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I MusPopUni

Marília Stein
Raimundo Rajobac
Luciana Prass
Organizadores

Marcavisual

I ENCONTRO BRASILEIRO DE MÚSICA POPULAR NA UNIVERSIDADE


Universidade Federal do Rio Grande do Sul Marcavisual – Conselho Editorial

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Prof. Carlos Alexandre Netto UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande
do Sul
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em Música
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Chefe do Departamento de Música


Profa. Luciana Prass

Coordenadora do Programa de Pós-


Graduação em Música
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Coordenadora do Programa de Extensão


em Música
Profa. Regina Teixeira

I ENCONTRO BRASILEIRO DE MÚSICA POPULAR NA UNIVERSIDADE


I Encontro Brasileiro de Música Popular na Universidade

O estado da arte do ensino de Música Popular nas


universidades brasileiras

UFRGS – Porto Alegre/RS, 11 a 15 de maio de 2015

ANAIS

I ENCONTRO BRASILEIRO DE MÚSICA POPULAR NA UNIVERSIDADE


Comitê Científico do I MusPopUni Logo MusPopUni
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Bernardo Oliveira (UFRJ)
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Isabel Nogueira (UFRGS)
Ivan Vilela (USP) Secretaria de Comunicação do IA/UFRGS
Laila Rosa (UFBA) José Carlos de Azevedo – coordenador
Luciana Prass (UFRGS) Paula Ebert Harsteln – bolsista
Luciano Zanatta (UFRGS)
Mario de Souza Maia (UFPel) Realização
Pedro de Moura Aragão (UNIRIO) Departamento de Música / Instituto de Artes /
Raimundo Rajobac (UFRGS) UFRGS
Regina Machado (UNICAMP)
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Werner Ewald (UFPel) Projeto Música na Escola do Rio Grande do
Sul
Editor@s do Caderno de Resumos do I
MusPopUni Apoiadores
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Marília Stein PROREXT/UFRGS;
Raimundo Rajobac Programa de Extensão do
DEMUS/IA/UFRGS; PPGMUS/UFRGS;
Diagramação Grupo de Estudos Musicais – GEM/UFRGS.
Marcavisual

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E56p Encontro Brasileiro de Música Popular na Universidade (1. : 2015 : Porto Alegre, RS)

Anais ... / I Encontro Brasileiro de Música Popular na Universidade: o estado da arte do ensino de música popular nas
universidades brasileiras – I MusPopUni ; Organizadores : Marília Stein, Raimundo Rajobac [e] Luciana Prass. – Porto
Alegre: Marcavisual, 2015.

594 p. : il. ; 21x29,7cm

Inclui resumos e referências.

1. Música. 2. Música popular. 3. Música popular – Brasil. 4. Música popular – Universidade. 5. Música popular –
Repertórios – Práticas. 6. Música popular – Gênero – Identidades étnico-musicais. 7. Música popular – Ensino –
Aprendizagem. I. MusPopUni (1. : 2015: Porto Alegre, RS). II. Stein, Marília. III. Rajobac, Raimundo. IV. Prass, Luciana.
V. Título.

CDU 784.4(81):061.3

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CIP-Brasil. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação.

(Jaqueline Trombin– Bibliotecária responsável CRB10/979)

ISBN 978-85-61965-37-2

I ENCONTRO BRASILEIRO DE MÚSICA POPULAR NA UNIVERSIDADE


O uso de vizinhanças de terceira em harmonias de Hélio Delmiro
MANGUEIRA, Bruno (UnB)
bruno@brunomangueira.com

