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Organizadores/Organizers:

Demétrio de Azeredo Soster


Mateus Yuri Passos

Narrativas de Viagem
Travel Narratives

Santa Cruz do Sul


2019
Editora Catarse Ltda
Rua Oswaldo Aranha, 444
Bairro Santo Inácio
Santa Cruz do Sul/RS
CEP 96820-150
www.editoracatarse.com.br
facebook.com/editoracatarse

Bibliotecária responsável: Fabiana Lorenzon Prates - CRB 10/1406


Capa, projeto gráfico e diagramação: Mirian Flesch de Oliveira
Revisão: Nexus Acadêmico
Edição: Demétrio de Azeredo Soster
Copyright© dos autores

N234 Narrativas de viagem [recurso eletrônico] = Travel narratives / Organizadores:


Demétrio de Azeredo Soster, Mateus Yuri Passos – Santa Cruz do Sul: Catarse,
2019.
556 p.

Texto eletrônico.
Modo de acesso: World Wide Web.
Texto em português, inglês e espanhol

1. Narrativa (Retórica). 2. Viagens. I. Soster, Demétrio de Azeredo. II. Passos,


Mateus Yuri.

ISBN: 978-85-69563-37-2 CDD: 808


CONSELHO EDITORIAL

Ada Cristina Machado Silveira – UFSM


Antonio Fausto Neto – Unisinos
Ernesto Söhnle Jr. – Unisc
Eugenia Barichello – UFSM
Eunice Piazza Gai – Unisc
Fabiana Piccinin – Unisc
Fernando Resende – UFF
Gastón Cingolani – Universidad Nacional
de las Artes – UNA (Argentina)
Jairo Jetúlio Ferreira – Unisinos
Jesús Gallindo Cáceres – Benemérita
Universidad Autónoma de Puebla (México)
João Canavilhas – Universidade
de Beira Interior (Portugal)
Jorge Pedro de Souza – Universidade
Fernando Pessoa (Portugal)
Mario Carlón – Universidade de Buenos
Aires – UBA (Argentina)
Marcos Fábio Belo Matos – UFMA.
Natalia Raimondo Anselmino – Universidade
Nacional de Rosario – UNR (Argentina)
Pedro Giberto Gomes – Unisinos.
Raquel Recuero – UFPel.
Walter Teixeira Lima – Umesp
8
5 APRESENTAÇÃO - A narrativa e suas viagens
INTRODUCTION - The narrative and its travels 10
Demétrio de Azeredo Soster
Mateus Yuri Passos

PREFÁCIO - Narrativas de viagem: relatos de humanos em trânsito e 12


de trânsitos humanos
FOREWORD - Travel narratives: reports of humans in transit and human transits 15
Monica Martinez

1 Fragmentos especulares e autopoiéticos de narrativas de viagem 18


Fragmentos especulares Y autopoiéticos de narrativas de viaje. 31
Maria Luiza Cardinale Baptista

2 Estradas perdidas: relatos de viagens e identidades distópicas 44


Missing roads: travel accounts and dystopian identities 58
Nayara Helou Chubaci Güércio
Victor Lemes Cruzeiro

3 Narrativa de viagem: da ficção ao livro reportagem na obra de 71


Airton Ortiz
Narrative of travel: from fiction to literary reportage in the Airton Ortiz’s work 85
Eduardo Ritter

4 Crônica de viagem: tradição e contemporaneidade no contexto brasileiro 98


Crónica de Viaje: tradición y contemporaneidad en el contexto brasileño
111
Júlia Fonseca de Castro

5 Passeio à minha Terra: a primeira narrativa de viagem escrita por 124


um paranaense.
Passeio à minha Terra: The first travel narrative written by a paranaense 136
Denise Azevedo Duarte Guimarães

6 Euclides da Cunha e Mário de Andrade: dois modos de viajar e 148


narrar a Amazônia
Euclides da Cunha and Mário de Andrade: two ways of travelling and 160
Sumário

narrating the Amazon


Paulo Nunes
Vânia Torres Costa
6 7 O cicloturismo e a transformação por meio das narrativas de bicicleta 173
Bicycle Tourism and the transformation rough the mediatization and the 187
narratives of cycling
Demétrio de Azeredo Soster

8 Marcha do sal: por uma visualidade histórica 201


Salt march: for a historical visuality 219
Diogo Azoubel

9 Denúncia e alteridade: os quadrinhos de viagem de Guy Delisle 237


Denunciation and otherness: Guy Delisle’s travel comics 255
Mateus Yuri Passos

10 Quando uma página fala de uma cidade: análise do layout em 272


obras de Joe Sacco
When a page talks about a city: layout analysis in Joe Sacco’s Works 288
Ricardo Jorge de Lucena Lucas

11 O “eu-viajante” a serviço das marcas: o caso da KLM 304


The “I-traveler” in the service of brands: the case of KLM 320
Daniel Nunes Gonçalves

12 Jornalismo de viagem e a produção de conteúdo em movimento 336


Travel Journalism and the production of content in movement 347
Isadora Silva Ferreira
Camila Maciel Campolina Alves Mantovani

13 Os desbravadores dos relatos de viagens: o ato de viajar ao longo 358


da história
372
Pathfinder to travel bloggers: act oh history along the travel
Samanta Fernandes

14 Jornalismo de viagem: técnicas jornalísticas empregadas em 385


editorias de turismo
Sumário

Travel Journalism: journalistic techniques employed in tourism editorials 397


Marcela Cartolano
Marco Bonito
7 15 Narrativa de viagem como construção e gerenciamento do self 408
Travel narrative as construction and management of the self 420
Lian Tai

16 Como escrever uma narrativa de não ficção de viagem? 432


How to write a nonfictional travel narrative 444
Olívia Scarpari Bressan

17 Nos limites da experiência turística: planejamento e narrativas 457


de viagens
At the limits of tourist experience: travel planning and narratives 471
Caroline Brito

18 Narrativas de viagem: o imaginário do Jalapão a partir das 484


imagens do aplicativo Instagram das empresas de turismo.
Travel narratives: Jalapão’s imaginary based on Instagram images of 499
tourism operators
Silvia Helena Belmino
Verônica Dantas Meneses

19 O Instagram como influenciador turístico: as mulheres e o uso 514


da rede social na hora de viajar
Instagram as a tourist influencer: how women are using the social network 524
when traveling
Alice Leroy Carvalhais
Camila Maciel Campolina Alves Mantovani

20 Entre imaginários, rios e florestas de um campus flutuante 533


Among imagery, rivers and forests of a floating campus 544
Alda Cristina Silva da Costa
Ivana Claudia Guimarães Oliveira
Denise Cristina Salomão Corrêa
Sumário
8 A NARRATIVA E SUAS VIAGENS

A narrativa; nela, a memória, desconfiamos desde há algum tempo, reorganiza


a noção do vivido com tal intensidade e vontade que, não raro, levamos mais em
conta o dito que o acontecido, tornado o primeiro, mais que interpretação, a razão de
ser do segundo – afinal importa mais para nós a organização estética da experiência,
que transforma os acontecimentos "crus" em eventos de enorme significação
formativa e afetiva. E assim, um olho em Paul Ricoeur, outro em Santo Agostinho,
seguimos humanizando tudo, desde nossas lembranças até o porvir, deixando bem
pouco espaço para o mundo em essência, para o que acontece entre um momento e
outro de nossas vidas.
Não se trata de emprestar valor moral às nossas escolhas, ainda que as tenham
– afinal, são elas que nos definem –, mas de observar que elas, como narrativas que
são, e em sua vontade totalizante, acabam tornando o mundo em si uma espécie de
não-lugar, em uma ressemantização do conceito seminal de Marc Augé. Ou seja, um
lugar de pouca, ou nenhuma personalidade; lugar-rodoviária, saguão de hotel, onde
todos passam e ninguém fica; onde as coisas acontecem por acaso, nada se distingue
e pouco se percebe: um lugar que só existe quando reconfigurado por nosso narrar.
Então é preciso tratar do detalhe, do que há no espaço em branco existente entre uma
palavra e outra; do que usualmente não é notado, mesmo que, com isso, corramos o
risco de nos tornarmos uma espécie de Joe Gould e nos afogarmos em excessos de
hipergrafia, haja vista a dimensão da tarefa.
O fato é que este livro que agora chega a suas mãos, cuja pretensão não é
pouca – servir como um marco teórico-conceitual das pesquisas em torno do tema
“narrativas de viagem”, bem como sistematizar o estado da arte das pesquisas sobre
o tema no Brasil –, nasceu faz tempo, ainda que nem sempre tenha se pensado
na forma de livro. Ele havia entrado em trabalho de parto, com o perdão da má
comparação, por um lado, quando pesquisadores de jornalismo começaram a inserir,
no horizonte de suas inquietações, a narrativa, e, mais tarde, as narrativas de viagem,
como objeto de pesquisa e ferramenta de compreensão da atividade jornalística em
si. Este movimento tem a ver, e eis o prosseguimento do nascimento, com os esforços
de pesquisa, no âmbito da Associação Brasileira de Pesquisadores de Jornalismo
(SBPJor), bem como sua sistematização e a decorrente criação, mais tarde, da Rede
de Pesquisa em Narrativas Midiáticas Contemporâneas (Renami), na qual os estudos
de narrativa de consolidam e ganham corpo.
Se quisermos avançar ainda mais em direção ao alvorecer deste nosso objeto –
as narrativas de viagem, e o decorrente fortalecimento de sua personalidade desde o
Apresentação

seus primeiros passos, mesmo já tendo alcançado o rés-do-chão, poderíamos talvez


lembrar do encontro da SBPJor de 2018, em São Paulo, quando seus organizadores
– estes que vos escrevem, após produtivo convívio, com o perdão do adjetivo,
observaram que talvez fosse chegada a hora de pensar mais e melhor sobre o tema.
Por quê? Basicamente porque ele estava se mostrando, desde há muito, presente
9 nas mais diferentes esferas de discussão acadêmica (artigos, eventos etc.) e que,
portanto, imaginamos que talvez fosse interessante um projeto dessa envergadura
para pavimentar o caminho para nós e os pesquisadores que virão.
Foi o que fizemos.
Neste livro, caro pesquisador, cara pesquisadora, você encontrará, de forma
bilíngue – ora em inglês, ora em espanhol – e disposta ao longo de 20 capítulos, mais
que uma tentativa de interpretação do que entendemos por narrativas de viagem, e
sua aplicação, uma espécie de mapa que nos permite delimitar, conceitualmente, o
estado da arte das discussões em torno do assunto. Como todo mapa, e considerando
o que dissemos no início desta apresentação, deve ser lido antes como indicativo de
um caminho passível de ser seguido do que como a tradução de um todo, deixando,
desta forma, espaço para novas descobertas, para novos rumos a serem seguidos.
Do mesmo modo como as próprias maneiras de viajar e estabelecer algum
tipo de vínculo com os lugares e povos têm se transformado e ressignificado entre
diferentes culturas e diferentes épocas, também os modos articular e organizar
esteticamente essas experiências em forma narrativa mudam, conforme veremos
neste livro. No entanto, permanece a constante do contato, da alteridade, da
descoberta do outro, da transformação do não-lugar, do espaço de passagem, em
uma ambiência prenhe de significados.
Boa leitura a todos.

Demétrio de Azeredo Soster e Mateus Yuri Passos,


em algum lugar entre Santa Cruz do Sul e São
Bernardo do Campo – inverno de 2019
Apresentação
10 NARRATIVE AND ITS TRAVELS

As we have been suspecting for quite a while, memory organizes through


narrative the notion of events experienced with such intensity and will that we not
rarely have a better acknowledgement of what was told about a fact rather than the
fact by itself, thus making the former, way more than interpretation, the raison d’être
of the latter – after all, the aesthetical organization of experience matters the most for
us, since it turns “raw” facts into events of huge formative and passionate meaning.
So, keeping an eye on Paul Ricoeur and the other on Saint Augustine, we keep on
humanizing everything, from our memories to things that are still to come, leaving
very few space for the world in its essence, for what happens between one moment
and the next in our lives.
This does not imply imbuing our choices with moral values, even if they are
imbued with some – after all, they define us – but rather noting that they, regarded
as narratives, in their all-encompassing will, end up turning the world itself in some
kind of nonplace, in a resignfication of Marc Augés’s seminal concept. In other words,
it becomes a place of little or no personality at all: a bus station, a lobby in a hotel, a
place where every person walks by and no one stays; where things happen by chance,
nothing seems noteworthy; a place that exists only when reconfigured bu narrative. It
is then neccessary to deal with detail, with what lies in the blank space between two
words, with what usually passes unnoticed, even if by doing this we are at the risk
of becoming some kind of Joe Gould and drown in hipergraphy excesses, due to the
broad scope of such a task.
The fact is that this book that now reaches your hands, which pretention is
not modest – to be a theoretical-conceptual mark in the researches on the optic of
“travel narratives”, as well as a systematization of the state-of-the-art of research on
the topic in Brazil –was born a long time, while it was not always idealized in book
form. It started its birth labor, and we beg forgiveness for the bad comparison, when
journalism researchers started to become interested and intrigued by narrative, and
later by travel narratives, as an object of research and as a tool for understanding
journalism itself. This movement – and here are the next steps in this birth story – is
related to the research efforts of the Brazilian Association of Journalism Research
(SBPJor), as well as the later systematization and creation of the Contemporary
Media Narratives Research Network (Renami), in which narrative studies mature and
consolidate.
If we want to go ever further towards the dawn of this subject of ours – travel
narratives and the subsequent strenghtening of its personality since its first steps,
even after reaching the ground, we could maybe recall the 2018 SBPJor Conference in
Introduction

São Paulo, when the editors of this book, after spending some time discussing together,
thought that maybe it was time to reflect better and deeper on the subject. But why?
This was basically because travel narrative had been long present in the most diverse
spheres of academia (scholarly papers, conferences etc) and thus it would be maybe
11 interesting and also neccessary to promote a project in this scope in order to pave the
way for ourselves and other researchers to come.
And that is what we just did.
In this book, dear fellow researcher, you will find 16 dual-language chapters
which constitute more than attempts of interpreting what we understand for travel
narratives and their applications, like a map which allows us to conceptually delimitate
the state of the art of discussions on the subject. Like every map, and considering what
we have said beforehand on this introduction, this book should be better read as an
indication, a suggestion of paths to follow instead of an all-encompassing translation
of the field, since there are many spaces open for nee discoveries, new roads to travel.
In the same manner as the own ways of travelling and establishing some kind of
bond wich places and peoples have been transformed ans resignified among different
cultures and different times, the ways for aesthetically articulating and organizing
such experiences in nrrative form, as we shall see in this book, have also changed.
However, the constant of contact, of otherness, of the discovery of the other, of the
transformation of the nonplace in an ambience full of meaning, remains.
We wish you all a nice reading!

Demétrio de Azeredo Soster and Mateus Yuri Passos,


from somewhere between Santa Cruz do Sul and
São Bernardo do Campo – Winter 2019
Introduction
12 NARRATIVAS DE VIAGEM:
RELATOS DE HUMANOS EM TRÂNSITO
E DE TRÂNSITOS HUMANOS
Monica Martinez1

Escritores, missionários, exploradores, cientistas, peregrinos e imigrantes


sempre fizeram, de uma forma ou outra, seus relatos de viagem (MARTINEZ, 2016,
p. 67). Mais recentemente, turistas o fazem por meio de suas selfies e stories postadas
em tempo real nas redes sociais como Instagram e Facebook.
O fato é que estas narrativas tornaram-se bastante populares desde o
Renascimento, após a invenção da imprensa. Como lembra o ensaísta e crítico
literário judeu alemão Walter Benjamin (1892-1940), “Quem viaja tem muito que
contar” (BENJAMIN, 2012, p. 198). Sim, como ele mesmo diz, escutamos com prazer
o ser humano que “ganhou honestamente sua vida sem sair do seu país e que
conhece suas histórias e tradições” (BENJAMIN, 2012, p. 198-199).
Por um gosto pessoal, eu pensava que talvez a imaginação tivesse sido desde sempre
mais estimulada pelos relatos trazidos pelos marinheiros e comerciantes, que voltavam
cheios de histórias de monstros que povoavam os abissais quatro cantos do mundo, de
baús estufados de mercadoria das rotas de seda chinesa ou especiarias indianas e, muito
tempo depois, de visões de que nosso planeta visto de fora era lindamente azul.
Afinal, quem resiste a seguir lendo o capítulo que começa com “Aos dezessete
dias do mês de junho de 1527 partiu do porto de San Lúcar de Barrameda o governador
Pánfilo de Narváez, com poder e mandato de Vossa Majestade para conquistar e
governar as províncias que estão situadas em terra firme e que se estendem desde o rio
Las Palmas até o cabo da Flórida. A armada que conduzia...”(VACA, 1999). Ainda mais se
o livro for intitulado Náufrágios & Comentários, a vontade de seguir a saga da Espanha
à Flórida pode ser irrefreável. Como Gabriel Gárcia Márquez em seu Crônica de uma
morte anunciada, já sabemos que a esquadra vai a pique. Pero quando, como?
Mais recentemente, tive de rever esta premissa. Na correria do cotidiano deste ano
de 2019, o texto que mais me “fez viajar” foi um conto francês escrito por Anna Gavalda: 2
1 Docente do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura da Universidade de Sorocaba. É presidente
da Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor), onde cocoordena a Rede de Narrativas
Midiáticas (Renami). É professora visitante da Université Sorbonne. monica.martinez@prof.uniso.br.
2 Je mastigue et déglutis à son rythme. Elle ne me parle pas beaucoup mais j´ai ´habitude, elle ne me parle jamais
beaucoup quand je l´emmène déjeuner: elle est bien trop occupée à regarder les tables voisines. Les gens la fas-
cinent, c´est comme ça. Même cet énergumène qui s´essuie la bouche et se mouche dans la même serviette juste
à côté a plus d´atrait que moi. Comme elle les observe, j´en profite pour la dévisager tranquillement. Qu´est-ce
que j´aime le plus chez elle ? En numéro un, je metrais ses soucils. Elle a de très jolis sourcils. Très bien dessinés.
Le bon Dieu devait être inspiré ce jour-là. En numéro deux, ses lobes d´oreilles. Parfaits. Ses oreilles ne sont pas
Prefácio

percées. J´espère qu´elle n´aura jamais cette idée sangrenue. Je l´en empêcherai. En numéro trois, quelque chose
de très délicat à décrire... En numéro trois, j´aime son nez ou, plus exactement, les ailes de son nez. Ces deux
petites courbes de chaque côté, delicates et frémissantes. Roses. Douces. Adorables. En numéro quatre... Mais dèjá
le charme est rompu : elle a senti que je la regardais et minaude en pinçant sa paille. Je me détourne. Je cherche
mon paquet de tabac en tâtant toutes me poches.
13 Mastigo e engulo em seu ritmo. Ela não fala muito comigo, mas eu geralmente
não falo muito com ela quando almoçamos: ela está ocupada demais olhando
para as mesas próximas. As pessoas a fascinam, é assim que é. Mesmo essa
energúmena que limpa a boca e assoa o nariz no mesmo guardanapo ao meu
lado lhe é mais interessante do que eu. Enquanto ela a observa, aproveito a
oportunidade para olhá-la com tranquilidade. O que eu mais gosto nela? Em
primeiro lugar, eu colocaria suas sobrancelhas. Ela tem sobrancelhas muito
bonitas. Muito bem desenhadas. O bom Deus devia estar inspirado naquele
dia. Em segundo lugar, seus lóbulos da orelha. Perfeitos. Suas orelhas não são
furadas. Espero que ela nunca tenha essa ideia sangrenta. Eu vou impedi-la.
Em terceiro lugar, algo muito delicado para descrever... No número três, gosto
do nariz dela ou, mais exatamente, das asas do nariz. Essas duas pequenas
curvas de cada lado, delicadas e trêmulas. Rosas. Doces. Adoráveis. Em quarto
lugar... Mas o encanto se quebra: ela sentiu que eu a olhava e sorri afetadamente
segurando seu canudo. Eu me afasto. Procuro meu pacote de tabaco tateando os
meus bolsos (GAVALDA, 2000, tradução nossa).

Trata-se de um gênero literário conhecido como nouvelle à chute, que tem como
mote surpreender o leitor, uma vez que no início a leitura dá a impressão de ser algo
que no final se revela não ser. Este conto, que parece ser o de um homem apaixonado
por uma jovem mulher que o despreza, revela-se o relato de viagem de um pai pelas
atitudes e comportamentos de sua querida filha pequena, que como toda criança não
dá bola aos pais enquanto mergulha no mundo vasto que a cerca.
Nesse sentido, podemos dizer que a noção de narrativa de viagem pode ser mais
ampla do que imaginamos. Ela acontece para fora, sim. Aliás, desde os relatos das
pinturas rupestres, como mostram as rock art da brasileiríssima Serra da Capivara, no
Piauí (PESSIS, 2003).
Se nos restringirmos ao mundo ocidental, os gregos – ah, sempre eles –
registraram bem este trânsito, a começar pelo dos conflitos, como a Guerra de Troia
em Ilíada (HOMERO, 2013). Naquele momento, com deuses como personagens tão de
carne e osso como os mortais.
Contudo, talvez não seja a viagem no tempo e no espaço que cerque este gênero
de tantos interessados. Como um símbolo que nunca se revele totalmente, no cerne
desta questão talvez esteja o mistério de que viajar de encontro ao outro seja a grande
provocação que os relatos de viagem tragam camuflados em seu bojo.
Assim, mais do que os exotismos que ficam evidentes no plano do ego que
registra que o eu gosta disso ou não gosta daquilo, as narrativas de viagem talvez
sejam um convite ao mergulho na alteridade de indivíduos e culturas. É esse
entrar na vida do outro que permite, provavelmente, que a pessoa se conheça
melhor a si mesma.
No fundo, relatar viagens para dentro e fora de nós e de nossas realidades, como
um espelho, talvez nos permita ver melhor a nós mesmos. E aqueles que responderem
a este que quiçá seja o mais difícil dos chamados pode se abrir à realidade de que no
fundo somos todos humanos, criando resistências desnecessárias para fazer nosso
Prefácio

efêmero percurso pelo nosso belo planeta azul.


Afinal, as grandes perguntas desse trajeto permanecerão quem sabe sem
respostas. De onde viemos? Para onde vamos? Para o quê estamos aqui? São perguntas
14 em aberto que somente a morte, a companheira de nossa viagem pela vida, porventura
sussurrará no nosso ouvido ao final, se soubermos ouvir com atenção e humildade.

Inverno de 2019

REFERÊNCIAS

BENJAMIN, W. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: Magia,


técnica, arte, política. Obras Escolhidas. V 1. 8. ed. São Paulo: Brasiliense, 2012.
p. 272.
GAVALDA, A. Happy Meal. In: Des mots pour la vie (vol. 3): Nouvelles / collectif.
Paris: Pocket-le Secours populaire, 2000. p. 215.
HOMERO. Ilíada. São Paulo: Penguin Classics/Companhia das Letras, 2013.
MARTINEZ, M. Jornalismo literário: tradição e inovação. Florianópolis: Insular,
2016.
PESSIS, A.-M. Imagens da pré-História: Parque Nacional da Serra da Capivara.
São Paulo: Fundham/Petrobrás, 2003.
VACA, C. DE. Naufrágios & Comentários. Porto Alegre: L&PM, 1999.
Prefácio
15 TRAVEL NARRATIVES:
REPORTS OF HUMANS IN TRANSIT
AND HUMAN TRANSIT

Monica Martinez

Writers, missionaries, explorers, scientists, pilgrims and immigrants of all times


have always produced their travel accounts (MARTINEZ, 2016, p. 67). More recently,
tourists do so through selfies and stories posted in real time on social networks like
Instagram and Facebook.
The fact is that such narratives have become quite popular since the Renaissance,
specially after the invention of the printing press. As the German Jewish essayist
and literary critic Walter Benjamin (1892-1940) recalls, “Travelers have a lot to tell”
(BENJAMIN, 2012, p. 198, our translation). Yes, as he says, we hear with pleasure the
human being who “has honestly earned a living without leaving his country and who
knows his stories and traditions” (BENJAMIN, 2012, p. 198-199, our translation).
Due to my personal preference, I think that perhaps imagination has been
highly stimulated by the reports brought by sailors and merchants, who came back
home filled with stories of monsters that populated the four corners of the world, of
trunks stuffed with Chinese silk or Indian spices and, long after, visions according to
which our planet was beautifully blue.
After all, who can resist reading the chapter that begins with “On the seventeenth
day of June 1527, the governor Pánfilo de Narváez departed from the port of San
Lucar de Barrameda, with the power and mandate of Your Majesty to conquer and
govern the provinces that are situated on dry land from the Las Palmas River to the
cape of Florida. The fleet that led ... ”(VACA, 1999, our translation). In a book entitled
Shipwrecks & Commentaries, the desire to follow the saga from Spain to Florida can
be unstoppable. Like Gabriel Gárcia Márquez in his Chronicle of a Death Foretold,
we already know that the squad is going to wreck. But when, how?
More recently, I had to review this premise. In the daily rush of this year, 2019,
the text that “made me travel the most” was a French short story written by Anna
Gavalda:1

1 Je mastigue et déglutis à son rythme. Elle ne me parle pas beaucoup mais j´ai ´habitude, elle ne me parle jamais
beaucoup quand je l´emmène déjeuner: elle est bien trop occupée à regarder les tables voisines. Les gens la fas-
cinent, c´est comme ça. Même cet énergumène qui s´essuie la bouche et se mouche dans la même serviette juste
à côté a plus d´atrait que moi. Comme elle les observe, j´en profite pour la dévisager tranquillement. Qu´est-ce
que j´aime le plus chez elle ? En numéro un, je metrais ses soucils. Elle a de très jolis sourcils. Très bien dessinés.
Foreword

Le bon Dieu devait être inspiré ce jour-là. En numéro deux, ses lobes d´oreilles. Parfaits. Ses oreilles ne sont pas
percées. J´espère qu´elle n´aura jamais cette idée sangrenue. Je l´en empêcherai. En numéro trois, quelque chose
de très délicat à décrire... En numéro trois, j´aime son nez ou, plus exactement, les ailes de son nez. Ces deux
petites courbes de chaque côté, delicates et frémissantes. Roses. Douces. Adorables. En numéro quatre... Mais dèjá
le charme est rompu : elle a senti que je la regardais et minaude en pinçant sa paille. Je me détourne. Je cherche
mon paquet de tabac en tâtant toutes me poches.
16 I’m chewing and swallowing at her own pace. She does not talk to me much,
but I usually do not talk to her much either when I take her to lunch: she
is too busy looking at the tables nearby. People fascinate her, that’s how it
is. Even this bitch who wipes her mouth and blows her nose in the same
napkin next to me picked her interest more than me. As she observes her, I
take the opportunity to quietly stare at her. What do I like the most about
her? Number one, I would put her eyebrows. She has very pretty eyebrows.
Very well drawn. The good Lord had to be inspired that day. Number two,
her earlobes. Perfect. Her ears are not pierced. I hope she will never have
this bloody idea. I will prevent it. Number three, something very delicate
to describe ... In number three, I like her nose or, more exactly, the wings
of her nose. These two small curves on each side, delicate and quivering.
Roses. Sweet. Adorable. Number four ... But the charm is broken: she felt
that I looked at her and smiled with affectation while holding her straw. I
turn away. I am checking all my pockets looking for my tobacco package.
(GAVALDA, 2000, our translation).

This literary genre, known as nouvelle à chute, has as its motto to surprise the
reader, since at the beginning it gives the impression of being something and in the
end turns out to be something entirely else. This short story, which seems to be that
of a man in love with a young woman who despises him, reveals a father’s account of
the attitudes and behaviors of his dear little daughter, who like every child does not
care about his parents while diving in the vast world that surrounds her.
In this sense, we can say that the notion of travel narrative may be broader than
we imagine. It happens out to the world, yes. In fact, since the reports of cave paintings,
as shown by the rock art at Serra da Capivara, in Piauí, Brazil (PESSIS, 2003).
The Greeks - oh, yes, always them – have well-recorded travels, starting with
conflicts such as the Trojan War depicted in the Iliad (Homer, 2013) where gods are
characters made of the same flesh and blood as mortals.
However, it may not be time and space travel what surrounds this genre which
piques the interest of so many people. As a symbol that never fully reveals itself,
at the heart of any travel narrative perhaps lies the mystery that traveling through
another human being’s self is the deepest insight that travels reports can do.
Thus, more than the exoticisms that stand in their surface, travel narratives
may be an invitation to plunge into the otherness of individuals and cultures. It is this
entering the other’s life that probably allows us to know ourselves better.
Basically, travel reporting into and out of ourselves and our realities, like a mirror,
may allow us to perceive ourselves better. And those who answer this difficult call may
be open to the reality that deep down we are all only humans, creating unnecessary
resistance to make our ephemeral journey through our beautiful blue planet.
After all, at the end, the big questions along this path perhaps will remain
unanswered. Where do we come from? Where are we going? What are we here for?
Only death, the ultimate companion of our travels through life, may whisper the
Foreword

answer in our ears if we listen humbly and carefully.

Winter 2019
17 REFERENCES

BENJAMIN, W. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: Magia,


técnica, arte, política. Obras Escolhidas. V 1. 8. ed. São Paulo: Brasiliense, 2012.
p. 272.
GAVALDA, A. Happy Meal. In: Des mots pour la vie (vol. 3): Nouvelles / collectif.
Paris: Pocket-le Secours populaire, 2000. p. 215.
HOMERO. Ilíada. São Paulo: Penguin Classics/Companhia das Letras, 2013.
MARTINEZ, M. Jornalismo literário: tradição e inovação. Florianópolis: Insular,
2016.
PESSIS, A.-M. Imagens da pré-História: Parque Nacional da Serra da Capivara.
São Paulo: Fundham/Petrobrás, 2003.
VACA, C. DE. Naufrágios & Comentários. Porto Alegre: L&PM, 1999.
Foreword
18 FRAGMENTOS ESPECULARES E
AUTOPOIÉTICOS DE NARRATIVAS DE VIAGEM
Reflexões sobre a prática de incre‘ver-se’ em
desterritorializações desejantes e autopoiéticas.

Maria Luiza Cardinale Baptista1

De volta ao começo...

Saio de casa de minha mãe e dobro a esquina. Detenho-me alguns instantes, para,
de novo, olhar a rua, espichando o olhar até avistar, no quarteirão seguinte, a casa da
minha avó, já falecida. Aciono o motor do corpo e vou lentamente dando as passadas
na direção da casa velha, de madeira, desgastada pelo tempo. Os olhos se detêm na
calçada conhecida. Vou revendo as pedras, as rachaduras da calçada, com a diferença de
que, agora, percebo uma alteração nas proporções. Tudo parece menor, mais próximo,
menor de tamanho e de distâncias. Por um instante, eu penso: “Parece que essa calçada
encolheu!”. Não, imediatamente reconheço que não foi isso que aconteceu. A calçada
não encolheu, minhas pernas é que cresceram... muito. Com o tempo, eu me fiz mulher.
Parece que me vi, então, em diversas idades, refazendo o percurso. De novo, senti ‘os
sentimentos’, enxerguei a mim mesma, em diferentes momentos da vida, voltando ao
começo. O começo do trajeto, o lugar de onde saí de casa, em busca de outros universos
existenciais, onde pude fazer minhas viagens, de desterritorializações geográficas e
imaginárias. Viagens também intelectuais e amorosas.
A casa era da minha vó, dona Zefa, como todos a chamavam, uma senhora
descendente de austríacos, de uma amorosidade ‘a-pegada’, forte, sempre uma imensidão
de afeto. Era mãe adotiva do meu pai. Em certo sentido, ela também me adotou, na vida,
talvez também tenha me ensinado a graça e a força da adoção, experiência que hoje
tenho com quatro dos meus cinco filhos. Minha avó era analfabeta. Quando me dei conta
que ela não sabia escrever, fiquei chocada, entristecida. Assim, também por isso, decidi
ensiná-la, e, desse modo, ela foi também minha ‘primeira aluna’. Eu era ainda menina,
quando a ensinei a escrever o próprio nome. Assim, entendi cedo a importância da
inscrição de si, de ver-se inscrita com autoria. Ainda me lembro de suas mãos trêmulas,
Narrativas de Viagem

desenhando as letras do seu nome. Hoje reconheço a grandiosidade do momento, em que


ela se emocionou, por poder escrever o próprio nome, no momento em que ia se marcando
sujeito que se inscreve. Eu já era a professora, já tratava de ajudar alguém a se marcar
em letras, em sinuosidades que inscriacionam (inscrevem, criam e acionam) a pessoa.
A primeira das pessoas que ajudei a inscre‘ver-se’ foi minha avó, ser que marcou tanto
1 Doutora em Ciências da Comunicação (USP), professora de Pós-Graduação em Turismo e Hospitalidade (UCS).
Pós-doutoranda e Professora colaboradora da Pós-Graduação em Sociedade e Cultura da Amazônia (UFAM). Co-
ordenadora do Amorcomtur! Grupo de Estudos e Produção em Comunicação, Turismo, Amorosidade e Autopoiese
(CNPq-UCS). Integrante do Ecomsul: Epistemologias e Práticas Emergentes e Transformadoras em Comunicação,
Mídias e Cultura, (UFRN). Jornalista (UFRGS). Diretora da empresa Pazza Comunicazione. Brasil.
19 minha própria vida, com seu jeito, seu olhar, seu modo de ser. Penso que, de certa forma,
eu a ensinei a escrever e ela se inscreveu em mim. Talvez eu tenha aqui a essência da
educação, dos processos de ensino-aprendizagem.
Há muito tempo não refaço esse percurso, que me leva de volta à casa onde vivi
minha infância, ali onde sonhei as viagens, imaginei os trajetos pelo mundo, onde também
iniciei os entrelaços com os autores de ficção. Ali mesmo, na casa de madeira, juntamente
com meu irmão Cláudio, eu me levantava de madrugada e viajava mentalmente nas
narrativas de Monteiro Lobato, percorrendo os lugares encantados do Reino das Águas
Claras. Ali esperava o retorno do meu avô, que saía para trabalhar como motorista
de táxi. Eu já sentia a emoção das partidas e retornos, dele e de meu pai, mecânico e
caminhoneiro, os dois apaixonados por viagens. Dali, dessa casa, eu também saí um
dia para o mundo, ganhei a estrada. Depois, voltei tantas vezes, para relembrar, rever,
reencontrar, antes de tudo, a mim mesma, como faço agora, nesse esboço de narrativa de
viagem especular e autopoiética.
A casa está localizada em Guarantã, pequena cidade do interior de São Paulo, na
região noroeste do Estado, ainda hoje com menos de 10 mil habitantes. O nome da cidade,
segundo o site do município, deriva de “iara-tã”, que significa madeira dura e se refere
às árvores da família das rutáceas, que formam as matas locais. Guarantã é daquelas
localidades que mais parecem uma cidade cenográfica, de novela de época. A cidade
ainda é cortada pelos trilhos de trem, lembrando uma época do auge do café, em que
reinava a prosperidade na região do interior paulista. Tem três belas praças e, claro, uma
delas é a da Igreja Matriz, cuja construção foi iniciada em 1925, dedicada à padroeira da
cidade, Santa Terezinha.
Fico pensando em uma fala de meu pai, referindo-se ao seu próprio jeito, quando
questionado, em algumas situações, sobre o fato de estar muito sério. Ele sempre respondia:
“É o jeitão da madeira!”. Já refleti muito sobre o quanto essa frase é interessante, como
metáfora para pensar os jeitos de cada ser, nas múltiplas possibilidades de referência e
no próprio estreito vínculo com as árvores, com a floresta, com o florescer, os processos de
flores e seres, floresceres, com eu venho me referido. Curioso que eu tenha nascido em uma
cidade, cuja enunciação do nome já diz isso, inscrevendo em mim uma marca, Iara-tã,
Guarantã, madeira dura das árvores da família das rutáceas. Talvez eu também tenha
esse jeito Iara-tã Brasil, nome de outra madeira, de tonalidades fortes e avermelhadas.
Assim, eu me vejo, madeira forjada a facão, pela vida, pelas inscrições do tempo em mim,
ao mesmo tempo em que insisto em seguir produzindo rizomaticamente, em autopoiese,
florescendo, ‘flores-sendo’, ‘flor-esta’, Malu Cardinale.
Esse início apresenta o texto, com sua singularidade proposta. A ideia é trazer
Narrativas de Viagem

fragmentos de narrativas de viagem, marcados pela especularidade, a condição de


espelho, e autopoiese, o acionamento da autoprodução, da reinvenção de si. Esses
fragmentos são apresentados entrelaçados com reflexões, desde epistemológicas, em
termos de pressupostos de complexidade, teóricas, sobre o sentido das narrativas de
viagem, e empíricas, no sentido da proposição de sensibilidades, no uso de práticas e
técnicas narrativas. Trata-se, portanto, de um intertexto ou um metatexto, que reflete
sobre o que mostra e mostra o que reflete. Um texto-trama, no caso, a redundância é
proposital. Resulta de um trabalho de alguns anos de imersão na prática da narrativa,
20 como jornalista e escritora, e de construção do pressuposto da ‘viagem’ e de sua
consequente ‘narrativa’, como matriz metafórico-conceitual, para o compartilhamento
de muitas produções da vida e do conhecimento, como pesquisadora das áreas da
Comunicação, do Turismo e da Subjetividade.
O destaque gráfico itálico parece deixar mais clara a proposta inscriacional e
de incursão da ‘narrativa rasgada’, cenas de narrativa explícita, afetada e afetivada de
intensidades abstratas. Parece importante, para sinalizar, ao leitor, a insubordinação
à engrenagem maquínica representacional. Eu costumo dizer que toda marca gráfica,
toda alteração, carrega as tintas da significação do texto, tem que ser usada por um
motivo e precisa trazer intensidade de informação. É assim aqui, neste texto. Itálico
marca a insubordinação inscriacional, com o objetivo de destacar os fragmentos de
narrativa, de alguma viagem realizada e de muitas viagens investigativas.
Assim, o texto tem como base a ideia de pesquisa, como viagem investigativa, e seu
relato, como narrativa de viagem. Igualmente, pressupõe o processo de comunicação
como o acionamento de substâncias significacionais que se desterritorializam no
sujeito e, em processo complexo de trama de interações, derivam rizomaticamente em
busca de outros territórios de referências, compondo novas significações em novos
sujeitos, também complexos, passando por maquinismos de grandes engrenagens
de significações. Desse modo, a comunicação também é uma viagem marcada pelos
fluxos intensos e produção de materialidades representacionais, que, combinando-
se, alinhando-se, dissipando-se vão percorrendo os caminhos em direção aos
destinos outros, destinos receptores, pode-se dizer. Na reflexão sobre o caráter
desterritorializante do turismo, o texto também convida a pensar sobre as conexões
de afeto, as intensidades abstratas, sobre o movimento interno e as novas conexões
entre sujeitos e lugares, que passam a ressignificar as experiências e, nesse sentido,
podem e devem se expressar em narrativas de escre‘ver-se’, de inscre‘ver-se’ e de
reinvente‘ar-se’!
Em síntese, viagem e narrativa, narrativa e viagem são experiências que podem
auxiliar os sujeitos – individuais e coletivos – a romperem a cegueira dos dias, do
cotidiano maquinizado em engrenagens subjetivo-sociais-produtivas, para ajudá-los
a verem-se de maneiras diferentes, em potenciais de reinvenção, de acionamentos de
novos ares, dentro e fora dos sujeitos. A viagem nos dá novo fôlego e as narrativas de
viagem nos possibilitam reacionar a potência da viagem, assim como compartilhar a
experiência e a brisa desses outros ventos, que encontramos no percurso. Desse modo,
há uma enorme potência nas narrativas, no sentido de ressignificação especular e
reinvenção dos sujeitos e lugares.
Narrativas de Viagem

O texto é uma produção resultante do Amorcomtur! Grupo de Estudos em


Comunicação, Turismo, Amorosidade e Autopoiese, da Universidade de Caxias
do Sul, especialmente relacionado às seguintes pesquisas, algumas já realizadas e
outras em andamento: Desterritorialização Desejante em Turismo e Comunicação:
Narrativas Especulares e de Autopoiese Inscriacional (2013-2016); Ecossistemas
Turístico-Comunicacionais-Subjetivos: Sinalizadores teórico-metodológicos, no
estudo de ecossistemas turístico-comunicacionais-subjetivos, considerados a partir de
sua característica ecossistêmica, caosmótica e autopoiética (2018 – em andamento);
21 e ‘Com-versar’ Amorcomtur - Lugares e Sujeitos! Ações investigativas e narrativas
marcadas por amorosidade e agenciadoras de autopoiese, envolvendo sujeitos em
processos de desterritorialização, em diversos países – Brasil, Espanha, Portugal,
Itália, México, Colômbia e Egito (2018 – em andamento).
O texto resulta também do meu encontro com a Floresta Amazônica, com
os saberes amazônicos, desde 2010, ano em que me vinculei afetiva, profissional e
definitivamente à Universidade Federal do Amazonas (UFAM)2, quando fui convidada
para dar uma palestra, sobre a concepção de paixão-pesquisa, a amorosidade na
pesquisa, e a estratégia metodológica que criei, a Cartografia dos Saberes. Desde
então venho compreendendo que as viagens a Manaus são emblemáticas, para
discutir amorosidade, autopoiese e narrativas de viagens, como metáforas da vida e
da produção, na pesquisa, na Comunicação, no Turismo, na Educação. Entendi, desde
a primeira ida à UFAM que a ideia que vinha difundindo, na época há mais de 20 anos,
no sentido de que fazer pesquisa é fazer uma viagem na floresta, era uma potente
metáfora, não só para as minhas produções e orientações de pesquisa, mas também
para a produção de textos jornalísticos, para a Viagem mesma, em sentido amplo.
Na UFAM, desenvolvi Oficinas de Escrita Científica como Narrativa de Viagem, em
vários programas de Pós-Graduação - Programa de Pós-Graduação em Ciências da
Comunicação, Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Programa de Pós-
Graduação em Sociedade e Cultura da Amazônia.
Do fragmento “De volta ao começo”, posso refletir, ainda, que a marca do
florescimento transpassa minhas produções e autoproduções, meu traço autopoiético
parece ter sido, sempre, inspiração na minha natureza, sem que eu, em outros momentos
da vida, tivesse tão claro todos os entrelaçamentos envolvidos. Como venho afirmando,
a Floresta Amazônica, em si, já é um texto, talvez o principal deles, que ensina a lógica
da trama ecossistêmica, que permeia meus estudos e, também, faz sentir plenamente
o assombro e o desassossego e a condição de ser miúdo, de quem decide se pôr em
movimento e enfrentar a floresta, no sentido literal e metafórico dela. A Floresta ensina
muita coisa e nos desafia a compreender muitos sentidos existenciais da viagem.
Ao mesmo tempo, nos oferece tudo, as máximas condições de sobrevivência, e nos
obriga a aprender a reverência às conexões muitas da natureza trama ecossistêmica,
compreendendo que somos parte dela, mas dependemos do todo em sintonia amorosa,
respeitosa, para seguir ‘sendo’, vivendo, ‘flor-e-sendo’, florescendo!.

Flor e ser essa flor-esta


Narrativas de Viagem

Sol tórrido. Eu usava um vestido vermelho estampado. Uma estampa de selva.


Um vestido indiano. Sempre pensei que aquele vestido era a imagem da selva. Agora,
2 Muitos textos produzidos pelos pesquisadores da UFAM ajudaram a compreender a perspectiva e a reconhecer
a aproximação dos meus estudos. Destaco aqui, apenas alguns livros: Comunicação Midiatizada na e da Amazônia,
organizado por Maria Ataide Malcher, Netília Silva dos Anjos Seixas, Regina Lúcia Alves de Lima e Otacílio
Amaral Filho (2011); Estudos e perspectivas dos ecossistemas comunicacionais, organizado por Gilson Vieira
Monteiro, Maria Emilia de Oliveira Pereira Abbud e Mirna Feitoza Pereira (2011); Processos Comunicacionais.
Tempo, Espaço e Tecnologia, organizado por Claudio Manoel de Carvalho Correia, Ítala Clay de Oliveira Freitas,
Maria Emília de Oliveira Pereira Abbud e Maria Sandra Campos (2012); Comunicação: visualidades e diversidades
na Amazônia, organizado por Netília S. dos Anjos Seixas, Alda Cristina Costa, Luciana Miranda Costa (2013).
22 ali, no sol, embaixo do pórtico de entrada de uma Universidade centenária, o que me
emocionava era o verde, era a intensidade da paisagem.. a miudeza das folhas.. e
a firmeza de tudo o que havia envolta.... um calor escaldante.. em minhas mãos...
margaridas. Eu estava acompanhada de Marta, uma senhora de estatura baixa e
sorridente, que tinha sido designada como minha motorista ali. Amável, doce e forte,
como são as pessoas daquele lugar.
Nos meus braços, havia um maço de margaridas brancas.... sempre tinha sonhado
fazer aquela foto... parar ali e me postar ao lado do pórtico que diz UFAM, DESDE
1909, NOSSO MAIOR PATRIMÔNIO. Desde criança, sempre aprendi que a Amazônia é o
pulmão do mundo, pra mim, o coração do mundo. Nunca pensei muito na diferença entre
pulmão e coração, quando pensava na Amazônia... mas certamente isso não importa
agora.. Importa a intensidade que sinto nesse lugar e a alegria de me sentir com a missão
de distribuir flores na Amazônia... no mundo inteiro... as mesmas margaridas que me
ensinaram que é possível reinventar a vida de uma família inteira, ajudar a superar as
dificuldades, fazer brotar uma fábrica de flores em Guarantã... florescer... flor e ser...
Malu Cardinale.
Sim. A floresta amazônica e meu pós-doutoramento em Sociedade e Cultura da
Amazônia me levam ao encontro com gente simples e forte, gente que sabe amar e
cuidar, e também que sabe brigar pela vida. Gente que tem medo de escrever, assim
como eu tenho medo de bichos, mas gente que, como a floresta, floresce o tempo todo. Ora
intimida-se, mas, talvez por falta de opção, vai achando um jeito de conseguir, de fazer...
de acontecer... e de ensinar... Entre tantas coisas, aprendi ali que chover pode ser uma
coisa boa... assim como estou ‘chovendo/chorando’ agora, assim como chovi sempre...
desde menina...florescendo e chovendo... florescendo... flores e sendo Malu Cardinale...
...
Acordei em Manaus. Da sacada do meu apartamento aqui, é possível uma vista
panorâmica. Fiquei um tempo sentindo a cidade, lembrando de todo o tempo e esforço
de organização da viagem. Gosto de ser bem-sucedida nos meus esforços desejantes de
desterritorialização. Manaus, pra mim, é um destino para voltar sempre... algo me liga à
cidade, principalmente à floresta e às pessoas. Agradeço às forças todas que me trouxeram
de volta, aos encontros e às produções de florescimento de pesquisa em Comunicação na
UFAM! (Manaus, 2016)
...
Isso. Sentir o sentimento e ir traçando trilhas, sabendo que, aos poucos, vamos
percebendo que elas, as trilhas da pesquisa, estão inscritas em nós... em nossas
Narrativas de Viagem

inscriacionices desejantes de investigações... investigação... ação de investir em algo..


produzir investimentos... desejantes. Tem-se, aqui, portanto, a pista de que não se produz
movimento investigativo sem ser si mesmo, sujeito do próprio caminhar, em interação
com o mundo da investigação. Esse mundo, por si só, é desterritorializante... quer dizer..
nos provoca a andanças por outros territórios, devires saberes que ressignificam as trilhas,
ou seja, temos aí as delícias, o gosto e o gozo do conhecimento produzido... partilhado..
ins(cria)cionado por nós, em entrelaçamentos com outros seres e territórios de saberes!
(registro de texto para estudante de pós-graduação, que fazia a Oficina Usina de Saberes
23 Amazônicos, em que era trabalhada a ideia de pesquisa como viagem investigativa.
2015. UFAM)
Escrevi a primeira parte desse fragmento, em uma oficina organizada por mim
e pela relações públicas Natalia Biazus, ministrada por Edvaldo Pereira Lima, na
UCS, intitulada Narrativa de Viagem - Ponte Transversal entre Mundos, em 2015. Ele
propôs a escolha de uma foto que tivesse relação com uma viagem, e convidou-nos a
sentir a foto, concentrarmo-nos na informação e no afeto relacionados ao momento da
fotografia ou ao nosso vínculo com ela. Posteriormente ao exercício de concentração
e de sentir a intensidade afetiva, pediu que escrevêssemos tudo o que viesse à cabeça.
O texto está acima, praticamente na íntegra. Foi um texto jorrado, produzido de uma
vez só, sem respirar, tendo me deixado em meio às lágrimas de emoção amazônica.
Assim, o texto traz elementos de processo, de conteúdo e forma. No processo,
destaco a pista de acionar os afetos, a partir da seleção de uma materialidade visual,
de produzir, a partir de um momento de preparação para a escrita, em que se
vislumbra a codificação imagética e se autoriza a soltar-se no afeto que a foto produz.
Desse modo, é possível deixar vir a escrita, a força da intensidade inscriacional e
autopoiética, registrando de modo intenso a substância interna que foi se grudando
em materialidades expressivas.
Há, ainda, a condição de repórter de me colocar em um lugar que escolhi estar, de
me provocar a partir da percepção sensível da relevância do pórtico da Universidade.
Então, ali, alinhada à forte presença do pórtico, vinculei-me ao caráter encantatório
do verde das árvores, na exuberância do cenário amazônico. Esse exercício, de prever,
imaginar estar naquele lugar, em sintonia com a trama ecossistêmica do lugar me
ajudou a produzir o texto solto, fluido, jorrado, sem filtros. Texto que, posteriormente,
passou por pequenos ajustes de aspectos miúdos inerentes à força da rapidez
do registro. No mais, permaneceu na íntegra, fazendo o sentido do instante, da
vivência que foi passível de ser narrada com o máximo de intensidade e energia do
acontecimento, do movimento, do momento de ter, nos braços, o maço de margaridas
e me ver com professora amorosa, indo dar aula na pós-graduação da UFAM, levando
para os pesquisadores flores e desejos de florescimentos vários.
Do segundo fragmento, ressalto o desejo de sempre voltar a Manaus. Nesse
sentido, trata-se de um destino turístico que me convida a refletir que, assim como
vivemos, no turismo e nos deslocamentos que lhe são inerentes, a desterritorialização,
a inscrição no lugar, o tempo em que temos que lidar com as simulações do cotidiano
e sobreviver às intempéries das ausências (de pessoas, de recursos, de condições,
Narrativas de Viagem

acomodações, etc.) e faltas (em relação ao que temos nos nossos territórios existenciais),
vamos aprendendo a nos misturar a paisagem, vamos, aos poucos nos fixando, às vezes
até mesmo sem perceber, nos grudando no cenário ou nos misturando à paisagem.
Desse modo, quando temos que partir, sentimo-nos, novamente, sendo arrancados
de nosso campo de brotação e, então, a vida vai ter que ser reinventada novamente,
assim como fizemos desde o início da desterritorialização. Vemos, desse modo, o
sujeito passar da desterritorialização, pela simulação e até mesmo atingir o grau de
reterritorialização, das três linhas de vida do processo do desejo, apresentadas por
Guattari e Rolnik (1986), Guattari e Deleuze (1995) e Guattari (1987). É muito comum
24 que se queira voltar a destinos turísticos visitados, porque vivemos o processo de
tranversalização mútua, em que passamos a ter inscritas em nós as marcas do lugar, ao
mesmo tempo em que deixamos, certamente, intensidades afetivas dos nossos traços.
Houve um momento em que me vi reconhecida nas ruas de Manaus, por
vendedores da Feira que acontece todos os domingos na rua Eduardo Ribeiro,
reconhecida e lembrada pelos produtos que costumo comprar, também pelo fato
de ser professora da UFAM. Também no mercado público, passei a ser tratada com
naturalidade, sem a típica encenação de tratamento dos turistas. O mesmo ocorreu na
Universidade e em outros pontos da cidade. Então, fui percebendo que eu já estava me
misturando à paisagem, me inscrevendo na cena e florescendo um pouco amazônica.

Galícia e afetos peregrinos

Percorrer as ruas de Santiago de Compostela é sempre um convite à reflexão, à


introspecção, ao mergulho em mim mesma. Gosto de caminhar e me perder na cidade,
sabendo que, enquanto caminho e me perco, me movimento internamente e me acho
mais próxima, mais desmascarada nos sentimentos, me vejo sem máscaras. A cidade tem,
para mim, a marca de um destino com o qual me identifico de modo intenso. Espelho-me
na cidade, mais que nas pessoas, que são muitas e de muitos lugares. Sinto-me ‘do lugar,
medieval, velha, forte, encrustada em um campo de estrelas’, Compostela. Reconheço-
me e me sinto em paz, com vontade de permanecer sempre ali. Conecto-me imediata
e intensamente com sabedorias ancestrais, das meigas (bruxas) da Galícia. Talvez, em
outro tempo, eu mesma tenha sido uma delas. Eu acredito em reencarnação e acredito
em bruxas e na mística toda do lugar. Não houve, até o momento, uma viagem a Galícia,
em que não tivesse acontecido algo mágico, que extrapola às explicações ligadas aos
acontecimentos marcados por materialidades e justificativas plausíveis. Não. O vínculo
com a Galícia, com os saberes celtas, com a dimensão de espiritualidade não se explica.
Só se sente, e de modo forte, intenso.
A cidade concentra o imaginário do caminho. Caminho de Santiago de Compostela.
Em uma das idas, no entanto, descobri, assim, me perdendo pelas ruas e escutando as
conversas das ruas, que o caminho nem sempre foi de Santiago de Compostela. Ouvi de
um guia turístico, que acompanhava um grupo de estrangeiros, que os representantes
da Igreja decidiram, na Idade Média, aproveitar o fluxo que já existia, para, capitalizar,
nas palavras do guia turístico. Ele disse: “a Igreja decidiu trazer para o campo de estrelas
(Compostela) os restos mortais de Santiago e convenceu os nobres da região a fazerem
doações astronômicas, para a construção da Catedral, hoje marco histórico, patrimônio,
Narrativas de Viagem

que registra a chegada de legiões de peregrinos do mundo todo”. Pelas informações dos
próprios galegos, se sabe que o caminho, originalmente, era o caminho até Finesterre,
ponto ao norte da Galícia, em que a terra avança para o mar, dando a sensação de ‘fim
da terra’. Daí também se entende a expressão que atravessou os tempos, sendo repetida,
quando se diz: “eu vou até o fim do mundo para provar que eu te amo”, ou “para provar
que estou certa, no que estou dizendo”. Segundo o guia e alguns galegos que conheci,
o caminho originalmente, em seu caráter de autodesafio filosófico e autopoiético, de
demonstração de resistência e luta existencial, era até o ‘fim do mundo’, passando pelo
25 ‘campo de estrelas’, Compostela, onde os astrônomos explicam há o melhor acesso visual
às estrelas. Aos poucos, o caminho até o fim da terra, Finesterre, passou a ser o Caminho
de Santiago de Compostela. Até hoje, os peregrinos que conhecem um pouco mais a
história não se detêm em Santiago de Compostela, mas avançam até Finesterre. Há,
inclusive, marcas do caminho até lá.
Esses fragmentos podem ser refletidos em entrelaços caosmóticos com Guattari
e Deleuze, a partir do texto Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia. V. 5. Uma pista
interessante no texto é a discussão sobre oposição entre mundanidade e sociabilidade.
Dizem os autores:

Os grupos mundanos estão próximos dos bandos e procedem por difusão de


prestígio, mais do que por referência a centros de poder, como sucede com
grupos sociais. [...] As maltas, os bandos são grupos do tipo rizoma, por
oposição ao tipo arborescente que se concentra em órgãos de poder. É por
isso que os bandos em geral, mesmo de bandidagem, ou de mundanidade,
são metamorfoses de uma máquina de guerra, que difere formalmente de
qualquer aparelho de Estado, ou equivalente, o qual, ao contrário, estrutura as
sociedades centralizadas (GUATTARI; DELEUZE, 1995, p.21).

O contraponto entre as estruturas de Estado e as máquinas de guerra, que


remetem tanto ao selvagem, quanto aos fora da lei, ajuda a pensar o sujeito do turismo
como aquele que se escapa às máquinas estruturadas no ecossistema capitalístico, dos
destinos turísticos. Nesse sentido, esse sujeito coloca em xeque toda a máquina, desde
as minúcias do cotidiano, os ínfimos fluxos de relações estabelecidas pela máquina do
Estado, que impõem as regras do lugar, para algo revolucionário, que é a presença desses
‘corpos estranhos’. Fico pensando, então, que, por mais que a engrenagem maquínica
turística tenha se organizado, estruturado, desenvolvido em sentido de uma lógica de
produção mecanicista e cartesiana, ela se esbarra no inusitado movimento da lógica das
máquinas de guerra dos turistas, que desafiam as estruturas, as regras os ambientes,
transformando e sendo transformados, ao mesmo tempo. É interessante, nesse sentido,
a fala dos autores sobre a lógica do guerreiro, “[...] uma indisciplina fundamental do
guerreiro, um questionamento da hierarquia, uma chantagem perpétua do abandono
e traição, um sentido da honra muito suscetível, e que contraria, ainda uma vez, a
formação do Estado.” (GUATTARI; DELEUZE, 1995, p. 21).
Assim, pode-se pensar no turista como um indisciplinado, no sentido de
alguém ‘fora da ordem’, fora da disciplina. Muito frequentemente deparamos com o
sujeito do turismo (nós mesmos e outros sujeitos que conhecemos nas pesquisas, nas
viagens) que vive processos de autopoiese, de reinvenção de si, de desconhecimento
Narrativas de Viagem

de si mesmo e, por isso, com uma sensação e potência de atuação, que o impulsiona
diferentemente do modo como faria em seu território de origem. Por isso mesmo,
tantas vezes, esse sujeito turista se permite escapar à máquina abstrata inerente aos
destinos turísticos, frequentemente marcados pela mecanização e artificialização do
setor, o que vem sendo chamado de turistificação, como expressão de duras críticas
aos falseamentos na produção dos destinos.
Nesse sentido, recordo-me da fala de um estudante de Economia, gerente
de banco, tímido, sujeito de poucas palavras: “Durante a viagem, eu parecia outra
26 pessoa, me desconheci. Estava mais solto, dancei, conversei com pessoas que nunca
tinha visto, me perdi na cidade, não me preocupei com a roupa que estava usando.
Ri muito. Ri à toa. Ri de mim mesmo. Eu mesmo não acreditava que era eu”. Na
verdade, não era. Era ele em outro lugar, era o resultado da desterritorialização
do sujeito-trama, com seus múltiplos atravessamentos, em contato com a trama
ecossistêmica do lugar. Assim, nada mais estava fixo, nenhuma regra, nenhum
dogma. Tudo poderia ser questionado.
O turista é um misto de nômade e guerreiro, indisciplinado e fora da lei.
Dependendo da força das estruturas que encontra, no ecossistema turístico que
visita, ele cede um pouco, mas está sempre em vias se romper com ‘a máquina’. E
tem sempre a resposta pronta: “Eu não sou daqui!”. Desterritorializado, ele encontra
consigo mesmo, com seu desejo, com suas verdades desnudadas, porque elas estão
desacopladas da máquina que o forjou e que se impõe com força no seu cotidiano.
Ao mesmo tempo, recém-chegado, ele ainda não se acoplou totalmente à máquina do
lugar, não se comprometeu totalmente, processo que vai depender das características
da trama de acolhimento desse sujeito e dos liames que vão se formando e envolvendo
esse ‘corpo estranho’.
Há muito tempo penso em mim mesma, como se fosse uma planta, quando se
trata da relação com os lugares. Sofro, em sentido amplo, quando me tiram de um lugar.
A partida de um lugar para outro, mesmo que seja do meu agrado, é sempre algo que
depende de um esforço, uma concentração. Eu tenho que me preparar para ir embora,
mesmo em situações mais simples. Então, me concentro, penso, me organizo, tento revisar
os procedimentos e checar o que é necessário levar. Dizendo de outra maneira, sair do
território (em que se está), desterritorializar-se, é algo que dá muito trabalho (interno e
externo). Pessoalmente, é como se me arrancasse com as minhas raízes. Penso: “estava
bem, me acostumei, conheço o lugar”. Poderia dizer, “já faço parte do ecossistema e sinto
os entrelaços sutis e intensos da trama ecossistêmica em que me envolvi”.
Só que, por necessidade ou desejo, em determinado momento, devo ir. Então, sinto-
me com planta sendo arrancada do lugar, como se o movimento de desterritorialização
fosse algo contra a (minha) natureza (ecossistêmica). Não é. Eu sei que não é. A natureza
do humano é movimento. O universo está em todo o tempo em movimento. Não seria
eu a conseguir ficar parada. A questão é que, nesse processo, perco um pouco o chão,
tenho que redescobrir modos de vida, improvisar, autopoietizar, adaptar-me ao percurso,
desde as minúcias, as minúsculas ações do cotidiano, como me alimentar, ir ao banheiro,
improvisar diante dos caminhos e desafios que encontro nos trajetos. Tenho que estar
pronta para improvisar. Sim, viajar é saber improvisar e desapegar-se das cristalizações
Narrativas de Viagem

existentes nos territórios existenciais. Preciso viver com menos roupas, com saudade de
pessoas que amo, com a disposição de conviver com estranhos, de viver aproximações
com eles, de aceitar sabores e cheiros diferentes, de abrir o coração e o olhar para novas
paisagens e experiências.
Nesse sentido, a ação de desterritorialização desejante da viagem envolve, ao
mesmo tempo, arrancar-me de territórios conhecidos e me pôr em movimento, com
passo firme e atento de uma peregrina nômade e guerreira. Quem vive a viagem
inteira e intensamente, se vê só no mundo, sem chão, tendo que reinventar o passo,
27 o laço, a caminhada, muitas vezes, tendo que lidar com a mutação dos horários e
desafiar o corpo a conviver com ‘novidades’. O guerreiro nômade turista, assim,
precisa aprender a arrumar e desarrumar a mala, a reinventar-se em relação às ‘casas’
improvisadas dos destinos. Depois, precisa aprender a ir embora dali também, talvez
voltar para um lugar conhecido, que, por sua vez, também vai passar por um processo
de reterritorialização, o que significa que, no reencontro, esse lugar também é sentido
como estranho, é ‘re-visto’, revisitado e passa a incorporar, não só as lembranças no
sujeito do turismo, mas também pedaços de memórias materializadas em ‘objetos-
lembrança’, que trazem um pouco dos territórios encontrados nessas ações da
movimentação da máquina de guerra do turismo. Assim, mesmo que resulte em muitas
alegrias e prazer, o turismo também é ruptura, desacoplamento, desterritorialização e,
nesse sentido, subversão dos vínculos, estabelecidos pelo agenciamento das máquinas
abstratas existenciais, assim como as dimensões maquínicas territorializadas de
aparelhos como o Estado ou o destino de origem, por assim dizer.
Considerando a reflexão, a partir de Deleuze e Guattari (1995), é fácil perceber a
falácia da frase “Eu não sou daqui!”, porque ela remete à discussão de ‘fora e dentro’,
categorias falsas, se consideramos a trama ecossistêmica inerente aos processos
dos fenômenos analisados. Lembro-me de uma canção cantada por Jorge Drexler,
intitulada Movimiento, com o verso que diz: “Jo no soy de aqui, pero tu tampoco.
Somos una espécie en viaje. No tenemos pertinência, sino equipaje”.
Assim, na lógica contemporânea, que nos remete à visão holística, se tudo
está interligado a tudo, se consideramos a dimensão das partículas subatômicas,
partimos da negação da existência de um ‘fora e um dentro’, já que percebemos que
é no movimento das coisas – desde as ínfimas partículas constituintes do átomo aos
planetas – que elas ganham existência. Nesse sentido, tempo e espaço precisam ser
ressignificados, assim como precisamos reconhecer os desmontes de todas a fronteiras,
desde as físicas, existenciais, às mais abstratas que existem3.

O fora aparece simultaneamente em duas direções: grandes máquinas


mundiais, ramificadas sobre todo o ecúmeno num momento dado, e que
gozam de uma ampla autonomia com relação aos Estados (por exemplo,
organizações comerciais do tipo ‘grandes companhias’, ou então complexos
industriais, ou mesmo formações religiosas como o cristianismo, o islamismo,
certos movimentos de profetismo ou de messianismo, etc.); mas também
mecanismos locais de bandos, margens, minorias, que continuam a afirmar
os direitos de sociedades segmentárias contra os órgãos de poder do Estado.
(GUATTARI; DELEUZE, 1995, p.23)
Narrativas de Viagem

Estamos vivendo um tempo de confrontos, tomara as máquinas de guerra fossem


apenas essas, de que nos falam Guattari e Deleuze (1995), que questionam as linhas
duras da cristalização, em Estados que se constituíram e se sustentam em máquinas
modelizadoras, que visam sempre o encaixe do sujeito na mesma engrenagem
maquínica que os engendra, que os produz. Essas máquinas fazem uma guerra contra
3 São muitos os autores que fazem essa discussão e nos ajudam a compreender a complexidade caosmótica da
mutação contemporânea e as conexões com as dimensões sutis, assim como Fritjof Capra (1997), Ilya Prigogi-
ne (2001), Félix Guattari (1992), Felix Guattari e Gilles Deleuze (1995), Humberto Maturana (1998), Maturana e
Francisco Varela (1997), entre outros.
28 o que nos sufoca, produzem linhas de fuga, em relação às estradas de vida viciadas,
acionam a potência do guerreiro pela vida, quem luta, que labuta, quem faz do dia a
dia um exercício de sobrevivência.

Flor de ir embora... Granada

Era o meu último dia em Granada, Espanha. Eu tinha participado do Congresso


Internacional de Antropologia. Ano de 2018. Surpreendi-me com a amorosidade no
Congresso. Ambientes acadêmicos nem sempre são doces. Nesse evento, no entanto, encontrei
a Antropologia como tem que ser, respeitosa com o humano, cultivadora da humanidade.
Tinha ido dormir pensando que não tinha conseguido ir a Albaicin, o bairro cigano da
cidade. Havia um pouco de tempo, de manhã. Levantei cedo, caminhei pela rua em que fiquei
hospedada, no bairro tradicional da cidade, Realejo, Calle Salvador. Agradeci ao ‘Salvador’,
que me possibilitou voltar a essa cidade. Eu caminhava séria, concentrada. Havia em mim,
um esforço determinado, me sentia indo a um encontro forte. Pensava: “Como me despedir de
Albaicin, de Alhambra, um dos monumentos mais visitados da Espanha, emblemático pela
grandiosidade arquitetônica e de história?”. No ônibus-lotação que me levava ao Mirador
San Nicolau, me senti um pouco perdida. Fui me encantando de novo com a cidade e a cada
sensação de encantamento, havia uma espécie de dor associada à gratidão, por estar ali.
Desci onde o motorista me disse que era o ponto de San Nicolau. Olhei em volta,
pensei: “por onde vou agora?”. Avistei um senhor, preocupada com o pouco tempo que
teria, perguntei para ele, que, prontamente, se ofereceu para me mostrar o caminho.
Estávamos muito perto. Subimos por uma rua estreita e, ao chegar no topo, olhei
diante e, depois do grande vão, entre as duas montanhas, avistei Alhambra, majestosa,
encantadora, hipnótica. Esse monumento provoca uma emoção avassaladora em mim!
Olhei para o senhor e zaz! Impossível não chorar. Reconheci nele os traços físicos do meu
avô, que, quando criança, em Guarantã, me contava sobre as belezas da Espanha, de seu
amor pelo país. Meu avô morreu há muitos anos. Lembrei-me do espanhol, José Arias,
que foi embora da Espanha durante a Guerra Civil Espanhola, passando pela Argentina
e depois foi viver no Brasil. Vida humilde, de taxista, motorista, caminhoneiro, contador
de histórias, jogador de cartas, o espanhol sorridente que me chamava de ‘broto do vô’.
Ali mesmo, então, chorei feito criança, de saudade do meu avô, de saudade de uma
Espanha que amo e que gostaria de ter vivido com ele. Chorei também de gratidão, por
estar ali diante de um dos monumentos mais lindos do mundo, no tradicional bairro de
ciganos. Senti a energia do lugar e, depois, desci por meandros do bairro, que me foram
apresentados por meu novo amigo, tão parecido com meu avô. Também sorridente, ele
Narrativas de Viagem

foi me apresentando às pessoas do lugar, me levou tomar café em um bar de moradores,


descemos as vielas cumprimentando as pessoas, como moradores.
Pensei que não há melhor maneira de estar em uma cidade, do que me misturando
à paisagem, convivendo com seres do lugar. Começou a chover. Seguimos caminhando.
Ele se dispôs a me levar até a Calle Salvador. Foi ótimo porque eu sou uma pessoa
perdida espacialmente e, naquela emoção derramada, como eu chamo, seria mais
difícil de me localizar. Poderia me atrasar e perder o voo. Eu não queria ir embora,
mas a vida não me deixava ficar. Chovia ainda mais forte. Lembrei-me da Amazônia e
29 de um motorista da UFAM que me levou para o aeroporto, em um dia de chuva. Ele me
disse: “Professora, a senhora sabe porque está chovendo? A Floresta está triste, porque
a senhora vai embora!”. Entendi, então, que fazia muito sentido a chuva, que ela se
misturava com meu pranto de partida.
Pensei nos meus estudos do Turismo e no quanto o sujeito se embriaga, se
mistura, se transversaliza com os lugares que visita. Lembrei-me do livro do Yazigi,
intitulado A Alma do Lugar. Granada é uma cidade amorosa, com alma própria.
Seu nome corresponde à romã, um fruto símbolo do amor, com seus muitos grãos,
‘granada’. Essa amorosidade é o que se sente nas ruas, nas falas das pessoas, no
corpo da gente, no coração. Reflito que sou também, em certo sentido, granada,
uma concentração de sementes de amorosidade, a ser distribuída, em verso, prosa,
texto, riso, corpo, espírito... assim também espero ter feito neste texto, em narrativas
reflexivas de viagem, a partir dos fragmentos especulares e autopoiéticos, mesclando
vivência e teoria. Vou embora agora... granada, para florescer em outros textos.

REGISTROS DE ENTRELAÇOS DE CONHECIMENTO (REFERÊNCIAS)

BAPTISTA, M. L. C... Ecossistemas Turístico-Comunicacionais-Subjetivos: Sinaliza-


dores teórico-metodológicos, no estudo de ecossistemas turístico-comunicacionais-
-subjetivos, considerados a partir de sua característica ecossistêmica, caosmótica e
autopoiética . Projeto de Pesquisa. Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul. 2018.
BAPTISTA, M. L. C.. Trama Amorcomtur! Complexos processos comunicacionais e
subjetivos, que potencializam o turismo, considerados sobre o viés da amorosidade
e autopoiese . Projeto de Pesquisa. Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul. 2016.
BAPTISTA, M. L. C.. ‘Com-versar’ Amorcomtur - Lugares e Sujeitos! Ações
investigativas e narrativas marcadas por amorosidade e agenciadoras de autopoiese,
envolvendo sujeitos em processos de desterritorialização, em diversos países – Brasil,
Espanha, Portugal, Itália, México, Colômbia e Egito. Projeto de Pesquisa. Universidade
de Caxias do Sul, Caxias do Sul. 2015.
BAPTISTA, M. L. C.. Desterritorialização desejante em Turismo e Comunicação:
Narrativas Especulares e de Autopoiese Inscriacional. Projeto de Pesquisa.
Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul. 2013
BAPTISTA, M. L. C.. Jornalismo Amoroso. Quem quer (a)provar?. REBEJ – Revista
Narrativas de Viagem

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BAPTISTA, M. L. C. O sujeito da escrita e a trama comunicacional. Um estudo
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e da subjetividade contemporânea. 2000. 440. fls. Tese (Doutorado em Ciências da
Comunicação). Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo.
BAPTISTA, M. L. C. Comunicação: Trama de Desejos e Espelhos. Canoas: ULBRA,
1996.
30 CAPRA, F. A Teia da Vida. Uma Nova Compreensão dos Sistemas Vivos. 9. ed. São
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Labor Painsof a New Worldview). Direção: Joseph Ohayon, 2012. 63’58’’. Disponível
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YAZIGI, Eduardo. A alma do lugar. Turismo, Planejamento e Cotidiano. São Paulo,
Contexto, 2001.
31 FRAGMENTOS ESPECULARES Y
AUTOPOIÉTICOS DE NARRATIVAS DE VIAJE
Reflexiones sobre la práctica de inscribirse. en
desterritorializaciones deseantes y autopoiéticas.

Maria Luiza Cardinale Baptista1

De vuelta al comienzo....

Salgo de casa de mi madre y doblo la esquina. Me detengo algunos instantes, para,


de nuevo, mirar la calle, espichando el mirar hasta vislumbrar, en la siguiente cuadra,
la casa de mi abuela, ya fallecida. Acciono el motor del cuerpo y voy lentamente dando
los pasos en dirección a la casa vieja, de madera, desgastada por el tiempo. Los ojos se
detienen en la calzada conocida. Voy reviendo las piedras, las grietas de la calzada, con
la diferencia de que ahora, percibo una alteración en las proporciones. Todo parece más
pequeño, más cercano, de menor tamaño y distancia. Por un instante yo pienso: “Parece
que esa calzada encogió!”. No, inmediatamente reconozco que eso no fue lo que sucedió.
La calzada no encogió, mis piernas es que crecieron... mucho. Con el tiempo, yo me hice
mujer. Parece que me vi, entonces, en diversas edades, rehaciendo el recorrido. De nuevo
sentí ‘los sentimientos’, me vi a mí misma, en diferentes momentos de la vida, volviendo
al comienzo. El comienzo del trayecto, el lugar de donde salí de casa en búsqueda de otros
universos existenciales, donde pude hacer mis viajes de desterritorializaciones geográficas
e imaginarias. Viajes también intelectuales y amorosos.
La casa era de mi abuela, doña Zefa, como todos la llamaban, una señora descendiente
de austríacos, de una amorosidad ‘apegada’, fuerte, siempre una inmensidad de afecto.
Era madre adoptiva de mi padre. De cierta forma, ella también me adoptó, en la vida,
tal vez también me haya enseñado la gracia y la fuerza de la adopción, experiencia
que hoy tengo con cuatro de mis cinco hijos. Mi abuela era analfabeta. Cuando me
di cuenta que ella no sabía escribir, quedé chocada, entristecida. Así, también por eso,
decidí enseñarle, y, de ese modo, ella fue también mi ‘primera alumna’. Yo era aún
una niña, cuando le enseñé a escribir su propio nombre. Así, entendí desde pequeña la
importancia de la inscripción de sí, de verse inscrita con autoría. Aún me acuerdo de sus
manos temblorosas, diseñando las letras de su nombre. Hoy reconozco la grandiosidad
Narrativas de Viaje

de aquel momento, en que ella se emocionó por poder escribir su propio nombre, en el
momento en que iba marcándose sujeto que se inscribe. Yo ya era la profesora, ya trataba
de ayudar a alguien a marcarse en letras, en sinuosidades que inscreaccionan (inscriben,
crean y accionan) la persona. La primer persona que ayudé a inscribirse fue mi abuela,
1 Doctora en Ciencias de la Comunicación (USP), profesora de Postgrado en Turismo y Hospitalidad de la
Universidad de Caxias do Sul (UCS). Posdoctoranda y Profesora colaboradora del Postgrado en Sociedad y
Cultura de la Amazonia (UFAM). Coordinadora del ¡Amorcomtur! Grupo de Estudios en Comunicación, Turismo,
Amorosidad y Autopoiesis (CNPq-UCS). Integrante del Ecomsul: Epistemologías y Prácticas Emergentes y
Transformadoras en Comunicación, Medios y Cultura, (UFRN). Periodista (UFRGS). Brasil.
32 ser que marcó tanto mi propia vida, con su forma de ser, su mirar, su modo de ser. Pienso
que, de cierta forma, yo le enseñé a escribir y ella se inscribió en mí. Tal vez yo tenga aquí
la esencia de la educación, de los procesos de enseñanza-aprendizaje.
Hace mucho tiempo no rehago ese recorrido, que me lleva de vuelta a la casa
donde viví mi infancia, allí donde soñé los viajes, imaginé los trayectos por el mundo,
donde también inicié los entrelazados con los autores de ficción. Allí mismo, en la casa de
madera, juntamente con mi hermano Cláudio, yo me levantaba de madrugada y viajaba
mentalmente en las narrativas de Monteiro Lobato, recorriendo los lugares encantados
del Reino de las Aguas Claras. Allí esperaba el regreso de mi abuelo, que salía para
trabajar como conductor de taxi. Yo ya sentía la emoción de las partidas y regresos, de él
y de mi padre, mecánico y camionero, los dos apasionados por viajes. De allí, de esa casa,
yo también salí un día para el mundo, gané la carretera. Después, volví tantas veces,
para recordar, rever, reencontrar, antes de todo, a mí misma, como hago ahora, en este
esbozo de narrativa de viaje especular y autopoiética.
La casa está localizada en Guarantã, pequeña ciudad del interior de São Paulo, en
la región noroeste del Estado, aún hoy, con menos de 10 mil habitantes. El nombre de
la ciudad, según la página web del municipio, deriva de “iara-tã”, que significa madera
dura y se refiere a los árboles de la familia de las rutáceas, que forman las florestas
locales. Guarantã es de aquellas localidades que parecen una ciudad escenográfica, de
novela de época. La ciudad todavía es cortada por los senderos del tren, recordando una
época del auge del café, en que reinaba la prosperidad en la región del interior paulista.
Tiene tres bellas plazas y, claro, una de ellas es de la Iglesia Matriz, cuya construcción fue
iniciada en 1925, dedicada a la patrona de la ciudad, Santa Terezinha.
Me quedo pensando en una conversa de mi padre, refiriéndose a su propio modo
de ser, cuando se le preguntó, en algunas situaciones, sobre el hecho de estar muy serio.
Él siempre respondía: “ES el modo de ser de la madera!”. Yo reflexioné mucho sobre cuán
interesante es esa frase, como metáfora para pensar los las formas de cada ser, en las
múltiples posibilidades de referencia y en el propio estrecho vínculo con los árboles, con la
floresta, con el florecer, los procesos de flores y seres, florecidos, con yo vengo me referido.
Curioso que yo haya nacido en una ciudad, cuya enunciación del nombre ya dice eso,
inscribiendo en mí una marca, Iara-tã, Guarantã, madera dura de los árboles de la familia
de las rutáceas. Tal vez yo también tenga esa forma de ser Iara-tã Brasil, nombre de otra
madera, de tonalidades fuertes y rojizas. Así yo me veo, madera forjada a machete, por la
vida, por las inscripciones del tiempo en mí, al tiempo que insisto en seguir produciendo
rizomáticamente, en autopoiesis , floreciendo, ‘flores-siendo’, ‘flor-esta’, Malu Cardinale.
Este inicio presenta el texto con su singularidad propuesta. La idea es traer
Narrativas de Viaje

fragmentos de narrativas de viaje, marcados por la especularidad, la condición de


espejo, y autopoiesis, el accionamiento de la autoproducción, de la reinvención de sí.
Estos fragmentos son presentados entrelazados con reflexiones, desde epistemológicas,
en términos de presupuestos de complejidad, teóricas, sobre el sentido de las
narrativas de viaje, y empíricas, en el sentido de la proposición de sensibilidades, en
el uso de prácticas y técnicas narrativas. Se trata, por lo tanto, de un intertexto o un
metatexto, que refleja sobre lo que muestra y muestra lo que refleja. Un texto-trama,
en este caso, la redundancia es intencional. Resulta de un trabajo de algunos años de
33 inmersión en la práctica de la narrativa, como periodista y escritora, y de construcción
del presupuesto del ‘viaje’ y de su consecuente ‘narrativa’, como matriz metafórico-
conceptual, para el reparto de muchas producciones de la vida y del conocimiento,
como investigadora de las áreas de la Comunicación, del Turismo y de la Subjetividad.
El destaque gráfico itálico parece dejar más clara la propuesta inscriacional y de
incursión de la ‘narrativa rasgada’, escenas de narrativa explícita, afectada y afectivada
de intensidades abstractas. Parece importante, para señalar al lector, la insubordinación
al engranaje maquínico representacional. Yo acostumbro decir que toda marca gráfica,
toda alteración, carga las tintas de la significación del texto, tiene que ser usada por un
motivo y necesita traer intensidad de información. Es así aquí, en este texto. La cursiva
marca la insubordinación inscriacional, con el objetivo de destacar los fragmentos de
narrativa, de algún viaje realizado y de muchos viajes de investigación.
Así, el texto tiene como base la idea de investigación, como viaje investigativa, y
su relato, como narrativa de viaje. Igualmente, presupone el proceso de comunicación
como el accionamiento de substancias significacionales que se desterritorializan en el
sujeto y, en proceso complejo de una trama de interacciones, derivan rizomáticamente
en búsqueda de otros territorios de referencia, componiendo nuevas significaciones en
nuevos sujetos, también complejos, pasando por maquinismos de grandes engranajes de
significaciones. De este modo, se puede decir que la comunicación también es un viaje
marcado por los flujos intensos y producción de materialidades representacionales, que,
combinándose, alineándose, disipándose van recorriendo los caminos en dirección a los
destinos otros, destinos receptores. En la reflexión sobre el carácter desterritorializante
del turismo, el texto también invita a pensar sobre las conexiones de afecto, las
intensidades abstractas, sobre el movimiento interno y las nuevas conexiones entre
sujetos y lugares, que pasan a resignificar las experiencias y, en ese sentido, pueden y
deben expresarse en narrativas de escribirse, de inscribirse y de reinventarse!
En síntesis, viaje y narrativa, narrativa y viaje son experiencias que pueden
auxiliar los sujetos – individuales y colectivos – a romper la ceguera de los días, del
cotidiano maquinizado en engranajes subjetivo-sociales-productivos, para ayudarlos
a verse de maneras diferentes, en potenciales de reinvención, de accionamientos
de nuevos aires, dentro y fuera de los sujetos. El viaje nos da un nuevo aliento y
las narrativas de viaje nos posibilitan reaccionar a la potencia del viaje, así como,
compartir la experiencia y la brisa de esos otros vientos, que encontramos en el
recorrido. De esta forma, hay una enorme potencia en las narrativas, en el sentido de
resignificación especular y reinvención de los sujetos y lugares.
El texto es una producción resultante del Amorcomtur! Grupo de Estudios en
Narrativas de Viaje

Comunicación, Turismo, Amorosidad y Autopoiesis, de la Universidad de Caxias del Sur,


especialmente relacionado a las siguientes investigaciones, algunas ya realizadas y otras en
marcha: Desterritorialização del Deseo en Turismo y Comunicación: Narrativas Especulares
y de Autopoiesis Inscriacional (2013-2016); Ecosistemas Turístico-Comunicacionales-
Subjetivos: Señalizadores teórico-metodológicos, en el estudio de ecosistemas turístico-
comunicacionales-subjetivos, considerados a partir de su característica ecosistémica,
caosmótica y autopoiética (2018 – en marcha); y ‘Con-versar’ Amorcomtur – Lugares y
Sujetos! Acciones investigativas y narrativas marcadas por amorosidad y agenciadoras de
34 autopoiesis, envolviendo sujetos en procesos de desterritorialización, en diversos países –
Brasil, España, Portugal, Italia, México, Colombia y Egipto (2018 – en marcha).
El texto resulta también de mi encuentro con la Floresta Amazónica, con
los saberes amazónicos, desde 2010, año en que me vinculé afectiva, profesional y
definitivamente a la Universidad Federal del Amazonas (UFAM)2, cuando fui invitada
para dar una conferencia, sobre la concepción de pasión-investigación, la amorosidad
en la investigación y la estrategia metodológica que creé, la Cartografía de los Saberes.
Desde entonces vengo comprendiendo que los viajes a Manaos son emblemáticos,
para discutir amorosidad, autopoiesis y narrativas de viajes, como metáforas de la
vida y de la producción en la investigación, en la Comunicación, en el Turismo, en la
Educación. Entendí, desde la primera ida a la UFAM que la idea que venía difundiendo,
en la época hace más de 20 años, en el sentido de que hacer investigación es hacer
un viaje en la floresta, era una potente metáfora, no solo para mis producciones y
orientaciones de pesquisa, sino también para la producción de textos periodísticos,
para el Viaje en sí, en sentido amplio. En la UFAM desarrollé Talleres de Escritura
Científica cómo Narrativa de Viaje, en varios programas de posgraduación. Programa
de posgraduación en Ciencias de la Comunicación, Programa de posgraduación en
Servicio Social y Programa de posgraduación en Sociedad y Cultura de la Amazonia.
Del fragmento “De vuelta al comienzo”, puedo reflexionar, aún, que la marca del
florescimento traspasa mis producciones y autoproducciones, mi rasgo autopoiético
parece haber sido, siempre, inspiración en mi naturaleza, sin que yo en otros momentos
de la vida, tuviera tan claro todos los entrelazamientos implicados. Como vengo
afirmando, la Floresta Amazónica, en sí, ya es un texto, tal vez el principal de ellos,
que enseña la lógica de la trama. Muchos textos producidos por los investigadores de
la UFAM ayudaron a comprender la perspectiva y a reconocer la aproximación de mis
estudios. Destaco aquí, sólo algunos libros: Comunicación Midiatizada en la y de la
Amazonia, organizado por Maria Ataide Malcher, Netília Silva de los Ángeles Seixas,
Regina Lúcia Alves de Lima y Otacílio Amaral Hijo (2011); Estudios y perspectivas de
los ecosistemas comunicacionales, organizado por Gilson Vieira Monteiro, Maria Emilia
de Oliveira Pereira Abbud y Mirna Feitoza Pereira (2011); Procesos Comunicacionales.
Tiempo, Espacio y Tecnología, organizado por Claudio Manoel de Carvalho Correia,
Ítala Clay de Oliveira Freitas, Maria Emília de Oliveira Pereira Abbud y Maria Sandra
Campos (2012); Comunicación: visualidades y diversidades en la Amazonia, organizado
por Netília S. de los Ángeles Seixas, Alda Cristina Costa, Luciana Miranda Costa (2013).
Ecosistémica, que permea mis estudios y, también hace sentir plenamente el asombro,
el desasosiego y la condición de ser menudo, de quien decide ponerse en movimiento
y enfrentar la floresta, en el sentido literal y metafórico de ella. La Floresta nos enseña
Narrativas de Viaje

mucho y nos desafía a comprender muchos sentidos existenciales del viaje. A la vez,
nos ofrece todo, las máximas condiciones de supervivencia y nos obliga a aprender
2 Muchos textos producidos por los investigadores de la UFAM ayudaron a comprender la perspectiva y a
reconocer la aproximación de mis estudios. Destaco aquí, sólo algunos libros: Comunicación Midiatizada en la y de
la Amazonia, organizado por Maria Ataide Malcher, Netília Silva de los Ángeles Seixas, Regina Lúcia Alves de Lima
y Otacílio Amaral Hijo (2011); Estudios y perspectivas de los ecosistemas comunicacionales, organizado por Gilson
Vieira Monteiro, Maria Emilia de Oliveira Pereira Abbud y Mirna Feitoza Pereira (2011); Procesos Comunicacionales.
Tiempo, Espacio y Tecnología, organizado por Claudio Manoel de Carvalho Correia, Ítala Clay de Oliveira Freitas,
Maria Emília de Oliveira Pereira Abbud y Maria Sandra Campos (2012); Comunicación: visualidades y diversidades
en la Amazonia, organizado por Netília S. de los Ángeles Seixas, Alda Cristina Costa, Luciana Miranda Costa (2013).
35 a reverenciar las múltiples conexiones de la naturaleza de la trama ecosistémica,
comprendiendo que somos parte de ella, pero que dependemos del todo en sintonía
amorosa, respetuosa, para seguir ‘siendo’, viviendo, ‘flor-y-siendo’, floreciendo!.

