas. Não tinha sido uma carta fácil de escrever, e ela havia quase
enchido a cesta do lixo antes de conseguir fazer o que queria, sem deixar transparecer o estado
emocional em que se encontrava. Tinha sido um ato de coragem pôr a carta no correio, e a
tentação de amassá-la e atirá-la fora tinha sido muito grande. Claro que não iria fazer nenhuma
diferença, disse para si mesma com ironia. Ele tinha deixado bem claro o que pensava dela, mas ao
menos ela fizera o que sua tia acharia correto, e agora teria, que começar o longo e duro processo
de esquecê-lo.
Apesar dessa resolução, Laurel não pôde reprimir a esperança de que ele respondesse à sua
carta, mas com o passar das semanas essa esperança foi diminuindo. A festa de aniversário de
Yvone chegou e passou, e os longos dias de verão corriam felizes para a garota mais jovem, mas
longe de trazerem alguma alegria para Laurel. Era como se tivesse perdido algo de muito precioso.
Dois homens entraram em sua vida durante aquele verão, mas apesar dela tentar aceitar o
interesse deles, não conseguia derreter o gelo que sentia no coração.
— Estou começando a ficar preocupada com você! — exclamou Yvone numa tarde de julho,
ao chegar ao escritório. — Você está desperdiçando esse verão maravilhoso. O que está
acontecendo?
— Nada. É que tenho andado muito ocupada, você sabe — disfarçou Laurel com um sorriso.
— Bobagem! Papai não é um feitor de escravos!
— Eu nunca disse isso. Por que está falando assim?
— Não sei... mas, que há alguma coisa, tenho certeza. — Yvone parecia preocupada. —
Escute, Laurie. Gostaria que você me contasse. Não é nada comigo, não é? Quero dizer, eu não
aborreço você? É que eu achei que gostaria de conhecer nossa casa de fim de semana, e o desfile
de modas da semana passada foi legal, não achou?
Laurel abriu a boca. Por um instante ficou sem saber o que dizer. Então Yvone continuou: —
Eu me lembrei de repente que havia dito coisas pesadas a você, lá em Destino, e achei que ainda
estava aborrecida comigo. Quero dizer — interrompeu-se, mordendo o lábio — não quero que
seja gentil comigo só porque meu pai é o seu chefe. E você sabe que eu não disse aquelas coisas
de coração, é que estava passando por uma fase difícil e...
— Oh, Yvone, não! — Laurel se recuperou do espanto. Como é que pode pensar uma coisa
dessas... Claro que não é nada com você. Eu adorei o fim de semana que passamos todos juntos.
Se não tivesse sido por todos esses convites, eu nem sei como teria aguentado.
— Puxa! Graças a Deus! Então não é por minha culpa! — Yvone ficou mais à vontade, mas
franziu a testa. — Então o que é? Brigou com Phil?
— Phil? — Laurel quase caiu na risada. De repente percebeu que não tinha pensado em Phil
desde que voltara. Céus! Será que fazia só três meses que Phil desaparecera de sua vida e que ela
ficara chorando até dormir? Phil, que havia ocupado todos os seus pensamentos durante seis
meses. Deu um sorriso irônico. Se conseguia se esquecer de um homem em tão pouco tempo, as
esperanças não estavam perdidas!
— O que é tão engraçado?
— Desculpe. — Laurel ficou séria. — Não, não é Phil. E como é que você sabia sobre ele?
— Oh, papai mencionou-o a noite passada. Ele disse que uma ou duas vezes ele tinha ido
buscar você no escritório, mas que ultimamente não tem aparecido.
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— Já acabou tudo há três meses.
— Então isso é história antiga! — Yvone empurrou o longo cabelo do rosto, resmungando
que devia cortá-lo. — Bem, ouça Laurie. Vim saber se você ia fazer alguma coisa esta noite. Sei que
é muito em cima da hora, mas você se lembra do Noel? Está bem, sei que não vai muito com ele,
mas o irmão dele acabou de chegar do Egito, e nós vamos àquele lugar novo, que acabou de abrir,
dizem que a comida é ótima, e queríamos que você conhecesse o Rick. Sandy e Clive também vão.
— Um encontro no escuro? Ou vocês estão querendo me arranjar um namorado outra vez?