Resumo: O presente estudo se insere no campo da música popular, mais


especificamenteno âmbito da harmonia tonal, aplicada à composição e ao arranjo. São
abordados aqui aspectos da obra do guitarrista e violonista Hélio Delmiro, personagem
de relevância no cenário da música popular brasileira a partir dos anos 1970, não
somente por sua extensa e diversificada atuação, seja junto a importantes artistas ou
como solista, mas também pela qualidade e singularidade dessa sua produção. Mais
objetivamente, busca-se acompreensão de procedimentos de harmonização e
reharmonização por ele utilizados, enquanto compositor e arranjador, os quais possam
ser associados a seu notório reconhecimento como proeminente figura num processo de
modernização da música produzida no país desde então. Através da análise sobre
exemplos extraídos de gravações representativas do músico, e à luz de trabalhos
referenciais no campo de estudo em questão, podem ser observadas características
pertinentes do manejo que Delmiro faz do elemento harmônico em seu processo de
criação. Em determinados contextos, ele explora regiões mais distantes com relação à
tônica, relacionadas a “correspondências de terceira” com acréscimo de sustenidos, tais
como as tétrades maiores: sobre a tônica (IMaj7), em modo menor; sobre o quinto grau
(VMaj7), em modo menor; e sobre o terceiro grau (o acorde de mediante IIIMaj7), em
modo maior. Empregando tais recursos complexos de harmonização, conclui-se que
Hélio Delmiro é um artista de seu tempo, cuja música se insere num ideal de sonoridade
apreciado por artistas da tonalidade e por um determinado público de sua época.

Palavras-chave: Música popular, expansão harmônica, reharmonização.


Abstract: This study relates to the field of popular music, specifically to the application
of tonal harmony to composition and arrangement. It approaches aspects of the work of
Brazilian guitarist Hélio Delmiro, who has been an important figure in Brazilian music
since the 1970s, not only because of his extensive and diverse experience as a soloist
and as a sideman to major artists, but also because of the quality and uniqueness of his
production. This study particularly focuses on his harmonic process as a composer and
arranger, which contributes to his widespread acknowledgement as a prominent figure
in the subsequent modernization of music produced in Brazil. Through the analysis of
representative examples from Delmiro’s recordings and comparison to relevant
referential works, pertinent features of Delmiro management of harmonic elements can
be observed in his creative process. In certain contexts he explores regions more distant
to the tonic, guided by “third relations” in raising chord tone pitches. An example would
be the substitution of a major seventh chord over the tonic (IMaj7) in minor mode, over
the fifth degree (VMaj7) in minor mode, and over the third degree (IIIMaj7) in major
mode. Because of his use of such complex harmonic resources, it is possible to
conclude that Hélio Delmiro is an artist representative of his era, whose music defines a
harmonic ideal enjoyed by artists and audience of his time.
Keywords: Popular Music, Harmonic Expansion, Re-harmonization.

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1. Introdução
Nascido em 1947, o guitarrista e violonista carioca Hélio Delmiro é um
importante personagem no cenário da música popular produzida no Brasil a partir do
final da década de 1970. Embora sua faceta mais conhecida por parte do público seja a
de instrumentista, notadamente através de trabalhos de relevância histórica ao lado de
artistas como Elis Regina, Milton Nascimento, Tom Jobim e Clara Nunes, não menos
interessante é sua produção enquanto arranjador, compositor e também como artista
principal. Com o avanço do processo de consolidação dos estudos acadêmicos no
campo da música popular no país, a obra de Delmiro tem sido objeto de pesquisa em
trabalhos (Mangueira, 2002 e 2006; Gomes, 2012) que abordam diferentes aspectos de
seu estilo. Pretende-se colocar aqui comentários a respeito de um desses aspectos, de
natureza harmônica, e recorrente em certos contextos no processo criativo do músico,
tanto na composição quanto no arranjo, que é o uso de vizinhanças de terceira.
Em seu estudo sobre “planos tonais” na música popular, Freitas (2010)
aborda a questão das “vizinhanças expandidas” (Freitas, 2010, p. 12), que se
diferenciam das relações clássicas estabelecidas através de tons vizinhos diretos —
acordes relativo, dominante e subdominante — e indiretos — relativos da dominante e
da subdominante — (cf. Cosme, 1957, p. 122 apud Freitas, 2010, p. 7), sendo um dos
aspectos observáveis no “cenário da música popular ‘tortuosa’” (Freitas, 2010, p. xi).