Flor y ser esa flor-esta

Sol tórrido. Yo usaba un vestido rojo estampado. Una estampa de selva. Un vestido
hindú. Siempre pensé que aquel vestido era la imagen de la selva. Ahora, allí, en el sol,
debajo del pórtico de la entrada de una Universidad centenaria, lo que me emocionaba
era el verde, era la intensidad del paisaje... lo menudo de las hojas... y la firmeza de
todo lo que había alrededor... un calor ardiente... en mis manos... margaritas. Yo estaba
acompañada de Marta, una señora de estatura baja y sonriente, que había sido designada
como mi conductora. Amable, dulce y fuerte, como son las personas de aquel lugar.
En mis brazos, había un ramo de margaritas blancas... siempre había soñado hacer
aquella foto... parar allí y ponerme al lado del pórtico que dice UFAM, DESDE 1909,
NUESTRO MAYOR PATRIMONIO. Desde crianza, siempre aprendí que la Amazonia
es el pulmón del mundo, para mí, el corazón del mundo. Nunca pensé mucho en la
diferencia entre pulmón y corazón cuando pensaba en la Amazonia... pero ciertamente
eso no importa ahora... Importa es la intensidad que siento en ese lugar y la alegría de
sentirme con la misión de distribuir flores en la Amazonia... en el mundo entero... las
mismas margaritas que me enseñaron que es posible reinventar la vida de una familia
entera, ayudar a superar las dificultades, hacer brotar una fábrica de flores en Guarantã...
florecer... flor y ser... Malu Cardinale.
Sí. La selva amazónica y mi postdoctorado en Sociedad y Cultura de la Amazonia
me llevan al encuentro con gente simple y fuerte, gente que sabe amar y cuidar y también
que sabe pelear por la vida. Gente que tiene miedo de escribir, así como yo tengo miedo
de bichos, pero gente que, como la floresta, florece todo el tiempo. A veces se intimida,
pero, tal vez por falta de opción, va encontrando una manera de conseguir, de hacer... de
suceder... y de enseñar... Entre tantas cosas, aprendí allí que llover puede ser una cosa
buena... así como estoy ‘lloviendo/llorando’ ahora, así como lloví siempre... desde niña...
floreciendo y lloviendo... floreciendo... flores y siendo Malu Cardinale...
...
Desperté en Manaos. Del balcón de mi apartamento aquí, es posible una vista
panorámica. Me quedé un tiempo sintiendo la ciudad, recordando todo el tiempo y
esfuerzo de organización del viaje. Me gusta tener éxito en mis esfuerzos de deseo de
desterritorialización. Manaos, para mí, es un destino para volver siempre... algo me
Narrativas de Viaje

conecta a la ciudad, principalmente a la floresta y a las personas. Agradezco a todas las


fuerzas que me trajeron de vuelta, a los encuentros y a las producciones de florecimiento
de investigación en Comunicación en la UFAM! (Manaos, 2016)
...
Eso. Sentir el sentimiento e ir trazando sendas, sabiendo que, poco a poco, nos damos
cuenta de que ellas, las pistas de la investigación, están inscritas en nosotros... en nuestras
inscriacionices de deseo de investigaciones... investigación... acción de invertir en algo...
36 producir inversiones... de deseo. Por lo tanto, se tiene aquí la pista de que no se produce
movimiento investigativo sin ser sí mismo, sujeto del propio caminar, en interacción con el
mundo de la investigación. Ese mundo, por sí sólo, es desterritorializante... quiere decir...
nos provoca andanzas por otros territorios, devenires del conocimiento que resignifican
las sendas, o sea, tenemos ahí las delicias, el gusto y lo gozo del conocimiento producido...
compartido... ins(crea)cionado por nosotros, en entrelazamientos con saberes de otros
seres y territorios! (Registro de texto para estudiante de posgraduación, que hacía el
Taller: Fábrica de Saberes Amazónicos, en el que era trabajada la idea de investigación
como viaje investigativa. 2015. UFAM)
Escribí la primera parte de ese fragmento, en un taller organizado por mí y
por la relacionalista pública, Natalia Biazus, dirigido por Edvaldo Pereira Lima, en la
UCS, intitulado: Narrativa de Viaje - Puente Transversal entre Mundos, en 2015. Él
propuso la elección de una foto, que tuviera relación con un viaje y nos invitó a sentir
la foto, concentrándonos en la información y en el afecto relacionado al momento de
la fotografía o a nuestro vínculo con ella. Después del ejercicio de concentración, y
de sentir la intensidad afectiva, nos pidió que escribiéramos todo lo que se viniera a
la cabeza. El texto, ya leído en el párrafo anterior, está prácticamente en su totalidad.
Fue un texto fluido, producido de un solo golpe, sin respirar, dejándome en medio de
lágrimas de emoción amazónica.
Así, el texto trae elementos de proceso, de contenido y forma. En el proceso,
destaco la pista de accionar los afectos, a partir de la selección de una materialidad
visual, de producir, a partir de un momento de preparación para la escritura, en que
se vislumbra la codificación de las imágenes y se autoriza a dejarse llevar por el afecto
que la foto produce. De ese modo, es posible dejar venir la escritura, la fuerza de la
intensidad inscriacional y autopoiética, registrando de modo intenso la substancia
interna que se fue pegando en materialidades expresivas.
Aún tengo, la condición de reportera de colocarme en un lugar que escogí
estar, de provocarme a partir de la percepción sensible de la relevancia del pórtico de
la Universidad. Entonces, allí, alineada a la fuerte presencia del pórtico, me vinculé
al carácter de encantamiento del verde de los árboles en la exuberancia del escenario
amazónico. Ese ejercicio, de prever, de imaginar estar en aquel lugar, en sintonía con su
trama ecosistémica, me ayudó a producir el texto suelto, fluido, sin filtros. Texto que,
posteriormente, pasó por pequeños ajustes de algunos aspectos inherentes a la fuerza de la
rapidez del registro. Sin embargo, el texto se preservó en tu totalidad, haciendo el sentido
del instante, de la vivencia que fue pasible de ser narrada con el máximo de intensidad y
energía del acontecimiento, del movimiento, del momento de tener, en los brazos, el ramo
de margaritas y verme como profesora amorosa, yendo a dar aula en la posgraduación de
Narrativas de Viaje

la UFAM, llevando para los investigadores flores y deseos de varios florecimientos.


Del segundo fragmento, resalto el deseo de siempre volver la Manaos. En ese
sentido, se trata de un destino turístico que me invita a reflexionar que, así como vivimos,
en el turismo y en los desplazamientos que le son inherentes, la desterritorialización,
la inscripción en el lugar, el tiempo en el que tenemos que lidiar con las simulaciones
del cotidiano y sobrevivir a las intemperies de las ausencias (de personas, de recursos,
de condiciones, acomodaciones, etc.) y carencias (en relación a lo que tenemos en
37 nuestros territorios existenciales), vamos aprendiendo a mezclarnos en el paisaje,
vamos, poco a poco fijándonos, a veces incluso sin percibir, pegándonos en el escenario
o mezclándonos al paisaje. De este modo, cuando tenemos que partir, nos sentimos,
nuevamente, siendo arrancados de nuestro campo de germinación y, entonces, la vida
va a tener que ser reinventada nuevamente, así como hicimos desde el inicio de la
desterritorialización. Vemos, de ese modo, el sujeto pasar de la desterritorialización,
por la simulación e incluso a alcanzar el grado de reterritorialización de las tres líneas
de vida del proceso del deseo, presentadas por Guattari y Rolnik (1986), Guattari
y Deleuze (1995) y Guattari (Revolución...). Es muy común que se quiera volver a
destinos turísticos visitados, porque vivimos el proceso de tranversalización mutua,
en el que pasamos a haber inscritas en nosotros las marcas del lugar, al tiempo que
dejamos, ciertamente, intensidades afectivas de nuestros trazos.
Hubo un momento en el que me reconocí en las calles de Manaos, por vendedores
de la Feria de los domingos en la calle Eduardo Ribeiro, reconocida y recordada por
los productos que acostumbro comprar, también por el hecho de ser profesora de la
UFAM. También en el mercado público pasé a ser tratada con naturalidad, sin la típica
escenificación de tratamiento a quien es turista. Lo mismo ocurrió en la Universidad y
en otros puntos de la ciudad. Entonces, fui percibiendo que yo ya estaba mezclándome
al paisaje, inscribiéndome en la escena y floreciendo un poco amazónica.

Galicia y afectos peregrinos

Recorrer las calles de Santiago de Compostela es siempre una invitación a la reflexión,


a la introspección, a la inmersión en mí misma. Me gusta caminar y perderme en la ciudad,
sabiendo que mientras camino y me pierdo, me muevo internamente y me siento más
próxima, más desmascarada en los sentimientos, me veo sin máscaras. La ciudad tiene,
para mí, la marca de un destino con el cual me identifico de modo intenso. Me reflejo en la
ciudad, más que en las personas, que son muchas y de muchos lugares. Me siento ‘del lugar,
medieval, vieja, fuerte, incrustada en un campo de estrellas’, Compostela. Me reconozco y me
siento en paz, con ganas de permanecer siempre allí. Me conecto inmediata e intensamente
con sabidurías ancestrales, de las tiernas (brujas) de la Galicia. Tal vez, en otros tiempos,
yo misma haya sido una de ellas. Yo creo en la reencarnación y creo en brujas y en toda
la mística del lugar. No hubo, hasta el momento, un viaje a Galicia en que no hubiera
sucedido algo mágico, que extrapolase las explicaciones conectadas a los acontecimientos
marcados por materialidades y justificaciones plausibles. No. El vínculo con Galicia, con los
saberes celtas, con la dimensión de espiritualidad, no tiene como explicarse, sólo se siente,
y de modo fuerte, intenso.
Narrativas de Viaje

La ciudad concentra el imaginario del camino. Camino de Santiago de Compostela.


En una de las idas, sin embargo, descubrí, así, perdiéndome por las calles y escuchando
las conversaciones de las calles, que el camino ni siempre fue de Santiago de Compostela.
Oí de un guía turístico, que acompañaba un grupo de extranjeros, que los representantes
de la Iglesia decidieron, en la Edad Media, aprovechar, en las palabras del guía turístico,
el flujo que ya existía, para capitaliza,. Él dij: “la Iglesia decidió traer para el campo de
estrellas (Compostela) los restos mortales de Santiago y convenció a los nobles de la región
38 a hacer donaciones exorbitantes para la construcción de la Catedral, hoy marco histórico,
patrimonio, que registra la llegada de legiones de peregrinos del mundo todo”. De acuerdo
con las informaciones de los propios gallegos, se sabe que el camino, originalmente era
el camino hasta Finesterre, punto al norte de la Galicia, en que la tierra avanza para el
mar, dando la sensación de ‘fin de la tierra’. De ahí también se entiende la expresión que
atravesó los tiempos, siendo repetida, cuando se dice: “yo voy hasta el fin del mundo para
probar que te amo”, o “para probar que estoy correcta, en lo que estoy diciendo”. Según el
guía y algunos gallegos que conocí, el camino originalmente, en su carácter de autodesafio
filosófico y autopoiético, de demostración de resistencia y lucha existencial, era hasta el
‘fin del mundo’, pasando por el ‘campo de estrellas’, Compostela, donde los astrónomos
explican es el mejor acceso visual a las estrellas. A los pocos, el camino hasta el fin de la
tierra, Finesterre, pasó a ser el Camino de Santiago de Compostela. Hasta hoy, los peregrinos
que conocen un poco más de la historia no se detienen en Santiago de Compostela, pero
avanzan hasta Finesterre. Hay, inclusive, marcas del camino hasta allá.

Esos fragmentos pueden ser reflexionados en entrelazos caosmóticos con


Guattari y Deleuze, a partir del texto Mil Mesetas – Capitalismo y Esquizofrenia. V. 5.
Una pista interesante en el texto es la discusión sobre oposición entre mundanidad y
sociabilidad. Dicen los autores:

Los grupos mundanos están cerca de las bandas y proceden por difusión de
prestigio, más que por referencia a centros de poder, como sucede con los
grupos sociales. [...] Las cuadrillas, las bandas son grupos del tipo rizoma,
por oposición al tipo arborescente que se concentra en órganos de poder. Es
por eso que las bandas, en general, incluso de bandidaje, o de mundanidad,
son metamorfosis de una máquina de guerra, que difiere formalmente de
cualquier aparato de Estado, o equivalente, el cual, al contrario, estructura las
sociedades centralizadas (GUATTARI; DELEUZE, 1995, p. 21).

El contrapunto entre las estructuras de Estado y las máquinas de guerra, que


remiten tanto a lo salvaje, como a los fuera de la ley, ayuda a pensar al sujeto del turismo
como aquel que se escapa a las máquinas estructuradas en el ecosistema capitalístico de
los destinos turísticos y que, en ese sentido, coloca en jaque toda la máquina, desde los
detalles del cotidiano, hasta los ínfimos flujos de relaciones establecidas por la máquina
del Estado, que imponen las reglas del lugar, para algo revolucionario que es la presencia
de esos ‘cuerpos extraños’. Entonces me pongo a pensar que, por más que el engranaje
maquínico turístico se haya organizado, estructurado, desarrollado en sentido de una lógica
de producción mecanicista y cartesiana, este se tropieza con el inusitado movimiento de
la lógica de las máquinas de guerra de los turistas, que desafían las estructuras, las reglas
Narrativas de Viaje

de los ambientes, siendo a su vez, transformados y transformando. Es interesante, en


ese sentido, el discurso de los autores sobre la lógica del guerrero, “[...] una indisciplina
fundamental del guerrero, un cuestionamiento de la jerarquía, un perpetuo chantaje del
abandono y traición, un sentido de la honra muy susceptible, y que contraría, más una
vez, la formación del Estado” (GUATTARI; DELEUZE, 1995, p. 21).
De esta forma, se puede pensar en el turista como un indisciplinado, en el
sentido de alguien ‘fuera de la orden’, fuera de la disciplina. Frecuentemente nos
39 deparamos con el sujeto del turismo (nosotros mismos y otros sujetos que conocemos
en las investigaciones, en los viajes), que vive procesos de autopoiesis, de reinvención
de sí, de desconocimiento de sí mismo y, por eso, con una sensación y potencia de
actuación que lo impulsa, diferentemente, del modo como lo haría en su territorio de
origen. Por eso mismo, ese sujeto turista se permite escapar a la máquina abstracta
inherente a los destinos turísticos, frecuentemente marcados por la mecanización
y artificialización del sector, lo que viene siendo llamado de turistificación, como
expresión de duras críticas a los falseamientos en la producción de los destinos.
En ese sentido, me acuerdo del comentário de un estudiante de Economía, gerente
de banco, tímido, sujeto de pocas palabras: “Durante el viaje, yo parecía otra persona,
me desconocí. Estaba más suelto, bailé, conversé con personas que nunca había visto,
me perdí en la ciudad, no me preocupé con la ropa que estaba usando. Reí mucho. Reí
sin ton ni son. Incluso me reí de mí mismo. Yo incluso no creía que era yo”. En verdad,
no lo era. Era él en otro lugar, era el resultado de la desterritorialización del sujeto-
trama, con sus múltiples atravesamientos, en contacto con la trama ecosistémica del
lugar. Así, nada estaba fijo, ninguna regla, ningún dogma. Todo podría ser cuestionado.
El turista es una mezcla de nómade y guerrero, indisciplinado y fuera de la ley.
Dependiendo de la fuerza de las estructuras que encuentra, en el ecosistema turístico que
visita, él cede un poco, pero está siempre en vías de incumplir con ‘la máquina’. Y tiene
siempre la respuesta lista: “Yo no soy de aquí!”. Desterritorializado, él encuentra consigo
mismo, con su deseo, con sus verdades desnudadas, porque ellas están desacopladas de
la máquina que las forjó y que se impone con fuerza en su cotidiano. A la vez, recién-
llegado, él aún no se acopló totalmente a la máquina del lugar, no se comprometió
totalmente, proceso que va a depender de las características de la trama de acogida de
ese sujeto y de los lazos que se van formando y envolviendo ese ‘cuerpo extraño’.
Ya hace muy tiempo pienso en mí misma como se fuera una planta, cuando se
trata de la relación con los lugares. Sufro, en sentido amplio, cuando me quitan de un
lugar. La partida de un lugar para otro, aunque sea de mi agrado, es siempre algo que
depende de un esfuerzo, una concentración. Yo tengo que prepararme para partir, incluso
en situaciones más simples. Entonces, me concentro, pienso, me organizo, intento revisar
los procedimientos y checar lo que es necesario llevar. Diciéndolo de otra manera, salir
del territorio (en que se está), desterritorializar-se, es algo que da mucho trabajo (interno
y externo). Personalmente, es cómo si me arrancaran con mis raíces. Pienso: “estaba bien,
me acostumbré, conozco el lugar”. Podría decir, “ya formo parte del ecosistema y siento
los entrelazos sutiles e intensos de la trama ecosistémica en que me envolví”.
Sólo que, por necesidad o deseo, en determinado momento, debo ir, debo partir.
Narrativas de Viaje

Entonces, me siento como planta siendo arrancada del lugar, como si el movimiento
de desterritorialización fuera algo contra mi naturaleza (ecosistémica). No lo es. Yo sé
que no lo es. La naturaleza del humano es movimiento. El universo está todo el tiempo
en movimiento. No sería yo quien iba a conseguir quedarse parada. La cuestión es
que, en ese proceso, pierdo un poco el suelo, tengo que redescubrir modos de vida,
improvisar, autopoietizar, adaptarme al recorrido, desde los detalles, las minúsculas
acciones del cotidiano, como alimentarme, ir al cuarto de baño, improvisar delante
de los caminos y desafíos que encuentro en los trayectos. Tengo que estar lista
40 para improvisar. Sí, viajar es saber improvisar y desapegarse de las cristalizaciones
existentes en los territorios existenciales. Necesito vivir con menos ropas, con el sentir
falta de las personas que amo, con la disposición de convivir con extraños, de vivir
aproximaciones con ellos, de aceptar sabores y olores diferentes, de abrir el corazón y
de mirar para nuevos paisajes y experiencias.
En ese sentido, la acción de desterritorializa de deseo del viaje envuelve, a la vez,
desenterrarme de territorios conocidos y ponerme en movimiento, con paso firme y aten-
to de una peregrina nómade y guerrera. Quién vive el viaje entero e intensamente, se
ve sólo en el mundo, sin suelo, teniendo que reinventar el paso, el lazo, la caminada,
muchas veces, teniendo que lidiar con la mutación de los horarios y desafiar el cuerpo
a convivir con ‘novedades’. El guerrero nómade turista, así, necesita aprender a hacer y
deshacer la maleta, a reinventarse en relación a las ‘casas’ improvisadas de sus destinos.
Después, necesita aprender a irse de ahí, tal vez volver para un lugar conocido, que, por
su parte, también va a pasar por un proceso de reterritorialización, lo que significa que,
en el reencuentro, ese lugar también es sentido como extraño, es ‘re-visto’, revisitado y
pasa a incorporar, no sólo los recuerdos en el sujeto del turismo, sino también pedazos
de memorias materializadas en ‘objetos-recuerdo’, que traen un poco de los territorios
encontrados en esas acciones de la movimentación de la máquina de guerra del turismo.
Así, aunque resulte en muchas alegrías y placer, el turismo también es ruptura, desacopla-
miento, desterritorialización y, en ese sentido, subversión de los vínculos establecidos por
la obtención de las máquinas abstractas existenciales, así como, las dimensiones maquí-
nicas territorializadas de aparatos como el Estado o el destino de origen, por así decirlo.
Considerando la reflexión, a partir de Deleuze y Guattari (1995), es fácil percibir
la falacia de la frase “Yo no soy de aquí!”, porque ella remite a la discusión de ‘fuera
y dentro’, categorías falsas, se consideramos la trama ecosistémica inherente a los
procesos de los fenómenos analizados. Me acuerdo de una canción cantada por Jorge
Drexler, intitulada Movimiento, con el verso que dice: “Yo en el soy de aquí, pero tú
tampoco. Somos una especie en viaje. No tenemos pertenencias, sino equipaje”.
Así, en la lógica contemporánea, que nos recuerda a la visión holística, si todo
está interconectado a todo, si consideramos la dimensión de las partículas subatómicas,
partimos de la negación de la existencia de un ‘fuera y un dentro’, ya que percibimos
que es, en el movimiento de las cosas – desde las ínfimas partículas constituyentes del
átomo a los planetas –, que ellas ganan existencia. En ese sentido, tiempo y espacio
necesitan ser resignificados, así como necesitamos reconocer los desmontes de todas
las fronteras, desde las físicas, existenciales, hasta las más abstractas que existen3.

El fuera aparece simultáneamente en dos direcciones: grandes máquinas


Narrativas de Viaje

mundiales, ramificadas sobre todo el ecúmeno en un momento dado, y que gozan


de una amplia autonomía con relación a los Estados (por ejemplo, organizaciones
comerciales del tipo ‘grandes compañías’, o entonces complejos industriales,
o incluso formaciones religiosas como el cristianismo, el islamismo, ciertos
movimientos de profetismo o de mesianismo, etc.); pero también mecanismos
locales de bandas, márgenes, minorías, que continúan a afirmar los derechos de
3 Son muchos los autores que hacen esa discusión y nos ayudan a comprender la complejidad caosmótica
de la mutación contemporánea y las conexiones con las dimensiones sutiles, así como, Fritjof Capra (1997),
Ilya Prigogine (2001), Félix Guattari (1992), Felix Guattari y Gilles Deleuze (1995), Humberto Maturana (1998),
Maturana y Francisco Varela (1997), entre otros.
41 sociedades segmentarias contra los órganos de poder del Estado. (GUATTARI;
DELEUZE, 1995, p. 23).

Estamos viviendo un tiempo de enfrentamientos, ojalá que las máquinas


de guerra fueran sólo esas, de las que nos hablan Guattari y Deleuze (1995), que
cuestionan las líneas duras de la cristalización, en Estados que se constituyeron y se
sostienen en máquinas modelizadoras, que siempre apuntan el encaje del sujeto en
el mismo engranaje maquínico que los engendra, que los produce. Esas máquinas
hacen una guerra contra lo que nos sofoca, producen líneas de fuga, en relación a las
carreteras de vida viciadas, accionan la potencia del guerrero por la vida, quien lucha,
que trabaja, quien hace del día a día un ejercicio de supervivencia.

Flor de partir... Granada

Era mi último día en Granada, España. Yo había participado del Congreso


Internacional de Antropología. Año de 2018. Me sorprendí con la amorosidad en el Congreso.
Ambientes académicos ni siempre son dulces. En ese evento, sin embargo, encontré la
Antropología como tiene que ser, respetuosa con el humano, cultivadora de la humanidad.
Había ido a dormir pensando que no había conseguido ir la Albaicin, el barrio
gitano de la ciudad. En la mañana tenía un poco de tiempo. Me levanté temprano,
caminé por la calle en que me quedé hospedada, en el barrio tradicional de la ciudad,
Realejo, Calle Salvador. Agradecí al ‘Salvador’, que me posibilitó volver a esa ciudad. Yo
caminaba seria, concentrada. Había en mí, un esfuerzo determinado, me sentía yendo a
un fuerte encuentro. Pensaba: “Cómo despedirme de Albaicin, de Alhambra, uno de los
monumentos más visitados de España, emblemático por la grandiosidad arquitectónica
y de historia?”. En el autobús que me llevaba al Mirador San Nicolau, me sentí un poco
perdida. Fui encantándome de nuevo con la ciudad y en cada sensación de encantamiento,
había una especie de dolor asociado a la gratitud por estar allí.
Bajé del autobús en donde el conductor me dijo que era el punto de San Nicolau. Miré
alrededor y pensé: “por donde voy ahora?”. Vi un señor, preocupada con el poco tiempo que
tendría, le pregunté sobre, y rápidamente se ofreció a mostrarme el camino. Estábamos
muy cerca. Subimos por una calle estrecha y, al llegar en el tope, miré para delante y, tras
el grande vacío, entre las dos montañas, vislumbré la Alhambra, majestuosa, encantadora,
hipnótica. Ese monumento me provoca una emoción abrumadora! Miré para el señor y
zaz! Imposible no llorar. Reconocí en él los rasgos físicos de mi abuelo, que, cuando niño,
en Guarantã, me contaba sobre las bellezas de España, de su amor por el país. Mi abuelo
murió hace muchos años. Me acordé del Español, José Arias, que fue de España durante
Narrativas de Viaje

la Guerra Civil Española, pasando por la Argentina y después se fue a vivir al Brasil.
Vida humilde, de taxista, conductor, camionero, contador de historias, jugador de cartas, el
español sonriente que me llamaba de ‘retoño del abuelo’. En ese momento, lloré como un
niño, de la falta que me hacía mi abuelo, de cuando extrañaba a España, que amo y que
me hubiera gustado haberla vivido con él. Lloré también de gratitud, por estar allí delante
de uno de los monumentos más lindos del mundo, en el tradicional barrio de gitanos. Sentí
la energía del lugar y, después, bajé por los meandros del barrio, que me fueron presentados
42 por mi nuevo amigo, muy parecido con mi abuelo. También sonriente, él fue presentándome
a las personas del lugar, me llevó a tomar un café en un local del barrio, bajamos las calles
saludando a las personas, como si fuésemos moradores del lugar.
Pensé que no hay mejor manera de estar en una ciudad, del que mezclándome al
paisaje, conviviendo con seres del lugar. Comenzó a llover. Seguimos caminando. Él se dispuso
a llevarme hasta la Calle Salvador. Fue óptimo porque yo soy una persona espacialmente
perdida y, en aquella emoción derramada, como yo la llamo, sería más difícil localizarme.
Podría atrasarme y perder el vuelo. Yo no quería irme, pero la vida no me dejaba quedarme.
Llovía aún más fuerte. Me acordé de la Amazonia y de un conductor de la UFAM que me
llevó para el aeropuerto, un día de lluvia. Él me dijo: “Profesora, la señora sabe porque está
lloviendo? La Floresta está triste, porque la señora se va!”. En ese momento entendí que la
lluvia tenía mucho sentido, que ella se mezclaba con mi llanto de partida.
Pensé en mis estudios del Turismo y en el cuánto el sujeto se embriaga, se mezcla,
se transversaliza con los lugares que visita. Me acordé del libro del Yazigi, intitulado El
alma del Lugar. Granada es una ciudad amorosa, con alma propia. Su nombre corres-
ponde a la granada, un fruto símbolo del amor, con sus muchos granos, ‘granada’. Esa
amorosidad es lo que se siente en las calles, en las conversas de las personas, en el cuer-
po de la gente, en el corazón. Reflexiono que yo también soy, en cierto sentido, granada,
una concentración de semillas de amorosidad, a ser distribuida, en verso, prosa, texto,
risa, cuerpo, espíritu... de esta forma, espero también haber hecho ello en este texto, en
las narrativas reflexivas del viaje, a partir de los fragmentos especulares y autopoiéticos,
mesclando vivencia y teoría. Me voy ahora... Granada, para florecer en otros textos.

REFERÊNCIAS

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BAPTISTA, M. L. C.. Trama Amorcomtur! Complexos processos comunicacionais e
subjetivos, que potencializam o turismo, considerados sobre o viés da amorosidade
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BAPTISTA, M. L. C.. ‘Com-versar’ Amorcomtur - Lugares e Sujeitos! Ações
investigativas e narrativas marcadas por amorosidade e agenciadoras de autopoiese,
envolvendo sujeitos em processos de desterritorialização, em diversos países – Brasil,
Espanha, Portugal, Itália, México, Colômbia e Egito. Projeto de Pesquisa. Universidade
Narrativas de Viaje

de Caxias do Sul, Caxias do Sul. 2015.


BAPTISTA, M. L. C.. Desterritorialização desejante em Turismo e Comunicação:
Narrativas Especulares e de Autopoiese Inscriacional. Projeto de Pesquisa.
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43 BAPTISTA, M. L. C. O sujeito da escrita e a trama comunicacional. Um estudo
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Contexto, 2001.
44 ESTRADAS PERDIDAS: RELATOS
DE VIAGENS E IDENTIDADES DISTÓPICAS

Nayara Helou Chubaci Güércio1


Victor Lemes Cruzeiro2

1. Introdução: o ramo de ouro

Nem mais um passo; aqui somente as sombras


E a soporosa Noite e o Sono habitam:
Os vivos não transporta o casco estígio (...)
Curto responde a Anfísia: “Tais insídias
Não temas; estas armas não te ofendem (...)
Tão guerreiro quão pio, ao Orco Enéias
Desce ante o pai. Se a filial virtude
Não te abranda e comove, ei-lo (descobre
na veste o ramo dourado oculto), reconhece-o.”
De ira as entranhas túmidas se aplacam, (...)
volta a cerúlea popa e à riba encosta.
Abancadas ao longo afasta as almas,
Faz praça, e a bordo o capitão recebe.”
(Virgílio, Eneida, Livro VI, 398-421)

Deve-se uma explicação, por ser no mínimo curiosa, a proposta de iniciar um


trabalho sobre relatos de viagem com um trecho da epopeica descida do herói troiano
Eneas ao mundo dos mortos da mitologia greco-romana. Ora, em primeiro lugar, as
peripécias do herói latino, bem como de seus consortes Ulisses e Aquiles, são, antes
de mais nada, grandes viagens, registradas na Eneida, Odisseia e Ilíada. Nesse tom,
já inicia-se este trabalho desvelando e ampliando a própria noção de viagem que,
segundo o linguista búlgaro Tzvetan Todorov “coincide com a vida, nem mais, nem
menos” (TODOROV, 2006, p. 231).
Assim, uma viagem será compreendida nestas páginas, não como somente
um deslocamento no espaço, mas um deslocamento do viageiro, até mesmo em si
próprio. O deslocamento no espaço é o indício primeiro da mudança, mas jamais o
único (TODOROV, 2006). Desta feita, a travessia de Eneas pelo submundo será tão
viagem quanto o são os sete anos em que Ulisses passou na mesma ilha com Calipso,
Narrativas de Viagem

consequentemente, serão também viagens os relatos daqueles que perambulam por


seus próprios territórios, assolados pela violência, pela mudança ou pela loucura.
1 Formada em Comunicação Social pela Universidade de Brasília (UnB), com mestrado em Comunicação Social
na mesma Universidade, na linha de Imagem, Som e Escrita. Professora e pesquisadora. Realiza pesquisas nas
áreas de ajuda humanitária, audiovisual e estudos de gênero, focadas principalmente em imaginários sociais e nas
subjetividades do feminino e da velhice.
2 Formado em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), com mestrado em Comunicação
Social pela Universidade de Brasília (UnB), na linha de Imagem, Som e Escrita. Professor e pesquisador. Trabalha
majoritariamente nas intersecções entre estética, fenomenologia e jornalismo literário, investigando as várias
formas de dor.
45 Pois também é o tempo um indício de uma jornada, na medida em que ele
também gera mudança, fundamento de toda viagem e, consequentemente, de todo
relato. Portanto estava certo o pré-socrático Heráclito, ao dizer que não se banha no
mesmo rio duas vezes, mesmo que entre-se no exato mesmo lugar onde se banhou
ontem. Porque aquele já não é o mesmo rio, e você já não é mais a mesma pessoa.
Ambos realizaram uma jornada que, estanque no espaço, percorreu a irreversível
distância de um dia:

A viagem no espaço simboliza a passagem do tempo, o deslocamento


físico o faz para a mudança interior; [...] A viagem transcende todas as
categorias, incluindo a da mudança, do mesmo e do outro, pois desde
a mais remota Antiguidade são acumuladas viagens de descobrimento,
explorações do desconhecido, e viagens de regresso, reapropriação do
familiar: os argonautas são grandes viajantes, mas Ulisses também o é
(TORODOV, 2006, p. 231).

Todo relato de viagem, portanto, traz consigo a indissociável função de


narrar uma mudança ocorrida no seu relator. Seus autores assumem a posição de
pesquisadores e de sujeitos do experimento, ao mesmo tempo em que registram e se
modificam pelo evento. No entanto, é ingenuidade analisar tais relatos como fontes
neutras, que refletem a mudança de uma pessoa plana como uma tela, pronta para
receber, passivamente, as mudanças do novo local.
Narrativas itinerantes significam, ratificam e desestabilizam categorias como
gênero, idade, classe, etnia, religiosidade e sexualidade, além de desafiar a própria
noção do corpo como lugar de pertencimento do “eu”. A viagem, o itinerante, o
efêmero — neste momento, pouco importa a nomenclatura — não representa apenas
uma transição, tampouco uma garantia de epifania mas, muitas vezes, o retorno e
o reconhecimento do “eu” para si. Viajar é um processo de desterritorialização e
reterritorialização material e subjetiva.
Deve-se compreender o relato de viagem, qualquer que seja, como uma mescla
de um registro novo, de caráter quase científico, amparado por uma bagagem anterior
com características culturais, sociais, linguísticas, usualmente ligadas a uma nação
originária, que darão a medida deste registro. Deste caráter híbrido dos relatos,
Elisa Schemes (2015), diz que se podem encontrar tanto relatos oficiais e científicos
permeados pela “escrita de si”, quanto diários – compreendidos como uma forma da
escrita de si – firmados em discurso científico.
Longe de ser unicamente uma exploração de um lugar novo, toda viagem é
Narrativas de Viagem

também um confronto do que é familiar com o que não é, gerando um choque de


valores que pode levar a diferentes reflexões sobre o local. Carla Viviane Paulino (2016),
historiadora e educadora, traz bons exemplos de relatos de viajantes estadunidenses
à América Latina, nos quais fica patente a sensação de superioridade do viajor sobre
os novos territórios. Por outro lado, Elisa Schemes (2013), em sua dissertação de
mestrado, cita diversos trechos do relato da viagem aos Estados Unidos do médico
e escritor Oswaldo Cabral (1903-1978), nos quais exibe um deslumbrado entusiasmo
pela “terra da liberdade”.
46 Transitar é buscar o domínio, não necessariamente de territórios, como fizeram
tantos exploradores3 em suas grandes embarcações, mas o domínio da “sociologia
das grades”4. A liberdade do itinerante está em perceber a própria prisão. Mais do
que isso, consiste-se em compreender que a cela não está nas impossibilidades de
cruzamento geográfico ou de interação com o outro, mas na clausura que o indivíduo
faz de si. O carcereiro está tão preso quanto o prisioneiro.
Assim, por muito tempo, os relatos de viagem foram um importante meio de se
ver “o outro”, e a divulgação massiva de diferentes relatos, reais e fantasiosos, ajudou
os europeus a moldarem sua compreensão de si e do resto do mundo – fato que levou
a todos os desastres coloniais desde o início da expansão marítima. No entanto, nas
próximas linhas será melhor analisado esse caráter dúbio de compreensão e projeção
dos relatos, para então ser feita a pergunta: o quê se vê aquele que viaja em sua
própria terra, mas não se vê nem se identifica? Partindo de viagens distópicas, a
análise irá buscar compreender quais os problemas, condições e conclusões que pode-
se encontrar na inquietante viagem daquele que olha a própria imagem no espelho,
mas, por algum motivo, não se sente em casa.

2. O espelho do mundo
“Esse vasto mundo (...) é o que precisamos
para nos conhecer como deveríamos
em nossas verdadeiras inclinações”
(MONTAIGNE, 1877, p. 113)

São muitos os exemplos de relatos de viagem que demonstram o choque do


pensamento dito nativo sobre o outro. Carla Paulino (2016), por exemplo, traz o relato
do mecânico inglês Thomas Ewbank (1792-1870), de sua estadia no Brasil, ao relatório
do capitão da marinha estadunidense James Melville Gilliss (1811-1865), de suas
viagens ao Chile.
Em ambas as narrativas, é patente que a experiência dos viajantes serve muito
mais para reforçar as opiniões que os autores já tinham sobre os locais visitados e seus
habitantes, do que para construir uma imagem distinta sobre aquele novo local. Se há
mudanças na maneira como Ewbank ou Gilliss refletiram sobre os locais observados, diz
a autora, “foi no sentido de ‘comprovarem’ o baixo crédito atribuído aos lugares visitados
e o lugar de destaque alcançado pelos Estados Unidos” (PAULINO, 2016, p. 119).
É importante notar que se trata de um pensamento quase imperialista, dado seu
poder avassalador de suprimir os próprios limites territoriais. Como exemplo, Paulino
Narrativas de Viagem

afirma que Ewbank, apesar dos louvores dados aos Estados Unidos da América, sequer
era estadunidense, mas britânico.

Em seu relato, podemos encontrar descrições, sempre seguidas de


julgamentos do autor, sobre praticamente todos os aspectos do Rio de
Janeiro. Nele, observamos que seus julgamentos em geral comparam, direta
ou indiretamente, o Brasil com os Estados Unidos. Ao descrever o regime
monárquico, o critica ferozmente, menciona o republicanismo virtuoso de seu
3 Cabe duplo sentido.
4 Termo utilizado pelo antropólogo argentino Néstor García Canclini.
47 país, os Estados Unidos. Sim, para Ewbank, o fato de ter nascido na Inglaterra
sequer é mencionado. Seu país era aquele que havia escolhido e não o de seu
nascimento (PAULINO, 2016, p. 121-122)

Desta feita, vê-se que é impossível separar a escrita de um indivíduo da sociedade


que o moldou. Somado a outros fatores de caráter econômico e cultural, como a
distribuição de um relato e a acessibilidade de sua língua, essa indissociabilidade
promove ainda mais as projeções desses autores. A autora desenvolve um pouco mais
esta ideia amparando-se em Edward Said (1935-2003), ativista e escritor palestino, e
sua obra Cultura e Imperialismo (1993). Afirma que

Para Said, as produções literárias não estão desconectadas do contexto cultural,


econômico e político em que seus autores estão imersos. Sendo assim, produções
como os romances e a literatura de viagens, reproduziram um determinado tipo
de discurso que posicionou o homem europeu e também o norte-americano
em determinadas situações, bem como o “seu mundo ocidental” e respectivos
valores, como superiores em relação ao “resto” do mundo, delimitando assim o
espaço doméstico e os outros lugares (PAULINO, 2016, p. 118-119).

Assim, volta-se ao caráter híbrido do relato, em que uma “escrita de si” se une a
um certo discurso científico, seja real ou não. Sobre isso, é preciso aproximar-se das
possibilidades que apresentam a tal “escrita de si”, para então adentrar o terreno da
veracidade dos relatos.
Em primeiro lugar, é preciso trazer o caráter não exaustivo de qualquer escrita.
Antes mesmo de trazer a compulsão arquivística que formou o ocidente, a partir da
tradição judaico-cristã do registro escrito exaustivo, é preciso trazer essa compreensão
para o microcosmo do indivíduo e afirmar categoricamente que é impossível registrar
tudo que acontece em uma vida.
O pesquisador francês Philippe Artières, pensador da autobiografia, assevera
que, apesar de sermos impelidos por uma vontade de classificar e arquivar tudo
que nos ocorre (“o anormal é o sem-papeis!”), “não arquivamos nossas vidas de
qualquer maneira; não guardamos todas as maçãs da nossa cesta pessoal; fazemos um
acordo com a realidade, manipulamos a existência: omitimos, rasuramos, riscamos,
sublinhamos, colocamos em exergo certas passagens” (ARTIÈRES, 1998, p. 11). Mais
ainda, prossegue o pesquisador que

Num diário íntimo, registramos apenas alguns acontecimentos, omitimos


outros; às vezes (...) acrescentamos coisas ou corrigimos aquela primeira
Narrativas de Viagem

versão.
Na correspondência que recebemos, jogamos algumas cartas diretamente
no lixo, outras são conservadas durante um certo tempo, outras enfim são
guardadas (...) O mesmo acontece com as nossas próprias cartas: guardamos
cópia de algumas, seja em razão do seu conteúdo, seja em razão do seu
destinatário.
Numa autobiografia (...) não só escolhemos alguns acontecimentos, como os
ordenamos numa narrativa; a escolha e a classificação dos acontecimentos
determinam o sentido que desejamos dar às nossas vidas. (ARTIÈRES, 1998,
p. 11)
48 Em comum, todas essas práticas de arquivamento do eu – de escrita de si –
compartilham o que se pode chamar de uma intenção autobiográfica (ARTIÈRES,
1998). E, neste rol, repleto desta intenção, também é possível encontrar os relatos de
viagem.
Compreende-se, portanto, que o relato de viagem não é uma forma absoluta
de registro, que compreende de maneira completa (quiçá imparcial, e que muitos
gostariam de denominar científica) a passagem do seu autor por um local novo. A
seleção é feita de maneira absolutamente subjetiva, baseada em critérios próprios e
únicos e, claro, balizados por uma bagagem cultural inegável.
Assim, como demonstrado nos trechos de Ewbank e Gilliss, não se deve esperar
de um relato de viagem totalidade e isenção. E, mais ainda, não se deve tampouco
esperar uma veracidade absoluta – o que, contudo, não irá danificar sua efetividade
narrativa como relato.
A historiadora brasileira Mary Anne Junqueira (2011) elabora uma discussão
metodológica sobre os relatos de viagem constatando, antes de mais nada, que cada
relato de viagem é único:

Ao se aproximar dessas fontes, o historiador – especialmente o que analisa o


discurso – deve ater-se a muitos aspectos: conferir o “lugar de enunciação” e
o universo cultural do viajante; avaliar o período em que se escreveu o texto
(durante ou após a jornada); a forma como foi elaborado o relato (narrativa,
memória, cartas, diário etc.); e quando se publicou o texto, se for o caso. Mas,
antes de qualquer coisa, devemos nos perguntar quem é o escritor do relato ou
quem “ele quer ser” (JUNQUEIRA, 2011, p. 46-47)

A pesquisadora prossegue seu apanhado metodológico sobre o gênero elencando


cinco questões que lhe chamam a atenção:

1) “o fato de os relatos de viagem operarem de forma sistemática com as


noções do aqui e do acolá, mesmo que o autor do relato nunca tenha viajado”
(JUNQUEIRA, 2011, p. 48);
2) “todo relato pressupõe um leitor, mesmo que este venha a ser unicamente o
escritor do relato” (JUNQUEIRA, 2011, p. 48);
3) “mesmo que o viajante tenha feito uma viagem na sua adolescência e escreva
na velhice, o texto ainda será considerado um relato de viagem ou ‘memória
de viagem’” (JUNQUEIRA, 2011, p. 49);
4) “uma viagem – particularmente o relato de viagem – funciona como
inspiração para outras jornadas desde tempos remotos” (JUNQUEIRA, 2011,
p. 49);
5) “a literatura de viagem não esteve imune à profissionalização da escrita”
Narrativas de Viagem

(JUNQUEIRA, 2011, p. 51);

Enquanto o primeiro ponto lida com o tão falado encontro com o outro, os três
seguintes lidam com o caráter literário duro do relato, da sua função como escrita5.
Já o quinto e último ponto lida com a questão da veracidade do relato de viagem. A

5 Aqui, sugere-se a rica discussão de Vilém Flusser sobre a escrita no livro A Escrita – Há futuro para a Escrita?
em que o pensador apresenta que esse código responsável pelo suporte e transmissão do conhecimento ocidental,
“frenético e vacilante [...] oferece um profundo vislumbre na estrutura do pensamento (e do comportamento) que
é posto em linhas, ou seja, em uma estrutura de pensamento no tempo que corre do passado em direção ao futuro,
sem parar no presente” (FLUSSER, 2011, p. 20).
49 partir da historiadora Mary Louise Pratt, Junqueira (2011) afirma que no século XVIII
procuraram por profissionais do texto para burilar os seus escritos, e que nas viagens
científicas dos séculos XVIII e XIX era comum que cientistas renomados – mesmo
que ausentes da jornada – fossem convidados a contribuir com o relato final.
Sobre isso, deve-se apontar que a noção de autoria é recente (data de Cervantes,
ou seja, do século XVII, uma das primeiras disputas voltadas para a autoria de uma
obra6), além da mescla de gêneros literários presentes no relato. Junqueira diz que
os relatos respondiam mais a um anseio do público leitor do que a um critério de
veracidade, um tanto anacrônico, e que o importante a considerar era a verdade que
o relato quis construir, e não a sua “veracidade” (JUNQUEIRA, 2011, p. 53). Indo mais
a fundo nessa questão, Junqueira retira do estudioso franco Jan Borm a consideração
que
é um problema definir o relato de viagem como objeto porque este é um
“gênero composto por outros gêneros literários”. Borm sustenta que trata-
se de uma espécie de gênero híbrido, já que se nutre de outros tipos de
discursos. O crítico cita, entre os gêneros comumente encontrados nos relatos
de viagem, a ficção (romances, novelas, contos, poemas etc.), a autobiografia
(ou escrita de si), os discursos científicos, textos memorialísticos etc.
(JUNQUEIRA, 2011, p. 55).

Na mesma direção, Elisa Schemes (2015) estende a discussão para o campo


da literatura, sob os auspícios do crítico britânico Terry Eagleton, e afirma que a
definição de um gênero – e sua consequente veracidade – são tão complexos como a
própria definição do que é literatura. Afirma a autora que não é possível identificar
um conjunto suficiente de elementos que, reunidos em texto, se denomine “literatura”,
e diz Eagleton que: “a literatura, no sentido de uma coleção de obras de valor real e
inalterável, distinguida por certas propriedades comuns, não existe” (EAGLETON,
2006, p. 16). E, prossegue o literato marxista, essa definição de literatura não apenas
é instável, como não estaria na origem do texto ou em elementos intrínsecos, mas na
relação que seus leitores estabelecem com o texto:

O que importa pode não ser a origem do texto, mas o modo pelo qual as pessoas
o consideram. Se elas decidirem que se trata de literatura, então, ao que parece,
o texto será literatura, a despeito do que o seu autor tenha pensado. Nesse
sentido, podemos pensar na literatura menos como uma qualidade inerente,
ou como um conjunto de qualidades evidenciadas por certos tipos de escritos
que vão desde Beowulf até Virginia Woolf, do que como várias maneiras pelas
quais as pessoas se relacionam com a escrita (EAGLETON, 2006, p. 13, apud
SCHEMES, 2015, p. 8)
Narrativas de Viagem

De posse desta noção da limitação do autor do relato, e do caráter mutável


do próprio gênero, pode-se compreender que os relatos de viagem, nas suas várias
possibilidades, são construções de um olhar e, portanto, localizados em um contexto
específico.
Desta feita, elementos da conjuntura – questões políticas, econômicas, sociais e
culturais – perpassam a produção de qualquer relato de viagem e, indissociavelmente,
6 Conta-se que Miguel de Cervantes (1547-1606) escreveu a segunda parte do seu Dom Quixote na presença de
um imitador, que sob o pseudônimo de Alonso Fernández de Avellaneda escreveu a segunda parte das aventuras
do cavaleiro andante, em 1614, nove anos após a publicação da primeira parte por Cervantes.
50 integram sua “forma” e “conteúdo” (SCHEMES, 2015). Contudo, isso não quer dizer
reduzir a obra ao seu contexto, tratando textos literários como meros reflexos da
realidade, nem tampouco fazer da história um simples pano de fundo. Citando o
literato brasileiro Antonio Candido (1918-2017), a autora afirma que a compreensão
de uma obra abraça tanto os fatores externos quanto os internos.
A partir desse entendimento, pode-se ver os relatos colonizadores ou colonizados
que chegam até nós, reproduzindo estereótipos de raça, religião e sociedade
(PAULINO, 2016; SCHEMES, 2015). Com este aparato, é possível enfrentar a ideologia
colonialista e dizer para os relatos, ficcionais ou não: “mas esses autores não somos
nós” (TODOROV, 2006, p. 243, grifo do autor).
O que acontece, no entanto, quando são?

3. O espectro de si

Sendo todo relato de viagem uma espécie de representação do encontro com


o outro, num cenário formado por concepções e inclinações culturais anteriores. No
entanto, o que acontece no oposto? Quando o relato é uma representação do encontro
com o semelhante, mas em um cenário distorcido?
Se o “verdadeiro” relato de viagem, do ponto de vista do leitor, narra a descoberta
dos outros (TODOROV, 2006, p. 240), como se dá um relato em que não há outros a
não ser os pares? Na maioria dos relatos de viagem estão descrições de selvagens de
regiões longínquas ou representantes de civilizações não europeias, árabes, hindus,
chineses etc., vistos sob um prisma de superioridade ou, no mínimo, alheamento. Mas
como analisar um relato de uma viagem que não se deu em uma região longínqua,
mas no próprio território, onde não se encontra nenhum bárbaro, mas compartilha-
se a mesma língua? A princípio, não haverá aí um relato de viagem, pois não há esse
sentimento de alteridade em relação aos seres (e às terras) evocados (TODOROV,
2006, p. 240). Contudo, se na presença dos pares e no território familiar da nação, o
reflexo estiver distorcido, há uma incômoda sensação que justifica, e fundamenta, um
relato de viagem: o inquietante.
O inquietante emerge com força na tradição intelectual ocidental com o breve
ensaio de 1919 do psicanalista austríaco Sigmund Freud (1856-1939), a partir de uma
introdução movida à análise etimológica do termo germânico Heimlich. Partindo
do significado mais superficial, daquilo que é familiar, Freud percorre uma árvore
etimológica (e epistemológica) que leva ao conceito do que é protegido, daí oculto,
Narrativas de Viagem

inconsciente e, portanto, potencialmente perigoso, “de modo que heimlich recebe o


significado que normalmente tem unheimlich” (FREUD, 2010, p. 339). Dando a volta
completa no termo (do íntimo ao escondido, que volta novamente à luz), Freud toma
emprestada a rica definição do filósofo alemão Friedrich Schelling (1775-1854), que
diz que o Unheimlich “traz algo inteiramente novo, para nós inesperado. Unheimlich
seria tudo o que deveria permanecer secreto, oculto, mas apareceu” (FREUD, 2010,
p. 338).
O psicanalista prossegue com uma análise do termo a partir do conto O Homem
de Areia e do romance O Elixir do Diabo, ambos do alemão E.T.A. Hoffmann (1776-
51 1822). E é deste último que Freud retira um sentido do inquietante que muito bem
nos serve: o do duplo. Diz o psicanalista que dos sentidos do Unheimlich, são notáveis

os do “sósia” ou “duplo”, em todas as suas gradações e desenvolvimentos; isto


é, o surgimento de pessoas que, pela aparência igual, devem ser consideradas
idênticas [...], de modo que uma possui também o saber, os sentimentos e
as vivências da outra; a identificação com uma outra pessoa, de modo a
equivocar-se quanto ao próprio Eu ou colocar um outro Eu no lugar dele, ou
seja, duplicação divisão e permutação do Eu (FREUD, 2010, p. 351).

Portanto, esse vínculo quase sobrenatural, traduzido com amplitude pela


conclusão etimológica de Freud, manifesta uma inquietação que ordinariamente é
inofensiva, mas que se torna fatal, quando associada a uma repetição inexplicável,
a uma sensação de perda de si e da própria identidade, associada a uma força que
parece “criação de um tempo remoto e superado [...] terrível, tal como os deuses
tornam-se demônios após o declínio da sua religião” (FREUD, 2010, p. 353-354).
O inquietante do encontro com o duplo é, portanto, precisamente essa
dessacralização, essa sensação de que uma força antiga, aterradora, vinda de outra
época, assume a exata mesma forma daquele que vê, tornando-se o Eu, mais poderosa
que o Eu e, mais ainda, substituindo (e apagando), o Eu.
É esse o ponto de partida para as análises deste trabalho, que se ancoram na
perda da identidade em viagens dentro de um território inquietante [unheimlich],
fundados em uma distopia. São eles, o livro On the Road (1957), do estadunidense
Jack Kerouack (1922-1969), e o seriado de televisão – também estadunidense – The
Walking Dead (2010), baseada nos quadrinhos homônimos.
Antes de iniciar a análise, uma breve explicação sobre o caráter distópico
que pontua as viagens aqui narradas. A distopia é usualmente compreendida como
o oposto especular da utopia (BERRIEL, 2005, p. 4). A utopia, por sua vez, é um
“sonho”, que nasce de uma abstração – fruto de uma configuração social e cultural
única, um Zeitgeist – que, aproximando real e ilusório, aproxima-se dos vários
relatos de viagens de terras distantes, desde reais como as Duas Viagens ao Brasil
(1557), do alemão Hans Staden, e as Cartas (1524) de Hernán Cortéz ao rei Carlos
V sobre a Conquista do México, a outras bem mais fantasiosas como Vril: o Poder
da Raça Vindoura (1871), de Edward Bulwer-Lytton e o suposto diário de viagem do
almirante Richard Byrd7.
Desta feita, a utopia reconfigura uma sociedade histórica, cultural e
Narrativas de Viagem

politicamente, com o objetivo de superá-la, usualmente coincidindo essa


reconfiguração com uma viagem para longe, que distancia do “hiato (insanável)”
presente na sociedade atual (BERRIEL, 2005, p. 5). Sendo o oposto, a distopia amplia
e formaliza as tendências negativas do presente, consolidando-as em um território,
muitas vezes, fechado geograficamente.

7 Sem autoria comprovada, o diário de Byrd não possui data oficial de publicação, mas aparece em diferentes
portais de adeptos de teorias da Terra oca. O diário de Byrd possui diferentes versões. Em uma delas, a raça
é apresentada como os arianni. Cf. VENTURA, A Terra Além do Polo – o diário secreto de Richard Byrd.
Disponível em: http://www.curaeascensao.com.br/curiosidades_arquivos/curiosidades74.ht ml
52 Portanto, não é uma distopia unicamente um relato de um futuro terrível,
como o romance 1984 (1949), de George Orwell (1903-1950) ou a graphic novel V de
Vingança (1988), de Alan Moore8. Muitas vezes, a distopia se apresenta como um
relato de um indivíduo preso em seu próprio território, que vê as estruturas do que
ele conhecia como normais ruírem, seja por uma praga apocalíptica, seja por um fatal
recrudescimento da sociedade à sua volta.
No livro On the road de Jack Kerouac, a distopia aparece em um Estados Unidos
da América conservador, que empurra os seus outsiders para fora, para a contínua
busca de um lugar que os acolha, que não traga frustração. Na narrativa, a inquietação,
o desejo de algo que não se sabe bem o quê ou o porquê, atuam como volante da
viagem dos personagens. Os personagens são distópicos por essência, Sal Paradise
— um suposto pseudônimo do próprio Kerouac — e Dean Moriarty — baseado em
Neal Cassady — estão sempre em uma aflitiva procura por si mesmos, à procura da
resolução de um incômodo pessoal e compartilhado que parece não ter solução, mas
que pode ser anestesiado por entorpecentes, entre eles, a própria estrada. Estar na
estrada é buscar a satisfação de um desejo estranhamente destrutivo, é perseguir
uma obsessão e, ao mesmo tempo, procurar pelo conforto do lar. O lar é a utopia
imaginada pela sociedade norte-americana de consumo em que estão inseridos, já a
estrada, é a distopia imaginada pelo desejo de algo indefinido — talvez até guinado
pelo próprio consumismo —, mas que cobra uma autodestruição. Aqui reside a maior
das inquietações, expressamente vividas por Paradise e Moriarty: como negar a casa
à procura dela?
A obra de Kerouac é um dos expoentes da “geração beat” da literatura, em que
a expressão do “eu” torna-se objeto e método literário. Com o intuito de expressarem-
se livremente, contarem suas histórias — muitas vezes autobiográficas — por meio do
registro no papel, a linguagem não é mero instrumento, é também parte da expressão do
“eu”. As interjeições permeiam o vocabulário de Moriarty, a empolgação pela descoberta
está presente até na forma em que os diálogos são travados. A história é narrada de
maneira envolvente, convidativa, sedutora até, ainda que permeie um universo muito
distante da maioria das pessoas. O leitor talvez também solte suas próprias interjeições,
ele agora faz parte do dia a dia de Sal, que escreve sem formalidades. O “eu” de Sal é
desnudado em seus relatos, mas traduzido pelo “eu” de quem o lê, satisfazendo assim
mais um desejo das escritas de si, o de ser visto, ainda que sob um outro prisma.
Assim, a distopia em que Paradise e Moriarty é a da pressão do Sonho Americano,
de ter uma casa, uma carreira, um emprego – um lugar fixo. Como o governo totalitário
de 1984 que vigia seus indivíduos e os obriga a estarem permanentemente nos seus
Narrativas de Viagem

8 Primeiramente, pensou-se em elaborar o trabalho em cima de duas obras essencialmente distópicas, mas a
sutileza e o caráter quase inverso de On the Road levou a uma alteração na escolha. No romance americano beat, a
ameaça é tão sutil e invisível que o protagonista não tem para onde fugir a não ser para dentro de si. O American
Dream é uma prisão sem grades que quase o leva à loucura. No caso das distopias de The Walking Dead, O Conto
da Aia (Margaret Atwood) e A Estrada (Cormac McCarthy) cada uma à sua maneira faz com que os personagens
se transformem para combater ativamente a ameaça visível e nomeada que os persegue. No caso de A Estrada,
primeira opção deste trabalho, a violência torna-se parte do cotidiano da sobrevivência do pai em um mundo em
que um cataclismo sem nome destruiu a vida e a civilização na Terra. Como preço a pagar, ele abre mão de tudo,
sua esposa, sua casa, e até mesmo dos nomes. Não há mais cidades, nem direções, e mesmo a grande estrada que
eles seguem, rumo ao litoral, não tem mais identificação. Em momento algum ele – bem como o narrador – se
refere ao seu filho como filho, mas eventualmente como garoto ou criança.
53 lugares de residência e trabalho, os EUA dos anos 50, lapidados pelo boom econômico
do pós-guerra do lado de dentro, e tensionados pela Guerra Fria do lado de fora,
também obrigam seus indivíduos a fixarem raízes e demonstrarem lealdade.
Portanto, botar o pé na estrada é, para Paradise e Moriarty, o mesmo que é
escrever para Winston, personagem de Orwell. Não é apenas resistência, como a
única forma de sobrevivência, mesmo que – e incluindo – leve à destruição. No caso
de On the Road, a destruição é patente no entorpecimento, característico da geração
beat, que se repete nas obras de William Burroughs (sendo a mais famosa Almoço Nu)
e de Charles Bukowski.
Ao atravessar os EUA, indo de São Francisco para Nova Iorque, passando por
Denver e Detroit, os protagonistas encontram o país em que eles nasceram, com suas
estruturas perfeitamente funcionais – os empregos, as linhas de ônibus, as festas de
Natal – mas que não lhes parecem mais familiares. Tudo ali lhes gera uma estranheza, um
incômodo, como se tudo aquilo fosse uma fantasia, ou um pesadelo. Em dado momento,
ao acordar em um quarto de hotel de beira de estrada, Paradise tem a sensação de que:

Eu era apenas outra pessoa, algum estranho, e toda minha vida era uma
vida assombrada, a vida de um fantasma. Eu estava no meio da Amérida, na
linha divisora entre o Leste da minha juventude e o Oeste do meu futuro, e
talvez seja por isso que aquilo acontece bem ali, naquele lugar, naquela tarde
vermelha inquietante (KEROUAC, 2001, p. 12).

Vê-se, portanto, que o inquietante vem dos próprios personagens, ao não sentirem
que pertencem àquele mundo. Uma inquietação interna, em que Paradise sente que
é uma farsa naquele mundo que é real de uma maneira tão terrível. Sem conseguir
se adequar a uma sociedade domesticamente perfeita, que esconde a distopia de um
sistema financeiro e bélico, os protagonistas entregam-se ao entorpecimento, ora
das drogas, ora do deslocamento. Somente assim ele consegue fugir da racionalidade
avassaladora que tenta lhes convencer que eles não pertencem àquele mundo, que eles
são insignificantes a ponto de não passarem de fantasmas, de sombras, de fracassos.
Finalmente, o caráter quase amador de Sal Paradise também é uma forma de
resistência, na medida em que, como escritor, ele abandona o desejo pelo grande
romance social americano, tradição que vinha desde nomes como F. Scott Fitzgerald. O
fluxo de consicência é um combate à imposição totalitária da “boa literatura” da “alta
cultura” que o movimento beat combatia. Mais ainda, essa escrita quase instantânea,
ligada muito mais à emoção da vivência do que à racionalização do evento, remete aos
relatos de viagem, em que
Narrativas de Viagem

o autor típico do relato de viagem não é um escritor profissional; é alguém que


pega da pena quase contra sua vontade, e porque se sente portador de uma
mensagem excepcional; uma vez expedida a mensagem, apressa-se à voltar a
sua existência normal de não-escritor (TODOROV, 2006, p. 240)

Já a série estadunidense The Walking Dead (NBC, 2010), inspirada nos


quadrinhos homônimos de Robert Kirkman, contrariamente à obra de Kerouac — e até
surpreendemente — não reforça, por meio de seu protagonista, Rick Grimes (Andrew
54 Lincoln), uma pulsão pela busca inquietante do incógnito por meio da autodestruição.
Aqui, a distopia se apresenta, não com uma sociedade conservadora que ataca os
ideais dos protagonistas, mas com uma sociedade fatalmente perversa (BERRIEL,
2005), que devora (literalmente!) os protagonistas.
Após um apocalipse zumbi de origem não explicada (afinal, que diferença faria
saber a origem de um mal tão incontrolável), o xerife Rick Grimes acorda em um
hospital após um período de coma. Aos poucos, percebe a total ruína da sociedade
como conhecia, e parte em busca da única coisa que resta: sobrevivência. Não há mais
governos, forças policiais, nem qualquer instituição que garanta a normalidade da
vida. Rick avança dentro do território que antes lhe era familiar, sem noção nenhuma
do que lhe espera na próxima estrada. O desconhecido torna-se a norma. O imperativo.
Mais ainda, a normalidade assume a forma dos mortos-vivos, famintos por carne
humana. E os humanos, assustados, fogem, se escondem, oprimidos pela consolidação
de uma regra – biológica – perversa. Assim, por mais que o zumbi seja a ameaça real à
sobrevivência, ele é apenas uma ferramenta da inquietante sensação de estar naquele
mundo. Ao acordar, Rick vê que tudo permanece o mesmo, mas tudo foi coberto
por uma fina e transparente camada de morte, que se torna cada vez mais espessa,
conforma ele avança. Essa mórbida semelhança da realidade que ele antes conhecia,
com o aterrorizante mundo em que ele vive, torna-se evidente em alguns momentos:
Há dois momentos de paz nas peregrinações de Rick e seu grupo (que inclui seu
filho, Carl, o único vínculo que ele ainda mantém com o mundo anterior): Woodbury
e a Prisão. Woodbury é uma pequena cidade construída por sobreviventes que
conseguiu fortificar-se e manter uma vida visualmente normal. Lojas, vizinhanças,
restaurantes e a sensação de paz que já não existe mais. Mais ainda, eles possuem um
governo, na figura de um homem autointitulado O Governador.
Com o tempo, Rick percebe que a aparente calma de Woodbury é inquietante,
e sob o manto da aparente pacata comunidade, jaz uma força terrível que não apenas
mantém todos felizes sob uma mistura de terror e egoísmo, como também evita que
qualquer um se aproxime e destrua aquele pequeno Éden dos tempos remotos.
O Governador é um déspota, que tortura e mata prisioneiros, além de realizar
lutas de humanos com zumbis como uma forma de entretenimento para sua população.
Woodbury é, percebe Rick, uma distorção especular do que antes foi a sociedade
estadunidense, cuja máscara cai graças à existência de uma ameaça maior: a ameaça
incansável dos mortos-vivos. É somente frente à certeza de que nada mais é como
parece, que Rick consegue ver por trás da máscara da perfeição de Woodbury.
Narrativas de Viagem

Mais ainda, é somente com a certeza de que, naquele mundo cuja realidade
tornou impossível a criação de raízes como se tinha antes, que uma cidade como
Woodbury não pode existir. Não se pode mais criar laços e vínculos, não como antes,
pois foi precisamente a lógica de antes que escalonou até o apocalipse em que eles
vivem. Após a queda, não há como retornar ao que era antes, não sem esconder sob o
tapete a monstruosidade que tomou conta do mundo.
Finda Woodbury, Rick e seu bando procuram um lugar onde se esconder com
segurança, tentando abandonar o nomadismo e ter um pouco de paz, mesmo que
55 momentânea. Eles encontram uma prisão, e nela entram. É significativo esse episódio
porque demonstra como tudo que era tido como normal, numa sociedade roída pela
distopia, adquire outro significado. Identidades, poderes e instituições se transformam,
e uma nova ordem nasce.
A prisão, símbolo máximo da separação entre o bom e o mau, com o bem fora e
o mal dentro, se transforma totalmente num lugar que abriga os bons dos maus. Antes
um local abjeto e distante, a prisão torna-se (ainda que temporariamente) uma proto
sociedade em que há uma hierarquia, divisão de tarefas e até agricultura.
Woodbury e a prisão são, portanto, demonstrações de como não há como
manter o Eu no confronto com a projeção do Eu que emerge da distopia. Tudo parece
o mesmo, mas é preciso ter a força de admitir que não mais é. Como uma analogia, The
Walking Dead – e, à sua maneira, toda a geração beat – evocam a lembrança de que o
que vivemos é um incômodo, uma sociedade cujas estruturas e instituições apontam
para um futuro terrível, que se cristalizará de uma maneira terrível e fatal.
Finalmente, a linguagem utilizada na série também se prova relevante. A fuga
aparece até na maneira com que os personagens se referem aos mortos-vivos. Em
momento algum, por todas as temporadas da série, estas figuras são chamadas de
zumbis ou mesmo de mortos-vivos, pelo contrário, adquirem alcunhas que beiram
o bizarro como “caminhadores”, “rastejantes”, “corpos”, “mordedores”, “famintos”,
“espreitadores” entre outros. Evitar falar a palavra é evitar o enfrentamento da
realidade. Kerouac, por outro lado, enfrenta a língua e suas nuances, por meio de
negociações intelectuais entre os personagens e também com o leitor. O dia-a-dia de
Rick faz do público mero observador, enquanto o de Paradise, um voyeur que poderia
fazer parte daquela realidade.
Deslocar, fugir, é a única solução possível. Seja por meio das drogas, ou do
deslocamento físico, a fuga é o único caminho dentro de um território cujas estruturas
tornaram-se barreiras e, mais ainda, limites, cerceamentos. Como um rato no labirinto,
o indivíduo corre dentro de um ambiente fechado (do qual é observado do alto, muitas
vezes de forma sádica), procurando a saída. Para eles, a fuga é a expressão humana da
eterna tentativa de escapar da solidão, do desespero, da perdição, da insignificância,
da fragilidade e, finalmente, da morte: o maior e mais inquietante dos medos humanos.

4. Considerações finais: a saída do Inferno

Rick Grimes e Sal Paradise vivem o cotidiano como se não houvesse garantia
Narrativas de Viagem

de futuro, e talvez não haja. Qualquer que seja o motivo — zumbis, guerras, gangues
ou conservadorismo — a vivência do hoje, como uma experiência completa em si,
ratifica e rompe a sociedade de consumo norte-americana. O presente em que eles
vivem é intolerável, e a única maneira de fazê-lo é desfazendo-se do que o torna
tolerável. Paradoxalmente, para sobreviver à sociedade dos mortos-vivos, Rick
Grimes busca uma vida normal, enquanto Sal Paradise motifica-se para conseguir
viver à sociedade “normal”.
É apenas com este subterfúgio que os personagens conseguem despregar-se
do Eu inquietante que parece refleti-los no espelho com um sorriso de escárnio, o
56 sorriso daquela força ancestral que se sabe invencível, e cujo poder é capaz de roubar
até a própria essência do indivíduo, retirando as forças da sua própria identidade,
confundindo-o, anulando-o.
Desconstruindo a força terrível da sociedade de consumo, Sal Paradise e Dean
Moriarty lutam com o que podem para fugir dos moldes das respectivas distopias que
tentam absorvê-los. E, como faz bem todo andarilho ou viajante de uma narrativa
apocalíptica, ambos se despem de tudo que não é essencial. Apenas com a roupa do
corpo, algumas latas de comida e uns trocados, ambos partem em viagem, levando
apenas do que é necessário para a sobrevivência (The Walking Dead) ou para a fruição
de sua jornada (On the Road). Não obstante, a palavra também faz parte do arcabouço
material de qualquer viajante, a partir do momento em que ele ou ela transforma
vivências em relatos orais ou escritos. A palavra, dita ou escrita, é sim um registro, e
é igualmente a experiência em si. Por intermédio dos instrumentos da memória e da
linguagem, a narrativa ressignifica o olhar, tornado-se o meio e também a finalidade da
aventura vivida.
Os Estados Unidos, portanto, palco das aventuras das duas narrativas, mostra-
se um país distópico, apresentado sob dois diferentes prismas. Em The Walking
Dead isto é bastante evidente pela analogia do cenário pós-apocalíptico. Já em On
the Road, em diversos momentos, a distopia se apresenta de maneira mais sutil, nas
estereotipações desdenhosas com que Paradise e Moriarty qualificam muitios dos
personagens com quem interagem pelo mapa. O sulista que pensa e fala de um jeito
engraçado, as indígenas que não entendem a cultura do homem branco, as mulheres
sem personalidade e levemente histéricas etc. Todos estes personagens do American
Dream são tão genéricos quanto os zumbis de The Walking Dead. E assim caminha
uma distopia, com um apagamento contínuo das nuances, de obliteramento das
identidades, de forma a enquadrar as pessoas em categorias desumanas, como mortos-
vivos que apenas repetem um único comportamento possível.
Finalmente, ambas as narrativas são grandes metáforas da maneira de viver
estadunidense. Utopicamente, Os EUA são a terra da liberdade, do sonho americano,
do leite e do mel, mas, na prática, são o país do exílio, da segregação, de Donald
Trump e Steve Bannon, em que tantos estrangeiros e até mesmo cidadãos migram
dentro de suas largas fronteiras, fugindo das inquietantes e controversas forças que
parecem familiares, acolhedoras e – por quê não? – democráticas, mas que buscam
unicamente encarcerá-los em compartimentos de consumo e silêncio. Neste aspecto,
até o inferno de Dante e o de Virgílio, com seus círculos e diferentes terrenos, e
passagens ao Paraíso e à Terra, são mais plurais que os EUA de Kerouac ou Kirkman.
Narrativas de Viagem

Como alento, portanto, ficam as palavras do Orco italiano, em que se lê:

Antes de mim coisa alguma foi criada


exceto coisas eternas, e eterna eu duro.
Abandonai toda esperança, vós que entrais!
(Dante Alighieri, A Divina Comédia, Inferno, III, 1-9)
57 REFERÊNCIAS

ALIGHIERI, Danta. A Divina Comédia. Tradução de Helder da Rocha. 1999.


ARTIÈRES, Philippe. Arquivar a própria vida. Estudos históricos. São Paulo, v. 21,
p. 9-34, 1998.
BERRIEL, Carlos Eduardo Ornelas. Editorial. Revista MORUS – Utopia e
Renascimento, Campinas, n. 2, p. 4-10, 2005.
CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas, poderes oblíquos. In: Culturas Híbridas
- estratégias para entrar e sair da modernidade. Trad. Ana Regina Lessa e Heloísa
Pezza Cintrão. São Paulo: EDUSP, p. 283-350, 1997.
FREUD, Sigmund. (2010) O Inquietante (1919). In: Obras Completas de Sigmund
Freud v. XIV. Trad. Paulo Cesar de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
JUNQUEIRA, Mary Anne. Elementos para uma discussão metodológica dos relatos
de viagem como fonte para o historiador. In: Cadernos de Seminários de Pesquisa
vol. II. São Paulo: Editora Humanitas, p. 44-61, 2011.
KEROUAC, Jack. On the road (Pé na Estrada). Porto Alegre. L&PM, 2009.
PAULINO, Carla Viviane. Os relatos de viagem do século xix como fontes históricas
para a prática do Ensino de História da América: algumas considerações teórico-
metodológicas. In: Fronteiras & Debates. Macapá, v. 3, n. 2, p. 115-136, jul./dez. 2016.
SCHEMES, Elisa Freitas. A literatura de viagem como gênero literário e como fonte de
pesquisa. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, XXVIII. Florianópolis, 2015.
Disponível em: http://www.snh2015.anpuh.org/resources/anais/39/1439245917_
ARQU IVO_2. ARTIGOANPUH2015Elisa-Final.pdf.
THE WALKING DEAD [Seriado]. Criação: Frank Darabont. Produção: Caleb Womble,
Jolly Dale, Paul Gadd et al. Produtora AMC Studios, 2010, son., col.
TODOROV, Tzvetan. A Viagem e seu Relato. Revista das Letras. São Paulo, v. 46, n.
1, p. 231-244, jan./jun. 2006.
VIRGÍLIO. Eneida brasileira ou tradução poética de Públio Virgílio Maro. Trad.
Manuel Odorico Mendes. Org. Paulo Sérgio de Vasconcellos et al. Campinas: Editora
da UNICAMP, 2008.
Narrativas de Viagem
58 MISSING ROADS: TRAVEL
ACCOUNTS AND DYSTOPIAN IDENTITIES

Nayara Helou Chubaci Güércio1


Victor Lemes Cruzeiro2

“Stop walking there: say why you should visit


a land of Shadow, languid Midnight and Nightmare.
To carry living flesh in my Styx ferry is sinful [...]”
The seer of Amphrysian Phoebus answered him shortly,
“Don’t be troubled. No one here is deceitful.
Our weapons have no force [...]
Aeneas of Troy, known for filial love and for war-work,
wants to meet his father’s shade in Erebus’ darkness.
If no one sign of his great devotion will move you,
here’s a bough you’ll know [...]”
Charon’s puffed-up rancor subsided [...]
he swung the coal-blue ferry around to the bank and apporached them.
First he dislodged from the long benches the other
souls who’d sat there. Clearing the boat’s gangplanks, he took on
the bulk of Aeneas.
(Virgil, Aeneid, Book VI, 389-414)

1. Introduction: the Golden Bough

One explanation is needed, as it is at least curious, to why begin a work on


travel accounts with a passage from the epic descent of the Trojan hero Aeneas to
the world of the dead in Greco-Roman mythology. First of all, the adventures of the
Latin hero, as well as his companions Ulysses and Achilles, are fundamentally great
journeys, recorded in the Aeneid, Odyssey, and Iliad. In this tone, this work begins
by revealing and expanding the very notion of travel that, according to the Bulgarian
linguist Tzvetan Todorov, concurs with life, no more, no less (TODOROV, 2006, p.231)
Thus, a journey will be understood in these pages not as only a displacement
in the space, but as a displacement of the traveler, even in himself. The displacement
in space is the first sign of change, but never the only one (TODOROV, 2006). In that
sense, the passage of Aeneas through the underworld will be as much a journey as the
seven years in which Ulysses spent on the same island with Calypso, consequently
travels are also the reports of those who wander through their own territories,
plagued by violence, change or by madness.
Travel Narratives

1 Graduated in Social Communication at the University of Brasília (UnB), with a master’s degree in Social
Communication at the same University, in the research line of Image, Sound and Writing. Teacher and researcher.
Conducts research in the areas of Literary Translation, humanitarian aid, audiovisual, aging and gender studies,
focused mainly on social imaginary and its subjectivities.
2 Graduated in Philosophy at the State University of Campinas (UNICAMP), with a master’s degree in Social
Communication at the University of Brasilia (UnB), in the research line of Image, Sound and Writing. Teacher
and researcher. Works mostly at the intersections between aesthetics, phenomenology and literary journalism,
investigating the various forms of pain.
59 For time is also an indication of a journey, inasmuch as it also generates
change, foundation of any voyage, and consequently of every tale. So the pre-Socratic
Heraclitus was correct in saying that one do not bathe in the same river twice, even
if one enters at the very same place where one bathed yesterday. Because that is no
longer the same river, and you are no longer the same person. Both made a journey
that, sealed in space, traveled the irreversible distance of a day:

Travels in space symbolizes the passage of time, the physical displacement


does it to an inner change; [...] The trip transcends all categories, including
the change, the same and the other, since from earliest antiquity there are
accumulated voyages of discovery, explorations of the unknown, and return
trips, reappropriation of the familiar: the argonauts. are great travelers, but so
is Ulysses (Torodov 2006, 231).

Every travel report, therefore, carries with it the indissociable function of


narrating a change that has occurred in its rapporteur. Its authors assume the position
of researchers and subjects of one same experiment, as they concurrently register and
are modified by same the event. However, it is naive to analyze such accounts as from
neutral sources, as reflections of change in a flat person as a screen, ready to passively
receive the changes of a new location.
One must understand a travel account, whatever it may be, as the mixture of a new
record, of a quasi-scientific nature, supported by an earlier inheritance of cultural, social,
linguistic characteristics, usually linked to a national origin that will give the records its
measures. From this hybrid character of the reports, Elisa Schemes (2015) says that one
can find both official and scientific reports permeated by the “writing of the self”, as well
as diaries – understood as a form of self-writing – based on scientific discourse.
Far from being only the research of a new place, therefore, every voyage is also a
confrontation of what is familiar with what is not, generating a clash of values that can
lead to different reflections upon the local. Carla Viviane Paulino (2016), historian and
educator, gives good examples of reports of American travelers to Latin America, where
the sense of superiority of the traveler over the new territories is evident. On the other
hand, Elisa Schemes (2013), in her master’s dissertation, cites several excerpts from the
travel report to the United States made by the doctor and writer Oswaldo Cabral (1903-
1978), in which he displays a dazzled enthusiasm for “the land of freedom”.
Transit is to seek dominion, not necessarily of territories, as did many explorers3
in their great vessels, but the domain over the “sociology of grids”4. The freedom of
the itinerant lies in perceiving his or hers own prison. More than that, it consists
in understanding that the cell is not the impossibilities of geographic crossing or
interaction with others, but in the closure that the individual makes out of himself.
Travel Narratives

The jailer is as stuck as the prisoner.


For a long time, travel accounts were thus an important means of seeing the other,
and the mass dissemination of different, real and fanciful stories helped Europeans
shape their understanding of themselves as well as the rest of the world – fact which

3 A double sense is permited here


4 Term used by the Argentinian antropologist Néstor García Canclini.
60 has led to all the colonial disasters since the beginning of the maritime expansions.
Therefore, in the next parts, this dubious character of understanding and projection
of the narratives will be better analyzed, to then pose the question: what does one see
in his own land, but can not be seen or identified? Departing from dystopian travels,
the analysis will seek to understand what problems, conditions and conclusions can
be found in the disturbing journey of one who looks at his own image in the mirror,
but for some reason does not feel at home.

2. Mirror of the world


“This vast world... Is what
we need to know ourselves
as we should in our
true inclinations.”
(MONTAIGNE, 1877, p. 113)

There are many examples of travel accounts that show the clash of so-called
native thinking in regard to the other. Carla Paulino (2016), for example, gives the
report of the English mechanic Thomas Ewbank (1792-1870) during his stay in Brazil,
to the US Navy captain James Melville Gilliss (1811-1865), of his trips to Chile.
In both narratives, it is clear how the travelers’ experience serve much more
to reinforce the opinions the authors already had about the visited places and their
inhabitants, than to build a distinctive image of that new location. If there was a
change in the way Ewbank or Gilliss reflected on the observed sites, says the author,
it was in the senses of “confirming” the low status attributed to the places visited and
the prominence held by the United States” (PAULINO, 119).
It is important to note that this is almost an imperialist thinking, given its
overwhelming power to suppress its own territorial boundaries. As an example,
Paulino claims that Ewbank, despite his praises to the United States of America, was
not even American, but British.