— claro que não! — Yvone parecia indignada. — A Sandy conheceu o Rick antes dele ir para
o Egito, e disse que é bacaníssimo. Oh, por favor, Laurie, vai ser ótimo.
— Está bem — Laurel capitulou, sem poder resistir a tanta persuasão. — E como é que eu
vou? Vai ser jeans, ou traje de gala?
— Oh, use aquele vestido florido tão lindo que comprou para o meu aniversário. Vai ficar
muito bom. Aposto que o Rick vai ficar caído por você!
Com essa profecia, Yvone foi embora para o cabeleireiro, depois de combinar que iria buscar
Laurel às oito horas. Depois que saiu. Laurel sentiu um prazer por antecipação, coisa que não
acontecia há muito tempo. Ao sair do escritório, às cinco horas, estava até entusiasmada com o
programa. Pelo menos por uma vez iria se esquecer do homem alto e moreno cujos olhos escuros
tinham a capacidade de acariciar como veludo, e cuja boca apaixonada conseguia que ela se
derretesse por dentro. Mas esses mesmos olhos também podiam queimar como ferro em brasa, e
aquela boca podia rir dela com desprezo e arrogância. Sim, nessa noite ia começar a se esquecer.
Fechou a porta do apartamento com força desnecessária, como se fosse para marcar uma
nova resolução, e foi fazer um pouco de chá.Infelizmente sua cabeleireira não tinha hora
disponível e ela teria que lavar e arrumar os cabelos sozinha. Usaria o conjunto de roupa de baixo
que comprara há poucos dias e abriria o vidro de perfume guardado desde o Natal. Tinha acabado
de lavar a cabeça, e ia encher a banheira quando o telefone tocou.
Ainda bem que ela ainda não tinha entrado na água! Correu para atender, o coração
batendo com mais força ao ouvir a voz de Yvone do outro lado da linha. Oh, tomara que não
tivessem desfeito o programa! Respirou aliviada quando Yvone disse: — Achei melhor avisá-la, vou
chegar um pouco mais cedo. Aconteceu alguma coisa e o papai precisa estar de volta em casa às
oito e meia. Mas ele nos deixa na casa da Sandy e dali a gente sai. Dá tempo de você se aprontar?
— Sim, claro, não se preocupe.
— Ótimo, passo aí as vinte para as oito. Até mais!
Laurel deu uma olhada para o relógio ao desligar o telefone. Ainda tinha bastante tempo,
não precisava se apressar, podia tomar um bom banho de imersão com sais de banho e depois
usar a loção perfumada que Phil lhe havia dado, provavelmente com segundas intenções. Tinha
sido a primeira vez que ele lhe fizera uma proposta, e ela imediatamente lhe estendera de volta o
frasco da loção. Mas ele apenas tinha rido e dissera que não tinha a intenção de apressá-la,
tentando fingir que estava apenas brincando... Bem, era bobagem deixar o vidro enfeitando o
banheiro, refletiu ao enfiar o roupão.
Escolheu as roupas que iria usar, conferiu para ver se as meias não estavam corridas, depois
se sentou perto da penteadeira para pintar as unhas. Dez minutos depois estava com as mãos
debaixo da água fria para apressar a secagem, quando ouviu a campainha da porta.
Soltou uma exclamação. Por certo não era Yvone! Ainda não estava na hora. Será que seu
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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
relógio tinha parado? Mas o relógio da sala confirmou que era cedo, quando ela passou para
atender a porta.
— Yvone, você chegou cedo demais! Eu ainda não... Oh! Mas não era Yvone.
O trinco escapou dos dedos de Laurel e ela teve que se segurar na porta enquanto olhava
para o visitante. Não era possível! Ela estava vendo coisas!
— Boa-noite, senhorita.
Não, não estava vendo um fantasma! Laurel abriu a boca, depois fechou e engoliu em seco.
— Senhor?... — murmurou incrédula.
— Está surpresa em me ver? Vim em resposta à sua carta — disse o conde calmamente, os
olhos baixando para as mãos dela que apertavam o cinto do roupão. — Mas acho que escolhi o
momento errado. Perdoe-me. Volto mais tarde, senhorita.