... as desnaturalizadas “vizinhanças de terceira que envolvem


transformações cromáticas” (Kopp, 2002, p. 3) nos fizeram ouvir e
pensar as progressões do tipo maior-maior (...), na música da Europa
oitocentista e também em alguns domínios contemporâneos das
músicas populares, como combinações harmônicas inovadoras,
diferenciadas, expressivas, intensas e surpreendentes (cf. Oliveira,
2010, p. 146-147 e 254-255). (Freitas, 2010, p. 219)

A partir de conceitos apresentados por La Motte (1993, p. 155 apud Freitas,


2010, p. 219) e Corrêa (2006, p. 104 apud Freitas, 2010, p. 219), Freitas (2010, p. 220)
sugere uma classificação das correspondências de terceira em quatro “instâncias
gerais”, apresentadas aqui de maneira resumida: 1a) diatônicas — acordes ou regiões do
relativo e anti-relativo, tanto em tonalidade maior como em menor; 2a) cromáticas,
entre acordes ou regiões maiores, com acréscimo de bemóis — “empréstimo modal”
bIII: e bVI:; 3a) cromáticas, entre acordes ou regiões maiores, com acréscimo de
sustenidos — mediante (III:) e submediante (VI:); 4a) acentuadamente cromáticas, com

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modalidade oposta — como Ebm: ou Abm:, em C:, e também E: ou A:, em Cm:).

FIG.1 — Ampliação das funções principais pelo caminho das mediantes,


conforme Corrêa (2006, p. 14 apud Freitas, 2010, p. 220)

O autor observa ainda que os “efeitos de mistura” (Freitas, 2010, p. 28)


proporcionados pela expansão para essas áreas tonais, em geral diferem, da seguinte
maneira:
seja no tom maior ou no menor, o caminho em direção ao acréscimo
de bemóis é uma polarização capaz de “escurecer” ou introduzir
“cores frias” na tonalidade principal. Em contrapartida, o acréscimo
de sustenidos é uma polarização capaz de introduzir “mais brilho” ou
uma “coloração mais quente” (Bas, 1957, p. 327). (Freitas, 2010, p.
29)

Assim, trata-se aqui do uso de acordes e regiões inseridos no âmbito daquela


terceira instância, e, portanto, com características associadas a “brilho” e “coloração
quente”.

2. Uso, em tonalidade menor, do homônimo maior da tônica— IMaj7


O CD “Vivanoel: tributo a Noel Rosa” vol. 2 (Velas, 1997), de Ivan Lins, traz
um arranjo de Hélio Delmiro para “Último desejo”, de Noel Rosa (1910–1937), no
qual, além da ambiência jazzística e formação intimista utilizada — voz, violão,
contrabaixo acústico e caixa de fósforos —, certos acordes contribuem para a criação de
uma “atmosfera mágica” (Máximo, 1997). Neste samba-canção em duas partes, sendo a
primeira em Sol menor e a segunda em Sol maior, a reharmonização de Hélio enfatiza o
contraste entre as tonalidades homônimas, através do uso de acordes de empréstimo
modal, substituindo inclusive a própria tônica, em ambas as seções.

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A FIG. 2, correspondente aos compassos iniciais da seção [A], traz uma
comparação com a versão de Aracy de Almeida (considerada a principal intérprete de
Noel) e Boêmios da Cidade, gravada em 1937 e lançada no ano seguinte pela Victor.
Para efeito comparativo, ambas as harmonias aqui estão no tom de Ivan Lins (Sol
menor); a melodia está como interpretada por Ivan. Guardadas sutis diferenças na maior
parte do trecho, destaca-se na versão Lins/Delmiro o acorde GMaj7/B (IMaj7), no
compasso 7. Após preparação para retorno à tônica menor (Gm), o movimento
descendente dos baixos (D7, D/C) é utilizado para aproximar uma progressão onde as
fundamentais dos acordes caminham através do ciclo de quartas ascendentes (ou
quintas descendentes), tal como ocorreria num clichê harmônico do tipo III-VI-II-V-I.
Sobre essa enriquecedora substituição do acorde menor de I grau por seu
homônimo maior, cabe notar que, além da “afinidade das tonalidades homônimas”,
baseada na “igualdade das fundamentais e dos idênticos acordes de dominante”
(Schoenberg, 2001, p. 303-304), alguns autores fazem referência a outra relação, menos
direta. Ela estaria baseada na premissa de que a possibilidade de expansão tonal para
maior, através da terça de picardia, seria exclusividade do modo maior, visto os
vizinhos de terça da tônica menor já serem acordes diatonicamente maiores — bIII e
bVI (cf. Freitas, 2010, p. 221). Desse ponto de vista, que não é unânime, o uso do IMaj7
em tonalidade menor dar-se-ia então por meio do falseamento de um “ambiente maior”,
via a relação com a região da relativa maior (Bb: em Gm:), e a partir daí, o surgimento
de sua respectiva região de submediante (G: em Bb: e, portanto, G: em Gm:) (cf.
Freitas, 2010, p. 222).