In his report, we can find descriptions, always followed by the author’s


judgments, on practically every aspect of Rio de Janeiro. In it, we find that his
judgments generally compare, directly or indirectly, Brazil with the United States.
When describing the monarchist regime, he fiercely criticizes it, mentioning the
virtuous republicanism of his own country, the United States. Yes, for Ewbank,
the fact of being born in England was not even mentioned. His country was the
one he had chosen, and not that of his birth (PAULINO, 2016, pp. 121-122)

With all this, it is impossible to separate the writing of an individual from the
society that shaped him. In addition to other economic and cultural factors, such as
Travel Narratives

the distribution of an account and the accessibility of its language, this inseparability
further promotes the projections of these authors. The author develops this idea a
little more by relying on Edward Said (1935-2003), the Palestinian activist and writer,
and his work Culture and Imperialism (1993). She says that:

For Said, literary productions are not disconnected from the cultural, economic
and political context in which their authors are immersed. Thus, works such
61 as novels and travel literature have reproduced a certain type of discourse that
has positioned the European man and also the American in certain situations,
as well as their “Western world” and its values, as superior in relation to the
“rest” of the world, thus delimiting the domestic space in relation to other
places. (PAULINO, 2016, pp. 118-119)

Thus, one turns to the hybrid character of the story, in which a “writing of
oneself” joins a certain scientific discourse, whether real or not. On this, it is necessary
to approach the possibilities presented by such a “writing of oneself”, so to then enter
the terrain of the veracity of the accounts.
In the first place, it is necessary to bring the non-exhaustive character of any
writing. Even before bringing the archival compulsion that formed the West out
of the Judeo-Christian tradition of exhaustive written record, one must bring that
understanding into the microcosm of the individual and state categorically that it is
impossible to record everything that happens in a life.
The French researcher Philippe Artières, thinker of the autobiography as form,
says that although we are driven by a will to classify and file everything that occurs
to us (“the abnormal is the not-documented!”) – we do not file our lives carelessly; we
do not store all the apples in our personal basket; we make an agreement with reality,
we manipulate existence: we omit, erase, scratch, underline, put into exert certain
passages “(ARTIÈRES, 1998, p.11). Moreover, the researcher continues

In an intimate diary, we record only a few events, omit others; sometimes (...)
we add things or fix that first version.
In the correspondence we receive, we throw some letters directly in the trash,
others are kept for a while, others are stored (...) The same happens with our
own letters: we keep a copy of some, either because of their content, whether
by reason of their recipient.
In an autobiography (...) not only do we choose some events, we order them in
a narrative; the choice and classification of the events determines the meaning
we want to give to our lives. (ARTIÈRES, 1998, p. 11)

In common, all these archiving practices of the self – of self-writing – share


what can be called an autobiographical intention (ARTIÈRES, 1998). And, in this roll,
full of this intention, it is also possible to find the travel reports.
One can understand, therefore, that the travel account is not an absolute form
of record, which would imply in a complete (perhaps impartial, that many would like
to call scientific) passage of its author through a new place. The selection is made in
an absolutely subjective way, based on personal and unique criteria and, of course,
marked by an undeniable cultural background.
Travel Narratives

Thus, as demonstrated in the excerpts from Ewbank and Gilliss, one should not
expect from a trip report wholeness and exemption. And, even more so, one should
not expect absolute veracity either - which, however, will not damage its narrative
effectiveness as a narrative.
The Brazilian historian Mary Anne Junqueira (2011) elaborates a methodological
discussion about travel reports, stating, first and foremost, that each travel report is unique:
62 In approaching these sources, the historian – especially that one who analyzes
the discourse – must hold to many aspects: to confer the “place of enunciation”
and the cultural universe of the traveler; evaluate the period in which the text
was written (during or after the journey); the way the record was elaborated
(narrative, memory, letters, diary, etc.); and when the text was published, if
applicable. But, first of all, we must ask ourselves who is the writer of the
story – or who he wants to be (Junqueira, 2011, pp. 46-47)

The researcher continues her methodological overview of the genre by listing


five issues that draw on her attention:

1) the fact that travel accounts operate systematically with the notions of here
and there, even though the story’s author never has traveled “(JUNQUEIRA,
2011: 48);
2) all reporting presupposes a reader, even if this is only the writer of the
story‖ (JUNQUEIRA, 2011, page 48);
3) even if the traveler has made the voyage in his teens and writes in old age,
the text will still be considered a travelogue or “Travel memory” (JUNQUEIRA,
2011, page 49);
4) a voyage – particularly the travel account – functions as an inspiration for
other journeys since ancient times‖ (JUNQUEIRA, 2011: 49);
5) the travel literature has not been immune to the professionalization of
writing‖ (JUNQUEIRA, 2011, page 51);

While the first point deals with the so-called encounter with the other, the next
three deal with the hard literary character of the account, of its function as writing5. The
fifth and final point deals with the question of the veracity of the travel report. From
the historian Mary Louise Pratt, Junqueira (2011) states that in the eighteenth century
it was custom to look for text professionals to tweak on the writings, and that in the
scientific journeys of the eighteenth and nineteenth centuries it was common to invite
renowned scientists – even if absent from the journey – to contribute to the final report.
On this point, it should be mentioned that the notion of authorship is a recent
one (it is under Cervantes’ time, that is, in the seventeenth century, that the first
disputes occured regarding a work’a authorshi6), and so is the mixture of literary genres
present in the story. Junqueira says that the reports responded more to a yearning of
the reading public than to a criterion of veracity, somewhat anachronistic, and that
the important thing to consider was the truth that the story wanted to construct, not
its “veracity” (Junqueira, 2011, 53). Going deeper into this question, Junqueira draws
from the Frankish scholar Jan Borm that

it is a problem to define the travel report as an object because this is a “genre


composed by other literary genres”. Borm maintains that it is a kind of hybrid
Travel Narratives

genre, since it feeds on other types of discourses. The critic cites fiction

5 Here we suggest the rich discussion made by Vilém Flusser about writing in the book A Escrita – Há future
para a Escrita? [The Writing - Is There a Future for Writing?] in which the thinker presents that the code responsible
for the support and transmission of Western knowledge – frantic and hesitant (...) offers a deep glimpse into the
structure of thought (and behavior) that is put into lines, that is, put in a structure of thought in time, that runs
from the past towards the future, without stopping in the present “(FLUSSER, 2011, p.20)
6 It is said that Miguel de Cervantes (1547-1616) wrote the second part of his Don Quixote as response to an
imitator, who under the pseudonym of Alonso Fernández de Avellaneda wrote the a second apocryphal part of the
adventures of the errant knight, in 1614, nine years after the publication of the first part by Cervantes.
63 (novels, novels, short stories, poems, etc.), autobiography (or self-writing),
scientific discourses, memorial texts, etc., among the genres commonly found
in travel accounts. (JUNQUEIRA, 2011, 55)

In the same direction, Elisa Schemes (2015) extends the discussion to the field of
literature, under the auspices of the British critic Terry Eagleton, and states that the
definition of a genre – and its consequent veracity – is as complex as the definition of
what is literature itself. The author asserts that it is not possible to identify a sufficient
set of elements which, put together in a text, would define “literature”, and Eagleton
says that “literature, in the sense of a collection of works of real and inalterable value,
distinguished by certain common properties, does not exist” (EAGLETON, 2006,
p.16). And, the Marxist literary critic continues, this definition of literature is not
only unstable, as it would not be in the origin of the text or its intrinsic elements, but
in the relation that its readers establish with it:

What matters may not be the origin of the text, but the way in which people
consider it. If they decide that it is literature, then it seems that the text will
be literature, despite what its author has thought. In this sense, we may think
of literature less as an inherent quality, or as a set of qualities evidenced by
certain types of writings, ranging from Beowulf to Virginia Woolf, than to
various ways in which people relate to writing (EAGLETON, 2006, page 13,
apud SCHEMES, 2015, p.8)

Given this notion on the limitation of a story’s authorship, and the mutable
character of the genre itself, one can understand that travel accounts, in their various
possibilities, are constructs of a view, and therefore located in specific contexts.
Thus, elements of conjuncture - political, economic, social and cultural issues
- permeate the production of any travel report and, inseparably, integrate its “form”
and “content” (SCHEMES, 2015). However, this does not mean reducing the work to
its context by treating literary texts as mere reflections of reality, nor does it make
history a mere background. Citing the Brazilian literary Antonio Cândido (1918-
2017), the author states that the understanding of a work embraces both external and
internal factors.
From this understanding, one can see the colonizing or colonized reports that
come to us, reproducing stereotypes of race, religion and society (PAULINO, 2016;
SCHEMES, 2015). With this apparatus, it is possible to confront the colonialist ideology
and say to the stories, fictional or not: “but these authors are not us” (TODOROV,
2006, p. 243, emphasis added).
What happens, however, when they are?
Travel Narratives

3. The spectrum of oneself

Being all travel report a kind of representation of the encounter with the other,
in a scenario formed by previous cultural conceptions and inclinations. However,
what happens in the opposite? When the story is a representation of the encounter
with the fellow, but in a distorted setting?
64 If the “true” travel account, from the reader’s point of view, narrates the discovery
of others (TODOROV, 2006, p. 240), how does one report that there are no others but
peers? In most travel accounts there are descriptions of savages from distant regions
or representatives of non-European civilizations, Arabs, Hindus, Chinese etc., viewed
by a prism of superiority or, at the very least, alienation. But how to analyze an travel
account that did not take place in a distant region, but in the territory itself, where
there is no barbarian, but the same language is shared? At first, there will be no travel
report, because there is no feeling of otherness in relation to the beings (and lands)
evoked (TODOROV, 2006, p. 240). However, if in the presence of peers and in the
familiar territory of the nation, the reflection is distorted, there is an uncomfortable
feeling that justifies and fundament a travel account: the unsettling.
In brief terms, the unsettling emerges strongly in the Western intellectual
tradition with the short 1919 essay of the Austrian psychoanalyst Sigmund Freud
(1856-1939), in which, from an introduction to the etymological analysis of the German
term Heimlich Starting from the most superficial meaning, of what is familiar, Freud
walks through an etymological (and epistemological) tree that leads to the concept of
what is protected, hence hidden, unconscious, and therefore potentially dangerous,
“so that heimlich receives the meaning that normally has unheimlich ”(FREUD, 2010,
p. 339). Turning the term completely (from intimate to ‘what is hidden’, which comes
back to the light), Freud borrows the rich definition from the German philosopher
Friedrich Schelling (1775-1854), who says that the Unheimlich “does something
entirely new, something unexpected to us. Unheimlich would be anything that should
remain secret, hidden, but appeared” (FREUD, 2010, p. 338).
The psychoanalyst proceeds with an analysis of the term as it appear in the
short story The Sandman and in the novel The Devil’s Elixirs both by German author
E.T.A. Hoffmann (1776-1822). And it is from the latter that Freud derives a sense of
the unsettling that serves us here: that of the double. The psychoanalyst says that
regarding the Unheimlich, it is remarkable the meanings of the

double, in all its gradations and developments; that is, the emergence of
people who, by their equal appearance, must be considered identical [...], so
that one also possesses the knowledge, feelings and experiences of the other;
the identification with another person, so as to misunderstand the Self or to
put another Self in its place, that is, a duplication, division and permutation of
the Self (FREUD, 2019, p. 351)

Therefore, this almost supernatural bond, broadly translated by Freud’s


etymological conclusion, manifests a restlessness that is ordinarily harmless but
becomes fatal when associated with an inexplicable repetition, with a sense of loss
Travel Narratives

of self and identity, associated with a force that seems “The creation of a remote and
overcome time[...] terrible, just as gods become demons after the decline of their
religion” (FREUD, 2010, p. 353-354).
The disturbing thing about the encounter with the double is, therefore, precisely
this desecration, this sense that an ancient, terrifying force from another time takes
the exact same form as the one who sees it, becoming the Self, more powerful than
65 the Self, and even more, replacing (and erasing) the Self.
This is the starting point for the analyzes of this work, which are anchored in
the loss of identity when traveling within an unsettling [unheimlich] territory, based
on a dystopia. We have chosen the book On the Road (1957) by the American Jack
Kerouack (1922-1969), the American television series The Walking Dead (2010), based
on the homonymous comics.
Before starting the analysis, a brief explanation on the dystopian character pointed
out in the travels narrated here. Dystopia is usually understood as the specular opposite
of utopia (BERRIEL, 2005, p. 4). Utopia, in turn, is a “dream”, born of an abstraction –
the fruit of a unique social and cultural configuration, a Zeitgeist – that by approaching
the real and the illusory, approaches the various travel reports from distant lands, be
it realistic accounts such as the ‘Two Trips to Brazil’ (1557), by the German voyager
Hans Staden, or Hernán Cortéz’s ‘Letters’ (1524) to King Carlos V on the Conquest of
Mexico, to other far more fanciful ones, like ‘Vril: the Power of the Coming Race’ ( 1871)
by Edward Bulwer-Lytton and Admiral Richard Byrd’s alleged travel journal7.
In this way, utopia reconfigures a society in historical, cultural and political ways,
with the aim of overcoming it, usually coinciding this reconfiguration with a faraway
journey, distancing itself from the “(insatiable) gap” present in today’s society (BERRIEL,
2005, p. 5). Conversely, dystopia broadens and formalizes the negative tendencies of the
present, consolidating them into a territory often geographically closed.
It is not, therefore, a dystopia is not merely an account of a terrible future,
such as George Orwell’s (1903-1950) novel 1984 (1949) or Alan Moore’s graphic novel
1988)8. Often, dystopia presents itself as an account of an individual trapped in his
own territory, who sees the structures of what he knew as normal crumble, whether
by an apocalyptic plague, or by a fatal upsurge in society around him.
In Jack Kerouac’s On the Road, dystopia appears in a conservative United States
of America, that pushes its outsiders out on a continual search for a place that would
welcome them, that wouldn’t bring frustration. In the narrative, restlessness, the
desire for something that is not yet known, or why, act as the steering wheel of
the characters’ journey. The characters are dystopian in essence, Sal Paradise – a
supposed alias of Kerouac himself – and Dean Moriarty – based on Neal Cassady
– are always in a distressing search for themselves, looking for the resolution of a
personal and shared nuisance that seems to have no solution, but that can be numbed
with drugs, including the road itself. To be on the road is to pursue the satisfaction
7 Without proven authorship, Byrd’s diary has no official publication date, but appears in different portals
maintained by ‘hollow earth’ theorists. Byrd’s diary has different versions. In one of them, the race is presented
as the ‘Arianni’. VENTURA, The Land Beyond the Pole - Richard Byrd’s secret diary. Available in http://www.
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curaeascensao.com.br/curiosidades_arquivos/curiosidades74.html
8 At first it the intention was to work on two essentially dystopian works, but the subtlety and almost inverse
character of On the Road led to a change in choice. In the American Beat novel, the threat is so subtle and invisible
that the protagonist has nowhere to flee but into himself. American Dream is a prison without bars that almost
drives him crazy. In the case of the dystopias of The Walking Dead, The Handmaid’s Tale (Margaret Atwood)
and The Road (Cormac McCarthy), each in their own way make the characters transform themselves to actively
combat the visible and named threat that haunts them. In the case of The Road, that were the first choice of this
paper, violence becomes part of the daily survival of a father in a world where a nameless cataclysm has destroyed
life and civilization on earth. As a price to pay, he gives up everything, his wife, his house and even of the names.
There is no more cities, nor directions, and even the great road that they follow, has no longer any identification.
At no time does he – as well as the narrator – refer to his son as a son, but eventually as the boy or the child.
66 of a strangely destructive desire, to pursue an obsession while seeking the comfort
of home. Home is the utopia imagined by the American consumer society in which
they themselves are inserted, while the road is the dystopia imagined by the desire
for something indefinite – perhaps even driven by consumerism itself – but which
demands self-destruction. Herein lies the greatest of concerns, expressly experienced
by Paradise and Moriarty: how to deny the house, in search for it?
Kerouac’s work is one of the exponents of the “beat generation” in literature, in
which the expression of the “I” becomes the literary object and method. In order to express
themselves freely, to tell their stories – often autobiographical – through the recording
on paper, language is not a mere instrument, it is also part of the expression of the “I”.
Interjections permeate Moriarty’s vocabulary, the excitement of discovery is present even in
the way dialogues are locked. The story is narrated in an engaging, inviting, even seductive
way, even though it permeates a universe far removed from most people. The reader may
also make his own interjections, he is now part of Sal’s daily life, who writes without any
formalities. Sal’s “I” is denuded in his accounts, but translated by the “I” of the reader, thus
fulfilling one more desire of the writing of the self, to be seen, albeit in another light.
Thus, the dystopia in which Paradise and Moriarty find themselves the pressure
of the American Dream, of having a home, a career, a job - a fixed place. Like the
1984 totalitarian government that surveys its individuals and forces them to stay
permanently in their places of residence and work, the 1950s United States, optimized
by the postwar economic boom on the inside, and tensioned by the Cold War on the
outside, also forces their individuals to take root and show loyalty.
So getting on the road is, for Paradise and Moriarty, the same as writing for
Winston, Orwell’s character. It is not just resistance, it is the only form of survival,
even if it leads to destruction. In the case of On the Road, the destruction is evident in
the numbness characteristic of the beat generation, which is repeated in the works of
William Burroughs (most famously Naked Lunch) and Charles Bukowski.
Across the US from San Francisco to New York, through Denver and Detroit,
the protagonists encounter the country of their birth, with its perfectly functional
structures – the jobs, the bus lines, the Christmas parties – but that they don’t find
familiar anymore. Everything gives them a feeling of strangeness, a nuisance, as if it
were all a fantasy, or a nightmare. At some point, waking up in a roadside hotel room,
Paradise has the feeling that “I was just somebody else, some stranger, and my whole
life was a haunted life, the life of a ghost”. (KEROUAC, 2001, p. 12)9
It can be thus seen that the disquiet comes from the characters themselves, not
feeling that they belong to that world. An inner unease, where Paradise feels he is a scam
in that world that is so terribly real. Unable to adapt in a domestically perfect society
Travel Narratives

that hides the dystopia of a financial and militarized system, the protagonists indulge
themselves into numbness, sometimes by drugs, sometimes through displacement.
Only in this way they can escape the overwhelming rationality that tries to convince
them that they do not belong to that world, that they are insignificant to the point of
being ghosts, shadows, failures.

9 Translated by authors.
67 Finally, Sal Paradise’s almost amateurish character is also a form of resistance,
when he as a writer abandons the desire for the great American social romance, a tradition
coming from names like F. Scott Fitzgerald. The flow of awareness is a struggle against
the totalitarian imposition of “good literature”, of “high culture”, that the beat movement
fought against. Moreover, this almost instant writing, linked much more to the experienced
emotion than to the rationalization of the event, refers to the travel reports, in which

the typical travel writer is not a professional writer; he is someone who takes
the pen almost against his will, and because he feels he is the bearer of an
exceptional message; once the message is delivered, he rushes back to his
normal non-writer existence (TODOROV, 2006, p. 240)

Regarding the American TV series The Walking Dead (NBC, 2010), inspired
by Robert Kirkman’s homonymous comic book, contrary to Kerouac’s work – and
even surprisingly – does not reinforce, through its protagonist Rick Grimes (Andrew
Lincoln), a drive for the unsettling of the unknown through self-destruction. Here,
dystopia presents itself not as a conservative society that attacks the protagonists’
ideals, but as a mortally perverse society (BERRIEL, 2005), which devours (literally!)
the protagonists.
When a zombie apocalypse of unexplained origin (after all, what difference
would it make to know the precise origin of such an uncontrollable evil), Sheriff Rick
Grimes wakes up in a hospital after a period of coma. Gradually, he realizes the utter
ruin of society as he knew it, and goes in search of the only thing left: survival. There
are no more government, police forces, or any other institution to guarantee the
normalcy of life. Rick moves into familiar territory, clueless of what awaits him on the
turn of the road. The unknown becomes the norm. The imperative.
Moreover, normality takes the form of the undead, hungry for human flesh.
And the frightened humans flee, hide, oppressed by the consolidation of a perverse
biological rule. So no matter how zombies may be the real threat to survival, they
are just a tool to the feeling of unsettlement that comes by living in that world. Upon
awakening, Rick sees that everything remains the same, but that it has been covered
by a thin, transparent layer of death, that gets thicker and thicker as he goes on. This
morbid resemblance to the reality he once knew with the terrifying world in which
he now lives, becomes evident at times.
There are two moments of peace in the pilgrimages of Rick and his group (which
includes his son, Carl, the only link he still has with the previous world): Woodbury
and the Prison. Woodbury is a small town built by survivors that has managed to
fortify itself and maintain a visually normal life. Shops, neighborhoods, restaurants
Travel Narratives

and the sense of peace that no longer exists. Moreover, it as have a government in the
form of a self-titled man, The Governor.
Over time, Rick realizes that Woodbury’s apparent calm is unsettling, and
beneath the cloak of a seemingly calm community lies a terrible force that not only
keeps everyone happy under a mixture of terror and selfishness, but also prevents
anyone from approaching and destroying that little Eden of ancient times.
68 The Governor is a tyrant who tortures and kills prisoners, and conducts human-
zombie fights as a form of entertainment to his people. Woodbury is, Rick realizes, a
specular distortion of what was once the American society, whose mask falls off thanks
to a greater threat: the untiring threat of the undead. Only facing the certainty that
nothing else is as it seems, is it that Rick can see behind Woodbury’s mask of perfection.
Moreover, it is only within the certainty that in a world whose reality has made
it impossible to take root as before, that a city like Woodbury cannot exist. You can
no longer create bonds and links, not as before, because it was precisely the logic
of before that staggered to the apocalypse in which they now live. After the fall,
there is no turning back to what once was, not without sweeping under the rug the
monstrosity that has taken over the world.
After the end of Woodbury, Rick and his band search for a place to hide safely,
trying to abandon nomadism and have some, even if momentary, peace. They find a
prison and enter it. This episode is significant because it demonstrates how everything
that was considered normal in a society, when gnawed by dystopia takes on another
meaning. Identities, powers and institutions change, and a new order is born.
A Prison, the ultimate symbol of separation between good and evil, with the good
outside and evil within, transforms itself totally into a place that shelters the good from
the bad. Once an abject and distant place, the prison becomes (albeit temporarily) a
proto-society in which there is hierarchy, division of labor and even agriculture.
Woodbury and the prison are therefore demonstrations of how there is no way to
keep the Self in confrontation with the ‘projection of the Self’ that emerges from dystopia.
Everything looks the same, but one must have the strength to admit that it is no more. As
an analogy, The Walking Dead – and, in its own way, the entire Beat generation – evoke
the reminder that what we live is a nuisance, a society whose structures and institutions
point to a terrible future that will crystallize in a terrible and fatal way.
Finally, the language used in the series also proves itself relevant. The escape
appears even in the way the characters refer to the undead. At no time, throughout
all seasons of the series, are these figures called zombies or even the undead, on the
contrary, they get nicknames that border on the bizarre, as “walkers”, “crawlers”,
“bodies”, “biters”, “hungry”, “stalkers”, among others. To avoid speaking a word is to
avoid facing reality. Kerouac, on the other hand, confronts the English language and its
nuances by means of dialogues between characters, inviting the reader to dive deeper
into American culture and its diverse society. Rick’s daily life makes the audience a
mere observer, while Paradise’s turn it to a voyeur, who could be part of that reality.
To move, to run away, are the only possible solutions. Whether through drugs
or physical displacement, escape is the only path within a territory whose structures
Travel Narratives

have become barriers and, moreover, boundaries, entanglements. Like a rat in a maze,
the individual runs inside a closed environment (where he is observed from above,
often sadistically), looking for the way out. For them, escape is the human expression
of an eternal attempt to escape loneliness, despair, perdition, insignificance, frailty,
and finally death: the greatest and most disturbing of human fears.
69 4. Final Thoughts: The Exit From Hell

Rick Grimes and Sal Paradise live everyday as if there was no guarantee of the
future, and perhaps there is not. Whatever the reason – zombies, wars, gangs, or
conservatism – the experience of daily life as a complete experience in itself ratifies
and disrupts American consumer society. The present in which they live is intolerable,
and the only way to realize it is to get rid of what makes it tolerable. Paradoxically, to
survive the society of the undead, Rick Grimes seeks a normal life, while Sal Paradise
mortify himself to live accordingly to the “normal” society.
It is only with this subterfuge that the characters are able to let go of the
disquieting Self that seems to reflect them in the mirror with a derisive smile, the
smile of that ancestral force known to be invincible, whose power is capable of
robbing even the very essence of the Self, withdrawing the forces of its identity,
confusing it, nullifying it.
Deconstructing consumer society’s terrible force, Sal and Paradise struggle
with what they can to escape the molds of their all absorbing dystopias. And as every
wanderer or traveler in an apocalyptic narrative does so well, they both undress
of all that is not essential. Keeping only their body clothes, a few cans of food and
some change, they both set out on a trip, taking with them only what is needed
for survival (The Walking Dead) or the enjoyment of their journey (On the Road).
Nevertheless, words are also part of the material framework of any traveler, from the
moment he or she transforms experiences into oral or written accounts. The word,
spoken or written, is rather a record, and it is at the same time the experience itself.
Through the instruments of memory and language, the narrative resignifies the gaze,
becoming the means and also the purpose of the lived adventure.
The United States, therefore, stage of adventure to the two narratives, proves
to be a dystopian country, presented under two different prisms. In The Walking
Dead this is quite evident through the analogy of the post apocalyptic scenario. As
for On the Road, at various times, dystopia is more subtle in the scornful stereotypes
with which Paradise and Moriarty qualify many of the characters with whom they
interact on the map. The indigenous people who do not understand the white
man’s culture, the personalityless and slightly hysterical women, etc. All of these
American Dream characters are as generic as The Walking Dead zombies. And so a
dystopia goes on, with a continual erasure of nuances, of obliterated identities, in
order to frame people in inhuman categories, like undead that only repeat a single
possible behavior.
Finally, both narratives are great metaphors of the American way of life.
Travel Narratives

Utopically, America is the land of freedom, of the American dream, of milk and
honey, but in practice it is the country of exile, segregation, Donald Trump and Steve
Bannon, where so many foreigners and even citizens migrate within its wide frontiers,
fleeing the disquieting and controversial forces that seem familiar, welcoming and
– why not? – democratic, but that only seek to imprison them in compartments
of consumption and silence. In this respect, even Dante’s and Virgil’s hell, with its
circles and different terrains, and passages to Paradise and Earth, are more plural
70 than Kerouac’s or Kirkman’s USA. As a sigh, therefore, are the words of the Italian
Orco, which reads:
Before Me Nothing Was Created That
Was Not Eternal, and I Last Eternally.
All Hope Abandon, You Who Enter Here
(Dante Alighieri, The Divine Comedy, Hell, III, 1-9)

BIBLIOGRAPHY

ALIGHIERI, Danta. A Divina Comédia. Tradução de Helder da Rocha. 1999.


ARTIÈRES, Philippe. Arquivar a própria vida. Estudos históricos. São Paulo, v. 21, p.
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BERRIEL, Carlos Eduardo Ornelas. Editorial. Revista MORUS – Utopia e
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- estratégias para entrar e sair da modernidade. Trad. Ana Regina Lessa e Heloísa
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PAULINO, Carla Viviane. Os relatos de viagem do século xix como fontes históricas
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SCHEMES, Elisa Freitas. A literatura de viagem como gênero literário e como fonte de
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Jolly Dale, Paul Gadd et al. Produtora AMC Studios, 2010, son., col.
TODOROV, Tzvetan. A Viagem e seu Relato. Revista das Letras. São Paulo, v. 46, n. 1,
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Travel Narratives

VIRGÍLIO. Eneida brasileira ou tradução poética de Públio Virgílio Maro. Trad.


Manuel Odorico Mendes. Org. Paulo Sérgio de Vasconcellos et al. Campinas: Editora
da UNICAMP, 2008.
71 NARRATIVA DE VIAGEM:
DA FICÇÃO AO LIVRO REPORTAGEM
NA OBRA DE AIRTON ORTIZ

Eduardo Ritter1

Embarcando nas páginas de Airton Ortiz

Um jovem que pega a sua mochila e parte de carona para os lugares mais remotos
da América Latina. Um jornalista que compra um passaporte falso para conseguir
entrar no Tibete pelo Nepal. Um escritor que flana despreocupadamente pelas famosas
ruas de Nova York, Londres e Paris. Um aventureiro que escala o monte Kilimanjaro
e que atravessa o Alasca até o Oceano Ártico. Esse quebra-cabeça composto por
diversos viajantes que exploram os quatro continentes, quando montado, forma a
imagem de um único jornalista e escritor chamado Airton Ortiz.
Ortiz, nascido no município de Rio Pardo-RS em 1954, tornou-se um fenômeno do
jornalismo de viagem. Seu primeiro livro com esse tipo de narrativa foi publicado quando
ele tinha 45 anos, em 1999. Desde então, não parou mais, lançando uma nova obra do
gênero por ano. Até 2019, eram 19 livros, divididos entre romances ficcionais, crônicas e
livros-reportagem. Além da obra, o que torna Ortiz um caso raro no jornalismo literário
de viagem é o fato de ele trabalhar exclusivamente com esse tipo de produção. Ao
contrário da maioria dos jornalistas literários, que escrevem seus livros nos momentos
de folga do trabalho cotidiano na redação, Ortiz vive de literatura.
Destarte, o presente texto faz uma apresentação e análise da obra de Airton
Ortiz. Inicialmente vale ressaltar que o gênero sempre chamou a atenção, não só
dos jornalistas, que querem contar as suas experiências em terras estrangeiras, mas
também do público. Não é a toa que a lista de repórteres e escritores famosos ao redor
do globo que consagraram esse tipo de narrativa é extensa: Hunter Thompson, Ernest
Hemingway, George Orwell, Erico Verissimo, Euclides da Cunha, Juremir Machado
da Silva, Bruce Chatwin, Tiziano Terzani e muitos outros. Esse estilo milenar, que
começa com Homero no século VIII a.C., e segue com Marco Polo, Camões e Pero
Narrativas de Viagem

Vaz de Caminha, até se chegar aos jornalistas contemporâneos, é um estilo que está
em prática há muito tempo na literatura. O foco neste texto, no entanto, é a obra de
Airton Ortiz, que se dedica exclusivamente ao gênero.
Para tanto, metodologicamente, a pesquisa se caracteriza por ser bibliográfica,
pois as perguntas estão direcionadas para os autores, ou seja, ela ocorre quando

1 Professor adjunto do curso de Jornalismo do Centro de Letras e Comunicação da Universidade Federal de Pe-
lotas (UFPEL). É jornalista e doutor em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul (PUCRS) com bolsa PDSE/Capes na New York University (NYU). Atuou como jornalista em emissoras de
rádio, jornais e agências de notícia do Rio Grande do Sul. rittergaucho@hotmail.com
72 “o desejo é formular e encontrar respostas em fontes bibliográficas do campo da
educação e outros campos do saber” (TEIXEIRA, 2005, p.118). Além disso, optou-se
pela Análise de Conteúdo (AC), de Bardin (2011) e Herscovitz (2007).  Inicialmente vale
lembrar que a AC é um método consagrado na área das Ciências Sociais e Humanas
que se caracteriza pela utilização de inúmeras técnicas de pesquisa para investigar
fenômenos simbólicos. “A análise de conteúdo descreve com objetividade e precisão o
que era dito sobre um determinado tema, num determinado lugar e num determinado
espaço” (HERSCOVITZ, 2007, p. 123).
Dessa forma, o capítulo divide-se em três partes principais. Inicialmente é feita
uma recuperação sobre alguns conceitos de narrativas de viagem, especialmente no
jornalismo. Posteriormente são apresentadas a vida e obra de Ortiz, elucidando ao leitor
quem é esse jornalista que consegue se dedicar exclusivamente ao gênero. Por fim, é feita
a classificação e análise da obra de Ortiz. Para tanto, os 19 livros do autor foram divididos
em três categorias: a) crônica; b) livro-reportagem; e c) narrativa de ficção.

Narrativas de viagem: a interseção entre Jornalismo, História e Literatura

Conforme mencionado, as narrativas de viagem sempre estiveram presentes


na literatura e no jornalismo. Assim, é através do Jornalismo Literário (JL) que é
possível pensar em um JL de viagem. Para tanto, opta-se pelas perspectivas de
Martinez (2016) e Lima (2004), sendo que o segundo autor apresenta uma proposta
de classificação para os chamados livros-reportagem. Ele apresenta 13 categorias,
sendo que a última delas é o livro-reportagem-viagem. Conforme Lima (2004, p.58),
esse tipo de livro-reportagem tem como foco principal uma viagem a alguma região
geográfica específica, “o que serve de pretexto para retratar, como em um quadro
sociológico, histórico, humano, vários aspectos das realidades possíveis do local”. O
autor complementa que esse é um relato diferente do turístico ou daquele feito por
pessoas não treinadas profissionalmente para escrever. Diferentemente, o jornalista é
um profissional que domina as técnicas da escrita.
Nesse sentido, a perspectiva de Lima (2004) é exportada ao JL por Martinez
(2016), quando a autora retrata os relatos de trânsito humano dentro do Jornalismo.
Ela salienta que após a consolidação do Jornalismo enquanto profissão a partir do
século XIX, muitos jornalistas-escritores publicam livros com o “excedente de seu
material de reportagem ou reflexões sobre suas próprias viagens” (MARTINEZ, 2016,
p.80). Porém, a autora discute o JL de viagem a partir de uma perspectiva aberta, ou
seja, que inclui textos produzidos para jornais, revistas e outras mídias. Nesse texto,
Narrativas de Viagem

porém, o foco está nas narrativas de JL de viagem publicadas exclusivamente em


livro, pois esse é o formato da obra de Airton Ortiz.
Para além da importância deste tipo de produção para o Jornalismo, vale ressaltar
que as narrativas de viagens escritas por jornalistas também se tornam importantes
documentos históricos. Nesse sentido, vale destacar a perspectiva de Benedeti que
apresenta grande semelhança entre Jornalismo e História: “História e jornalismo
aproximam-se tanto na natureza de seu objeto (a realidade) quanto no tipo de trabalho
que realizam (produção de relatos fáticos)” (BENEDETI, 2009, p.67). A autora chama
73 a atenção para diferenciações entre os dois campos. Uma delas está no fato de que a
realidade com que a História se preocupa é a do passado, enquanto que a realidade
que está sendo objetivada no Jornalismo é a do presente. E quando o presente vira
passado? É justamente nesse ponto que o jornalismo se torna documento histórico
como fonte de pesquisa. O mesmo ocorre com as narrativas jornalísticas de viagem.
Ainda é valoroso mencionar que o JL de viagem se difere de obras ficcionais
em que os seus personagens cruzam fronteiras, como por exemplo, no clássico Dom
Quixote de Miguel de Cervantes. Assim como na História, o texto, para ser considerado
jornalístico, deve se referir ao real, ao verdadeiro, ao que aconteceu. Sobre normas
jornalísticas, destaca-se que: “uma norma implícita, e sempre presente no ato de
fala, é o princípio da veracidade” (GOMES, 2011, p.9). Claro que nada impede que se
utilizem técnicas da literatura para abordar acontecimentos reais, bem como a técnica
narrativa de criação de cenas ou personagens ficcionais que possam ser devidamente
identificados pelo leitor como um ato de criação literária.
Feitos esses apontamentos conceituais, ressalta-se mais uma vez o diferencial da
carreira de Airton Ortiz, que busca justamente fugir do enfoque dado cotidianamente
pelas redações ao se referir às regiões distantes. “Diariamente, os veículos desprezam
o acompanhamento de boas histórias” (BELO, 2006, p.14).
Outro ponto importante do JL de viagem em livro é que esse gênero permite
que o escritor não apenas narre, mas que compartilhe experiências vividas com seus
leitores. Além disso, não se podem negar as evidências dessa prática narrativa desde
os primórdios da humanidade, como as que são trazidas em todos os tipos de textos:

Desde os textos bíblicos, incluindo o Antigo Testamento, as narrativas de viagem


se fazem presentes na literatura universal. De Moisés cruzando o Mar Vermelho, às
epopeias de Homero, há personagens que viajam por cidades, países e, anos mais
tarde, continentes. De Marco Polo a Pero Lopes de Sousa, de Erico Verissimo ao
contemporâneo Airton Ortiz (RITTER, 2016, p.166).

Na percepção do JL de viagem, se o repórter tem a escrita e o domínio das


palavras como suas principais armas, o jornalista que opta por escrever e descrever
suas experiências como viajante, além da escrita e das palavras, é, também, possuidor
das emoções afloradas no psíquico, ocasionadas pelas fragmentações físicas sofridas
com as alterações geográficas – elementos histórico-cultural. Eis a importância sobre a
contínua construção do que está aqui sendo chamado de Jornalismo Literário de Viagem.
Narrativas de Viagem

A realização do sonho através do Jornalismo

Durante a infância, Airton Ortiz era um assíduo ouvinte de rádio. Assim, o


futuro jornalista inicialmente viajava nas ondas das emissoras AM, acompanhando
as grandes reportagens dos anos 1960 e 1970. “Eu fui criado na zona rural, interior do
município de Rio Pardo e, naquela época, o mundo chegava até mim pelo rádio [...]. E
aquilo me despertou a curiosidade, de conhecer aqueles lugares que os caras falavam”,
conta em reportagem produzida pelo repórter Clafe Rodrigues2, da Globo News.
2 Disponível em: https://globosatplay.globo.com/globonews/v/7296220/. Acesso em 4 de abril de 2019.
74 Ortiz3 salienta que depois de morar no município de Candelária-RS, ainda na
infância, ele e sua família mudaram para Cachoeira do Sul-RS. Foi lá que Ortiz teve
seus primeiros contatos com o jornalismo e a literatura. Primeiro, em 1968, quando
ainda na escola, ganhou seu primeiro prêmio literário escrevendo sobre a amizade entre
Brasil e Portugal. Pouco depois, ele passou a seguir os passos dos locutores que falavam
sobre o mundo ingressando no meio, inicialmente na Rádio Cachoeira. Os laços com o
jornalismo ficaram mais fortes quando passou a colaborar com a editoria de esportes
do Jornal do Povo, trabalhando como repórter. Em 1975, mudou-se para Porto Alegre
onde perseguiu o sonho de ser jornalista, formando-se em Jornalismo pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), afinal, Ortiz tinha consciência
que a melhor maneira para conhecer o mundo era investindo na carreira de repórter.
“Eu cheguei à conclusão que a única maneira que eu tinha para viajar e conhecer aqueles
lugares era se eu fosse jornalista e se alguém pagasse para eu viajar4”, comenta.
Posteriormente, Ortiz cursou pós-graduação em Administração na Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), além de aprofundar o seu conhecimento em
outros idiomas, como o inglês e o espanhol. Nessa época teve outra experiência
marcante atuando na Rádio Farroupilha na equipe de Flávio Alcaraz Gomes, outro
repórter que publicou livros de viagem como “Um repórter na China”, “Morrer por
Israel” e “Eu vi: itinerários de um repórter”.
No meio impresso, Ortiz fundou e editou o Jornal Tchê!, que tinha como
temática a cultura gaúcha, circulando no Rio Grande do Sul até a primeira metade
da década de 1980. Nesse período, ele também fundou e criou a editora Tchê!, que
publicava principalmente autores gaúchos. Em 1997, no entanto, o jornalista encerrou
as atividades da editora para atuar como repórter e fotógrafo freelance.
Foi assim que, em 1999, Ortiz publica o seu primeiro livro com narrativas de
viagem: “Aventura no topo da África”. A partir de então, ele passou a publicar uma
obra por ano. Foi a partir disso que Ortiz passou a produzir o seu Jornalismo de
Aventura. O autor apresenta a definição para esse tipo de jornalismo: “É uma mescla
de emoção e informação. Mas a ideia principal é levar o meu leitor para aqueles
lugares onde eu estou como se ele estivesse viajando comigo5”.
A partir de então, Ortiz passou a ser referência na produção de narrativas de
viagem no Brasil, tornando-se patrono de diversas feiras do livro e jornadas literárias,
tal qual a Feira do Livro de Porto Alegre, em 2014. No entanto, como ele consegue se
dedicar exclusivamente à produção desses livros? Ortiz revela que é extremamente
necessário ter um projeto de longo prazo, pois a carreira de um escritor não é
Narrativas de Viagem

construída de maneira rápida e imediata, bem como a aprovação do público e o retorno


financeiro. “É preciso ter paciência, dedicação e convicção de que é isso que se quer6”.
Ele revela que os projetos autorais são patrocinados pela rede de supermercados e
hipermercados Zaffari, com sede no Rio Grande do Sul. “Desde a primeira viagem
que eu fiz para produzir o primeiro livro, a viagem foi bancada pelo Zaffari e desde
então todas as viagens são patrocinadas pelo Zaffari. É verba de publicidade deles
3 Disponível em: http://orebate-eduardoritter.blogspot.com/2019/05/. Acesso em 19 de maio de 2019.
4 Disponível em: https://globosatplay.globo.com/globonews/v/7296220/. Acesso em 4 de abril de 2019.
5 Ibidem
6 Disponível em: http://orebate-eduardoritter.blogspot.com/2019/05/. Acesso em 19 de maio de 2019.
75 e eles têm um bom retorno com isso”, salienta. Ortiz viajou para mais de 80 países
e publicou 19 narrativas de viagem, além de livros de fotografias, infantis, infanto-
juvenis e contribuições para antologias.
Feita essa breve apresentação sobre o jornalista e escritor Airton Ortiz, na
sequência são mencionadas e categorizadas as 19 obras com narrativas de viagens
produzidas, levando em consideração as suas características.

A categorização da obra de Ortiz

Para classificar e analisar as obras de Ortiz é preciso partir do princípio do


JL indicado por Vilas Boas (2008), que considera três aspectos fundamentais para
estudar esse gênero jornalístico-literário. O primeiro aponta que narrar é uma arte
organizada e passível de análise. “A narrativa parece ser apenas um sistema conotativo
transfrásico, uma mitologia, entre as diversas que se podem misturar para transformar
um discurso” (BARTHES, 2009, p.14). O segundo se preocupada com as leituras
possíveis de uma narrativa, enquanto o terceiro apresenta questionamentos sobre a
construção do texto. Para organizar esses três aspectos, optou-se pela elaboração de
categorias através da Análise de Conteúdo. A categorização tem como objetivo inicial,
segundo Bardin (2011), fornecer uma representação simplificada dos resultados
brutos. A partir dessa representação é feita a interpretação e análise dos dados.
Assim, a obra de Airton Ortiz foi dividida em três grandes categorias: crônicas,
livros-reportagem e narrativas de ficção. Tal classificação pode ser visualizada no
quadro a seguir:

Gênero Quantidade Títulos


Aventura no topo da África (ORTIZ, 1999),
Cruzando a última fronteira (ORTIZ, 2002),
Travessia da Amazônia (ORTIZ, 2004), Egito dos
Faraós (ORTIZ, 2005), Na trilha da humanidade
Livro-reportagem 10 (ORTIZ, 2006), Em busca do mundo Maia (ORTIZ,
2007a), Na estrada do Everest (ORTIZ, 2007b),
Vietnã pós-guerra (ORTIZ, 2009), Caminhos pelo
Tibete (ORTIZ, 2017) e Expresso para a Índia
(ORTIZ, 2018).

Jerusalém (ORTIZ, 2011), Atenas (ORTIZ, 2013),


Narrativas de Viagem

Paris (ORTIZ, 2014), Nova York (ORTIZ, 2015),


Crônicas 7
Londres (ORTIZ, 2016), Havana pós-Fidel (ORTIZ,
2017), Roma (ORTIZ, 2018).
Cartas do Everest (ORTIZ, 2008) e Gringo (ORTIZ,
Narrativa de ficção 2
2012).

Cada categoria e suas respectivas obras são analisadas separadamente a partir
do próximo tópico. Desta forma, é possível não só compreender como foi feita a
76 referida categorização, como também apontar as inferências possíveis de serem feitas
a partir da leitura e interpretação do material selecionado.

Livro-reportagem: a busca pelo conhecimento de si mesmo

A categoria que mais aparece na obra de Ortiz é o livro-reportagem. No entanto,


qual é a definição de livro-reportagem? Aqui, optou-se pela seguinte descrição:

É o veículo no qual se pode reunir a maior massa de informação organizada e


contextualizada sobre um assunto e representa, também, a mídia mais rica –
com a exceção possível do documentário audiovisual – em possibilidades para
a experimentação, uso da técnica jornalística, aprofundamento da abordagem
e construção da narrativa (BELO, 2006, p.41).

Ou seja, no livro-reportagem o autor tem a possibilidade de utilizar uma vasta


gama de técnicas do jornalismo e da literatura para produzir a sua narrativa. Dentro da
categorização de livros-reportagens feita por Lima (2004), a obra de Ortiz se enquadra
como livro-reportagem-viagem, conceituada anteriormente.
O primeiro livro do gênero foi Aventura no topo da África, publicado em 1999.
Nele, o jornalista narra a expedição feita ao cume do monte Kilimanjaro, no norte
da Tanzânia, na fronteira com o Quênia. Nessa obra, Ortiz conta a viagem desde
o embarque feito no Brasil, passando pela chegada ao continente africano até a
realização da expedição. Além do texto, a obra exibe mapas e fotografias, o que faz
com que o leitor não duvide do ponto espacial pela qual passou o jornalista. Por
ter estado no local, o leitor percebe o conhecimento apresentado através do texto
do autor. “O narrador só pode narrar as situações que ele tem conhecimento (que
testemunhou, vivenciou, ouviu, leu ou sentiu)” (VILAS BOAS, 2008, p.34). No trecho
abaixo, fica claro o caráter testemunhal da descrição apresentada por Ortiz.

Todo o esforço foi então recompensado. Do cume do Kilimanjaro, a 2.000


metros acima do nível das nuvens, por trás da silhueta negra do pico Mauenzi,
o sol começou a surgir lentamente. Troquei instintivamente meus óculos
de grau pelos de sol – também com grau -, porque a fortíssima radiação
ultravioleta nessa altitude, ampliada pelo reflexo no gelo, poderia cegar-me
em poucos minutos (ORTIZ, 1999, 201).

A segunda obra do gênero foi Na estrada do Everest, publicada em 2000 e
relançada em 2007. Nessa narrativa, o jornalista aborda suas escaladas na cordilheira
Narrativas de Viagem

do Himalaia, no Nepal. A obra começa fazendo uma contextualização histórica sobre


a região explorada. “Em 1972, com apenas 22 anos, Prithvi Narayan Shah foi coroado
soberano de Gorkha, um pequeno reino de origem mongol encravado no norte
da Índia” (ORTIZ, 2007b, p.28). O estudo sobre a história e a cultura local é outra
característica marcante no texto de Ortiz.
Posteriormente, em 2001, é lançado Pelos Caminhos do Tibete, que foi publicado
em edição atualizada em 2017. Trata-se de uma narrativa de fôlego em que Ortiz
utiliza recursos do jornalismo e da literatura para contar a aventura que envolve a
77 compra de documento falso para entrar no Tibete pelo Nepal, pois a China não emitia
visto para jornalistas. Os desafios de conseguir contato com a cultura local é um dos
pontos altos da obra. Além disso, a descrição de uma região de difícil acesso dá o
tom de reportagem à narrativa, pois é um lugar raramente visitado por jornalistas.
“Não havia dúvida: estávamos num país ocupado por um exército estrangeiro. Parecia
ser esta mesmo a mensagem que os chineses queriam deixar bem explícita para a
população local” (ORTIZ, 2017, p.219). Tem-se aqui, como em toda a obra do autor, o
cumprimento de uma das mais importantes funções do jornalista-narrador:

Ao se dizer, o autor se assina como humano com personalidade; ao desejar


contar a história social da atualidade, o jornalista cria uma marca mediadora
que articula as histórias fragmentadas; ao traçar a poética intimista, que aflora
do seu e do inconsciente dos contemporâneos, o artista conta a história dos
desejos. Da perspectiva individual, sociocomunicacional ou artística, a produção
simbólica oxigena os impasses do caos, da entropia, das desesperanças, e sonha
com um cosmos dinâmico, emancipatório (MEDINA, 2003, 48).

Ou, retomando os princípios de Vilas Boas (2008): narrar é uma arte. E no


jornalismo não é diferente, especialmente no JL.
A narrativa do real como arte também é a marca de Cruzando a última fronteira,
publicado em 2002. Nessa viagem, Ortiz atravessa o Alasca, do sul até o oceano Ártico,
explorando a terra dos esquimós. A narrativa é uma mistura de aventura, história,
cultura, registros diários, divagações, reflexões e descrições. Nesse texto, Ortiz se vale
de outra técnica do JL, que é a manipulação do narrador, ao “exibi-lo ou escondê-lo;
movê-lo para a linha de frente ou empurrá-lo para os bastidores da história; apresentar
múltiplos narradores num mesmo espaço narrativo ou fazê-los transitar entre espaços
e tempos diferentes” (VILAS BOAS, 2008, p.35). Ele também usa a intertextualidade,
citando personagens da literatura. “Assim Jack London descreveu o Wild, como os
norte-americanos e canadenses chamam a região cortada pelo Círculo Polar Ártico no
Ykon e Alasca” (ORTIZ, 2002, p.9).
Já a obra Expresso para a Índia, lançada em 2003 e relançada em 2018, fala
sobre a experiência do jornalista na terra dos deuses hindus. Mesmo sem falar a
língua dos nativos em algumas das viagens, as mais variadas formas de comunicação
são descritas em obras como essa. “Passou um novo mendigo varrendo o trem e lhe
dei uma moeda. Ele juntou as mãos, em sinal de oração, arregalou os olhos para cima,
e agradeceu. Não a mim, mas a Deus” (ORTIZ, 2018, p.98). Experiência diferente foi
registrada no livro que relata viagens dentro do Brasil e da América Latina: Travessia
Narrativas de Viagem

da Amazônia, publicado em 2004 e que narra o deslocamento do autor do Pacífico ao


Atlântico pelos rios amazônicos. Na narrativa, Ortiz incluiu suas impressões pessoais
sobre lugares e pessoas. “Dois arrogantes fiscais da aduana revistaram algumas bagagens,
tratando seus donos de forma pouco amistosa. Grosseiros e prepotentes, entraram em
minha cabina e fizeram uma série de perguntas” (ORTIZ, 2004, p.106).
Em Egito dos faraós, publicado em 2005, Ortiz volta a cruzar o oceano atrás
de boas histórias. Nesse livro ele narra uma viagem pelo deserto do Saara no lombo
de um camelo, bem como a descida do rio Nilo numa jangada. Como ressaltou o
jornalista em entrevista:
78 “A viagem exterior é um pretexto para provocar a grande viagem interior. Porque
essa viagem reflexiva é que vai fazer nós descobrirmos aquilo que mais interessa: que
somos nós mesmos7”. Já em 2006, é lançado Na trilha da humanidade, que trata de uma
expedição em que Ortiz refaz o caminho percorrido pelos humanos pré-históricos que
povoaram o Brasil partindo da África, cruzando a Ásia, entrando nas Américas pelo
Alasca e descendo até Minas Gerais. O livro-reportagem, publicado originalmente
como reportagens para o jornal Zero Hora, torna-se um estudo profundo sobre a
temática, como por exemplo, quando ele fala sobre o desenvolvimento da linguagem
humana. “A tese mais aceita pelos cientistas é que essa capacidade humana moderna
tenha nascido na origem ou perto da origem do Homo sapiens, como uma habilidade
deixada de lado até ser ativada por alguma espécie de estímulo cultural” (ORTIZ,
2006, p.194).
Por fim, as duas últimas obras do gênero foram Em busca do mundo Maia,
publicado em 2007, e Vietnã Pós-Guerra, de 2009. O primeiro teve origem em uma série
de seis reportagens publicadas no Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul. A temática dessas
reportagens é uma expedição à América Central que aborda a extinção da cultura dos
Maias. Para tanto, novamente é feita uma densa contextualização histórica que se soma
à experiência do jornalista em terra estrangeira. É através do estudo e da observação
que o repórter passa as suas impressões ao leitor. “Como toda ex-colônia, os belizenses
teimam em desmerecer os valores locais, considerando as importações, sobretudo dos
Estados Unidos, tanto de produtos como da indústria cultural, mais sofisticadas que a
produção nacional” (ORTIZ, 2007a, p.150). Em Vietnã Pós-Guerra, Ortiz se arrisca ao
pisar, literalmente, em terreno minado, pois cerca de 20% do território vietnamita ainda
estava coberto por minas no ano da viagem feita pelo autor.
Após essa apresentação e análise dos livros-reportagem publicados por Ortiz,
apontam-se algumas características que aparecem em diversas das obras do gênero: 1)
narrativa em primeira pessoa; 2) descrição do ambiente visitado pelo autor-viajante;
3) utilização de texto no formato de diário; utilização de mapas, gráficos e fotografias;
4) contextualização histórica e espacial; 5) conversa com nativos; 6) intertextualidade,
citando diversos autores da literatura; 7) manipulação do narrador; 8) transcrição de
diálogos; 9) coragem de viajar às zonas de risco; 10) descrição reflexiva.

Crônicas: flanando pelo mundo

O segundo tipo de narrativa apresentada nos livros de Ortiz é a crônica. São sete
livros desse gênero. Conforme Marques de Melo (1994), o termo crônica, no Brasil,
Narrativas de Viagem

tem um sentido diferente do adquirido em outros países. Enquanto no jornalismo


mundial, de maneira geral, a crônica está vinculada ao relato cronológico, de narração
histórica, ou até mesmo de reportagem, no Brasil está relacionada a um relato
jornalístico-literário ligado à atualidade e ao cotidiano. “O cronista que sabe atuar
como consciência poética da atualidade é aquele que mantém vivo o interesse do seu
público e converte a crônica em algo desejado pelos leitores” (MARQUES DE MELO,
1994, p.155).
7 Disponível em: https://globosatplay.globo.com/globonews/v/7296220/. Acesso em 4 de abril de 2019.
79 Nos livros de crônica, Ortiz anda por sete cidades diferentes. Ele revela que
reúne todo o material possível para escrever sobre as cidades visitadas. “Anoto tudo o
que acontece durante a viagem, tiro foto, recolho nota fiscal, recolho ingresso, ticket,
passagem de ônibus, enfim, todo o material que é gerado durante a viagem eu vou
recolhendo e guardando8”.
Para tanto, o jornalista se comporta como um autêntico flânuer, que vaga
pelas cidades. Conforme Frandoloso (2017, p.121) o termo surge no século XIX para
designar “uma nova experiência urbana, proporcionada pelo crescimento desenfreado
das grandes cidades europeias”. Essa figura anda pelas ruas ociosamente buscando
os significados da modernidade. É o que Ortiz faz nas suas viagens pelo mundo na
procura pela melhor experiência, relatada em seus livros de crônica. De maneira geral,
os capítulos dessas obras, geralmente são crônicas sobre pontos turísticos, lugares
históricos, ruas, bairros ou espaços não conhecidos do grande público.
O primeiro livro nesse formato foi Havana, publicado pela primeira vez em
2010 e atualizado em versão publicada em 2017, quando o autor voltou a Cuba para
cobrir a morte de Fidel Castro, em 2016. As crônicas revelam uma Havana difícil
de ser conhecida pelo turista tradicional. Um exemplo é a busca de Ortiz pelo peso
cubano, que só circula entre os moradores da ilha. Além disso, como nas outras obras,
Ortiz geralmente foge de grupos cheios de turistas, justamente para captar a rotina
do local. Em Havana, após estar na cidade há um bom tempo, ele finalmente consegue
alugar um quarto em uma casa. Vivendo entre os nativos, ele capta as peculiaridades
da cultura. “Quando queríamos criticar o governo, oque fazíamos com frequência,
falávamos baixinho. O vizinho do andar de baixo era presidente do Comitê de Defesa
da Revolução naquela quadra, podia nos ouvir” (ORTIZ, 2017, p.238). Para cada
capítulo da versão relançada há uma nota contando a situação do país em 2016.
Em 2011 foi a vez de Airton publicar Jerusalém. A exemplo das outras obras,
cada capítulo é uma crônica sobre alguma particularidade da cidade ou região, seja um
lugar, um costume, uma rua ou um personagem. Um exemplo é quando ele conta sobre
a tumba do Rei David. “Em uma batalha no vale Elah, trinta quilômetros a sudoeste de
Jerusalém, quando a luta parecia quase perdida, o mirrado Davi, um pastor da tribo
de Judá, saca de uma funda e atinge Golias na fronte” (ORTIZ, 2011, p.49). No ano
seguinte, o jornalista vai para outra cidade histórica: Atenas. Publicado em 2013, há
na narrativa uma mescla entre a descrição dos lugares históricos, a contextualização
da história e as experiências pessoais do autor, que se vale de uma das características
mais frequentes da crônica brasileira: o humor.
Narrativas de Viagem

Na loja, eu não me detive nos detalhes do chapéu. Apenas o coloquei e fui


para o espelho ver se tinha mesmo ficado bonito como a vendedora havia me
garantido. E ela até que tinha lá uma boa dose de razão. Falo sério, porque não
sou de narcisismo. O pobre Narciso morreu admirando seu reflexo na água,
coisa que eu não faria. Hoje existem os espalhos.
Mas p.r.c? É fácil deduzir, né? People Republic of China. Ou, como a conhecemos
em português: República Popular da China. Ou melhor: made in China.
Quase voltei na birosca para esculachar a vendedora (ORTIZ, 2013, p.72).

8 Disponível em: https://globosatplay.globo.com/globonews/v/7296220/. Acesso em 4 de abril de 2019.


80 Em Paris, lançado em 2014, Ortiz mantém a narrativa leve, descritiva, reflexiva,
contextualizada historicamente e humorística. Além disso, ele dá algumas orientações
para potenciais viajantes. Um exemplo é quando o autor dá dicas para evitar os perigos
de cruzar o trânsito para chegar ao Arco do Triunfo. “Conhecimento e informação
ajudam não só a quem está a passeio, mas também àqueles que desejam fazer da
vida uma grande e bela aventura. Turistas desinformados correm o risco de perder o
melhor da viagem, quando não a própria vida” (ORTIZ, 2014, p.75).
Os três últimos livros desse gênero também revelam ruas, lugares e pessoas
de cidades históricas e cosmopolitas: Nova York, Londres e Roma. Novamente há a
mescla entre andanças, flanagens e dicas. “Tenho até uma sugestão: tome um drinque
no R Lounge, o bar do Renaissance Hotel, enquanto aprecia o show de neon lá
embaixo. Não é barato. Você, não sei, mas os dois criadores da Times Square merecem”
(ORTIZ, 2015, p.164). Além disso, em cada lugar famoso ou histórico, Ortiz também
recupera curiosidades. Um exemplo é quando aborda o Soho, em Londres. “Quando as
prostitutas que serviam a Square Mile se viram obrigadas a deixar as ruas da City, que
se glamurizava, migraram para o Soho e foram atender os clientes em cubículos com
vitrine para a calçada, como ainda existe em Amsterdã” (ORTIZ, 2016, p.144).
Outra característica comum nas crônicas de Ortiz é a descrição da arquitetura
dos lugares. Isso é bastante frequente em Roma, afinal, os monumentos históricos
estão por toda a parte. Sobre a Basílica di Santa Maria Maggiore, ele escreve: “O
interior é muito bonito, quase um museu, tanto no que se refere à arte quanto à
história dos papas. O desfile de beleza começa pelo chão: o piso da nave é um belo
exemplo de cosmatesco do século XII” (ORTIZ, 2018, p.101).
Destarte, podem-se apontar algumas características narrativas dos livros de
crônicas de Ortiz, dentre as quais: 1) narrativa em primeira pessoa; 2) descrição de
lugares, regiões e pessoas; 3) contextualização histórica de cada lugar; 4) relato das
experiências reais do autor em contato com outras pessoas; 5) humor; 6) participação
no cotidiano de cada cidade; 7) capítulos mais curtos do que nos livros-reportagens;
8) linguagem coloquial; 9) dicas para viajantes; 10) relato do momento que cada país
vive durante a viagem, ou seja, há certa factualidade na narrativa, como por exemplo,
na obra Havana, em que muitas coisas já haviam mudado entre 2010 e 2016.

Transformando as experiências em ficção

Ao abordar o romance-reportagem, Cosson (2001) fala sobre a mescla do


discurso jornalístico com o literário. “Quem já leu um romance-reportagem não pode
Narrativas de Viagem

enganar o fato de que a moldura de sua significação está na extrema factualidade


do relato” (COSSON, 2001, p.33). Em seus dois livros de ficção, no entanto, Ortiz foi
além da reportagem, criando enredos baseados em alguns pilares que colocam essas
obras no gênero ficcional: 1) experiências vividas por ele mesmo; 2) histórias ouvidas
de terceiros; 3) leituras e estudos feitos sobre o assunto. A partir desse conjunto de
fatores nasceram Cartas do Everest, publicado em 2008, e Gringo, lançado em 2012.
Porém, cada narrativa tem suas particularidades.
Em Cartas do Everest, três alpinistas (um brasileiro, um alemão e um americano)
81 tentam chegar ao cume do monte Everest, no entanto, eles acabam passando por
situações dramáticas. Ortiz conta que a obra é baseada em fatos reais porque ela
nasceu da união entre histórias vividas por ele mesmo e por outros, além de pesquisas
sobre alpinismo. “Tudo aquilo que está relatado ali, ou quase tudo, aconteceu, não na
mesma montanha e não na mesma temporada. Mas são coisas que foram acontecendo
com os alpinistas e que eu fiquei sabendo, por estudar muito alpinismo e as grandes
escaladas9”. Ou, como salienta o jornalista, a narrativa se tornou uma ficção baseada
em fatos reais, que serviu de pano de fundo para tentar contar como três personagens
diferentes reagiriam diante da mesma situação. “A ideia era mostrar a diversidade das
pessoas, a diversidade da cultura de onde eles vêm, e a diversidade das nossas reações
diante das mesmas situações”, revela.
Uma das técnicas literárias utilizadas por Ortiz nessa obra é a chamada “o leitor
no texto”, apresentada por Lodge (2011). Como o próprio título da obra indica, há
diversos textos que estão expostos como cartas escritas a terceiros que, nesse caso,
transforma o leitor em narratário. “O narratário é qualquer evocação ou substituto ao
leitor do romance dentro do próprio texto” (LODGE, 2011). Isso fica claro em diversos
trechos, como no extraído da obra, exposto a seguir:

Você está fazendo falta nesta expedição. Enfrentamos uma grande tragédia:
meu amigo Bob morreu num acidente na Cascata de Gelo. Passei dias horríveis,
sua amizade teria me confortado. Precisava desabafar com alguém que falasse
português. Minha dor, em seu lado mais sutil, não pode ser manifestada em
outra língua (ORTIZ, 2008, p.153).

O tom dramático permeia toda a narrativa, utilizando a técnica literária e


jornalística de despertar a curiosidade para prender a atenção do leitor. Já em Gringo,
o personagem faz um mochilão pela América Latina, passando por lugares visitados
anteriormente pelo jornalista-escritor. “Todas as locações do Gringo são conhecidas
por mim. Isso é um projeto meu, pessoal, do meu trabalho literário: os meus livros só
vão acontecer em lugares que conheço, mesmo os de ficção10”. Assim, o personagem
vive uma aventura que envolve romance, humor, experiências, contato com nativos
e outros mochileiros, incertezas e aprendizados. Ortiz salienta que a diferença do
Gringo, sob o ponto de vista da produção, é que o enredo foi criado a partir de diversos
lugares visitados por ele, em diferentes momentos, mas depois da conclusão da obra
ele fez exatamente o mesmo roteiro apresentado no romance, como uma forma de
checar a verossimilhança entre a ficção e a realidade. “Eu queria ver se havia grandes
modificações entre a história que eu imaginei naqueles lugares que eu passei em
Narrativas de Viagem

tempos diferentes e em épocas diferentes11”. A conclusão foi que, na vida real, o autor
viveu diversas das experiências relatadas anteriormente por ele mesmo na ficção.
“Muitas das coisas que aconteceram durante a viagem já estavam no Gringo”, afirma.
Nas duas obras de ficção, Ortiz apresenta uma proposta de viagem interior
tendo como pretexto viagens exteriores realizadas pelos personagens. Para tanto,
mais uma vez, a narrativa aparece como uma arte, pois na literatura ficcional, assim
9 Disponível em: http://orebate-eduardoritter.blogspot.com/2019/05/. Acesso em 19 de maio de 2019.
10 Ibidem
11 Ibidem
82 como no jornalismo, durante a leitura o público partilha as visões de mundo expostas
pelos narradores de tais textos.

O desembarque

Após viajar pela obra de Airton Ortiz, é possível realizar esse desembarque
parcial, pois como a literatura do jornalista-escritor continua sendo produzida, ainda
acontecerão muitos embarques e desembarques. Conforme ressaltado, a obra de Ortiz
é bastante variada e o projeto literário do autor o coloca, possivelmente, como o
principal escritor de narrativas de viagens do Brasil contemporâneo. Em um cenário
em que outros autores, como Dodô Azevedo, Erico Verissimo, Flavio Alcaraz Gomes,
David Coimbra e muitos outros publicaram e publicam livros de viagem que nascem
a partir da cobertura feita para veículos de comunicação ou de viagens esporádicas,
Airton Ortiz assumiu a produção jornalística de narrativas de viagem não só como um
projeto profissional, mas também uma filosofia de vida.
Destarte, os três tipos de textos produzidos (livro-reportagem, crônica e narrativa
de ficção) também mostram o conhecimento do autor sobre as técnicas de apuração,
de escrita e de criação literária, que apresenta um amplo repertório para escrever as
suas 19 obras de narrativas de viagem, sem contar as contribuições para coletâneas.
São 19 obras únicas, em que os estilos variam, bem como as experiências relatadas
pelo autor. Por mais que viaje pelo mundo há décadas, a cada nova viagem sempre
há uma surpresa, mesmo quando o destino são lugares turísticos mundialmente
consagrados, como Nova York ou Paris. Desta forma, encerra-se o presente capítulo
deste livro ressaltando que há diversas outras possibilidades de enfoque acadêmico
para a pesquisa e análise da obra de Ortiz, e que a apresentada é apenas uma delas.
Portanto, esse desembarque é apenas uma parada rumo a um destino ainda a ser
desvendado por este e outros pesquisadores.

REFERÊNCIAS

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BARTHES, Roland. Análise estrutural da narrativa. Petrópolis: Vozes, 2009.
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FRANDOLOSO, L. F. O flâneur e as ruas – Fotógrafos e seus dispositivos na captura
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GOMES, Wilson. Jornalismo, fatos e interesses – Ensaio de teoria do jornalismo.
Florianópolis: Insular, 2009.
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BENETTI, Marcia (Org.). Metodologia de pesquisa em jornalismo. Petrópolis: Vozes,
2007.
TEIXEIRA, Elizabeth. As três metodologias. Petrópolis: Vozes, 2005.
ORTIZ, Airton; URBIM, Carlos; DIAS, Christina; NAPP, Sergio; FACCIOLI, Luiz
Paulo; HASSEN, Maria de Nazareth Agra. Aqui dentro há um longe imenso. São
Paulo: Saraiva, 2010.
ORTIZ, Airton. Atenas. São Paulo: Saraiva, 2013.
ORTIZ, Airton. Aventura no topo da África. Rio de Janeiro: Record, 1999.
ORTIZ, Airton. Cartas do Everest. Rio de Janeiro: Record, 2008.
ORTIZ, Airton. Cruzando a última fronteira. Rio de Janeiro: Record, 2002.
ORTIZ, Airton. Egito dos faraós. Rio de Janeiro: Record, 2005.
ORTIZ, Airton. Em busca do mundo Maia. Rio de Janeiro: Record, 2007a.
ORTIZ, Airton. Expresso para a Índia. São Paulo: Benvirá, 2018.
ORTIZ, Airton. Gringo. Rio de Janeiro: Record, 2012.
ORTIZ, Airton. Havana – Pós-Fidel. São Paulo: Benvirá, 2017.
ORTIZ, Airton. Jerusalém. Rio de Janeiro: Record, 2011.
ORTIZ, Airton. Londres. São Paulo: Benvirá, 2016.
ORTIZ, Airton. Na estrada do Everest. Rio de Janeiro: Record, 2007b.
ORTIZ, Airton. Na trilha da humanidade. Rio de Janeiro: Record, 2006.
ORTIZ, Airton. Nova York. São Paulo: Saraiva, 2015.
ORTIZ, Airton. Paris. São Paulo: Benvirá, 2014.
ORTIZ, Airton. Pelos caminhos do Tibete. São Paulo: Benvirá, 2017.
ORTIZ, Airton. Roma. São Paulo: Benvirá, 2018.
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ORTIZ, Airton. Travessia da Amazônia. Rio de Janeiro: Record, 2004.


ORTIZ, Airton. Vietnã pós-guerra. Rio de Janeiro: Record, 2009.
RITTER, Eduardo. Viajando nas páginas de Airton Ortiz. Macaé: O Rebate, 2019.
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RITTER, E. Israel em abril: uma narrativa de viagem de Erico Verissimo na interseção
entre jornalismo e literatura. Sorocaba: Revista Tríade, volume 4, número 8, 2016.
84 RODRIGUES, Clafe. Globonews Literatura. Literatura de viagem, 12 de janeiro de
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VILAS BOAS, Sergio. Jornalismo literário. São Paulo: Texto Vivo, 2008.
Narrativas de Viagem
85 NARRATIVE OF TRAVEL:
FROM FICTION TO LITERARY REPORTAGE
IN THE AIRTON ORTIZ’S WORK

Eduardo Ritter

Embarking on the pages of Airton Ortiz

A young man picking up his backpack and hitchhiking to the most remote
places in Latin America. A journalist who buys a fake passport to get into Tibet by
Nepal. A writer who walks carelessly on the famous streets of New York, London
and Paris. An adventurer who climbs Mount Kilimanjaro and traverses Alaska to the
Arctic Ocean. This jigsaw puzzle composed of several travelers exploring the four
continents, when assembled, forms the image of a single journalist and writer named
Airton Ortiz.
Ortiz, born in the municipality of Rio Pardo-RS in 1954, has become a
phenomenon of travel journalism. His first book with this kind of narrative was
published when he was 45 years old, in 1999. Since then, it has not stopped, launching
a new book of its kind every year. By 2019, there were 19 books, divided between
fictional novels, chronicles and book-reports. Besides the work, what makes Ortiz a
rare case in literary travel journalism is the fact that he works exclusively with this
type of production. Unlike most literary journalists, who write their books in the
moments of daily work, Ortiz lives with literature.
Thus, the present text makes a presentation and analysis of the work of
Airton Ortiz. Initially it is worth mentioning that the genre has always attracted the
attention, not only of the journalists, who want to tell their experiences in foreign
lands, but also of the public. It is no wonder that the list of famous reporters and
writers around the globe who have consecrated this type of narrative is extensive:
Hunter Thompson, Ernest Hemingway, George Orwell, Erico Verissimo, Euclides da
Cunha, Juremir Machado da Silva, Bruce Chatwin, Tiziano Terzani, among others.
This millennial style, which begins with Homero in the 8th century BC, and follows
with Marco Polo, Camões and Pero Vaz de Caminha, until arriving at contemporary
journalists, form a style that has been practiced for a long time in literature. The
focus in this paper, however, is the work of Airton Ortiz, who dedicates himself
Travel Narratives

exclusively to the genre. For this, methodologically, the research is characterized


by being bibliographical, since the questions are directed to the authors, that is, it
occurs when “the desire is to formulate and find answers in bibliographic sources
of the field of education and other fields of knowledge” (TEIXEIRA, 2005, p.118).
In addition, we opted for Content Analysis (CA), by Bardin (2011) and Herscovitz
(2007). Initially, it is worth remembering that CA is a well-established method in
the area of Social and Human Sciences that is characterized by the use of numerous
86 research techniques to investigate symbolic phenomena. “Content analysis describes
objectively and accurately what was said about a particular theme, in a particular
place and in a particular space” (HERSCOVITZ, 2007, p. 123). In this way, the
chapter is divided into three main parts. Initially a recovery is made on some concepts
of travel narratives, especially in journalism. Subsequently, the life and work of Ortiz
is presented, elucidating to the reader who is this journalist who manages to dedicate
himself exclusively to the genre. Finally, we do the classification and analysis of Ortiz’s
work. To do so, the author’s 19 books were divided into three categories: a) chronic; b)
book-report; and c) fiction narrative.

Travel narratives: the intersection between Journalism, History and Literature

As mentioned, travel narratives have always been present in literature and


journalism. So it is through Literary Journalism (LJ) that it is possible to think of a LJ of
travel. In order to do so, the perspectives of Martinez (2016) and Lima (2004) are chosen,
and the second author presents a classification proposal for the so-called book-reports.
It presents 13 categories, the last one being the book-report-travel. According to Lima
(2004, p.58), this type of book-report has as its main focus a trip to a specific geographic
region, “which serves as a pretext for portraying, as in a sociological, historical and
human framework, several aspects of possible realities of the site”. The author adds that
this is a different focus of the tourist or that made by people not professionally trained
to write. Unlike, the journalist is a professional who mastered the techniques of writing.
In this sense, the perspective of Lima (2004) is exported to LJ by Martinez (2016),
when the author portrays the reports of human traffic within Journalism. She points out
that after the consolidation of journalism as a profession since the 19th century, many
journalist-writers publish books with “surplus of their reporting material or reflections
on their own journeys” (MARTINEZ, 2016, p.80). However, the author discusses JL
from an open perspective, that includes texts produced for newspapers, magazines and
other media. In this research, however, the focus is on travel LJ narratives published
exclusively as book, because this is the format of Airton Ortiz’s work.
In addition to the importance of this type of production for journalism, it is
worth mentioning that travel narratives written by journalists also become important
historical documents. In this sense, it is worth mentioning Benedeti’s perspective,
which presents an important similarity between Journalism and History: “History and
journalism approach both the nature of its object (reality) and the type of work they
perform (production of phatic accounts)” ( BENEDETI, 2009, p.67). The author draws
attention to differences between the two fields. One of them is that the reality with
Travel Narratives

which History cares is the past, while the reality that is being objectified in Journalism
is that of the present. And when did the present become past? It is at this point that
journalism becomes a historical document as a source of research. The same is true of
journalistic travel narratives.
It is still worth mentioning that travel narrative of LJ differs from fictional works in
which his characters cross borders, as for example in the classic Don Quixote by Miguel
de Cervantes. As in history, the text, to be considered journalistic, must refer to the real,
87 to the true, to what happened. On journalistic norms, it is emphasized that: “an implicit
norm, and always present in the speech act, is the principle of veracity” (GOMES, 2011,
p.9). Of course, nothing prevents the use of techniques from literature to deal with real
events, as well as the narrative technique of creating scenes or fictional characters that
can be properly identified by the reader as an act of literary creation.
Once these conceptual notes have been made, we must highlight the distinction
of the career of Airton Ortiz, who seeks to escape from the focus given daily by
the newsrooms when referring distant regions. “Every day, vehicles despise the
accompaniment of good stories” (BELO, 2006, p.14).
Another important point of LJ’s travel books is that this genre allows the writer
not only to tell but to share lived experiences with his readers. Moreover, the evidence
of this narrative practice can not be denied from the earliest days of humanity, such
as are brought in all kinds of texts:

From the biblical texts, including the Old Testament, the travel narratives are
present in the universal literature. From Moisés crossing the Red Sea, to the
epics of Homero, there are characters who travel through cities, countries
and, years later, continents. From Marco Polo to Pero Lopes de Sousa, from
Erico Verissimo to the contemporary Airton Ortiz (RITTER, 2016, p.166).

In LJ’s travel narrative, if the reporter has written and mastered words as his or
her main weapons, the journalist who chooses to write and describe his experiences
as a traveler, in addition to writing and words, is also the possessor of emotions arising
in the psychic, caused by the physical fragmentations suffered by the geographic
alterations - historical-cultural elements. Here is the importance of the ongoing
construction of what is now called Literary Journey Journalism.

The realization of the dream through journalism

During his childhood, Airton Ortiz was an assiduous radio listener. Thus, the
future journalist initially traveled in the waves of the AM broadcasters, following the
great reports of the years 1960 and 1970. “was raised in the countryside, in the interior
of the municipality of Rio Pardo, and at that time the world came to me by the radio
[...]. And that aroused my curiosity, to know those places that the guys talked about”,
conta em reportagem produzida pelo repórter Clafe Rodrigues1, da Globo News.
Ortiz2 points out that after living in the municipality of Candelária-RS, still
in infancy, he and his family moved to Cachoeira do Sul-RS. It was there that Ortiz
had his first contacts with journalism and literature. First, in 1968, when still in
Travel Narratives

school he won his first literary prize writing about the friendship between Brazil
and Portugal. Shortly afterwards, he became inspired by speakers who spoke about
the world joining the profession, initially at Rádio Cachoeira. The connection with
journalism got stronger when he began collaborating in the sports editor of Jornal
do Povo, working as a reporter. In 1975, he moved to Porto Alegre where he would
1 Avaiable: https://globosatplay.globo.com/globonews/v/7296220/. Accessed on April 4, 2019..
2 Avaiable: http://orebate-eduardoritter.blogspot.com/2019/05/. Accessed on May 19, 2019.
88 pursue a dream of being a journalist, graduating in Journalism from the Pontifical
Catholic University of Rio Grande do Sul (PUCRS), after all Ortiz was aware that the
best way to know the world was investing in the career of reporter. “I came to the
conclusion that the only way I had to travel and get to know those places was if I were
a journalist and if someone paid me to travel3”.
Later, Ortiz received a postgraduate degree in Business Administration from
the Federal University of Rio Grande do Sul (UFRGS), in addition to deepening his
knowledge in other languages, such as English and Spanish. At that time he had
another remarkable experience working on Radio Farroupilha on the team of Flávio
Alcaraz Gomes, another reporter who published travel books as “A reporter in China”,
“Die for Israel” and “I saw: a reporter’s itineraries”.
In the print media, Ortiz founded and edited the newspaper called Tchê!, which
had as its theme the local culture, circulating in Rio Grande do Sul until the first
half of the 1980s. During this period, he also founded and created the publishing
company Tchê! published only local authors. In 1997, however, the journalist closed
the publisher’s activities to act as a reporter and freelance photographer.
Thus, in 1999, Ortiz published his first book with travel narratives: “Adventure at
the top of Africa”. From then on, he began to publish a book per year. It was from this that
Ortiz started to produce his Adventure Journalism. The author presents the definition for
this type of journalism: “It is a mixture of emotion and information. But the main idea is
to take my reader to those places where I’m as if he’s traveling with me4”.
Since then, Ortiz became a reference in the production of travel narratives in Brazil,
becoming the patron of several book fairs and literary journeys, such as the Book Fair of
Porto Alegre in 2014. However, how he can dedicate yourself exclusively to the production
of these books? Ortiz reveals that it is extremely necessary to have a long-term project
because a writer’s career is not built quickly and immediately, as well as public approval
and financial return. “It takes patience, dedication and conviction that this is what you
want5”. He reveals that the copyrighted projects are sponsored by the Zaffari supermarket
and hypermarket chain, headquartered in Rio Grande do Sul. “Since the first trip I made to
produce the first book, the trip was paid by Zaffari and since then all trips are sponsored
by Zaffari. It’s advertising money from them and they have a good return from it”, he
says. Ortiz traveled to more than 80 countries and published 19 travel narratives, as well
as children’s books and contributions to anthologies.
Following this brief presentation about the journalist and writer Airton Ortiz,
the 19 works with travel narratives produced are mentioned and categorized, taking
into account their characteristics.
Travel Narratives

The categorization of Ortiz’s work

In order to classify and analyze the works of Ortiz it is necessary to start with
the JL principle indicated by Vilas Boas (2008), who considers three fundamental
aspects to study this journalistic-literary genre. The former points out that narrating
3 Avaiable: https://globosatplay.globo.com/globonews/v/7296220/. Accessed on April 4, 2019.
4 Ibidem
5 Avaiable: http://orebate-eduardoritter.blogspot.com/2019/05/. Accessed on May 19, 2019.
89 is an organized and analytical art. “The narrative seems to be only a transphrasic
connotative system, a mythology, among the many that can be mixed to transform a
discourse” (BARTHES, 2009, p.14). The second is concerned with the possible readings
of a narrative, while the third addresses questions about the construction of the text.
To organize these three aspects, we chose to elaborate categories through Content
Analysis. The categorization aims, according to Bardin (2011), to provide a simplified
representation of the gross results. From this representation is made the interpretation
and analysis of the data.
Thus, Airton Ortiz’s work was divided into three broad categories: chronicles,
literary reportage, and fiction narratives. Such classification can be seen in the table
below:

Genre Quantity Title

Adventure on the top of Africa (ORTIZ, 1999), Crossing


the Last Frontier (ORTIZ, 2002), Crossing the Amazon
(ORTIZ, 2004), Egypt of the Pharaohs (ORTIZ, 2005),
Literary reportage On the trail of humanity (ORTIZ, 2006), In search of the
10
(book-report) Mayan world (ORTIZ, 2007a) On Everest Road (ORTIZ,
2007b), Post-war Vietnam (ORTIZ, 2009), Paths through
Tibet (ORTIZ, 2017) and Express to India (ORTIZ,
2018).

Jerusalem (ORTIZ, 2011), Athens (ORTIZ, 2013), Paris


(ORTIZ, 2014), New York (ORTIZ, 2015), London
Chronic 7
(ORTIZ, 2016), Havana post-Fidel (ORTIZ, 2017) and
Rome (ORTIZ, 2018).
Letters from Everest (ORTIZ, 2008) and Gringo (ORTIZ,
Fiction narrative 2
2012).

Each category and its respective works are analyzed separately from the next
topic. In this way, it is possible not only to understand how the categorization was
made, but also to point out the possible inferences to be made from the reading and
interpretation of the selected material.

Literary reportage: the search for knowledge of oneself

The category that most appears in Ortiz’s work is the literary reportage as book.
Travel Narratives

However, what is the definition of literary reportage/book-report? Here, we chose the


following description:

It is the vehicle in which the largest mass of information organized and


contextualized on a subject can be gathered, and also represents the richest
media - with the possible exception of audiovisual documentary - in
possibilities for experimentation, use of journalistic technique, approach and
construction of the narrative (BELO, 2006, p.41).
90 That is, in the literary reportage the author has the possibility of using a wide
range of techniques of journalism and literature to produce his narrative. Within the
categorization of literary reportagem as book made by Lima (2004), the work of Ortiz
is framed as a book-report-trip, previously conceptualized.
The first book of the genre was Adventure on Top of Africa, published in 1999.
In it, the journalist narrates the expedition made to the summit of mount Kilimanjaro,
in the north of Tanzania, in the border with Kenya. In this book, Ortiz counts the trip
from the shipment made in Brazil, passing by the arrival to the African continent until
the accomplishment of the expedition. Besides the text, the book displays maps and
photographs, which makes the reader do not doubt the spatial point through which the
journalist passed. By being in the place, the reader perceives the knowledge presented
through the author’s text. “The narrator can only narrate the situations he has knowledge
(that he witnessed, lived, heard, read or felt)” (VILAS BOAS, 2008, p.34). In the section
below, it is clear the testimonial character of the description presented by Ortiz.

The whole effort was then rewarded. From the summit of Kilimanjaro, 2,000
meters above cloud level, behind the black silhouette of Mauenzi peak, the sun
began to slowly rise. I instinctively shifted my sunglasses - even with degree -
because the ultraviolet radiation at that height, magnified by the reflection in
the ice, could blind me in a few minutes (ORTIZ, 1999, 201).

The second book of the genre was On Everest Road, published in 2000 and
relaunched in 2007. In this narrative, the journalist approaches his climbs in the
Himalayan ridge in Nepal. The work begins by making a historical contextualization
about the region explored. “In 1972, at the age of 22, Prithvi Narayan Shah was
crowned ruler of Gorkha, a small kingdom of Mongolian origin embedded in northern
India” (ORTIZ, 2007b, p. 28). The study of local history and culture is another striking
feature of Ortiz’s text.
Later, in 2001, it was released Paths through Tibet, which was published in an
updated edition in 2017. It is a breathtaking narrative in which Ortiz uses resources
from journalism and literature to tell the adventure that involves the purchase of false
document to enter Tibet by Nepal, because China did not issue a visa for journalists.
The challenges of getting in touch with the local culture is one of the highlights of
the work. In addition, the description of a region of difficult access gives the tone of
reportage to the narrative, as it is a place rarely visited by journalists. “There was no
doubt: we were in a country occupied by a foreign army. It seemed to be the very
message the Chinese wanted to make explicit to the local population “(ORTIZ, 2017,
p.219). We find, as in all of the author’s work, the fulfillment of one of the most
important functions of the journalist-narrator:
Travel Narratives

In saying, the author subscribes as human with personality; in wishing to


tell the current social history, the journalist creates a mediating mark that
articulates the fragmented histories; in tracing the intimate poetic that
emerges from his and the unconscious of contemporaries, the artist tells
the history of desires. From the individual, sociocommunicational or artistic
perspective, symbolic production oxygenates the impasses of chaos, entropy,
despair, and dreams of a dynamic, emancipatory cosmos (MEDINA, 2003, 48).
91 Or, returning to the principles of Vilas Boas (2008): narrate is an art. And
journalism is no different, especially in LJ.
The narrative of the real as art is also the trademark of Crossing the Last
Frontier, published in 2002. On this trip, Ortiz crosses Alaska from the south to
the Arctic Ocean, exploring the land of the Eskimos. The narrative is a mixture of
adventure, history, culture, daily records, ramblings, reflections and descriptions.
In this text, Ortiz uses another technique of the LJ, that is the manipulation of the
narrator, to “expose it or hide it; move it to the front line or push it to the backstage
of history; presenting multiple narrators in the same narrative space or making them
transit between different spaces and times “(VILAS BOAS, 2008, p.35). He also uses
intertextuality, quoting characters from literature. “Thus Jack London described the
Wild, as the Americans and Canadians call the region cut by the Arctic Circle in the
Ykon and Alaska” (ORTIZ, 2002, p.9).
Expresso for India, launched in 2003 and relaunched in 2018, talks about the
journalist’s experience in the land of the Hindu gods. Even without speaking the
language of the natives in some of the trips, the most varied forms of communication
are described in works like this. “A new beggar passed by sweeping the train and I
gave him a coin. He clasped his hands together, his eyes wide, and he thanked them.
Not to me, but to God “(ORTIZ, 2018, p.98). A different experience was recorded in
the book that recounts journeys within Brazil and Latin America: Amazon Crossing,
published in 2004 and that narrates the displacement of the author of the Pacific to
the Atlantic by the Amazonian rivers. In the narrative, Ortiz included his personal
impressions of places and people. “Two arrogant customs prosecutors searched some
baggage, treating their owners unfriendly. Coarse and arrogant, they came in my
place and asked a series of questions “(ORTIZ, 2004, p.106).
In Egypt of the pharaohs, published in 2005, Ortiz returns to cross the ocean
behind good stories. In this book he recounts a journey through the Sahara Desert on
the back of a camel, as well as the descent of the Nile on a raft. As the journalist pointed
out in an interview: “The outside trip is a pretext to provoke the great inner journey.
Because this reflexive journey is what will make us discover what matters most: that
we are ourselves6”. In 2006, it is released On the trail of humanity, which deals with
an expedition in which Ortiz remakes the path traveled by the prehistoric humans
who populated Brazil from Africa, crossing Asia, entering the Americas through
Alaska and descending to Minas Gerais. The book reportage also becomes an in-
depth study about the subject, for example, when he talks about the development of
human language. “The most accepted thesis by scientists is that this modern human
capacity was born at or near the origin of Homo sapiens as a skill set aside until it was
Travel Narratives

activated by some sort of cultural stimulus” (ORTIZ, 2006, p.194) .


Finally, the last two books of the genre were In Search of the Mayan World,
published in 2007, and Vietnam after the War, 2009. The first one originated in a series
of six reports published in the Jornal do Povo, in Cachoeira do Sul. The subject matter
of these reports is an expedition to Central America that addresses the extinction of
the Mayan culture. For this, a dense historical contextualization is added that adds to
6 Avaiablel: https://globosatplay.globo.com/globonews/v/7296220/. Accessed on April 4, 2019.
92 the journalist’s experience in foreign land. It is through study and observation that the
reporter passes his impressions to the reader. “Like any former colony, Belizans insist
on depreciating local values, considering imports, especially from the United States,
both from products and from the cultural industry, more sophisticated than national
production” (ORTIZ, 2007a, p. 150). In post-war Vietnam, Ortiz risks stepping literally
in minefield, as about 20 percent of Vietnamese territory was still covered by mines
in the year of the author’s trip.
After this presentation and analysis of the books published by Ortiz, some
characteristics that appear in several of the works of the genre are pointed out: 1)
narrative in first person; 2) description of the environment visited by the author-
traveler; 3) use of text in journal format; use of maps, graphics and photographs; 4)
historical and geographical contextualization; 5) talk with natives; 6) intertextuality,
citing several authors in the literature; 7) manipulation of the narrator; 8) transcription
of dialogues; 9) courage to travel to areas at risk; 10) Reflective description.

Chronicles: walking around the World

The second type of narrative presented in Ortiz’s books is the chronicle. There
are seven books of this genre. According to Marques de Melo (1994), the term chronic
in Brazil has a different meaning from that acquired in other countries. While in the
world journalism, in general, the chronicle is linked to the chronological account, of
historical narration, or even of reporting, in Brazil is related to a journalistic-literary
narrative linked to the actuality and daily life. “The chronicler who knows how to act
as poetic consciousness of the present is one that keeps the interest of his audience
alive and turns the chronicle into something desired by the readers” (MARQUES DE
MELO, 1994, p.155).
In the Chronicle books, Ortiz walks through seven different cities. He reveals
that it brings together all possible material to write about the cities visited. “I note
everything that happens during the trip, photo shoot, tax receipt collection, ticket
collection, ticket, bus ticket, anyway, all the material that is generated during the trip
I go collecting and storing7”.
To do so, the journalist behaves like an authentic flânuer, who walks aimlessly
through the cities. According to Frandoloso (2017, p. 121) the term emerges in the
nineteenth century to designate “a new urban experience, provided by the unbridled
growth of the great European cities”. This figure walks the streets idly searching for
the meanings of modernity. It is what Ortiz does in his travels around the world in
search of the best experience, reported in his chronicles. In general, the chapters
Travel Narratives

of these works are generally chronic about tourist spots, historic places, streets,
neighborhoods or spaces not known to the general public.
The first book in this format was Havana, first published in 2010 and updated
in a version published in 2017, when the author returned to Cuba to cover the death
of Fidel Castro in 2016. The chronicles reveal a Havana difficult to be known by the
tourist traditional. One example is Ortiz’s search for the Cuban currency, which
7 Avaiable: https://globosatplay.globo.com/globonews/v/7296220/. Accessed on April 4, 2019.
93 only circulates among the island’s residents. In addition, as in the other books, Ortiz
usually runs away from groups full of tourists, just to capture the local routine. In
Havana, after being in town for a long time, he finally manages to rent a room in a
house. Living among the natives, he captures the peculiarities of culture. “When we
wanted to criticize the government, what we did often, we spoke softly. The downstairs
neighbor was president of the Defense Committee of the Revolution in that court, he
could hear us “(ORTIZ, 2017, p.238). For each chapter of the reissued version there is
a note telling the situation of the country in 2016.
In 2011 it was Airton’s turn to publish Jerusalem. Like the other works, each
chapter is a chronicle about some particularity of the city or region, be it a place, a
custom, a street or a character. An example is when he tells about the tomb of King
David. “In a battle in the valley of Elah, thirty miles south-west of Jerusalem, when the
struggle seemed almost lost, the shorn David, a shepherd of the tribe of Judah, pulls
out a sling and strikes Goliath on the forehead” (ORTIZ, 2011, 49). The following year,
the journalist goes to another historic city: Athens. Published in 2013, there is in the
narrative a mixture between the description of historical places, the contextualization
of the history and the author’s personal experiences, which draws on one of the most
frequent characteristics of the Brazilian chronicle: the humor.

In the store, I did not stop at the details of the hat. I just put it on and went to
the mirror to see if it had ever looked beautiful as the saleswoman had assured
me. And she even had a good sense of reason. I’m serious, because I’m not
narcissistic. Poor Narcissus died admiring his reflection in the water, which I
would not do. Today there are mirrors.
But w.t.f? It’s easy to deduce, right? Popular Republic of China. Or, as we
know it in Portuguese: República Popular da China. Or rather: made in China.
I almost came back in the dump to sculpt the saleswoman. (ORTIZ, 2013, p.72).

In Paris, launched in 2014, Ortiz keeps the narrative light, descriptive, reflective,
historically contextualized and humorous. In addition, he gives some guidance to
potential travelers. An example is when the author gives tips to avoid the dangers
of crossing the road to go the Arc de Triomphe. “Knowledge and information help
not only those who are traveling, but also those who wish to make life a great and
beautiful adventure. Uninformed tourists are at risk of losing the best of the trip, if
not their own life “(ORTIZ, 2014, p.75).
The last three books of this genre also reveal streets, places and people from
historic and cosmopolitan cities: New York, London and Rome. Again there is the
mix between wandering, aimless walks and tips. “I even have one suggestion: have
a drink in the R Lounge, the Renaissance Hotel’s bar, while enjoying the neon show
Travel Narratives

below. It is not cheap. You, I do not know, but the two creators of Times Square
deserve it “(ORTIZ, 2015, p.164). In addition, in every famous or historical place, Ortiz
also recovers curiosities. An example is when you approach Soho in London. “When
the prostitutes who served the Square Mile were forced to leave the streets of the
glamorous City, they migrated to Soho and went to serve customers in cubicles with
a showcase for the sidewalk, as it still exists in Amsterdam” (ORTIZ, 2016) , p.144).
94 Another characteristic common in the chronicles of Ortiz is the description
of the architecture of the places. This is quite common in Rome, after all, historical
monuments are everywhere. About the Basilica di Santa Maria Maggiore, he writes:
“The interior is very beautiful, almost a museum, both as regards art and the history
of popes. The beauty parade begins on the ground: the floor of the nave is a fine
example of cosmatesque of the twelfth century “(ORTIZ, 2018, p.101).
Thus, we can point out some narrative features of Ortiz's chronicles, among
them: 1) first-person narrative; 2) description of places, regions and people; 3)
historical contextualization of each place; 4) report of the author's real experiences
in contact with other people; 5) humor; 6) participation in the daily life of each
city; 7) shorter chapters than in reportage books; 8) colloquial language; 9) tips for
travelers; 10) an account of the moment that each country lives during the trip, that
is, there is a certain factuality in the narrative, as for example in the book Havana,
where many things had already changed between 2010 and 2016.