Estava se preparando para ir quando algo acordou dentro de Laurel, sobrepujando os
tremores que a agitavam. Estendeu a mão. — Não, não vá... eu vou sair daqui a pouco. Eu... eu
nunca esperei... Ficou presa pelo olhar dele e, quando o conde se voltou, sua voz sumiu.
Conseguiu dar um passo atrás e ficar olhando para ele atordoada.
Rodrigo parou por um instante e olhou novamente para as mãos dela, que nervosas se
agarravam ao roupão. Sorriu. — Confia em mim, senhorita?
— E não devia? — conseguiu dizer trémula.
— Meu Deus! — Fechou os olhos desanimado enquanto batia a porta atrás de si. — Será que
algum dia vou entendê-la? Se eu estivesse noivo de alguma moça de meu país nunca poderia nem
vê-la vestida como a senhorita está agora, quanto mais ficar sozinho com ela.
— Mas não sou sua patrícia nem sua noiva. — Laurel conseguiu manter firme a voz. — De
qualquer modo, não posso ficar assim, por isso, se esperar enquanto eu me visto... — Os olhos
dele estavam fazendo com que sua resolução fosse por água abaixo. — Só demoro um instante e
então...
— Não... espere, Laurel. — Deu um passo à frente. — Diga-me, por que me escreveu?
— Por quê? — Encarou-o, depois encolheu os ombros. — Acho que porque me sentia
culpada.
— Só por isso?
— Não é o suficiente?
— Não. — Ele sacudiu a cabeça vagarosamente, a negativa pesada no ar.
Laurel apertou os lábios e levantou o queixo. — Escute, senhor — começou com firmeza —
eu tentei explicar na minha carta que nunca pretendi enganá-lo quanto aos motivos que me
levaram a Destino. Mas do modo como as coisas aconteceram, eu não podia, pois era tarde
demais e nós já estávamos no castelo. E então...
— Sim? — insistiu ele.
— Eu não podia, por que... — Virou o rosto, desanimada. De que adiantava começar a
agonia toda outra vez? Como é que podia explicar sem revelar o que sentia?
— Talvez lealdade ao seu empregador? — interrompeu ele.
— Algo assim — disse ela seca.
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— Mas será que não imaginou que eu poderia ouvir com educação o que queria explicar?
Mesmo que eu tivesse que negar o que estava querendo?
— E faria isso? — gritou. — Tudo o que eu fazia parecia irritá-lo! E na noite da romaria,
depois que Carlota contou, eu tentei explicar e me desculpar, mas não me ouviu. Apenas se
ergueu na sua arrogância e me olhou de cima como se eu... se eu... — interrompeu-se e engoliu
em seco, com raiva. — Parecia que havia se esquecido de que a ideia de me convidar para ficar no
castelo tinha sido sua. Insistiu nisso! Era para ajudá-lo a resolver um problema seu, em primeiro
lugar, e depois praticamente nos expulsou. Foi isso que aconteceu — acusou ela, louca da vida.
— Mas eu não tinha um bom motivo? — Os olhos escuros brilhavam do modo habitual. —
Você havia aceito meus beijos, vibrado em meus braços como se me desejasse. Então isso tudo
não era parte do plano, enquanto espionava meu lar e minha ilha? Eu acreditei que fosse uma
inocente quando olhei fundo em seus olhos e percebi que sentia desejo por mim, e durante todo o
tempo parecia lutar contra isso. E quando Carlota me contou a verdade, quase não pude acreditar
que pudesse ser tão falsa. Eu...
— Não! — De repente Laurel arregalou os olhos, ao perceber o que ele-estava imaginando. -
.Não foi assim! Não pode acreditar que eu... que eu deliberadamente deixei que me amasse
porque eu... Oh! Não! Era por causa dê Yvone e seu pai, meu chefe, e ela estava com medo de
mais encrencas. — Laurel respirou fundo, sem reparar que tinha colocado a mão no braço dele
como se implorasse, ao contar toda a história das más companhias de Yvone, do medo das drogas,
a doença da mãe da garota e a preocupação de Gordon Searle, provavelmente o verdadeiro
motivo pelo qual despachara as duas para Destino. — Na verdade, acho que ,não estava ligando
para Destino sob o ponto de vista de negócios — continuou aflita, desesperada para que o conde
entendesse. — E então Yvone se envolveu com Renaldo, e ele pegou seu anel e tudo o mais. Mas
agora tenho certeza que o pai de Yvone queria apenas que eu me sentisse útil a ele enquanto
ganhava umas férias a suas expensas, porque nem ligou quando voltamos e contamos que não
tinha dado nada certo. Mas não pode acreditar que eu pudesse usar o sexo para enganá-lo. Isso
não é verdade!