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FIG.2 — Comparação harmônica, nos compassos 1 a 9 da parte [A] de “Último desejo” (Noel Rosa),
entre as versões de Aracy de Almeida e Boêmios da Cidade (1938) e Ivan Lins (1997),
com arranjo de Hélio Delmiro; na segunda versão, uso de vizinhança expandida

3. Uso do VMaj7 em tonalidade menor


Continuando no arranjo de Hélio Delmiro para “Último desejo”, outro acorde
chama a atenção na primeira seção (em Sol menor): DMaj7/A (compasso 11). Para
abordá-lo, é empregado um clichê harmônico associado ao modo menor, no qual “a
utilização do baixo na sétima menor do acorde menor (IV grau)” tem por finalidade
“aproximar harmonicamente o IIm7(b5)” (Buettner, 2004, p. 45). No presente caso,
seria então uma preparação relacionada à tonalidade de Ré menor.

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FIG. 3 — Clichê harmônico em Dm: e sua aplicação em Gm:

Segundo Buettner (2004, p. 39), os “clich s do modo menor” funcionariam


como modelos aplicáveis não só ao I grau, mas também aos demais locais (acordes) de
chegada da tonalidade, mostrando-se “funcionais para outras relações harmônicas,
inclusive para o modo maior”. Assim, numa progressão como aquela, a resolução
poderia se dar tanto em Dm7 (Vm7) quanto em DMaj7 (VMaj7), como acontece no
arranjo de Delmiro para “Último desejo” (FIG. 4).
Considerando-se a relação com o modo homônimo maior, o tom da dominante —
no caso, D: em G: — seria um vizinho direto (cf. Cosme, 1957, p. 122 apud Freitas,
2010, p. 7) “emprestado”. No modo maior, o V grau é também uma das três “destinações
usuais”54 (Freitas, 2010, p. 389) em modulações (embora não se trate aqui de
modulação, mas de uma passagem por outra região, uma expansão da tonalidade
original).
Por outro lado, assim como no exemplo anterior, de acordo com aquele ponto de
vista segundo o qual não haveria possibilidade de expansão tonal por picardia no modo
menor, estaria aqui também envolvido um outro tipo de relação, possibilitando a
presença desse DMaj7 na tonalidade de Sol menor. Trata-se do mencionado recurso de
forjar um ambiente maior através da relação com a região da relativa maior (Bb: em
Gm:), mas, neste caso, vinculando-se em seguida a respectiva região de mediante (D:
em Bb: e, portanto, D: em Gm:) (cf. Freitas, 2010, p. 222).

54
As outras duas seriam o relativo e o anti-relativo menores.

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FIG. 4 — Comparação harmônica, nos compassos 9 a 11 da parte [A] de “Último desejo” (Noel Rosa),
entre as versões de Aracy de Almeida e Boêmios da Cidade (1938) e Ivan Lins (1997),
com arranjo de Hélio Delmiro; na segunda versão, uso de vizinhança expandida

Essa passagem pelo VMaj7 voltará a ocorrer adiante no arranjo de Hélio, porém
de forma menos contrastante, na seção [B], onde a tonalidade é Sol maior, resultando
num menor acréscimo de sustenidos (D: em G: acrescenta um sustenido, enquanto D:
em Gm: corresponde ao efeito de três).