Turning Experiences into Fiction

In addressing the novel-report, Cosson (2001) talks about the mixture of


journalistic and literary discourse. “Anyone who has ever read a novel-report can
not deceive the fact that the frame of its significance lies in the extreme factuality
of the story” (COSSON, 2001, p.33). In his two books of fiction, however, Ortiz went
beyond the reporting, creating entanglements based on some pillars that put these
works in the fictional genre: 1) experiences lived by himself; 2) stories told by other
people; 3) readings and studies done on the subject. From this set of factors he
created Everest Letters, published in 2008, and Gringo, launched in 2012. However,
each narrative has peculiarities.
In Everest Letters, three climbers (a Brazilian, a German and an American) try to
reach the summit of Mount Everest, however, they end up in dramatic situations. Ortiz
says that the work is based on real events because it was born from the union between
stories he and others experience, as well as research on mountaineering. “Everything
that is reported there, or almost everything, happened, not on the same mountain and
not in the same season. But they are things that were happening with the mountaineers
and that I learned, by studying a lot of mountaineering and the great climbs8”. Or, as
the journalist points out, the narrative became a fiction based on real events, which
served as a backdrop to try to tell how three different characters would react to the same
situation. “The idea was to show the diversity of people, the diversity of the culture from
which they come, and the diversity of our reactions to the same situations,” he says.
Travel Narratives

One of the literary techniques used by Ortiz in this work is called “the reader
in the text”, presented by Lodge (2011). As the title of the work indicates, there are
several texts that are exposed as letters written to third parties, in which case, it
turns the reader into a narratary. “The narratary is any evocation or substitute for
the reader of the novel within the text itself” (LODGE, 2011). This is clear in several
passages, as in the extract from the text, set out below:
8 Avaiable: http://orebate-eduardoritter.blogspot.com/2019/05/. Accessed on May 19, 2019.
95 You’re missing out on this expedition. We faced a great tragedy: my friend Bob
died in an accident in the Icefall. I spent horrible days, your friendship would
have comforted me. I needed to talk to someone who spoke Portuguese. My
pain, on its subtlest side, can not be manifested in another language (ORTIZ,
2008, p.153).

The dramatic tone permeates the whole narrative, using the literary and
journalistic technique of arousing curiosity to catch the attention of the reader.
Already in Gringo, the character makes a backpack through Latin America, going
through places previously visited by the journalist-writer. “All of Gringo’s locations
are known by me. This is my personal project of my literary work: my books will
only happen in places I know, even those of fiction”. Thus, the character lives an
adventure that involves romance, humor, experiences, contact with natives and other
backpackers, uncertainties and learning. Ortiz points out that Gringo’s difference
from the point of view of production is that the plot was created from several places
visited by him, at different times, but after the completion of the work he did exactly
the same script presented in the novel, as a way of verifying the verisimilitude
between fiction and reality. “I wanted to see if there were major changes between the
story I imagined in those places I went through at different times9”. The conclusion
was that, in real life, the author lived several of the experiences previously reported
by himself in fiction. “Many of the things that happened during the trip were already
in Gringo,” he says..
In the two works of fiction, Ortiz presents a proposal of interior travel having
as a pretext external travels carried out by the characters. For this, once again, the
narrative appears as an art, because in fiction literature, as in journalism, during the
reading the public shares the visions of the world exposed by the narrators.

The landing

After traveling through the work of Airton Ortiz, it is possible to make this
partial landing, because as the literature of the journalist-writer continues to be
produced, there will still be many shipments and landings. As pointed out, Ortiz’s
work is quite varied and the author’s literary project places him, possibly, as the
leading writer of travel narratives in contemporary Brazil. In a scenario in which
other authors, such as Dodô Azevedo, Erico Verissimo, Flavio Alcaraz Gomes, David
Coimbra and many others have published travel books that are born from the cover
made for vehicles of communication or of sporadic trips, Airton Ortiz assumed the
journalistic production of travel narratives not only as a professional project, but
Travel Narratives

also a philosophy of life.


Thus, the three types of texts produced (literary reportage, chronicle and
fiction narrative) also show the author’s knowledge about research, writing and
literary creation techniques, which presents a broad repertoire to write his 19 works
of narratives, not to mention the contributions to collections. There are 19 unique
books, in which styles vary, as well as the experiences reported by the author. For as
9 Ibidem
96 long as you have traveled the world for decades, with every new trip there is always
a surprise, even when destiny are world-famous tourist places like New York or Paris.
In this way, the present chapter of this book closes emphasizing that there are several
other possibilities of academic focus for the research and analysis of the work of
Ortiz, and that the presented one is only one of them. Therefore, this landing is just a
stop for a destination yet to be unraveled by this and other researchers.

REFERENCES

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Travel Narratives
98 CRÔNICA DE VIAGEM:
TRADIÇÃO E CONTEMPORANEIDADE
NO CONTEXTO BRASILEIRO

Júlia Fonseca de Castro1

Uma crônica de viagem ainda convém?

A crônica é um texto narrativo constituído por um deslocamento do teor histórico


dos textos de cronistas oficiais que reportavam às cortes reais, para o jornalístico, a
partir da incorporação do gênero em jornais e em revistas. A crônica seria o coração
do jornal, como definiu Vinícius de Moraes em texto, publicado em 1966, (MORAES,
2004, p.770), ou seja, um texto narrativo “quente”, pleno em subjetividades que não se
escondem como em um texto impessoal ou prioritariamente informativo. A crônica
evidencia o olhar do narrador e permite-lhe o exercício da escrita como criação de
sentidos inesperados na aparente banalidade do tempo cotidiano, representando o dia
a dia com doses de poesia, de lirismo e de sabedoria. De características fortemente
relacionadas aos meios de comunicaçao com periodicidade diária, a crônica faz do
cotidiano um tipo de prisma para a abordagem de diversos assuntos, tal como ocorre
em uma conversa informal que flui despretensiosamente. A diversidade de assuntos
abordados embasou a definiçao da crônica como “um rapaz sem morada” (QUEIROZ,
1867, p.4), como um gênero móvel, gênero andarilho que não rejeita o que encontra,
que passa por assuntos informalmente.
Viagem é um assunto para crônicas. Tema que representa a ligação do gênero
ao ofício de viajantes que desde tempos anteriores à propria invenção das mídias
impressas, na época das Grandes Navegações e até antes disso, narravam terras
distantes, territórios a serem colonizados, culturas exóticas e travessias aventureiras.
O panorama da literatura de viagem foi enriquecido por crônistas como João de Barros,
Gomes Eanes de Zurara, Fernão Lopes e Pero Vaz de Caminha, com sua famosa Carta
de “descoberta” do Brasil. Sobretudo durante o século XIX, publicações e produções
de relatos de viajantes cresceram, já que a escrita de viagem havia se tornado uma
necessidade de registro de pesquisas e inventários, documentação e organização de
dados e memórias, método fundamental de cientistas que viajavam financiados por
Narrativas de Viagem

instituições e academias científicas. O Brasil, sendo um espaço para a atuação de tais


instituições, foi tema comum para cronistas, que ganharam espaço mais abrangente
no século XX. Alguns deles se tornaram famosos por publicarem textos de viagem
em revistas e em jornais, como destaca Figueiredo (2010): Jack London, Robert Louis
Stevenson, Eça de Queiroz e, no caso brasileiro, Gonçalves Dias, Mário de Andrade e
Cecília Meireles.

1 Doutora e mestre em Geografia, na área de concentração: Organização do Espaço, pelo Programa de Pós-
-Graduação em Geografia da UFMG. Bacharel em Turismo pela UFMG.
99 Na contemporaneidade, mudanças reverberam nas características da crônica
jornalística vinculada a certa tradição de cronistas brasileiros que se firmou na
segunda metade do século XX — como, por exemplo, Rubem Braga, Clarice Lispector,
Paulo Mendes Campos. Observa-se intensa transformação nas condições mediáticas
resultantes de avanços tecnológicos que redimensionaram as características dos
meios de comunicação de massa e, por consequência, do espaço destinado à crônica.
A presença massiva da informação afasta o espaço anteriormente reservado à
subjetividade como caminho expressivo para uma narrativa comprometida com
outra forma de comunicação com o público. A crônica jornalística sofre impactos
cuja compreensão está em processo, dada a velocidade com a qual a internet e os
meios digitais transformam a lógica orientadora das relações comunicacionais entre
imprensa e sociedade. O que se pode dizer é que a crônica não é mais a mesma. O que
dizer sobre a crônica de viagem?
A crônica, como outros gêneros narrativos, está relacionada à literatura híbrida
reconhecida como de viagem, que reúne textos de diversos tipos — cartas, relatórios,
diários, entrevistas, romances, monografias etnográficas, cadernos de anotações
pessoais, guias turísticos, romances, dentre outros. Pode ser compreendida com uma
das modalidades narrativas que representam a viagem como modo de conhecer e
de relatar espaços e lugares longínquos, remotos ou compreendidos como exóticos.
As crônicas, que circularam junto a outros textos difundidos no ápice da literatura
de viagem, entre os séculos XVI e XIX (CRISTÓVÃO, 1999), contribuíram para
a criação e a difusão de um imaginário das viagens cuja dinamização se deu com
grande intensidade como os avanços nos meios de comunicação e transportes e a
popularização das viagens turísticas. Uma transformação profunda redimensionou
o teor testemunhal em textos do tipo crônica de viagem. A difusão de imagens,
informações sobre lugares e culturas foi intensificada, retirando, ou relativizando, a
exclusividade dos relatos até então recepcionados e produzidos majoriariamente sob
a aura da verdade e como testemunhos autênticos.
Nos dias atuais, os textos narrativos do tipo crônica centrados no tema viagem
sofrem uma recolocação, tanto com relação à função de autenticidade e descrição
como herança das crônicas da Era dos Descobrimentos e época do ápice da literatura
de viagem, quanto como referência de viagens raras, em função da popularização do
turismo (CASTRO, 2013). Os avanços tecnológicos impactaram a criação e difusão
de imagens, informações e conhecimentos relacionados aos espaços naturais, às
diversas culturas e aos pontos de atração turística em função da singularidade que
representam como patrimônio da humanidade, ou por outras razões, e, também,
Narrativas de Viagem

as condições de representação da experiência dos viajantes comuns. Além das


fotografias, a possibilidade de representação da experiência de viagem pelo espaço
da internet, dinamizada pelas redes sociais, blogs e outras plataformas, transformou a
relação entre viagem, experiência e representação, alterando as funções relacionadas
às crônicas como texto de comunicação jornalística.
A difusão de imagens e informações alterou os mecanismos de produção e difusão
do imaginário das viagens sem retirar a importância da narração para a representação
da experiência dos viajantes. Mesmo frente à proliferação vertiginosa de imagens, de
100 produtos audio-visuais, criados não somente por meios de comunicação, mas também
em nível individual para diversos fins, as crônicas são uma modalidade textual de
relatar que permanece. É importante questionar as razões da crônica — um dentre
outros textos narrativos — ser ainda importante para a representação de viagem, pois
essa seria uma foma de refletir sobre a experiência de viagem na contemporaneidade.
Que algo a mais uma crônica de viagem pode comunicar que excede a informação e a
imagem? Por quais motivos uma crônica seria ainda um tipo de representação ligada
à viagem na contemporaneidade?

Crônica: entre o jornalismo e a literatura de viagem no Brasil

O gênero crônica relaciona-se a kronos, palavra grega que designa o tempo


sequencial, cronológico. Enquanto gênero, a crônica seria um tipo de relato
sequencial de acontecimentos associado a textos informativos produzidos com caráter
documental. As origens do gênero remetem a essa literatura informativa chamada de
crônica histórica, mas, pouco a pouco, tal dimensão documental se perdeu. Outra
característica associada ao tempo manteve-se no gênero crônica: a ligação com a
temporalidade do cotidiano, em razão do vínculo dela com o jornal diário.
A crônica nem sempre contou com prestígio dentre outros gêneros sendo
entendida como gênero menor segundo uma perspectiva hierarquizada que
determinaria patamares de qualidade literária. Para Antonio Candido (2003), esse não
seria um gênero maior, com a grandiosidade e o brilho de outros, como o romance, mas
um gênero menor. Essa característica, contudo, lhe confere um aspecto importante:
“‘Graças a Deus’, seria o caso de dizer, porque sendo assim ela fica mais perto de nós”
(CANDIDO, 2003, p. 89). Os cronistas estão próximos do cotidiano, da vida banal, já
que a crônica seria:

[…] filha do jornal e da era da máquina, onde tudo acaba tão depressa. Ela não
foi feita originalmente para o livro, mas para essa publicação efêmera que se
compra num dia e no dia seguinte é usada para embrulhar um par de sapatos ou
forrar o chão da cozinha. Por se abrigar nesse veículo transitório, o seu intuito
não é o dos escritores que pensam em “ficar”, isto é, permanecer na lembrança
e na admiração da posteridade; e a sua perspectiva não é a dos que escrevem do
alto da montanha, mas do simples rés-do-chão. (CANDIDO, 2003, p. 89)

A crônica jornalística, filha do periodismo, comunica algo em um espaço em que


transitam notícias com prazo de validade diário, ou com outra periodicidade, como no
caso das revistas (outro abrigo predileto desse tipo de texto). Seria um gênero móvel,
Narrativas de Viagem

um gênero de passagem, feito sob a perspectiva do solo, do corpo a corpo, feito de


assuntos do cotidiano. A comparação de Antonio Candido, da crônica como gênero
escrito por aqueles que estão ao “rés-do-chão”, é também uma alusão à relação dela
com o folhetim, texto que era publicado em uma seção ao pé da página, no rodapé, ou
seja, na parte inferior do jornal.
Gênero híbrido, de raíz documental-informativa e jornalística, esse texto
comunicativo ganhou espaço em jornais, no espaço do folhetim, no fim da página
de jornal que reservava lugar para entretenimento e variedades (MEYER, 1992).
101 O espaço destinado à crônica marcou-a como gênero de extensão limitada, já que
relacionada ao espaço disponível no jornal, e de curto alcance, a ser lido no dia ou
no tempo de sobrevivência do material do jornal. Outra caracterísica do gênero, que
pode ser compreendida com uma contingência enunciativa (REIS, 2011), relaciona-
se aos assuntos do cotidiano — já que o cronista exerceria a função de comentar
fatos cotidianos noticiados, ou, então, a algum assunto variado desenvolvido a partir
de uma associação simples (MORAES,2004) — e de abordagem subjetiva, sendo
frequentemente redigido em primeira pessoa.
Antônio Prata (2016) ressalta que a crônica que faz atualmente é nomeada de coluna,
mas que o espaço em que publica não é exatamente uma coluna como caixa vertical,
próprio das colunas de opinião, já que é um espaço horizontal ao qual chama de “laje”.
Como um bom cronista, o autor se serve do humor para repensar o lugar da crônica no
espaço do jornal, usando metáfora contrária à do rodapé, mas mantendo as marcantes
características do gênero: a simplicidade e a ausência de requintes na narração.
“A crônica é antes de tudo um espaço destinado à crônica”, afirma Antônio Prata
(2016), em exercício de reflexão sobre a crônica contemporânea, referindo-se à forte
correlação entre a formação do gênero e o espaço do jornal que o abrigou por muitas
décadas. Por sua vez, o autor Humberto Werneck (2012) relativiza a relação entre
crônica e jornalismo, compreendendo o jornal e a revista como hospedeiros do gênero
em uma época em que havia espaço para um texto mais subjetivo, pois não havia o
excesso de informações e notícias que existe hoje. Para o autor, a reconfiguração dos
meios de comunicação não implicaria em um risco de enfraquecimento da crônica
como gênero narrativo já difundido e, de certa maneira, é otimista com relação à
versatilidade do gênero que seria um híbrido entre informação e poesia, entre
jornalismo e literatura.
No Brasil, esse gênero que foi desenvolvido junto a assuntos diversificados e
secundários em relação às notícias principais dos jornais, resultou em uma tradição,
ou um novo tipo de crônica, segundo Charles Kiefer (KIEFER, 2010, p. 69) uma
crônica que mistura o épico com o lírico, a partir de um encontro do jornalismo com
a literatura, ou, como aponta Coutinho (1994), um gênero resultante da fusão da
literatura com o jornalismo. Essa crônica brasileira, que se tornou clássica, estaria em
transformação radical, já que os meios de comunicação a ela relacionados de modo
intrínseco encontram-se em fase de transição.
Discutir a crônica de viagem como uma faceta da crônica, conduz a pensar sobre
uma intensa produção textual identificada como crônica histórica, já que o Brasil foi
alvo do olhar de viajantes de diferentes nacionalidades. No universo da literatura de
Narrativas de Viagem

viagem do Brasil — em que o Brasil seria um objeto de representação/documentação


— as crônicas históricas são reconhecidas como tratados, histórias, relatos, diários,
como textos não canônicos, de uma literatura informativa, pré-literária, como
“produção meramente informativa ou intencionalmente histórica” (RINALDI, 2007,
p. 21). Embora muitos textos reconhecidos como literatura de viagem no Brasil não
sejam identificados como crônicas, é notável que alguns comunguem de características
marcantes delas, como narração com humor, observações redigidas com teor de leveza
sobre personagens em cenas comuns e sobre hábitos culturais. A própria Carta de
102 Caminha, conhecida como um dos primeiros documentos históricos do Brasil, apesar
de ser uma carta redigida como um diário, em trechos frequentemente reproduzidos,
remete à crônica e, melhor dizendo, a uma crônica de viagem.
No Brasil, crônicas de viagem em estilo jornalístico foram produzidas por
escritores estrangeiros visitantes, ou mesmo brasileiros circulando por dentro ou
por fora das fronteiras nacionais, tal como indica Sílvio Lima Figueiredo (2010).
Mário de Andrade, Cecília Meireles e Lygia Fagundes Telles escreveram crônicas de
viagem publicadas inicialmente em jornais e depois compiladas em livros. Diários
de viagem, embora desvinculados inicialmente da publicação em jornais e revistas,
apresentam traços semelhantes aos atribuídos à crônica na tradição brasileira — ou
seja, textos atravessados por trechos poéticos, pelo lirismo, marcados pelo humor —
e organizados frequentemente em publicações do tipo livro, como os de Graciliano
Ramos e o próprio Mário de Andrade (1983 [1976]).
Esse tipo de crônica é, também, impactado pelas mudanças já comentadas, uma
vez que a dinâmica de representação de viagem corresponde a novas condições de
produção, de recepção e de possibilidades de narrar a viagem. O público-leitor de
crônicas na modalidade viagem assume a instância ativa na criação de textos para
representar viagens em curtos textos e imagens, de modo que o esquema de recepção
do gênero não é mais o mesmo. Esse fato indica dinamismo e velocidade na criação
e difusão de textos que condicionam o pensar da crônica de todos os tipos como
quadros de referência (LIMA, 2002). Buscar a crônica de viagem é um exercício
para além de uma investigação sobre suas características, mas, mais amplamente,
oportunidade para pensar as representações textuais de viagem. Nesse sentido, além
da crônica, o diário, o ensaio ou o próprio relato de viagem são importantes objetos
para a análise cuja reflexão não estaria exclusivamente atrelada à reflexão sobre a
linguagem jornalística com dispositivos próprios (objetivos e intenções).

Crônica de viagem: entre a informação e a narrativa

Pensar a crônica de viagem no Brasil inclui pensar os espaços editoriais em que


circulam. Convém considerar a presença delas em publicações impressas e eletrônicas,
mesmo que sejam nomeadas de outra forma: como relato de viagem, trecho de diário
de viagem, crônica literária, ensaio curto. É importante compreender quais os tipos
de texto ligados à viagem são publicados em jornais, revistas, blogs, sites e, também,
em redes sociais, para tentar refletir sobre como a crônica prevalece de forma que
represente a experiência dos viajantes na contemporaneidade.
Narrativas de Viagem

Narrativas desse tipo estão presentes da revista especializada à rede social, do


livro ao jornal. Circulam, também, em ambientes virtuais que ganham proporção
ampla e importância estratégica em diversos nichos editoriais da literatura e do
jornalismo de viagem, que utilizam plataformas eletrônicas para alcançar públicos
leitores. É crescente a quantidade e a variabilidade de representações de viagem, uma
vez que o tema é apropriado por mercados como apelo à segmentação de “gosto”
— por meio da atuação, em redes sociais, de celebridades, pessoas públicas e digital
influencers. Nesse sentido, textos narrativos que comungam da estutura temática da
103 crônica de viagem, ou seja, que apresentam extensão limitada, doses de lirismo, de
humor e algum nível de subjetividade não seriam exclusivos de uma instância de
difusão, como poderia ser compreendido em outros periodos históricos: hoje essa
produção seria complexa e difusa.
No mercado editorial com a temática viagem, é possível encontrar diversidade de
gêneros associados, como guias turísticos, livros fotográficos, livros no estilo aventura
inspirados em viagens excêntricas, com base em um jornalismo de aventura, dentre
outros2. Outros títulos aproximam-se mais do ensaio e das experimentações, sendo
possível encontrar textos canônicos, como a Odisseia, e republicações de textos clássicos3.
Sobressai o caráter utilitário de muitas publicações como guias práticos no estilo manual
de viagem, e também esse pragmatismo está presente em publicações periódicas
mais conhecidas no Brasil, como jornais e revistas do gênero viagem e turismo, em
que prevalece o interesse comercial que destaca seleções de restaurantes e de grandes
hotéis. É uma característica forte do jornalismo do gênero no Brasil e que encontra
correspondência em padrões globais adotados por grandes grupos comunicacionais.
Nos cadernos temáticos de grandes jornais e nas revistas especializadas4, as
viagens são abordadas como são os temas classificados como variedades, tais como
moda, gastronomia e cultura. Tais publicações possuem formato padronizado, com
reportagens curtas sobre destinos turísticos, eventos, notícias sobre o mercado
turístico em geral, destaques de meios de hospedagem e, não raramente, remetem a um
turismo de luxo em anúncios e reportagens. O cronista de viagem está pouco presente
e é geralmente designado como colunista ou blogueiro, tal como ocorre com o cronista
de modo geral, comenta Antônio Prata (2016). As crônicas de viagem, organizadas em
colunas de opinião, são assinadas por jornalistas e outras personalidades públicas e
representam experiências em lugares turísticos, alguns detalhes dos destinos, muitas
dicas e também algum tipo de crítica.
A coluna de jornal e revista do gênero turismo e viagens, que reserva espaço
para textos semelhantes às crônicas, geralmente é conectada ao blog ou ao perfil de
rede social do colunista. Desse modo, outra maneira de pesquisar a crônica de viagem
contemporânea é a navegação pela web, que possibilita o encontro de crônicas (assim
denominadas) em blogs de viagem que parecem reconfigurados atualmente e distantes
dos diários eletrônicos produzidos por viajantes independentes em outros períodos.
De modo geral, os textos presentes em blogs atuais giram em torno do clichê: dicas
de viagem, de roteiros testados por viajantes que redigem em primeira pessoa e

2 A diversidade é considerável e, além dos consagrados guias de viagem, como Michelin e Quatro Rodas, sobressa-
Narrativas de Viagem

em livros do tipo manual. Alguns exemplos: Viajante chic: dicas de viagem por Glória Kalil; Confissões de um turista
profissional: tudo o que você queria saber sobre viagens e que os guias jamais vão contar; Sozinha mundo afora: dicas
para sair pelo mundo em sua própria companhia, escrito por Mari Campos. São publicações numerosas vendidas ao
lado de livros no estilo jornalismo de viagem, como, por exemplo, 300 dias de bicicleta: 22 mil km de emoções pelas
Américas, escrito por Sven Schmid, e outros em tom memorialista como Viagens para sempre serem lembradas.
3 Outros títulos aproximam-se mais do ensaio e das experimentações, como Uma semana no aeroporto, do filó-
sofo e escritor Alain de Botton. O Diário de viagem, de Albert Camus, é um exemplo de texto de viagem de outras
épocas que pode ser eventualmente encontrado no mercado editorial contemporâneo. Já a Odisseia, de Homero,
por exemplo, é um título republicado frequentemente.
4 Os maiores jornais do Brasil possuem cadernos de turismo distribuídos de modo diverso na versão impressa e,
na versão virtual, distribuídos em seções. Por exemplo: O Globo: Boa viagem; Folha de São Paulo: Folha Turismo;
jornal O Tempo: O Tempo Turismo; Estadão: Viagem. Com relação às revistas especializadas, é possível citar Via-
gem e Turismo, publicada pela Editora Abril.
104 apresentam-se como viajantes experimentados, mas raramente produzem reflexões
afastadas do discurso pragmático.
Viaje na viagem, de Ricardo Freire5, um dos precursores do movimento blogueiro
na modalidade viagem no Brasil (SANTOS, 2014), é um site interconectado com um
blog voltado a questões práticas:

Sempre que organizamos uma viagem, buscamos informações que nos ajudem
a viajar melhor, a curtir totalmente o destino e a não cair em roubadas. Dicas
locais, off-turísticas e eventos especiais também fazem parte, usualmente, dos
tópicos que procuramos nessa fase de planejamento […] ( FREIRE, 2017)

O profissionalismo da atividade dos blogueiros se expressa na Rede Brasileira


de Blogueiros de Viagem (RBBV), que articula cerca de 650 viajantes-blogueiros,
e objetiva “Compartilhar informações entre blogueiros sobre a profissionalização
dos blogs de viagem e discutir sobre as melhores formas de aperfeiçoá-los (design,
conteúdo e monetização)”6, além de outras intenções. Todas elas relacionadas à noção
do blog como instrumento de trabalho e do blogueiro viajante como profissional.
Ao consultar tais blogs, percebe-se logo que não se está a adentrar um espaço de
compartilhamento de experiências de viagem ou quiçá um espaço de criação de
textos que extrapolem o viés informativo e publicitário. A impressão é que o discurso
pessoal baseado na experiência é adaptado às estruturas do discurso publicitário e
de marketing. O espírito livre dos aventureiros independentes que compartilham as
próprias experiências em blogs é mais raro e difícil de ser identificado, bem como
um tipo de texto no estilo crônica.
Em blogs com crônicas de viagem, é possível identificar textos jornalísticos
redigidos em primeira pessoa, produzidos a partir de estratégias discursivas
articuladas à sugestão de experiências vividas, contudo são textos mais informativos
que reflexivos e, ainda, pouco subjetivos. É notável a presença da informação e o
discurso em primeira pessoa esvaziado de subjetividade, reflexão e crítica em relatos
de viagem em ambientes virtuais já que os fins comerciais predominam. Com as
crônicas clássicas, esses textos guardariam pouca similaridade, afinal lhes faltaria
poesia, subjetividade, crítica, despretensão. As crônicas são escassas mesmo nos blogs
de viagem, transformados em novos redutos do marketing e da publicidade para o
mercado turístico, como já antevisto pelos pioneiros dos blogs no Brasil, tal como
desenvolve Caroline de Brito Santos (2015).
A crônica de viagem como texto curto preferencialmente escrito em primeira
Narrativas de Viagem

pessoa, já que o olhar do cronista seria como o filtro capaz de captar o detalhe e, a
partir dele, falar sobre o mundo percorrido (percursos, aspectos culturais, estranhezas,
curiosidades), ao mesmo tempo em que fala de si próprio, é rara em meios de
comunicação convencionais (jornais e revistas impressos) e eletrônicos (sites, blogs).
5 Blog “Viaje na viagem”. Desenvolvido por Ricardo Freire. Copyright © 2017 Organizações Bóia Conteúdo Di-
gital. Apresenta dicas e informações sobre viagens. Disponível em: <https://www.viajenaviagem.com/>. Acesso
em: 15 maio. 2019.
6 Comunidade “Rede Brasileira de Blogueiros de Viagem – RBBV”. Desenvolvido por Rede Brasileira de Bloguei-
ros de Viagem – RBBV. Copyright © 2017 Rede Brasileira de Blogueiros de Viagem – RBBV. Apresenta publicações
de blogueiros de viagem associados. Disponível em: <http://www.rbbv.com.br/
105 A despretensão na narração que dosaria lirismo com o humor para transformar o
detalhe em poesia, como reflete Marcelo Moutinho7 sobre a crônica brasileira, é cada
vez mais rara. Contudo, a criação de relatos de viagem, de características semelhantes à
crônica, em redes sociais, produzidos com interesses não necessariamente comerciais,
mas artísticos, culturais e sociais são um sinal de vitalidade desse tipo de representação.
A produção informal e criativa de textos na internet é compreendida como instância
profícua de crônicas na atualidade, tal como reflete Marcelo Moutinho8.
O contexto das viagens contemporâneas indica outras relações entre autor e
leitor que divergem do tempo em que o narrador-viajante relatava territórios e culturas
desconhecidos. Hoje, o fazer do cronista é de outra condição, pois se baseia em um
imaginário dinâmico ligado às viagens. César Guimarães (1997) discute mudanças na
função do espaço em narrativas de viagem contemporâneas e destaca duas tendências:
narrativas em que a percepção espacial é integrada à experiência de viagem como
algo passível de constituir um sentido mais amplo; obras em que a questão espacial é
suprimida e a construção de sentido para a viagem não representa importância crucial9.
“A viagem como tempo de aprendizagem para compreender o mundo, este sonho,
já não é para nós hoje pensável” (WIM WENDERS, apud GUIMARÃES, 1997) — a
reflexão de Wim Wenders refere-se à impossibilidade da experiência ser sintetizada
por um narrador e, consequentemente, transmitida, como em outros momentos tenha
sido possível ou, ao menos, sonhado. Essa dificuldade de constituir sentido para a
experiência estaria relacionada ao excesso de imagens, fragmentação da experiência
de mundo, cotidiano urbano de uma sociedade em que os mecanismos de controle são
disseminados, que é informatizada, burocratizada, racionalizada.
É interessante pensar a reflexão trazida por Giorgio Agamben (2008), que se
refere à impossibilidade do homem moderno em traduzir em experiência. De acordo
com o autor, estaríamos cada vez menos hábeis em traduzir em experiência, ou seja,
em olhar de modo generoso as vivências de maneira a buscar uma elaboração para
elas, de transformar a “mixórdia de eventos” (AGAMBEN, 2008, p. 21) em algo que
tenha um sentido que transcende o óbvio. O viajante, como indivíduo contemporâneo,
estaria limitado na possibilidade de construir um saber em relação às suas vivências
e, consequentemente, vivendo uma forte ameaça de inconsciência sobre o que a
experiência particular e coletiva representa.
Quando Walter Benjamin (1987, p.114) sugeriu que “as ações da experiência
estão em baixa”, ou que estamos “mais pobres em experiências”, ele referiu-
se também a certa ameaça com relação à diversidade de pensamentos, modos de
Narrativas de Viagem

expressão, modos de vida. Referiu-se a uma crise histórica de perda de um sentido


mais amplo que regesse a consciência dos sujeitos. Para o autor, a primeira guerra

7 PORTAL EBC – TV BRASIL. Crônicas do cotidiano com Marcelo Coutinho. EBC/TV Brasil, 23 maio 2017. Dis-
ponível em: <http://tvbrasil.ebc.com.br/marcelo-moutinho-fala-sobre-cronicas-do-cotidiano-no-trilha-de-letras>.
Acesso em: 9 out. 2017.
8 PORTAL EBC – TV BRASIL. Crônicas do cotidiano com Marcelo Coutinho. EBC/TV Brasil, 23 maio 2017. Dis-
ponível em: <http://tvbrasil.ebc.com.br/marcelo-moutinho-fala-sobre-cronicas-do-cotidiano-no-trilha-de-letras>.
Acesso em: 9 out. 2017.
9 O livro Passaporte, de Fernando Bonassi, é uma narrativa de viagem marcada pela concisão e pela aceleração na
temporalidade da narração e pela fragmentação da identidade do narrador. Tal fragmentação aponta para o que sugere
César Guimarães, com relação à separação de atividades antigamente vinculadas: o olhar, a experiência e a narração.
106 mundial contaminou as sociedades nela envolvidas direta ou indiretamente,
afetando-as profundamente, na medida em que o conflito armado, a inflação e a
fome desenharam um quadro de degradação humana e social progressiva, o que
constituiu um verdadeiro trauma coletivo.
Walter Benjamin destacou que a baixa das ações da experiência estava relacionada
às feridas da guerra que resultaram em mazelas, tais como a incomunicabilidade. Os
soldados voltavam silenciosos porque a guerra representou um grande desafio ao
poder comunicativo da experiência. Não haveria como extrair sabedoria da vivência
nos campos de batalha, nem como vinculá-la à memória coletiva, à cultura, às tradições.
Assim, o fato das pessoas estarem mais pobres em experiências comunicáveis, se
relaciona à perda de força da sabedoria.
Em um famoso e aludido texto — O narrador: considerações sobre a obra de
Nikolai Leskov — Walter Benjamin (1987) refletiu sobre o fim da arte de narrar.
Se, tradicionalmente, a tradução em experiência contava com a narrativa que, tal
como uma arte, se nutria da experiência que circula de boca em boca, o advento e a
valorização da informação, e, de modo geral, do próprio periodismo, tornou a arte de
narrar cada vez mais rara:

A narrativa que durante tanto tempo floresceu num meio de artesão — no


campo, no mar e na cidade —, é ela própria, num certo sentido, uma forma
artesanal de comunicação. Ela não está interessada em transmitir o “puro em
si” da coisa narrada como uma informação e um relatório. Ela mergulha a
coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele. Assim se imprime
na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso.
(BENJAMIN, 1987, p. 205)

Ao contrário da narrativa, a informação não se vincula à experiência do narrador


e tampouco ao conjunto de experiências de determinada cultura para ter validade, na
medida em que é auto-explicativa e verificável. A informação seria uma forma sintética
de comunicação que se desprende do seu enunciador, se difundindo com facilidade e que
representa, também, importância fundamental para o funcionamento do mundo de hoje.
Se em tempos atuais, a sabedoria deixou de representar um papel fundamental, não
significa que a narrativa tenha perdido a sua importância. Talvez, a função da narrativa em
garantir, por meio da transmissão da sabedoria entre gerações, a organização da memória
e difusão das tradições, não seja algo tão valorizado em nossos tempos. Entretanto, o
alcance da informação não retira da narrativa a importância na difusão de um conjunto
de regras, normas e códigos de conduta (BERGER, LUKMANN, 2004) que servem para
Narrativas de Viagem

organizar alguns aspectos do mundo contemporâneo. Talvez, por isso, a narrativa siga
como campo importante para a qualificação ética em que se estimam, se avaliam e se
julgam comportamentos e identidades, como reflete Ricoeur (RICOEUR, 1994).
Hoje em dia, a informação exerce um papel em relação à dinamização
das viagens, mas por si só ela é insuficiente para a construção de sentido de uma
viagem. O compartilhamento de relatos de viagem, que estariam entre a crônica, o
diário e o ensaio, em redes sociais e blogs desvinculados de objetivos profssionais e
mercadológicos, indica uma latência. O desejo comum aos sujeitos de associarem a
107 viagem a uma experiência para a reflexão sobre si mesmo, para a busca de respostas
e de uma visão sobre o mundo em sua diversidade.

Reflexões finais

Regressando à pergunta inicial: uma crônica de viagem ainda convém? É possível


dizer que ela estaria enfraquecida em função da presença massiva da informação em
detrimento da subjetividade, da poesia, do lirismo e de outros sentidos pouco utilitários
para a movimentaçao da indústria cultural, do marketing turísico e do jornalismo de
viagens. É necessário, contudo, ponderar uma posição que afirme a irreversibilidade
das condições contemporâneas de narração da viagem e, sobretudo, que apontem a
dissolução da crônica.
A crônica de viagem, como uma vertente narrativa de representação da
experiência do viajante, seria pouco pretensiosa com relação à criação de um sentido
grandioso. Por mesclar lirismo com caráter informativo, fragmentação e concisão, a
crônica seria adequada às reflexões breves, corresponderia às necessidades de viajantes
cujas práticas são marcadas pela aceleração da percepção espacial e fragmentação de
sentido. É de se pensar que a preponderância da informação usada de modo pragmático
para a leitura de viagem não exclui a necessidade de outro tipo de leitura: uma leitura
inspiradora, capaz de representar a prática de viajantes com riqueza de sentidos, seja
por meio da ficcção ou da reflexão.
Além do ponto de vista da leitura, ou seja, da recepção de crônicas de viagem,
é importante pensá-las sob a perspectiva do ato da produção, ou seja, da produção de
crônicas entre relato e diário de viagem. Essa perspectiva não anularia as diferenças entre
a produção literária associada ao gênero e a textos, acompanhados de imagens, fotografias
ou vídeos, criados com a finalidade de comunicação intersubjetiva em redes sociais e em
blogs. Ainda que a produção de narrativas de viagem corresponda a níveis distintos de
elaboração da linguagem e de complexidade de representação, ela compreende o elementar
do ato de narrar e, por sua vez, a relação intrínseca entre viajar e narrar.
Do ponto de vista da produção de crônicas de viagem, elas atenderiam à necessidade
que advém do risco de fragmentação excessiva e consequente perda de um sentido
maior que ameaçaria a vida de indivíduos e de coletividades. Narrar histórias de viagem,
como histórias de vida, é uma atividade quase redentora, com potencial curativo para o
automatismo que permeia a vida de muitas pessoas na contemporaneidade. Ângela de
Castro Gomes (2004) pensa uma tensão relativa ao individualismo moderno, expressa
na busca por coerência e linearidade que convive com constante fragmentação das
Narrativas de Viagem

experiências. Essa tensão representaria algo para os viajantes que narram, como um
tipo de proteção contra o estilhaçamento de experiência.
Seja por meio da leitura ou da escrita — ambas atividades vinculadas ao ato de
narrar —, podemos arriscar e apostar que a crônica de viagem ainda convém. Não
somente é conveniente, mas é ligada à necessidade do indivíduo moderno de buscar
sentido e coerência por meio da narração e essa busca de sentido é, no fundo, uma
recusa da coisificação da vida, é um modo de erguer-se e de superar uma alienação
crescente (SARLO, 2007).
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2017.
Narrativas de Viagem
111 CRÓNICA DE VIAJE: TRADICIÓN
Y CONTEMPORANEIDAD EN EL
CONTEXTO BRASILEÑO

Júlia Fonseca de Castro1

¿Es la crónica de viaje todavía apropiada?

La crónica es un texto narrativo constituido por un desplazamiento del contenido


histórico de los textos de los cronistas oficiales que informaban a los antiguos
reinados, a la periodística, desde la incorporación del género en los periódicos y en las
revistas. La crónica sería el corazón del periódico, como lo define Vinícius de Moraes
en un texto publicado en 1966 (MORAES, 2004, p. 770), es decir, un texto narrativo
“cálido”, lleno de subjetividades que no se esconden como en un texto impersonal o
principalmente informativo. La crónica evidencia la mirada del narrador y le permite
practicar la escritura como la creación de sentidos inesperados en la banalidad
aparente del tiempo cotidiano, representando la vida cotidiana con dosis de poesía,
lirismo y sabiduría. De características fuertemente relacionadas con los medios de
comunicación con periodicidad diaria, la crónica hace de todos los días un tipo de
prisma para el enfoque de diversos temas, como sucede en una conversación informal
que fluye sin pretensiones. La diversidad de temas cubrió la definición de la crónica
como “um rapaz sem morada” (Queiroz, 1867, p. 4)2, como un género móvil, un género
errante que no rechaza lo que encuentra, y pasa por los temas de manera informal.
El viaje es una cuestión para las crónicas. Un tema que representa el vínculo del
género con el oficio de los viajeros que, de vez en cuando, antes de la invención de los
medios impresos, en los días de las Grandes Navegaciones, e incluso antes de eso, narraban
historias de tierras lejanas, territorios por colonizar, culturas exóticas y aventuras. El
panorama de la literatura sobre viajes en portugués fue enriquecido por cronistas como
João de Barros, Gomes Eanes de Zurara, Fernão Lopes y Pero Vaz de Caminha, con
su famosa carta de “descubrimiento” de Brasil. Especialmente durante el siglo XIX,
las publicaciones y producciones de los diarios de viaje crecieron, ya que la redacción
de viajes se había convertido en una necesidad para el registro de investigaciones e
inventarios, para la documentación y organización de datos y memorias, un método
fundamental de los científicos viajeros financiados por instituciones. y academias
científicas. Brasil, al ser un espacio para el desempeño de tales instituciones, fue un
Narrativas de Viaje

tema común para los cronistas, que ganaron más espacio en el siglo XX. Algunos de
ellos se han hecho famosos por publicar textos de viajes en revistas y periódicos, como
señala Figueiredo (2010): Jack London, Robert Louis Stevenson, Eça de Queiroz, y los
brasileños Gonçalves Dias, Mário de Andrade y Cecília Meireles.

1 Doctorado y Máster en Geografía, en el área de concentración: Organización del Espacio, por el Programa de
Posgrado en Geografía de la UFMG. Licenciada en Turismo por la UFMG.
2 La traducción libre sería “un chaval sin dirección”.
112 En la época contemporánea, los cambios repercuten en las características de
la crónica periodística vinculada a cierta tradición de cronistas brasileños que se
estableció en la segunda mitad del siglo XX, como Rubem Braga, Clarice Lispector
y Paulo Mendes Campos. Hay un cambio intenso en las condiciones de los medios
que resultan de los avances tecnológicos que han redimensionado las características
de los medios de comunicación y, en consecuencia, el espacio destinado a la crónica.
La presencia masiva de información elimina el espacio previamente reservado para
la subjetividad como un camino expresivo para una narrativa comprometida con
otra forma de comunicación con el público. La crónica periodística sufre impactos
cuya comprensión está en proceso, dada la velocidad con que Internet y los medios
digitales transforman la lógica de las relaciones de comunicación entre la prensa y la
sociedad. Lo que se puede decir es que la crónica ya no es la misma. ¿Qué decir de las
crónicas de viaje?
Crónica, al igual que otros géneros narrativos, está relacionada con la literatura
híbrida reconocida como viaje, que reúne textos de diversos tipos: cartas, informes,
diarios, entrevistas, novelas, monografías etnográficas, cuadernos personales, guías
turísticos, novelas, entre otros. Puede entenderse con una de las modalidades narrativas
que representan el viaje como una forma de conocer y reportar espacios y lugares
lejanos, remotos o entendidos como exóticos. Las crónicas, que circularon junto con
otros textos difundidos en el vértice de la literatura de viajes, entre los siglos XVI y
XIX (CRISTÓVÃO, 1999), contribuyeron a la creación y difusión de un imaginario de
los viajes cuya dinamización se produjo con gran intensidad así como los avances
en los medios de comunicación, en el transporte y en la popularización de los viajes
turísticos. Una transformación profunda redimensionó el contenido testimonial en
textos de estilo crónica de viaje, ya que la difusión de imágenes, información sobre
lugares y culturas se intensificó, retiró, o relativizó, la exclusividad de las narrativas
hasta entonces recibidas y producidas en su mayor parte bajo el aura de verdad y
como testimonios auténticos.
Hoy en día, los textos narrativos del tipo crónica centrados en el tema de viaje
se reemplazan, tanto con respecto a la función de la autenticidad y descripción como
herencia de las crónicas de la Era del Descubrimiento, época auge de la literatura
de viajes, como cuanto a la referencia de viajes raros, debido a la popularización
del turismo (CASTRO, 2013). Los avances tecnológicos han impactado la creación
y difusión de imágenes, información y conocimiento relacionados con los espacios
naturales, las diversas culturas y los puntos de atracción turística debido a la
singularidad que representan como patrimonio de la humanidad, o por otras razones,
así como las condiciones. de la experiencia de los viajeros ordinarios. Además de
Narrativas de Viaje

las fotografías, la posibilidad de representar la experiencia de viaje a través del


espacio de Internet, estimulada por las redes sociales, blogs y otras plataformas, ha
transformado la relación entre viaje, experiencia y representación, cambiando las
funciones relacionadas con las crónicas como un texto de comunicación periodística.
La difusión de imágenes e información alteró los mecanismos de producción
y difusión del imaginario de los viajes sin restar importancia a la narración para
la representación de la experiencia de los viajeros. Incluso frente a la vertiginosa
113 proliferación de imágenes, de productos audiovisuales, creados no solo por medio de la
comunicación, sino también a nivel individual para varios propósitos, las crónicas son
una modalidad textual de información que permanece. Es importante cuestionar los
motivos de la crónica, uno de los otros textos narrativos, que aún sea importante para
la representación de los viajes, ya que esto sería una reflexión sobre la experiencia de
viajar en el mundo contemporáneo. ¿Qué más puede comunicar una crónica de viaje
que supere la información y la imagen? ¿Por qué razones una crónica sigue siendo un
tipo de representación vinculada a viajar en el mundo contemporáneo?

Crónica: entre el periodismo y la literatura de viajes en Brasil

El género crónica está relacionado con kronos, palabra griega para el tiempo
secuencial, cronológico. Como género, la crónica sería un tipo de relato secuencial de
eventos asociados con textos informativos producidos con un carácter documental. Los
orígenes del género se refieren a esta literatura informativa llamada crónica histórica,
pero poco a poco se ha perdido esta dimensión documental. Otra característica
asociada al tiempo se mantuvo en el género de crónica: el vínculo con la temporalidad
de la vida cotidiana, debido a su asociación con el periódico diario.
La crónica no siempre ha tenido prestigio entre otros géneros, entendiéndose
como un género menor de acuerdo con una perspectiva jerárquica que determinaría los
niveles de calidad literaria. Para Antonio Candido (2003), este no sería un género más
grande, con la misma grandeza y brillantez de otros, como la novela, sino un género
menor. Esta característica, sin embargo, le da un aspecto importante: ‘Gracias a Dios’,
sería el caso de decir, porque de esa manera se acerca más a nosotros “(CANDIDO,
2003, p.89)3. Los cronistas están cerca de la vida cotidiana, la vida banal, ya que la
crónica sería:

[…] filha do jornal e da era da máquina, onde tudo acaba tão depressa. Ela
não foi feita originalmente para o livro, mas para essa publicação efêmera
que se compra num dia e no dia seguinte é usada para embrulhar um par de
sapatos ou forrar o chão da cozinha. Por se abrigar nesse veículo transitório,
o seu intuito não é o dos escritores que pensam em “ficar”, isto é, permanecer
na lembrança e na admiração da posteridade; e a sua perspectiva não é a dos
que escrevem do alto da montanha, mas do simples rés-do-chão. (CANDIDO,
2003, p. 89)4

La crónica periodística, hija del periodismo, comunica algo en un espacio en el que


las noticias se producen a diario, o con otra periodicidad, como en el caso de las revistas
(otro refugio favorito de este tipo de texto). Sería un género móvil, un género de pasaje,
Narrativas de Viaje

hecho desde la perspectiva del suelo, de cuerpo a cuerpo, hecho de asuntos cotidianos.
La comparación de Antonio Candido, de la crónica como un género escrito por quienes

3 Traducción libre de la autora de ‘Graças a Deus’, seria o caso de dizer, porque sendo assim ela fica mais perto
de nós” (CANDIDO, 2003, p. 89)
4 Hija del periódico y la era de la máquina, donde todo acaba tan rápido. Originalmente no se hizo para el libro,
pero para esa publicación efímera, un día y el siguiente se usa para envolver un par de zapatos o forrar el piso de la
cocina. Al refugiarse en este vehículo transitorio, su intención no es la de los escritores que piensan en “quedarse”,
es decir, permanecer en la memoria y admiración de la posteridad; y su perspectiva no es la de quienes escriben
desde la cima de la montaña, sino desde la sencilla planta baja. (traducción libre de la autora)
114 están en la planta baja, es también una alusión a su relación con el folleto, un texto que se
publicó en una sección al pie de la página, es decir, en la parte inferior del periódico.
Género híbrido, de origen documental-informativo y periodístico, este texto
comunicativo ganó espacio en los periódicos, en el espacio del folleto, al final de la
página del periódico que reservaba el lugar para el entretenimiento y las miscelánea
(MEYER, 1992). El espacio destinado a la crónica la ha marcado como un género de
extensión limitada, ya que estaba relacionada con el espacio disponible en el periódico
y de corto alcance, para ser leído en el día o en el momento de la supervivencia del
material del periódico. Otra característica del género, que puede entenderse con una
contingencia enunciativa (REIS, 2011), está relacionada con los asuntos cotidianos,
ya que el cronista tendría la función de comentar eventos de noticias diarias o, luego,
a un tema variado desarrollado desde una asociación simple (MORAES, 2004) y un
enfoque subjetivo, a menudo escrito en primera persona.
Antônio Prata (2016) señala que la crónica que se hace actualmente se denomina
columna, pero que el espacio en el que publica no es exactamente una columna como
un cuadro vertical, típico de las columnas de opinión, ya que es un espacio horizontal
al que suele llamar “losa”. Como un buen cronista, el autor utiliza el humor para
repensar el lugar de la crónica en el espacio del periódico, utilizando una metáfora
contraria a la de la base, pero manteniendo las características notables del género: la
simplicidad y la falta de refinamiento en la narración.
“La crónica es ante todo un espacio destinado a la crónica”5, afirma Antônio Prata
(2016), en ejercicio de reflexión sobre la crónica contemporánea, refiriéndose a la fuerte
correlación entre la formación del género y el espacio del periódico que la ha abrigado
a lo largo de muchas décadas. A su vez, el autor Humberto Werneck (2012) relativiza
la relación entre crónica y periodismo, entendiendo el periódico y la revista como
anfitriones del género en un momento en que había espacio para un texto más subjetivo
porque no había demasiada información y noticias como existen hoy. Para el autor, la
reconfiguración de los medios no implicaría un riesgo de debilitar la crónica como género
narrativo ya generalizado y, en cierto sentido, es optimista sobre la versatilidad del género
que considera un híbrido entre información y poesía, entre periodismo y literatura.
En Brasil, este género, que se ha desarrollado junto con temas diversificados y
secundarios en relación con las principales noticias, ha resultado en una tradición o
un nuevo tipo de crónica, según Charles Kiefer (KIEFER, 2010, p.69), una crónica que
combina la épica con lo lírico, a partir de una reunión del periodismo con la literatura
o, como señala Coutinho (1994), un género resultante de la fusión de la literatura y
del periodismo. Esta crónica brasileña, que se ha convertido en clásica, estaría en
Narrativas de Viaje

una transformación radical, ya que los medios intrínsecamente relacionados con ella
están en la fase de transición.
Discutir la crónica de viaje como una faceta de la crónica, nos lleva a pensar
en una producción textual intensa identificada como crónica histórica, ya que Brasil
fue interés de viajeros de diferentes nacionalidades. En el universo de la literatura de
viajes de Brasil, en la cual Brasil sería un objeto de representación / documentación,

5 Traducción libre de la autora de “A crônica é antes de tudo um espaço destinado à crônica”,


115 las crónicas históricas se reconocen como tratados, historias, relatos, diarios, como
textos no canónicos, informativos, pre literarios, como "producción meramente
informativa o intencionalmente histórica"​​(RINALDI, 2007, p.21)6. Si bien muchos
textos reconocidos como literatura de viajes en Brasil no se identifican como crónicas,
es notable que algunas lelvan características similares, como la narración humorística,
las observaciones escritas con contenido de ligereza sobre los personajes en escenas
comunes y los hábitos culturales. La propia Carta de Caminha, conocida como uno de
los primeros documentos históricos de Brasil, a pesar de ser una carta escrita como
un diario, en pasajes frecuentemente reproducidos, se refiere a la crónica y, en otras
palabras, a una crónica de viaje.
En Brasil, las crónicas periodísticas de viaje fueron producidas por escritores
extranjeros visitantes, o incluso por brasileños que se movían dentro o fuera de las
fronteras nacionales, como lo indica Sílvio Lima Figueiredo (2010). Mário de Andrade,
Cecilia Meireles y Lygia Fagundes Telles escribieron crónicas de viajes publicadas
por primera vez en periódicos y luego compiladas en un libro. Las revistas de viajes,
aunque inicialmente no estaban relacionadas con la publicación en periódicos y
revistas, presentan características similares a las atribuidas a la crónica en la tradición
brasileña, es decir, textos marcados ​​por pasajes poéticos, lirismo o humor, organizados
a menudo en publicaciones de tipo libro, como las de Graciliano Ramos y el propio
Mário de Andrade (1983 [1976]).
Este tipo de crónica también se ve afectada por los cambios ya mencionados, ya
que la dinámica de la representación del viaje corresponde a las nuevas condiciones de
producción, recepción y posibilidades para narrar el viaje. Los lectores de crónicas del
modo viaje asumen la instancia activa en la creación de textos para representar viajes
en textos cortos e imágenes, por lo que el esquema de recepción del género ya no es el
mismo. Este hecho indica la dinámica y la velocidad en la creación y difusión de textos
que condicionan el pensamiento de la crónica de todos los tipos como marcos de
referencia (LIMA, 2002). La búsqueda por una crónica de viaje es un ejercicio además
de una investigación sobre sus características, pero, más ampliamente, la oportunidad
de pensar las representaciones textuales de los viajes. En este sentido, además de la
crónica, la revista, el ensayo o la propia narrativa del viaje son objetos importantes
para el análisis cuya reflexión no estaría vinculada exclusivamente a la reflexión sobre
el lenguaje periodístico con sus propios dispositivos (objetivos e intenciones).

Crónica de viajes: entre la información y la narrativa.

Pensar la crónica de viaje en Brasil incluye pensar en los espacios editoriales en


Narrativas de Viaje

los que circulan. Es conveniente considerar su presencia en publicaciones impresas


y electrónicas, incluso si se nombran de otra manera: como un informe de viaje, un
diario de viaje, una crónica literaria, un ensayo breve. Es importante entender qué
tipos de texto están vinculados al viaje se publican en periódicos, revistas, blogs, sitios
web y también en las redes sociales para tratar de reflejar cómo prevalece la crónica
como una representación de la experiencia de los viajeros en la época contemporánea.
6 Traducción libre de “produção meramente informativa ou intencionalmente histórica” (RINALDI, 2007, p. 21).
116 Narraciones de este tipo están presentes desde la revista especializada hasta
la red social, desde el libro hasta el periódico. También circulan en entornos
virtuales que ganan una amplia proporción y una importancia estratégica en varios
nichos editoriales de la literatura de viaje y del periodismo de viaje, que utilizan
plataformas electrónicas para llegar a los lectores. La cantidad y la variabilidad de
las representaciones de viajes está aumentando, ya que el tema es apropiado por los
mercados como un atractivo para la segmentación del "gusto", a través de la actuación,
en las redes sociales, de las celebridades, las personas públicas y los influencers. En
este sentido, los textos narrativos que comparten la estructura temática de la crónica
de viaje, es decir, que tienen un alcance limitado, dosis de lirismo, humor y cierto
nivel de subjetividad, no serían exclusivos de una instancia de difusión, como podría
entenderse en otros períodos: hoy esta producción sería compleja y difusa.
En el mercado editorial con el tema de los viajes, es posible encontrar una
diversidad de géneros asociados, como guías turísticas, libros fotográficos, libros de
estilo aventura inspirados en viajes excéntricos, basados ​​en el periodismo de aventura,
entre otros7. Otros títulos se acercan al ensayo y los experimentos, pudiendo encontrar
textos canónicos, como la Odisea, y publicaciones reeditadas de textos clásicos8. Se
destaca la utilidad de muchas publicaciones como guías prácticas en el estilo manual
de viaje, y este pragmatismo también está presente en publicaciones periódicas más
conocidas en Brasil, como periódicos y revistas del género de viaje y turismo, en
las que prevalece el interés comercial, destacando las selecciones de restaurantes y
grandes hoteles. Es una característica fuerte del periodismo del género en Brasil y que
coincide con los estándares globales adoptados por grandes grupos de comunicación.
En los cuadernos temáticos de los principales periódicos y en las revistas
especializadas9, se abordan los viajes al igual que los temas clasificados como
miscelánea, como moda, gastronomía y cultura. Estas publicaciones tienen un formato
estandarizado, con breves informes sobre destinos turísticos, eventos, noticias sobre el
mercado turístico en general, aspectos destacados de las instalaciones de alojamiento y,
con poca frecuencia, se refieren al turismo de lujo en anuncios e reportajes. El cronista
de viaje no está muy presente y en general se lo designa como columnista o bloguer,
como ocurre con un cronista común, comenta Antônio Prata (2016). Las crónicas de
viajes, organizadas en columnas de opinión, están firmadas por periodistas y otras
figuras públicas y representan experiencias en lugares turísticos, algunos detalles de
destinos, muchos consejos y también algún tipo de crítica.

7 La diversidad es considerable y, además de las conocidas guías de viaje, como Michelin y Quatro Rodas, destacan
los libros tipo manuales. Algunos ejemplos: Viajante chic: dicas de viagem por Glória Kalil; Confissões de um turista
Narrativas de Viaje

profissional: tudo o que você queria saber sobre viagens e que os guias jamais vão contar; Sozinha mundo afora:
dicas para sair pelo mundo em sua própria companhia, escrito por Mari Campos. Numerosas publicaciones se
venden junto con libros de estilo de viaje, 300 dias de bicicleta: 22 mil km de emoções pelas Américas, escrito por
Sven Schmid, y otros em tono de memoria como Viagens para sempre serem lembradas.
8 Otros títulos se acercan a los ensayos y ensayos, como Uma semana no aeroporto, del filósofo y escritor Alain
de Botton, O Diário de viagem, de Albert Camus es un ejemplo de texto de viaje de otras épocas que eventu-
almente se puede encontrar en el mercado editorial contemporáneo. Odisseia, de Homero, por ejemplo, es un
título a menudo reeditado.
9 Los periódicos más grandes de Brasil tienen publicaciones de turismo distribuidas de manera diferente en la
versión impresa y, en la versión virtual, distribuidos en secciones. Por ejemplo: O Globo: Boa viagem; Folha de São
Paulo: Folha Turismo; jornal O Tempo: O Tempo Turismo; Estadão: Viagem. Con respecto a las revistas especiali-
zadas, es posible citar Viagem e Turismo, publicada pela Editora Abril.
117 La columna del periódico y de la revista del género turismo y de viajes, que
reserva espacio para textos similares a las crónicas, en general está conectada al blog
o al perfil de red social del columnista. Por lo tanto, otra forma de buscar la crónica
de viaje contemporánea es a través de la navegación web, que permite el encuentro
de las crónicas (así llamadas) en blogs de viajes que parecen estar reconfiguradas hoy
en día y distantes de las revistas electrónicas producidas por viajeros independientes
en otras épocas. En general, los textos presentes en los blogs de hoy giran en torno a
los clichés de sugerencias de viaje, de guiones ya probados por viajeros que escriben
en primera persona y se presentan como viajeros experimentados, pero que rara vez
producen reflexiones fuera del discurso pragmático.
Viaje na Viagem, de Ricardo Freire10, uno de los precursores del movimiento de
bloggers de viajes en Brasil (SANTOS, 2014), es un sitio web interconectado con un
blog centrado en temas prácticos:

Sempre que organizamos uma viagem, buscamos informações que nos ajudem
a viajar melhor, a curtir totalmente o destino e a não cair em roubadas. Dicas
locais, off-turísticas e eventos especiais também fazem parte, usualmente, dos
tópicos que procuramos nessa fase de planejamento […] ( FREIRE, 2017)

La profesionalidad de la actividad de los bloggers se expresa en la Red Brasileña


de Bloggers de Viaje (RBBV)11, que articula alrededor de 650 viajeros-bloggers, y tiene
como objetivo "Compartir información entre los bloggers sobre la profesionalización
de los blogs de viajes y discutir las mejores formas de mejorar" (diseño, contenido y
monetización)", así como otras intenciones. Todos ellos relacionados con la noción
del blog como herramienta de trabajo y el blogger viajero como profesional. Cuando
consulta dichos blogs, uno pronto se da cuenta de que no está ingresando a un espacio
para compartir experiencias de viaje o tal vez a un espacio de creación de textos
que extrapolan el sesgo informativo y publicitario. La impresión es que el discurso
personal basado en la experiencia se adapta a las estructuras de publicidad y discurso
de marketing. El espíritu libre de los aventureros independientes que comparten sus
propias experiencias de blog es más raro y difícil de identificar, así como un tipo de
texto de estilo crónico.
En los blogs con crónicas de viaje, se puede identificar las noticias escritas en
primera persona, producidas a partir de las estrategias discursivas articuladas como
sugerencias de experiencias, sin embargo, son textos informativos más reflexivos y
también poco subjetivos. Es destacable la presencia de información y el discurso en
primera persona sin subjetividad, reflexión y crítica en los relatos de viajes en entornos
virtuales, ya que predominan los fines comerciales. Con las crónicas clásicas, estos
Narrativas de Viaje

textos tendrían poca similitud, y carecerían de poesía, subjetividad, crítica, modestia. Las
crónicas son escasas incluso en los blogs de viajes, transformadas en nuevos paraísos
de mercadotecnia y publicidad para el mercado turístico, como ya habían previsto los
10 Blog “Viaje na viagem”. Desarrolado por Ricardo Freire. Copyright © 2017 Organizações Bóia Conteúdo Di-
gital. Informaciones sobre viajes. Disponible en: <https://www.viajenaviagem.com/>. Acceso en: 15 maio. 2019.
11 Comunidad “Rede Brasileira de Blogueiros de Viagem – RBBV”. Desarrolado por Rede Brasileira de Blogueiros
de Viagem – RBBV. Copyright © 2017 Rede Brasileira de Blogueiros de Viagem – RBBV. Presenta publiaciones de
bloggers de viaje asociados. Disponible en: <http://www.rbbv.com.br/
118 pioneros de los blogs en Brasil, desarrollados por Caroline de Brito Santos (2015).
La crónica de los viaje como texto corto, preferiblemente escrito en primera
persona, ya que la apariencia del cronista sería como el filtro capaz de capturar
los detalles y, a partir de ellos, hablar sobre el mundo recorrido (caminos, aspectos
culturales, rarezas, curiosidades), aunque se habla de sí mismo, es raro en los medios
convencionales (periódicos y revistas impresos) y electrónicos (sitios web, blogs). La
modestia en la narración que traería lirismo con humor para transformar los detalles
en poesía, como reflexiona Marcelo Moutinho12 sobre la crónica brasileña, es cada vez
más rara. Sin embargo, la creación de narrativas de viaje, similares a la crónica, en
redes sociales producidas con intereses no necesariamente comerciales, pero artísticos,
culturales y sociales son un signo de vitalidad de este tipo de representación. La
producción informal y creativa de textos en Internet se entiende como una instancia
rentable de las crónicas de hoy, como lo refleja Marcelo Moutinho13.
El contexto de los viajes contemporáneos indica otras relaciones autor-lector
que divergen de la época en que el narrador-viajero informaba territorios y culturas
desconocidos. Hoy en día, la actividad del cronista es de otra condición, ya que se
basa en una imagen dinámica vinculada al viaje. César Guimarães (1997) discute
los cambios en la función del espacio en las narrativas contemporáneas de viajes
y destaca dos tendencias: narrativas en las que la percepción espacial se integra en
la experiencia del viaje como algo capaz de constituir un significado más amplio;
trabajos en los que se suprime la cuestión espacial y, así, la construcción de sentido
para el viaje no tiene importancia crucial.
  "A viagem como tempo de aprendizagem para compreender o mundo, este
sonho, já não é para nós hoje pensável” (WIM WENDERS, apud GUIMARÃES, 1997)14.
La reflexión de Wim Wenders se refiere a la imposibilidad de que la experiencia sea
sintetizada por un narrador y en consecuencia, transmitida, como en otras ocasiones
fue posible o al menos soñado. Esta dificultad de dar sentido a la experiencia estaría
relacionada con el exceso de imágenes, la fragmentación de la experiencia mundial,
la vida cotidiana urbana de una sociedad en la que se difunden los mecanismos de
control, que es informatizado, burocratizado, racionalizado.
Es interesante pensar en la reflexión traída por Giorgio Agamben (2008), que
se refiere a la imposibilidad del hombre moderno de traducir en experiencia. Según
el autor, cada vez tendríamos menos posibilidades de traducir en experiencia, es decir,
mirar con generosidad las experiencias para buscar una elaboración para estas, para
transformar la “mezcla de eventos” (AGAMBEN, 2008, pág. 21) en algo que tiene
un significado que trasciende lo obvio. El viajero, como individuo contemporáneo,
Narrativas de Viaje

estaría limitado en la posibilidad de construir un conocimiento en relación con sus


experiencias y, en consecuencia, vivir una fuerte amenaza de inconsciencia sobre lo

12 PORTAL EBC – TV BRASIL. Crônicas do cotidiano com Marcelo Coutinho. EBC/TV Brasil, 23 maio 2017. Dis-
poníble en: <http://tvbrasil.ebc.com.br/marcelo-moutinho-fala-sobre-cronicas-do-cotidiano-no-trilha-de-letras>.
Acceso en: 9 oct. 2017.
13 PORTAL EBC – TV BRASIL. Crônicas do cotidiano com Marcelo Coutinho. EBC/TV Brasil, 23 maio 2017. Dis-
poníble en: <http://tvbrasil.ebc.com.br/marcelo-moutinho-fala-sobre-cronicas-do-cotidiano-no-trilha-de-letras>.
Acceso en: 9 out. 2017.
14 “El viaje como un tiempo para aprender a comprender el mundo, este sueño ya no es para nosotros hoy en
día” (traducción libre de la autora).
119 que representa la experiencia particular y colectiva.
Cuando Walter Benjamin sugirió que “las acciones de la experiencia están caídas”
(BENJAMIN, 1987, pág. 114) o que somos “más pobres en experiencia” (BENJAMIN
1987, 114), también se refirió a una cierta amenaza. Con respecto a la diversidad de
pensamientos, modos de expresión, formas de vida. Se refirió a una crisis histórica
de pérdida de un significado más amplio que gobernaba la conciencia de los sujetos.
Para el autor, la Primera Guerra Mundial contaminó directa o indirectamente a las
sociedades involucradas en ella, afectándolas profundamente, ya que el conflicto
armado, la inflación y el hambre crearon una imagen de la degradación humana y
social progresiva, que constituía un verdadero trauma colectivo.
Walter Benjamin señaló que las víctimas de la experiencia estaban relacionadas
con las heridas de la guerra que resultaron en enfermedades como la incomunicación.
Los soldados regresaron tranquilos porque la guerra representaba un gran desafío
para el poder comunicativo de la experiencia. No habría manera de extraer la sabiduría
de vivir en los campos de batalla, ni de vincularla a la memoria colectiva, a la cultura,
a las tradiciones. Por lo tanto, el hecho de que las personas sean más pobres en
experiencias transmisibles está relacionado con la pérdida de la fuerza de la sabiduría.
En un texto famoso y aludido - El narrador: consideraciones sobre la obra de
Nikolai Leskov - Walter Benjamin (1987) reflexionó sobre el fin del arte de la narración.
Si la traducción de la experiencia se basó tradicionalmente en la narrativa que, como
un arte, se basó en la experiencia que circula de boca en boca, el advenimiento y la
valorización de la información y, en general, el periodismo mismo. El arte de narrar
cada vez más raro.

A narrativa que durante tanto tempo floresceu num meio de artesão — no


campo, no mar e na cidade —, é ela própria, num certo sentido, uma forma
artesanal de comunicação. Ela não está interessada em transmitir o “puro em
si” da coisa narrada como uma informação e um relatório. Ela mergulha a
coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele. Assim se imprime
na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso.
BENJAMIN, 1987, p. 205

A diferencia de la narrativa, la información no está vinculada a la experiencia


del narrador o al conjunto de experiencias de una cultura en particular para que sea
válida en la medida en que se explique por sí misma y sea verificable. La información
sería una forma sintética de comunicación que proviene de su enunciador,
difundiéndose con facilidad y que también representa una importancia fundamental
para el funcionamiento del mundo de hoy.
Narrativas de Viaje

Si en la actualidad, la sabiduría dejó de desempeñar un papel fundamental,


no significa que la narrativa haya perdido su importancia. Quizás la función de la
narrativa para asegurar, a través de la transmisión de la sabiduría entre generaciones,
la organización de la memoria y la difusión de las tradiciones, no sea tan valorada
en nuestros tiempos. Sin embargo, el alcance de la información no elimina de la
narrativa la importancia de difundir un conjunto de reglas, normas y códigos de
conducta (BERGER, LUKMANN, 2004) que sirven para organizar algunos aspectos del
120 mundo contemporáneo. Tal vez, por lo tanto, la narrativa continúa como un campo
importante para la calificación ética en la que los comportamientos y las identidades
se estiman, evalúan y juzgan, como refleja Ricoeur (1994).
Hoy en día, la información desempeña un rol en la dinamización de los viajes,
pero en sí misma es insuficiente para la construcción de sentido para un viaje. El
intercambio de relatos de viajes, que sería entre la crónica, el diario y el ensayo, en
redes sociales y blogs no relacionados con objetivos profesionales y de marketing,
indica una latencia. El deseo común de los sujetos de asociar su viaje con una
experiencia de reflexión sobre sí mismos, la búsqueda de respuestas y una visión del
mundo en su diversidad.

Reflexiones finales

Volviendo a la pregunta inicial: ¿sigue siendo apropiada una crónica de viaje? Se


puede decir que se debilitaría por la presencia masiva de información en detrimento
de la subjetividad, la poesía, el lirismo y otros pequeños significados utilitarios para el
movimiento de la industria cultural, el marketing turístico y el periodismo de viajes.
Sin embargo, es necesario reflexionar sobre una posición que afirma la irreversibilidad
de las condiciones contemporáneas de narración del viaje y, sobre todo, que apuntan
a la disolución de la crónica.
La crónica de viaje, como un hilo narrativo que representa la experiencia del
viajero, sería poco pretenciosa con respecto a la creación de un sentido grandioso. Al
combinar el lirismo con el carácter informativo, la fragmentación y la concisión, la
crónica sería adecuada para breves reflexiones, corresponde a las necesidades de los
viajeros cuyas prácticas están marcadas por la aceleración de la percepción espacial y
la fragmentación del significado. Se piensa que la preponderancia de la información
utilizada de manera pragmática para la lectura del viaje no excluye la necesidad de
otro tipo de lectura: una lectura inspiradora, capaz de representar la práctica de los
viajeros con sentidos ricos, ya sea a través de la ficción o de la reflexión.
Además del punto de vista de la lectura, es decir, la recepción de las crónicas
de viaje, es importante pensar en ellas desde la perspectiva del acto de producción,
es decir, de la producción de las crónicas entre la historia y el diario de viaje. Esta
perspectiva no anularía las diferencias entre la producción literaria asociada al género
y los textos, acompañados de imágenes, fotografías o videos, creados con la finalidad
de la comunicación intersubjetiva en las redes sociales y en los blogs. Aunque la
producción de narrativas de viaje corresponde a diferentes niveles de elaboración del
lenguaje y de complejidad de representación, comprende lo elemental del acto de la
Narrativas de Viaje

narrativa y, a su vez, la relación intrínseca entre viajar y narrar.


Desde el punto de vista de la producción de las crónicas de viaje, responderían
a la necesidad derivada del riesgo de una fragmentación excesiva y la consiguiente
pérdida de un sentido mayor que amenazaría las vidas de individuos y colectividades.
La narración de historias de viajes, como las historias de vida, es una actividad
casi redentora con potencial curativo para el automatismo que impregna la vida
de muchas personas en el mundo contemporáneo. Ângela de Castro Gomes (2004)
piensa una tensión relacionada con el individualismo moderno, expresada en la
121 búsqueda de coherencia y linealidad que convive con la fragmentación constante de
las experiencias. Esta tensión representaría algo para los viajeros que narran, como
una especie de protección contra la ruptura de la experiencia.
Ya sea a través de la lectura o la escritura, ambas actividades relacionadas
con el acto de narrar, podemos arriesgar y apostar a que la crónica de viaje aún se
adapta. No solo es conveniente, sino que está vinculada a la necesidad del individuo
moderno de buscar significado y coherencia a través de la narración, y esta búsqueda
de significado es, en esencia, una negativa a cosificar la vida, es una forma de elevarse
y superar una creciente alienación (SARLO, 2007).

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2017.
Narrativas de Viaje
124 PASSEIO À MINHA TERRA:
A PRIMEIRA NARRATIVA DE VIAGEM
ESCRITA POR UM PARANAENSE

Denise Azevedo Duarte Guimarães1

Registros de uma jornada à luz da cosmovisão romântica

O livro Passeio à minha terra, de Salvador José Correia Coelho (1860) é uma
raridade bibliográfica e constitui um precioso registro sobre a Província do Paraná, a
partir da narração de uma jornada efetuada em 1844 pelo autor e dois companheiros2.
As impressões dos dois meses de viagem (ida e volta, de São Paulo capital da Província,
à cidade da Lapa, então Vila Nova do Príncipe) encontram-se registradas no livro e
são integradas à cosmovisão romântica, à cuja luz seu discurso é plasmado. Convém
lembrar que, ao longo do século XIX, o fascínio por viajar dá origem a uma volumosa
literatura durante o Romantismo.
Por outro lado, grande era a influência da literatura europeia nos meios
acadêmicos brasileiros, o que justifica o gênero e o próprio título do livro em estudo.
Observa-se que, tendo estudado direito em São Paulo, o autor procura demonstrar
seu conhecimento da literatura clássica. Além disso, ele marca fortemente seu texto
com elementos da literatura lusitana, que aparece no livro como referência cultural
explícita, bem ao gosto da época.
Este trabalho propõe-se a analisar Passeio à minha terra sob a perspectiva
da intertextualidade, salientando nele a impregnação da literatura portuguesa. Estamos
cientes de que a exacerbada citação de autores portugueses no livro em questão deve ser
equacionada, cuidadosamente, para que não se passe ao perigoso terreno das influências.
A distância temporal obriga o discurso a uma série de transformações e a intertextualidade
que se objetiva estudar não pode perdê-la de vista.

Um gênero limítrofe

Tzvetan Todorov considera que relato e viagem estão mutuamente implicados.


Narrativas de Viagem

Segundo o autor, o relato também se alimenta da mudança, que pode acontecer no


espaço para simbolizar a passagem do tempo, enquanto o ato físico de deslocamento
implica a mudança interior;

1 Docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Linguagens da UTP. Coordena a Linha de Pesquisa


Estudos de Cinema e Audiovisual. Pesquisadora dos GPs: GRUDES, UTP/CNPq; Comunicação, Imagem e Contem-
poraneidade -CIC,UTP/CNPq. É editora científica da Revista INTERIN.
e-mail: denise.guimaraes@utp.br
2 Os dois companheiros de que se conhece apenas as iniciais, são, segundo informa o professor Newton Carneiro
em nota introdutória a 2ª edição do livro, o futuro conselheiro Jesuíno Marcondes de Oliveira e o futuro bacharel
José Lourenço de Sá Ribas.
125 [...] tudo é viagem, mas trata-se de um tudo sem identidade. A viagem
transcende todas as categorias, incluindo a da mudança, do mesmo e do
outro, pois desde a mais remota Antiguidade são acumuladas viagens
de descobrimento, explorações do desconhecido, e viagens de regresso,
reapropriação do familiar: os argonautas são grandes viajantes, mas Ulisses
também o é. (TODOROV, 2006, p. 231)

A tarefa de definir os limites entre Literatura e Jornalismo revela-se árdua


porque, desde as origens, os dois gêneros estiveram relacionados, tendo ambos a
palavra escrita como matéria-prima fundamental para a comunicação e expressão
de ideias. Indo além da simples mistura entre os dois gêneros narrativos, o relato
de viagem apresenta características próprias, podendo ser considerado um gênero
particular, embora esteja situado entre a crônica e a narrativa literária e com inúmeras
nuances que lhe conferem especificidades.
Vinculando-se ao romance-reportagem, o relato de viagem teve seu auge na
época das grandes descobertas, pela importância em fornecer detalhes sobre as
novas regiões e por “mares nunca dantes navegados’. Antes mesmo de se poder falar
em uma literatura brasileira, foram registradas inúmeras narrativas de viajantes e
cronistas, na denominada Literatura de Informação, na qual poderiam ser incluídos
diários de navegação e tratados descritivos. Nesse sentido, nosso primeiro texto do
gênero seria a Carta de Pero Vaz de Caminha. Seguiram-se narrativas que descreviam
as viagens, com ênfase nos primeiros contatos com a terra brasileira e seus nativos.
As obras escritas pelos jesuítas avultam como exemplos deste tipo de texto, pródigos
em descrições pitorescas da nossa flora e fauna. Durante os primeiros séculos da
colonização portuguesa, tais obras “literárias” foram estimuladas e são ainda hoje
lidas por seu interesse histórico.
Durante os primeiros séculos de nossa colonização, consideramos importante
enfatizar os registros de dados exóticos, etimologicamente vinculados a um olhar de
fora; as coisas do Brasil eram ex/óticas, estranhas e inéditas para os europeus que aqui
chegavam e que as observavam pela primeira vez.
No caso da obra de Salvador José Correia Coelho, temos um contexto
diferente, já em meados do século XIX, sendo o autor um brasileiro, oriundo da
Província do Paraná, que procura documentar os detalhes da própria viagem, no
seu cotidiano de forma romanceada, porém demonstrando conhecimento dos
lugares por onde passava.
Em artigo sobre o discurso literário no Paraná, Marilene Weinhardt assinala a
reprovação de Correia Coelho ao nome conferido politicamente à antiga província.
Narrativas de Viagem

Chegando à altura do relato em que alcança Curitiba, Correia Coelho diz da


antiga condição de “cabeça de comarca” da cidade, para prestar informações
de ordem legal sobre a elevação à categoria de província, fato que teve
lugar entre o tempo da viagem e o da escrita, lamentando: ‘Não vejo razão
na alteração que a lei trouxe, batizando a província com o nome de Paraná’.’
(WEINHARDT, 1997, p. 78)

Contudo, segundo a pesquisadora, as críticas do narrador são dirigidas às


escolhas políticas, mesmo porque, “Filho pródigo que retorna à casa paterna, ele não
126 se furta ao elogio das excelências do clima, da beleza da paisagem, da gentileza dos
habitantes, contemplando não só o destino final da viagem, mas também os lugares
por onde passa.” (WEINHARDT, 1997, p. 79)
No contexto romântico, é largamente cultivado o gosto pelas narrativas que
relatam viagens, segundo afirma Tzvetan Todorov:

Na Europa ocidental, houve incontestavelmente um movimento de


relatos alegóricos para relatos impressionistas. Os exemplos dessa
transição são numerosos; mas nenhum parece mais eloquente do que o
de Chateaubriand. Esse escritor realizou de fato duas grandes viagens,
ou, como ele próprio diz, peregrinações ao Ocidente e ao Oriente”.
(TODOROV, 2006, p. 239)

Por outro lado, o escritor romântico está sempre em uma viagem egótica, em
busca de um mergulho no seu eu interior. Tentar registrar qualquer visão ou consciência
de instantes do passado faz com que a memória aguce a sensação da transitoriedade
e distorça as perspectivas, num processo anamórfico. Todorov considera que ‘relato
impressionista’ é a denominação mais indicada para os relatos de viagem de estilo
romântico, uma vez que o vocábulo expressa como o viajante se contenta em nos
comunicar suas impressões, sem procurar nos ensinar alguma coisa.
No estilo do texto do narrador paranaense apresentam-se inegáveis reverberações
do ideário do Romantismo, com todas as suas tentativas de evasão e escapismo através
da busca interior, para o cultivo de sensações mais refinadas e excêntricas, muitas
vezes em termos de um ideal inacessível.
Destarte, de acordo com Walter Benjamin, quem viaja é potencialmente um
bom narrador, pois tem muito o que contar, geralmente acrescentando elementos
subjetivos e afetivos à narrativa. Contudo, o autor pontua que no início do século XX,
a consolidação do romance e a notícia jornalística afetam negativamente a tradição da
narrativa, que vem da oralidade, do ato de contar uma história, na esteira da epopeia.
“[...] Se a arte da narrativa é hoje rara, a difusão da informação é decisivamente
responsável por esse declínio. [...] Em outras palavras: quase nada do que acontece
está a serviço da narrativa, e quase tudo está a serviço da informação. Metade da arte
narrativa está em evitar explicações” (BENJAMIN, 1994, p. 203).
Considerando a argumentação benjaminiana, o relato de viagem como gênero
limítrofe entre literatura e jornalismo pode ser uma alternativa para passar a
informação sem perder a liberdade da narração oral, valorizando, assim, não apenas a
Narrativas de Viagem

notícia, o que se diz, mas também o modo como se diz.


Segundo Todorov,

A primeira característica importante do relato de viagem, tal como imagina


– inconscientemente – o leitor de hoje, parece-me ser uma certa tensão (ou
um certo equilíbrio) entre o sujeito observador e o objeto observado. É o que
designa, a seu modo, a denominação “relato de viagem”: relato, isto é, narração
pessoal e não descrição objetiva, mas também viagem, um marco, portanto, e
circunstâncias exteriores ao sujeito. (TODOROV, 2006, P. 240)
127 O contexto romântico e as intertextualidades

O sentimento de ampliação de horizontes que o evasionismo romântico cultivou,


dirige-se, frequentemente, para a contemplação de lagos, rios e montes, da natureza
enfim, onde o escritor descobre seus mistérios. É isto que a viagem permite, ao lado
do encontro com o pitoresco, com a cor local, com pessoas vivendo outras formas de
cultura, outros estágios de civilização.
Tudo isto Salvador J. C. Coelho procurou fixar em sua obra, relatando as
impressões de uma viagem original, em que na ida seguem a rota costeira, descendo
a Santos, passando por Itanhaém, Iguape e Cananéia para alcançar Paranaguá e o
planalto curitibano, e, na volta seguem pela estrada da tropa (Palmeira, Ponta Grossa,
Castro, Itararé, Itapetininga e Sorocaba para alcançarem São Paulo). Trajeto de mais de
dois meses, vasto campo para a crônica lírica, curiosa e colorida do jovem paranaense.
Pelo exposto, constatamos que, diante de um livro publicado em 1860, não
se pode deixar de lado o contexto romântico em que a obra surgiu. Em relação ao
Romantismo, que nesta época já se consolidara no Brasil, dois aspectos devem ser
ressaltados de início:
1 - A busca de inspirações em elementos nacionais encontra eco em um Brasil
recém-independente, em plena fase de afirmação de sua personalidade como nação;
2 - O culto da natureza encontrara campo propício na exuberante paisagem
nacional.
Na verdade, estes são dois tópicos que chamam a atenção do leitor do Passeio
à minha terra, uma vez que, fiel aos modelos românticos, o autor procura valorizar
a natureza brasileira desde os primeiros parágrafos: “[...] para debuxar o imenso,
o sublime panorama de uma natureza leda e majestosa, florestas virgens, fecundas
e úteis.” (CORREIA COELHO, 1968, p. 2). Atente-se para a adjetivação tipicamente
ufanista, dentro do espírito romântico de se fazer com que a paisagem se solidarize
com o artista, como ocorre no trecho a seguir: “A meditação que o luar acorda não
implica esforço; é uma diversão em que o espírito conversa com a natureza.” (CORREIA
COELHO, 1968, p. 19) Fiel em afirmação da nacionalidade brasileira o livro é pródigo
em passagens tais como: “Tudo é novo e vigoroso no Brasil como o pensamento que
brotou em 1822” (CORREIA COELHO, 1968, p. 2).
Neste sentido, convém lembrar que a literatura brasileira, principalmente de
1830 a 1880, cultivou os mitos guiadores da consciência nacional em gênese. Os
primeiros anos de nossa autodeterminação histórica foram fecundos e construtivos,
Narrativas de Viagem

motivando o sentido do ufanismo.Com efeito, em apenas meio século, o Brasil


estava conseguindo superar três séculos de colonialismo. Tal sentimento tem reflexo
marcante na obra estudada, como revela o trecho abaixo: “[...] e nós devemos a nossa
nacionalidade ao herói de tantos méritos o senhor D. Pedro I, cujo nome está gravado
no templo da memória e nos corações de um povo nobre e agradecido.” (CORREIA
COELHO, 1968, p. 10)
Um dos marcos do Romantismo em Portugal é a obra de Almeida Garrett, sendo
que seu livro Viagens na minha terra, publicado em Lisboa em 1846, constitui
um exemplo típico da vertente romântica: a literatura de viagens. Mais do que uma
128 coincidência, a aproximação do título do livro brasileiro ao do romance de Garrett,
revela uma profunda impregnação da literatura portuguesa, a ser estudada na obra
Passeio à minha terra.
Em muitas passagens da obra garretiana tem-se a exata dimensão do
nacionalismo que também impregna o livro de Correia Coelho. O viajante procura
valorizar aspectos da paisagem nacional, ricos de conteúdo evocativo, visitando-os
como em peregrinação.
Tal vertente literária ligada ao tema da viagem inclina-se ora ao exotismo, ora
ao nacionalismo. Se, por um lado, a busca do exótico reflete ao evasionismo, por outro
lado, a viagem romântica no interior da pátria reflete uma outra busca: a procura das
fontes da nacionalidade e o culto do espaço nacional, como na descrição alegórica da
montanha Juréa feita pelo autor paranaense:

No vasto plano entro o oceano, rio verde, Uma e Ribeira ergue a montanha
– Juréa - a sua negra massa, cujos dois pontos culminantes, banhados na
base pelas vagas do mar, são vistos ao longe navegando-se o Uma: parece a
sentinela perdida da costa inóspita que guarda um tesouro (...) Desse posto
ela espreita silenciosa e ávida o navegante. (CORREIA COELHO, 1968, p. 37)

Muito embora os diálogos intertextuais com as obras literárias portuguesas seja


pertinente, cabe observá-los guardando as devidas proporções e atendo-nos às opções
temáticas e às semelhanças explícitas entre obras e autores em questão. Disseminadas
pelo texto, existem inúmeras citações de obras não só de Garrett, mas também de
Camões e de Bernardim Ribeiro, dois paradigmas do quinhentismo em Portugal.
Pode-se estabelecer uma relação entre os três autores portugueses citados
pelo autor brasileiro, embora pertençam a períodos diversos dentro da literatura
portuguesa. Esta relação, que esboçaremos a seguir, revela-se dado importante para a
leitura da narrativa de Correia Coelho sob a perspectiva da intertextualidade.
Em primeiro lugar, na vida e na obra de Camões, o sentido da peregrinação
é muito evidente, ligando-se ao problema do nacionalismo e do exílio. Esses temas
ligam-se, por sua vez, a uma cosmovisão “lacrimosa”, estando o escritor sempre em
comunhão com a natureza, como ocorre na obra de Bernardim Ribeiro. Inserido
no contexto do século XIX, o autor paranaense demonstra consciência do ideário
do Romantismo e de suas relações com textos de séculos anteriores. Diz ele: “A
linguagem de Bernardim Ribeiro é arcaica; porém ele é um verdadeiro trovador dos
sentimentos românticos e neste ponto pertence aos tempos modernos.” (CORREIA
COELHO, 1968, p. 23)
Narrativas de Viagem

Importa salientar que Almeida Garrett apresenta afinidades artísticas e


biográficas com Camões, que aparece-lhe como figura carismática. Sob este prisma,
a criação literária de Garrett revela-se uma continuação da mensagem camoniana,
que, por sua vez, apresenta ligações com a obra trovadoresca de Ribeiro. O poema
“Camões”, de Garrett, tem o tom elegíaco, típico da solidão bernardiana e camoniana.
Nele são reconhecíveis temas pré-românticos como o saudosismo, além dos temas do
Romantismo europeu.
129 Lembrando os três autores portugueses, podemos destacar alguns temas
comuns na obra de Correia Coelho:
1º - O sentido da peregrinação -
O autor se identifica ao peregrino: “[...] tal a condição do viajante, firmado
em seu bordão, tudo que vê é transitoriamente.” (CORREIA COELHO, 1968, p. 3);
sendo que o livro se encerra com a explicitação do tema: “Como o peregrino cansado,
deponho o bordão, limpo o pó das sandálias e alongo os olhos para as regiões que aí
deixo perlustradas.” (CORREIA COELHO, 1968, p. 86).
2º - A bondade natural humana -
Referindo-se aos homens do litoral que desconhecem o roubo e o assassínio, o
autor expressa sua confiança neles e reafirma o mito do bom selvagem: “A bordo do seu
baixel dormi tranquilo, sonhai sonhos dourados que ao vosso despertar encontrareis
um sorriso amigo nos lábios daqueles que vos vai conduzindo ao desejado porto.”
(CORREIA COELHO, 1968, p . 44)
3º - O sentimento do exílio –
O exílio é tema recorrente no início da Literatura Brasileira, desde que
Gonçalves de Magalhães publicou Suspiros poéticos e Saudades, em 1836. A tópica
ganha força com o aparecimento dos Primeiros cantos (1846), de Gonçalves Dias,
onde se encontra a conhecidíssima “Canção do exílio”. Neste livro seminal, como
em todo o período romântico, o exílio é abordado em acepção sentimental, produto
da distância entre o sujeito e a pátria. Correia Coelho vive neste período e também
explora o tema em sua narrativa de viagem, como no exemplo: “O terno, o saudoso,
o coração porém lá ficaram na pátria! O amor do berço é instintivo, domínio e só do
coração e não o podemos renunciar.” (CORREIA COELHO, 1968, p. 57)
Além da convergência temática, é na lírica que as relações entre os três
autores portugueses e o brasileiro mais se evidenciam. Em trecho de seu livro, diz o
autor paranaense: “[...] foram sem dúvida grandes poetas estes cisnes portugueses
e italianos, mas creio que só com seu engenho, sem o estímulo desse amor, nunca
seriam inspirados de versos tão ardentes e belos. A noite mostra no céu a estrela, o
amor revela na alma o poeta.” (CORREIA COELHO, 1968, p. 25)
Há um consenso da crítica de que os passos mais vibrantes do poema “Camões”,
publicado por Garrett em 1825, seriam a invocação da saudade e a paráfrase de um
salmo de Job, que a liturgia faz cantar no ofício dos mortos. São estes elementos
temáticos que permitiriam falar em uma “linha de heranças”: Bernardim Ribeiro e
sua lírica trovadoresca (Século XVI); Camões e a consagração do gênero épico em
Narrativas de Viagem

nosso idioma (Século XVI); e Almeida Garrett, um dos expoentes do Romantismo em


Portugal (Século XIX).
Ressalvadas as devidas proporções, na obra de Salvador J. C. Coelho existem
momentos que permitem uma aproximação a esta tradição, em pelo menos duas passagens.
a) Vejamos o primeiro trecho:

Eu disse: “esse sítio pareceu-me triste”; assim sempre aparece ao Homem; ele
transporta os objetos externos à atualidade psicológica, e vê fora o que está
130 no interno;(...) O mundo é o funeral que desfila junto à casa do festim: de um
lado há lágrimas e do outro ouvem-se risadas: é Job desesperado que escuta
o Sir Hasexim da escritura santa! – pobre homem! Não te conheces e queres
apreender o objetivo, és tu o cego que intenta ver; - miserável criatura! Tu
dizes que é força crer alguma coisa e eu penso que deves crer uma única
realidade – a dúvida! (CORREIA COELHO, 1968, p.37)

São evidentes as analogias temáticas com os autores portugueses. Ressalte-


se ainda que Bernardim Ribeiro joga com os elementos opostos como a Esperança
e o Cuidado, combinando-os na sua lírica; e que, na lírica camoniana, o gosto pelos
paradoxos e pelas antíteses é sobejamente conhecido.
b) A segunda passagem é uma convocação da saudade ao estilo de Garrett e
que termina com uma citação do Canto IV da epopeia Os Lusíadas, de 1572:

A contingência de revermos pessoas que ocupam nossos corações faz


tremular nos olhos uma lágrima; [...] miniatura sublime e eloquente que
resume um drama da vida real. A saudade desponta então e, como um anjo de
tristeza, acolhe-se no peito da mísera vítima, em cujos ouvidos parece soluçar:
‘Lá morreram, enfim, e lá ficaram, / Que à desejada pátria não tornaram.’
(CORREIA COELHO, 1968, p. 7)

Observe-se que as citações de versos camonianos vão ocorrer inúmeras vezes no


livro do autor paranaense. O trecho supracitado continua com uma invocação do pran-
to, naquele lirismo derramado típico dos poetas românticos, para concluir desse modo:

Chora pois, malfadado, porque o chorar é um modo do teu existir; chora, porque
a separação longa dos que se amam, dos que se estremecem mutuamente,
é por sem dúvida o cálice da amargura que cumpre exaurir até as fezes!
(CORREIA COELHO, 1968, p. 8)

Novamente patenteia-se a presença dos três autores portugueses na obra do


autor paranaense; e, nesse sentido, convém lembrar que, efetivamente, o tema da
saudade e da separação é um elemento caracterizador da lírica de Bernardim Ribeiro,
sendo sucessivamente recuperado por Camões e Garrett.