Ele nada disse por um longo tempo, e Laurel mal podia aguentar a força do olhar que parecia
querer devassar-lhe a alma. Depois disse suavemente:
— Então, se não era verdade, por que não explicou tudo antes?
Ela virou o rosto, passando os dedos trémulos pelo cabelo preso.
— Será que era tão difícil assim? — insistiu.
Ela encontrou a mecha que havia escapado do grampo e prendeu-a. -Não era fácil explicar as
coisas para você — disse, recusando-se a olhar para ele.
— Mesmo quando estava em meus braços?
Ela sacudiu a cabeça imperceptivelmente, e continuou em silêncio, sem poder quebrá-lo.
Ouvia-se o tique-taque do relógio que aumentava a tensão da sala, tanto que, enquanto ela o
encarava nervosa, o conde soltou uma exclamação.
— Laurel, minha amada, alguém disse uma vez que o silêncio e a solidão são morte para um
espanhol. Acho que é verdade! De uma coisa eu tenho certeza: não vou conseguir enfrentar o
futuro sem o som de sua voz, sem a sua presença doce e ao mesmo tempo tentadora.
— O... o quê? — Laurel gelou, não sabia se tinha ouvido direito. Procurou em vão pelo ar de
zombaria nos olhos dele.
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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
— Sim! E pare de olhar para mim como se duvidasse de minha sanidade. E diga-me que
escreveu aquela carta porque se importava com minha opinião sobre você.
— Acho que já sabe disso — disse ela baixinho.
— Sim! Mas quero ouvir dos seus lábios!
Ela ainda não conseguia acreditar no que seus sentidos estavam mostrando, nem no que o
instinto lhe indicava que fizesse. — Escrevi aquela carta há semanas atrás — disfarçou. — Você
nem respondeu.
— Porque a carta se atrasou nos correios, e, quando chegou ao castelo, eu tinha ido embora,
para tentar preencher um vazio que surgira em minha vida... Quando finalmente chegou às
minhas mãos, resolvi responder pessoalmente. Acho que precisava do meu perdão, senhorita.
— Seu perdão! — Ela ainda tentava resistir, abafando a alegria incrível que queria aparecer e
se derramar. — E sobre o meu? Pelo modo como me olhou e falou comigo naquela noite. Sempre
zangado, sempre pronto a acusar, a não ser quando...
— Exceto quando eu não conseguia resistir ao desejo nem por mais um momento. É isso que
está tentando me dizer, mas a timidez não deixa? — Soltou uma exclamação que estava entre o
riso e o desânimo. — Oh, Laurie! Quando é que vai começar a entender o nosso temperamento?
Que quando estamos com raiva, temos que pôr para fora? Não conseguimos esconder nossos
sentimentos, como não escondemos nosso entusiasmo, nem conseguimos ficar frios por muito
tempo. Sim, nós brigamos, às vezes magoamos, mas depois que passa não guardamos raiva. E a
troca de desculpas pode ser muito agradável...
Chegou bem perto dela, segurou-lhe as mãos, fazendo com que ela viesse para perto dele.
— Vamos fazer as pazes para sempre?
Abraçou-a, puxando-a e beijando-a suavemente, docemente, e depois com mais
intensidade, sem esconder seu desejo. Muito tempo depois sussurrou: — Não vou pretender que
às vezes não ficarei zangado, e você também, minha querida, e vamos brigar, mas você vai sempre
saber que é porque você tem o poder de magoar e provocar raiva. — Moveu seus lábios nos dela,
saboreando-os numa carícia sensual que subiu à cabeça de Laurel como se fosse vinho. Mas ela fez
força e se afastou um pouco, contendo seu ardor.
— Mas não vai se casar com Carlota?