4. Uso, em tonalidade maior, do acorde de mediante — IIIMaj7


Em seu CD “Compassos” (Deckdisc, 2004), Hélio Delmiro gravou (pela
primeira vez como cantor) “Ilusão à toa”, cujo primeiro registro fora do próprio
compositor Johnny Alf (1929–2010), em seu álbum de estreia, o antológico “Rapaz de
Bem” (RCA Victor, 1961). A versão de Delmiro explora um pouco mais uma área
tonal já presente na composição de Johnny, a região da mediante. Originalmente, o
acorde maior sobre o III grau aparece como uma surpresa ao final da repetição do
primeiro tema — no penúltimo compasso de [A’], conforme a FIG. 5. Hélio, porém,
antecipa esse efeito para a primeira exposição, substituindo o IIIm7 do compasso 7 de
[A] por um IIIMaj7 (DMaj7). Observe-se que a nota melódica é a mesma, tanto nos
compassos 3 de [A] e [A’] quanto em 7 de [A’] (onde originalmente ocorre o IIIMaj7),
qual seja, lá natural.
Além da referida reharmonização sobre o III grau, a versão de Hélio Delmiro
traz também, no terceiro compasso de [A] e também de [A’], uma tétrade maior com
quinta aumentada sobre a tônica [IMaj7(#5)]. A sonoridade desse BbMaj7(#5) é similar

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à do acorde maior sobre a mediante (DMaj7), devido ao fato de ele conter a tríade
maior sobre o III grau, sendo mesmo usual sua cifragem como “D/Bb”.
Pode ser observado ainda, na preparação do acorde de III grau em “Ilusão à
toa” — compassos 5 e 6, tanto de [A] como de [A’] —, algo bastante semelhante ao
“clichê do modo menor” (Buettner, 2004, p. 45) apresentado na FIG. 3. Ocorre aqui uma
mudança para uma quinta justa acima do VIm7, que originalmente conduz ao IIIm9, em
[A], e ao IIIMaj7, em [A’].
A FIG. 5 compara as harmonias para “Ilusão à toa” nas versões de Johnny Alf e
Hélio Delmiro, e ilustra o uso de vizinhança expandida nesta última. O tom da gravação
de Johnny é Ré-bemol maior, porém aqui, para efeito de comparação, ambas as
harmonias estão no tom de Delmiro, Si-bemol maior.

I ENCONTRO BRASILEIRO DE MÚSICA POPULAR NA UNIVERSIDADE 135


FIG. 5 — Comparação harmônica entre as versões de Johnny Alf (1961) e Hélio Delmiro (2004) para
“Ilusão à toa” (Johnny Alf); na segunda versão, uso de vizinhança expandida

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Essa passagem pelo acorde de mediante também pode ser observada nas
composições de Hélio Delmiro “Alabastro” e “Dois por quatro”. A FIG. 655 ilustra
tal ocorrência nesta segunda música, em Ré maior. Aqui o clichê harmônico é
novamente utilizado, iniciando-se no 7o compasso de [B], com o acorde Bm7, que,
além de sua função tônica enquanto VIm7, assume ainda a de subdominante menor
do terceiro grau, para o qual se progride, mas que acaba por configura-se como
IIIMaj7 (F#Maj7).
Em “Dois por quatro” há também uma passagem pelo VMaj7 (AMaj7), no
compasso 5. Na FIG. 6, paralelamente à análise no tom principal, podem-se observar:
1) a relação de mediante estabelecida com a área tonal F:, relativa do homônimo
menor da tônica (Dm:); e 2) a relação de submediante na progressão a partir de
AMaj7, com a resolução em F#Maj7 (VIMaj7, em A:).

FIG. 6 — Vizinhanças expandidas em “Dois por quatro” (Hélio Delmiro)

55
Melodia conforme partitura fornecida pelo compositor, que difere um pouco da execução de Clare
Fischer no CD “Symbiosis” (Clare Fischer Productions, 1999), gravado em duo com Hélio Delmiro.