O outro lado da moeda: os perigos das digressões

É incontestável a riqueza dos diálogos em desenvolvimento, há várias décadas,


entre os pesquisadores das linguagens acerca dos procedimentos que envolvem a
Narrativas de Viagem

expansão do conceito de texto em direção ao intertexto e ao conceito de escritura,


no contexto da pós-modernidade. Hoje, como antes, mostram-se relevantes as
investigações das convergências e das sinergias concernentes a questões teóricas
que se colocam no cerne do jogo literário e dos textos em geral, nas mais diferentes
mídias. Nesse sentido, lembramos que Antoine Compagnon chama a atenção para o
fato de que “escrever, pois, é sempre reescrever, não difere de citar. A citação, graças
à confusão metonímica a que preside, é leitura e escrita, une o ato de leitura ao de
escrita. Ler ou escrever é realizar um ato de citação”. (COMPAGNON, 1996, p.31)
131 Todavia, ao abordarmos um texto brasileiro de 1860, estamos conscientes dos
cuidados inerentes à aplicação do conceito de intertextualidade naquele período
específico. Na ânsia de “escrever bem”, o autor prende-se excessivamente aos modelos
europeus da época, o que resulta, na maioria das vezes, em uma retórica antiquada,
eivada de erudição acadêmica e repleta de citações.
No livro analisado, o capítulo III revela-se estruturalmente um problema, pois
é nele que aparecem em maior número as citações e comentários sobre as obras de
autores europeus. Nesse caso, o acúmulo das trocas simbólicas intertextuais pode pecar
devido ao excesso de citações, delineando o caminho para as digressões que podem
confundir o leitor e quebrar a coerência da narrativa. Vejamos como é estruturado
este estilo digressivo:
a) Início: Descrição de Santos, biografia de seus vultos históricos, saída de
Santos.
b) Travessia do rio Piassabussu, encontro com uma mulher horrível, citação de
versos do Canto Primeiro de D. Branca, de Garrett. (CORREIA COELHO, 1968, p.
18). Os versos garrettianos são seguidos por uma digressão filosófica sobre o que é a
mulher.
c) Partida, viagem noturna, digressão sobre a meditação e a inspiração, encaixe de
um longo poema que ele diz ser de um romântico companheiro de viagem: “romântico
sem dúvida, porque é um soláu que lembra a tristura de Avalor nas “Saudades” de
Bernardim Ribeiro”. (CORREIA COELHO, 1968, p.19) poema encaixado apresenta
analogias temáticas e estilísticas com a obra do referido trovador, fato que o próprio
autor assinala.
d) Considerações sobre o canto do caipira; encaixe de uma quadrinha caipira;
comentário da mesma; encaixe de outra quadrinha; comentários eruditos (cita Ovídio,
Voltaire, Homero, Ossian, Vico, Montaigne e outros).
e) Digressão sobre a poesia (cita Aristóteles, Horácio, Boileau).
f) Comentário crítico sobre as “Saudades” de Bernardim Ribeiro, encaixe
de versos de Ovídio, comentário sobre a vida de Bernardim, salientando-o como
peregrino.
g) Encaixe do Canto IX do poema “Camões” de Garrett, identificação do poema
com a vida de Bernardim.
h) Discorrendo sobre o estímulo do amor na inspiração dos poetas, o autor cita
grandes amantes da literatura ocidental: Dante e Beatriz, Petrarca e Laura, Camões e
Natércia, Tasso e Eleonor.
Narrativas de Viagem

i) Elogio a Camões (vida e obra).


j) Elogio a Almeida Garrett.
k) Novo comentário sobre Camões.
l) Descrição da praia da Conceição.
Tantas são as digressões, que o capítulo carece totalmente de unidade. Por
vezes, a frase digressiva envereda por ramificações secundárias e perde de vista o
pensamento inicial.
132 Lopes e Saraiva, no livro História da Literatura Portuguesa (1976) identificam
e explicam problema semelhante no estilo de Almeida Garrett, dizendo que “o
sacrifício do encadeamento lógico à associação viva das ideias, juntamente com certo
tom familiar, explica talvez a admiração de Garrett por Bernardim Ribeiro.” Segundo
os referidos críticos: “A efabulação aparece por entre a ramagem das impressões de
viagem e digressões de toda a ordem de que são feitas as Viagens na minha terra.”
( LOPES; SARAIVA, 1976, p. 722)
Os pontos de contato entre Salvador J. C. Coelho e Almeida Garrett são tantos
que nos levam a indagar: Seria uma questão de estilo da época? Algo mais do que isto?
Pelo menos, o autor paranaense estava consciente de seus “modelos” e se resguarda das
possíveis críticas ao defender Camões: “Impossível é que o Homem possa libertar-se da
influência das ideias que predominam em seu tempo.” (CORREIA COELHO, 1968, p . 25)
De qualquer forma, o estilo indeciso e o caráter digressivo, ao lado das
deficiências já assinaladas não chegam a invalidar o livro como uma obra literária,
como assinalamos em diversos pontos desta análise. Lembramos que, ao analisar
a obra de Bernardim, o crítico Massaud Moisés afirma: “No geral, a fabulação flui
intrincada e confusa, como de resto pressupunha o termo novela que servia para
designar tais narrativas.” (MOISÉS, 1970, p.126)
Ademais, ao comentar sobre a Literatura de Viagens, entendida como parte
da variada biblioteca informativa das novas terras, Moisés pondera “A euforia dos
descobrimentos gerou, como se sabe, a crônica ultramarina, encetada por Azurarama
e também uma avalanche de documentos oscilantes entre a ficção mais desabrida e a
historiografia mais fidedigna.” (MOISÉS, 1970, p.117)
Tendo em conta que o livro do autor paranaense é publicado em momento
posterior aos descobrimentos, já em pleno Romantismo, o referido gênero narrativo
já havia sofrido evoluções qualitativas. Se, por um lado, não se lhe pode atribuir um
valor literário estrito, por outro lado, é preciso lembrar que esta espécie de narrativa
de viagens e aventuras em regiões inexploradas gozava do maior prestígio entre os
leitores da época. Podemos verificar um certo brilho descritivo na caracterização da
paisagem, como se pode observar no exemplo:

A praia da Juréa é um sublime horrível, ondas esmagam-se alterosas sobre


vagas por seu turno encarneiradas; as rajadas de vento impelem de contínuo
o mar aos baixios que se entranham extensos Atlântico adentro: o espetáculo
é a luta eterna das águas contra os cômoros da areia. (CORREIA COELHO,
1968, p. 37)
Narrativas de Viagem

Seu sistema imagístico, algumas vezes, consegue alçar-se acima dos clichês e
dos lugares comuns, como por exemplo, nessa imagem da lágrima: “A água cresce,
treme: furtiva e silenciosa baga desce pelo sulco que a mão do infortúnio rompeu no
rosto...” (CORREIA COELHO, 1968, p. 8) A maioria das figuras de linguagem, porém,
revela uma profunda impregnação dos modelos românticos e até neoclássicos.
O estilo oscila entre o erudito e o sentimental. Algumas vezes, uma dicção “nobre” se
impõe, como por exemplo quando canta os elementos nacionais e faz aproximações retóricas
com o mundo grego. Outras vezes, o sentimentalismo romântico derrama-se pelas páginas,
133 como no trecho: “Transpondo o sítio nacional e glorioso, um dos viajantes alongando os
olhos úmidos de lágrimas para as montanhas [...]” (CORREIA COELHO, 1968, p. 12)

Das formas populares de expressão à filosofia nihilista

Outro aspecto a ser salientado é a valorização da poesia popular na obra de


Correia Coelho, assim como ocorrera na de Garrett. Sabe-se que o escritor lusitano
muito contribuiu para a conservação da ideia de que a literatura culta não deve perder
de vista o contato com a poesia popular e com as formas populares de expressão. No
livro do escritor paranaense esta preocupação está presente; além de citar versos da
poesia popular, o autor comenta-os, comparando-os aos versos de Bernardim Ribeiro,
de Ovídio e outros clássicos. Observe-se o trecho a seguir:

O canto do caipira é monótono e sentimental [...] a sua música melancólica,


cujo instrumento é a viola de cinco cordas dedilhadas simultaneamente. O
cantar versa quase que exclusivamente sobre o amor, e por vezes o pensamento
é poético e o verso harmoniosa; sirva de prova esta quadrinha: ‘Eu queria, ela
queria;/ Eu pedia, ela não dava;/ Eu chegava, ela fugia;/ Eu fugia, ela chorava.’
(CORREIA COELHO, 1968, p.22)

São tão acentuados os comentários sobre a literatura popular, que Correia


Coelho acaba revelando uma espécie de poética peculiar. Esta poderia ser assim
esboçada:
- A poesia liga-se ao sentimento, opondo-se à razão: “A poesia é a flor que
expande-se e desabrocha nos páramos do sentimento, murcha e extingue-se nos gelos
da razão.” (CORREIA COELHO, 1968, p. 23)
- A poesia foi a linguagem primitiva: “A poesia é espontânea; mostra-se na
primitiva linguagem dos povos ainda incultos; por ela começam eles a expressão do
seu pensamento: dêm testemunho a Bíblia, Homero, Ossian; a poesia é o balbuciar dos
povos para constituírem a prosa.” (CORREIA COELHO, 1968, p. 22)
- O amor revela o poeta; só o amor pode inspirar “os mais belos versos”.
(CORREIA COELHO, 1968, p. 25).
- A poesia é um enlevo divino e pode existir mesmo na prosa: “e os versos, ainda
os bem boleados, podem não conter um resquício poético.” (CORREIA COELHO, 1968,
p. 22)
- O belo não depende da matéria e sim da ideia: “O belo, tanto é belo debaixo
Narrativas de Viagem

da cor da neve, como da cobreada e da que tinge a asa do corvo; a matéria não revela;
queremos a tradução fiel da ideia típica.” (CORREIA COELHO, 1968, p.19)
Tais expressões metalinguísticas, entre outras colocações de caráter estético que
aparecem no livro analisado, revelam uma nova faceta do seu estilo: a preocupação
com o literário em si. Não são conceitos sistematizados ou ordenados no decorrer da
narrativa; mas disseminados por todo o texto, o que permitiria estudo à parte sobre a
poética do autor.
Por outro lado, em direção ao pensamento mais erudito, Correia Coelho não
134 se furta a digressões de caráter filosófico-existencial. Nelas percebe-se claramente
uma cosmovisão romântica aliada a uma assimilação das mais diversas correntes
do pensamento filosófico da época. Um exemplo permite verificar esta assimilação:
“Infelizmente toda ideia, toda medida, ainda as mais justas e razoáveis, caindo
sob o domínio da inteligência humana, participam da índole desta, cujo elemento
constitutivo é a imperfeição, e por consequência demonstra nossa nihilidade.”
(CORREIA COELHO, 1968, p. 54). O nihilismo é uma visão cética radical em relação
às interpretações da realidade e que aniquila valores e convicções; perante tal postura
existencial tudo perde o sentido e a vida fica suspensa no nada, perfeitamente
consciente de sua condição precária.
Apesar da cosmovisão nihilista acima observada, constatamos que, em outros
momentos da narrativa, o caráter bucólico e o tom sentimentalmente exacerbado de
sua linguagem, fazem do texto um relato intencionalmente sincero, vivo e realista,
porque fruto das próprias experiências do autor.
Seu passeio é motivado por aquele desejo de fixar as impressões de novas esferas
e paisagens e transmiti-las como “reportagens” do mundo de sua época. Nesse sentido,
o livro pode ser identificado à crônica diária, que vicejou durante a segunda metade
do século XIX, em um Brasil que iniciava sua apreciação por matérias de interesse
jornalístico. “Com a consolidação do jornalismo no século XIX, muitos jornalistas-
escritores publicam em livros-reportagens o excedente de seu material de reportagem
ou reflexões sobre suas próprias viagens” (MARTINEZ, 2016, p.80). Vale lembrar,
ainda, que o termo diário define um gênero cuja característica principal é o relato de
acontecimentos cotidianos. Por isso, o vocábulo passou a ser título de muitos jornais e
gazetas, como acontece até hoje. Nesse sentido, a análise da obra de Correia Coelho nos
permitiria tecer reflexões sobre narrativa jornalística de viagem, considerando esse tipo
de narrativa como documento histórico, mas este já seria tema para outro artigo.

Ponderações à guisa de conclusão

Como salientamos no desenvolvimento deste estudo, a forte impregnação


da literatura portuguesa lança novas luzes sobre o texto do autor paranaense,
vinculando-o ao conceito da intertextualidade. As práticas intertextuais, ora
conhecidas como herança, ora como influências, já estavam presentes nos autores
portugueses há séculos. Luís Vaz de Camões, na sua dialética das razões de ser triste,
aproveitou o legado de Bernardim Ribeiro, que revela um certo apelo narcisístico à
dor e uma vontade de transcendê-la, tematizando-a reiteradamente. Muitos versos
Narrativas de Viagem

camonianos têm analogias evidentes com a fala introdutória de Menina e Moça, obra
publicada em 1554 por Bernardim, que tende a exprimir uma filosofia segundo a qual
o que confere à vida humana o seu mais alto valor é o empenhamento amoroso. As
reverberações líricas do trovador lusitano prolongam-se na literatura portuguesa até
Almeida Garrett, como assinalam Antônio José Saraiva e Oscar Lopes (1976, p.229),
chegando a ecoar, até mesmo, em Fernando Pessoa,
A preocupação com o fazer literário, que é expressa não só em trechos de autoria
própria, quanto nas inúmeras citações de outros autores, vem revelar uma faceta do estilo
135 individual de Correia Coelho, conforme demonstramos na análise aqui apresentada. Da
mesma forma, seu texto não pode ser lido sem que se leve em consideração o estilo
romântico, período em que a obra foi gestada e posteriormente publicada.
A narrativa aqui analisada transita entre o tom informativo característico
da literatura de viagens e o lirismo da saudade de quem revê seu lugar de origem.
Mantendo-se dentro da tradição herdada do relato de viajantes estrangeiros, o
autor paranaense inova ao demonstrar intimidade com o espaço descrito. Seu texto
de 1860 antecede em 30 anos a Revolução Federalista, sendo que a viagem relatada
aconteceu 2 décadas antes, o que vem contribuir para que o país tenha, pelo menos,
noção da existência do Paraná. Indo além do valor da própria representação efetuada
por escrito, talvez o maior mérito do livro esteja vinculado à documentação, por ser
publicado em um momento de absoluta escassez de registros sobre a Província. Ao
documentar uma viagem inédita por regiões até hoje pouco conhecidas, a obra tem
seu lugar assegurado na literatura sobre o Paraná em sua fase de formação.

REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e


história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.
PENA, Felipe. Jornalismo Literário. São Paulo: Contexto, 2006.
GARRETT, Almeida. Viagens na minha terra. Lisboa, Sá da Costa, 1954.
_________. Camões. Porto, Lello & Irmãos, s/d.
CAMÕES, Luís Vaz de. Obras completas. Lisboa, Sá da Costa, 1954-62, 5 v.
CORREIA COELHO, Salvador José. Passeio à minha terra. (1860) 2.ª ed. Curitiba,
Instituto Histórico e Geográfico, 1968.( Edição em fac-simile de 500 exemplares, n.
499)
LOPES, Oscar e SARAIVA, A. J. História da Literatura Portuguesa. 9.ª ed. Porto
Editora, 1976.
MARTINEZ, Mônica. Jornalismo literário – tradição e inovação. Florianópolis:
Insular, 2016.
MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa através dos textos. São Paulo: Cultrix,
Narrativas de Viagem

1970.
PENA, Felipe. Jornalismo Literário. São Paulo: Contexto, 2006.
RIBEIRO, Bernardim, Obras completas. Lisboa, Sá da Costa, 1950-59. 2 v.
TODOROV, Tzvetan. A viagem e seu relato. Revista Letras. São Paulo, 2006. p. 231-
244
WEINHARDT, M. O Paraná no discurso literário. Revista Letras, Curitiba: UFPR, n.
48, 1997. p. 77-93.
136 PASSEIO À MINHA TERRA:
THE FIRST TRAVEL NARRATIVE
WRITTEN BY A PARANAENSE

Denise Azevedo Duarte Guimarães1

Records of a Journey under the light of the Romantic Global Vision

The book Passeio à minha terra, by Salvador José Correia Coelho (1860), is
a bibliographical rarity and constitutes a precious record of Paraná Province, after
the narration of a journey completed in 1844, by the writer and two fellows.2 The
two months of travel impressions (departure and return, from São Paulo to the City
of Lapa – at that time called Vila Nova do Príncipe) are registered in the book and
are integrated to the romantic wide vision, through which his discourse is made. It
is relevant to mention that, during 19th century, the excitement for traveling starts a
large number of literature production during the Romantic Period.
On the other hand, the influence of European Literature among the Brazilian academic
ambiance was great, which explains the genre and this book title itself. As the book writer had
studied Law in São Paulo, he aims to show his Classical Literature knowledge. Furthermore,
he marks deeply his text with elements of Lusitanian Literature, which appears in the
narrative as an explicit cultural reference, following that historical period tendencies.
This paper aims to analyze Passeio à minha terra under the perspective
of inter-textual theory, pointing out the impregnation of Portuguese Literature. We
are conscious that the massive citation of Portuguese authors in the book has to be
carefully equated, in order not to be turned to the dangerous field of influences. The
temporal distance obliges the discourse to a large number of transformations and the
inter-textual mark that is aimed to study cannot loose its focus on it.

A Periphery Genre

Tzvetan Todorov considers that report and travel are mutually implicated.
According to the writer, the report also sustain itself on changing, which can happen
on space for configuring time passing, whereas the physical act of shifting implicates
the inner changing;
Travel Narratives

[...] everything is travel, but has to be of an everything without identity. The travel
transcends all categories, including of that of shifting, of the same and the other,
because since the more remote Antiquity are accumulated travels of discovery,

1 Professor of the Postgraduate Program in Communication and Languages at UTP. Coordinates the Research
Line Film and Audiovisual Studies. GP Researcher: GRUDES, UTP / CNPq; Communication, Image and Contem-
paneity -CIC, UTP / CNPq. She is the scientific editor of INTERIN. e-mail: denise.guimaraes@utp.br
2 The two fellows of whom are known just the initials, are, according to Professor Newton Carneiro in an in-
troductory note to the book’s 2nd. edition, the future Counselor Jesuíno Marcondes de Oliveira and the future
Baccalaureate José Lourenço de Sá Ribas.
137 unknown explorations, and returning travels, re-appropriation of the familiar: The
Argonauts are great travelers, but Ulysses also is one. (TODOROV, 2006, p. 231)
The task of defining the limits between Literature and Journalism reveals itself
arduous because, since its origins, the two genres were related, having both the
written word as fundamental raw material for the communication and expression
of ideas. Going farther from the simple mixture between the two genres, the travel
report shows its proper characteristics, being considered a particular genre, although
it is placed between the chronicle and the narrative literature, and with several shades
that give it some specifications.
Linking itself to the report novel, the travel report had its own peak during the
ages of great discoveries, by the importance of giving details about the new regions
and by navigating through unexplored seas. Even before the possibility to identify a
Brazilian Literature, numerous travelers and chroniclers’ narratives were registered,
among the named Informative Literature, in which could be included navigation
diaries and descriptive treatises. In these circumstances, our first text of the genre
would be the Pero Vaz de Caminha’s Letter. In this sequence, it was followed by the
narratives that described these travels, with much emphasis in the first contacts with
Brazilian land, and its native peoples. The works written by Jesuits emphasizes as
examples of theses kind of texts, prodigals in picturesque descriptions of our flora and
fauna. During the first centuries of Portuguese colonization, these “literary” works
were praised and still are read today by their historical interest.
During the first centuries of our colonization, we considered relevant to
accentuate the exotic basis’ records, etymologically connected to an outside look; the
Brazilian things were exotic, strange and inedited to Europeans that arrived here, and
that were observing for the first time.
In case of Salvador José Correia Coelho’s work, we have a different context.
Soon about the beginning of 19th century, being the writer a Brazilian, from Parana
Province, that aims to document his own trip’s details, in his daily routine, he made
a choice for a romanced form, and also a decision for showing knowledge about the
places where he was visiting.
In an article about the literary discourse in Parana, Marilene Weinhardt points
out the rejection from Correia Coelho about the name politically given to the ancient
province.

Becoming close to the report when he reaches Curitiba, Correia Coelho talks
about the late condition of “head district” of the city, for giving information
of legal order about the elevation to the province category, fact that happened
between the travel time and the written one, regretting: ‘I don’t find reason
Travel Narratives

in the changing this law brought, calling the province with the name Parana’.’
(WEINHARDT, 1997, p. 78)

Nevertheless, according to this researcher, the critical comments from the


narrator are directed to the political choices, even because, “Prodigal son who returns
to paternal home, of citizen’s kindness, contemplating not only the final travel destiny,
but also the places where passes.” (WEINHARDT, 1997, p. 79)
138 In the romantic context, it is largely cultivated the taste for narratives that
report travels, according to Tzvetan Todorov:

In West Europe, it had undoubtedly a movement of allegorical reports to


impressionist reports. The examples of this transition were numerous; but
none seems more eloquent of that of Chateaubriand. This scribe in fact
completed two large travels, or, as he himself said, peregrinations to the West
and to the East”. (TODOROV, 2006, p. 239)

Otherwise, the romantic writer is always in an egotistical travel, in search for a


plunge inside himself. To try registering any vision or instant consciousness of the past
makes memory to stimulate the transitional sensation and distort the perspectives,
in an anamorphic process. Todorov considers that “impressionist report” is the most
indicated denomination for the romantic style travel reports, consequently the word
expresses how the traveler satisfies himself in communicating us his impressions,
without aiming to teach us something.
In the paranaense narrator’s text style are presented undeniable reverberations
of the romantic ideals, with all its evasion trials and escapism through the inner
search, to the culture of more refined eccentric sensations, many times in terms of an
inaccessible ideal.
Consequently, according to Walter Benjamin, a one who travels is potentially a good
narrator, because has much to tell, generally adding subjective elements and affective to
the narrative. Although, the writer punctuate that in the beginning of the 20th century, the
novel’s consolidation and the journalistic report affects negatively the narrative tradition,
which comes from oral, of the act of telling a story, from the perspective of the epic
poem. “[...] If the narrative art is rare today, the information dissemination is decisively
responsible for this decline. [...] In other words: almost anything of what happens to
support the narrative and almost everything is in behalf of the information. Half part of
the narrative art is to avoid explanations.” (BENJAMIN, 1994, p. 203).
Considering Benjamin’s argumentation, the travel report as a bordering genre
between Literature and Journalism can be an alternative to pass the information
without loosing the oral narration freedom, valuing so, not only the news, what is
said, but also the way how is said.
According to Todorov,

The report travel first important characteristic, as a one’s imagine –


unconsciously – nowadays reader, seems to me a certain tension (or a
certain balance) between the subject observer and the object observed. It is
what designates, per se, the denomination “travel report”: report, or personal
Travel Narratives

narration and not objective description, but even travel, a mark, therefore, and
external circumstances to the subject matter. (TODOROV, 2006, P. 240)

The Romantic Context and the Inter-textual Forms


The enlargement of limits sentiment that the romantic escapism promoted,
orders itself, frequently, to the contemplation of lakes, rivers and mounts, and finally
139 of nature, where the writer discovers his mysteries. It is what a travel permits, close
to the meeting of picturesque, with the local color, with people living in other forms
of culture, other civilization stages.
Everything that Salvador J. C. Coelho wanted to fix in his work, reporting the
impressions of an original travel, when in the departure follow the coastal route,
going down to Santos, passing through Itanhaém, Iguapé e Cananéia to reach
Paranaguá and the upland curitibano. In the returning journey, follow by the troups’
road (Palmeira, Ponta Grossa, Castro, Itararé, Itapetininga and Sorocaba to reach São
Paulo). A journey passage of more than two months, vast narrative field for lyrical
chronicle, full of color and curiosities produced by the young writer paranaense.
After these considerations, we concluded that, having a book published in 1860,
we cannot despise the romantic context when this work arose. Two aspects must
be previously distinguished, in relation to the romantic period, in those times well
consolidated in Brazil:
1 - The search for inspirations in national elements find echoes in a newly
independent Brazil, in plenty affirmation of its personality as a nation;
2 - The cult of nature finds prodigal field in national exuberant landscapes.
Indeed, these are two topics that call the reader’s attention, concerning the book
Passeio à minha terra, because the writer looks for valuing Brazilian nature since
the first paragraphs, loyal to romantic standards: “[...] for sketching the immense,
the sublime panorama of a majestic and joyful nature, untouched forests, fertile and
useful.” (CORREIA COELHO, 1968, p. 2). Observe the stress on adjectives typically
patriotic, according to romantic style on having a landscape in solidarity with the
artist, as the next segment shows: “The meditation after the concept that the place
wakes up does not require much efforts; it is an entertainment in which the spirit
talks to nature.” (CORREIA COELHO, 1968, p.19) Loyal to the affirmation of Brazilian
nationality the book is full of passages as follows: “Everything is new and vigorous in
Brazil as the emerging thought in 1822.” (CORREIA COELHO, 1968, p. 2)
In agreement, it is useful to remember that Brazilian Literature, mainly
between 1830 to 1888, used to cultivate the guidance myths of national conscious
in genesis. The first years of our historical self-determination were fecund and
positive, motivating the sense of patriotism. With much effect, in only a half century,
Brazil was surpassing three centuries of colonialism. This feeling has its marking
reflected in this work, as the next segment shows: “[…] And we owe our nationality
to the hero of such honoraries, the senior D. Pedro I, whose name is engraved in
the memoir’s temple and in the hearts of a noble and thankful people.” (CORREIA
COELHO, 1968, p. 10)
Travel Narratives

One of the romantic marks in Portugal, is the work written by Almeida Garrett.
His book Viagens na minha terra, published in Lisbon, 1846, represents a typical
example of the Romantic versant: the travel literature. More than a coincidence, the
approach of the Brazilian book to the Garrett’s novel reveals a profound impregnation
of Portuguese Literature, to be studied in the work Passeio à minha terra.
In many segments of the garrettian’s work we have the clear dimension of the
140 nationalism that also impregnates Correia Coelho’s book. The traveler aims to
value the aspects of national landscape, rich in evocative contents, visiting them
as if in a pilgrimage.
This literary versant linked to the travel’s theme inclines itself sometimes to
exotic, sometimes to nationalism. If, by one side the search for the exotic reflects to
evasionism, on the other hand, the romantic travel through the nation’s inner reflects
another search: the quest for the national sources and the national space cult, as
expressed in Juréa Mountain allegorical description done by the writer paranaense:

On the vast plan I enter the ocean, green river, Uma and Ribeira rises the
mountain – Juréa – its dark mass, which the two highest points, drenched
in its basis by the sea waves, are seen far away sailing the Uma: it seems
the lost wild coast sentinel that guards a treasure (...) From this position it
spies silently and avid the sailor. (CORREIA COELHO, 1968, p. 37)

Although the inter-textual dialogues with Portuguese literary works are


pertinent, we have to be careful on the identification according to thematic
options and explicit similarities between the literary works and the writers we
are studying. Spread through the text, numerous works’ citations not only from
Garrett, but also from Camões and Bernardim Ribeiro, two paradigms from
Portugal’s cinquecento.
It is possible to establish a relation between three Portuguese authors cited
by the Brazilian writer. Although they are from different periods of Portuguese
Literature. This basis are relevant to mention for the interpretation of Correia
Coelho’s narrative under the perspective of inter-textual theory.
In the first place, in Camões life and oeuvre, the meaning of pilgrimage is
much evident, related to nationalism, and also the exile question. Consequently,
these themes are related to a “tearful” global vision, being the writer always in
communion with nature, similar to what happens with Bernardim Ribeiro’s work.
Inserted in 19th century context, the writer from Paraná shows his conscious of
the romantic ideals and its relations with ancient texts. As he said: “Bernardim
Ribeiro’s language is archaic; although he is a true romantic feeling troubadour, and
considering this he belongs to modern times.” (CORREIA COELHO, 1968, p. 23)
It is relevant to mention that Almeida Garrett shows artistic and biographical
similarities with Camões, who seems to him as an emblematic figure. Under this
prism, Garrett’s literary citation reveals itself a camoenian message continuum,
which by its turn shows relations to Ribeiro’s troubadorism work. The poem
“Camões”, by Garrett, has an elegiac tone, proper to the bernardiam and camoenian
Travel Narratives

solitude. In this poem, Pre-romantic themes as longing for bygone days can be
identified, besides European romantic topics.
Remembering the three Portuguese writers, we detach some common
themes in Correia Coelho’s work:
1st. – The Sense of Pilgrimage –
The writer identifies himself to the pilgrim: “[...] such the traveler condition,
141 firmed in his idiomatic phrase, all he sees is transitory.” (CORREIA COELHO, 1968,
p 3); considering that the book ends with the explanation about the theme: “As the
tired pilgrim, I waist the word, clean the sandals dust and enlarge the eyes to the
regions that I leave there illustrated.” (CORREIA COELHO, 1968, p. 86)
2nd. – The Natural Human Kindness –
Referring to those coastal men that do not know the robbery and the
murder, the writer expresses his trust on them and reaffirm the good wild myth:
“On board of his boat I slept tranquil, dream golden dreams and at yours awaken
will find a friendly smile on the lips of those who conducts you to the desired
port.” (CORREIA COELHO, 1968, p . 44)
3rd. – The Exile Sentiment –
The exile is a recidivistic theme in the beginning of the Brazilian Literature,
since when Gonçalves de Magalhães published Suspiros poéticos e Saudades,
in 1836. The topic increased with the emergence of Primeiros cantos (1846), by
Gonçalves Dias, in which he finds the well known “Canção do exílio”. In this
seminal book, as in all romantic period, the exile is treated under a sentimental
concept, a product of the distance between the subject and nation. Correia Coelho
lived in this historical period and also explore the theme in his travel narrative,
as in the example: “The suit, the missed, the heart but there stayed in the nation!
The love from birthplace is instinctive, domain and only from the heart and we
cannot resign it.” (CORREIA COELHO, 1968, p.57)
Besides the thematic convergence, it is in the lyric that the relation
between the three Portuguese authors and the Brazilian gains more evidence.
In his book’s segment, the writer from Paraná said: “[...] undoubtedly, were the
great poets these Portuguese and Italian swans, but I believe that only with his
ability, without this love stimulation, never would be inspired of so beautiful and
ardent verses. The night shows the star in the sky, love reveals the poet in the
soul.” (CORREIA COELHO, 1968, p. 25)
There is a consensus from the critics that the more vibrant steps of the
poem “Camões”, published by Garrett in 1825, they were the invocation of the
missing and the paraphrase of a Job’s Psalm that the liturgy makes to sing by
the deads’ work. All those thematic elements that might speak in a “heir line”:
Bernardim Ribeiro and his troubadour’s lyric (16th century); Camões and the
devotion of the epic genre in our language (16th century); and Almeida Garrett,
one of Portugal’s romantics (19th century).
Except for the proper qualities, in Salvador J.C. Coelho there are moments
that allow an approach to this tradition, unless two segments.
Travel Narratives

a) Lets examine the first segment:

I said: “this site looked sad to me”; therefore always appears to the man; he
transports the external objects to the psychological present time, and sees
outside what it is inside; (…) The world is the funeral that marches close to
feasting house: from one side there are tears and from the other laughs are
listened: it is the desperate Job who listens Sir Hasexim of Holly Scripture!
142 – poor man! Do not know himself and wants to learn the objective, you are
the blind who intends to see; – miserable creature! You say that is strength to
believe in something and I think that you must believe in a unique reality – a
doubt! (CORREIA COELHO, 1968, p.37)

The thematic analogies with Portuguese authors are evident. We have to


emphasize that Bernardim Ribeiro play with oppositional elements like Hope and
Care, combining them in his lyric; and in camoenian lyric, the taste for paradox and
for the antithesis is largely explored.
b) The second segment is a missing convocation proper to Garrett’s style and
that ends with a citation of Chant IV from the epic Os Lusíadas, 1572:

The contingence of reviewing people that occupy our hearts makes tremble
a tear in the eyes; [...] eloquent and sublime miniature that resumes a real
life drama. The missing crisis so and, as a sadness angel, settle itself on the
miserable victim’s chest, in such ears seems to sob: ‘There they died, finally, and
there stayed, / To the desired nation not return.’ (CORREIA COELHO, 1968, p. 7)

Notice that the camoenian verses citations will occur several times in the
paranaense writer’s book. The segment previously mentioned continues with an
invocation of the lament, in that exaggerated lyric proper to romantic poets, for
concluding like this:

Cry then, cursed, because the lament is a way of your existence; cry, because
the long separation of those who love themselves, of those that tremble
themselves mutually, it is to put undoubtedly the bowl of affliction that has to
exaust until feces! (CORREIA COELHO, 1968, p. 8)

Again it is lamented the presence of the three Portuguese authors in the work
of the writer from Paraná. Besides, in this way, it is relevant to remind that, effectively,
the missing theme and the separation is a component proper to, Bernardim Ribeiro’s
lyric, being successively recovered by Camões and Garrett.

The Other Side of the Coin: the Danger of Digressions

There is no doubt about the richness of dialogues in process, for several


decades, among the language researchers about the procedures that involve the
expansion of the text concept to the inter-text and to the scripture concept, under
post-modernity context. Nowadays, as in the past, investigations show themselves
relevant and from the concerned synergy to the theoretical questions that are central
Travel Narratives

placed to literary game and from the text in general, among the more different
medias. In consequence, we remember that Antoine Compagnon calls attention
to the fact that “to write, therefore, is always to rewrite, no different from the
mention. The citation, thanks to metonymic confusions of what presides, is reading
and writing links the act of reading to writing. To read or to write is to configure an
act of citation.” (COMPAGNON, 1996, p.31)
143 However, on approaching a Brazilian text from 1860, we are conscious of the
inherent care about the inter-textual concept applied in those days. With the ardent
desire of producing “good writing”, the writer connects excessively to European
standards of that age, which results mainly in an ancient rhetoric, infected by academic
scholarship and plenty of citations.
In the book studied, the 3rd. chapter reveals itself structurally a problem,
because a great number of citations and comments about European authors that
appeared in it. In this case, the accumulation of inter-textual symbolic exchanges is
possible to fail because of excessive citations, signalizing the path for digressions that
can confuse the reader, and break the narrative’s coherence. Lets take a look on how
this digressive style is structured:
a) Beginning: Description of Santos, biography of its historical important
people, departure of Santos.
b) Crossing the Piassabussu River, meeting with a horrible woman, verses’
citation from the First Canto of Garrett’s D. Branca. (CORREIA COELHO, 1968, p. 18).
Garrettian verses are followed by a philosophical digression about what is a woman.
c) Departure, nocturne travel, digression about the meditation and the
inspiration, fitting of a long poem that he reveals being of a travel romantic fellow:
“romantic, no doubt, because it is an ancient melancholic song, which reminds of
Avalor’s sadness in Bernardim Ribeiro’s “Saudades”. (CORREIA COELHO, 1968,
p.19) A settled poem presents thematic analogies and stylistic with the work of the
mentioned troubadour, fact that the own writer signalizes.
d) Considerations about the rustic canto; fitting of a rustic ding-dong; comments
about it; fitting of another ding-dong; erudite comments (cites Ovid, Voltaire, Homer,
Ossian, Vico, Montaigne, among others).
e) Digression about the poetry (cites Aristotle, Horace, Boileau).
f) Critical comment over Bernardim Ribeiro’s “Saudades”, inter-connection of
Ovid’s verses, comments about Bernardim’s life, emphasizing him as a pilgrim.
g) Setting Canto IX of Garrett’s poem “Camões”, establishing the identity with
the poem with Bernardim’s life.
h) Discussing about the love’s impulse in the poet’s inspiration, the writer cites
Western Literature great lovers: Dante and Beatriz, Petrarca and Laura, Camões and
Natércia, Tasso and Eleonor.
i) Eulogy to Camões (life and work).
j) Eulogy to Almeida Garrett.
k) New comment over Camões.
Travel Narratives

l) Description of Conceição Beach.


So many are the digressions that the chapter necessitates totally unity. Several
times, the digressive phrase leads for secondary ramifications and loose sight of the
initial thought.
Lopes and Saraiva, in the book História da Literatura Portuguesa (1976)
identify and explain a similar problem in Almeida Garrett’s style, saying that “the
144 sacrifice of the logical enchainment to the live association of ideas, in conjunction
with a certain familiar tone, maybe explain Garrett’s admiration for Bernardim
Ribeiro.” According to the critics mentioned: “The creation of a fable appears among
the branches of travel impressions and digressions of every sort of what are made the
Viagens na minha terra.” ( LOPES; SARAIVA, 1976, p. 722)
The melting points between Salvador J. C. Coelho and Almeida Garrett are
so many that conduces us to the question: Would it be a matter of style of that
period? Something more than that? Unless, the writer paranaense was conscious of
his “models” and preserve himself of the invariable critics on defending Camões:
“Impossible is that the Man could freed himself from the influence of ideas which
dominates in his own time.” (CORREIA COELHO, 1968, p. 25)
Anyway, the inexact style and the digressive characteristic, among the already
mentioned deficiencies do not invalidate the book as a literary work, as we have
already signalized in several moments of this analysis. We have to remind that, on
studying Bernardim’s work, the critic Massaud Moisés observes: “In general, the
creation of a fable flows intricate and confuse, as it were presumed of the term novella
that served to designate these narratives.” (MOISÉS, 1970, p.126)
Besides, on commenting about the Travel Literature, known as a part of the
diverse new lands’ informative library, Moisés considers: “The euphoria of the
discovering produced, as we all know, the ultramarine chronicle, started by Azurarama
and also an avalanche of oscillating documents between the more explosive fiction
and the more trustworthy historical-biography.” (MOISÉS, 1970, p.117)
Considering that the paranaense writer’s book is published in a moment
after the discovering events, on plenty Romantic Period, the mentioned narrative
genre had already suffered qualitative evolutions. If, by one side, cannot be given
an strict literary value, on the other hand, it is necessary to remind that this type of
travel narrative and adventures through unexplored regions used to be prestigiously
praised among those times readers. We can identify a certain descriptive sparkle in
the landscape exposition, as we can note on the example:

The Juréa Beach is a horrible sublime, waves smashed themselves unstable


over waves, by its turn, crispy; the gust of wind impel the sea of a
prolongation to the sand banks that extend intermingle Atlantic ahead: the
show is the eternal fight of the waters against the sand hills. (CORREIA
COELHO, 1968, p. 37)

Sometimes, his imagery system can be placed above all stereotypes and common
places, as for example, in this drop’s image: “The water rises, trembles: fortuity
Travel Narratives

and silent drop sink by the wrinkle that the misfortune hand broke on the face...”
(CORREIA COELHO, 1968, p. 8) However, the majority of language figures reveals a
deep impregnation of romantic models, and even neoclassical.
The style oscillates between the erudite and the sentimental. Sometimes, a
“noble” diction is imposed, as for the example when sings the national elements and
make rhetorical approximations with the Greek world. In other moments, the romantic
sentimentality sprays itself by on several pages, like this segment: “Transcending the
145 national and glorious site, one of the travelers enlarging the humid drop eyes to the
mountains [...]” (CORREIA COELHO, 1968, p. 12)

From the Popular Forms of Expression to Nihilist Philosophy

Another aspect to be highlighted is the valorization of the popular poetry in


Correia Coelho’s work, similarly it happened in Garrett’s one. It is known that the
Lusitanian writer had contributed a lot for the conservation of the idea in which the
cult literature cannot loose from the sight the contact with popular poetry and with
the popular expression forms. In the book of paranaense writer this cause is present.
Besides the citation of popular poetry verses, the writer comments, comparing them
to the verses of Bernardim Ribeiro, Ovid and other classics. Pay attention to the
following segment:

The rustic chant is monotonous and sentimental [...] his song is melancholic,
such a one instrument is the five cords viola finger played simultaneously. The
singing treats almost exclusively about love; and for many times, the thinking
is poetic and the verse harmonious; serving this … as a prove: ‘I wanted, she
wanted;/ I asked for, she did not give;/ I returned, she leaved;/ I leaved, she
cried’ (CORREIA COELHO, 1968, p.22)

So stressed are the comments about the popular literature that Correia Coelho
ends revealing a certain peculiar poetic. This could be sketched like this:
- Poetry is linked to the sentiment, in opposition to reason: “The poetry is the
flower that expands itself on high region sentiment, wilts and is extinct into the ice of
reason.” (CORREIA COELHO, 1968, p. 23)
- Poetry was a primitive language: “The poetry is spontaneous; shows itself in the
primitive language of not already cultivated peoples; by it they begin the expression
of his thought: give testimony to the Bible, Homer, Ossian; the poetry is the stammer
of peoples for the constitution of prose.” (CORREIA COELHO, 1968, p. 22)
- Love reveals the poet; only love can inspire “the most beautiful verses.”
(CORREIA COELHO, 1968, p. 25)
- Poetry is a divine rapture and can exist even in prose: “and the verses, even
the well turned, could not contain a poetic vestige.” (CORREIA COELHO, 1968, p. 22)
- The beauty does not depend on substance but on the idea: “The beauty is
beauty as under the snow color, and as under the copper one, and even of the color
that tinges the crow’s wing, the substance does not reveal; we want the faithful
translation of the typical idea.” (CORREIA COELHO, 1968, p.19)
Travel Narratives

Such meta-linguistic expressions, among other collocations of aesthetical


feature that appear in the studied book, reveal a new facet of his style: the preoccupation
with the literary itself. They are not organized or systematized concepts in the
narrative occurrences, but sprayed through the whole text, what could serve as a
separate study about the author’s poetic.
On the other hand, pointing to a more erudite thought, Correia Coelho does not
146 repress himself over the existential philosophical feature. In those digressions as a
romantic global vision allied to an assimilation of the period’s most different trends of
philosophical thought. An example allows to verify this assimilation: “unfortunately,
all idea, all measure, still the more reasonable and fair, being under human intelligence
domain integrate the nature of this, of the constitutive element is the imperfection,
and by consequence demonstrates our nihilism.” (CORREIA COELHO, 1968, p. 54).
The nihilism is a skeptical vision in relation to interpretations of reality and that
destroy values and convictions. In the presence of such existential position everything
looses the sense, and life becomes suspended on nothing, perfectly conscious of its
precarious condition.
Despite the nihilistic global vision observed above, we conclude that, in other
narrative moments, the bucolical feature and the exaggerated sentimental tone of his
language, configures part of the text a report intentionally sincere, alive and realistic,
as much as a result of the writer’s own experiences.
His excursion is motivated by that desire on retaining the impressions of new
landscapes and influences and broadcast them as the world’s “newspaper reports” of
his time. In this sense, the book can be classified as daily chronicle, which exuberated
during the second half of 19th. century, in a Brazil that its taste for subjects of newsprint
interest was just beginning. “With the consolidation of the press in 19th. century, many
writer-journalists publish in report-books the exceeding of their report material or
reflections over their own travels.” (MARTINEZ, 2016, p. 80). It is relevant to mention
that the term daily (diary) defines a genre which has its main characteristic in the
report of daily facts. In consequence, the word daily started being a title of several
newspapers and gazettes, as it is nowadays. In this sense, the analysis of Correia
Coelho’s work could allow us comments and reflections on the travel journalistic
narrative, considering this kind of narrative as a historical document, but this would
be a theme for another article.

Considerations just as Conclusion

As we emphasized through the development of this study, the strong


impregnation of the Portuguese Literature projects new lights over the text by the
paranaense writer, attaching it to the concept of inter-textual studies. The practices
either known as heir, or as influences, were already present in Portuguese authors’
works for centuries. Luís Vaz de Camões, in his dialectic of the reasons to be sad,
made good use of Bernardim Ribeiro’s legacy, which a certain narcissistic appeal to
pain and a desire to transcend it, repeatedly used as a theme. Many camoenian verses
have evident analogies with the introductory speech of Menina e Moça, a work
Travel Narratives

published in 1554, by Bernardim, who tends to express a philosophy according to


what gives the human life its highest value is the mortgaging affectionate. The lyrical
reverberation of the Lusitanian troubadour are extended in Portuguese Literature
until Almeida Garrett, as punctuate Antonio José Saraiva and Oscar Lopes (1976, p.
229), reflecting even in Fernando Pessoa.
The preoccupation with the making of Literature, which is expressed not only in
147 segments of proper authorship, but also in numerous citations from other authors, come
to reveal a facet of Correia Coelho’s individual style, according to what we have already
demonstrated in this study. Similarly, his text cannot be read without considering the
romantic style, period in which the work were elaborated and later published.
The narrative analyzed in this study transits between the informative tone
proper to the travel literature and to the missing lyricism of whom reconsiders his
birthplace. Staying in the tradition beneficiary of the foreign traveler’s report, the
paranaense writer innovates by demonstrating intimacy with the space described.
His text from 1860 precedes in 30 years the Federalist Revolution, considering that
the reported travel happened 2 decades before. This contributes to the country for
having, unless, an idea of the existence of Paraná. Going far away from the value of
the proper representation done by writing, maybe the greatest quality of this book is
related to its documentation, most because it was published in a historical moment of
absolute scarceness of documents about the Province. On registering an innovative
travel to regions that are little known until today, this literary work has its established
place in the literature about Paraná in its formation stage.

REFERENCES

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história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.
PENA, Felipe. Jornalismo Literário. São Paulo: Contexto, 2006.
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_________ Camões. Porto, Lello & Irmãos, s/d.
CAMÕES, Luís Vaz de. Obras completas. Lisboa, Sá da Costa, 1954-62, 5 v.
CORREIA COELHO, Salvador José. Passeio à minha terra. (1860) 2.ª ed. Curitiba,
Instituto Histórico e Geográfico, 1968.(Fac-simile edition of 500 exemplars, n. 499)
LOPES, Oscar e SARAIVA, A. J. História da Literatura Portuguesa. 9.ª ed. Porto
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MARTINEZ, Mônica. Jornalismo literário – tradição e inovação. Florianópolis:
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TODOROV, Tzvetan. A viagem e seu relato. Revista Letras. São Paulo, 2006. p. 231-244
WEINHARDT, M. O Paraná no discurso literário. Revista Letras, Curitiba: UFPR, n.
48, 1997. p. 77-93.
148 EUCLIDES DA CUNHA E MÁRIO
DE ANDRADE: DOIS MODOS DE VIAJAR
E NARRAR A AMAZÔNIA

Paulo Nunes1
Vânia Torres Costa2

Ora, um relato de viagem não é, em si mesmo, o ponto de partida,


e não somente o ponto de chegada, de uma nova viagem?
Tzvetan Todorov

No porto: bagagens e mantimentos, passaporte: a preparação

Este texto traz reflexões ainda inacabadas, visto a vasta trajetória de


deslocamentos e o consequente registro que foi feito de dois ilustres viajantes à
Amazônia. Como prenuncia o título, estamos a tratar das viagens de Euclides da
Cunha e Mário de Andrade pelo Norte do Brasil. Trata-se de uma comparação entre
dois modos de visão e compreensão do mundo e, consequentemente, formas de traçar
planos, executar viagens e narrá-las. A isso acrescenta-se o como estas viagens foram
enunciadas pelos viajantes.
Embora polissêmico, o conceito de ‘narrativa de viagens’ é por nós entendido
como gênero textual interligado ao ato-ofício de viajar, implica em deslocamento com
consequente tessitura e ordenação dos fatos ocorridos. Está relacionado a várias áreas
do conhecimento: à literatura, ao jornalismo, à antropologia, às expedições científicas
em geral, e ao turismo.
Propomo-nos aqui a refletir sobre essas narrativas como registros do passado
e, ao mesmo tempo, como textos intencionais, planejados, assim como as viagens,
ofertados de modo a fazer crer e ver aquilo que Mário de Andrade e Euclides da
Cunha experimentaram em suas incursões e se permitiram registrar e guardar, não só
em sua memória, mas também tornar públicas.

1 Doutor em Letras (PUC-Minas), mestre em Teoria Literária (UFPA).Professor da Universidade da Amazônia


(UNAMA); atua na graduação em Letras, e na pós-graduação em Comunicação, Linguagens e Cultura. É um dos
Narrativas de Viagem

coordenadores do Grupo de Estudos interinstitucionais (UNAMA/UFPA) Narramazônia: narrativas contemporâ-


neas da Amazônia paraense, e um dos coordenadores do projeto de Academia do Peixe Frito: interfaces jornalismo
e literatura. É também um dos coordenadores do projeto interinstitucional (CUMA-UEPA e PPGCLC-UNAMA)
Epístolas Poéticas entre o romancista Dalcídio Jurandir e Maria de Belém Menezes; é curador do do acervo do
projeto Moronguetá, ligado ao Fórum Landi (FAU-UFPA); integra o grupo de pesquisas Makunaíma: literatura na
América Latina (PPGLetras-UFPA).
2 Doutora em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Mestre em Planejamento do Desen-
volvimento pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) - Universidade Federal do Pará (UFPA). Graduada
em Comunicação - Jornalismo (UFPA). Atualmente é professora adjunta e vice-coordenadora da Faculdade de Co-
municação da Universidade Federal do Pará (UFPA), onde coordena o projeto ‘Estrada de Ferro Belém-Bragança:
sujeitos, memórias e interações comunicacionais na Amazônia paraense’. É uma das coordenadoras do projeto
Narramazônia - grupo de estudos e pesquisas sobre Narrativas Contemporâneas na Amazônia Paraense - parceria
entre UNAMA (PPGCLC) E UFPA (PPGCOM).
149 Nesse encontro entre os relatos, a Amazônia é observada, degustada e produzida
discursivamente a partir das leituras e tecituras desses viajantes que se tornaram
referências como grandes escritores do Brasil no século XX. Portanto, como nos
aponta Foucault (2006), as obras são datadas no tempo e carregam determinado status
a partir de quem fala: “o nome do autor funciona para caracterizar um certo modo de
ser do discurso” (FOUCAULT, 2006, p 274). A credibilidade desses autores para dizer
o que disseram são importantes para entender a ‘soberania do significante’.
Mário de Andrade e Euclides da Cunha, a seu tempo, vieram nos rastros de
inúmeros outros viajantes que se deslocaram pelos rios e matas da Amazônia em
busca de experimentar novas sensações, aventuras, testemunhar descobertas, ver de
perto o tão propalado Eldorado, seus mitos, povos e cidades. O que está em questão
é a busca do novo e do diferente, o que, em princípio, move todo viajante. O que
justifica o deslocamento é a expectativa de vivenciar novas experiências que tragam,
de acordo com os interesses e expectativas de cada expedicionário, resultados práticos,
seja em formato de narrativas verbais e não verbais ou mesmo de coleta de materiais.
Assim é que veremos o modo enunciativo desses dois viajantes em suas
‘experiências amazônicas’. Teremos o registro de dois intelectuais com formação e visão
de mundo diferentes. No entanto, um aspecto os aproxima: eles estão imbuídos, cada
um de um modo singular de expressar sua visão de mundo, em representar um Brasil
desconhecido da maioria dos leitores médios brasileiros. Os dois estão atravessados, a
seus modos, por projetos de valorização da identidade nacional brasileira.
Nossas reflexões se darão sobre uma publicação póstuma de Euclides da Cunha:
À margem da história, uma coletânea de ensaios publicada pela primeira vez um mês
após sua morte em 1909; e o diário de viagens de Mário de Andrade em O turista
aprendiz. Ao decompor as narrativas (MOTTA, 2013) para entendê-las, vamos dialogar
com Todorov (1993), problematizando os textos como lugar de inserção e visibilidade
do Outro narrado enquanto atos de fala.

Narrativas de viagem e Amazônia

Os espanhóis foram os primeiros a percorrer o rio Amazonas, quando do início


da conquista da América, no final do século XV. Mas foi o espanhol Francisco Orellana,
em 1540, que se tornou, na história oficial da região, o primeiro europeu a navegar
o rio Amazonas. Ele teria descido a Cordilheira dos Andes, após comandar ataques
sangrentos contra os Incas do Peru. Nessa ‘primeira’ narrativa de viagem, já vemos
a presença da figura do cronista da expedição, Frei Gaspar de Carvajal, que relata o
Narrativas de Viagem

encontro com as índias Icamiabas, as guerreiras Amazonas, que após violento confronto
com os espanhóis conseguiram expulsá-los (CARVAJAL; ROJAS; ACUÑA, 1941).
Narrativas como essa, somadas a tantas outras, vão solidificando uma certa
memória nacional como ‘discurso fundador’ do Norte do Brasil, ao ser gerador de
outros discursos, “instituindo em seu conjunto um complexo de formações discursivas,
uma região de sentidos, um sítio de significância que configura um processo de
identificação para uma cultura, uma raça, uma nacionalidade” (ORLANDI, 1993, p. 24).
Trata-se de um reservatório de memórias coletivas, atuais, antigas e comemorativas
150 que coexistem e que vão ressignificando os restos do passado (BARBOSA, 2007). Esses
diários de viagem, que trazem ao presente textos e imagens, são riquíssimos para
estudos e pesquisas que tem a intenção de desvendar tais olhares de estrangeiros e
brasileiros sobre as sociedades e povos que historicamente vem habitando a Amazônia.
Na atualidade, vários autores vem se debruçando a um levantamento mais
geral desses textos em forma de diários, como Gondim (2007) e Meirelles Filho (2009).
Segundo este último, de 1500 a 1930 foram registradas 42 expedições na Amazônia
em busca de aventuras, riquezas e pesquisas. Dentre essas, o autor cita as viagens de
Euclides (1905) e Mário (1927). Em comum, na maioria das viagens, ele registra os
grupos grandes comandados por um líder e a invisibilidade dos serviçais que tornavam
possíveis os deslocamentos: as populações locais de indígenas que trabalhavam como
remeiros, cozinheiros, soldados, guias e pilotos.
Até o século XVIII, as narrativas limitavam-se à escrita e às gravuras de
desenhistas profissionais. Só no século XIX aparecem os registros fotográficos a partir
da expedição de Augusto Biard (MEIRELLES FILHO; MARTINS, 2019). Esses relatos,
disponibilizados após as viagens, vem construindo uma ideia de Amazônia enquanto
memória acadêmica e letrada, institucionalizada e autorizada oficialmente frente às
narrativas orais e tradicionais dos povos originários, que não foram registradas e se
perderam. A visão eurocêntrica, com seus discursos da colonialidade3, é o que temos
nesses diários de campo.
Esses viajantes, a maioria vinda a mando de outros países, principalmente da
Europa, é autorizada pelo governo brasileiro a desbravar a Amazônia e levar daqui o
que quisessem, como exemplares da flora, da fauna e até índios. Os diários de viagem
propõem escrituras sobre o novo, mas esse novo é apropriado pelos narradores como
modo de evidenciar e dar visibilidade às diferenças encontradas: “não é só o mundo
antigo que se projeta assim sobre o novo: é o mundo de casa que se anexa pacificamente
sobre os descobrimentos ultramarinos. Utilizar a analogia é familiarizar o exótico
(GONDIM, 2007, p. 50).
Foi só em 1616, período de vigência da União Ibérica, que Portugal conseguiu
tomar posse da região, com a fundação de Santa Maria de Belém do Grão-Pará, hoje
Belém do Pará, o primeiro povoado do Norte do Brasil. A expedição de Pedro Teixeira,
que subiu o Amazonas entre 1637-1639 a mando de Lisboa, fez o reconhecimento
oficial da área a ser conquistada, de fato, pelos portugueses.
Mas foi no século XIX que a Amazônia se tornou o paraíso dos naturalistas
(SCHWARCZ, 1993). Euclides da Cunha, que leu essas narrativas de viagem e as
Narrativas de Viagem

menciona em seus ensaios, registra essa corrida dos cientistas à região: “é de toda a
América a paragem mais perlustrada dos sábios e é a menos conhecida” (CUNHA, 1909,
p. 4). As coletas eram feitas pelos expedicionários e os materiais eram despachados
para a Europa. A grandiosidade e a exuberância dos rios e da floresta eram comumente
relatadas, assim como as diferenças com relação à Europa eram realçadas: “prendia-
nos sempre a majestosa exuberância desta terra equatorial, que em toda extensão,
às matas de Belém do Pará ou às ilhas baixas do arquipélago circunstante, novas
3 Colonialidade do poder e do saber: “a ignorância colonialista consiste na recusa do conhecimento do outro
como igual e na sua conversão em objeto” (SANTOS, 2004).
151 maravilhas nos oferecia” (MARTIUS; SPIX, 1960, p. 333).
Em 1866 temos o registro da primeira instituição de pesquisa da região – a
Associação Filomática do Pará, hoje Museu Paraense Emílio Goeldi, referência
em pesquisas amazônicas nacional e internacionalmente. O zoólogo suíço Emilio
Goeldi “procurou fazer do Museu uma reprodução fiel das instituições congêneres
europeias” (SCHWARCZ, 1993, p. 85). O arqueólogo e naturalista mineiro Domingos
Soares Ferreira Penna, um dos fundadores do Museu, viajando pela região, observou
a melancolia dos índios e a necessidade de integrá-los à sociedade e à civilização.
Ferreira Pena registra a existência de uma população reduzida em relação ao
território e os hábitos ‘primitivos’: “não se deve esquecer que entre as causas que
retardam o seu desenvolvimento é força contar, em primeiro lugar, os hábitos anti-
higiênicos do povo e, em segundo lugar, as condições desfavoráveis do solo e do
clima”4. Para Márcio Souza, são os cientistas que constroem o mito da Amazônia
como um vazio demográfico, hostil aos homens civilizados, com nativos primitivos,
sem vida política ou cultural. “É a Amazônia terra sem história, que tem permitido
toda sorte de intromissão e arbitrariedade” (SOUZA, 2001, p. 101-102).
O naturalista inglês Henry Bates, que viveu na Amazônia entre 1848 e 1859,
coletava amostras da fauna e enviava a Londres. Em suas narrativas de viagem, registra
a presença de ‘soldados indolentes’, ‘negros carregando à cabeça talhas de barro
vermelho’, ‘índios de aspecto tristonho, com os filhos nus escanchados nos quadris’ e
‘várias outras amostras da vida multicolor do lugar’. E acrescenta: “do lado de fora das
portas, viam-se grupos tomando fresco: pessoas de todos os tons de pele, europeus,
negros e índios, mas principalmente uma mistura incerta dos três” (BATES, 1944, p. 33).
São os viajantes do século XIX que divulgam na Europa os potenciais da
borracha, há muito usada pelos índios da Amazônia e pelos portugueses na fabricação
de botas e garrafas.
Na memória coletiva é o período da Belle Époque. É o boom da borracha,
quando a região ganha destaque no cenário nacional e internacional. Por outro lado,
a exploração da borracha foi observada por Euclides da Cunha (1909, p. 9) como
atividade desumana: “de feito, o seringueiro - e não designamos o patrão opulento,
senão o freguês jungido à gleba das ‘estradas’ -, o seringueiro realiza uma tremenda
anomalia: é o homem que trabalha para escravizar-se”.
Nesse período, imigrantes nacionais e estrangeiros são estimulados pelo governo
brasileiro a vir trabalhar na Amazônia para garantir a ocupação do vasto território e
abrir novas frentes de trabalho. A Amazônia passa a existir como fronteira econômica
Narrativas de Viagem

importante e assim se constitui para a memória nacional oficial. Nesse início de século
XX, é que chegam à Amazônia Euclides da Cunha e, posteriormente, Mário de Andrade.

O içar das velas: início da viagem

Narrar e viajar. Viajar e narrar. Aqui esses dois verbos não serão conjugados,
mas constituem a face dupla de uma mesma moeda. O ato de narrar nos humaniza e
4 CONSELHO ESTADUAL DE CULTURA. Obras completas de Domingos Soares Ferreira Penna. Belém, 1973.
2v. (Coleção Cultura Paraense, Série Inácio Moura). v.1. p.310.
152 nos constitui socialmente. Bakhtin (2006, p. 113) afirma que “o ato de fala, ou, mais
exatamente, seu produto, a enunciação, não pode de forma alguma ser considerado como
individual no sentido estrito do termo; não pode ser explicado a partir das condições
psicofisiológicas do sujeito falante. A enunciação é de natureza social”. Seguindo esse
raciocínio, precisamos situar Euclides e Mário nessa ‘viagem jornalístico-literária’
(MARTINEZ, 2012) das narrativas de viagem. Ambos são sudestinos, vem dos maiores
estados brasileiros em direção à região que historicamente viveu apartada do Brasil,
a Amazônia. Euclides nasce no Rio de Janeiro em 1866 e Mário de Andrade em 1893,
em São Paulo.
Seguimos nessa reflexão para perceber como Euclides e Mário produziram suas
verdades. Viajar, em se tratando de quem nos ocupamos, possibilita uma discussão
acerca de alteridade. Ao tratar da questão das viagens de Colombo, Todorov (1993, p.
3-4) institui alguns conceitos que nos serão muito úteis. O primeiro é o “sentimento
radical de estranheza” dos europeus em relação aos americanos5, e o segundo é o
conceito de “outro exterior”, aquele que o eu, num processo de tensão e poder, não se
reconhece pertencente a um dado grupo social e vê o outro como exótico6.
Sem dúvida, a relação Eu versus Outro é algo recorrente nos textos dos
dois autores aqui tratados; tensões que os viajantes registram por meio de suas
observações em relação à cultura amazônica – e seu ethos. Acerca disso, vale recorrer
a Octavio Paz (1996), que, em Signos em Rotação afirma: “a experiência da outridade
abrange as duas notas extremas de um ritmo de separação e reunião, presente em
todas as manifestações do ser, desde as físicas até as biológicas” (PAZ, 1996, p.109).
As identidades humanas, portanto, constituem-se em conhecimento e consciência
do Outro que lhe é dessemelhante ou incomum, o que Paz denomina de ‘outridade’.
Portanto, ler os registros de nossos viajantes significa também mergulhar nas tensões
que permeiam o Eu e o Outro.
Tzvetan Todorov (1993) reflete a respeito das viagens e suas descobertas, algo
que de algum modo pode ser aplicado aos deslocamentos de Euclides da Cunha e
Mário de Andrade. Afirma o teórico:

Pode-se descobrir os outros em si mesmo, e perceber que não se é uma


substância homogênea, e radicalmente diferente de tudo o que não é si mesmo;
eu é um outro. Mas cada um dos outros é um eu também, sujeito como eu.
Somente meu ponto de vista, segundo o qual todos estão lá e eu estou aqui,
pode realmente separá-los e distingui-los de mim. Ou então como um grupo
social ao qual não pertencemos (...) (TODOROV, 1993, p.3).
Narrativas de Viagem

A elucidação da relação tensa entre Eu e Outro é desvelada por Todorov (1993,


p. 3), que nos alerta acerca de uma posição nem sempre fácil de ser acatada, embora,
como ressalta, o ‘eu [seja] um outro (...), cada um dos outros é um eu também’. E a
ideia de uma demarcação ortodoxa, que separa os grupos sociais, sugere Todorov, é

5 O sentimento radical de estranheza configurado no ‘encontro’ de europeus com os americanos pode ser aplicado
ao contato de Euclides da Cunha com a floresta amazônica, como veremos mais adiante.
6 Tais ideias são defendidas no ensaio “A conquista da América”. Todorov aponta que nenhum processo de
conquista foi tão radical quanto a chegada dos europeus, liderados por Colombo, às Américas; ganância,
incompreensão e intolerância possibilitaram, segundo Todorov, o maior holocausto da história da humanidade.
153 ‘inumana’, porque é dispersiva e etnocêntrica. Mas há que se problematizar que as
narrativas não podem ser compreendidas de modo pontual, desconectadas do tempo
e do espaço.
Quando descobrimos modos de contar histórias, demos saltos para o convívio
em sociedade. Ricoeur (1994) nos diz que o texto configura o que na ação humana já
figura. A narrativa produz o homem e seus mundos e os conecta a outros homens e
mundos. Ordena os fatos, os hierarquiza e tece a vida por meio da escritura, na qual
os sujeitos são inseridos e ‘acomodados’ tal qual o gosto do narrador.

Euclides da Cunha e Mário de Andrade

Euclides, jornalista, engenheiro, militar, tem nas viagens um ofício desafiador.


Acreditamos que sua narrativa sobre a Amazônia é de tal forma marcante, que
significará um dos mais enfáticos registros sobre aspectos naturais e humanos do Norte
do Brasil, visto que sua leitura desvelará uma Amazônia marcada por descobertas e
desconfortos que ora confirmam, ora contrapõem-se àquilo que alguns cronistas e
viajantes escreveram sobre suas viagens à região.
Segundo Meirelles Filho (2009), Euclides da Cunha deixa o Rio de Janeiro em
direção a Manaus em 1904, onde inicia os preparativos da viagem. Sai em abril de
1905 e retorna seis meses depois, somando 250 dias de viagem. Como resultado
da expedição, Euclides redige o Relatório da Comissão Mista Brasileiro-Peruana de
Reconhecimento do Alto Purus; Contrastes e Confrontos, sobre a Amazônia peruana; e
Peru versus Bolívia, este último com artigos que publicou no Jornal do Comércio.
O livro À margem da História, também resultante dessa viagem e aqui objeto de
nossa reflexão, sai do prelo após sua morte e está dividido em quatro partes. Como
apenas na primeira parte o escritor se dedica especificamente a seus deslocamentos
pela Amazônia, é sobre esse recorte que estão apontadas nossas observações. Neste
ensaio, temos sete capítulos, nos quais Euclides inicia a narrativa apresentando suas
‘impressões gerais’, depois opina sobre os rios, o clima e os sujeitos em relação com
a floresta.
Em termos gerais, pode-se afirmar que Euclides da Cunha narrativiza seu
estranhamento em relação à floresta e suas peculiaridades. Chama-nos atenção
a linguagem rebuscada por ele empregada (expressões como ‘gizar’, ‘idealizar
aforrado, ‘opulenta desordem’, etc.). No entanto, o que mais salta aos olhos é que
Euclides, acostumado ao cotidiano frenético do Rio de Janeiro, reclama da ‘ausência
Narrativas de Viagem

de civilização’ num ambiente onde para o viajante até mesmo as pessoas parecem
deslocadas: “o homem, ali, é ainda um intruso impertinente. Chegou sem ser esperado
nem querido – quando a natureza ainda estava arrumando o seu mais vasto e luxuosa
salão. E encontrou uma opulenta desordem (...)” (CUNHA, 1999, p. 02).
À vista de Euclides, o rio e a floresta compõem um cenário grandioso e ao
mesmo tempo frustrante, mas, diferentemente dos europeus – Wallace, Humbolt,
entre outros –, o brasileiro sente-se desapontado diante do cenário amazônico, pois,
afinal, o quadro presentificado in loco não traz semelhança com o que fora imaginado,
decepciona o Euclides viajante. Seu foco é direcionado para as ambivalências da
154 colonialidade, tal qual Anibal Quijano aponta: está em questão a oposição entre
homem x natureza, esta última uma adversária dos amazônidas. A natureza é ‘volúvel
e revolta’ paralisando os ‘homens errantes’ que vivem uma permanente “agitação
tumultuária e estéril” (CUNHA, 1999, p.12).
Há, no entanto, algo que merece atenção, é quando o enunciador de À Margem
da História denuncia a predominância da horizontalidade sobre a verticalidade, como a
reclamar da falta de ocupação do espaço amazônico, colonizando-o, o que equivaleria
dizer a exercer o domínio sobre a natureza. A Amazônia é, na visão do narrador
euclidiano, uma fronteira a ser ocupada pelo Estado brasileiro. Leiamos:

[A Amazônia] é, sem dúvida, o maior quadro da Terra; porém chatamente


rebatido num plano horizontal que mal alevantam de uma banda, à feição
dos restos de uma enorme moldura que se quebrou (...) e como lhe falta a
linha vertical, preexcelente na movimentação da paisagem, em poucas horas
o observador cede às fadigas de monotonia inaturável e sente que o seu olhar,
inexplicavelmente, se abrevia nos sem-fins daqueles horizontes vazios e
indefinidos como os dos mares (CUNHA, 1999, p. 1-2).

Cunha adere a uma espécie de ‘horizontalidade visual’ que marca sua relação
de visitação à bacia do grande rio. E assim sendo, o olhar do viajante, estranho à
cotidianidade do ethos amazônico, reclama da monotonia do cenário, reivindica-lhe
movimento e presença humana, sentimento que é uma predisposição à ‘mesmidade’,
ao ‘igual’, que, afinal, afasta-se da ideia de viagem tanto como “sentimento radical
de estranheza” quanto à ideia-conceito de “outro exterior”, que não se reconhece no
grupo social amazônida e vê o Outro como exótico (TODOROV, 1993).
Euclides é enfático em seus argumentos, afinal ele esteve ‘lá’ e viu tudo de
perto. Geertz (2005, p.29), ao falar sobre a prática dos antropólogos em contato com
grupos pesquisados, reflete sobre os textos que escrevem resultantes dessas viagens e
imersões: “os etnógrafos precisam convencer-nos (...) não apenas de que eles mesmos
‘estiveram lá’, mas ainda (...) de que, se houvéssemos estado lá, teríamos visto o que
viram, sentido o que sentiram e concluído o que concluíram”.
Porque aponta recorrentemente a melancolia amazônica, Euclides será
refutado por outros narradores viajantes, dentre eles, Mário de Andrade. O autor de
Macunaíma, em suas incursões pelo rio Amazonas, enxerga virtudes na monotonia:
“o [rio] Amazonas prova decisivamente que a monotonia é um dos elementos mais
grandiosos do sublime. É incontestável que Dante [o autor de A Divina comédia] e
o Amazonas são igualmente monótonos; pra gente gozar um bocado e perceber a
Narrativas de Viagem

variedade que tem nessas monotonias do sublime” (ANDRADE, 202, p. 60).


Euclides da Cunha, em À Margem da História, reitera uma categoria de narrador
que já havia sido recorrente nos século XVIII e XIX: o narrador-viajante-militar.
Ao narrar, este narrador conta com predisposição ao estranhamento e à ocupação
civilizacional do espaço visitado. Seria o “outro exterior” de Todorov, aquele que faz
com que o Eu do autor não dialogue com aqueles com quem encontra de modo a
compreender suas subjetividades e vivacidades, apenas os vendo como exóticos, de
modo a rejeitá-los como protagonistas de possíveis histórias locais.
155 O jornalista Euclides chega a ser ácido ao constatar os homens trabalhando em
condições desumanas, vitimizados, como quando observa os caucheiros: “a princípio
figura-se-nos um caso vulgar de civilizado que se barbariza, num recuo espantoso
em que lhe apagam os caracteres superiores das formas primitivas da atividade”
(CUNHA, 1999, p. 48). Euclides vê nos seringueiros uma ‘ironia formidável’ ao
enfrentar o ‘paraíso diabólico dos seringais’ e suas relações de trabalho escravizantes.
Faz denúncias importantes com relação à exploração dos seringueiros pelos patrões
e isso é elogiável, por outro lado, Euclides enxerga apenas necessidades e carências,
seja nas ‘incompletudes da natureza, seja em sua ‘bruteza original’. Não vê beleza,
não há admiração pelo que vai conhecendo, ele, no contato com a região, se fecha à
admiração e ao aprendizado, a Amazônia limita-se a um locus de faltas e carências.
Se Euclides chegou à Amazônia integrando a missão oficial da Comissão
Demarcadora de Limites do governo brasileiro, Mário de Andrade, em contraponto,
‘convida-se’ à viagem, à Amazônia, quando passa a integrar o pequeno grupo da
paulista dona Olivia Guedes Penteado, a ‘baronesa do café’. Esta viagem, como
sabemos, compõe um projeto daquele movimento político e estético que mais tarde
viria a ser conhecido como Modernismo7, marca significativa do pensamento brasileiro
no século XX.
Segundo Meirelles Filho (2009, p. 194), a viagem de Mário de Andrade tem a
duração de três meses (de maio a agosto de 1927). Saindo do Rio de Janeiro pela
costa do Brasil, alcança Belém em uma semana. Depois, o grupo segue para Iquitos,
Manaus, Porto Velho. “A cada posto em que o vapor encosta para carregar lenha ou
cortar pasto aos bois, aproveita Mário para conhecer as fazendas, os seringais, os
cacauais, a extração de pau rosa, os vilarejos (...)”.
Mário, multifacetado, na viagem de que aqui tratamos, investe no levantamento,
guarda e registro das marcas encontradas no caminho. Isso nos interessa de perto,
visto que ele narra sem a lógica cartesiana e investe numa escrita poética, de estilo
fluente, à moda de um informal diário de bordo. O Turista Aprendiz é livro póstumo,
de 1976, publicado cerca de 30 anos após sua morte. A enunciação desta narrativa de
viagens guarda aspectos singulares, bastante originais ainda hoje.
Viajante entusiasmado, Mário denomina a primeira parte dos relatos de viagem
de O Turista Aprendiz: “viagem pelo Amazonas até o Peru, pelo Madeira até a Bolívia
e por Marajó até dizer chega”. Para falar sobre o livro faz-se necessário refletir acerca
do título que emprega o significante ‘turista’ (que é antecedido do artigo definido
‘O’). ‘Turista’, segundo o dicionário Houaiss de língua portuguesa, de origem inglesa,
quer dizer, num dos sentidos registrados, “viagem de recreio, excursão”. Assomado à
Narrativas de Viagem

palavra “aprendiz”, que lhe completa o título (significa “aquele que aprende uma arte
ou ofício”), fecha-se o projeto programático da obra. A ideia de “recreio” na viagem
do nosso turista aprendiz, é cabível a partir do princípio latino dulce et utile (doce e
útil), o que significa que o diário da excursão resultante configura literatura que ao
mesmo tempo que agrada instrui, seduz e educa; é a ludicidade que decorre do “doce
7 Dadas as diversas influências e linhas de ação do’ espírito do tempo’ marcado pela renovação estética e cultural,
é mais coerente falar-se em Modernismos, ao invés de um Modernismo que tem são Paulo como balizador do
cânone histórico-literário nacional. O movimento de renovação no Pará, ligado por exemplo, a Bruno de Menezes
e a Academia o Peixe Frito, dialogou mais fortemente com o grupo pernambucano de Joaquim Inojosa.
156 aprender”, de que está atravessada a escrita do Turista Aprendiz.
Mário, narrador-viajante, é aquele que, em 1927, “aprende a arte ou oficio” de
etnógrafo8, promove o registro descritivo da cultura material e imaterial dos espaços
por onde passa, e deste modo, torna-se um pesquisador social da cultura brasileira.
Investigador despojado? Os projetos em que Mário de Andrade está envolvido estavam
demarcados por um ‘espírito do tempo’ de renovação estética no início do século XX.
Afinal parte da ‘inteligência brasileira’ almejava superar a monarquia agrária que
se coadunava à estética passadista, corporificada pela literatura parnasiana. Neste
projeto de descoberta dos Brasis contidos no Brasil, via-se a evidente a preocupação
com a memória social do Brasil, levantamento, registro e catalogação.
O Turista Aprendiz não pode ser lido separadamente de um projeto estético, e
por que não dizer, político? de Mário de Andrade. Este livro configura-se como um
contraponto com À Margem da História, de Euclides da Cunha. Embora O Turista...
caracteriza-se pelos aspectos seguintes: a) O alargamento das fronteiras interculturais
do Brasil; b) O entrelaçamento dos mecanismos enunciativos – narrativa, diário de
viagem, fotografia e desenho – internos da obra marioandradina; c) O diálogo com
programas político-estéticos dos modernistas; d) A refiguração da Amazônia por meio
de um exercício de alteridade de um enunciador não amazônico; e) A desmontagem da
lusitanidade grafolinguística, pela escrita de inovador português brasileiro. Tudo isso
vai ao encontro do alargamento das fronteiras interculturais do Brasil, empreendida
pelos primeiros modernistas brasileiros, que investiram num entrecruzamento de vozes,
que fez da Amazônia, naquele momento, um espaço privilegiado. Mário escreve sobre
a ideia de ressiginificar os Brasis do Brasil, a partir do que ele observara no mercado do
Ver-O-Peso:

Belém me entusiasma cada vez mais. O mercado hoje esteve fantástico de tão
acolhedor. Só aquela sensação do munguzá... sentada no chão, era uma blusa
branca branca numa preta preta que levantando pra nós os dentes os olhos e
as angélicas da trunfa, tudo branco, oferecia com o braço estendido preto uma
cuia envernizada preta donde saía a fumaça branquinha (...) Tenho gozado por
demais. Belém foi feita pra mim e caibo nela que nem mão de dentro da luva
(...) Em Belém o calorão dilata os esqueletos e meu corpo ficou exatamente do
tamanho de minha alma... - 23 de maio (ANDRADE, 2002, p. 64).

Mário, conforme se vê, institui um movimento centrífugo que narra com


admiração fecunda algumas de suas descobertas de viagem, através de uma enunciação
intuitiva e emotiva, como se poderá perceber abaixo:
Narrativas de Viagem

2 de junho: vida de bordo. Tarde em Parintins com o prefeito bem falante.


Nos ofereceu o livro da municipalidade, quanto livro já!, quanto relatório! Um
crucifixo muito curioso na igreja (...) Em Parintins só não saiu na porta e na
janela pra nos ver a moça que morreu justamente hoje, apunhalada pelo amor.
De noite, vogando, se escutou o berro das guaribas. É um lamento humano,
tenebroso, que nos deixou sem graça nenhuma (ANDRADE, 2002, p.75-6).

8 Aquele que pratica a etnografia, Segundo o dicionário Houaiss é o “estudo descritivo das diversas etnias, de
suas características antropológicas, sociais etc”; ou ainda “o registro descritivo da cultura material de um deter-
minado povo”.
157 Por fim, vê-se a ‘desmontagem’ da lusitanidade grafolinguística, graças à
escritura de um português brasileiro de perfil literário. Na ideia ‘tomada emprestada’
tanto de Oswald de Andrade quanto de Manuel Bandeira, Mário reinventa a língua
literária, que tem em Macunaíma, seu livro mais festejado, a mais radical proposta
de enunciação. Este exercício criativo de linguagem, que mistura oralidade e escrita,
apartadas escrita lusitana, está presente nesta forma arrevesada de narrar em O
Turista Aprendiz:

Hoje a lancha Tucunaré nos levou pra almoçar longe no Caripi. O furo de
Barcarena estava sarapintado de velas. Dizem que é habitadíssimo porém não
se enxerga casa, a caboclada desse furo desde a guerra do Paraguai que ergueu
seus lares no escondido, temendo mais recrutamento. Só de vez em quando
um caule de miriti jogado perpendicularmente à margem se entremostra
num refego das ramas arrastando as saias n’água. Aquilo serve de ponte para
desembarque e ali vive tapuio” (ANDRADE, 2002, p. 66).

As inovações de linguagem propostas por Mário de Andrade são fruto de um


sistema de pensamento das revoluções estéticas então em voga; fruto de um projeto
de redescoberta dos Brasis contidos no Brasil, de que Mario e seus contemporâneos
fazem parte. O viajar pela Amazônia integra uma série de registros nessa direção.
Fotos, desenhos, textos, gravações. É quando o ‘poeta arlequinal’ se tinge das cores e
algaravias amazônicas.

Considerações finais

Se comparadas às formas de escrita de Euclides da Cunha e Mário de Andrade


teremos modos diferentes de enunciação. Uma grandiloquente, descritiva e
influenciada pelo pensamento positivista de ocupação colonial, a de Euclides; e outra,
a de Mário, inovadora, poética, desalinhada às normas gramaticais lusitanas.
Conclui-se, portanto, que as narrativas de viagens de Euclides estão atravessadas
daquilo que Todorov chama de “sentimento radical de estranheza” (ideia similar que
tinham os europeus em relação aos povos americanos). Euclides chega impregnado
das narrativas de viajantes que o antecederam e, tal qual boa parte deles, não se
predispõe a aportar com malas e bagagens, de modo a vivenciar novas experiências
sem preconceitos, o que o impediu de conhecer efetivamente as pessoas e seus
cotidianos, para além das aparências de um afoito ‘turista aprendiz’. Em verdade
também é possível ler o conceito de “outro exterior”, aquele que o Eu, num processo
de tensão advindo do etnocentrismo, não se reconhece pertencente a uma cultura ou
Narrativas de Viagem

a um grupo social, no caso a Amazônia e seus sujeitos. Dai porque, Euclides da Cunha
vê o outro como exótico, diferente de si.
Mário de Andrade, com objetivos opostos aos de Cunha, percorre os mesmos
caminhos e paisagens, mas seu olhar, configurado em seus textos, nos mostra outra
Amazônia, porto de novidades e possibilidades a ser tratado em seus futuros projetos
culturais e literários, como se verá, por exemplo, na reescrita do romance Macunaíma,
que mudará de feição após a viagem à Amazônia. Músico e escritor da linha de frente
do Modernismo paulistano, ele se propõe a virar do avesso as produções canônicas
158 voltadas a reiterar o ‘discurso fundador’ sobre o Brasil, e o faz com a ousadia que lhe
era possível. Mário está imbuído na predisposição de desvelar os Brasis contidos no
Brasil; ele sente o burburinho das ruas, conhece e convive com pessoas, ouve-lhe as
suas histórias, enfim, não se poupa de pesquisar as ribanceiras da Amazônia.
Como problematiza Todorov em sua interrogativa, “um relato de viagem não
é, em si mesmo, o ponto de partida, e não somente o ponto de chegada, de uma nova
viagem?” O que fizemos aqui, nós ‘viajantes de duas escritas’ sobre a Amazônia, não
foi mais que elucidar que as narrativas de viagens de Euclides da Cunha e Mário de
Andrade proporcionam ao leitor um ponto de partida, quanto ao porto de chegada...
Bem, isso é lá outra história, outras narrativas a serem escritas.