— Carlota? Deus me livre! De onde tirou essa ideia? — Franziu as sobrancelhas com
resignação. — Já sei! Vovó andou falando com você. Mas não há acerto algum, não tenha medo. E
você? — falou meio seco. — Vai sair hoje à noite com um homem? Se for isso, vai cancelar. Não
vai mais sair com homem nenhum daqui para a frente. Agora é minha! E não vou deixá-la se
esquecer disso. Está claro?
— Mais ou menos. — Laurel levantou os braços e sucumbiu ao encantamento de enlaçar o
pescoço de Rodrigo e encostar o rosto no dele. — Só há mais uma coisa. ..
— Eu sei... — Seus lábios tocaram-lhe a orelha. — Eu ainda não fiz uma proposta oficial de
casamento. Quer se casar comigo, srta. Laurel Daneway, e ser minha condessa de Valderosa?
— Oh, sim! — suspirou ela baixinho.
— Diga o meu nome, e diga que me ama!
— Amo você tanto, que não posso acreditar que seja verdade. Estou com medo de acordar,
Rodrigo amado!
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Sabrina 76 – A Ilha do Destino – Margery Hilton
— Não é sonho, vou provar. — Apertou-a contra seu corpo, a paixão sobrepujando tudo,
eliminando toda a infelicidade que ela sentira durante as últimas semanas. Laurel se esqueceu de
onde estava, se esqueceu até da pouca roupa que usava, e que mal servia de barreira entre os dois
corpos, até que de repente ele soltou um gemido e se afastou dela.
— Não querida minha, ainda não. — Sua respiração saía com dificuldade, e foi se
normalizando vagarosamente. — Acho que é melhor você vestir alguma coisa, ou não me
responsabilizo por mim.
Ainda assim a segurava, afastada, enquanto Laurel tentava quebrar o êxtase que a mantinha
cativa.
— Lembra-se da primeira vez em que nos encontramos? — perguntou ele rouco.
Ela ficou ruborizada e fez que sim.
— Eu estava zangado demais com a bobagem que você fizera para me sentir atraído por seu
corpo nu, mas agora, na memória... Olhou para ela, a frase inacabada dizendo mais do que
qualquer palavra. Vagarosamente ergueu a cabeça e puxando a lapela do roupão depositou um
beijo suave e terno na curva do seio, depois velou a tentação e afastou-a delicadamente.
— Tentação e tradição não combinam bem — suspirou ele. Agora faça como eu disse.
— Ou então serei punida? — perguntou maliciosamente.
— Ou então será punida.
— Espero que não vá querer que eu fique atrás do balaústre tradicional, batendo minhas
pestanas e abanando meu leque, enquanto você completa sua corte? — indagou ela, fingindo
desânimo.
— Talvez isso seja necessário, a não ser que você se case bem depressa comigo, meu
pequeno monumento de virtude — disse ele, arqueando as sobrancelhas de um modo tão cómico
que ela teve que rir de alegria.
Ele franziu a testa. — Você pode rir... ninguém neste momento, a não ser eu mesmo,
acreditaria que você é um monumento de virtude. Ainda bem que eu não sou totalmente incapaz
de julgar o caráter de uma mulher — acrescentou com total autoconfiança.
Mas quando ela ia se virar, ele segurou-lhe a mão, e a expressão que viu em seu olhar fez
com que o coração até doesse de tanto amor.
— Me dá só mais um beijo, antes que eu me submeta às regras da tradição — disse ele
suavemente.
Por um momento, Laurel encarou-o e seu olhar ficou longínquo. Era esse o toque de veludo,
mas ela não tinha dúvidas do poder quase felino por trás daqueles olhos magnéticos e de seus
traços atraentes. Nenhuma mulher iria domesticar esse homem — e ela tinha a certeza, no fundo
do coração, de que não queria sequer tentar amansar aquele espírito selvagem. Bastava que ele a
amasse.
Com um pequeno grito, correu e foi apanhada por aqueles braços, derretendo-a por dentro,
e sucumbiu à chama de desejo nos olhos negros de Rodrigo, e se entregou ao prelúdio de todo o
êxtase que estava por vir. Quase nem ouviu a campainha tocar, tocar, tocar... Que surpresa para
Yvone!
FIM

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