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5. Considerações finais
Observando-se o manejo que Hélio Delmiro faz de intrincados recursos de
harmonização, seja no arranjo sobre o repertório de gerações anteriores, seja na
composição de obras atuais, percebe-se que alguns aspectos objetivos de sua arte se
inserem num processo de modernização da música popular no Brasil. Pode-se concluir
que Hélio é um artista de seu tempo, cuja obra se insere num ideal de sonoridade
apreciado por outros músicos da tonalidade, e também por um determinado público de
sua época.

Referências

BUETTNER, Arno Roberto von. Expansão harmônica: uma questão de timbre. São
Paulo: Irmãos Vitale, 2004.
CORRÊA, Antenor Ferreira. Estruturações harmônicas pós-tonais. São Paulo: Ed.
UNESP, 2006 apud FREITAS, S. P. R. de. Que acorde ponho aqui? Harmonia, práticas
teóricas e o estudo de planos tonais em música popular. Universidade Estadual de
Campinas, 2010. (Dissertação de Mestrado). p. 219.
COSME, Luiz. Dicionário musical. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1957
apud FREITAS, S. P. R. de. Que acorde ponho aqui? Harmonia, práticas teóricas e o
estudo de planos tonais em música popular. Universidade Estadual de Campinas, 2010.
(Dissertação de Mestrado).
FREITAS, S. P. R. de. Que acorde ponho aqui? Harmonia, práticas teóricas e o estudo
de planos tonais em música popular. Universidade Estadual de Campinas, 2010.
(Dissertação de Mestrado). Disponível em:
<http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000784261&fd=y>. Acesso
em: 31 jan. 2014.
GOMES, Vinícius José Spedaletti. Hélio Delmiro: composições para violão solo.
Universidade de São Paulo, 2012. (Dissertação de Mestrado).
KOPP, David. Chromatic transformations in nineteenth-century music. Cambridge:
Cambridge University Press, 2002 apud FREITAS, S. P. R. de. Que acorde ponho aqui?
Harmonia, práticas teóricas e o estudo de planos tonais em música popular.
Universidade Estadual de Campinas, 2010. (Dissertação de Mestrado). p. 219.
LA MOTTE, Diether de. Armonía. Barcelona: Editorial Labor, 1993 apud FREITAS, S.
P. R. de. Que acorde ponho aqui? Harmonia, práticas teóricas e o estudo de planos
tonais em música popular. Universidade Estadual de Campinas, 2010. (Dissertação de
Mestrado). p. 219.
MANGUEIRA, Bruno. Concepções estilísticas de Hélio Delmiro: violão e guitarra na
música instrumental brasileira. Universidade Estadual de Campinas, 2006. (Dissertação
de Mestrado). Disponível em:
<http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000382616>. Acesso
em: 16 mar. 2009.

I ENCONTRO BRASILEIRO DE MÚSICA POPULAR NA UNIVERSIDADE 138


MANGUEIRA, Bruno. O estilo de improvisação de Hélio Delmiro. Universidade
Estadual de Campinas, 2002. (Relatório Final de Atividades pela Bolsa de Iniciação
Científica da Fapesp).
MÁXIMO, João. Nota no encarte. In: LINS, Ivan. Vivanoel: tributo a Noel Rosa, v. 2.
Rio de Janeiro: Velas, 1997. CD.
OLIVEIRA, Luis Felipe. A emergência do significado em música. Instituto de Artes,
Unicamp, 2010. (Tese de Doutorado) apud FREITAS, S. P. R. de. Que acorde ponho
aqui? Harmonia, práticas teóricas e o estudo de planos tonais em música popular.
Universidade Estadual de Campinas, 2010. (Dissertação de Mestrado). p. 219.
SCHOENBERG, Arnold. Harmonia. Tradução Marden Maluf. São Paulo: Editora
Unesp, 2001.

I ENCONTRO BRASILEIRO DE MÚSICA POPULAR NA UNIVERSIDADE 139

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