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Narrativas de Viagem
160 EUCLIDES DA CUNHA AND MÁRIO
DE ANDRADE: TWO WAYS OF TRAVELLING
AND NARRATING THE AMAZON

Paulo Nunes 1
Vânia Torres Costa2

Well, isn’t a travel narrative the starting point as well


as the arrival point of a new trip in itself?
Tzvetan Todorov, our translation

At the harbor: luggage and supplies, passport: getting ready to

This text reflections’ are yet to be finished since the path, movement and
consequential register made by two renowned travellers to the Amazon are quite
extensive. As insinuated by the title, we discuss Euclides da Cunha and Mário de
Andrade’s trips to the North region of Brazil. We compare two perspectives and
understandings about the world and, as a result, distinctive ways of planning, running
and narrating trips. In addition to that, we should also consider how these trips were
narrated by the travellers.
Although polysemic, the concept of ‘travel narratives’ is hereby understood as a
text genre intertwined to the act of travelling. This implies movement and a consequential
texture and ordering of occurred events. It is related to different areas of knowledge such
as literature, journalism, anthropology, scientific expeditions and tourism.
We intend to reflect upon these narratives as registers of the past. Such as their
trips, these texts were planned and intended. Also, they were offered in a way to
make someone see and believe in what Mário de Andrade and Euclides da Cunha
experienced in their incursions and wanted to register and keep not only in their
memories but also wished to make public.
In both narratives the Amazon is watched, savored, and discoursely produced
1 PhD in Letters (PUC-Minas), Master in Literary Theory (UFPA). Professor at the University of Amazonia (UNA-
MA); He has a degree in Letters, and a postgraduate degree in Communication, Languages and Culture. He is one
of the coordinators of the Interinstitutional Study Group (UNAMA / UFPA) Narramazônia: contemporary narrati-
ves of the Paraense Amazon, and one of the coordinators of the Fried Fish Academy project: interfaces journalism
and literature. He is also one of the coordinators of the interinstitutional project (CUMA-UEPA and PPGCLC
Travel Narratives

- UNAMA) Poetic Epistles between the novelist Dalcídio Jurandir and Maria de Belém Menezes; Curator of the
Moronguetá project collection, linked to the Landi Forum (FAU-UFPA); integrates the research group Makunaíma:
Literature in Latin America (PPGLetras-UFPA)
2 PhD in Communication from the Fluminense Federal University (UFF), Master in Development Planning from
the Center for Advanced Amazonian Studies (NAEA) - Federal University of Pará (UFPA). Graduated in Commu-
nication - Journalism (UFPA). She is currently adjunct professor and deputy coordinator of the Faculty of Commu-
nication of the Federal University of Pará (UFPA), where she coordinates the project “Belém-Bra-Gança Railroad:
subjects, memories and communicational interactions in the Paraense Amazon”. She is one of the coordinators of
the Narramazônia project - a study and research group on Contemporary Narratives in the Paraense Amazon - a
partnership between UNAMA (PPGCLC) and UFPA (PPGCOM).
161 from the readings and textures of these travelers. Later, they are referenced as two
major Brazilian writers at the 20th century. Therefore, as Foucault (2006) points out,
these literary works are dated in time and carry a status determined by the speaker’s
perspective: “the author’s name works to characterize the discourse way of being”
(FOUCAULT, 2006, p 274, our translation). We should consider the authors’ credibility
to say what they to understand the ‘sovereignty of the signifier’.
At their time, Mário de Andrade and Euclides da Cunha followed the paths of
many other travellers that moved through the Amazon rivers and forests seeking
new sensations and adventures. All of them wanted to witness new findings and to
see for themselves the legendary Eldorado as well as its myths, people and cities. The
search for what is new and different moves every traveller and is at stake here. The
reason for any movement is the expectation to live new experiences that could bring
practical results accordingly to the traveller’s interests, which can be verbal and non-
verbal narratives or even material collection.
That is how we will look into the storytelling of these two travellers in the
‘Amazon experience’. We will deal with the register of two intellectuals with very
different backgrounds and perspectives about the world. However, they have
something in common: at their own way, they are responsible for expressing their
world view and to represent a Brazil that is still unknown to the majority of their
readers. Each in their particular way, they are both influenced by projects that try to
value the Brazilian national identity.
Our discussion is based on a posthumous publication of Euclides da Cunha: The
Amazon: Land Without History [À Margem da História], an essay collection originally
published a month after his death in 1909; as well as on Mário de Andrade’s travel
journal in The Apprentice Tourist [O turista aprendiz]. In the process of breaking
down the narratives (MOTTA, 2013) to understand them we will also dialogue with
Todorov (1993), problematizing texts in which there is insertion and visibility of the
Other narrated as speech acts.

Travel narratives and the Amazon

The Spanish were the first to navigate the Amazon waters in the beginning
of the America's conquest, in the end of the 15th century. In the official history of
the region, the Spanish Francisco Orellana was the first European to sail through
the Amazon river, in 1540. He would have climbed down the Andean Mountains
after leading bloody attacks against the Inca people in Peru. Even in this 'first' travel
narrative, we can already witness the cronist figure in the presence of Friar Gaspar
Travel Narratives

de Carvajal. He reports the encounter with the indigenous women Icamiabas, the
Amazon female warriors, who managed to fight off the Spanish after a violent
combat. (CARVAJAL; ROJAS; ACUÑA, 1941).
Since it generates other speeches, narratives as such and many others create a
national memory as the North of Brazil 'founding discourse’. “Altogether creating a
complex of discursive formations, meaning regions and significance frameworks that
originate a identification process towards a culture, race or nationality (ORLANDI,
162 1993, p. 24, our translation). It is a reservoir of collective, current, old, celebrative
memories that coexist and resignify fragments of the past (BARBOSA, 2007). These
trip journals that bring to the present text and image are extremely rich for studying
and researching such foreigner and Brazilian view regarding the people and the
societies who originally have been living in the Amazon.
Currently, many authors dedicate their efforts into a more general survey about
these texts presented as diaries, such as Gondim (2007) and Meirelles Filhos (2009).
According to the latter, 42 expeditions to the Amazon in search for adventure, wealth
and research have been registered from 1500 to 1930. The author mentions the trips
of Cunha (1905) and Andrade (1927) among them. What most trips have in common
is a large group conducted by a leader as well as the servants' invisibility: the local
indigenous people who made the movement possible by working as oarsmen, cooks,
soldiers, guides and pilots.
Until the 18th century, the narratives were limited to the writing and engraving of
professional artists. Only in the 19th century photographic records from Augusto Biard’s
expedition showed up (MEIRELLES FILHO; MARTINS, 2019). Through time, these trip
reports have been building a scholar and intellectual, institutionalized and officially
authorized Amazon memory. They oppose from the oral and traditional narratives of the
native people, which were not recorded and therefore have been lost. That way, there is
an Eurocentric view as well as its coloniality3 speeches in these field diaries.
Most of these travellers come from other countries, especially from Europe,
and they are authorized by the Brazilian government to delve into the Amazon and
take out whatever they wanted, as samples of fauna and flora or even indigenous
people. The trip journals suggest writings about the new, but this novelty is
appropriated by the narrators to evidentiate and shed light to the differences found:
“it is not only a projection of the old world into the new: it is the home universe
being peacefully attached to the overseas findings. To use some analogies is to make
the exotic familiar (GONDIM, 2007, p. 50, our translation).
It was only in 1616, during the Iberian Union, that Portugal was able to take
possession of the region, by founding Santa Maria de Belém do Grão-Pará, nowadays
Belém do Pará, the first settlement in the North of Brazil. It was Pedro Teixeira’s
expedition, which sailed up the Amazon river between 1637-1639 by orders of Lisbon,
that made the official recognition of the area to be actually conquered by the Portuguese.
During the 19th century the Amazon became the naturalists’ paradise
(SCHWARCZ, 1993). Euclides da Cunha, who read those travel narratives and
mentions them in his essays, registers the scientists race to the region: “the wise’s
most perused enclave is American and yet is the least known” (CUNHA, 1909, p.
Travel Narratives

4, our translation). Expeditioners collected freely and the materials dispatched to


Europe. The greatness and exuberance of the rivers and the forest were commonly
mentioned. At the same time, the differences towards Europe were constantly
highlighted: “we were constantly drawn to this equatorial land majestic exuberance;
in all its extension, from the forests of Belém do Pará to the surrounding archipelago
3 Coloniality of power and knowledge: “ the colonialist ignorance is seen in the refusal to acknowledge the
other as equal and in the consequential objectification on them” (SANTOS, 2004, our translation).
163 low islands, new wonders it offered us” (MARTIUS; SPIX, 1960, p. 333, our translation).
The first research institution of the region was registered in 1866 — the
Associação Filomática do Pará, nowadays Museu Paraense Emílio Goeldi, a national
and international reference in Amazonian research. The Swiss zoologist Emílio Goeldi
“intended to create an exact copy of similar European institutions” (SCHWARCZ,
1993, p. 85, our translation). During a trip through the region, the archeologist and
naturalist from Minas Gerais Domingos Soares Ferreira Penna, one of the museum
founders, noticed the melancholy of the indigenous people and pointed out the need
to integrate them into society and civilization.
Ferreira Pena (our translation) registers the existence of a diminished population
in comparison to the vast territory and their ‘primitive’ habits:"it should be mentioned
that the unhygienic habits of the people, as well as the weather and soil unfavorable
conditions are among the factors that contribute to the delay of their development”4.
According to Márcio Souza, the scientists are responsible for the Amazon as
a demographic emptiness myth, which is hostile to civilized men, land of primitive
natives and with no political or cultural life. “It is the Amazon land without history
that has been made possible all sorts of intromission and arbitrary acts” (SOUZA,
2001, p. 101-102,our translation).
The English naturalist Henry Bates, who lived in the Amazon from 1848 to 1859,
used to collect samples of fauna and flora and send them to London. In his travel
narratives he register the presence of ‘indolent soldiers’, ‘black men carrying red clay
water containers by their heads’, ‘indigenous people bearing a sad aspect/look with
naked children clung to their hips’ and ‘many other examples of the multicolor life
of the place’. He even ads: “outside the doors we could see groups enjoying the fresh
air: people with all kinds of skin tones, Europeans, black and indigenous people, but
mostly an uncertain mixture of the three of them” (BATES, 1944, p. 33, our translation).
The 19th century travellers are the ones who advertise the caoutchouc potentials
to Europe. They were long known by the Amazon indigenous people and the
Portuguese, who used it in the manufacturing of boots and bottles. In the collective
memory, that is the Belle Époque. That is when the region acquires importance in both
national and international scenes. On the other hand, the caoutchouc exploitation was
observed by Euclides da Cunha (1909, p. 9, our translation) as an inhumane activity:
“in fact, the rubber tapper — we do not refer to the wealthy employer, but the client
attached to the ‘road’ glebe land — the rubber tapper is capable of an extremous
anomaly: he is the man who works to enslave himself”.
During this period, national and foreigner migrants are encouraged by the
Brazilian government to work in the Amazon region in order to occupy the vast
Travel Narratives

territory and to open new work front. The Amazon then is considered an important
economic border and is presented in the official national memory like that. In the
beginning of the 20th century first Euclides da Cunha and then Mário de Andrade
arrive at the Amazon.

4 CONSELHO ESTADUAL DE CULTURA. Obras completas de Domingos Soares Ferreira Penna. Belém, 1973. 2v.
(Coleção Cultura Paraense, Série Inácio Moura). v.1. p.310.
164 Hoist the sails: the beginning of the journey

To narrate and to travel. To travel and to narrate. These two verbs here conjugated
should be understood as the double face of a single coin. The act of narrating socially
builds who we are. Bakhtin (2006, p. 113, our translation) states that “the speech act, or
even more, its product, the narrative, cannot in any way be individually considered; it
cannot be explained from the psychophysiological conditions of the speaking subject.
To narrate is part of the social nature”.
According to this thought, we need to place Cunha and Andrade in this ‘literate-
journalistic trip’ (MARTINEZ, 2012, our translation) of travel narratives. Both are
from the Southeast region of Brazil. They come from the two biggest states of the
country to the Amazon, a region that historically lived apart from Brazil. Cunha was
born in Rio de Janeiro in 1866 and Mário de Andrade was born in 1893 in São Paulo.
We need to draw upon this thought to understand how Cunha and Andrade
produced their truths. Considering those who we are studying, the act of travelling
allows a discussion about alterity. In face of Colombo’s trips, Todorov (1993, p. 3-4)
presents a few concepts that should also be useful to us. The first of them is the
European “impression of irreducible strangeness” towards the native americans5. The
second one is the concept of “external other”. In a process of tension and power the
self does not recognize himself as belonging to a specific social group and therefore
sees the other as exotic6.
For sure, the relationship between the Self against the Other is recurring in
the work of both authors here presented; tensions the travellers register through
their observations regarding the Amazon culture — and its ethos. About that, it is
worth mentioning Signs in Rotation from Octavio Paz (1996), in which we read:
“the otherness experience covers two extreme notes of a separation and reunion
rhythm, which are present in every aspects of the being, from the physical ones to
the biological ones” (PAZ, 1996, p.109, our translation). Therefore, human identities
are built on knowledge and consciousness of the Other. The “otherness experience”
mentioned by Paz happens because the Other is unlike or uncommon. That said, to
read the records of our travellers also means to dive into the tensions between the
Self and the Other.
Tzvetan Todorov (1993) reflects about the trips and its findings, what can
somehow be applied to the movements of Euclides da Cunha and Mário de Andrade.
The academic states that:

One can discover others in oneself and realize that one is not an homogeneous
substance neither radically different from everything else that is not oneself.
Travel Narratives

Thus, each one of the others is also a self, a subject like I am. Only according to
my point of view, in which everyone else is there and I am here, it is possible

5 The impression of irreducible strangeness that happens at the ‘encounter’ of Europeans and native americans
can be applied to the contact between Euclides da Cunha and the Amazon forest as we will see forward.
6 Such ideas are presented in the essay “The conquest of America”. Todorov points out that no other conquest
process was so brutal as the arrival of the Europeans leaded by Colombo into the Americas; greed, misunderstanding
and intolerance led to the biggest holocaust in human history, according to Todorov.
165 to separate and distinguish them from me. Or from a social group to which we
do not belong (...) (TODOROV, 1993, p.3, our translation)7.

The clarification of this conflicted relationship between the Self and the Other
is unveiled by Todorov (1993, p. 3, our translation), who warns us of a position not
always easy to be adopted. However, as he points out, the ‘Self [is] an Other (...), each
one of the others is also a self’. Thus, according to Todorov, the idea of an orthodox
delimitation that separates social groups is ‘inhumane’, since it is dispersive and
ethnocentric. However, we should bare in mind that narratives cannot be understood
from an isolated perspective, unattached from their time and space.
When we found ways to tell stories we improved life in society. Ricoeur (1994)
tells us that the text configures what already figures in the human action. The narrative
produces the man and his worlds and connects them to other men and other worlds.
It puts facts into order and hierarchies. It weaves life through texture, in which the
subjects are inserted and ‘accommodated’ according to the narrator's wil.

Euclides da Cunha and Mário de Andrade

Euclides da Cunha: journalist, engineer, military, finds in his trips a challenging


occupation. We believe his storytelling about the Amazon is somehow outstanding.
It is one of the most emphatic reports about natural and human aspects of the North
of Brazil. His writing reveals an Amazon marked by findings and discomforts that
sometimes confirms and other times opposes what other travelers wrote about their
trips to the region.
According to Meirelles Filho (2009), Euclides da Cunha goes from Rio de Janeiro
to Manaus in 1904, where he plans his trip. He then leaves in april 1905 and returns
six months later, counting 250 travel days. As a result of his expedition, Cunha writes:
Relatório da Comissão Mista Brasileiro-Peruana de Reconhecimento do Alto Purus;
Contrastes e Confrontos, sobre a Amazônia peruana; e Peru versus Bolívia, this last one
with articles published on the Jornal do Comércio [Commerce Newspaper].
The book Land Without History is also a result of this trip and is here the object
of our analysis. It is published after his passing and is divided in four parts. The authors’
movements through the Amazon are only specifically mentioned in the first part and
therefore that is the excerpt to which we will focus our attention. There are seven chapters
in this essay. Cunha’s storytelling begins by presenting his ‘general impressions’ and then
he mentions the rivers, the weather and the subjects of the forest.
Euclides da Cunha narrates how disconnected he feels towards the forest and its
Travel Narratives

particularities. His use of an exquisite language is noticeable (exemplified in expressions


such ‘to scribble’, ‘freed idealization’, ‘magnificent disorder ’, etc)8. As someone used to

7 In Portuguese: “Pode-se descobrir os outros em si mesmo, e perceber que não se é uma substância homogênea,
e radicalmente diferente de tudo o que não é si mesmo; eu é um outro. Mas cada um dos outros é um eu também,
sujeito como eu. Somente meu ponto de vista, segundo o qual todos estão lá e eu estou aqui, pode realmente separá-
los e distingui-los de mim. Ou então como um grupo social ao qual não pertencemos (...)” (TODOROV, 1993, p.3).
8 In Portuguese: ‘gizar’, ‘idealizar aforrado, ‘opulenta desordem’.
166 the active everyday life in Rio de Janeiro, it is even more distinctive is his complaint of a
‘lack of civilization’, in an environment where it felt to the traveller that even the people
did not belong: “the man there is yet a petulant intruder. They came without being
invited or desired — when nature was still tidying up its most vast and luxurious room.
And so they found a magnificent disorder (...)” (CUNHA, 1999, p. 02, our translation).
To Cunha, the river and the forest constitute a scenery both great and frustrating.
Differently from the Europeans — Wallace, Humbolt and others —, the Brazilian is
disappointed by the Amazon scene, afterall, what sees in loco is not similar to what he
imagined and therefore lets down the traveller in him. As pointed by Anibal Quijano
he is more interested in the ambivalences of the coloniality: there is the opposition
between men against nature, the latter being an opponent the the Amazonian people.
The nature is ‘fickle and uprising’ and paralyze the ‘wandering men’ who live in a
constant “tumultuous and sterile agitation” (CUNHA, 1999, p.12, our translation).
However, there is something worth noting: the narrator in Land Without
History reports the existence of horizontality over verticality, as if complaining about
the lack of occupation of the Amazon space, colonizing it, which can be compared to
dominating the nature. The narrator believes the Amazon is a border to be crossed
and occupied by the Brazilian Government. As we read:

Undoubtedly, [the Amazon] it is the biggest painting on the Earth; however,


boringly put in an horizontal plan that barely raises on one side, similar to the
pieces of an enormous broken frame (...) And as it misses verticality, superiorly
needed in the landscaping movement, in a few hours the observer surrenders
himself to the fatigues of an unbearable monotony and inexplicably feels as
if his sight is shortened by those empty, undefined, endless, sea-like horizons
(CUNHA, 1999, p. 1-2, our translation)9.

Cunha chooses a sort of ‘visual horizontality’ which determines how he visits


the bay of the great river. Like that, in the traveller’s perspective and as a stranger to
the everyday life in the Amazon ethos, he complains about the monotony and claims
for more movement and human presence. Such feeling is a predisposition to the
‘sameness’, to what is ‘alike’, which by the way is far from an ideal trip as an example
of an “impression of irreducible strangeness” as well as the “external other” — since he
does not recognize himself in the social Amazonian group, he sees the Other as exotic
(TODOROV, 1993).
Cunha is very emphatic in his claims since he has been ‘there’ and seen
everything closely. Geertz (2005, p.29, our translation) discusses the anthropology
practice when in contact with the researched group and reflects on the resulting texts
Travel Narratives

from these trips and immersions: “ethnographers must convince us (...) not only that
they have ‘been there’ themselves but also (...) that if we were to be there, we would
have seen what they saw, felt what they felt and concluded what they concluded”.

9 In Portuguese: “[A Amazônia] é, sem dúvida, o maior quadro da Terra; porém chatamente rebatido num plano
horizontal que mal alevantam de uma banda, à feição dos restos de uma enorme moldura que se quebrou (...) e
como lhe falta a linha vertical, preexcelente na movimentação da paisagem, em poucas horas o observador cede
às fadigas de monotonia inaturável e sente que o seu olhar, inexplicavelmente, se abrevia nos sem-fins daqueles
horizontes vazios e indefinidos como os dos mares” (CUNHA, 1999, p. 1-2).
167 Since he constantly mentions the Amazonian melancholy, Cunha is contested
by other traveller-narrators, including Mário de Andrade. During his break through
the Amazon river, Macunaíma’s author sees virtue in monotony: “the Amazon [river]
definitely proves that monotony is one of the greatest elements of anything sublime.
Undoubtedly, Dante [who wrote Divine Comedy] and the Amazon are equally
monotonous; in order for us to enjoy a little and notice the variety of these sublime
monotonies (ANDRADE, 202, p. 60, our translation).
In Land Without History, Euclides da Cunha adopts a narrator’s way recurring
in the 18th and 19th centuries: the traveller-military-narrator. In telling his stories, this
kind of narrator is predisposed to a disconnection and favorable to the civilizational
occupation of the visited place. That would be the “external other” from Todorov, the
one who does not allow the author’s Self to dialogue with those he encounter in a
way to understand their subjectivity and life experiences; he only sees them as exotic
in a way to reject them as lead characters in possible local stories.
The journalist Cunha even adopts an acid tone in describing men working in
inhumane conditions, victimizing them, as when he observes the rubber tappers: At
first it seems to us a vulgar case of a civil who gets barbarized, in a astonishing
retreatment in which the higher characteristics of the activity primitive forms are
erased from him” (CUNHA, 1999, p. 48, our translation)10.
Cunha sees a ‘formidable irony’ in these workers who face the ‘devil-like
paradise of the rubber trees’ and their enslaving working conditions. He makes
importante accusations regarding the rubber tappers exploitation by their employers
and that should be praised; on the other hand, Cunha sees only needs and deficiencies
both in the ‘nature lack of completude’ and in its ‘original rawness’. There is no room
for beauty, there is no admiration towards what he gets to know; although in contact
with the region, he closes himself up to admiration and knowledge. To him, the
Amazon is limited to a locus of absences and needs.
While Cunha comes to the Amazon in an official mission of the Comissão
Demarcadora de Limites [Borders Delimitation Commission] of the Brazilian
Government, Mário de Andrade ‘invites himself’ to the trip and to the Amazon when
he joins the small group of the ‘coffee baroness’, Ms. Olivia Guedes Penteado from
São Paulo. As we know, this trip is part of a project from the political and aesthetic
movement that later would be known as Modernism, which significantly shapes
Brazilian thought in the 20th century11.
According to Meirelles Filho (2009, p. 194, our translation), Mário de Andrade’s
trip lasts three months (from May to August, 1927). He leaves Rio de Janeiro and goes
through the Brazilian coast until Belém, where he arrives a week later. After that, he
Travel Narratives

and his group head to Iquitos, Manaus, Porto Velho. “At each spot the the steamboat
stops to load wood or to cut grass to feed the herd, Andrade seizes to know the farms,
10 In Portuguese: “a princípio figura-se-nos um caso vulgar de civilizado que se barbariza, num recuo espantoso
em que lhe apagam os caracteres superiores das formas primitivas da atividade” (CUNHA, 1999, p. 48).
11 Considering the many influences and actions of the ‘spirit of the age’ to seek a cultural and aesthetic renewal,
it is more appropriate to discuss Modernisms instead of a single with São Paulo as the national historic-literate
archive. In the state of Pará, for example, the renewal movement in the figure of Bruno de Menezes and the
Academia o Peixe Frito strongly exchanged with Joaquim Inojosa’s group from the state of Pernambuco.
168 the rubber and cacao plantations, the extraction of pau rosa, the villages (...)”.
Resourceful, Andrade collects, saves and registers different aspects of what he
finds in his path during the trip we here discuss. That is valuable to us: he does not
use the cartesian logic in his storytelling and actually invests in a poetic writing,
in a fluent style, as if writing an informal trip journal. The Apprentice Tourist is
his posthumous book, published in 1976, about 30 years after his death. This travel
narrative offers unique aspects and remains original until today.
Excited, Andrade describes the first part of his travel records in The Apprentice
Tourist: “travelling through the Amazonas state until Peru, through Madeira river until
Bolivia and through the Marajó islands until it is enough”. Before we discuss the book
it is important to reflect upon its title. He uses the signifier ‘tourist’ (which is preceded
by the article ‘the’). According to the Portuguese language Houaiss dictionary, one
of the meanings of ‘tourist’ is “recreational trip, excursion”. It is used in addition to
the word “apprentice” (which means “the one who learns an art or craft”) to enclose
the intended meaning of the work. The “recreational” aspect in this tourist’s trip is
acceptable from the latin principle dulce et utile (sweet and useful). It means that the
resulting excursion journal is literature at the same time that is pleasant, instructful,
seductive and educational. The writing of The Apprentice Tourist is deeply marked by
the ludic aspect that results from a “it is sweet to learn” idea.
Andrade, the traveller-narrator, is the one who in 1927 “learns an art or craft”
to become an ethnographer12. He advances the descriptive record of the material
and immaterial culture from the places he visited and becomes a social researcher
of the Brazilian culture. Was he an adventurous investigator? The projects in which
Mário de Andrade was involved were moved by a ‘spirit of the age’ to seek aesthetic
renewal in the beginning of the 20th century. Afterall, part of the ‘Brazilian thinkers’
aimed to surpass the agricultural monarchy, which agreed with an archaic aesthetic
exemplified in the Parnassian literature. The concern about Brazilian social memory,
its collecting, recording and classification, was clear in this project that aimed to
discover of the many Brazis that exist in Brazil.
The Apprentice Tourist cannot be read apart from Andrade’s aesthetic as well as
political project. This book opposes Euclides da Cunha’s Land Without History. The
Apprentice Tourist is characterized by the following aspects: a) the expansion of Brazilian
intercultural borders; b) the intertwinement of different storytelling mechanisms —
narrative, trip journals, photograph and drawings — commonly found in Mário de
Andrade’s work; c) the dialogue with the political-aesthetical modernists programs; d)
a new Amazon picture possible by the alterity of a a non-Amazonian narrator; e) the
Lusitanian graphic-linguistic dismantle by the innovative Brazilian Portuguese writing.
Travel Narratives

All that agrees with the expansion of Brazilian intercultural borders, undertaken by
the first Brazilian modernists. They invested in intertwined voices, which made the
Amazon a privileged space at that time. Observing the Ver-O-Peso market, in Belém,
Andrade writes about the idea of adding new meanings the the many Brazis he found:

12 The one who practices ethnography. According to the Houaiss dictionary, it is the “descriptive study of the
many ethnies, its anthropologic and social characteristics”; also “the descriptive record of the material culture of
a particular people”.
169 Belém excites me more and more. Today, the market was incredibly welcoming.
The munguzá experience alone… sitting on the floor, there was a white white shirt
on a black black woman who lift her teeth her eyes and the angelica flowers on
her turban to us, all white, offering with a black stretched arm a black varnished
bowl from which a really white smoke scaped (...) I have been enjoying myself
so much. Belém was made for me and I fit in it as well as a hand in a glove (...) In
Belém the boiling weather swells skeletons and finally my body is the exact same
size as my soul… May 23rd (ANDRADE, 2002, p. 64, our translation)13.

As we can see, Andrade develops a centrifugal movement narrating with fruitful


admiration some of his trip findings. He uses an intuitive and emotive storytelling as
we read below:

June 2nd: board life. Afternoon in Parintins with the talkative mayor. Offered
us a township book, how many books already!, how many reports! A very
intriguing crucifix at the church (...) In Parintins the only one who did not went
by the door and by the window to see us was the girl who died precisely today,
stabbed by love. At night, vowing, the guariba’s14 scream was heard. It is a dark
humanly cry that left us extremely uncomfortable (ANDRADE, 2002, p.75-6)15.

At last, we can see the ‘dismantle’ of the Lusitanian graphic-linguistic, because of
a literary Brazilian Portuguese writing. In a ‘borrowed’ idea from Oswald de Andrade
and Manuel Bandeira, Andrade reinvents the literary language. In Macunaíma, his
most acknowledged book, we can see the most radical storytelling proposition. This
creative linguistic exercise, that mixes orality and writing apart from the Lusitanian
writing, is also seen in The Apprentice Tourist and its unusual storytelling.

Today the Tucunaré motorboat took us to have lunch far away in the Caripi.
The Barcarena canal was spotted with candles. They say it is highly habited
however it is not possible to see houses; since the Paraguai war the people in
this canal built up their homes in hiding places afraid of a new recruitment.
Only once in a while a miriti16 stem perpendicularly thrown to the shore can
barely be seen bent in itself gently caressing the waters. It works as a bridge
and indicates there lives a tapuio17” (ANDRADE, 2002, p. 66, our translation)18.

The linguistic innovations proposed by Mário de Andrade result from


13 In Portuguese: “Belém me entusiasma cada vez mais. O mercado hoje esteve fantástico de tão acolhedor. Só
aquela sensação do munguzá... sentada no chão, era uma blusa branca branca numa preta preta que levantando
pra nós os dentes os olhos e as angélicas da trunfa, tudo branco, oferecia com o braço estendido preto uma cuia
envernizada preta donde saía a fumaça branquinha (...) Tenho gozado por demais. Belém foi feita pra mim e caibo
nela que nem mão de dentro da luva (...) Em Belém o calorão dilata os esqueletos e meu corpo ficou exatamente
do tamanho de minha alma... - 23 de maio” (ANDRADE, 2002, p. 64).
14 TN: monkey species common in the South and Central Americas.
15 In Portuguese: “2 de junho: vida de bordo. Tarde em Parintins com o prefeito bem falante. Nos ofereceu o livro
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da municipalidade, quanto livro já!, quanto relatório! Um crucifixo muito curioso na igreja (...) Em Parintins só
não saiu na porta e na janela pra nos ver a moça que morreu justamente hoje, apunhalada pelo amor. De noite,
vogando, se escutou o berro das guaribas. É um lamento humano, tenebroso, que nos deixou sem graça nenhuma”
(ANDRADE, 2002, p.75-6).
16 TN: palm tree that lives near swamps in tropical areas.
17 TN: indigenous person or someone with indigenous descendance.
18 In Portuguese: “Hoje a lancha Tucunaré nos levou pra almoçar longe no Caripi. O furo de Barcarena estava
sarapintado de velas. Dizem que é habitadíssimo porém não se enxerga casa, a caboclada desse furo desde a guerra
do Paraguai que ergueu seus lares no escondido, temendo mais recrutamento. Só de vez em quando um caule de
miriti jogado perpendicularmente à margem se entremostra num refego das ramas arrastando as saias n’água.
Aquilo serve de ponte para desembarque e ali vive tapuio” (ANDRADE, 2002, p. 66).
170 the aesthetic revolution thinking system then in vogue. They result from a re-
descoverying of the many Brazis that exist in Brazil project conducted by Andrade
and his peers. Travelling through the Amazon is part of a series of records in that
matter. Photographs, drawings, texts, recordings. That is when the ‘harlequin poet’19
ingrains himself with the Amazonian colors and gibbers.

Final Considerations

When comparing the writing of Euclides da Cunha e Mário de Andrade we


face two very different storytellings. Cunha is more rotund and descriptive as well
as influenced by a positivist thinking of the colonial occupation. On the other hand,
Andrade presents us with a innovative, poetic writing, not aligned to the Lusitanian
grammatical rules.
Therefore, we conclude that Cunha’s travel narratives present what Todorov
calls “impression of irreducible strangeness” (similar to the idea the Europeans had of
the native Americans). Cunha arrives influenced by the narratives of travellers who
preceded him and as many of them, does not immerse himself in order to actually
live new experiences free from prejudice. That stopped him from effectively knowing
the people and their everyday life beyond what an rushed ‘apprentice tourist’ could
glimpse. Actually, it is also possible to identify the concept of “external other”, when
the Self, in a process that comes from an ethnocentric perspective, does not recognizes
himself as belonging to a culture or social group — here, the Amazon and its subjects.
That is why Euclides da Cunha sees the other as exotic, different from himself.
With different goals in mind, Mário de Andrade travels the same paths and
landscapes, but his perspective presented in his writing shows us another Amazon:
land of novelty and possibilities which will be considered in his future cultural and
literate projects, as seen in the rewriting of Macunaíma, that changes aspects after
his trip to the Amazon. Writer and musician leading the modernism in São Paulo, he
proposes to turn established productions destined to spread the ‘founding speech’
about Brazil upside down, and he does so as boldly as possible. Andrade takes for
himself the responsibility to show the many Brazis that exist in Brazil; he senses the
noise on the streets, knows and lives with the population, hear their stories and does
not forget to research the banks of the Amazon.
As problematized by Todorov in his question, “isn’t a travel narrative the
starting point as well as the arrival point of a new trip in itself?”. We, ‘travellers
of two writings’ about the Amazon, clarified that the travel narratives of Euclides
da Cunha and Mário de Andrade offer their readers a starting point. Regarding the
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point of arrival… Well, that is already a different story, to another narrative yet to
be written.

19 In Portuguese: ‘poeta arlequinal’. TN: in reference to Harlequin, ‘arlequinal’ is a word seen in other Andrade’s
works. It is usually associated to being “resourceful”, “fragmented”, “multifaceted”.
171 REFERENCES

ANDRADE, Mário. O Turista Aprendiz. Belo Horizonte, Itatiaia, 2002.


ANDRADE, Mário. Poesias Completas: edição critica de Diléa Zanotto Manfio.
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173 O CICLOTURISMO E A TRANSFORMAÇÃO
POR MEIO DA MIDIATIZAÇÃO
DAS NARRATIVAS DE BICICLETA

Demétrio de Azeredo Soster1

Este capítulo se insere em um contexto de reflexão teórico-conceitual que


classificamos, a partir de Veron (2013), como “semioses cicloturísticas” – semiose aqui
compreendida como “(...) rede interdiscursiva de produção de sentidos” (VERON, 2004,
p. 72). Ou seja, como um conjunto de significados que são percebidos mais visivelmente
quando ciclistas se utilizam de suas bicicletas para fins turísticos e relatam, antes,
durante ou depois das viagens, suas narrativas em dispositivos como livros, sites, redes
sociais, podcasts, videocasts, documentários etc. A hipótese que nos move é que, ao
fazê-lo, não apenas circunscrevem, conceitualmente, o que chamamos de “narrativas
cicloturísticas”, ou “narrativas de bicicleta2” (SOSTER, 2016, 2017), como midiatizam a
noção de narrativa à medida que a transformam em fenômeno midiático.
Partimos do pressuposto de que estas narrativas são fenômenos midiáticos (SOSTER,
2017, 2018); afetadas, portanto, pela processualidade da midiatização, à medida que
ficamos sabendo delas por meio de dispositivos técnicos. Em o fazendo, e ainda com
Verón (2013), deixam a esfera da oralidade e passam a ser dotadas de autonomia e
persistência, passando a estabelecer semioses à medida que se relacionam com quem
lhes acessa. Isso ocorre, por exemplo, quando o cicloturista, além de viver aventuras,
relata, por meio de palavras escritas, imagens ou sons – ou por todas estas linguagens
em um mesmo contexto enunciativo, sua experiência, transformando e sendo
transformado neste movimento, que passa a ter natureza sócio-técnica-discursiva.
São decorrência das “semioses cicloturísticas”, por exemplo, e pensando em nosso
percurso de pesquisa, a emergência deste modelo de narrativa à discursividade
midiática (SOSTER, 2016, 2017), mas, também, sua assunção à condição de gênero
narrativo jornalístico (SOSTER, 2018) e a percepção, mais recente, de seu potencial
transformador. Abordaremos, neste capítulo, este aspecto das narrativas de bicicleta
– sua capacidade de transformação – com mais atenção.
É preciso lembrar, antes de prosseguirmos, que sempre que semioses dessa natureza
Narrativas de Viagem

se estabelecem por meio de procedimentos técnicos, temos as bases do que chamamos


de midiatização. Ou seja, quando, entre os ciclistas e suas ações, interpõem-se,
relacionalmente, tecnologias, e, também, o ato de “registrar o vivido” passa a ser tão
importante quanto o viver, o que sugere uma transformação nos processos interacionais
de referência, nos moldes de Braga (2012), também neste campo da experiência humana.
1 Pós-doutor pela Unisinos. Professor-pesquisador do PPG Letras e do Departamento de Comunicação da Unisc
e-mail: deazeredososter@gmail.com
2 “Narrativas de bicicleta” ou “narrativas cicloturísticas” são relatos, textuais, imagéticos ou sonoros, estruturados
a partir de viagens de bicicleta, portanto fáticos, com fins turísticos ou de entretenimento (SOSTER, 2017).
174 É dizer, por outras palavras, que, em decorrência da processualidade da midiatização,
verifica-se uma transformação na forma como os ciclistas se relacionam com suas
cicloviagens, neste caso, tendo a mídia como referência senão central, estruturadora.
Isso se dá, já o dissemos (SOSTER, 2016), sempre que um cicloturista, ao se preparar
para partir, não se preocupa apenas com o equipamento que vai levar, mas, também,
com de que maneira irá registrar o que viu e viveu no percurso por meio de câmaras,
celulares e gravadores para, durante a viagem, ou depois dela, relatar suas aventuras
em sites, livros, redes sociais etc.
Midiatiza-se, dessa forma, a noção de temporalidade, o que se torna possível, no
diálogo com Verón (2013), quando observamos, a título de ilustração, que as imagens
capturadas por uma câmara digital durante uma cicloviagem não apenas perpetuam
momentos vividos como reconfiguram os mesmos. Isso se dá à medida que emprestam
condições para que se transformem em fenômenos midiáticos: porquanto sejam
gravadas em um cartão de memória, posteriormente editadas e, finalmente, veiculadas
em sites ou redes sociais. O fato é que o dispositivo técnico “câmera digital”, seu
cartão de memória e a bateria que a faz funcionar, sempre que acionados, interferem
relacionalmente na concepção de tempo, desnaturalizando-o; emprestando ao mesmo
novas dimensões cognitivas.

Fenômenos midiáticos como gramáticas

Fenômenos midiáticos são gramáticas, ou processos de produção de sentidos que


têm como características três instâncias, na perspectiva de Verón (2013): primeiridade,
secundidade e terceiridade. Estamos referindo-nos a relações triádicas que se iniciam
com o que chamamos de autonomia, ou seja, com a fixação das informações (áudios,
vídeos, textos) em um dispositivo (primeiridade); seguem com as histórias que são
geradas a partir de sua persistência no tempo, que ocorrem graças à sua fixação em
um suporte (secundidade); e, finalmente, entram em relações históricas (terceiridade),
transformando e sendo transformadas neste momento. É dizer, por outras palavras,
que, quando as narrativas cicloturísticas saem da esfera da oralidade e se tornam
fenômenos midiáticos, elas potencializam sua capacidade transformadora, como
tentaremos demonstrar a seguir.
Sigamos um pouco mais com o exemplo das imagens e áudios capturados,
hipoteticamente, por meio de dispositivos digitais (gravadores, câmeras etc.). Quando
armazenadas em um cartão de memória, por exemplo, temos apenas informações em
imagem e áudio, mas agora dotadas de um novo atributo, ou seja, autonomia, o que lhe
Narrativas de Viagem

confere perenidade. Ser autônomo significa a possibilidade de existência à revelia do


contexto original. É quando uma imagem, ou som, uma vez desvinculados do momento
em que foram percebidos, passam a existir graças à capacidade de armazenamento de
gravadores, câmeras etc. Antes de serem capturadas, seriam fenômenos naturais, cujo
acesso é possível basicamente pela percepção e memória no momento mesmo em que se
manifestam; uma vez armazenadas em dispositivos técnicos, passam a existir à revelia
do fluxo do tempo natural e começam a se transformar em fenômenos midiáticos.
Os momentos capturados se tornarão persistentes, permitindo que se estabeleçam,
175 dessa forma, relações históricas, quando, além de se manterem pelo tempo que o
cartão de memória suportar, do ponto de vista da durabilidade, forem veiculadas
em um dispositivo que suporte imagens – site, por exemplo, tendo sido alteradas ou
não por meio de programas de edição. Estruturadas discursivamente, dessa forma,
transformam-se, potencialmente, em narrativas, nos moldes de Motta (2013), ou seja,
mecanismos estruturadores de inteligibilidade.
O somatório dessas condições – autonomia e persistência, por sua vez, é o que
permitirá que relações sejam estabelecidas, transformando e sendo transformadas
neste percurso. “Cuando el sentido cobra cuerpo y entra en relaciones históricas,
se plantea imediatamente, la terceridad de las reglas que definen las condiciones de
acceso al sentido, es decir, las condiciones de su circulación3”. (VERON, 2013 p. 148-
149). Trata-se de uma relação triádica, na nomenclatura de Peirce (2015), ou seja, que
se dá a partir do diálogo entre os três eixos, reconfigurando sentidos nessa relação.
O vídeo abaixo4 ilustra o que estamos afirmando.
Em 9’19, por meio de uma plataforma de acesso livre, o Vímeo, é narrada uma
cicloviagem de 4.500 km que seu autor, o canadense de Vancouver David Achtemichuk,
e sua namorada, Linden Hume, fizeram pelo Tibet em 2007. Tratou-se, segundo eles,
de “Um relato visual da cultura local, os desafios enfrentados ali e uma amostra do
estilo de vida do cicloturismo”5. Pode-se acessá-lo de várias formas – URL, palavras-
chave etc., invariavelmente por meio da internet, e rodá-lo em computadores que
tenham configurações mínimas para tal.
À revelia disso, toda vez que assistimos ao vídeo, acompanhamos a narração,
prestamos atenção nas imagens, ou, de forma indireta, refletimos, ou falamos de seu
conteúdo com alguém, algo se transforma relacionalmente; em nós, mas, também,
na própria narrativa, se considerarmos que seu significado se atualiza sempre que é
percebido por alguém. (ECO, 2012). Por este viés, ela sempre será o que se tornar na
“relação com”, o que implica uma atualização perene de sentidos pelo tempo que o
vídeo existir e circular.

IMAGEM 1: jornada transformadora pelo Tibet


Narrativas de Viagem

Fonte: https://vimeo.com/4481018

3 Em uma tradução livre: “Quando o significado adquire um corpo e entra em relações históricas, se inicia
imediatamente a terceiridade das regras que definem as condições de acesso ao sentido, isto é, as condições de sua
circulação”.
4 Disponível em: [https://vimeo.com/4481018] Acesso em: [24 de maio de 2019]
5 Livre tradução de: “A visual account of the local culture, the challenges faced there, and a sampling of the cycle
touring lifestyle”.
176 Para que isso fosse possível, foi necessário, em um primeiro momento, que
as imagens fossem capturadas por uma câmera, à revelia de isso ter sido feito por
David Achtemichuk ou Linden Hume. Ao serem gravadas as imagens, um excerto
do tempo foi congelado; ou seja, aqueles momentos, antes transitórios, tornaram-
se autônomos, passaram a existir à revelia do momento em que foram apreendidos.
Depois, quando foram submetidos a processos de edição, sofreram uma estruturação
narrativa, que chamamos genericamente de edição, por meio da qual passaram a
instaurar integibilidade, a “fazer sentido”, mas agora como uma narrativa diferente.
Transformaram-se, assim, em uma história distinta da que se viveu, ainda que
alinhada tematicamente, igualmente com “começo, meio e fim”, mas criada a partir da
interposição de uma tecnologia entre os ciclistas e o vivido. Quando as imagens e sons
são transformados em filmes, e este veiculados em um site como o Vímeo, ganham
persistência, condição para que sejam acessadas pelas pessoas, cicloturistas ou não,
transformando e sendo transformados neste movimento.
É neste ponto que começamos a encontrar sentido no axioma (SOSTER, 2016,
2017, 2018) segundo o qual “as bicicletas transformam, geralmente para melhor, as
pessoas”. Mas, também, onde se observa mais claramente o papel que os dispositivos
técnicos cumprem nessa relação. Algumas pistas discursivas sobre o papel ocupado
pelos dispositivos técnicos nas narrativas de bicicleta podem ser encontradas em relatos
dessa natureza. O livro “Transpatagônia: pumas não comem ciclistas” (CAVALLARI,
2015), um clássico do gênero, é um dos exemplos que explicitam estas operações,
que são da ordem das gramáticas de produção. No capítulo 7, e diante da decisão,
tomada ainda quando da etapa de planejamento, de escrever um livro e produzir um
filme sobre a expedição à Patagônia, Cavallari oferece pistas do papel ocupado pelos
dispositivos em sua viagem. É o que sugere o trecho abaixo:

Ainda no Brasil, fechei acordo com uma produtora profissional de audiovisual


para a produção de um filme. Um contrato de risco no qual me comprometi a
filmar em campo e eles prometeram editar e produzir o filme depois. A única
orientação que recebi, além de aprender a ligar e a desligar as filmadoras,
foi: ‘Filme tudo, durma e acorde com a câmara!’. E para garantir o mínimo
de qualidade, calculei que as chances de conseguir uma ou outa imagem
competente aumentariam se eu multiplicasse o número de câmeras comigo.
(CAVALLARI, 2015, p. 43)

Este outro trecho, uma pouco mais adiante, é igualmente ilustrativo:

Parte de meu arsenal eletrônico consistia em duas minifilmadoras digitais de


Narrativas de Viagem

alta definição, ambas protegidas por pequenas e robustas caixas estanques


ultraresistentes. Usando presilhas especiais, pequenas plataformas
autocolantes, suportes plásticos articulados, faixas e velcros de todos os
tamanhos e formas, eu as fixava em diferentes pontos da bicicleta e no
bike trailer, no capacete de ciclismo e no meu corpo. Eu levava ainda uma
terceira filmadora digital de alta resolução, maior e com mais recursos
técnicos, compacta e à prova d’água, compacta e indestrutível, também
de alta definição, que poderia ser usada como filmadora se fosse preciso.
(CAVALLARI, 2015, p. 43)
177 O ciclista Aurélio Magalhães, autor do livro “Noruega by Bike” (2012), fez algo
semelhante. Antes de se decidir sobre qual equipamento fotográfico levaria consigo
para sua cicloviagem, assessorou-se com um técnico, pensando, principalmente, no
excesso de peso caso a opção recaísse sobre um equipamento profissional:

Decidi então pela ‘Power Shot G12 da Canon. Essa câmara proporciona uma
excelente flexibilidade e desempenho com níveis de controle profissionais
e suporte para vários acessórios. Com design clássico, ela foi concebida
para proporcionar um desempenho superior, capaz de ir ao encontro das
necessidades tanto de profissionais quanto de entusiastas da fotografia, meu
caso. (MAGALHÃES, 2012, p. 40)

No caso de Alexandre Costa Nascimento, que em 2013 pedalou cerca de 12 mil


quilômetros pelo continente africano, desde o Cairo até a Cidade do Cabo, os cuidados
com a midiatização da viagem foram ainda mais evidentes.

Como equipamento de trabalho, levo um laptop (ultrabook, o mais fino e


mais leve) para escrever atualizações no blog e armazenar fotos; uma câmera
fotográfica (Nikon D7000) com lentes 18-55mm, 70-300mm e 500 mm; uma
câmera portátil GoPro que pode ser acoplada no capacete e fazer imagens das
paisagens enquanto se pedala. (NASCIMENTO, 2015, p. 28)

Tratam-se de estratégias textuais que os narradores explicitam os cuidados


tomados no sentido de organizar as experiências narrativamente, dotando-as de
sentido e com alguma intenção desejada. Por meio dessas informações, ajudam a
corroborar a perspectiva segundo a qual as bicicletas efetivamente transformam as
pessoas, a começar pelos protagonistas das narrativas, e que, para isso, são necessários
recursos técnicos. É dizer que, por outras palavras, que o narrador, de alguma forma,
sabe que, com a interposição relacional de dispositivos técnicos entre os ciclistas e
suas ações, as referidas narrativas têm acesso à discursividade midiática e ganham,
dessa forma, outras amplitudes. Motta (2012, p. 28): “As experiências de vida das
pessoas são cada vez mais mediadas (grifo nosso), elas tomam cada vez mais contato
com o mundo exterior através de representações virtuais e discursivas da realidade.”
(MOTTA, 2012, p. 28).

Narrativas reconfiguradas

Observe-se que estamos falando de metamorfoses que se dão em estruturas


narrativas que valorizam seminalmente, e aqui no diálogo com Sodré (2009, p. 187),
Narrativas de Viagem

“(...) as ‘viagens’ (tanto no sentido estrito da palavra quanto metafórico, como ação
potencializadora da sabedoria individual) caracterizadas como ‘experiência’ para o
escritor”. Ou seja, em uma perspectiva de tempo moderna, nos moldes de Benjamin
(2012), ainda que em uma ambiência midiatizada, à medida que estes modelos de
narrativa trazem, com o narrado, a perspectiva da transformação pessoal, o que se dá
pelo relato da experiência do vivido, como se fazia nas sociedades dos meios, e não
pelo afastamento deste:
178 O narrador de Benjamin faz parte da correia de transmissão desse saber
concreto, no qual se auferem conselhos, ensinamentos éticos e práticos. Esse
tipo de narrativa constitui a base comunicativa do grupo social, portanto,
as formas primordiais de transmissão do ethos comunitário, ou seja, de
tradições e modos de ser. Sua temporalidade é necessariamente lenta, já
que a interiorização harmônica das experiências demanda, para o ouvinte,
o intervalo prudente entre os relatos; para o narrador, o próprio acúmulo
temporal como critério de sabedoria. (SODRÉ, 2000, p. 180)

Não é o que vamos encontrar, paradoxalmente, no narrador pós-moderno; este,


explica Santiago (2002), é:

(...) aquele que quer extrair a si a ação narrada, em atitude semelhante a de


um repórter ou espectador. Ele narra a ação enquanto espetáculo a que assiste
(literalmente ou não) da plateia, da arquibancada ou de uma poltrona da sala
de estar ou na biblioteca; ele não narra enquanto atuante” (SANTIAGO, 2002,
P. 45)

A referida emergência de narrativas modernas, e não pós-modernas, em


ambiências midiatizadas sugere que a midiatização, em sua processualidade, não
considera, nas reconfigurações que provoca, lugares e temporalidades axiomaticamente
estabelecidos. Nem carrega consigo deontologias, ainda que, aqui e ali, reproduza
performances narrativas próprias de outras épocas, reconfigurando-as. Considerar
esta hipótese implica observar a questão na perspectiva sistêmica; ou seja, inferir que
se trata, uma vez mais, de movimentos processuais de natureza autorreferencial por
meio dos quais os dispositivos, através de operações textuais, oferecem diferenças em
relação aos demais dispositivos, constituindo-se, desta forma, identitariamente.
É o que se observa quando se interpõe como padrão nas narrativas de bicicleta os
narradores oferecendo-se como testemunhas da experiência vivida, emprestando, dessa
forma, originalidade aos seus relatos. Algo muito semelhante à perspectiva de Benjamin,
para quem as atenções do narrador se voltavam para questões como transmissão de
conhecimento, sacralidade, aura etc., restando pouco espaço para o papel ocupado pelo
dispositivo nessa relação. Em nosso caso, as estratégias discursivas dos narradores,
trazem consigo estas questões, claro, em maior ou menor grau, mas, também, e eis uma
diferença significativa, posicionam-se como elementos de constituição identitária do
próprio dispositivo, conforme sustentaremos ao final deste capítulo.
A perspectiva tensiona, quem sabe, o conceito de narrador, que vamos chamar,
seminalmente, de narrador midiatizado. Ou seja, aquele narrador que, ao ser afetado
pela processualidade da midiatização, midiatiza-se. Ao fazê-lo, reconfigura-se, adquire
Narrativas de Viagem

novos contornos. Mais que o autor de uma narrativa, este narrador toma para si o
protagonismo da narrativa e acaba interferindo nas escolhas do primeiro narrador, a
quem era subsumido até então, e do terceiro narrador.

Forças reconfiguradas

Foi o que constatamos, ainda que em outro contexto, quando analisamos, pela
primeira vez, o fenômeno em questão (SOSTER, 2014). Por este viés, e tomando como
179 ponto de partida o esquema desenvolvido por Motta (2013) para pensar a disputa de
vozes narrativas (primeiro narrador > segundo narrador > terceiro narrador), o que
se observa, com os atravessamentos e interposições provocados pela processualidade
da midiatização, é uma reordenação da disputa de forças no interior dos dispositivos.
O segundo narrador passa a ter, por este viés, mais poder (ou liberdade, se
preferirmos) que o primeiro e o terceiros narradores. Ou seja: primeiro narrador <
segundo narrador > terceiro narrador. E é por isso que é ele, pensando em um livro,
por exemplo, e não a editora, ou o editor, quem escolhe desde o nome da obra, sua
forma, tonalidade, angulação e estrutura discursiva até a materialização do que se
quer efetivamente dizer, neste caso, que as bicicletas transformam, geralmente para
melhor, as pessoas.
Necessário observar, por outro lado, que a emergência de um narrador midiatizado
não se confunde com a existência de um quarto extrato narrativo, que chamamos de
Quarto Narrador. Os dois se integram na mesma perspectiva epistemológica, segundo
a qual a processualidade da midiatização não apenas reconfigura a disputa de vozes
narrativas no âmbito do dispositivo como também permite a emergência de um
quarto extrato narrativo (SOSTER, 2016, 2017). Compreender isso implica subsumir
que o sistema existe graças aos diálogos correferenciais entre os dispositivos dos
quais são formados. Mas se diferenciam, na medida em que o primeiro diz respeito
às operações internas dos dispositivos, enquanto que o segundo, do sistema em que
estes se inserem, o que pode ser pensado pelo viés do alinhamento temático e dos
processos de correferenciação entre os dispositivos.
As escolhas do segundo narrador são visíveis por meio de pistas discursivas
deixadas na superfície dos relatos. Além da auto-referência e da escrita em primeira
pessoa, a tendência, nesse tipo de texto, à revelia do estilo utilizado, é convergir,
tematicamente, em direção a um ponto em comum: as transformações provocadas
pelas viagens realizadas. É dizer, por outras palavras, que o excerto é muito semelhante,
no ponto de vista da angulação e da tonalidade, de trechos encontrados em relatos
desta natureza, à revelia da linguagem que se utilizem. Nele, Danilo Perrotti Machado
(2015) escreveu, após ter viajado por três anos ao redor do mundo que:

Cada grão de areia de todos os desertos do mundo agora faziam parte de mim,
as brisas e os ventos entraram em meus poros e no meu DNA. Cada gota dos
rios do mundo por onde passei também estavam entranhados nos meus genes
e no meu ser. Voltei para o Brasil, levado pela mãe terra, através das águas e
do maior rio do planeta. Entrei através de um pulo no rio, um mergulho para
dentro de minha alma, onde a luz e a escuridão estavam à flor da pele. (...)
Narrativas de Viagem

Uma sutileza tomou conta de meu ser e eu sentia a simples essência de


estar vivo, de ser apenas uma gota no grande rio da vida, onde eu fazia
parte do todo e o todo fazia parte de mim (grifo nosso). (PERROTTI, 2015,
p. 319)

Dito de outra forma, os “três anos, três meses e três dias” (PERROTTI, 2015, p.
18) que durou a viagem do ciclista; tudo o que viu, sentiu e viveu ao longo de 59 países
percorridos em 50 mil quilômetros pedalados, são estruturados, ao longo e ao final da
aventura, em forma de palavras, frases, períodos, páginas e capítulos que reiteram, a todo
180 momento, o verdadeiro significado disso tudo em sua vida: a transformação pessoal.
Não por acaso, o sentimento de pertencer, conforme o excerto grifado acima, agora,
de volta pra casa, como parte do planeta, e não apenas alguém de passagem, conforme
sentia-se antes de tudo se iniciar: “O que me assustava, de fato, era a possibilidade de
levar uma vida que não valia a pena ser vivida” (PERROTTI, 2015, p. 13).
É algo semelhante ao que encontramos no livro Avenida das Américas, de
Carlos André Ferreira (2003), que narra a cicloviagem que o autor fez, ainda na
década de 1990, desde Los Angeles, nos Estados Unidos, até o Brasil, quando tinha
21 anos. Segundo suas próprias palavras, foram 14 fronteiras, 15 países, 83 cidades,
23 semanas, 163 dias e milhares de quilômetros percorridos.

Os quilômetros sem fim me fizeram desenvolver a paciência (um


pouco mais, pelo menos), a viagem solo me ensinou a tolerância, que
é se colocar no lugar do outro, pensar no outro. Sozinho em lugares
desconhecidos, dependia mais do que nunca dos outros, era preciso aprender
a ouvir, a prestar atenção para não me passarem a perna. Dormindo cada
dia em uma cama diferente, pratiquei, e, mais que tudo, desenvolvi a
flexibilidade e o poder de adaptação, qualidades inatas ao homem mas tão
pouco exercitadas na vida moderna. (FERREIRA, 2003, p. 8)

Outro ponto de convergência é o fato de as aludidas transformações, à revelia


do dispositivo em que são veiculadas, se darem em uma perspectiva de movimento. É
dizer, e agora com Bergson (2005), que a vida se realiza no movimento; compreender,
portanto, as transformações que ela provoca implica subsumir que só pode ser
concebida processualmente. Sobretudo, que toda tentativa de observá-la pela parte,
pelo que não é movimento, dirá respeito, antes, a esta que ao fluxo vital propriamente
dito. É que aprendemos, há muito, com Heráclito: “Não se pode entrar duas vezes no
mesmo rio” (LEÃO, 1980, p. 113).
Isso se dá dessa maneira porque, ao viajarem de bicicleta, os cicloturistas
acabam vivendo novas e sucessivas experiências. Atualizam, assim, no contato
com o mundo, e por meio de uma tecnologia branda6, o fluxo da existência. É bem
verdade que a transformação ocorre em qualquer situação da vida – “Se tudo está
no tempo, tudo muda interiormente e a mesma realidade concreta não se repete
nunca.” (BERGSON, 2005, p. 50), mas também parece correto afirmar, que, sobre
uma bicicleta, a julgar pelos relatos, isso parece se dar de maneira mais orgânica7,
menos ordenada, mais natural. “La naturaleza no es lineal, nada es simple, el orden
se oculta tras el desorden, lo aleatorio está siempre en acción, lo imprevisible debe
ser comprendido8” (BALANDIER, 1993, p. 9)
Narrativas de Viagem

É o que aprendemos com Antonio Olinto Ferreira, que, em 1993, pedalou 46.620
km, em três anos e meio, tornando-se, dessa forma, mais um ciclista a dar a volta ao
mundo de bicicleta.

6 Consideramos a bicicleta uma tecnologia branda à medida que, não obstante os avanços tecnológicos que vem
sofrendo desde sua invenção e sua popularização, não é poluente e seu uso provoca pouco impacto ambiental, na
comparação com veículos motorizados, por exemplo.
7 Orgânico aqui compreendido como o que remete ao desenvolvimento natural de algo.
8 Em uma tradução livre do autor: “A natureza não é linear, nada é simples, a ordem se oculta atrás da desordem,
o aleatório está sempre em ação, o imprevisível deve ser compreendido”.
181 Que mundo estranho! Só porque acreditara e realizara um sonho me
tornara, de alguma forma, uma pessoa especial. Sabia que, no fundo, todas
as pessoas têm o poder de realizar suas ambições e serem senhores de seus
próprios destinos conforme suas missões na terra. Sabia que isso não era
nada extraordinário. Nunca tive a intenção de realizar nada extravagante,
só tentava seguir meu caminho. Parece que o homem se distanciou muito de
sua capacidade de concluir projetos e de repente o que havia feito, realizar
um sonho, era algo notável. (...) Talvez realizar tenha sido mesmo
minha maior façanha. Por outro lado, minha viagem interior trouxe
autoconhecimento o bastante para dar-me a certeza de que tenho a
capacidade de realizar meus sonhos, isso talvez tenha sido o que de
melhor aprendi em minha viagem. (OLINTO FERREIRA, 2012, p. 242)

Vejamos um último exemplo, ainda, antes das necessárias considerações


interpretativas.

Ao redor do mundo

Uma cicloviagem ao redor do mundo encerrada em 2018, que percorreu 33


países em 1.135 dias desde 2015, quando se iniciou, ilustra de forma mais ampla
o que estamos afirmando. Estamos nos referindo ao projeto “Mochila & Bike9”, de
Aldo Lammel, gaúcho da cidade de Charqueadas, especializado em comunicação
digital. De maneira semelhante ao que ocorreu com outros projetos de volta ao
mundo com uma bicicleta, o de Lammel foi pensado para ser registrado desde sua
concepção, mas se diferencia dos demais à medida que se estabelece, seminalmente,
em uma perspectiva multiplataforma, por meio do Youtube10, Facebook11, livro
digital12, site13, twitter14, Instagram15, vlog16 etc. Ou seja, desde antes de deixar sua
casa, em um pequeno munícipio de uma região carbonífera localizada ao Sul do
Brasil, o cicloturista se preparou para descrever, transmidiáticamente, o que estava
vendo ou vivendo por aqueles dias desde antes de sua partida.
O projeto foi desenvolvido durante 15 meses. Tudo nele é midiatizado desde o
início: a decisão de largar o emprego; a venda da casa da família; o fim de um longo
relacionamento com sua namorada; as noites sem dormir planejando custos; tudo
isso é anunciado em plataformas como o Youtube17 (SOSTER, 2017, 2018. O mesmo
em relação ao percurso que seguirá em cada uma das etapas18; sua geolocalização
– por meio do aplicativo – Swarm APP19, e por aí em diante. O destaque, já na
estrada, são os relatos das experiências tantas vividas e o compartilhamento da
experiência que vai adquirindo: Lammel disponibiliza, via youtube, o que chama de
“suas experiências para executar tarefas, conseguir algo ou vencer desafios em prol
Narrativas de Viagem

9 http://mochilaebike.org/
10 https://www.youtube.com/channel/UCjK_6o4JAwe7Ecx7Rl26kqA
11 https://www.facebook.com/avlammel?ref=br_rs
12 https://medium.com/mochilaebike-fotos/livro-de-fotografias-7c475fd25e36
13 http://mochilaebike.org/sobre.php
14 http://twitter.com/aldolammel
15 http://instagram.com/aldolammel
16 https://www.youtube.com/playlist?list=PLseCxrn4VPolnJ9FLq42peGW5BSBOC6oW
17 https://www.youtube.com/watch?v=LkLV6YKOUsE
18 http://mochilaebike.org/roteiro-e-cronograma.php
19 https://www.swarmapp.com/
182 de uma viagem mais econômica, longa, cultural e divertida”20.
O tom é sempre coloquial, aventureiro, voltado para a descoberta do novo.
No entanto, à medida que o tempo passa, e a viagem avança, as narrativas de
Lammel vão se sofisticando. Mais que referenciar o que está ocorrendo, o
cicloturista, por meio de sua página no Facebook21, anuncia, por exemplo, a
criação de um aplicativo22 cujo objetivo é facilitar o diálogo com as pessoas que
o acompanham via celular, vlog, websérie, diário, manual, roteiro, estatísticas e
redes sociais. Também promove pesquisa23, por meio do Google Docs, para saber
quantos cicloturistas, ao redor do mundo, estão viajando tendo como inspiração
sua experiência. Ficamos sabendo disso tudo via redes sociais, à medida que a
experiência é compartilhada on line.
Uma vez de volta ao Brasil, o sonho de protagonizar uma grande aventura,
superando limites e medos por meio de uma volta ao mundo de bicicleta, adquire
outras nuanças. Transforma-se em uma narrativa estruturada e de contornos
bem definidos, não mais ocasional, à revelia da sorte; mas com começo, meio e
fim. Nela, o narrador, na condição de protagonista do vivido, não apenas narra
sua experiência, mas, também, define o sentido geral dela. Isso ocorria antes, é
verdade, mas, não de forma tão estruturada; busca-se, agora, um sentido mais
amplo. Temos acesso, assim, logo no alto da página, à direita, via plataforma
Youtube, à websérie produzida ao longo da cicloviagem. O texto ao lado do link
esclarece seu propósito:

(...) a websérie independente Mochila & Bike documenta a aventura de um


brasileiro de classe-média que não fala outros idiomas, mas quer ver
o mundo de uma forma muito particular. Originalmente criado para
internet, e posteriormente levado à TV por assinatura, Mochila & Bike nos
apresenta uma aventura solitária e de bicicleta ao longo de 1.135 dias por
33 países. Mais do que sotaques, culturas e zoeira, Mochila & Bike emana
uma forma nada convencional e profundamente original de se contar
uma história de viagem. Uma viagem sobre como se divertir ao máximo
com quase nada. (...)24.

Os grifos representam pistas significativas: a websérie é “independente”; quem


cuida dela é o próprio Aldo Lammel, que assume para si o lugar de (segundo) narrador,
por meio do uso de plataformas gratuitas, caso do youtube. Somos informados que
a websérie é idealizada, produzida e contada por um “(...) brasileiro de classe-média
que não fala outros idiomas, mas quer ver o mundo de uma forma muito particular”,
e que realiza “(...) aventura solitária e de bicicleta (...)”. Ou seja, sugere que haja
Narrativas de Viagem

uma transcendência, que, por sua vez, “(...) emana uma forma nada convencional e
profundamente original de se contar uma história de viagem”.

20 Disponível em: [https://www.youtube.com/watch?v=I4nXN_P9xKs] Acesso em: [17 de julho de 2017]


21 https://www.facebook.com/avlammel?ref=br_rs
22 http://mochilaebike.org
23 https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSct21X8ALNJRIST25N_3GB0usv5Gln9hs3ro-g7iWPTec1sgw/
viewform
24 Disponível em: [https://aldolammel.com/mochilaebike] Acesso em: [02 de junho de 2019]
183 IMAGEM 2: narrador de seu próprio caminho

FONTE: https://aldolammel.com/mochilaebike

Logo abaixo, de forma igualmente didática, a websérie é oferecida em temporadas,


cada temporada com um link específico, em um total de três e de forma organizada
por ordem de acontecimento:

IMAGEM 3: Informações disponibilizadas em ordem cronológica


Narrativas de Viagem

FONTE: https://aldolammel.com/mochilaebike

Na parte inferior da tela, dicas e curiosidade, caso do equipamento utilizado durante


a viagem; do roteiro, oferta de um manual a ser utilizado em aventuras como esta etc.
184 IMAGEM 4: dicas sobre equipamentos, caminhos e cuidados

FONTE: https://aldolammel.com/mochilaebike

O exemplo nos permite inferir que a processualidade da midiatização, em sua


relação com as narrativas de bicicleta, provocou uma reconfiguração na disputa de
vozes narrativas no âmbito dos dispositivos, como estamos chamando atenção neste
capítulo. A face mais visível deste movimento é o protagonismo assumido pelo segundo
narrador neste contexto, que não apenas narra o vivido como organiza-o, o que só
pode ser pensando em um ambiente de natureza antes rizomática que axiomática, e
em um tempo marcado por emergências e descentralizações. A estratégia narrativa,
ao fim, é dizer que este é o mundo da forma como ele passou a compreendê-lo, o
que só foi possível depois de transformar a experiência em fenômeno midiático e
organizá-la narrativamente.

Considerações interpretativas

A reflexão que propusemos aqui sugere que pensar o cicloturismo por


este viés implica subsumir que as afetações provocadas pela processualidade da
midiatização nas narrativas de bicicleta acabam fazendo com que a própria noção
de transcendência sofra as injunções da midiatização à medida que se transforma
em fenômeno midiático. Não se trata de dizer que se “desumaniza”, mas que muda
a partir do momento em que chegamos a ela por meio de um dispositivo técnico.
Narrativas de Viagem

Por este viés, as percepções do que se viveu a) adquirem autonomia quando são
capturadas por dispositivos técnicos, b) passam a persistir no tempo quando são
armazenadas, e, resultado da soma de a) + b) passam a estabelecer transformações
a partir das simbioses que emergem a partir do momento em que são editadas e
passam a estabelecer relações.
Com isso, e por meio de complexas operações discursivas, tem-se, ao fim, a
emergência também das narrativas de bicicleta à condição de dispositivos por meio
dos quais a possibilidade de se transformar a vida para melhor tem lugar. Isso se
185 torna possível quando passam a ser concebidas como interações multivocais e
plurifacetadas, formadas a partir de aspectos tecnológicos (as câmaras, gravadores
e cadernos, por exemplo), as relações sociais (o que se vive ao longo das viagens),
mas, também, e igualmente importante, os sistemas de representações envolvidos
nestas relações (os códigos utilizados nos processos de enunciação dos dispositivos)
(FERREIRA-a, 20016, 2013, 2006).
É dizer, com Gomes (2017), uma vez mais, que a midiatização se posiciona,
neste contexto, como uma importante chave hermenêutica para a compreensão da
realidade, o que nos permite afirmar que a mídia se coloca como um lugar por meio
do qual se pode tanto compreender o mundo em que vivemos (GOMES, 2017, p. 78)
como estruturá-lo. Compreender significa ter acesso a uma forma diferenciada de
inteligibilidade; estruturar, com o reconhecer o lugar que essa relação passa a ocupar
em nossas vidas. E as narrativas de bicicleta, uma vez midiatizadas, nos moldes do que
tentamos descrever aqui, parecem-nos um bom exemplo de como isso se dá.

REFERÊNCIAS

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da fecundidade del movimiento. Barcelona, Espanha: Gedisa Editorial, 1993.
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Compós, 2012.
CAVALLARI, Guilherme. Transpatagônia: pumas não comem ciclistas. São Paulo:
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FERREIRA, Carlos André. Avenida das américas: uma viagem de bicicleta pela
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Narrativas de Viagem

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FERREIRA-a, J. Como a circulação direciona os dispositivos, indivíduos e instituições?
In: BRAGA, J. L.; FERREIRA, J.; FAUSTO NETO, A.; GOMES, P. G. (Org.). Dez perguntas
para a produção de conhecimento em comunicação. 1. ed. São Leopoldo: Editora
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FERREIRA-a, Jairo. Uma abordagem triádica dos dispositivos midiáticos. Líbero
(Facasper), v. 1, p. 1-15, 2006.
186 GOMES, Pedro. Dos meios à mediação: um conceito em evolução. São Leopoldo
(RS): Unisinos, 2017.
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MACHADO, Danilo Perrotti. Homem livre: ao redor do mundo sobre uma bicicleta.
São Paulo: Ciao Ciao Editorial, 2015.
MAGALHÃES, Aurélio. Noruega by Bike. São Paulo (SP): Reino Editorial, 2012.
MOTTA, Luiz Gonzaga. Análise crítica da narrativa. Brasília (DF): Editora UnB,
2013
NASCIMENTO, Alexandre Costa. Mais que um leão por dia: a saga do primeiro
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SANTIAGO, Silviano. Nas malhas da letra. Rio de Janeiro: Rocco, 2002.
SODRÉ, Muniz. A narração do fato: notas para uma teoria do acontecimento.
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SODRÉ, Muniz. Antropológica do Espelho. Petrópolis: Vozes, 2000.
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SOSTER, Demétrio de Azeredo. A midiatização das narrativas de bicicleta. In:
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Narrativas de Viagem

VERÓN, Eliseo. La semiosis social 2: ideas, momentos, interpretantes. Buenos Aires:


Paidós, 2013
VERÓN, Eliseo. Fragmentos de um tecido. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2004.
187 BICYCLE TOURISM AND THE
TRANSFORMATION ROUGH THE MEDIATIZATION
AND THE NARRATIVES OF CYCLING

Demétrio de Azeredo Soster1

This chapter is inserted in a context of theoretical-conceptual reflection that,


from Veron (2013), we classify as “cyclotouristic semiosis” - semiosis understood here
as “(...) interdiscursive network of sense production” (VERON, 2004). , p. 72). That is, as
a set of meanings that are most noticeably perceived when cyclists use their bicycles
for tourist purposes and report before, during or after journeys their narratives
through books, websites, social networks, podcasts, videocasts, documentaries etc. The
hypothesis that moves us is that, in doing so, they not only conceptually circumscribe
what we call “cyclotouristic narratives,” or “cycling narratives2” (SOSTER, 2016, 2017),
as they media coverage the notion of narrative as it is transformed into a media
phenomenon.
We start from the assumption that these narratives are media phenomena
(SOSTER, 2017, 2018); affected, therefore, by the process of mediatization, as we
receive them through technical vehicles. In doing it, and still with Verón (2013), they
leave the sphere of orality and become endowed with autonomy and persistence,
beginning to establish semiosis as they relate to those who access them. This happens,
for example, when the cyclotourist, rather than living adventures, reports, by means
of written words, images or sounds - or by all these languages in the same enunciative
context, his experience, transforming and being transformed in this movement, which
passes to have socio-technical-discursive nature.
They are the result of “cyclotouristic semiosis”, for example, and thinking
about our research history, the emergence of this model of narrative to the media
discursiveness (SOSTER, 2016, 2017), but also its assumption to the condition of
narrative journalistic genre (SOSTER, 2018) and the more recent perception of its
transforming potential. In this chapter we will cover this aspect of bicycle narratives
- their capacity for transformation - with more attention.
It is necessary to remember, before proceeding, that whenever semiosis of this
nature is established through technical procedures, we have the bases of what we call
mediatization. That is, when, among cyclists and their actions, technologies relationally
Travel Narratives

interpose themselves, but also when the act of “recording what do they experienced”
becomes as important as living, which suggests a transformation in the interactional
processes of reference, in the mold of Braga (2012), also in this field of human experience.

1 Pós-doutor pela Unisinos. Professor-pesquisador do PPG Letras e do Departamento de Comunicação da Unisc


e-mail: deazeredososter@gmail.com
2 “Bicycle narratives” or “cyclotouristic narratives” are textual, imagery or sound reports, structured from bicycle
trips, therefore experienced facts, for tourist or entertainment purposes
188 In other words, that, due to the process of mediatization, there is a transformation
in the way that cyclists relate to their cycle journeys, in this case, having the media
as a central or structuring reference. This is due, as we have already said (SOSTER,
2016), whenever a cyclist, when preparing to leave, is not only concerned with the
gear he will carry, but also, how he will record what he saw and lived in the course
through cameras, cell phones and recorders to, throughout or after the trip, report
their adventures on sites, books, social networks, etc.
In this way, the notion of temporality is mediatized, which becomes possible
in the dialogue with Verón (2013), when we observe, by way of illustration, that
the images captured by a digital camera throughout a cycle-ride not only perpetuate
moments experienced, but they also reconfigure them. This happens as they give
conditions to become media phenomena, as they are recorded on a memory card,
later edited and finally published on websites or social networks. The fact is that the
technical device “digital camera”, its memory card and the battery that makes it work,
when activated, interfere relationally in the conception of time, denaturalizing it;
giving it new cognitive dimensions.

Mediatic phenomena as grammars

Mediatic phenomena are grammars, or processes of sense production that


presents three instances as characteristics, in the perspective of Verón (2013): firstness,
secondness and thirdness. We are referring to triadic relations that begin with what
we call autonomy, that is, with the fixation of information (audios, videos, texts) in a
device (firstness); it follows with the stories that are generated from their persistence
in time, which occur due to their fixation in a support (secondary); and finally enter
into historical relations (thirdness), transforming and being transformed at this time.
In other words, when the cyclotouristic narratives leave the sphere of orality and
become media phenomena, they potentialize their transforming capacity, as we will
try to demonstrate next.
Further along with the example of the images and audios captured, hypothetically,
through use of digital devices (recorders, cameras, etc.). When stored in a memory
card, for example, we only have information in image and audio, but now endowed
with a new attribute, that is, autonomy, which gives it perenniality. Being autonomous
means the possibility of existence in absentia of the original context. It is when an
image, or sound, once disconnected from the moment they were perceived, come
into existence due to the storage capacity of recorders, cameras, etc. Before being
captured, they would be natural phenomena, the access of which is basically possible
Travel Narratives

through perception and memory at the very moment they are performed; once stored
in technical devices, come to exist in the absence of the flow of natural time and begin
to transform into media phenomena.
The captured moments will become persistent, allowing historical relationships
to be established when, in addition to being maintained for the duration of the
memory card from the point of view of durability, they are published in a device that
supports images – a site, for example, whether or not they have been altered by editing
189 programs. Discursively structured, in this way, they become, potentially, narratives,
in the mold of Motta (2013), that is, as structuring mechanisms of intelligibility.
The sum of those conditions - autonomy and persistence - is what will
allow relationships to be established, transformed and being transformed in this
path. “Cuando el sentido cobra cuerpo y entra em relaciones históricas, se plantea
imediatamente, la terceridad de las reglas que definen las condiciones de acceso ao
sentido, es decir, las condiciones de su circulación3”. (VERON, 2013 p. 148-149). It is a
triadic relationship, in the nomenclature of Peirce (2015), it that takes place from the
dialogue between the three axes, reconfiguring meanings in this relation.

The video4 below illustrates what we are saying.

At 9’19, through a platform of free access, the Vímeo, it is told a cycle journey of
4,500 km that its Canadian author, Vancouver David Achtemichuk, and his girlfriend,
Linden Hume, did for Tibet in 2007. It was about, according to them, “A visual account
of the local culture, the challenges faced there, and a sampling of the cycle touring
lifestyle.” You can access the video in many ways - URL, keywords etc., invariably via
the internet connection, and run it on computers that have minimal settings for it.
Not aware of this, every time we watch the video, we listen to the narration, pay
attention to the images, or, indirectly, reflect, or talk about its content with someone,
something becomes related in ourselves, but also in the narrative itself, if we consider
that its meaning is updated whenever it is perceived by someone. (ECO, 2012). By
this bias, it will always be what to become in the “relationship with”, which implies a
frequent updating of meanings by the time the video exists and circulates.

IMAGE 1: Transformation journey through Tibet


Travel Narratives

Source: https://vimeo.com/4481018

3 In a free translation: “When meaning acquires a body and enters into historical relations, it begins immediately
the thirdness of the rules that define the conditions of access to meaning, that is, the conditions of its circulation.”
4 Available at: [https://vimeo.com/4481018] Last access: [May 24th 2019]
190 For this to be possible, it was necessary, at first, that the images were captured
by a camera, it doesn’t matter if it was done by David Achtemichuk or Linden Hume.
When the images were recorded, a frame from the time was frozen; that is, those
moments, previously transient ones, became autonomous, they came to exist in the
absence of the moment in which they were seized. Then, when they were submitted to
editing processes, they underwent a narrative structuration, which we call generically
of edition, through which they began to establish integricity, to “make sense”, but
now as a different narrative.
They thus became a different story than the one that was lived, although
aligned thematically, equally with “beginning, middle and end”, but created from the
interposition of a technology between the cyclists and the experienced. When the
images and sounds are transformed into films, and these are transmitted in a site like
the Vímeo, they gain persistence, condition for them to be accessed by people, cyclists
or not, transforming and being transformed in this movement.
It is at this point that we begin to find meaning in the axiom (SOSTER, 2016, 2017,
2018) according to which “bicycles usually make people better”. But also, where the
role of technical devices in this relationship is most clearly observed. Some discursive
clues about the role of technical devices in bicycle narratives can be found in reports
of this nature. The book “Transpatagonia: Cougars do not eat cyclists” (CAVALLARI,
2015), a classic of the genre, is one of the examples that explain these operations,
which are of the order of production grammars. In Chapter 7, and in the face of the
decision, which is taken from the planning stage, to write a book and produce a film
about the expedition to Patagonia, Cavallari offers clues to the role occupied by the
devices in their journey. This is what the following passage suggests:

Still in Brazil, I made an agreement with a professional audiovisual producer to


produce a film. A risk contract in which I promised to shoot on the field and they
promised to edit and produce the film afterwards. The only orientation I got,
besides learning how to turn the camcorder on and off, was: ‘Record everything,
sleep and wake up with the camera!’. And to ensure the minimum of quality,
I calculated the chances of getting one or two competent image increase if I
multiplied the number of cameras with me. (CAVALLARI, 2015, p. 43)

This other passage, a little further on, is equally illustrative:

Part of my electronic arsenal consisted of two high definition digital recorders,


both protected by small, sturdy ultra-resistant watertight boxes. Using special
eyelets, small self-adhesive platforms, articulated plastic supports, bands and
velcro of all sizes and shapes, I fixed them on different points of the bike
and on the bike trailer, on the cycling helmet and on my body. I also carried
Travel Narratives

a third, higher-resolution, larger, more technical, compact and waterproof,


compact and indestructible high definition digital camcorder that could be
used as a camcorder if needed. (CAVALLARI, 2015, p. 43)

Cyclist Aurélio Magalhães, author of the book “Norway by Bike” (2012), did
something similar. Before deciding which photographic equipment he would take
with him for his cycle touring, he advised himself with a technician, mainly thinking
about being overweight if he would take professional equipment with him:
191
I then decided on the Canon Power Shot G12. This camera provides excellent
flexibility and performance with professional control levels and support
for various accessories. With its classic design, it was developed to deliver
superior performance, capable of meeting the needs of both professionals and
photography enthusiasts, in my case. (MAGALHÃES, 2012, p. 40)

In the case of Alexandre Costa Nascimento, who in 2013 pedaled his bicycle
about 12,000 kilometers across the African continent, from Cairo to Cape Town, the
care for the mediatization of the trip was even more evident.

As a work equipment, I take a laptop (ultrabook, thinnest and lightest) to write


blog updates and store photos; a Nikon D7000 camera with 18-55mm, 70-300mm
and 500mm lenses; a GoPro portable camera that can be attached to the helmet
and make landscape images while pedaling. (NASCIMENTO, 2015, p. 28)

They are textual strategies that the narrators explain the care taken in order to
organize the narrative experiences, giving them meaning and some desired intention.
Through this information, they help to corroborate the perspective that bicycles
effectively transform people, beginning with the protagonists of the narratives, and
that, for this, technical resources are needed. In other words, the narrator somehow
knows that, with the relational interposition of technical devices between cyclists
and their actions, these narratives have access to the media discursiveness and thus
gain other amplitudes. Motta (2012, p. 28): “People’s life experiences are increasingly
mediated (my emphasis), they take more and more contact with the outside world
through virtual and discursive representations of reality” (MOTTA, 2012). , 28).

Reconfigured Narratives

It should be noted that we are talking about metamorphoses that take place
in narrative structures that value seminally, and here in the dialogue with Sodré
(2009: 187), “(...) ‘journeys’ (both in the strict sense of the word and metaphorical,
as a intensifying action of individual wisdom) characterized as ‘experience’ for the
writer. “ That is in a perspective of modern time, in the mold of Benjamin (2012),
although in a mediated environment, as these models of narrative bring, with the
narrated, the perspective of personal transformation, which is given by the story of
the experience of the lived, as it was done in the societies of the means, and not by
the distance of this one:

Benjamin’s narrator is part of the conveyor belt of this concrete knowledge,


Travel Narratives

in which advice, ethical and practical teachings are gained. This type of
narrative constitutes the communicative base of the social group, therefore, the
primordial forms of transmission of the community ethos, that is, of traditions
and ways of being. Its temporality is necessarily slow, since the harmonious
internalization of experiences demands, for the listener, the prudent interval
between the stories; for the narrator, the temporal accumulation itself as a
criterion of wisdom. (SODRÉ, 2000, p. 180)
192 It is not what we find, paradoxically, in the postmodern narrator; this, explains
Santiago (2002), is:

(…) the one who wants to extract from himself the action narrated, in an
attitude like a reporter or spectator. He narrates the action as a spectacle he
witnesses (literally or not) of the audience, the grandstand or an armchair in
the living room or in the library; he does not narrate while acting. (SANTIAGO,
2002, P. 45)

The emergence of modern rather than postmodern narratives in mediatized


environments suggests that mediatization, in its processuality, does not consider, in
the reconfigurations it produces, axiomatically established places and temporalities.
Nor does it carry with it deontologies, although, here and there, it reproduces
narrative performances typical of other times, reconfiguring them. To consider this
hypothesis implies observing the question from the systemic perspective; that is, to
infer that these are, once again, procedural movements of a self-ferential nature by
means of which the devices, through textual operations, offer differences in relation
to the other devices, thus constituting themselves in the same way.
This is what is observed when the narrators offer themselves as witnesses of the
lived experience as a standard in bicycle narratives, lending, in this way, originality to
their stories. Something very similar to Benjamin’s perspective, for whom the attentions
of the narrator turned to questions such as transmission of knowledge, sacredness, aura
etc., leaving little space for the role occupied by the device in this relation. In our case,
the discursive strategies of the narrators bring with them these questions, of course, to a
greater or lesser degree, but also, and this is a significant difference, they stand as elements
of the identity constitution of the device itself, as we will sustain at the end of this chapter.
The perspective stresses, perhaps, the concept of narrator, that we will call
of mediatized narrator. That is, that narrator who, being affected by the process of
mediatization, is mediatized. In doing so, it reconfiures itself, acquires new forms.
More than the author of a narrative, this narrator takes the protagonism of the
narrative and ends up interfering in the choices of the first narrator, to whom it was
subsumed until then, and of the third narrator.

Reconfigured Forces

This is what we notice, although in another context, when we first analyzed the
phenomenon in question (SOSTER, 2014). From this point of view, and taking as a
Travel Narratives

starting point the scheme developed by Motta (2013) to think the dispute of narrative
voices (first narrator> second narrator> third narrator), what is observed, with the
crossings and interpositions provoked by the processuality of the mediatization, is a
reordering of the struggle of forces within the devices.
The second narrator has, through this bias, more power (or freedom, if we
prefer) than the first and third narrators. That is: first narrator <second narrator>
third narrator. And that is why it is he, thinking of a book, for example, and not
193 the publisher, or the editor, who chooses from the title of the work, its form, tone,
angulation and discursive structure until the materialization of what he is effectively
looking to say, in this case, that bicycles make generally people better.
It is necessary to observe, on the other hand, that the emergence of a mediatized
narrator is not related with the existence of a fourth narrative extract, which we call
the Fourth Narrator. The two are integrated in the same epistemological perspective,
according to which the process of mediatization not only reconfigures the dispute of
narrative voices within the scope of the device, but also allows the emergence of a
fourth narrative extract (SOSTER, 2016, 2017). Understanding this implies subsuming
that the system exists thanks to the dialogues between the devices of which they are
formed. But they differ as the former relates to the internal operations of the devices,
while the latter of the system in which they are inserted, which can be thought by the
bias of the thematic alignment and the processes of co-reference between the devices.
The choices of the second narrator are visible through discursive clues left on
the surface of the reports. In addition to self-reference and first-person writing, the
tendency, in this type of text, in disregard of the style used, is to converge, thematically,
towards a common point: the transformations provoked by the trips made. That is
to say, in other words, that the excerpt is very similar, in the point of view of the
angulation and the tonality, of passages found in reports of this nature, in the absence
of the language used. In it, Danilo Perrotti Machado (2015) wrote, after traveling for
three years around the world:

Every grain of sand from all the deserts of the world was now part of me,
the breezes and the winds entered my pores and my DNA. Every drop of the
rivers of the world I passed through was also entangled in my genes and my
being. I returned to Brazil, taken by mother earth, through the waters and
the largest river on the planet. I jumped into the river, plunged into my soul,
where light and darkness were in the prime of the skin. (...) A subtlety took
over my being and I felt the simple essence of being alive, of being just
a drop in the great river of life, where I was part of the whole and the
whole was part of me (our emphasis). (PERROTTI, 2015, p. 319)

Putting it in another way, the “three years, three months and three days”
(PERROTTI, 2015, p.18) that lasted the cyclist’s trip; all that you have seen, felt and
experienced through 59 countries covered in 50 thousand kilometers of pedaling,
are structured, throughout and at the end of the adventure, in the form of words,
phrases, periods, pages and chapters that reiterate, the true meaning of it all in your
life: personal transformation. Not by chance, the feeling of belonging, as the excerpt
spelled above, now, back home, as part of the planet, and not just someone in passing,
as felt before everything begins: “What frightened me, in fact, it was the possibility of
Travel Narratives

leading a life that was not worth living “(Perrtti, 2015, p.13).
It is similar to what we find in Carlos André Ferreira’s book Avenida das
Américas (2003), which tells the story of the cycle that the author made in the 1990s,
from Los Angeles, in the United States, to Brazil, when he was 21 years. According to
his own words, there were 14 borders, 15 countries, 83 cities, 23 weeks, 163 days and
thousands of kilometers traveled.
194 The endless miles made me develop patience (a little more, at least),
the solo journey taught me tolerance, which is put myself in somebody
shoes. Alone in unfamiliar places, I depended more than ever on others, I
had to learn to listen, to pay attention so that they would not pass me by.
Sleeping every day in a different bed, I practiced, and, most of all, I developed
the flexibility and power of adaptation, qualities innate to man but so little
exercised in modern life. (FERREIRA, 2003, p. 8)

Another point of convergence is the fact that the aforementioned transformations,


in the absence of the device in which they are transmitted, take place in a perspective
of movement. That is to say, and now with Bergson (2005), that life is realized in
the movement; understanding, therefore, the transformations that it entails implies
subsuming that it can only be conceived processally. Above all, that any attempt to
observe it by the part, for which it is not movement, will rather refer to it than to the
life stream itself. It is because we have learned long ago with Heraclitus: “You can not
enter the same river twice” (LION, 1980, 113).
It turns out that in cycling, cyclists end up living new and successive experiences.
They update, so; in contact with the world, and by means of a soft technology5, the
flow of existence. It is quite true that transformation occurs in any situation in life -
“If everything is in time, everything changes inwardly and the same concrete reality
never repeats itself” (BERGSON, 2005: 50), but it also seems correct to say, that on a
bicycle, judging by the reports, this seems to be done in a more organic6, less orderly,
more natural way. “La naturaliza no es lineal, nada es simple, el orden se oculta tras el
desorden, lo aleatório está siempre em acción, lo imprevisible deve ser compreendido7”
(BANDANDER 1993: 9)
This is what we learned from Antonio Olinto Ferreira, who, in 1993, pedaled
46,620 km throughout three and a half years, becoming, thus, one more cyclist around
the world by bicycle.

What a strange world! Just because I had believed and realized a dream and this
had made me somehow a special person. I knew that, deep down, all people have
the power to realize their ambitions and master their own destiny according to
their missions on earth. I knew this was nothing extraordinary. I never intended
to do anything extravagant, just tried to follow my path. It seems that the man
has distanced himself a lot from his ability to complete projects and suddenly
what he had done, to realize a dream, was something remarkable. (...) Maybe
performing was really my biggest feat. On the other hand, my inner
journey has brought me self-knowledge enough to make me certain
that I have the ability to realize my dreams, this may have been the best
Narrativas de Viagem

I learned on my trip. (OLINTO FERREIRA, 2012, p. 242)

Let us take a final example, even before the necessary interpretive considerations.

5 We consider the bike a soft technology as, despite the technological advances that have been suffering since its
invention, and its popularization, it is not polluting and its use causes little environmental impact, in comparison
with motor vehicles, for example.
6 Organic here understood with what refers to the natural development of something.
7 In a free translation: “Nature is not linear, nothing is simple, the order is hidden behind disorder, random is
always in action, the unpredictable must be understood.”
195 Around the world

A cycle world tour completed in 2018, which crossed 33 countries in 1,135


days since 2015, when it began, illustrates more broadly what we are saying. We are
referring to the project “Mochila & Bike”, 8”, by Aldo Lammel, gaucho from the city of
Charqueadas, specialized in digital communication. In a similar way to other bicycle
world tour projects, Lammel thought to record from its inception, but he differs from
the others as the journey is seminarily established in a cross-platform perspective
through Youtube9, Facebook10, digital book 11, website12, Twitter13, Instagram14, vlog15
etc. So before leaving his house, in a small municipality of a coal region located in the
South of Brazil, the cyclotourist prepared to describe through many different media
forms what he had been seeing or living for those days since before his departure in
several media ways.
The project was developed over 15 months. Everything in it is mediatized from
the beginning: the decision to quit the job; the sale of the family home; the end of a
long relationship with his girlfriend; planning costs throughout sleepless nights; all
this is announced on platforms such as Youtube (SOSTER, 2017, 2018). The same in
relation to the path that will follow in each of the stages 16; its geolocation - through
the application - Swarm APP 17, and so on. The highlights, already on the road, are
the stories of the experiences so much lived and the sharing of the experience that is
acquiring: Lammel offers via YouTube what he calls “his experiences to perform tasks,
to achieve something or to overcome challenges in favor of a trip more economical,
long, cultural and fun “18.
The pace is always casual, adventurous, looking towards the discovery of
the new. However, as time goes by, and the journey advances, Lammel’s narratives
are becoming more sophisticated. More than referencing what is happening, the
cyclist, through his Facebook19 page, announces, for example, the development of an
application20 whose purpose is to facilitate the dialogue with the people who follow
him via cell phone, vlog, webserver, diary, manual, road map, statistics and social
networks. It also promotes research21 through Google Docs to find out how many
cyclists around the world are traveling based on their experience. We learn all this
through social networks, as the experience is shared online via social networks.
Once back in Brazil, the dream of leading a great adventure, surpassing limits
and fears by means of a bicycle tour around the world, acquires other nuances. It
8 http://mochilaebike.org/
9 https://www.youtube.com/channel/UCjK_6o4JAwe7Ecx7Rl26kqA
Narrativas de Viagem

10 https://www.facebook.com/avlammel?ref=br_rs
11 https://medium.com/mochilaebike-fotos/livro-de-fotografias-7c475fd25e36
12 http://mochilaebike.org/sobre.php
13 http://twitter.com/aldolammel
14 http://instagram.com/aldolammel
15 https://www.youtube.com/playlist?list=PLseCxrn4VPolnJ9FLq42peGW5BSBOC6oW
16 http://mochilaebike.org/roteiro-e-cronograma.php
17 https://www.swarmapp.com/
18 Available at: [https://www.youtube.com/watch?v=I4nXN_P9xKs] Last access: [17 de julho de 2017]
19 https://www.facebook.com/avlammel?ref=br_rs
20 http://mochilaebike.org
21 https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSct21X8ALNJRIST25N_3GB0usv5Gln9hs3ro-g7iWPTec1sgw/
viewform
196 is transformed into a structured narrative with well-defined shapes, no longer
occasional, in the absence of luck; but with beginning, middle and end. In it, the
narrator, as protagonist of the experienced, narrates not only his experiences, but
also defines the general meaning of it. This happened before, it is true, but not so
structured; we are looking for a broader sense. We have access, right at the top of
the page, to the right, via the Youtube platform, to the web series produced along the
cycle route. The text next to the link clarifies its purpose:

(...) the independent web series Mochila & Bike documents the adventure
of a middle-class Brazilian who does not speak other languages, but
wants to see the world in a very particular way. Originally created for
the internet, and later taken to pay-TV, Mochila & Bike presents us a solitary
and cycling adventure over 1,135 days in 33 countries. More than accents,
cultures and zoeira, Backpack & Bike emanates an unconventional
and deeply original way of telling a travel story. A trip on how to have
fun to the max with almost nothing. (...)22.

The emphasis represent significant clues: the web series is “independent”; who
takes care of it is Aldo Lammel himself, who assumes for himself the place of (second)
narrator, through the use of free platforms, Youtube. We are informed that the web
series is idealized, produced and told by a “(...) middle-class Brazilian who does not
speak other languages, but wants to see the world in a very particular way” ) by
himself and in a bicycle adventure (...) “. It suggests that there is a transcendence,
which, that by itself, “emanates an unconventional and deeply original way of telling
a travel story.”

IMAGE 2: narrator of his own path

Source: https://aldolammel.com/mochilaebike
Travel Narratives

Below, in an equally didactic way, the web series is offered in seasons, each
season with a specific link, in a total of three and listed in order of event:

22 Available at: [https://aldolammel.com/mochilaebike] Last access: [June 2nd 2019]


197 IMAGE 3: Information available in chronological order

Source: https://aldolammel.com/mochilaebike

At the bottom of the screen, tips and trivia about equipment used; about the
script, and offer of a manual to be used in adventures like this etc.

IMAGE 4: Tips on equipment, paths and care

Source: https://aldolammel.com/mochilaebike

The example allows us to infer that the process of mediatization, in its relation
with the bicycle narratives, provoked a reconfiguration in the dispute of narrative
Travel Narratives

voices in the scope of the devices, as we are drawing attention in this chapter. The
most visible face of this movement is the protagonism assumed by the second narrator
in this context, which not only narrates the lived as organizes it, what can only be
thinking of an environment of a nature rhizomatic rather than axiomatic and at a
time marked by emergencies and decentralization. The narrative strategy, in the end,
is to say that this is the world in the way he came to understand it, which was only
198 possible after transforming the experience into a media phenomenon and organizing
it narratively.

Interpretive Considerations

The reflection we propose here suggests that thinking about cycling through this
bias implies subsuming that the affectations provoked by the process of mediatization in
bicycle narratives end up causing the very notion of transcendence to suffer the injunc-
tions of mediatization as it becomes a media phenomenon. It is not a matter of saying
that it is “dehumanizing”, but that it changes from the moment we arrive at it through a
technical device. By this bias, the perceptions of what is experienced a) acquire autono-
my when captured by technical devices, b) they persist in time when they are stored, and,
as a result of the sum of a) + b) begin to establish transformations from the symbioses
that emerge from the moment they are edited and begin to establish relationships.
With this, and through complex discursive operations, one also has the emergence
of bicycle narratives to the condition of devices through which the possibility of
transforming life for the better takes place. This becomes possible when they are
conceived as multivocal and multi-faceted interactions, formed from technological
aspects (cameras, recorders and notebooks, for example), social relations (what is
lived during the trips), but also, and equally important, the representation systems
involved in these relations (the codes used in the enunciation processes of the devices)
(FERREIRA-a, 20016, 2013, 2006).
That is to say, with Gomes (2017), once again, that mediatization is positioned,
in this context, as an important hermeneutical key to the understanding of reality,
which allows us to affirm that the media places itself as a place through which one can
both understand the world in which we live (Gomes, 2017, 78) and how to structure it.
Understanding means having access to a differentiated form of intelligibility; structure,
recognizing the place that this relationship happens to occupy in our lives. And the
bicycle narratives, once mediated, as we try to describe here, seem to us to be a good
example of how this happens.

REFERENCES

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VERÓN, Eliseo. Fragmentos de um tecido. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2004.
Travel Narratives
201 MARCHA DO SAL: POR UMA
VISUALIDADE HISTÓRICA

Diogo Azoubel1

“A experiência que passa de pessoa para pessoa é a fonte


a que recorrem todos os narradores [...]”
(BENJAMIN, 1994, p. 198).

1. Uma breve digressão

A Marcha do Sal (Salt Satyagraha2 ou Dandi March) marca a história dos


movimentos e ações que culminaram na independência da Índia da colonização
inglesa em 1947. Liderada por Mohandas Karamchand Gandhi (1869-1948), ou
apenas Gandhi como é mais conhecido, a caminhada iniciada em 12 de março de
1930, em Sabarmati Ashram, subúrbio da cidade de Ahmedabad, outrora capital do
estado indiano de Guzerate (Gujarat), reverbera ainda hoje no imaginário daquele3
país como sinônimo de resistência e, talvez muito mais do que isso, de superação.
Mas serão esses breves desdobramentos, reintegrações e interseções temporais
suficientes para justificar esta reflexão? Ora, acredito que para alcançar a profundidade
espaço-temporal argumentativa é necessária uma breve digressão.
Quando ingressei no Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação
e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (COS | PUC-SP),
em julho de 2016, tinha apenas um desejo: cumprir estágio internacional antes
da defesa da tese. Àquela altura, fortemente influenciado pelo trabalho da
minha orientadora de mestrado e atual parceira de pesquisa, Monica Martinez,
da Universidade de Sorocaba (Uniso), considerava a França o país com maior
aderência à proposta de reflexão sobre a natureza da imagem fotojornalística,
especialmente no que toca à questão da narrativa de tragédia a partir da cobertura
do incêndio e sucessivas explosões do cargueiro Maria Celeste, em março de 1954,
na costa maranhense.
Isso posto, dei os primeiros passos no plural universo semiótico sem, entretanto,
abrir mão dos diálogos com outros férteis campos. Aberto às possibilidades que se
Narrativas de Viagem

apresentavam, e quando da divulgação do processo seletivo interno de propostas de


trabalho que pudessem ser contempladas nos termos do edital 2018 do Programa
Nacional de Doutorado Sanduíche, da Coordenação para Aperfeiçoamento de Pessoal
1 Professor da Secretaria de Estado da Educação do Maranhão (Seduc-MA) e doutorando pelo Programa de
Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (COS
| PUC-SP), é bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior pelo Programa de
Doutorado Sanduíche no Exterior (Capes | PDSE) – Processo nº. 88881.190259/2018-01 – na MICA, em Ahmedabad
– Guzerate. Índia. E-mail: diogoazoubel@gmail.com. ORCID nº. 0000- 0002-2839-5011.
2 Termo cunhado pelo próprio Gandhi para designar o princípio da não-agressão como ativismo.
3 Pronome demonstrativo aqui entendido tanto como “aquilo que se relaciona com” quanto “próprio à nação à
qual pertence”.
202 do Ensino Superior (PDSE | Capes), decidi concorrer a fim de alargar meus horizontes
de conhecimento.
Isso tudo para compartilhar que a Índia convidou-me a cumprir o estágio
doutoral em seu território. Em uma sucessão de casualidades, conheci aquela que
viria a ser a orientadora internacional da pesquisa, Manisha Shelat (MICA), durante
o Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo da Sociedade Brasileira para
Progresso do Jornalismo (SBPJor) de 2017, na Escola de Comunicação e Artes da
Universidade de São Paulo (ECA-USP). Enquanto permanecia ainda em São Paulo,
tivemos a oportunidade de manter diálogos diversos, de explorar um pouco da Capital
paulista, e falar sobre projetos futuros de possíveis cooperações, entre eles o da viagem
internacional.
Também, quando estimulado pela equipe da secretaria pertinente a não
desistir do seletivo em prol da bolsa de estudos, depois de uma objetiva troca de
mensagens e justificativas, recebi os documentos indianos em tempo hábil para
tramitação interna e externa do pedido de validação da proposta investigativa pelo
COS, pela PUC-SP e pela Capes.
Assim, já quando da minha chegada a este país, em dezembro de 2018, uma das
primeiras provocações que ouvi foi: “você precisa refazer o percurso de Gandhi, acha
que consegue, tem fôlego?”. Ora, se o Universo conseguiu trazer-me de tão longe,
não estava mais ao meu alcance negar tal oportunidade. Conhecendo minimamente
a história do líder indiano, pai da desobediência civil pacífica e não violenta, decidi
buscar mais informações sobre a Marcha. O aceite já fora dado, mas faltavam-me,
àquela altura, informações para entender o tamanho do desafio que me aguardava – e
não me refiro apenas aos 389km de caminhada.
Entre idas e vindas a sítios de viagem na Internet, no melhor estilo “conheça a
Índia em tantas noites ou em tantos dias”, me surpreendeu o fato de que, apesar de
longa e desafiadora, a caminhada até a cidade de Dandi, também no estado de Guzerate,
vem sendo refeita, anualmente, por inúmeros estrangeiros com os propósitos mais
diversos, sendo o viés de uma pesquisa científica estruturada apenas um entre tantos.
Ora, o meu sentido da Marcha seguia em outra direção, a de um viajante que, entre
estadunidenses, sul-africanos, australianos, com sua máquina fotográfica em punho
tentava entender a sua potência. Com um pequeno bloco de notas onde ia escrevendo
pensamentos, insights, ao mesmo tempo em que tentava organizar este ensaio, minha
dúvida inicial dizia respeito ao poder das imagens fotográficas sobre o percurso como
motivadoras de uma possível (re)modelagem da percepção do leitor de tais registros
acerca dos fatos que se desenrolaram em 1930.
Narrativas de Viagem

Podem as imagens conduzir-nos a percepções outras que que não ao recorrente


imaginário cultivado com a nossa ajuda via acentuado consumo de conteúdos como
aqueles veiculados nos sítios de informações turísticas não oficias? E mesmo os oficias,
que papel desempenham na “venda” de ideias entregues como que dizendo respeito às
experiências necessárias a uma vivência frutífera do estrangeiro em um país como a
Índia, que importância carregam?
Em ordem de tentar responder, ainda que minimamente, essas dúvidas, me detenho
203 nestas páginas à breve análise de três dos registros que realizei durante a minha própria
versão da Satyagraha, refeita em fevereiro de 2019, com vistas à problematização de
como se estabelecem três dos seus princípios norteadores na atualidade, a saber: sava
dharma samabhava (igualdade entre todas as religiões), sharirshrama (trabalho físico ou
“trabalho do pão”) e aparigraha (princípio da não-posse).
De caráter ensaístico, este texto foi construído à luz da abordagem qualitativa
e dos métodos de procedimento monográfico e analítico fotográfico via revisão de
literatura e observação participante (MARCONI; LAKATOS, 2010).
Trata-se de uma segunda investida sobre o tema, em uma (mas não apenas)
espécie de continuação da construção da visualidade histórica enquanto conceito-
vivência. Naquela primeira oportunidade, questionei “a que outras imagens podem
nos conduzir os registros fotográficos realizados durante repetição da Dandi March
(Marcha do Sal)?” (AZOUBEL, 2019, p. 103).
Articulando autores como Abraham (Aby) Warburg (1866-1929) (2015), Carlo
Ginzburg (1984 e 2003) e Susan Sontag (1933-2004) (2003), e em uma breve análise
de seis registros fotográficos autorais, argumentei em prol do seu poder de conduzir
o olhar do leitor de tais imagens pelos domínios da História, resta agora a missão de
refinar o pensamento.
Dessa forma, e tanto quanto em Traços de sal: fotografias e histórias, as três
fotografias aqui reunidas foram realizadas com os seguintes equipamentos: câmera
fotográfica DSLR Nikon modelo D5200 com lente AF-P 18-55mm F/3.5-5.6g; câmera
compacta Canon PowerShot SD780 IS; e smartphone iPhone XS, da Apple. Com
limitadas edições digitais para controle de cores e outros sutis ajustes via software
Abobe Photoshop CC 2019, elas fazem parte de uma coleção de mais de 1,5 mil imagens
fotográficas reunidas em inédito projeto editorial em fase de execução.
A intenção, assim, permanece a mesma: “uma tentativa de construir pontes entre
passado e presente a partir da problematização [...] dos princípios norteadores da Marcha”.
A ideia é refletir sobre como relatos visuais de viagem podem ser percebidos como fonte
histórica para trânsito das narrativas espaço-temporais, vivências e espiritualidade,
passados e presentes. No que toca às obras de referência, optei por me manter a luz do
Narrador, de Walter Benjamin (1892-1940) (1994), bem como busquei em autores das
narrativas como objeto os elos que julguei adequados à consolidação dos argumentos.
Os resultados esperados dizem respeito à constituição da superfície fotográfica
como via conducente à leitura sígnica de distintas percepções possíveis sobre
aquele evento. Por isso, nas seções que seguem estão justapostas notas sobre o que
Narrativas de Viagem

sentia virem a ser a visualidade histórica, dados sobre a Dandi March, três registros
fotográficos autorais e uma breve análise desse corpus criado.

2. Notas sobre visualidade histórica

Longe de me deter ao debate sobre a natureza técnica fotográfica (AZOUBEL,


2017 e 2019, FRAGA; AZOUBEL, 2019), me parece claro que sua materialidade
histórica aponta para fora de sua superfície na busca por lastro naquilo que trazemos
204 conosco até o momento de sua leitura. Ora, realizada em um hic et nunc específico, é
inevitável que se considere, pelo menos, uma outra camada de “aqui e agora” quando
da sua problematização.
Esse poder de fazer ir e vir, ainda que possa não motivar uma ação prática
externa no leitor, creio, faz da fotografia portal aberto no tempo e no espaço... portal
pelo qual podemos transitar livremente de acordo com o peso e pluralidade de nossa
própria bagagem. Em outras palavras, ler uma fotografia é como entrar no rio de
Heráclito com a certeza de que não mais se poderá ser o mesmo depois de tal investida,
ainda que sem a consciência dessa ressignificação de si, bem como da profundidade e
amplitude de seus efeitos.
Mas onde desemboca esse rio? Me parece justo assumir que as respostas são,
se não infinitas, multifacetadas tais como a condição do Homo Sapiens Demens de
Edgar Morin (2008). Ainda que não se dê conta disso, o contato com a superfície
fotográfica, digital ou analógica, impressa ou eletrônica, faz girar os mecanismos da
história, inclusive aquela própria de cada sujeito. Permite abordar o tempo passado –
mesmo o mais recente – em face do presente, pensar pelo que mostra e pelo que não
mostra (SAMAIN, 2012).
Não estou afirmando, entretanto, que a fotografia é “A” engrenagem mestra, longe
disso, faz parte de um complexo sistema de significações históricas interdependentes
que vão da natureza do indivíduo, do objeto analisado e da sua relação ao intricado
cultural em que essa simbiose se dá. E para responder por que históricas, retorno ao
alicerce desta reflexão: o aqui, o agora e o além da narrativa. que pode ser e é muito
mais do que um.

O convite à viagem

Na epígrafe deste texto, Benjamin afirma que:

A experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que recorreram todos


os narradores. E, entre as narrativas escritas, as melhores são as que menos se
distinguem das histórias orais contadas pelos inúmeros narradores anônimos.
Entre estes, existem dois grupos, que se interpenetram de múltiplas maneiras.
A figura do narrador só se torna plenamente tangível se temos presentes
estes dois grupos. “Quem viaja tem muito que contar”, diz o povo, e com isso
imagina o narrador como alguém que vem de longe. Mas também escutamos
com prazer o homem que ganhou honestamente sua vida sem sair do país e
que conhece suas histórias e tradições (BENJAMIN, 1994, p. 198).
Narrativas de Viagem

Mas e quando as narrativas são contadas visualmente? Será possível pensar


em um sistema de qualificação que distinga as melhores das piores? Não penso ser o
caso, mesmo porque, quais seriam os critérios subjetivos para dar conta de algo que
se desenrola no seio da subjetividade do contato do leitor com a imagem fotográfica?
Ainda assim, é mister elucubrar sobre a natureza do que é narrado, o referente
enquadrado na justaposição dos quatro ângulos de 90º e ali congelado. Eu o conheço?
Quero conhecê-lo? Com que intensidade? Estou ciente de suas particularidades? Por
205 meio de que fontes? A fotografia é, penso, como um chamado para a aventura, ao
descortinamento da ficcionalização da realidade e à realização da ficção (do referente).
Analisar tal imagem pelo viés da visualidade histórica é, portanto, abordar sua
própria natureza como objeto da ação subjetiva. Ainda que se possa argumentar em
prol da sua pretensa objetividade, que em muito serviu aos ideais de verdade em
vários campos de conhecimento e de atuação humanos ao longo dos séculos, discutir
um fato histórico como a Salt Satyagraha apenas pelo que (a)parece ser na superfície
imagética e desconsiderando seu contexto – abordado, por exemplo, em textos como
este – é, no mínimo, limitar-se. Pois, conforme explica Paulo Knauss em sua reflexão
sobre o desafio de fazer História com Imagens:

[...] Ao longo da história das civilizações, são inúmeros os exemplos em que


se percebe como os registros escritos acompanham os registros visuais. Velhas
formas de escrita, como os hieróglifos, demonstram essa proximidade. Isso
equivale a dizer que a história da imagem se confunde com um capítulo da
história da escrita e que seu distanciamento pode significar um prejuízo para
o entendimento de ambas. Reconhecer isso implica admitir que imagem e
escrita sempre conviveram (KNAUSS, 2006, p. 99).

Isso posto, é fundante ajuizar a visualidade histórica como ponto de partida


para, e não como via irrestrita. Essa diferença se faz necessária para dar conta das
limitações que a leitura/análise/problematização de uma fotografia descolada de sua
conjuntura traz consigo. Assim, as engrenagens prescindem de ambientes (inclusive
cognitivos) que as possibilitem trabalhar em conjunto para:

[...] conduzir nossos olhos pela(s) história(s), criar (ou permitir fazê-lo) elos
temporais, conexões com o que cada leitor traz dentro de si. Mais do que
ilustrá-la, carrega consigo uma narrativa única que dá a conhecer, inclusive,
pelo que está fora de sua superfície (AZOUBEL, 2019, p. 104).

Isso significa que a partir da visualidade histórica podem se operar formas para
iniciar o ciclo do conhecimento no trânsito daquilo que foi, é e virá a ser, narrativas
múltiplas sobrepostas e em movimento, em uma espécie de composição além do gesto.
Assim, no caso específico dos três registros apresentados adiante, mais do que discuti-
los esteticamente (o que, sim, é um caminho possível), a ideia é posicioná-los de forma
coerente com o evento ao qual remetem, abordar traços talvez não tão óbvios em uma
primeira leitura. Traços, portanto, daquilo que nos move em direção ao consumo de
narrativas de viagem.
Narrativas de Viagem

Entre camponeses e marinheiros

As representações arcaicas do camponês sedentário e do marinheiro comerciante


são utilizadas por Benjamin para construir sua argumentação sobre o ato narrativo.
Afinal, o narrador não está presente entre nós, vem de longe, viaja demais e tem
estórias para contar, pois as conhece bem como as suas tradições (BENJAMIN, 1994,
p. 198-9), como já exposto. É justamente nessa vivência do estranho, do exótico, do
206 outro que reside o gérmen para partilha entre o camponês e o marinheiro.
O ato de narrar se estabelece como celebração entre interlocutor e interlocutário,
sendo do primeiro requerida fidedignidade e verossimilhança no relato tecido sob
a égide da fidúcia. Assim, o interlocutor pode contar o que sabe, o que vivenciou
daquilo que fala, de que tem permissão para falar, age como um intermediário entre o
céu e a terra, como homem entre deuses e como deus entre homens.
Paralelamente, em tempos de profusão de dispositivos técnicos para comunicação,
cabe ao interlocutário escolher seu marinheiro por meio da sua identificação de si
com aquilo que acredita (e os critérios que norteiam essa escolha são muitos, dos
geográficos aos políticos) ser contemplado na narrativa, ser voz dela.
Dessa forma, não se trata mais de quem recebe o marinheiro em sua jornada pelo
mundo, mas de quem (sujeito) o busca, com base em que (motivação), bem como de
como (ambiente) o busca. Uma reconfiguração profunda se considerada, como citado
por Monica Martinez sobre a transcendência espaço-temporal das narrativas de viagem,
a atuação de Homero, na Grécia do século VIII AEC, quando da realização da Ilíada e da
Odisseia, marcos iniciais das narrativas de viagem (MARTINEZ, 2012, p. 37).
Nessa perspectiva, tal busca aflui no senso prático da apropriação da situação
narrada, na dimensão utilitária citada por Benjamin. Busco – eu, o camponês – suas
– você, marinheiro – histórias e tradições porque preciso delas ou porque delas quero
fazer uso de alguma forma. Peço, assim, as suas recomendações, seu ponto de vista
“tecido na substância viva da existência, a sabedoria” (BENJAMIN, 1994, p. 200).
O marinheiro não é mais apenas comerciante no sentido stricto do termo, passa
a ser um colega de jornada (acessível na palma da mão por meio de alguns toques),
divide sua expertise e, muitas vezes, não cobra por isso. O camponês, por outro lado,
longe de ser sedentário, busca alcançar o exótico do qual ouviu falar, vivenciá-lo,
ainda que não de corpo presente. Interlocutor e interlocutário unidos para responder
sobre a importância do ato narrativo, como intermediários do espaço-tempo.
Se considerada a visualidade histórica – sim, pois não podemos perder o norte ou
nos esquecer de que neste texto as imagens fotográficas são o foco da problematização
– a ideia de buscar os relatos de outra pessoa mais experiente que eu nos domínios
do até então ignoto apresenta-se como um convite, o chamado para a aventura citado
anteriormente.
Para tanto, a identificação de si com o que compõe a superfície fotográfica4
é crucial para permitir-se conhecer algo de alguém em contexto de produção,
circulação e consumo específico (sujeito + motivação + ambiente). Pois, buscando
Narrativas de Viagem

as palavras de Renato Modernell sobre as narrativas de viagem, “o viajante vai


em busca do outro, aprende e volta para aplicar o que aprendeu à sua própria
atividade” (MODERNELL, 2007, p. 107). Como desdobramento disso, comove o
interlocutorário, o camponês, que busca seus relatos em um esforço para viver ele
mesmo essa ou aquela aventura. Afinal, “uma pessoa que se move em ambientes
exóticos tem grande chance de cativar aqueles que prefeririam estar lá, em aventuras
mais gratificantes, do que trancadas nos elevadores e nos congestionamentos das

4 O que, certamente, inclui os fatores que alicerçam e os atos que antecedem o momento do click.
207 cidades” (MODERNELL, 2007, p. 106). Se o marinheiro comove, o camponês busca
pelo distinto a partir de seus relatos no desejo também de aprendizado e aplicação
do que fora aprendido.
Sobre os ambientes exóticos, tratam-se tanto o mais daqueles que se
diferenciam, distanciam da vivência ordinária cotidiana e, portanto, variáveis. Sem
fórmula específica – embora possam ser vendidos acompanhados de qualificatórios
múltiplos –, espera-se que toquem “‘cordas’ profundas nos autores e leitores”, explica
Martinez pelas palavras de Carl Jung (1875-1961), permitindo assim que o processo de
identificação se desenrole.

Afinal, a vivência e o relato de realidades e visões de mundo diferentes


talvez atraia atenção pelo seu potencial de tocar. É que a produção e leitura
de narrativas de viagem de lugares próximos ou distantes desperta no ser
humano a sensação ancestral de estar frente ao desconhecido e, com isso, pode
mobilizar profundos conteúdos psíquicos que permitem aflorar percepções e
inovações até então adormecidas nos indivíduos e na espécie humana (JUNG,
2000 apud MARTINEZ, 2012, p. 48-9).

Para fazer acordar tais percepções e inovações, a coleta e a interpretação dos


dados coletados são a base para a efetivação de narrativas de viagem capaz de cumprir
seu propósito.

Ficcionalização da realidade X Realização da ficção: traços de um referente

Quando trata da classificação das narrativas de viagem, Martinez (2012, p. 40)


apresenta três tipos principais, a saber: ficcionais, não-ficcionais e mistos. Embora
essa classificação possa parecer clara, no que toca às imagens fotográficas é preciso
atentar ao fato de que nem tudo que parece é. Considerando cada recorte isolado,
corremos o risco de nos deixar levar pelo que (a)parece em sua superfície como
sinônimo irrestrito de verdade. Não é bem assim...
A citação do sociólogo estadunidense Lewis Hine (1874-1940) – amplamente
reverberada nos estudo sobre fotojornalismo5, por exemplo – alerta para o fato de
que “embora as fotografias não possam mentir, os mentirosos podem fotografar”,
bem como para a necessidade de uma leitura crítica. Dessa feita, realidade e ficção6
caminham lado a lado. Mas como?
Se considerada a natureza do ato fotográfico, que limita e recorta o referente, há
que se considerar, acredito, uma via de mão dupla no que concerne à ficcionalização
Narrativas de Viagem

da realidade e à realização da ficção na interação interlocutor x interlocutário. Ora,


se fotografar é escolher, privilegiar partes específicas do referente em detrimento de
outras, nada mais justo do que questionar cada registro que se torna, já quando de
sua execução, um traço (GINZBURG, 1984 e 2003) daquilo que mimetiza, representa,
enquadra ou outro verbo qualquer que se possa escolher.

5 Além dos artigos que tenho produzido sobre o assunto, sugiro a leitura dos escritos de Erivam Morais de
Oliveira para aprofundamento da questão.
6 Sobre o assunto, recomendo a leitura de KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. Ateliê
Editora: Cotia, 2002.
208 Se, como explica Modernell, as narrativas de viagem reúnem “relatos pessoais
que constituíram uma experiência existencial intensa, transformadora e de alto valor
simbólico para o narrador; como resultado de insights e reflexões propiciados por
cenários diferentes daqueles nos quais está acostumado a viver” (MODERNEL, 2010,
p. 107), é preciso ter em mente que registros imagéticos dessa jornada carregam
consigo um ponto de vista deveras específico sobre a experiência vivenciada.
Assim, assumir as demarcações e zonas limítrofes da narrativa imagética ajuda a
compreender como se dá o processo de interlocução e, mais profundamente, confirmar
ou refutar os contratos celebrados (fidedignidade, verossimilhança e fidúcia). Se não
me identifico, pois, com aquilo que vejo, não há motivos para seguir buscando em
uma narrativa específica aquilo que sei (ou acredito saber) não estar lá. Esse ponto
é importante de ser desdobrado na ordem de responder como eu, camponês, posso
saber o que integra a narrativa do outro, o marinheiro.
Citando a fuga de Goethe da Alemanha no fim do século XVIII, Modernell
retoma a expressão filosófica germânica Bildung, na qual “para tornar-se aquilo que é, o
viajante experimenta o que não é” (MODERNELL, 2010, 107). Logo, não é irresponsável
declarar que tendemos a assumir que se confirme esse ciclo transformativo em cada
nova narrativa que escolhemos a partir daquilo que consumimos antecipadamente à
nossa própria aventura. Se a transformação não se faz ver (ainda que o rio continue
correndo sem nunca ser o mesmo), por que seguir?
Na mesma direção, a profusão de formas de acesso às narrativas de viagem tende
a facilitar a sua construção e reconstrução cíclica. Quanto mais as consumo, mais sei
o que quero consumir e mais capaz de me afastar daquelas que não se enquadram no
que acredito eu me torno.
Na Índia, por exemplo, como desconsiderar uma visita à uma das maravilhas do
mundo, o suntuoso Taj Mahal, na cidade de Agra, em Uttar Pradesh? Como negar a
si mesmo um registro fotográfico diante daquele espetáculo de celebração ao amor do
imperador Shah Jahan por sua esposa Mumtaz Mahal, vítima de hemorragia fatal depois
de dar à luz ao décimo quarto filho do casal em idos da década de 1630 EC? Ora, em
tempos de Instagram e Facebook, um selfie é o mínimo recomendado para que retumbe
como confirmação da jornada: “vejam, eu estive lá”, é como se ecoasse de sua superfície.
Assim, busco uma vez mais as palavras de Martinez no sentido de que:

A moda de viajar segue em voga e para atender esse público ávido por
novidades as narrativas de viagem estão presentes em publicações semanais,
de interesse geral, revistas masculinas, femininas e para adolescentes, entre
Narrativas de Viagem

outras, bem como em sites [...], além dos cadernos de turismo de jornais de
todo o país (MARTINEZ, 2012, p. 46).

Some-se a isso a própria dinâmica social, em que ficção e realidade (ou aquilo
comumente designado como tal) se confundem na superabundância de imagens que
remetem umas às outras. Os relatos narrativos fotográficos são, assim, ressonâncias7
de um comportamento social que revela as particularidades de um sistema cultural
7 O perfil @insta_repeat no Instagram é um ótimo exemplo e, creio, por si só renderia uma ótima reflexão sobre
o assunto.
209 específico alicerçado em um aqui e agora... de um momento histórico no qual os
limites do que é ou não é se imbricam.
Afinal, distante dos locais em que os fatos se desenrolam em um primeiro
momento, o camponês tende a assumir como verdade aquilo que lê (lembremo-nos,
pois, do contrato de fidúcia), ainda que possa escolher não se mover para comprovar
o que fora visto ou negar aceitar sua própria aventura. Em outras palavras, “ele está
longe do cenário em que a ação se desenrola – e, em princípio, mais predisposto a
acreditar em coisas incomuns do que quando ouve contar algo sobre seu bairro, sua
aldeia” (MODERNELL, 2010, p.109).
Nessa direção, em sua reflexão sobre réplicas topográficas das narrativas
de viagem à Índia, Sandra C. S. Marques alerta para o fato de que “qualquer
texto e estilo narrativo é sempre enquadrado pelo corpo literário da sua época
e reflexo dos modelos políticos, económicos, sociais e académicos vigentes na
altura que se cruzam com as intenções do autor” (sic.) (MARQUES, 2010, § 04).
Em paralelo ao pensamento de Knauss sobre a configuração da cultura visual, o
hic et nunc está diretamente costurado na forma como as relações humanas se
dão. Espaçar, portanto, registros fotográficos da sua natureza de produto social,
ou seja, como constructo disso, impacta negativamente na análise do objeto
(KNAUSS, 2006, p. 114).
Se escrever é revelar-se, fotografar é desvelar-se como quando diante de
um espelho. Pois cada recorde carrega consigo traços de quem somos, de como
pensamos e agimos enquanto partes que integram um específico sistema socialmente
configurado, é preencher a superfície do instantâneo com um tempo outro fugidio
que nos antecede. É, assim, reproduzir modelos e formas de narrar que nos são caras e
às quais ouso chamar de tradições e que, ao mesmo tempo em que limitam, expandem
nossos horizontes no que toca aos domínios do inexplorado.

Traços de sal

Narrar é estar preso nesse sistema de tradições em que cada momento histórico
pode ser visto alegoricamente como uma caixa encerrada em si mesma? Não! A
narrativa fotográfica, como coloquei anteriormente, tem o poder de apontar “para
outras narrativas em um ir e vir dos tempos passado e presente” e que dependem do
nosso próprio conhecimento para serem acessadas (AZOUBEL, 2019, p. 106 e FRAGA;
AZOUBEL, 2019, p. 119).
Narrativas de Viagem

Percebidas como expressões de diversidade cultural capazes de exibir a pluralidade


humana, essas imagens têm seu acesso globalmente ampliado pelo sentido da visão
(KNAUSS, 2006, p. 99) (eletrônica, inclusive) como sentido socialmente estabelecido e
rompem as barreiras do espaço-tempo, chegando mesmo a apontar para as imagens
endógenas particulares em um movimento estruturado e estruturante pelas/das raízes
da cultura (WARBURG, 2015 apud AZOUBEL, 2019, p. 106).
Assim, resta-nos buscar por meio da visualidade histórica como caminho
o “engrama imagético, a seiva dessa compreensão sobre fatos do tempo passado
conectados aos do tempo presente” (AZOUBEL, 2019, p. 106). Em outros termos,
210 partir dos registros da repetição da Salt Satyagraha, neste exemplo específico, como
rastros que conduzem ou que podem conduzir à intencionalidade de tais registros em
relação à marcha original.
Isso porque, obedecendo à “lógica” de percepção das narrativas de viagem,
não se pode cair na armadilha de tomar como suficientes os padrões visuais
nelas reproduzidos e reiterados. É preciso ir além, buscar o entendimento do fato
narrado não apenas pelo que se conhece, pelo que está posto e é dito, mas pelo
que não se conhece, pelo que é silenciado e/ou não revelado tão nitidamente
na superfície imagética. Caso contrário, alerta Marques, “perpetuam-se [...]
modos de representação estreitamente limitados, imagens estereotipadas,
objectos ­construídos discursivamente, que adquirem significados com existência
autónoma, indiferentes à sua expressão (ou ausência) no real a que se referem”
(sic.) (MARQUES, 2010, § 19). Pois:

[...] o que se verifica é que os enunciados discursivos a que se recorre para


narrar a experiência de viagem requerem sempre um significado partilhado,
com vista à sua compreensão pela comunidade interlocutora. Só adquirem
significado enquanto produtos narrativos partilhados por outros similares que
os integram e reiteram, aproximando os seus autores numa espécie de “sistema
de crenças” ou “corpo de conhecimentos” que serve de base ao entendimento
do real, que estrutura, define e materializa, pelo seu sucesso cumulativo,
objectos pré-organizados discursivamente (sic.) (MARQUES, 2010, § 22).

Logo, e se nos valemos da competência visual própria aos nossos dias, como
sugere Knauss (2006, p. 111), debruçar-nos sobre os mesmos tipos de registros
fotográficos, enquadramentos e técnicas, em nada ou em muito pouco nos ajudará a
aprofundar a jornada à qual buscamos. Antes disso, servirá para confirmar aquilo que
recorrentemente é veiculado como experiência a ser vivenciada irrestritamente em
vez de abrir espaço para que o camponês remova por si mesmo os véus que encobrem
o referente abordado nas histórias contadas pelo marinheiro ao qual escolheu como
fiduciário daquela jornada que está buscando.

3. Registros da Salt Satyagraha e outras considerações

Assumindo que é preciso conhecer um pouco da história da Marcha para a


análise que segue, e antes mesmo de avançarmos, permita-me perguntar: o que
você sabe sobre a Salt Satyagraha? Sobre a Índia? Sobre Gandhi? Quem, quando e
Narrativas de Viagem

como isso foi compartilhado com você? Independentemente do quão profundo é o


seu conhecimento, será o caso de ler as fotografias antes das impressões sobre elas
verbalizadas a fim de fertilizar o terreno para florescimento da leitura sígnica em suas
distintas percepções?
Vamos lá!
211 Fotografia 1 – The Three, em Zarola Village – Guzerate. Índia

Fonte: Diogo Azoubel (2019).

Fotografia 2 – The Boy, em Navagam – Guzerate. Índia


Narrativas de Viagem

Fonte: Diogo Azoubel (2019).


212
Narrativas de Viagem Fotografia 3 – The Dhoti, em Dandi – Guzerate. Índia

Fonte: Diogo Azoubel (2019).


213 Plano de fundo

A criação do imposto sobre o sal indiano pela Inglaterra se deu em 1759. Com
a entrada e posse da Companhia das Índias Orientais das terras circunvizinhas à
Calcutá os aluguéis das faixas territoriais e a taxação do transporte de sal aumentaram
consideravelmente (MOXHAM, 2001), chegando esse último a subir 2.400%. Ainda
enquanto estudante em Londres, na Inglaterra, entre 1888 e 1891, Gandhi expressou
sua oposição àquele imposto, o que deu início ao movimento de desobediência civil,
que viria a ser adotada por líderes indianos em 15 de fevereiro de 1930.
Já em 12 de março do mesmo ano, às 6h30 a Dandi March foi iniciada. O
objetivo era exigir a extinção do imposto sobre o sal entre outros dez pontos (HABIB;
NIZAMI, 1992). Diariamente, Gandhi e seus satyagrahis (companheiros de marcha)
cobriam a pé cerca de 20km até chegarem ao sul do Estado, em 06 de abril de 1930.
Ali, ele “ergueu aos céus um punhado de sal coletado à beira-mar na praia de Dandi
e declarou o fim do monopólio da sua manufatura pelos ingleses” (AZOUBEL, 2019).
“Com esta pitada de sal eu sacudo a base do império Britânico”, disse Bapu, ou o
“pai da nação”, como foi carinhosamente chamado por seus seguidores (SINHA,
1985; COLLECTED, on-line).
Ao todo, foram 24 dias de diálogos com os habitantes de cada aldeia ou
ponto de parada para descanso, de orações e de resistência às ameaças de prisão e
violência constantes pelos ingleses. Ao final da jornada, ainda que o número oficial
de caminhantes com Gandhi tenha sido 81, milhares de outras pessoas haviam se
juntado a eles pelo caminho, o que representou o apoio massivo da nação à causa.
Isso posto, tomo a liberdade de abordar os três registros fotográficos escolhidos
para problematizar três dos princípios norteadores da Satyagraha: sava dharma
samantva, sharirshrama e aparigraha estando cada um deles diretamente ligado a
uma das narrativas visuais escolhidas.
Na Fotografia 1, The Three, o que você vê além de uma árvore repleta de tecidos
diversos e multicoloridos? Melhor, o que você sente? Situada à beira da Rodovia
Borsad-Dhuvaran, na Zarola Village, caminho para Dandi, aquela árvore faz parte
de um templo a céu aberto chamado Witch Mother Temple, ou Templo da Bruxa Mãe.
Realizado em 2010, diz-se entre seus frequentadores que por causa dos recorrentes
acidentes na Rodovia8, desde então serve como ponto de encontro de devotos que não
mais precisam se assustar com os relatos trágicos de tempos passados.
Se olharmos atentamente, perceberemos que cada faixa de tecido é, na verdade,
um saree, típica vestimenta das mulheres indianas. De texturas, cores e tamanhos
Narrativas de Viagem

variados o que se nota em uma leitura mais atenta da imagem é a carga dramática
que traz consigo. Além dos tecidos, maquiagens são deixadas aos pés da árvore em
homenagem à referida bruxa que, em retorno, abençoa seus devotos, bem como os
moradores daquela vila.
De outro modo, a imagem pode ser associada à forma como a Índia vinha sendo
desnudada pelos ingleses por meio das regras coloniais impostas por tantos anos: uma
árvore, mil sarees; pode revelar em suas camadas as pobres condições de vida de um
8 Coincidência ou não, os acidentes pararam de acontecer desde aquela ocasião.
214 povo lutando pela sobrevivência em face da miséria durante o domínio britânico. Sem
dinheiro para comer ou vestir, não lhes restava mais do que a fé em dias melhores.
Isso posto, resgato o primeiro princípio escolhido, o da igualdade entre todas as
religiões (sava dharma samantva) em alusão à diversidade religiosa e espiritual neste
País. Mas em que isso tangencia a Salt Satyagraha? Diretamente coligado à prática
espiritual, Gandhi advogava em prol do respeito à diversidade em suas falas nas aldeias
e pontos de parada, bem como sobre a não violência, sendo ambos necessários para que
mulheres e homens qualifiquem-se ao Satyagraha Ashram, o equivalente “gandhiano” a
instituição religiosa ou espiritual. Ou, nas palavras do líder indiano, “uma comunidade
de homens ou religião”9 em que a comunidade está para grupo de pessoas vivendo
juntas, tal qual homens para os seres humanos e a religião para hinduísmo, cristianismo,
islamismo etc. ou qualquer outra crença (incluindo não crenças).
Assim, creio, o respeito ao outro (bem como sua consequente ausência) se
plasma como engrama da imagem, sobretudo considerando a natureza diferenciada
de cada saree, que nos conduz à multiplicidade das crenças humanas em tantas outras
imagens quantas às quais se possa recorrer. Acredito, ainda, que um outro princípio
poderia estar associado a ela, o da remoção da intocabilidade (sparshbhavana), mas
reconheço de saída que muito mais precisa ser pensado sobre a questão das castas e
sobre esse ponto em particular.
Na Fotografia 2, The Boy, as formas de um adolescente exercendo suas atividades
laborais sobre o sol se associam ao princípio do trabalho físico ou “trabalho do pão”
(sharirshrama), em que o ser humano pode buscar a salvação de feridas sociais e
individuais exclusivamente sustentando a própria existência por meio do trabalho.
Advogava Gandhi: adultos capazes devem sempre fazer seu trabalho pessoal por si
mesmos, sem recorrer à ajuda de outras pessoas a não ser em casos particulares.
De maneira contrária, o trabalho de idosos, doentes, deficientes e crianças deve
ser compartilhado por todos os adultos com força necessária para tal. Já, caso a ajuda
para cumprir esse princípio seja imprescindível, ela jamais deve se dar em uma relação
empregador x empregado.
Caminhando pelas ruas e avenidas de Guzerate não deixa de chamar atenção
o fato de que o trabalho doméstico é, esmagadoramente, designado às mulheres que,
muitas vezes, se veem servindo às famílias de seus maridos quando saem da casa
de seus pais para se casar. Complementarmente, não deixa de me surpreender que,
quando fiz a foto, não atentei a esse fato, mas à composição do quadro imagético.
Semanas depois, e por ocasião da compra de uma barra de sabão, fui surpreendido
Narrativas de Viagem

pelo vendedor que “aconselhou” não deixar que qualquer pessoa me veja lavando
minhas próprias roupas sob pena de ser confundido com uma mulher transexual.
O curioso é que embora a transexualidade seja vista com certa aceitação na Índia,
chegando mesmo a constituir uma comunidade respeitada – e, em alguns casos, com
seus membros do “terceiro gênero” percebidos socialmente como abençoados –, segundo
pontos de vista mais conservadores, quando se trata da responsabilidade pelo trabalho
doméstico essa novamente recai nos ombros de intersexuais, eunucos e transgêneros.

9 Em minha livre tradução de “a community of men or religion”.


215 Longe de assumir que esse caso seja uma verdade universal de norte a sul do
território indiano, fato é que a sociedade tem se reconfigurado de maneira intensiva
no que toca à divisão do trabalho doméstico. Se existem famílias que acreditam ser
essa uma responsabilidade feminina? Muitas. Igualmente muitas são aquelas em que
homens assumem o protagonismo das atividades do lar enquanto suas mulheres
trabalham fora ou em que simplesmente a responsabilidade é compartilhada.
Assim, o engrama da imagem me conduz também a dois outros princípios, o
da verdade (satya) e o do destemor (sarvatra bhayavarjna), necessários àquelas e
àqueles que se dispõem, ainda que com pequenas atitudes, a romperem com a lógica
opressiva vigente e a buscarem novos modelos de associação afetiva que contemplem
a heterogeneidade do próprio ser humano.
A imagem pode, ainda, conduzir às influências do domínio britânico no dia a
dia do País, uma vez que não se pode esperar por soluções que caiam do céu sem que
o trabalho – neste contexto, sinônimo de obrigação, jamais prazer – seja encarado
como única via para a subsistência física e espiritual: “se você gosta ou não, é preciso
fazê-lo; por isso, é melhor que se acostume a gostar”, me disse certa vez uma mulher
indiana sobre como aprendera com a mãe e tias a cozinhar e a cuidar da casa ainda
quando criança.
Em um país de tantas desigualdades sociais, de concentração de riquezas, e
em que cerca de 70% da população vive na pobreza – dado também traduzido na
dificuldade de acesso à água potável, saneamento básico e educação – fazer “corpo
mole” não me parece ser uma possibilidade tangível10.
Finalmente, na Fotografia 3, The Dhoti, como que representando a liderança de
uma nação, a estátua de Gandhi em tamanho maior do que o real exposta no National
Salt Satyagraha Memorial, inaugurado em 30 de janeiro de 2019 em Dandi, conforme
o sítio do próprio Memorial na Internet. No registro, a representação visual de Bapu
fala por si ao trazer à luz a grandeza daquele que com “uma pitada de sal sacudiu um
império”. Afinal, a estátua se eleva cerca de 1,40m do chão em um sólido bloco de
rocha, o que torna os 1,64m de Gandhi bem mais expressivos.
De posse de seu cajado e trajando apenas sua roupa de algodão (khadi), espécie
de manta fabricada por ele mesmo11, o registro refere-se ao princípio da não-posse
(aparigraha), espécie de desdobramento do princípio de não roubar (asteya), em que
não apenas não se deve receber, como não se deve possuir aquilo de que não se precise,
incluindo roupas, alimentos e móveis. Pois, defendia Gandhi, nem mesmo uma cadeira
dever ser tida por aqueles que podem sobreviver sem ela. Tal posicionamento impacta
Narrativas de Viagem

diretamente na simplificação da vida individual e coletiva, bem como na condução da


sociedade como organismo vivo complexo que enfrenta problemas e diferenças muito
mais profundas de serem reparadas.

10 Isso fica ainda mais claro quando se depara com famílias inteiras trabalhando na construção civil. Isso mesmo,
famílias que viajam de obra em obra. Enquanto os pais derrubam ou erguem paredes, carregam pedras e outros
instrumentos, as crianças mais velhas cuidam das mais novas nos “quintais” desses locais e essas, por sua vez,
parecem brincar de construir prédios com aquilo que têm à mão. Se já em idade de carregar uma bacia sobre a
cabeça, por exemplo, esse jovem passa o cuidado dos irmãos à filha ou filho subsequente em um ciclo que ratifica
a condição familiar por meio do não acesso à educação, por exemplo.
11 Gandhi também incentivava a população a produzir suas próprias roupas.
216 Ocorre, entretanto, que buscando o engrama deste registro deparei-me com um
erro histórico confirmado pelo pesquisador Murtaza Gandhi, uma vez que, no calor
do verão indiano, em Guzerate é literalmente impossível se manter tão coberto por
tantos dias (24), ainda mais caminhando tantos quilômetros sem quaisquer tipos de
proteção contra a ação do sol e da poluição.
Fato é que a estátua representa um Gandhi muito mais próximo daquele que
se cobriu contra o frio durante uma visita à Inglaterra, em dezembro de 1931, do que
daquele que chegou a Dandi trajando apenas um/uma espécie de tanga de algodão
puro (dhoti) em abril do ano anterior.
Uma outra leitura possível diz respeito justamente a já referida ficcionalização da
realidade via propagação de um Gandhi mais coberto, de um movimento ressignificado
e, por isso, mais vendáveis aos marinheiros que destes portos desejam avançar sobre
o território indiano em suas aventuras. Pois, como citado anteriormente (AZOUBEL,
2019), o National Salt Satyagraha Memorial chega mesmo a constituir um negócio
expressivo no escopo do que compila Marques:

Como já extensamente analisado por inúmeros autores de diversas áreas


disciplinares e sob diferentes perspectivas (K. Adams 1984; ­Hummon 1988;
Cohen 1989; Fakeye e Crompton 1991; Hughes 1992; Dann 1996; Edwards 1996;
McGregor 2000), as representações visuais e textuais desempenham um papel
fundamental na indústria turística, determinando desde o primeiro momento
(directa ou indirectamente) a escolha do ­produto, ­experiência e destino, assim
como expectativas, imagens antecipadas e práticas no local (sic.) (MARQUES,
2010, § 05).

Assim, e com os argumentos anteriores, acredito ter respaldado, ainda que


minimamente, a lógica de funcionamento da visualidade histórica enquanto caminho
reflexo-compreensivo espaço-temporal, ao mesmo tempo que a importância de se
considerar contextos e interfaces que alicerçam o ato narrativo sobre a Salt Satyagraha
a partir da minha própria vivência. Resta-me, assim, escrever me prol de uma leitura
de narrativas imagéticas fotográficas cada vez mais despida do ciclo confirmativo,
da “validação da ‘autenticidade’ do objecto [...] pelo recurso à réplica [...], do uso
repetido dos artifícios estilísticos que [...] reeditam sucessivamente a aparência do
encontro do novo e do extraordinário” (sic.) (MARQUES, 2010, § 50).
Reconhecendo que os desdobramentos dessa leitura precisam ser aprofundados em
oportunidades que, espero, não tardem a se fazer notar, finalizo esta reflexão desejando
que, a partir do explicitado, você tenha disposição e coragem para construir de alguma
Narrativas de Viagem

forma sua própria narrativa sobre a Salt Satyagraha e que, apesar das armadilhas ocultas
nas outras que a precedem, comprove por si, em seu hic et nunc característico, os efeitos
deste texto na sua percepção daquele referente. Finalmente, sentindo-se à vontade, não
deixe de me escrever para contar da sua jornada pois, marinheiro que sou, terei prazer
em ler o que você pensa tendo em mente as palavras de Benjamin...

“Seu dom é poder contar sua vida; sua dignidade é conta-la inteira [...]”
(BENJAMIN, 1994, p. 221).
217 REFERÊNCIAS

AZOUBEL, Diogo. The Three. Aslali – Guzerate. Índia. Fev. 2019 (Uma fotografia).
AZOUBEL, Diogo. The Boy. Dandi – Guzerate. Índia. Fev. 2019 (Uma fotografia).
AZOUBEL, Diogo. The Dhoti. Navagam – Guzerate. Índia. Fev. 2019 (Uma fotografia).
AZOUBEL, Diogo. Traços de sal: fotografias e histórias. In.: BARROS, Ana Taís
Martins Portanova (org.). A fotografia como imagem, a imagem como fotografia
[e-book]. Porto Alegre: Imaginalis, 2019, p. 102-116. Disponível em: <https://www.
ufrgs.br/imaginalis/wp-content/uploads/2019/09/AFotografiaComoImagem.pdf>.
Acesso em: 10 set. 2019.
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fotojornalísticas. In. Anais..., 2017, São Paulo - SP. 15º Encontro da SBPJor, 2017.
Disponível em: < Artigo SBPJor – anais – teste sbpjor.org.br/congresso/index.php/
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sobre literatura e história da cultura. 7ª ed. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo:
Brasiliense, 1994. Coleção Obras Escolhidas – Vol. I.
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www.gandhiheritageportal.org/cwmg_volume_thumbview/NDI=#page/1/mode/2up
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FRAGA, Estefania Knotz Canguçu; AZOUBEL, Diogo. No silêncio dos vestígios: o
naufrágio do Maria Celeste na capa do Jornal do Povo. In.: Líbero, São Paulo, v. 43, p.
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GINZBURG, Carlo. Pesquisa sobre Piero. Barcelona: Muchnik Editores, 1984.
GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. Trad. Federico
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KNAUSS, Paulo. O desafio de fazer História com imagens: arte e cultura visual.
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Narrativas de Viagem

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218 MARTINEZ, Monica. Narrativas de viagem: escritos autorais que transcendem o
tempo e o espaço. Intercom – RBCC. São Paulo, v. 35, n. I, p. 34-52, 2012. Disponível
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Machado da Silva, 4ª ed. Porto Alegre: Sulina, 2008.
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WARBURG, Aby. WAIZBORT, Leopoldo (org.). Histórias de fantasma para gente
grande: escritos, esboços e conferências. Trad. Lenin Bicudo Bárbara. São Paulo: Cia
das Letras, 2015.

Agradecimentos: A efetivação deste texto só foi possível com os insights e sugestões


técnicas das pesquisadoras Alexandra Gonçalves (COS | PUC-SP), Estefania Knotz
Canguçu Fraga (P.E.P.G. em História | PUC-SP), Manisha Pathak-Shelat (MICA) e
do pesquisador Murtaza Gandhi (MICA), especialmente no que toca à história da
Salt Satyagraha. Sobre os ajustes na colorimetria das fotografias, meu agradecimento
especial ao parceiro técnico Govind Chauhan (MICA).
Narrativas de Viagem
219 SALT MARCH: FOR A HISTORICAL VISUALITY

Diogo Azoubel1

“The experience that passes from person to person


is the source to which all narrators turn...2”
(BENJAMIN, 1994, p. 198).

1. A revealing tour

The Salt March (Salt Satyagraha3 or Dandi March) marks the history of the
movements and actions that culminated in India’s independence from English
colonization in 1947. Led by Mohandas Karamchand Gandhi (1869-1948), or just
Gandhi as he is better known, the walk that began on March 12, 1930, in Sabarmati
Ashram, a suburb of the city of Ahmedabad, formerly the capital of the Indian state
of Gujarat, still reverberates today in that country’s imagination as synonymous with
resistance and, perhaps much more than that, overcoming.
But are these brief developments, reintegrations and temporal intersections
sufficient to justify this reflection? Now, I believe that to reach the argumentative
spatio-temporal depth a brief digression is necessary.
When I entered the Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e
Semiótica of the Pontifícia Universidade Católica de São Paulo of São Paulo (COS | PUC-
SP), in July 2016, I had only one desire: to complete an international internship before
defending the thesis. At that time, strongly influenced by the work of my master’s advisor
and current research partner, Monica Martinez, from the Universidade de Sorocaba
(Uniso), I considered France as the country with the greatest adherence to the proposal
of reflection on the nature of the photojournalistic image, especially with regard to the
issue of the narrative of tragedy from the coverage of the fire and successive explosions
of the cargo ship Maria Celeste, in March 1954, on the Maranhão (Brazil) coast.
That said, I took the first steps in the semiotic plural universe without,
however, giving up the dialogues with other fertile fields. Open to the possibilities
that presented themselves, and when the internal selection process of work
proposals that could be contemplated under the terms of the 2018 call for proposals
of the Programa Nacional de Doutorado Sanduíche of the Coordenação para
Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (PDSE | Capes), I decided to apply
Travel Narratives

in order to broaden my horizons of knowledge.


1 Professor of the Secretaria de Estado da Educação do Maranhão (Seduc-MA) and doctoral student at the Programa
de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica of the Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(COS | PUC-SP), is a scholarship recipient of the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
by the Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (Capes | PDSE) - Process number 88881.190259/2018-01 - at
MICA, in Ahmedabad - Gujarat. India. E-mail: diogoazoubel@gmail.com. ORCID number: 0000- 0002-2839-5011.
2 Like all the other passages in Portuguese cited in this text, according to my free translation of the original: “A
experiência que passa de pessoa para pessoa é a fonte a que recorrem todos os narradores [...]”.
3 Term coined by Gandhi himself to designate the principle of non-aggression as activism.
220 All this to share that India invited me to do the doctoral internship in its
territory. In a succession of coincidences, I met the one who would become the
international research guide, Manisha Shelat (MICA), during the Encontro Nacional
de Pesquisadores em Jornalismo of the Sociedade Brasileira para Progresso do
Jornalismo (SBPJor) of 2017, at Escola de Comunicação e Artes of the Universidade de
São Paulo (ECA-USP). While I was still in São Paulo, we had the opportunity to have
several dialogues, to explore a little of São Paulo’s capital, and to talk about future
projects of possible cooperation, among them the international trip.
Also, when encouraged by the relevant secretariat team not to give up the
selection for the scholarship, after an objective exchange of messages and justifications,
I received the Indian documents in due time for internal and external processing of
the request for validation of the investigative proposal by COS, PUC-SP and Capes.
So, when I arrived in this country in December 2018, one of the first provocations
I heard was: “you need to retrace Gandhi’s route, do you think you can do it, do you
have breath? Now, if the Universe managed to bring me from so far away, it was no
longer within my power to deny such an opportunity. Knowing the history of the
Indian leader, the father of peaceful and non-violent civil disobedience, I decided to
seek more information about the March. The acceptance had already been given, but
at that time I lacked information to understand the size of the challenge that awaited
me - and I am not just talking about the 389km walk.
Between comings and goings to travel sites on the Internet, in the best style
“know India in so many nights or in so many days”, surprised me the fact that, although
long and challenging, the walk to the city of Dandi, also in the state of Gujarat,
is being remade annually by countless foreigners with the most diverse purposes,
being the bias of a scientific research structured only among so many. Now, my sense
of the March went in another direction, that of a traveler who, among Americans,
South Africans, Australians, with his camera in hand, tried to understand its power.
With a small notepad where I would write down thoughts, insights while trying to
organize this essay, my initial doubt concerned the power of photographic images
about the path as motivators of a possible (re)modeling of the reader’s perception of
such records about the facts that took place in 1930.
Can images lead us to perceptions other than the imaginary recurrent cultivated
with our help via the accentuated consumption of contents such as those conveyed
on unofficial tourist information sites? And even the officials, what role do they play
in the “sale” of ideas delivered as referring to the experiences necessary for a fruitful
experience abroad in a country like India, what importance do they carry?
In order to try to answer, even minimally, to these doubts, I will pause in these
Travel Narratives

pages the brief analysis of three of the records I made during my own version of
Satyagraha, remade in February 2019, with a view to problematizing how three of its
guiding principles are established today, namely: sarva dharma samabhava (equality
among all religions), sharirshrama (physical work or “work of bread”) and aparigraha
(principle of non-possession).
Of an essayistic nature, this text was constructed in light of the qualitative
approach and the monographic and analytical methods of photographic procedure
221 via literature review and participant observation (MARCONI; LAKATOS, 2010).
This is a second onslaught on the theme, in a (but not only) kind of continuation
of the construction of historical visuality as a concept-life. At that first opportunity,
I asked “what other images can lead us to the photographic records made during the
repetition of the Dandi March4”? (AZOUBEL, 2019, p. 103).
Articulating authors such as Abraham (Aby) Warburg (1866-1929) (2015),
Carlo Ginzburg (1984 and 2003) and Susan Sontag (1933-2004) (2003), and in a brief
analysis of six authoritative photographic records, I argued for their power to guide
the reader’s gaze of such images through the domains of history, now remains the
mission of refining thought.
Thus, and as much as in Traços de sal: fotografias e histórias, the three
photographs gathered here were taken with the following equipment: DSLR Nikon
camera model D5200 with AF-P lens 18-55mm F/3.5-5.6g; Canon PowerShot SD780 IS
compact camera; and iPhone XS smartphone, by Apple. With limited digital editions
for color control and other subtle adjustments via Abobe Photoshop CC 2019 software,
they are part of a collection of more than 1,500 photographic images gathered in an
unprecedented editorial project under execution.
The intention thus remains the same: “an attempt to build bridges between past
and present from the problematization [...] of the guiding principles of the March5”. The
idea is to reflect on how visual travel accounts can be perceived as a historical source
for the transit of past and present space-time narratives, experiences and spirituality. As
far as reference works are concerned, I chose to keep myself in the light of O Narrador,
by Walter Benjamin (1892-1940) (1994) as well as seeking in authors of the narratives as
an object the links that I considered appropriate for the consolidation of the arguments.
The expected results are related to the constitution of the photographic surface
as a path leading to the symbolic reading of different possible perceptions about
that event. Therefore, in the sections that follow are juxtaposed notes on what I felt
would come to be the historical visuality, data about Dandi March, three photographic
records author and a brief analysis of this corpus created.

2. Notes sore historical visuality

Far from stopping at the debate on the technical nature of photography (AZOUBEL,
2017 and 2019, FRAGA; AZOUBEL, 2019), it seems clear to me that its historical materiality
points out from its surface in the search for ballast in what we bring with us until the
moment of its reading. Now, carried out in a specific hic et nunc, it is inevitable that at least
one other layer of “here and now” is considered when problematizing it.
Travel Narratives

This power to make come and go, although it may not motivate a practical
external action in the reader, I believe, makes the portal photography open in time
and space... portal through which we can move freely according to the weight and
plurality of our own baggage. In other words, reading a photograph is like entering
4 As the original: “a que outras imagens podem nos conduzir os registros fotográficos realizados durante repetição
da Dandi March (Marcha do Sal)”.
5 As the original: “uma tentativa de construir pontes entre passado e presente a partir da problematização [...]
dos princípios norteadores da Marcha”.
222 Heraclitus’ river with the certainty that it can no longer be the same after such an
attack, even if without the awareness of that resignification of the self, as well as of
the depth and amplitude of its effects.
But where does that river flow? It seems fair to me to assume that the answers are,
if not infinite, multifaceted such as the condition of Homo Sapiens Demens by Edgar Morin
(2008). Even though he does not realize it, the contact with the photographic surface,
digital or analog, printed or electronic, makes the mechanisms of history turn, including
that of each subject. It allows us to approach past time - even the most recent - in the face
of the present, to think about what it shows and what it does not show (SAMAIN, 2012).
I am not affirming, however, that photography is “The” master gear, far from it,
it is part of a complex system of interdependent historical meanings that go from the
nature of the individual, from the analyzed object and from its relation to the intricate
cultural symbiosis in which it occurs. And to answer the historical why, I return to the
foundation of this reflection: the here, the now and the beyond of the narrative. which
can be and is much more than one.

The invitation to travel

In the epigraph of this text, Benjamin states that:

The experience that passes from person to person is the source to which all the
narrators have turned. And, among the written narratives, the best are the ones
that are least distinguished from the oral stories told by the countless anonymous
narrators. Between these, there are two groups, which interpenetrate in multiple
ways. The figure of the narrator only becomes fully tangible if we have these
two groups present. “Whoever travels has a lot to tell,” says the people, and
thus imagines the narrator as someone who comes from far away. But we also
listen with pleasure to the man who honestly earned his life without leaving the
country and who knows its stories and traditions6 (BENJAMIN, 1994, p. 198).

But what about when the narratives are told visually? Is it possible to think of a
qualification system that distinguishes the best from the worst? I don’t think that’s the
case, even because, what would be the subjective criteria to account for something that
unfolds within the subjectivity of the reader’s contact with the photographic image?
Even so, it is necessary to elucidate about the nature of what is narrated, the
referent framed in the juxtaposition of the four angles of 90º and frozen there. Do I know
you? Do I want to meet him? At what intensity? Am I aware of your particularities?
Through what sources? Photography is, I think, like a call to adventure, to the unveiling
of the fictionalization of reality and the realization of fiction (of the referent).
Travel Narratives

Analyzing such an image through the bias of historical visuality is, therefore, to
approach its own nature as an object of subjective action. Although one can argue in favor

6 As the original: A experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que recorreram todos os narradores.
E, entre as narrativas escritas, as melhores são as que menos se distinguem das histórias orais contadas pelos
inúmeros narradores anônimos. Entre estes, existem dois grupos, que se interpenetram de múltiplas maneiras. A
figura do narrador só se torna plenamente tangível se temos presentes estes dois grupos. “Quem viaja tem muito
que contar”, diz o povo, e com isso imagina o narrador como alguém que vem de longe. Mas também escutamos
com prazer o homem que ganhou honestamente sua vida sem sair do país e que conhece suas histórias e tradições.
223 of its supposed objectivity, which has greatly served the ideals of truth in various fields of
knowledge and human action over the centuries, to discuss a historical fact such as Salt
Satyagraha only for what (a)seems to be on the imaginary surface and disregarding its
context - approached, for example, in texts like this - is, at least, to limit oneself. For, as
Paulo Knauss explains in his reflection on the challenge of making history with images:

Throughout the history of civilizations, there are countless examples of


how written records accompany visual records. Old forms of writing, such
as hieroglyphics, demonstrate this proximity. This is tantamount to saying
that the history of the image is confused with a chapter in the history of
writing and that its detachment can mean a loss to the understanding of both.
Recognizing this implies admitting that image and writing have always lived
together7 (KNAUSS, 2006, p. 99).

That said, it is fundamental to judge the historical visuality as a starting point


for, and not as an unrestricted route. This difference is necessary to deal with the
limitations that reading/analysis/problematization of a detached photograph of its
conjuncture brings with it. Thus, the gears do not require environments (including
cognitive ones) that allow them to work together for:

[...] lead our eyes through history(s), create (or allow to do so) temporal links,
connections with what each reader carries within him/herself. More than
illustrating it, it carries with it a unique narrative that makes known even
what is outside its surface8 (AZOUBEL, 2019, p. 104).

This means that from historical visuality forms can be operated to initiate the
cycle of knowledge in the transit of what was, is and will be, multiple overlapping and
moving narratives, in a kind of composition beyond the gesture. Thus, in the specific
case of the three records presented below, more than discussing them aesthetically
(which, yes, is a possible way), the idea is to position them in a coherent way with the
event to which they refer, to approach traces perhaps not so obvious in a first reading.
Traces, therefore, of what moves us towards the consumption of travel narratives.

Among peasants and sailors

The archaic representations of the sedentary peasant and the merchant sailor
are used by Benjamin to construct his argument about the narrative act. After all,
the narrator is not present among us, comes from far away, travels too much and
has stories to tell, because he knows them well as their traditions (BENJAMIN, 1994,
p. 198-9), as already exposed. It is precisely in this experience of the stranger, of the
Travel Narratives

7 As the original: [...] Ao longo da história das civilizações, são inúmeros os exemplos em que se percebe como
os registros escritos acompanham os registros visuais. Velhas formas de escrita, como os hieróglifos, demonstram
essa proximidade. Isso equivale a dizer que a história da imagem se confunde com um capítulo da história da
escrita e que seu distanciamento pode significar um prejuízo para o entendimento de ambas. Reconhecer isso
implica admitir que imagem e escrita sempre conviveram.
8 As the original: [...] conduzir nossos olhos pela(s) história(s), criar (ou permitir fazê-lo) elos temporais, conexões
com o que cada leitor traz dentro de si. Mais do que ilustrá-la, carrega consigo uma narrativa única que dá a
conhecer, inclusive, pelo que está fora de sua superfície.
224 exotic, of the other that lies the germ for sharing between the peasant and the sailor.
The act of narrating is established as a celebration between interlocutor and
interlocutor, being the first required reliability and verisimilitude in the story woven
under the aegis of fiduciary. Thus, the interlocutor can tell what he knows, what he has
experienced of what he talks about, what he is allowed to talk about, acts as an intermediary
between heaven and earth, as a man between gods and as a god between men.
At the same time, in times of profusion of technical devices for communication,
it is up to the interlocutor to choose his sailor through his identification of himself with
what he believes (and the criteria that guide this choice are many, from geographic to
political) to be contemplated in the narrative, to be the voice of this.
Thus, it is no longer a question of who receives the sailor in his journey around
the world, but of who (subject) seeks him, based on what (motivation), as well as
how (environment) he seeks him. A profound reconfiguration if considered, as
cited by Monica Martinez on the spatial-theme transcendence of travel narratives,
the performance of Homer, in Greece in the 8th century B.C.E., when the Iliad and
Odyssey were made, initial milestones of travel narratives (MARTINEZ, 2012, p. 37).
In this perspective, such a search flows in the practical sense of the appropriation
of the narrated situation, in the utilitarian dimension cited by Benjamin. I seek - me, the
peasant - his - you, sailor - stories and traditions because I need them or because I want
to make use of them in some way. I therefore ask for your recommendations, your point
of view, “tissue in the living substance of existence, wisdom9” (BENJAMIN, 1994, p. 200).
The sailor is no longer just a merchant in the strict sense of the term, he becomes
a colleague on a journey (accessible in the palm of his hand through a few touches),
shares his expertise and often does not charge for it. The peasant, on the other hand,
far from being sedentary, seeks to reach the exotic he has heard of, to experience it
even if not with a body present. Interlocutor and interlocutor united to answer about
the importance of the narrative act, as intermediaries of space-time.
If we consider the historical visuality - yes, because we can’t lose our way or
forget that in this text the photographic images are the focus of the problematization
- the idea of seeking the reports of another person more experienced than me in
the domains of the hitherto unknown presents itself as an invitation, the call for
adventure mentioned above.
To this end, the identification of oneself with what makes up the photographic
surface10 is crucial to allow knowing something of someone in the context of production,
circulation and specific consumption (subject + motivation + environment). For, seeking
Renato Modernell’s words about travel narratives, “the traveler goes in search of the
other, learns and returns to apply what he learned to his own activity11” (MODERNELL,
Travel Narratives

2007, p. 107). As a result, the interlocutor, the peasant, who seeks his stories in an effort
to live this or that adventure himself, is moved. After all, “a person who moves in exotic
environments has a great chance of captivating those who would rather be there, in more

9 As the original: “tecido na substância viva da existência, a sabedoria”.


10 This certainly includes the factors that underlie and the acts that precede the moment of the click.
11 As the original: “o viajante vai em busca do outro, aprende e volta para aplicar o que aprendeu à sua própria
atividade”
225 rewarding adventures, than locked in elevators and city traffic jams12” (MODERNELL,
2007, p. 106). If the sailor is moved, the peasant looks for what is different from his
reports in the desire also for learning and application of what was learned.
About the exotic environments, the most important are those that differ,
distance themselves from the ordinary daily experience and, therefore, variables.
Without a specific formula - although they can be sold with multiple qualifiers - they
are expected to touch “deep strings” on authors and readers,” explains Martinez in the
words of Carl Jung (1875-1961), thus allowing the identification process to take place.

After all, experiencing and narrating different realities and worldviews may
attract attention because of their potential to touch. It is that the production
and reading of travel narratives from close or distant places awakens in the
human being the ancestral sensation of being facing the unknown and, with
this, can mobilize deep psychic content that allow the emergence of perceptions
and innovations previously dormant in individuals and the human species13
(JUNG, 2000 apud MARTINEZ, 2012, p. 48-9).

In order to awaken these perceptions and innovations, the collection and


interpretation of the collected data is the basis for the realization of travel narratives
capable of fulfilling their purpose.

Fictionalization of reality X Realization of fiction: traces of a referent

When it comes to the classification of travel narratives, Martinez (2012, p. 40)


presents three main types, namely: fictional, non-fictional and mixed. Although this
classification may seem clear, when it comes to photographic images one must be
aware of the fact that not everything that looks like it is14. Considering each isolated
cut, we run the risk of letting ourselves be carried away by what (a)appears on its
surface as an unrestricted synonym of truth. Not quite...
The quote from US sociologist Lewis Hine (1874-1940) - widely reverberated
in the study of photojournalism15, for example - warns of the fact that “although
photographs cannot lie, liars can photograph” warns of the need for critical reading.
This time, reality and fiction16 go hand in hand. But how?
If we consider the nature of the photographic act, which limits and cuts out the
referent, we must consider, I believe, a two-way street regarding the fictionalization of
reality and the realization of fiction in interlocutor x interlocutor interaction. Now, if

12 As the original: “uma pessoa que se move em ambientes exóticos tem grande chance de cativar aqueles que
prefeririam estar lá, em aventuras mais gratificantes, do que trancadas nos elevadores e nos congestionamentos
das cidades”
Travel Narratives

13 As the original: Afinal, a vivência e o relato de realidades e visões de mundo diferentes talvez atraia atenção
pelo seu potencial de tocar. É que a produção e leitura de narrativas de viagem de lugares próximos ou distantes
desperta no ser humano a sensação ancestral de estar frente ao desconhecido e, com isso, pode mobilizar profundos
conteúdos psíquicos que permitem aflorar percepções e inovações até então adormecidas nos indivíduos e na
espécie humana.
14 In fact, I think, we are much closer to complete refutation than it seems to be to its possible confirmation.
15 In addition to the articles I have produced on the subject, I suggest reading the writings of Erivam Morais de
Oliveira to deepen the issue.
16 On the subject, I recommend reading KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. Ateliê
Editora: Cotia, 2002.
226 to photograph is to choose, to privilege specific parts of the referent to the detriment
of others, nothing fairer than to question each record that becomes already when its
execution a trace (GINZBURG, 1984 and 2003) of what mimics, represents, fits or any
other verb that can be chosen.
If, as Modernell explains, the travel narratives gather “personal accounts that
constituted an intense existential experience, transforming and of high symbolic
value for the narrator; as a result of insights and reflections provided by different
scenarios from those in which he is accustomed to live17” (MODERNEL, 2010, p. 107),
it is necessary to keep in mind that imagery records of this journey carry with them
a very specific point of view about the lived experience.
Thus, assuming the demarcations and border areas of the imagery narrative
helps to understand how the process of dialogue takes place and, more deeply, to
confirm or refute the contracts entered into (trustworthiness, verisimilitude and
fiduciary). If I don’t identify myself, because, with what I see, there is no reason to
keep looking in a specific narrative for what I know (or believe I know) is not there.
This point is important to be unfolded in the order to respond as I, the peasant, can
know what integrates the narrative of the other, the sailor.
Citing Goethe’s flight from Germany at the end of the 18th century, Modernell
takes up the German philosophical expression Bildung, in which “to become what he
is, the traveller experiences what he is not18” (MODERNELL, 2010, 107). Therefore, it
is not irresponsible to declare that we tend to assume that this transformative cycle
will be confirmed in each new narrative we choose from what we consume before our
own adventure. If the transformation is not visible (even though the river continues
to run without ever being the same), why follow?
In the same direction, the profusion of forms of access to travel narratives tends
to facilitate their construction and cyclical reconstruction. The more I consume, the
more I know what I want to consume and the more I am able to get away from those
who don’t fit in with what I believe I become.
In India, for example, how can we disregard a visit to one of the wonders of the
world, the sumptuous Taj Mahal, in the city of Agra, Uttar Pradesh? How can one
deny oneself a photographic record before that spectacle of celebration of the emperor
Shah Jahan’s love for his wife Mumtaz Mahal, a victim of fatal hemorrhage after
giving birth to the couple’s fourteenth child in the early 1630s? Now, in Instagram and
Facebook times, a selfie is the minimum recommended for it to return as confirmation
of the journey: “look, I’ve been there”, it’s like echoing from its surface.
So I’m looking once again for Martinez’s words to the effect that:
Travel Narratives

The fashion to travel is in vogue and to meet this audience eager for news,
travel narratives are present in weekly publications, of general interest,
magazines for men, women and adolescents, among others, as well as in

17 As the original: “relatos pessoais que constituíram uma experiência existencial intensa, transformadora e de
alto valor simbólico para o narrador; como resultado de insights e reflexões propiciados por cenários diferentes
daqueles nos quais está acostumado a viver”.
18 As the original: “para tornar-se aquilo que é, o viajante experimenta o que não é”.
227 sites [...], in addition to the tourism notebooks of newspapers throughout the
country19 (MARTINEZ, 2012, p. 46).

Add to this the very social dynamic, in which fiction and reality (or what is
commonly called as such) are confused in the superabundance of images that refer to
each other. Photographic narrative accounts are thus resonances20 of a social behavior
that reveals the particularities of a specific cultural system grounded in a here and
now... of a historical moment in which the limits of what is or isn’t are intertwined.
After all, distant from the places where the facts take place in a first moment,
the peasant tends to assume as truth what he reads (let’s remember, then, the fiduciary
contract), even though he may choose not to move to prove what he had seen or to refuse
to accept his own adventure. In other words, “he is far from the scenario in which the
action unfolds - and, in principle, more inclined to believe in unusual things than when
he hears something about his neighborhood, his village21” (MODERNELL, 2010, p.109).
In this direction, Sandra C. S. Marques, in her reflection on topographic replicas of
the narratives of her trip to India warns of the fact that “any text and narrative style is
always framed by the literary body of its time and reflects the political, economic, social
and academic models in force at the time that cross with the intentions of the author22”
(MARQUES, 2010, § 04). Parallel to Knauss’ thinking about the configuration of visual
culture, hic et nunc is directly stitched into the way human relationships occur. Spacing,
therefore, photographic records of its nature as a social product, i.e., as a construct of
this, negatively impacts the analysis of the object (KNAUSS, 2006, p. 114).
If writing is revealing yourself, photographing is revealing yourself as when in front
of a mirror. For each record carries with it traces of who we are, of how we think and act
as parts of a specific socially configured system, is to fill the surface of the snapshot with
another elusive time that precedes us. It is, thus, to reproduce models and forms of narrat-
ing that are dear to us and which I dare to call traditions and which, at the same time that
they limit, expand our horizons as far as the domains of the unexplored are concerned.

Traces of salt

Is to narrate be stuck in this system of traditions in which each historical


moment can be seen allegorically as a box closed in on itself? No! The photographic
narrative, as I put before, has the power to point “to other narratives in a coming
and going of past and present times23” and that depend on our own knowledge to be
accessed (AZOUBEL, 2019, p. 106 and FRAGA; AZOUBEL, 2019, p. 119).
Perceived as expressions of cultural diversity capable of displaying human plurality,
Travel Narratives

19 As the original: A moda de viajar segue em voga e para atender esse público ávido por novidades as narrativas
de viagem estão presentes em publicações semanais, de interesse geral, revistas masculinas, femininas e para
adolescentes, entre outras, bem como em sites [...], além dos cadernos de turismo de jornais de todo o país.
20 The @insta_repeat profile on Instagram is a great example and, I think, would in itself yield a great reflection
on the subject.
21 As the original: “ele está longe do cenário em que a ação se desenrola – e, em princípio, mais predisposto a
acreditar em coisas incomuns do que quando ouve contar algo sobre seu bairro, sua aldeia”.
22 As the original: “qualquer texto e estilo narrativo é sempre enquadrado pelo corpo literário da sua época e reflexo
dos modelos políticos, económicos, sociais e académicos vigentes na altura que se cruzam com as intenções do autor”.
23 As the original: “para outras narrativas em um ir e vir dos tempos passado e presente”.
228 these images have their access globally expanded by the sense of sight (KNAUSS, 2006, p.
99) (including electronics) as socially established sense and break the barriers of space-
time, even pointing to the particular endogenous images in a movement structured and
structuring by / from the roots of culture (WARBURG, 2015 apud AZOUBEL, 2019, p. 106).
Thus, it remains for us to seek through the historical visuality as a path the
“imagetic engram, the sap of this understanding on facts of past time connected to
those of present time” (AZOUBEL, 2019, p. 106). In other words, from the records of
Salt Satyagraha’s repetition, in this specific example, as tracks that lead or may lead to
the intentionality of such records in relation to the original march.
This is because, obeying the “logic” of perception of travel narratives, one cannot fall
into the trap of taking as sufficient the visual patterns reproduced and reiterated in them. It
is necessary to go further, to seek the understanding of the narrated fact, not only by what
is known, by what is put and said, but by what is not known, by what is silenced and/or not
so clearly revealed on the imaginary surface. Otherwise, warns Marques, “narrowly limited
modes of representation are perpetuated [...], stereotyped images, discursively constructed
objects, which acquire meanings with autonomous existence, indifferent to their expres-
sion (or absence) in the real to which they refer24” (MARQUES, 2010, § 19). Therefore:

[...] what we see is that the discursive enunciations to which we resort in order
to narrate the experience of travel always require a shared meaning, with a
view to its understanding by the interlocutor community. They only acquire
meaning as narrative products shared by similar products that integrate and
reiterate them, bringing their authors together in a kind of “belief system” or
“body of knowledge” that serves as a basis for understanding reality, which
structures, defines and materializes, through its cumulative success, objects
that are discursively pre-organized25 (MARQUES, 2010, § 22).

Therefore, and if we make use of the visual competence proper to our days, as
Knauss (2006, p. 111) suggests, we focus on the same types of photographic records,
frames and techniques, in nothing or very little will help us to deepen the journey we
seek. Before that, it will serve to confirm what is repeatedly conveyed as an experience
to be lived unrestrictedly instead of making room for the peasant to remove for himself
the veils that hide the referent addressed in the stories told by the sailor whom he
chose as fiduciary of that journey he is seeking.

3. Records of Salt Satyagraha and other considerations

Assuming you need to know a little bit of the history of the March for the
analysis that follows, and even before we go any further, let me ask you: what do you
Travel Narratives

know about the Salt Satyagraha? About India? About Gandhi? Who, when and how
24 As the original: “perpetuam-se [...] modos de representação estreitamente limitados, imagens estereotipadas,
objectos ­construídos discursivamente, que adquirem significados com existência autónoma, indiferentes à sua
expressão (ou ausência) no real a que se referem”.
25 As the original: [...] o que se verifica é que os enunciados discursivos a que se recorre para narrar a experiência de
viagem requerem sempre um significado partilhado, com vista à sua compreensão pela comunidade interlocutora.
Só adquirem significado enquanto produtos narrativos partilhados por outros similares que os integram e reiteram,
aproximando os seus autores numa espécie de “sistema de crenças” ou “corpo de conhecimentos” que serve de base
ao entendimento do real, que estrutura, define e materializa, pelo seu sucesso cumulativo, objectos pré-organizados
discursivamente.
229 was this shared with you? Regardless of how deep your knowledge is, is it the case to
read the photographs before the impressions on them verbalized in order to fertilize
the ground for the flourishing of the sign reading in your different perceptions?
Let’s go!

Photograph 1 - The Three, in Zarola Village - Gujarat. India

Source: Diogo Azoubel (2019).

Photograph 2 - The Boy, in Navagam - Gujarat. India


Travel Narratives

Source: Diogo Azoubel (2019).


230
Travel Narratives Photograph 3 - The Dhoti, in Dandi - Gujarat. India

Source: Diogo Azoubel (2019).


231 Background

The creation of the Indian salt tax by England took place in 1759. With the entry
into and possession by the East India Company of the lands surrounding Calcutta,
rents for the territorial zones and the taxation of salt transportation increased
considerably (MOXHAM, 2001), the latter reaching a 2,400% increase. While still a
student in London, England, between 1888 and 1891, Gandhi expressed his opposition
to that tax, which initiated the civil disobedience movement that was to be adopted
by Indian leaders on February 15, 1930.
Already on March 12 of the same year, at 6:30 a.m. the Dandi March was started.
The objective was to demand the extinction of the salt tax among other ten points
(HABIB; NIZAMI, 1992). Daily, Gandhi and his satyagrahis (marching companions)
covered on foot about 20km until they reached the south of the state on April 6, 1930.
There, he “raised to the skies a handful of salt collected by the sea on the beach of
Dandi and declared the end of the monopoly of its manufacture by the English26”
(AZOUBEL, 2019). “With this pinch of salt, I shake the base of the British Empire”,
said Bapu, or the “father of the nation,” as he was affectionately called by his followers
(SINHA, 1985; COLLECTED, online).
In all, there were 24 days of dialogues with the inhabitants of each village
or stopping point for rest, of prayers and of resistance to the constant threats
of imprisonment and violence by the English. By the end of the journey, even
though the official number of walkers with Gandhi was 81, thousands of other
people had joined them along the way, which represented the nation’s massive
support for the cause.
That said, I take the liberty of addressing the three photographic records
chosen to problematize three of the guiding principles of the Satyagraha: sava
dharmasamabhava, sharirshrama, and aparigraha, each of which is directly linked to
one of the chosen visual narratives.
In Photograph 1, The Three, what do you see besides a tree full of diverse and
multicolored fabrics? Better, what do you feel? Situated on the edge of the Borsad-
Dhuvaran Highway27, in Zarola Village, on the way to Dandi, that tree is part of
an open-air temple called Witch Mother Temple. Held in 2010, it is said among its
users that because of the recurring accidents on the Highway, since then serves as a
meeting point for devotees who no longer need to be scared by the tragic reports of
past times.
If we look closely, we can see that each band of fabric is, in fact, a saree, typical of
Indian women’s clothing. With varying textures, colors and sizes, what you notice in
Travel Narratives

a more attentive reading of the image is the dramatic load it brings with it. In addition
to the fabrics, makeup is left at the foot of the trees in honor of the aforementioned
witch who, in return, blesses her devotees, as well as the residents of that village.
Otherwise, the image may be associated with the way in which India had been
stripped by the English through the colonial rules imposed for so many years: a tree,

26 As the original: “Com esta pitada de sal eu sacudo a base de o império Britânico”.
27 Coincidence or not, accidents have stopped happening since that time.
232 a thousand Saharans; it may reveal in its layers the poor living conditions of a people
fighting for survival in the face of misery during the British rule. With no money to
eat or wear, they had nothing left but faith in better days.
That said, I rescue the first principle chosen, that of equality among all religions
(sava dharma samabhava) in allusion to religious and spiritual diversity in this
country. But in what tangents to Salt Satyagraha? Directly linked to spiritual practice,
Gandhi advocated for respect for diversity in his speech in the villages and stopping
places, as well as for non-violence, both of which were necessary for women and
men to qualify for the Satyagraha Ashram, the “Gandhian” equivalent of a religious
or spiritual institution. Or, in the words of the Indian leader, “a community of men or
religion” in which community is for group of people living together, such as men for
human beings and religion for Hinduism, Christianity, Islam, etc. or any other belief
(including non-beliefs).
Thus, I believe, respect for the other (and its consequent absence) is formed as
an engram of the image, especially considering the differentiated nature of each saree,
which leads us to the multiplicity of human beliefs in as many other images as one
can resort to. I also believe that another principle could be associated with it, that of
the removal of untouchability (sparshbhavana), but I recognize the output that much
more needs to be thought about the issue of castes and about that particular point.
In Photograph 2, The Boy, the forms of an adolescent exercising his work
activities on the sun are associated with the principle of physical work or “work of
bread” (sharirshrama), in which the human being can seek salvation from social and
individual wounds exclusively supporting his own existence through work. Gandhi
advocated: capable adults should always do their personal work for themselves,
without resorting to the help of other people except in particular cases.
Conversely, the work of the elderly, the sick, the disabled and children must
be shared by all adults with the necessary strength to do so. If help to comply with
this principle is indispensable, it should never be given in an employer-employee
relationship.
Walking through the streets and avenues of Gujarat does not fail to call attention
to the fact that domestic work is, overwhelmingly, assigned to women who often find
themselves serving their husbands’ families when they leave their country’s house
to marry. Complementarily, it surprises me that, when I took the photo, I didn’t pay
attention to this fact, but to the composition of the image frame. Weeks later, and
when I bought a bar of soap, I was surprised by the salesman who “advised” me not
to let anyone see me washing my own clothes under penalty of being mistaken for a
transsexual woman.
Travel Narratives

The curious thing is that although transsexuality is seen with a certain


acceptance in India, and even constitutes a respected community - and, in some cases,
with its members of the “third gender” socially perceived as blessed -, according to
more conservative points of view, when it comes to the responsibility for domestic
work this again falls on the shoulders of intersexuals, eunuchs and transgenders.
Far from assuming that this case is a universal truth from north to south of Indian
233 territory, the fact is that society has been intensively reconfigured in terms of the division
of domestic labor. Are there any families who believe that this is a female responsibility?
A lot. There are also many where men take the lead in household activities while their
women work outside or where the responsibility is simply shared.
Thus, the engram of the image also leads me to two other principles, that of
truth (satya) and that of fearlessness (sarvatra bhayavarjna), necessary for those who
are willing, even with small attitudes, to break with the current oppressive logic and
to seek new models of emotional association that contemplate the heterogeneity of
the human being himself.
The image can also lead to the influences of British domination on the daily
life of the country, since one cannot wait for solutions that fall from the sky without
work - in this context, synonymous with obligation, never pleasure - being seen as
the only way to subsist physically and spiritually: “whether you like it or not, you
have to do it; therefore, you better get used to enjoying it”, an Indian woman once
told me about how she had learned from her mother and aunts to cook and care for
the house as a child.
In a country of so many social inequalities, of concentration of wealth, and
in which around 70% of the population lives in poverty - given also the difficulty of
access to drinking water, basic sanitation and education - making the “soft body” does
not seem to me to be a tangible possibility28.
Finally, in Photograph 3, The Dhoti, as representing the leadership of a nation,
the statue of Gandhi larger than the actual size exhibited at the National Salt Satyagraha
Memorial, opened on January 30, 2019 in Dandi, according to the Memorial’s own
website. In the register, the visual representation of Bapu speaks for itself when it
brings to light the greatness of the one who “with a pinch of salt shook an empire”.
After all, the statue rises about 1.40m from the ground in a solid block of rock, which
makes the 1.64m of Gandhi much more expressive.
In possession of his staff and wearing only his cotton clothes (khadi), a kind
of blanket made by himself29, the record refers to the principle of non-possession
(aparigraha), a kind of unfolding of the principle of not stealing (asteya), in which not
only should one not receive, but not possess what one does not need, including clothes,
food and furniture. Yeah, Gandhi defended, not even a chair should be taken by those
who can survive without it. Such a positioning has a direct impact on the simplification
of individual and collective life, as well as on the conduct of society as a complex living
organism that faces much deeper problems and differences to be repaired.
It happens, however, that seeking the engram of this record I came across a
historical error confirmed by researcher Murtaza Gandhi, since, in the heat of the
Travel Narratives

Indian summer, in Gujarat is literally impossible to stay so covered for so many days

28 This becomes even clearer when faced with entire families working in the construction industry. That’s
right, families who travel from work to work. While parents tear down or erect walls, carry stones and other
instruments, the older children take care of the younger ones in the “backyards” of these places and these, in turn,
seem to play at building buildings with what they have at hand. If, for example, the young man is old enough to
carry a basin over his head, he passes the care of his siblings on to his daughter or subsequent son in a cycle that
ratifies the family condition by not having access to education, for example.
29 Gandhi also encouraged the population to produce their own clothes.
234 (24), even more walking so many miles without any kind of protection against the
action of the sun and pollution.
The fact is that the statue represents a Gandhi much closer to the one who
covered himself against the cold during a visit to England, in December 1931, than the
one who arrived in Dandi wearing only one / one type of pure cotton thong (dhoti) in
April of the previous year.
Another possible reading concerns the aforementioned fictionalisation of reality
through the propagation of a more covered Gandhi, a movement that is resigned and,
therefore, more saleable to sailors who wish to advance over Indian territory in their
adventures. For, as previously mentioned (AZOUBEL, 2019), the National Salt Satyagraha
Memorial even constitutes an expressive business in the scope of what compiles Marques:

As already extensively analyzed by numerous authors from different disciplinary


areas and under different perspectives (K. Adams 1984; Hummon 1988; Cohen
1989; Fakeye and Crompton 1991; Hughes 1992; Dann 1996; Edwards 1996;
McGregor 2000), the visual and textual representations play a key role in the
tourism industry, determining from the first moment (directly or indirectly)
the choice of product, experience and destination, as well as expectations,
anticipated images and practices in place30 (MARQUES, 2010, § 05).

That said, and with the previous arguments, I believe I have underpinned,
even minimally, the logic of the functioning of historical visuality as a space-time
reflective-comprehensive path, at the same time as the importance of considering
contexts and interfaces that support the narrative act about Salt Satyagraha from
my own experience. It remains for me, therefore, to write in favor of a reading of
photographic imaginary narratives increasingly stripped of the confirmatory cycle, of
the “validation of the ‘authenticity’ of the object [...] by the use of the replica [...], of
the repeated use of stylistic artifices that [...] successively reissue the appearance of
the encounter of the new and the extraordinary31” (MARQUES, 2010, § 50).
Recognizing that the unfolding of this reading needs to be deepened in
opportunities that, I hope, will not take long to be noticed, I conclude this reflection
hoping that, from what has been explained, you have the disposition and courage to
build in some way your own narrative about Salt Satyagraha and that, despite the
traps hidden in the others that precede it, you prove for yourself, in your characteristic
hic et nunc, the effects of this text on your perception of that referent. Finally, feeling
at ease, don’t forget to write me to tell me about your journey, for, as a sailor, I’ll be
happy to read what you think with the words of Benjamin in mind....
“Your gift is to be able to count your life; your dignity is to count it all...32”
Travel Narratives

(BENJAMIN, 1994, p. 221).

30 As the original: Como já extensamente analisado por inúmeros autores de diversas áreas disciplinares e sob
diferentes perspectivas (K. Adams 1984; ­Hummon 1988; Cohen 1989; Fakeye e Crompton 1991; Hughes 1992; Dann
1996; Edwards 1996; McGregor 2000), as representações visuais e textuais desempenham um papel fundamental
na indústria turística, determinando desde o primeiro momento (directa ou indirectamente) a escolha do ­produto,
­experiência e destino, assim como expectativas, imagens antecipadas e práticas no local.
31 As the original: “validação da ‘autenticidade’ do objecto [...] pelo recurso à réplica [...], do uso repetido dos
artifícios estilísticos que [...] reeditam sucessivamente a aparência do encontro do novo e do extraordinário”.
32 As the original: Seu dom é poder contar sua vida; sua dignidade é conta-la inteira [...].
235 REFERENCES

AZOUBEL, Diogo. The Three. Aslali - Gujarat. India. Feb. 2019 (One photograph).
AZOUBEL, Diogo. The Boy. Dandi - Gujarat. India. Feb. 2019 (One photograph).
AZOUBEL, Diogo. The Dhoti. Navagam - Gujarat. India. Feb. 2019 (One photograph).
AZOUBEL, Diogo. Traços de sal: fotografias e histórias. In.: BARROS, Ana Taís
Martins Portanova (org.). A fotografia como imagem, a imagem como fotografia
[e-book]. Porto Alegre: Imaginalis, 2019, p. 102-116. Disponível em: <https://www.
ufrgs.br/imaginalis/wp-content/uploads/2019/09/AFotografiaComoImagem.pdf>.
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GINZBURG, Carlo. Pesquisa sobre Piero. Barcelona: Muchnik Editores, 1984.
GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. Trad. Federico
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grande: escritos, esboços e conferências. Trad. Lenin Bicudo Bárbara. São Paulo: Cia
das Letras, 2015.

Thanks: The effectiveness of this text was only possible with the insights and technical
suggestions of researchers Alexandra Gonçalves (COS | PUC-SP), Estefania Knotz
Canguçu Fraga (P.E.P.G. in History | PUC-SP), Manisha Pathak-Shelat (MICA) and
researcher Murtaza Gandhi (MICA), especially regarding the history of Salt Satyagraha.
About the adjustments in the colorimetry of the photographs, my special thanks to
technical partner Govind Chauhan (MICA).
Travel Narratives
237 DENÚNCIA E ALTERIDADE:
OS QUADRINHOS DE VIAGEM
DE GUY DELISLE

Mateus Yuri Passos1

Descoberta, experiência e a vertigem dos gêneros

Nos textos que introduzem este volume, assim como em um artigo que publiquei
anteriormente (PASSOS e CASTILHO, 2017), é fortemente ressaltada a noção de
que há um núcleo temático comum às narrativas de viagem: a descoberta – e, mais
especificamente, a descoberta do outro, em um exercício de alteridade. Assim, torna-
se evidente que a literatura de viagem não se centra necessariamente apenas sobre
localidades, mas também sobre povos, sobre civilizações.
O tema é um dos elementos essenciais – junto a forma composicional e estilo
– para se definir gêneros de texto (e não apenas de texto) a partir da concepção
bakhtiniana de gêneros discursivos, bastante cara a mim justamente por sua elasticidade
e – por que não? – permissibilidade, ao proporcionar a visão de uma cosmologia de
gêneros que em vez de restringi-los a um conjunto definido e bem delimitado, abre a
portas para o infinito, a ponto de nos passar uma sensação de vertigem: para Bakhtin
(2016), ao mesmo tempo que um conjunto de práticas discursivas que utilizem com
alguma recorrência e estabilidade elementos temáticos, composicionais e estilísticos
semelhantes configuraria um gênero discursivo, qualquer alteração substancial em um
desses componentes necessariamente originaria um novo gênero, necessariamente
distinto do primeiro.
Assim, numa perspectiva bakhtiniana pode fazer mais sentido falar em sistemas
de gêneros discursivos do que em gêneros isolados e bem delimitados, prevendo assim
a variação, a dissonância, os pontos fora da curva e, principalmente, os pontos fora
da curva que fazem escola, vão se aglomerando e passam a constituir seus próprios
conjuntos (ou subsistemas) de gêneros discursivos – assim, podemos trabalhar
definições que compreendam e mesmo antecipem simultaneamente a semelhança e
a diferença. Essa é, por exemplo, a tratativa com que venho trabalhando o jornalismo
Narrativas de Viagem

literário (PASSOS, 2017), especialmente diante do enorme desafio encontrado pelos


pares em encontrar uma definição globalizante que permitisse classificá-lo enquanto
gênero ou forma em suas múltiplas e radicalmente distintas encarnações ao redor
do mundo e ao longo das décadas e séculos (BAK, 2011): pensá-las como um sistema
de gêneros discursivos que tem como ponto comum um elemento composicional
1 Professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo
(Umesp) e editor da revista Comunicação & Sociedade. Doutor em Teoria e História Literária pela Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp). Mestre em Ciência, Tecnologia e Sociedade pela Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar). Bacharel em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) e
em Estudos Literários pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). E-mail: mateus.passos@metodista.br
238 – a hibridização entre práticas do jornalismo e da literatura – permite a aceitação
do dissonante e do imprevisto, identificar a formação de subconjuntos de gêneros
surgidos a partir de uma ou mais dessas dissonâncias – caso do jornalismo gonzo,
que compreende práticas bastante distintas, mas ainda relacionadas, especialmente
a partir da relação dialógica com os textos-referência do pioneiro, Hunter S.
Thompson (MARTINEZ e PASSOS, 2018). Pensar conjuntos de gêneros também
permite compreender como práticas semelhantes se relacionam entre distintos
subconjuntos de gêneros: é possível, por exemplo, identificar obras que se encontram
na zona fronteiriça, nos pontos de contato entre os subconjuntos de jornalismo
gonzo e jornalismo literário de viagens, como as reportagens de Arthur Veríssimo
para a revista Trip, histórias de perfomance egocêntrica centradas sobre o contato,
o estranhamento e por vezes a empatia com diferentes culturas ao redor do mundo,
com especial destaque para práticas religiosas.
Gostaria de pensar então, de forma bakhtianamente bastante preliminar, não
exaustiva e não delimitadora, sem perspectivama de conclusão ou acabamento, as
narrativas de viagem enquanto um conjunto bastante complexo e diverso de gêneros
discursivos – diverso inclusive ao se compor de diversas e distintas linguagens
narrativas, de diversos suportes midiáticos. O conjunto apresentado neste livro
é uma exemplar amostra disso: há narrativas de viagem essencialmente textuais-
documentais, essencialmente imagéticas, ficcionais, jornalísticas, publicitárias,
audiovisuais, transmídia – e dentre elas não posso deixar de identificar as recentes
narrativas de bicicleta de Demétrio de Azeredo Soster, Operação Banda Oriental (2017),
Operação Valparaíso (2018) e Operação Carretera Austral (2019), que além de comporem
conjuntos de livro e documentário, de narrações que complexamente se constroem
juntamente e simultaneamente às experiências narradas, ainda constituem híbridos
entre material de fruição e acadêmico ao receberem suas contrapartes acadêmicas.
Ainda temos, porém, aquele núcleo temático comum que nos permite agrupá-
las – que além do deslocamento em si compreende, como já mencionado, a descoberta
da outra terra e do outro povo, mas num nível ainda mais fundamental compreende
a organização e narração da experiência pessoal, desde as suas origens nas narrativas
dos poucos privilegiados que em tempos de grandes limitações infraestruturais
tinham a possibilidade de desbravar o mundo (MARTINEZ, 2016).
A narração da experiência é um tópico caro a autores como Walter Benjamin,
explorado em ensaios de sua fase madura como “Experiência e Pobreza” [“Erfahrung
und Armut”], de 1933, e “O Contador de Histórias” [“Der Erzähler”, mais conhecido
no Brasil com o título “O Narrador”], de 1936 – mais especificamente, interessa a
Narrativas de Viagem

Benjamin a “pobreza de experiência” (2012, loc.1235), a decadência e desvalorização


da experiência na produção narrativa das primeiras décadas do século XX, pela qual
atribuia culpa ao menos parcial ao jornalismo de seu tempo (BENJAMIN, 2018). É
preciso ter em mente que Benjamin se referia naquele momento a um processo de
“modernização” do jornalismo que incorporava estratégias textuais como o lead e
a estrutura de pirâmide invertida, buscando a redução dos acontecimentos aos seus
núcleos factuais essenciais (GENRO FILHO, 2012) e a apreciação racional e emocional
aos eventos a fragmentos declatórios – as formas de caráter narrativo-descritivo
239 como o jornalismo literário se opõem diametralmente a isso, constituindo-se
justamente como jornalismos que privilegiam a experiência como condição essencial
de apreciação da realidade (PASSOS, 2017).
Nas narrativas da experiência ao menos desde o final do século XIX, em
movimentos literários como o naturalismo francês e o verismo italiano, assim como nos
estudos acadêmicos de disciplinas como História (HELLER, 2016; CERTEAU, GIARD e
MAYOL, 2013) e Filosofia da Linguagem (VOLOSHINOV, 2015), tem ganhado terreno e
protagonismo a contemplação do cotidiano, em complemento ou mesmo substituição
à narrativa dos grandes acontecimentos, dos grandes feitos. A vivência do cotidiano,
as práticas rotineiras e banais, ou mesmo as rupturas da rotina na singular dimensão
do indivíduo e das pequenas comunidades, a narração de tudo isso permite conhecer
uma realidade frequentemente destoante dos grandes padrões e das considerações
generalizantes sobre uma localidade, sobre um povo. Valentin Volóshinov (2015),
em obra usualmente atribuída a Mikhail Bakhtin, chega a afirmar que a vivência do
cotidiano dá origem mesmo a uma ideologia, uma cosmovisão própria, que se oporia
a uma ideologia oficial, aquela constituída pelas instituições de poder administrativo,
coercitivo e financeiro – privilegiar uma pintura narrativa de tal ideologia dialoga
com o movimento pelo qual Benjamin (2012) faz um apelo na mais enigmática de
suas obras, o conjunto de teses “Sobre o Conceito de História” [“Über den Begriff der
Geschichte”]: escovar a História a contrapelo, desvelar aquilo que é ocultado pela
escrita da história das grandes narrativas, da História dos vitoriosos, dos dominadores,
da hegemonia. Quando falamos do cotidiano nas narrativas de viagens – as quais em
teoria representariam uma ruptura com a dimensão a que mais usualmente atribuímos
a noção de cotidianidade –, tratamos justamente das pequenas dimensões da vida que
se desvelam, da observação de hábitos e valores distintos daquele do viajante que
narra, do choque cultural, da mútua compreensão do outro e eventual assimilação
de alguns desses hábitos e valores: enfim, pela troca cultura, pela alteridade nos seus
aspectos mais fundamentalmente dialógicos e humanos.
Chegamos, finalmente, ao tópico da histórias em quadrinhos enquanto um
dos suportes artísticos nos quais se articulam narrativas de viagem. Quadrinhos
são também um complexo sistema de gêneros discursivos, com radicais variações
temáticas e estilísticas, embora mais comumente conhecidos a partir das variações
mainstream que Douglas Wolk (2007, p.21) denomina “quadrinhos de gênero” [Genre
comics], segmentados em temáticas como terror, ação, fantasia, ficção científica e
super-heróis, e geralmente considerados como material de leitura exclusivamente
juvenil – é importante notar que a noção de gênero com que Wolk trabalha é
Narrativas de Viagem

essencialmente temática, embora naturalmente tenha suas consequências e limitações


em termos composicionais e estilísticos, dimensões geralmente articuladas em torno
das convenções das três grandes matrizes quadrinísticas globais: a anglo-saxônica,
a europeia e a japonesa, cada qual evidentemente contendo um certo grau de
hibridização com as demais a partir dos fluxos dialógicos entre as diferentes tradições
e artistas. Para além dos “quadrinhos de gênero” abre-se o ainda mais vasto mundo de
“quadrinhos artísticos” ou “quadrinhos de autor” (WOLK, 2007) que contempla ficção
e não ficção, biografia e memória, naturalismo e surrealismo, o figurativo e o abstrato,
240 o sóbrio e o onírico, abarcando obras tão díspares em estratégia narrativa – em seus
aspectos visuais, assim como verbais – que chega a parecer extremamente redutor
agrupá-las em torno de um denominador comum tão simplificador como “histórias
em quadrinhos”.
Mesmo quando falamos em quadrinhos de viagem, tratamos de um subconjunto
de gêneros que abarca narrativas tão díspares que poderíamos considerá-las
antípodas. Como exemplo, menciono duas obras pertencentes ao terreno da ficção e à
mesma matriz, a japonesa: One Piece, mangá mainstream de Eiichiro Oda serializado
semanalmente na Weekly Shonen Jump, a antologia de mangás de maior tiragem e
popularidade no mundo dedicada ao público adolescente, e Um Bairro Distante [Haruka
na Machi e], de Jiro Taniguchi, serializada na revista quinzenal Big Comic, voltada a
um público mais maduro. One Piece é uma narrativa maximalista de ação e aventura,
publicada desde 1997 e ainda inacabada, reunida até o momento em 93 volumes com
uma média de aproximadamente 200 páginas, contendo o estilo narrativo cinemático
e ágil que se tornou o padrão dos mangás desde as contribuições de Osamu Tezuka
entre os anos 1950 e 1980 – narrando a história de um bando de piratas em uma
jornada que literalmente dá a volta ao mundo, enfrentando inimigos cada vez mais
poderosos enquanto lentamente vão se desvendando os mistérios do colapso de
uma civilização esquecida e da emergência de um governo mundial hegemônico, a
viagem é apenas um dos aspectos da narrativa, mas constitui justamente o elemento
que confere alguma unidade à trama, com sucessivos deslocamentos entre países
cujos habitantes, arquitetura, hábitos e valores são sempres caracterizados de forma
peculiar e singularizante. Um Bairro Distante, por outro lado, é substancialmente
menor em dimensão, compreendendo dois volumes com material publicado entre abril
e novembro de 1998; menor também no escopo da trama, ao tratar de uma viagem de
descoberta em um de seus aspectos mais banais, quando o protagonista por equívoco
toma um trem para seu bairro natal, distante de sua residência, e ali revive memórias
e confronta seu passado. Com um estilo visual e composição narrativa mais próxima
do modelo de álbuns da matriz europeia de quadrinhos, muitas das obras mais
renomadas de Jiro Taniguchi se focam justamente nas jornadas sem grandes eventos
significativos de um protagonista flanêur que explora vizinhanças desconhecidas,
ou mesmo ruas desconhecidas de sua vizinhança, como em O Homem Que Passeia
[Aruku Hito] ou desbrava restaurantes, pratos e sabores como em O Gourmet Solitário
[Kodoku no Gurume]. As jornadas nas histórias de Oda dão passos largos, têm escopo
monumental e guardam o potencial de mudar os rumos da humanidade de todo um
mundo, enquanto as de Jiro Taniguchi são tímidas e, se têm algum impacto, esse se dá
Narrativas de Viagem

apenas no íntimo de seus protagonistas.


241

Figuras 1 e 2: Um Bairro Distante e One Piece: quadrinhos japoneses contemporâneos


em que estilo, composição e a própria noção de viagem são radicalmente distintos.

No terreno da não ficção, obras que contemplam e celebram a dimensão do


cotidiano são bem mais recorrentes, terreno desbravado pelo norte-americano Harvey
Pekar nos anos 1970 ao tratar, em sua série American Splendor, de temas como suas
obsessões pessoais, o incômodo com filas de supermercado ou a apreciação de discos
de jazz (VILELA, 2016) ou pela também norte-americana Alison Bechdel em obras
como Fun Home e Você é Minha Mãe? [Are You My Mother?] (ZOUVI, 2016).
Se pensamos em narrativas de viagem de não ficção em quadrinhos – já
contemplando intersecções entre diversos subconjuntos desse vasto sistema de gêneros
discursivos –, um dos expoentes no segmento de caráter mais jornalístico é o maltês
Joe Sacco, foco do capítulo de Ricardo Jorge neste livro, especializado em cobertura de
guerra e globalmente reconhecido por seus trabalhos focados na questão palestina e
na Guerra dos Bálcãs.
Outro nome que vem se singularizando e ganhando destaque no campo será o
foco de nossa atenção aqui: Guy Delisle, que se especializou em trabalhos de caráter
Narrativas de Viagem

autobiográfico e em certa medida denuncista, embora os mais recentes tenham ganhado


uma dimensão mais favorável à humanização e alteridade. Como toda narrativa de
viagem, as quatro narrativas que discutiremos brevemente aqui – Shenzhen, Pyongyang,
Crônicas Birmanesas e Crônicas de Jerusalém – são, assim, narrativas da descoberta
do outro, narrativas da experiência e do cotiano. Enquanto conjunto, porém, elas
constituem uma espécie de narrativa de formação em que acompanhamos o gradual
amadurecimento do sujeito narrador, de suas visões de mundo e de sua relação com o
Outro que se apresenta em suas vivências em terras estrangeiras.
242 Guy Delisle: as narrativas do choque e da empatia

Guy Delisle é um quadrinista e cartunista franco-canadense, nascido na cidade


de Quebec, situada na província de mesmo nome. Sua formação artística e acadêmica
inicialmente foi voltada ao campo da animação, trabalhando então para estúdios no
Canadá e posteriormente na França. Quando se muda para a Europa, passa também
a publicar histórias em quadrinhos – pela editora L’Association, especializada em
quadrinhos autorais, passa a publicar trabalhos de ficção como Réflexion (1996), Aline
et les Autres (1999) e Albert et les Autres (2001), trabalhos ficcionais compostos por
sequências puramente visuais, sem a interação dos desenhos com um texto verbal.
Seu trabalho de ficção continuaria com os três volumes de Inspecteur Moroni (2001,
2002 e 2004), e os livros infantis Louis au Ski (2005) e Louis à la plage (2008), narrativas
compostas a partir de uma mescla de suas recordações de infância e das observações
que fez de seu próprio filho Louis.
Logo a não ficção – dentro dos limites em que é possível negar a ficcionalização
dos relatos, como veremos na terceira seção deste capítulo – passaria a ser a principal
senda narrativa de Delisle, especialmente a partir do momento em que, trabalhando
como diretor de animação para sucursais asiáticas de estúdios franceses, passa a
experienciar culturais e modelos de sociedade bastante distintos daqueles a que se
habituara. Assim, já o seu terceiro álbum lançado pela L’Association passaria a ser
uma verdadeira graphic novel, um romance gráfico, história em quadrinhos de maior
fôlego, e também sua primeira narrativa de viagem: Shenzhen (2000), um relato de sua
estada de três meses na China, trabalhando no estúdio de animação. A experiência
na Coréia do Norte renderia a graphic novel Pyongyang (2003), em muitos aspectos
bastante semelhante à primeira.
O amadurecimento da abordagem narrativa de Delisle, de seu estilo e mesmo
de seu envolvimento com as localidades se transformaria radicalmente a partir do
momento em que mudam as condições de seu deslocamento e permanência nas
localidades. Quando começa a namorar e posteriormente se casa com Nadège,
administradora que trabalha para a organização Médicos Sem Fronteiras, Delisle passa
a viajar em função do trabalho da companheira e do cuidado dos filhos. A família
vive em Myanmar/Birmânia em 2005, experiência narrada em Chroniques Birmanes
[Crônicas Birmanesas] (2007), e em Israel entre 2008 e 2009, período recriado no
livro Chroniques de Jérusalem [Crônicas de Jerusalém] (2011). O cotidiano do cuidado
com o filhos deu origem à série de quadrinhos Le Guide du Mauvais Père [O Guia do
Pai Péssimo], com quatro volumes publicados até o momento – em inglês, as obras
Narrativas de Viagem

receberam títulos distintos: A User’s Guide to Neglectful Parenting, Even More Bad
Parenting Advice, The Owner’s Manual to Terrible Parenting e The Handbook to Lazy
Parenting. Já a conviência com os profissionais da organização Médicos Sem Fronteiras
renderia a graphic novel S’Enfuir. Récit d’un Otage [Fugir. O Relato de um Refém]
(2016), que conta a história de Christophe André, um administrador dos Médicos Sem
Fronteiras que foi sequestrado e viveu em cativeiro na região do Cáucaso em 1997.
As quatro graphic novels de Guy Delisle que constituem narrativas de viagem,
relatos de sua experiência no estrangeiro – Shenzhen, Pyongyang, Crônicas Birmanesas
243 e Crônicas de Jerusalém – têm uma estrutura narrativa peculiar: são quadrinhos-
fragmento, quase fractais, compostos por pequenos instantâneos que representam
momentos distintos de sua viagem – abordagem possivelmente influenciada pelo
exercício de formas cartunescas curtas como as dos primeiros livros que produziu. São,
assim, mais do que tramas de fôlego estruturadas num crescendo narrativo, coletâneas
de experiências integradas por pequenas unidades sem progressão de ação, cuja
tensão narrativa é rapidamente resolvida: um mosaico que representa de certo modo a
natureza da experiência de viagem, na qual eventos se sucedem sem que haja conexão
direta entre eles, a não ser a sequência cronológica.

Figuras 3 e 4: Em Shenzhen (à esquerda) e Pyongyang (à direita), Delisle a


presenta diversas formas de repúdio/denúncia de sociedades
que rejeita, considerando-as não-lugares.

Os dois primeiros álbuns, Shenzhen e Pyongyang, como mencionado


anteriormente, são bastante semelhantes, tanto na temática dos fragmentos narrativos
quanto na responsividade de Delisle frente aos acontecimentos, aos ambientes. Em sua
primeira experiência numa sociedade politicamente fechada, o cartunista manifesta na
Narrativas de Viagem

narrativa um choque cultural que o mostra horrorizado com a vida e sociedade locais
– a ponto de compará-la diretamente com o Inferno dantesco da Divina Comédia,
sintomaticamente elencando os Estados Unidos como análogos ao Paraíso (Figura 3).
Esse gesto expressa uma percepção discursivo-ideológica que curiosamente aprecia
os EUA como expressão máxima de liberdade civil, à qual se contraporia a sociedade
chinesa, a medida a partir da qual os mais variados eventos – matricular-se em uma
academia, passar o Natal com um colega de estúdio, a estada no hotel – tornam-se palco
para expressar deslocamento, descontentamento e repúdio e pintar a cidade como um
244 pesadelo vivo. Como apontam Dalmonte e Araujo (2011), esse movimento de rejeição
se expressa no próprio traço de Delisle que, adotando um aspecto mais grosseiro,
“reconstrói as percepções da sujeira, da palidez, da velocidade e, muitas vezes, do caos
de Shenzhen” (DALMONTE e ARAUJO, 2011, p.357)
De forma semelhante, Pyongyang expressa o estranhamento e o repúdio de
Delisle a sua estada de dois meses na capital norte-coreana. Há algumas distinções
interessantes, porém. A primeira é o dúbio vínculo que o cartunista estabelece com
seu guia permanente, Sin – a quem apelida Capitão Sin, de modo a prover algum
alívio cômico para sua própria estada e para a narrativa. Desta vez, se há cenas em
que a rejeição cultural-ideológica se coloca de maneira ainda mais intensa, como
uma visita feita Museu Internacional da Amizade, uma celebração da revolução e
dos líderes norte-coreanos, ou na qual tenta “despertar” um de seus guias ocasionais
ao lhe emprestar um exemplar de 1984, de George Orwell – na esperança de que
ele enxergasse os paralelos entre a realidade ao seu redor e a distopia orwelliana
(Figura 4) –, há momentos de leveza em que Delisle se diverte com os guias ou colegas
estrangeiros do estúdio de animação.
Narrativas de Viagem

Figuras 5 e 6: Em dois momentos distintos de Crônicas Birmanesas, Delisle realiza


um movimento de denúncia (à esquerda) da mudança súbita da capital da Birmânia,
mas também de integração e envolvimento com a cultura local (à direita).
245 Uma mudança substancial no tom narrativo é operada nas duas obras
posteriores. Como mencionei anteriormente, Crônicas Birmanesas é um divisor nas
narrativas de viagem de Delisle uma vez que o cartunista deixa de viajar movido pela
priorização de seu próprio trabalho e passa a acompanhar Nadège em suas missões
para os Médicos Sem Fronteiras. A estada na Birmânia/Myanmar é assim marcada
por uma mudança essencial na sua condição, na qual a maior parte das horas de seus
dias não é preenchida pelo trabalho em estúdios de animação. Nadège assume o papel
de protagonista que vai para onde a ação está (embora seja pouco presente nas cenas
do livro), enquanto Delisle se ressignifica enquanto um flâneur que passa a explorar,
desbravar a sociedade birmanesa.
Embora haja, como nos livros anteriores, gestos de denúncia e repúdio ao governo
local, militarizado e autoritário a ponto de promover uma súbita e forçada mudança
de capital nacional durante a estada do cartunista (Figura 5), Delisle passa a observar
e retratar a cultura local de forma por vezes curiosa, por vezes respeitosa, buscando
observá-la em sua distinção de um modo que dista bastante do absoluto repúdio por
costumes e manias manifesto em Shenzhen e Pyongyang: mesmo o hábito de mascar o
bétel, uma planta local, que causa o manchamento dos dentes – aspecto que despertaria
seu nojo nos contextos anteriores. Podemos compreender essa transformação a partir
da mudança substancial nas condições que permitem o vínculo de Delisle com os
espaços e as pessoas: sua permanência tem um caráter mais fortemente assemelhado
à da residência, a criação de uma rotina do estabelecimento de um vínculo afetivo com
a vizinhança (de CERTEAU, GIARD e MAYOL, 2013). Também podemos relembrar a
distinção que Marc Augé (1994) propõe entre lugares e não-lugares, estes decorrentes
da condição contemporânea a que denomina sobremodernidade. Não-lugares, como
são Shenzhen e Pyongyang, para Delisle, são pontos de passagem, vistos como meios
e não como fins, nos quais o sujeito se detém por pouco tempo, deixando de notar
as singularidades do espaço e dos sujeitos ali presentes, no quais não cria raízes; o
estabelecimento de um efetivo vínculo de afeto transforma essa relação e promove
uma nova descoberta do local e a curiosidade pelos seres humanos por trás dele.
Por fim, Crônicas de Jerusalém aprofunda esse movimento de aprofundamento
do vínculo de Delisle com os lugares, expressando mais efetivamente alguns exercícios
de alteridade. Em termos enunciativos, Delisle se diferencia de outros autores que
abordaram o tema palestino – especialmente Joe Sacco e Harvey Pekar – e de si
próprio, nas narrativas de viagem anteriores, ao não se apresentar como mediador
da narrativa, ou sobrepor sua voz às dos demais, e sim narrar um estado inicial de
ignorância e ingenuidade e seu processo de transformação transformação pessoal na
Narrativas de Viagem

tentativa de compreensão do complexo fenômeno palestino.


A representação gráfico-narrativa do autor parte de alguns pressupostos
equivocados ou ingênuos que são frequentemente desmentidos ou relativizados
por seus interlocutores – especialmente suas impressões iniciais do Estado de Israel
enquanto uma instituição pacífica e benevolente, desenvolvendo gradativamente
interesse e empatia pelo povo palestino; do mesmo modo, pontos de vista de
judeus, muçulmanos e mesmo cristãos são apresentados num panorama complexo –
efetivamente polifônico (BAKHTIN, 2010) – ao não conduzir o leitor para conclusões
246 definitivas e simplistas, realizando inclusive um esforço por vislumbrar momentos de
convivência pacifica entre os diferentes grupos (Figura 8).

Figuras 7 e 8: Em dois momentos distintos de Crônicas de Jerusalém, Delisle expressa


sua indignação com o ciclo vicioso de dominação e matança (à esquerda) e tem
uma agradável surpresa ao notar, no cotidiano, movimentos de integração entre as
diferentes culturas em Jerusalém (à direita).

Em Crônicas de Jerusalém, é finalmente possível identificar em sua estratégia


a emergência de uma valorização da experiência e da pluralidade pontos de vista das
populações israelense e palestina, inclusive contemplando a diversidade cultural do
país, que não se resume à polaridade entre judeus e muçulmanos. Embora haja uma
presença importante dos Médicos Sem Fronteira, ela não se sobrepõe autoritariamente
à fala popular e ambas contribuem para a composição de um complexo mosaico da
questão palestina, das dificuldades de trânsito entre as localidades, de certo grau de
paranóia israelense. Assim, nota-se um considerável amadurecimento do autor, ao
optar por um esforço de compreender o contexto palestino, em vez de uma explicação
causalista e simplificadora, do denuncismo de obras anteriores – pautada inclusive
Narrativas de Viagem

por uma representação narrativa desse mesmo amadurecimento, conforme constrói a


si próprio enquanto personagem ingênuo que aos poucos descobre as contradições e
armadilhas de um ciclo vicioso de dominação e matança contrário a qualquer esforço
de redução ou simplificação (Figura 7). Novamente, um amadurecimento decorrente
de uma experiência singular, na qual Delisle pôde efetivamente incorporar o lugar
ao seu cotidiano, construir um vínculo com ele, uma relação de pertencimento e de
afeto – especialmente ao casualmente conduzir seus filhos pela cidade de Jerusalém, ou
manifestar maior interesse pelo território e se deslocar com mais frequência, ativamente
247 buscando conhecer diferentes setores da sociedade, o que contemplou inclusive visitas
a comunidades da Faixa de Gaza.

Subjetividade e representação gráfica

Figura 9: Gravura original de Duas Viagens ao Brasil, de Hans Staden, em que se


retrata a cultura da pesca dos tupinambás. (PAPAVERO e TEIXEIRA, 2007)

Um dos aspectos distintivos – que talvez estejam entre os mais relevantes – das
narrativas de viagem é a preocupação com alguma recriação visual dos ambientes
experienciados pelos viajantes-narradores, por vezes amparada por longas e detalhadas
descrições. De acordo com John Hartsock (2016), ao lidar com o jornalismo literário
de modo específico, a combinação de narração e descrição permite ao leitor uma mais
profunda imersão nos acontecimentos narrados, tornar-se uma espécie de testemunha
virtual das ações, das pessoas e dos lugares, e desse modo envolver-se e mesmo
assimilar melhor o material ali apresentado.
Essa preocupação já está manifesta em relatos medievais como Il Milione, de
Marco Polo (MARTINEZ, 2016) e do início da idade moderna como a obra de Hans
Staden publicada em 1557, Warhaftige Historia und beschreibung eyner Landtschafft der
Wilden Nacketen, Grimmigen Menschfresser-Leuthen in der Newenwelt America gelegen
[História verídica e descrição de uma terra de selvagens, nus e cruéis comedores de
seres humanos, situada no Novo Mundo da América], tradicionalmente traduzida em
português como Duas Viagens ao Brasil, na qual relata sua captura por uma comunidade
Tupinambá, que praticava o canibalismo ritual, e seu papel como intérprete e mediador
Narrativas de Viagem

entre partes em conflito como seus captores e uma comunidade Tupiniquim, inimiga
dos Tupinambás e aliada aos colonizadores portugueses. A obra apresenta diversas
gravuras feitas pelo próprio Staden de modo a buscar reproduzir visualmente aquilo
que vira e testemunhara em território brasileiro, nas imediações da atual Ubatuba,
no litoral paulista. O trabalho narra-descritivo e iconográfico de Staden (Figura 9)
é reconhecido pelo seu valor em ilustrar a flora e a fauna brasileira, assim como
elementos do cotidiano dos Tupinambás com quem Staden conviveu (PAPAVERO e
TEIXEIRA, 2007).
248 No caso dos quadrinhos, por conta de sua própria natureza composicional
expressa na simbiose entre texto verbal de balões e recordatórios – representações de
fala e pensamento, e no caso dos recordatórios também de marcas de tempo e espaço
ou narração em terceira pessoa – e o texto imagético dos desenhos, na qual não seria
correto estabelecer uma relação de precedência ou hierarquia clara entre um e outro
(RAMOS, 2009; POSTEMA, 2018; WOLK, 2007), temos alguma descrição verbal, mas
a parcela mais significativa da ambientação e caracterização das experiências recai
sobre a construção imagética das obras.

Figura 10: Guy Delisle e sua autorepresentação cartunesca: estratégia estilística


para representação e interpretação da realidade que evidencia sua artificialidade.

Nesse sentido, em vez de estimular uma representação visual por meio das
narrações e descrições, os quadrinhos apresentam ao leitor uma representação
acabada, construída a partir dos desenhos – de modo análogo a como uma peça
audiovisual ou um texto acompanhado de imagem oferecem a reconstrução fotográfica
de lugares, pessoas e acontecimentos. Há, porém, uma distinção que coloca os
gêneros de quadrinhos e os gêneros audiovisuais em extremos opostos: enquanto os
linguagens audiovisuais como a cinematográfica, a partir de convenções definidas
historicamente, buscam recriar uma sensação ilusória de naturalidade e continuidade
a partir de captura de fragmentos de ações (XAVIER, 2005), os quadrinhos evidenciam
e escancaram sua artificialidade ao oferecer como superfície de contato e mediação
entre o leitor e a realidade experienciada o desenho, com traços que variam entre
a estilização cartunesca, a tentativa de reprodução naturalista e composições sujas,
Narrativas de Viagem

confusas, por vezes quase amadoras.


O estilo gráfico de cada desenhista é um elemento essencial que influencia na
recepção de uma obra, nas respostas e questionamentos que a leitura oferecerá ao público.
Entre os quadrinhos de não-ficção de caráter autobiográfico (ZOUVI, 2016; VILELA,
2016 estabeleceu-se, por um lado, uma convenção em adotar-se estilos cartunescos
que, novamente, evidenciam a artificialidade e um certo grau de distanciamento entre
a representação autoral e os acontecimentos tal qual transcorreram – talvez partindo
do princípio da parcialidade e da falibidade da memória (WOLK, 2007), buscando
249 destacá-la em vez de mascará-la. Há casos excepcionais em que texto e imagem são
criados por sujeitos distintos, como na série American Splendor, com textos de Harvey
Pekar a respeito de seu próprio cotidiano, e traços de diversos e bastante distintos
desenhistas, dentre eles o renomado quadrinista underground Robert Crumb – nesse
caso, há ainda uma outra camada interpretativa e mediadora, na qual o artista gráfico
apresenta sua leitura, sua interpretação acerca de Harvey Pekar, das pessoas que o
rodeiam e dos pequenos eventos de suas vidas.
A camada mediadora do traço impõe um certo limite à fidedignidade – e por
vezes mesmo à credibilidade – dos quadrinhos de não ficção e desse modo alguns
autores, especialmente aqueles que exercem trabalhos de natureza jornalística
(RAMOS, 2016) buscam de forma ocasional ou mesmo integral adotar um traço mais
naturalista, que seja entendido enquanto reprodução mimética – quase objetiva – dos
acontecimentos, buscando preservar os aspectos mais documentais (MUANIS, 2013)
de suas narrativas.
Esse incômodo com as limitações da representação gráfica – ou suas
consequências para a fruição e recepção das obras – leva alguns autores até mesmo
a adotar o uso de fotografias como referência ou mesmo modelo para a composição
de alguns quadros e cenas em suas obras – temos como exemplo autores de tradições
e intencionalidades bastante distintas, como a memorialista norte-americana Alison
Bechdel e o jornalista de guerra maltês Joe Sacco (ZOUVI, 2016; WOLK, 2007;
RAMOS, 2016). Essa preocupação é até mesmo objeto de perfomance nas graphic
novels autobiográficas de Bechdel, quando a cartunista altera seu traço para indicar
quando está buscando representar um documento ou fotografia, tornando-o mais
austero e menos cartunesco, embora ainda estilizado, ou mesmo em um momento de
Você é Minha Mãe? no qual evidencia, num gesto metalinguístico, o uso que faz de
registros documentais para a composição do desenho (Figuras 11 e 12).
Narrativas de Viagem

Figuras 11 e 12: Em Você é Minha Mãe?, Alison Bechdel realiza um movimento


de distanciamento entre a experiência e a performance, ao distinguir a reprodução
fotográfica (ainda estilizada) da representação cartunesca. (ZOUVI, 2016, p.73)
250

Figuras 13 e 14: Em Crônicas de Jerusalém, Delisle registra diversas vezes sua


preocupação em reproduzir in loco o desenho de edifícios. Só temos acesso à
representação cartunesca, no entanto.

Em Crônicas de Jerusalém, em contrapartida, Guy Delisle frequentemente


representa a si próprio desenhando lugares e edifícios in loco, diante deles próprios,
munido de seu bloco de desenho. Em uma cena específica (Figuras 13 e 14), o
quadrinista empreende vários esforços para registrar dessa maneira um campo
de refugiados murado, é expulso dali, mas estaciona a uma distância segura para
continuar o trabalho. Esses momentos, no entanto, ganham uma dimensão até certo
ponto satírica se justapostos com os esforços de reprodução – e performáticos – de
Joe Sacco e Alison Bechdel, uma vez que em momento algum há uma ruptura com
o estilo de desenho adotado, a tentativa de apresentar um traço mais naturalista,
documental. Desse modo, o cartunista assume estilisticamente o aspecto subjetivo,
interpretativo, de seu proceder narrativo.
A análise dos quadrinhos de não ficção deve, assim, levar sempre em conta
Narrativas de Viagem

que a camada verbal é apenas uma das dimensões textuais-discursivas das obras, e
que os desenhos são uma camada de narração e representação de igual importância.
É sempre necessário, ainda, distinguir aquilo que compõe o estilo, isto é, aquilo
que é intrínseco à individualidade da representação gráfica de cada autor, o modo
como assimilam a realidade e a renderizam na forma de desenho, o que inclui
sua autorepresentação (Figura 10), e gestos que deliberadamente constituem
intervenções sobre a realidade.
Assim, a fruição e a análise crítica dos quadrinhos de viagem – assim como os
251 autobiográficos e jornalísticos – demandam o estabelecimento de um tipo singular
de pacto de leitura que dê conta de lidar simultaneamente com o caráter não ficcional
dessas narrativas e com a ficcionalidade e exaustiva interpretação de lugares,
sujeitos e ações. Nessa direção, podemos retomar a proposta de David Eason (1990)
para classificar os autores do Novo Jornalismo, a vertente do jornalismo literário
norte-americano surgida e exercida ao longo da década de 1960: Eason propõe
uma divisão entre “realistas” (a quem também podemos chamar de empiricistas),
que acreditam conseguir manter distância da realidade material, enxergá-la e
narrá-la objetivamente, e os “modernistas” (a quem também podemos denominar
fenomenólogos), que se vêem como intérpretes da realidade e não descolam a
narração de um movimento subjetivo, interpretativo no qual a realidade em si é
inacessível, sempre filtrada a partir da cultura e ideologia de observadores e atores,
sujeita a certo grau de ficcionalização em sua apreensão. Em ambos os casos, é
preciso notar, a realidade é algo interpretado e em certo grau ficcionalizado pelos
sujeitos – ao menos a partir de uma organização lógica e estruturada de ações e
acontecimentos, com o estabelecimento de relações causais entre eles–; porém, há
autores que buscam, dentro dos recursos narrativos que têm à disposição, reforçar a
verossimilhança e negar ou mascarar as camadas de interpretação e ficcionalidade,
enquanto outros assumem a inevitabilidade dessas camadas e a impossibilidade da
compreensão e da reprodução objetivas da realidade.
Enquanto autores como Joe Sacco e Alison Bechdel estão em distintas zonas
cinzentas entre esses dois polos, acredito ser possível afirmar que Guy Delisle,
ao menos nos aspectos visuais de suas obras, encontre-se mais próximo do polo
modernista – inclusive pelo caráter episódico, fragmentário de suas narrativas que
torna sua experienciação menos “natural” (XAVIER, 2005), novamente chamando
a atenção à artificialidade do ato narrativo. Se em certos momentos um traço
cartunesco bastante estilizado é adotado para expressar a irritação de um dos líderes
dos Médicos Sem Fronteiras ao passar pela área de segurança do Aeroporto Ben
Gurion e ter de se despir quase completamente no processo de revista (Figura 16) –
imprimindo certo humor a uma situação de violência–, em um quadro de Pyongyang,
um dos únicos quadros de página inteira de suas obras, o que imprime mais impacto
à cena, representa uma dezena de meninas norte-coreanas que tocavam acordeon
numa apresentação televisionada. Seu espanto com a uniformização das ações e
das expressões sorridentes treinadas, quase sinceras, o leva a compor o visual da
cena ao conferir feições quase idênticas às crianças (Figura 15). Assim, mesmo
em sua fase de maior preocupação denuncista e menor grau de alteridade, Delisle
Narrativas de Viagem

assume-se como autor e intérprete da realidade, estabelecendo certo pacto com o


leitor que permite demarcar certas distâncias entre eles, e à narrativa o aspecto de
reconstrução pessoal da experiência, em vez de reprodução fidedigna da realidade.
252

Figuras 15 e 16: Cenas de Pyongyang (à esquerda) e Crônicas de Jerusalém (à


direita): o traço cartunesco se evidencia como artificialidade, interpretação do real, e
demanda novo pacto de leitura.

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Narrativas de Viagem
255 DENUNCIATION AND OTHERNESS:
GUY DELISLE’S TRAVEL COMICS

Mateus Yuri Passos1

Discover, experience and the infinity of genres

In the pieces introducing this volume, as well as in an article I have published


earlier (PASSOS & CASTILHO, 2017), the notion that there is a common thematic
core to travel narratives is strongly emphasized: the core is discovery – and, more
specifically, discovery of the other, in an exercise of otherness. Thus, it becomes
evident that travel literature does not necessarily focus only on localities, but also
on peoples, on civilizations.
Thematic content is one of the essential elements – along with compositional
structure and style – to define text genres (and those which are not necessarily
related to print text), according to the Bakhtinian notion of discourse (or speech)
genres, which I hold as quite dear precisely due to its elasticity and – why not? –
permissibility, since it provides the notion of a cosmology of genres which, instead
of restricting them to a well-defined set, opens the door to infinity, to the point
of making us feel dizzy. Acoording to Bakhtin (2016), while a set of utterances
that with some recurrence and stability share similar thematic, compositional, and
stylistic elements would constitute a discourse genre, any substantial change in one
of such components would necessarily give rise to a new genre, which would be
essentially distinct from the first.
Thus, from a Bakhtinian perspective it might make more sense to speak of
systems of discourse genre than of isolated and well-defined genres, and thus we
should be expecting and predicting variation, dissonance, out-of-curve points, and
especially out-of-curve points that gather some influence, grow in importance
and then form their own sets (or subsystems) of discourse genres. Under this
perspective, we should work on definitions that are able to understand and even
anticipate similarity and difference among different works in a given genre. This
is, for example, the way I have been working with literary journalism (PASSOS,
2017), especially while beholding the enormous challenge faced by our peers in
finding a world-encompassing definition that would allow literary journalism to be
Travel Narratives

considered as a genre or form despite its multiple and radically distinct incarnations
around the world and over the decades and centuries (BAK, 2011). By thinking of
all those manifestations of literary journalism as a system of discourse genres that
1 Professor at the Graduate Program in Social Communication of the Methodist University of São Paulo (Umesp)
and executive editor of the Comunicação & Sociedade journal. Holds a PhD in Literature (University of Campinas –
Unicamp) and a Master’s Degree in Science, Technology and Society (Federal University of São Carlos – UFSCar),
a BA in Journalism (Catholic University of Campinas – PUC-Campinas) and a BA in Literature Studies University
of Campinas – Unicamp). E-mail: mateus.passos@metodista.br
256 has as a common ground a compositional element – the hybridization between
journalism and literature practices –, we allow for the acceptance of the dissonant
and the unforeseen cases. We could also identify the formation of subsets of genres
arising from one or more of such dissonances – e.g. the case of gonzo journalism,
which comprises quite distinct but still related writing practices, stemming
especially from a dialogical relationship with the pioneer reference texts, Hunter
S. Thompson (MARTINEZ and PASSOS, 2018). This notion of sets of genres also
allows us to understand how similar writing practices relate to different subsets
of genres: it is possible, for example, to identify works that are in the border zone
between the subsets of gonzo journalism and travel literary journalism, such as
Arthur Veríssimo’s reportage pieces for the Trip magazine, stories of egocentric
performance focused on contact, strangeness and sometimes empathy with different
cultures around the world, with a particular emphasis on religious practices.
I would then like, in a rather preliminary, non-exhaustive and non-delimiting
Bakhtinian way, with no prospect of completion or conclusion, to think of travel
narratives as a rather complex and diverse set/system of discursive genres – diverse
even by comprising very different narrative languages throughout almost every
media supports. The set presented in this book is exemplary of this: there are
travel narratives that are essentially textual-documentary or essentially imagetic,
fictional, journalistic, advertising, audiovisual, even transmedia – and among them
I cannot help but identify Demétrio de Azeredo Soster’s recent bicycle narratives,
Operação Banda Oriental (2017), Operação Valparaiso (2018) and Operação Carretera
Austral (2019), which in addition to each being composed of a sets of book and
documentary, and of a narration of events that is simultaneously and complexly
constructed together with the narrated experiences, are still hybrids between
fruition and academic materials, since they also have their scholarly counterparts.
We still have, however, that shared thematic core that allows us to group
them together – which beyond travelling itself comprises, as already mentioned, the
discovery of the other land and the other people, but on an even more fundamental
level it comprises the organization and narration of personal experience, since its
origins in the narratives of the privileged few who in times of great infrastructural
limitations had the possibility to brave the world (MARTINEZ, 2016).
The narration of experience is a topic dear to authors such as Walter Benjamin,
explored in essays of his mature phase such as 1933’s “Experience and Poverty”
[“Erfahrung und Armut”] and “The Storyteller” [“Der Erzähler”], published in 1936
– more specifically, Benjamin is interested in the “poverty of experience” (2012,
loc.1235), the decay and devaluation of experience in the narrative production of
Travel Narratives

the first decades of the Twentieth Century, for which he attributed at least partial
guilt to the journalism of his time (BENJAMIN, 2018). One should bear in mind that
Benjamin was referring at to a process of “modernization” of journalism which
incorporated textual strategies such as the lead and inverted pyramid structure,
seeking to reduce events to their essential factual cores (GENRO FILHO, 2012)
and leaving rational and emotional appreciation of events to quoted fragments;
narrative-descriptive forms such as those of literary journalism are diametrically
257 opposed to it, constituting precisely textual strategies that prioritize experience as
an essential condition for the appreciation of reality (PASSOS, 2017).
In narratives of experience, at least since the late Nineteenth Century – in
literary movements such as French naturalism and Italian Verismo, as well as
in academic studies of disciplines such as History (HELLER, 2016; CERTEAU,
GIARD and MAYOL, 2013) and Philosophy of Language (VOLOSHINOV, 2015), the
contemplation of daily life has gained ground and prominence, complementing or
even replacing the narrative of broad-scope events, of important, world-changing
deeds. The experience of daily life, routine and banal activities, or even the ruptures
of routine in the singular dimension of a person or a small community, the
narration of all this allows us to know a reality that is often at odds with the large-
scope patterns and generalizing considerations about a locality or its folk. Valentin
Volóshinov (2015), in a work usually attributed to Mikhail Bakhtin, goes so far as to
firmly state that the daily experience gives rise to a form of ideology, a worldview
of its own, which would oppose an official ideology constituted by institutions of
financial, administrative, and coercive power. By prioritizing a narrative painting
of such an ideology one establishes a dialogue with the movement for which
Benjamin (2012) appeals in the most enigmatic of his works, the set of theses “On
the Concept of History” [“Über den Begriff der Geschichte”], acoording to which
the true historian should brush History against the grain, unveil what is hidden
in the writing of the history of the great narratives, the history of the victors, the
dominators, the hegemonic powers. When we talk about everyday life in travel
narratives – which in theory would represent a rupture in the dimension to which
we most commonly attribute the notion of daily life –, we deal precisely with the
small-scale dimensions of life that unfold through narrative, with the observation
of habits and values distinct
​​ from that of the traveler, with the cultural shock, with
the mutual understanding of the other and the eventual assimilation of some habits
and values: in short, through the exchange of culture, the alterity and otherness in
their most fundamentally dialogical and human aspects.
We finally come to the topic of comics as one of the artistic media in which
travel narratives are articulated. Comics by themselves are also a complex system of
discourse genres, with radically different thematic and stylistic variations, although
they most commonly known for their mainstream variations that Douglas Wolk
(2007, p.21) calls “genre comics”, i.e., comics that are segmented into topics such as
horror, action, fantasy, science fiction and superheroes, and generally considered
to be a reading material aimed at and read mostly by teenagers and young adults.
It is important to note that the notion of genre that Wolk uses deals mostly with
thematic content, although of course it has its consequences and limitations in
Travel Narratives

the compositional and stylistic aspects, dimensions that are usually articulated
around the conventions of the three great global quadrinistic matrices: the Anglo-
Saxon, the European and the Japanese, each evidently containing a certain degree
of hybridization with the others due to the dialogical flows between the different
traditions and artists. Beyond “genre comics” lies the even wider world of “artistic
comics” or “author comics” (WOLK, 2007) which includes fiction and nonfiction,
258 biography and memory, naturalism and surrealism, figurativism and abstractivism,
the sober and the oneiric, encompassing works so disparate in narrative strategy –
in their visual as in their verbal aspects – that it feels extremely reductive to group
them around a common denominator as simplifying as “comics”.
Even when talking about travel comics we are dealing with a subset of genres
that span such disparate narratives that we might consider them antipodes. As an
example, I would like to mention two works belonging to the field of fiction and
the same Japanese comics tradition: One Piece, Eiichiro Oda’s mainstream manga
serialized in Weekly Shonen Jump, the world’s most popular manga anthology
dedicated to teens, and A Distant Neighborhood [Haruka na Machi e] by Jiro
Taniguchi, serialized in the biweekly magazine Big Comic, aimed at a more mature
audience. One Piece is a maximalist action-adventure narrative, published since
1997 and still ongoing, at the moment collected in 93 volumes with an average of
approximately 200 pages each, and applying the cinematic and agile narrative style
that has become the manga standard since Osamu Tezuka’s innovations between
the 1950s and 1980s. One Piece tells the story of a band of pirates on a journey
that literally goes around the world, facing ever more powerful enemies while
slowly unraveling the mysteries of the downfall of a forgotten civilization and the
emergence of a hegemonic world government – travel is only one aspect of the
narrative, but it is precisely the core element that gives the plot some cohesion,
with successive travels between countries whose inhabitants, architecture, habits
and values are
​​ always characterized in a peculiar and singular way. A Distant
Neighborhood, on the other hand, is substantially smaller in length, comprising
two volumes of material published between April and November 1998; it is also
minor in the scope of the plot, which deals with a journey of discovery in one
of its most banal aspects, when the protagonist mistakenly takes a train to his
hometown and away from his apartment, and there relives memories and confronts
his past. With a visual style and narrative composition closer to the “album” model
of the European comics tradition, many of Jiro Taniguchi’s most renowned works
focus precisely on journeys without any major significant events, with a flanêur-
like protagonist exploring unknown neighborhoods, or even unknown streets of
their own neighborhoods, such as The Walking Man [Aruku Hito] or churning out
restaurants, dishes and tastes like The Solitary Gourmet [Kodoku no Gurume]. The
journeys in Oda’s stories are striding, monumental in scope, and hold the potential
to change the course of the whole humankind, while Jiro Taniguchi’s are timid, and
if they have any impact, this happens only within their protagonists’ hearts.
Travel Narratives
259

Figures 1 and 2: A Distant Neighborhood and One Piece: contemporary manga in


which style, composition and the very notion of travel are radically different.

In the realm of nonfiction, works that contemplate and celebrate the dimension
of daily life are much more recurring – a domain pioneered by the American author
Harvey Pekar in the 1970s when dealing with subjects such as his personal obsessions,
the discomfort with supermarket queues or the appreciation of jazz records in his
American Splendor series (VILELA, 2016) or by the also American author Alison
Bechdel in works such as Fun Home and Are You My Mother? (ZOUVI, 2016).
If we consider comic nonfiction travel narratives – thus already contemplating
intersections between various subsets of this vast system of discursive genres – one of the
exponents in the more journalistic branch is the Maltese comic artist Joe Sacco, specializing
in war coverage and globally recognized for his work focused on the Palestinian issue and
the Balkan War, and who is the focus of Ricardo Jorge’s chapter in this book.
Another name that has been recognized as a unique and prominent voice in the
field is Guy Delisle, who will be the focus of our attention here. Delisle specializes in
autobiographical and to some extent denouncing works, although in his most recent
pieces he has developed a view more open to humanization and otherness. Just like every
piece of travel narrative, the four narratives we will briefly discuss here – Shenzhen: A
Travel Narratives

Travelogue from China, Pyongyang: A Journey in North Korea, Burmese Chronicles, and
Jerusalem – are thus narratives of the discovery of the other, narratives of experience
and of everyday life. As a group, however, they constitute a kind of narrative-in-the-
making in which we follow the gradual maturation of the traveler, his worldviews and
his relationship with the Other in his experiences in foreign lands.
260 Guy Delisle: narratives of shock and empathy

Guy Delisle is a French-Canadian cartoonist and comics artist born in Quebec


City, in the province of Quebec. His artistic and academic background was initially
focused on animation, then working for studios in Canada and later in France. When
he moved to Europe, he also started doing comics – published by L’Association, which
specializes in comic books, he publishes works of fiction such as Réflexion (1996),
Aline and the Others [Aline et les Autres] (1999) and Albert and the Others [Albert et
les Autres] (2001), fictional works composed of purely visual sequences, without the
interaction of the drawings with a verbal text. His work of fiction would continue with
the three volumes of Inspecteur Moroni (2001, 2002 and 2004), and the children’s books
Louis au Ski (2005) and Louis à la Plage (2008), narratives composed from a mixture of
recollections of his own childhood and observations he made about his son Louis.
Soon nonfiction – within the limits where it is possible to deny the fictionalization
of all accounts, as we will see in the third section of this chapter – would become
Delisle’s main narrative path, especially since, while working as animation director
for Asian branches of French studios, he has experienced cultural and social models
quite different from those he had become accustomed to. Thus, his third album
released by L’Association would become a true, full-fledged graphic novel, a broad-
scope comic, and also his first travel narrative: Shenzhen: A Travelogue from China
(2000), an account of his stay of three months in China, working in the animation
studio. His experience in North Korea would yield the graphic novel Pyongyang: A
Journey in North Korea (2003), which is in many ways quite similar to the former.
The maturation of Delisle’s narrative approach, style, and even involvement with
localities would radically change from the moment his conditions of travel and permanence
in countries change. When he begins dating and later marries Nadège, an administrator
who works for Médecins Sans Frontières, Delisle travels because of his partner’s work
and the care of their children. The family lives in Myanmar/Burma in 2005, an experience
narrated in Burma Chronicles [Chroniques Burmese] (2007), and in Israel between 2008
and 2009, a period recreated in the book Jerusalem [Chroniques de Jérusalem] (2011).
His everyday care of the children has given rise to the Le Guide du Mauvais Père comic
book series, with four volumes published so far – in English, the works have been given
distinct titles: A User’s Guide to Neglectful Parenting, Even More Bad Parenting Advice, The
Owner’s Manual for Terrible Parenting and The Handbook for Lazy Parenting. Spending
time together other professionals at the Doctors Without Borders organization would
render the graphic novel Hostage [S’Enfuir. Récit d’un Otage] (2016), which tells the story
of Christophe André, an administrator of Doctors Without Borders who was kidnapped
and kept in captivity in the Caucasus region in 1997.
Travel Narratives

The four of Guy Delisle’s graphic novels that constitute travel narratives,
accounts of his experience abroad – Shenzhen, Pyongyang, Burma Chronicles, and
Jerusalem – have a peculiar narrative structure: they are fragmentary comics, almost
fractal-like, composed of small snapshots that portray distinct moments of his journey
– an approach possibly influenced by the experience with short cartoon forms like
those of the first books he produced. Rather than breathtaking plots structured in a
261 narrative boom, they are collections of experiences made up of small units with little
or no plot progression, which narrative tension is quickly resolved: a mosaic that in
a way represents the very nature of the travel experience, in which events follow suit
without any direct connection between them except their chronology.

Figures 3 and 4: In Shenzhen (left) and Pyongyang (right), Delisle presents several
forms of repudiation/denunciation of societies he terminantly rejects and considers
as non places.

The first two books, Shenzhen and Pyongyang, as mentioned earlier, are
quite similar both in terms of the subjects of narrative fragments and of Delisle’s
responsiveness to events, to environments. In his first experience in a politically closed
society, the cartoonist expresses a cultural shock and depicts himself as horrified with
local life and society – to the point of comparing China directly with Dante’s Hell
from the Divine Comedy, and symptomatically lists the United States as analogue to
the Paradise (Figure 3). This gesture expresses a discursive-ideological perception that
curiously appreciates the US as the ultimate expression of civil freedom, to which
Chinese society would be in direct opposition, the extent to which the most varied
events – enrolling at a gym, spending Christmas with a studio colleague, staying at
the hotel – become a stage for expressing displacement, discontent and repudiation
and painting the city like a living nightmare. As Dalmonte and Araujo (2011) point
Travel Narratives

out, this movement of rejection is expressed in Delisle’s own drawing style which,
adopting a cruder aspect, “reconstructs perceptions of Shenzhen’s dirt, paleness,
high-speed and chaos” (DALMONTE and ARAUJO, 2011, p.357).
Similarly, Pyongyang expresses Delisle’s estrangement and repudiation
of his two-month sojourn in the North Korean capital. There are some interesting
distinctions, though. The first is the dubious bond the cartoonist establishes with his
262 permanent guide, Sin – whom he calls Captain Sin, in order to provide some comic
relief for his own stay and the narrative. This time, while there are scenes in which
the cultural-ideological rejection arises even more intensely, such as a visit to the
International Friendship Exhibition, a celebration of the North Korean leaders and
the revolution itself, or a scene in which he tries to “awaken” one of his occasional
guides by lending him a copy of George Orwell’s 1984 – hoping that he would notice
the parallels between the reality around him and the Orwellian dystopia (Figure 4)
–, there are also light moments in which Delisle enjoys the company of the guides or
fellow foreign colleagues from the animation studio.

Figures 5 and 6: In two different moments of Burma Chronicles, Delisle performs


movements of denunciation (left) of the sudden change of Burma’s capital, but also
of integration and involvement with local culture (right).

Uma mudança substancial no tom narrativo é operada nas duas obras


posteriores. Como mencionei anteriormente, Crônicas Birmanesas é um divisor nas
narrativas de viagem de Delisle uma vez que o cartunista deixa de viajar movido pela
priorização de seu próprio trabalho e passa a acompanhar Nadège em suas missões
Travel Narratives

para os Médicos Sem Fronteiras. A estada na Birmânia/Myanmar é assim marcada


por uma mudança essencial na sua condição, na qual a maior parte das horas de
seus dias não é preenchida pelo trabalho em estúdios de animação. Nadège assume
o papel de protagonista que vai para onde a ação está (embora seja pouco presente
nas cenas do livro), enquanto Delisle se ressignifica enquanto um flâneur que passa
a explorar, desbravar a sociedade birmanesa.
Embora haja, como nos livros anteriores, gestos de denúncia e repúdio ao
263 governo local, militarizado e autoritário a ponto de promover uma súbita e forçada
mudança de capital nacional durante a estada do cartunista (Figura 5), Delisle
passa a observar e retratar a cultura local de forma por vezes curiosa, por vezes
respeitosa, buscando observá-la em sua distinção de um modo que dista bastante
do absoluto repúdio por costumes e manias manifesto em Shenzhen e Pyongyang:
mesmo o hábito de mascar o bétel, uma planta local, que causa o manchamento
dos dentes – aspecto que despertaria seu nojo nos contextos anteriores. Podemos
compreender essa transformação a partir da mudança substancial nas condições que
permitem o vínculo de Delisle com os espaços e as pessoas: sua permanência tem
um caráter mais fortemente assemelhado à da residência, a criação de uma rotina
do estabelecimento de um vínculo afetivo com a vizinhança (de CERTEAU, GIARD
e MAYOL, 2013). Também podemos relembrar a distinção que Marc Augé (1994)
propõe entre lugares e não-lugares, estes decorrentes da condição contemporânea
a que denomina sobremodernidade. Não-lugares, como são Shenzhen e Pyongyang,
para Delisle, são pontos de passagem, vistos como meios e não como fins, nos quais
o sujeito se detém por pouco tempo, deixando de notar as singularidades do espaço
e dos sujeitos ali presentes, no quais não cria raízes; o estabelecimento de um efetivo
vínculo de afeto transforma essa relação e promove uma nova descoberta do local e
a curiosidade pelos seres humanos por trás dele.
Por fim, Crônicas de Jerusalém aprofunda esse movimento de aprofundamento
do vínculo de Delisle com os lugares, expressando mais efetivamente alguns exercícios
de alteridade. Em termos enunciativos, Delisle se diferencia de outros autores que
abordaram o tema palestino – especialmente Joe Sacco e Harvey Pekar – e de si
próprio, nas narrativas de viagem anteriores, ao não se apresentar como mediador
da narrativa, ou sobrepor sua voz às dos demais, e sim narrar um estado inicial de
ignorância e ingenuidade e seu processo de transformação transformação pessoal na
tentativa de compreensão do complexo fenômeno palestino.
A representação gráfico-narrativa do autor parte de alguns pressupostos
equivocados ou ingênuos que são frequentemente desmentidos ou relativizados
por seus interlocutores – especialmente suas impressões iniciais do Estado de Israel
enquanto uma instituição pacífica e benevolente, desenvolvendo gradativamente
interesse e empatia pelo povo palestino; do mesmo modo, pontos de vista de
judeus, muçulmanos e mesmo cristãos são apresentados num panorama complexo –
efetivamente polifônico (BAKHTIN, 2010) – ao não conduzir o leitor para conclusões
definitivas e simplistas, realizando inclusive um esforço por vislumbrar momentos de
convivência pacifica entre os diferentes grupos (Figura 8).
Travel Narratives
264

Figures 7 and 8: In two distinct moments in Jerusalem, Delisle expresses his


indignation at the vicious cycle of domination and killing (left) and is pleasantly
surprised to note, in everyday life, movements of integration between the different
cultures in Jerusalem (right).

Em Crônicas de Jerusalém, é finalmente possível identificar em sua estratégia a


emergência de uma valorização da experiência e da pluralidade pontos de vista das
populações israelense e palestina, inclusive contemplando a diversidade cultural do
país, que não se resume à polaridade entre judeus e muçulmanos. Embora haja uma
presença importante dos Médicos Sem Fronteira, ela não se sobrepõe autoritariamente
à fala popular e ambas contribuem para a composição de um complexo mosaico
da questão palestina, das dificuldades de trânsito entre as localidades, de certo
grau de paranóia israelense. Assim, nota-se um considerável amadurecimento do
autor, ao optar por um esforço de compreender o contexto palestino, em vez de
uma explicação causalista e simplificadora, do denuncismo de obras anteriores –
pautada inclusive por uma representação narrativa desse mesmo amadurecimento,
conforme constrói a si próprio enquanto personagem ingênuo que aos poucos
descobre as contradições e armadilhas de um ciclo vicioso de dominação e matança
contrário a qualquer esforço de redução ou simplificação (Figura 7). Novamente,
um amadurecimento decorrente de uma experiência singular, na qual Delisle pôde
efetivamente incorporar o lugar ao seu cotidiano, construir um vínculo com ele,
Travel Narratives

uma relação de pertencimento e de afeto – especialmente ao casualmente conduzir


seus filhos pela cidade de Jerusalém, ou manifestar maior interesse pelo território e
se deslocar com mais frequência, ativamente buscando conhecer diferentes setores
da sociedade, o que contemplou inclusive visitas a comunidades da Faixa de Gaza.
265 Graphic portrayal and subjectivity

Figure 9: Original engraving of Hans Staden’s book depicting the Tupinambás


fishing culture. (PAPAVERO and TEIXEIRA, 2007)

One of the distinguishing features – perhaps among the most relevant


features – of travel narratives is the concern with some visual recreation of the
environments experienced by the narrator-travelers, sometimes supported by long
and detailed descriptions. According to John Hartsock (2016) when dealing with
literary journalism, the combination of narration and description allows the reader
a deeper immersion in the narrated events, turning him or her in a kind of virtual
witness to actions, people and the places, who gets involved and even assimilates
better the material presented there.
This concern is already manifest in medieval accounts such as Marco Polo’s Il
Milione (MARTINEZ, 2016) and books in the early modern age such as Hans Staden’s
Warhaftige Historia und beschreibung eyner Landtschafft der Wilden Nacketen,
Grimmigen Menschfresser-Leuthen in der Newenwelt America gelegen [True Story
and Description of a Country of the Wild, Naked, Grim, Man-eating People in the
New World], published in 1557, in which he reports his capture by a Tupinambá
community who practiced ritual cannibalism, and his role as an interpreter and
mediator between conflicting parties such as his captors and a Tupiniquim
community, an enemy of the Tupinambas which was allied with the Portuguese
Travel Narratives

colonizers. The work presents several engravings made by Staden himself in order
to visually reproduce what he had seen and witnessed in Brazilian territory, in
the vicinity of the current Ubatuba, on the coast of the São Paulo state. Staden’s
narrative-descriptive and iconographic work (Figure 9) is recognized for its value
in illustrating Brazilian flora and fauna, as well as elements of the daily life of the
Tupinambás with whom Staden lived (PAPAVERO and TEIXEIRA, 2007).
266 In the case of comics, due to its own compositional nature expressed in the
symbiosis between verbal text in balloons and captions – representations of speech
and thought, and in the case of captions, also the marking of time and space or third-
person narration – and the imagetic text of the drawings, it would not be correct to
establish a relationship of precedence or clear hierarchy between each other (RAMOS,
2009; POSTEMA, 2018; WOLK, 2007). In comics, there is some verbal description, but
the most significant part of the setting and characterization the experiences lies in the
imagetic construction of the works.

Figure 10: Guy Delisle and his cartoonish self-portrayal: a stylistic strategy for
representation and interpretation of reality that shows its artificiality.

In this sense, instead of stimulating a visual representation through narrative


and description, comics present the reader with a finished representation, constructed
from drawings – analogously to how an audiovisual piece or a text accompanied by
an image offer photographic reconstruction of places, people and events. There is,
however, a distinction that puts comic genres and audiovisual genres at opposite ends:
while audiovisual languages ​​such as cinema, from historically defined conventions,
seek to recreate an illusory sense of naturalness and continuity from fragments of
scenes (XAVIER, 2005), comics openly show their artificiality by offering drawings as a
surface for contact and mediation between the reader and the experienced reality, with
drawing styles that vary between cartoonish stylization, the attempt of naturalistic
reproduction and “dirty”, “sketchy”, confusing, sometimes almost amateurish
compositions.
Travel Narratives

The graphic style of each artist is an essential element that influences the reception
of a work, and also the answers and questions that the reading will offer to the public.
Among the autobiographical nonfiction comics (ZOUVI, 2016; VILELA, 2016), on the
one hand, a convention was established to adopt cartoonish styles that again show the
artificiality and a certain degree of distancing between events as they happened and
their representation – perhaps from the principle of partiality and fallibility of memory
(WOLK, 2007), seeking to highlight it rather than mask it. There are exceptional cases
267 in which text and image are created by distinct authors, as in the American Splendor
series, with Harvey Pekar’s writings about his own daily life, and art by several
and very different artists, including the well-acknowledged underground cartoonist
Robert Crumb – in this case, there is yet another interpretive and mediating layer in
which the graphic artist presents his own reading, his own interpretation of Harvey
Pekar, the people around him, and the small events of their lives.
The art, as a mediating layer, imposes a certain limit on the trustworthiness –
and sometimes even the credibility – of nonfiction comics and thus some authors,
especially those who carry out journalistic works (RAMOS, 2016) seek occasionally
– or even integrally – to adopt a more naturalistic drawing style that is understood as
a mimetic – almost objective – reproduction of events, seeking to preserve the most
documentary aspects (MUANIS, 2013) of their narratives.

Figures 11 and 12: In Are You My Mother?, Alison Bechdel presents a distancing
between experience and performance, distinguishing (still stylized) reproduction of
photographs from cartoonish representation. (ZOUVI, 2016, p.73)

Such discomfort with the limitations of graphic representation – or its


consequences for the enjoyment and reception of works – leads some authors to
adopt the use of photographs as reference or even as a model for the composition of
some drawings and scenes in their works – e.g. authors of very different traditions
and intentionalities, such as American memorialist Alison Bechdel and Maltese war
journalist Joe Sacco (ZOUVI, 2016; WOLK, 2007; RAMOS, 2016). This concern is even
an object of performance in Bechdel’s autobiographical graphic novels, where the
cartoonist changes drawing styles to indicate where she is representing a document
or photograph, making it more austere and less cartoony, though still stylized, or
Travel Narratives

even at a scene in Are You My Mother? which shows, in a metalinguistic gesture, her
use of documentary records for the composition of the art (Figures 11 and 12).
268

Figures 13 and 14: In Jerusalem, Delisle repeatedly records his concern with
reproducing the design of buildings on the spot. We only have access to their
cartoonish portrayal, however.

In Jerusalem, by contrast, Guy Delisle often portrays himself drawing places


and buildings on the spot, armed with his sketchbook. In a specific scene (Figures 13
and 14), the cartoonist makes several efforts to draw a walled refugee camp in loco,
then gets expelled from there, but parks at a safe distance to resume the work. Such
moments, however, take on a somewhat satirical dimension if they are juxtaposed with
Joe Sacco’s and Alison Bechdel’s efforts to reproduce reality with a more naturalistic,
documentary drawing style – since there is never a sudden change in his drawing
style. Thus, the cartoonist stylistically assumes the subjective, interpretive aspect of
his narrative.
The analysis of nonfiction comics must therefore always take into account that
the verbal layer is only one of the textual-discursive dimensions of the works, and
that the art is a layer of narration and representation of equal importance. It is always
necessary to distinguish between what makes up the style – i.e. what is intrinsic to the
individuality of the graphic representation by each author, how they assimilate reality
and render it in the form of a drawing, which includes their self-representation (Figure
10) – from gestures that deliberately constitute interventions on reality.
Thus, the enjoyment and critical analysis of travel comics – as well as the
autobiographical and journalistic ones – demand the establishment of a singular kind
of reading pact that deals simultaneously with the non-fictional character of these
Travel Narratives

narratives and with the fictionality and the exhaustive interpretation of places, subjects
and actions. In this direction, we can regard David Eason’s proposal (1990) to classify
the authors of New Journalism, a branch of North American literary journalism that
emerged and was practiced throughout the 1960s: Eason proposes a division between
“realists” (who we may also call empiricists), who believe they can keep their distance
from material reality, see it and narrate it objectively, and the “modernists” (whom we
may also call phenomenologists), who see themselves as interpreters of reality and
269 do not dissociate their narration from a subjective, interpretive movement in which
reality in itself is inaccessible, and always seen and experienced through the filters of
culture and ideology by observers and actors, and thus is subject to some degree of
fictionalization in its apprehension by them. In both cases, it should be noted, reality
is something that is interpreted and to some degree fictionalized by the authors – at
least under the logical and structured organization of actions and events, with the
establishment of causal relations between them. However, there are authors who
seek, within the narrative resources at their disposal, to reinforce the likelihood of
their pieces and to deny or mask the layers of interpretation and fiction, while others
assume these layers are the inevitable and that it is impossible to reach an objective
reproduction or even an objective understanding of reality.
While authors like Joe Sacco and Alison Bechdel stand in different gray areas
between those two extremes, I believe it is possible to state that Guy Delisle, at least
in the visual aspects of his works, is closer to the modernist branch – including the
episodic, fragmentary character of his storytelling that makes the experience of
reading his work seem less “natural” (XAVIER, 2005), again drawing attention to the
artificiality of narrative. If oftentimes a fairly stylized cartoony style is adopted to
express the irritation of one of the leaders of Doctors Without Borders as he passes
through the security area of the Ben Gurion Airport and has to strip down to his
underwear (Figure 16) – imbuing some humor into a situation of violence – and in
a scene from Pyongyang, in one of the only full-page drawings of his works, which
makes it most impactful, Delisle portrays a dozen North Korean girls playing accordion
in a televised performance. His astonishment at the uniformity of their almost sincere
trained actions and smiling expressions leads him to compose the look of the scene
by giving the children almost identical facial features (Figure 15). Thus, even in that
early period of his work full of greater denunciation concerns and lesser degrees of
otherness, Delisle assumes himself as an author and an interpreter of reality and
presents the narrative as something to be perceived as a personal reconstruction of
experience rather than a reliable reproduction of reality.
Travel Narratives

Figures 15 and 16: Scenes from Pyongyang (left) and Jerusalem (right): the
cartoonish trait is evidenced as artificiality, an interpretation of reality, and demands
reading under that perspective.
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Travel Narratives
272 QUANDO UMA PÁGINA FALA
DE UMA CIDADE: ANÁLISE DO LAYOUT
EM OBRAS DE JOE SACCO

Ricardo Jorge de Lucena Lucas1

Introdução

Ainda há que se fazer uma história da relação entre os quadrinhos e as viagens.


O recente boom de quadrinhos ditos factuais (jornalísticos, autobiográficos, históricos
etc.) dá a entender que tal relação é bastante recente, principalmente quando
enumeramos alguns títulos que levam autor e leitor a outros territórios: é o caso
recente (leia-se: passagem do século XX para o XXI) de trabalhos como os de Guy
Delisle (Shenzhen – uma viagem à China; Pyongyang – uma viagem à Coreia do Norte;
Crônicas Birmanesas), Craig Thompson (Carnet du Voyage), Liniers (Conejo de Viaje) e
Marjanie Satrapi (Persépolis), para citar apenas alguns.
Um dos autores que tem se destacado neste universo é o italiano Joe Sacco,
quadrinista que, desde o início dos anos 1990, vem consolidando uma carreira que
combina suas habilidades como quadrinista e como repórter de guerra. Joe Sacco já
publicou vários quadrinhos sobre suas viagens e impressões como jornalista em diversos
países. Para fins deste artigo, nos restringiremos a dois títulos: Palestina – uma nação
ocupada (doravante, Palestina, 2000) e Uma História de Sarajevo (doravante, Sarajevo,
2005). Ambos retratam diferentes momentos do quadrinista em países como Egito, Israel
e Bósnia, seja andando pelas localidades, seja conversando com seus entrevistados.
O objetivo de nossa empreitada é tentar mostrar como Joe Sacco retrata as
impressões e sensações advindas de seus contatos com esses ambientes através da
forma como ele desenha suas páginas. Nosso interesse é mostrar que, para além
de palavras escritas e imagens desenhadas, é possível sugerir ao leitor algumas das
impressões de um quadrinista através de um dado planejamento de página; no caso
de Joe Sacco, que os layouts de página traduzam algo do que ele sentiu na região da
Palestina e na cidade de Sarajevo.
Para tal, apresentamos inicialmente alguns exemplos de quadrinhos e
quadrinistas que ressaltam em suas histórias tanto o ato de viajar quanto a interação
Narrativas de Viagem

com outras culturas; depois, propomos uma breve discussão sobre o conceito de
reportagem; e, por fim, as propostas tipológicas de páginas de quadrinhos feitas
por Barbieri (1993), Peeters (1998) e Groensteen (1999), as quais nos auxiliarão na
posterior análise de algumas partes das obras citadas.
1 Jornalista. Professor-Associado I do curso de Jornalismo do Instituto de Cultura e Arte da Universidade Fe-
deral do Ceará (ICA-UFC) e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Ceará
(PPGCOM-UFC). Doutor em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação (UFPe, 2011); mes-
tre em Comunicação e Cultura (UFRJ, 1997); especialista em Teorias da Comunicação e da Imagem (UFC/UFRJ,
1994); e graduado em Comunicação Social - Jornalismo (UFC, 1990). Coordenador do projeto de extensão Oficina
de Quadrinhos UFC e do projeto cultural Oficina Avançada de Quadrinhos.
273 Quadrinhos e viagens: breve história

Os laços entre quadrinhos e viagens se perdem no tempo. Uma breve leitura de


Campos (2015) nos traz alguns exemplos bastante pertinentes. Um deles está na obra
de William Holland (?-?)2,depois editada e desenhada por William Elmes (1797-1815),
intitulada Adventures of Johnny Newcome (figura 1), publicada entre 1808 e 1812
(primeiro por Holland, depois por Elmes) e que mostra o protagonista – pertencente
à Marinha Real britânica – em pequenas desventuras por locais como a Jamaica ou
as Índias Ocidentais. À luz de hoje, curiosamente, a série, “apesar de ser uma paródia
do racismo da época (...), revela, involuntariamente, o quanto os antiescravistas eram
também racistas” (CAMPOS, 2015: 68). Ressalta-se ainda que tais visões flagrantemente
eurocêntricas estão presentes em outras obras quadrinísticas, como veremos adiante.

Figura 1 – trecho de Adventures of Johnny Newcome,


desenhada por Willaim Elmes, 1812.

Outro bom exemplo de quadrinho relativo ao assunto é Impressions de Voyage


de Monsieur Boniface (1844), de Charles Amédée de Noé (1818-1879), mais conhecido
Narrativas de Viagem

pelo pseudônimo de Cham. Seu trabalho busca retratar o tédio das viagens de trem
feitas pelo protagonista da série, Monsieur Boniface (CAMPOS, 2015: 119). Esse tédio
fica visualmente explicitado no modo como o autor planeja suas páginas e ilustrações,
as quais mostram imagens de um cenário que praticamente não se modifica e que o
personagem contempla pela janela do trem (figura 2)3.

2 O site do Royal Museums Greewich sugere que William Holland possa ter sido, na verdade, James Sayers (1748-
1823). Para mais detalhes, ver: http://collections.rmg.co.uk/collections/objects/254939.html.
3 Arriscamo-nos a dizer que Impressions de Voyage de Monsieur Boniface é, visualmente falando, um precursor da
noção de plano e de contraplano do cinema, ao criar e revezar dois pontos de vista opostos.
274

Figura 2 – trecho de Impressions de Voyage de Monsieur Boniface,


feito por Cham, 1844.

Do século XX, seria impossível não citar ao menos dois quadrinistas bastante
distintos por seus modos de representar diferentes culturas: o belga Hergé e o norte-
americano Carl Barks. Citamos a ambos aqui pelo fato de grande parte de suas
produções envolver personagens cujas tramas estão diretamente ligadas ao fato de
eles estarem presentes em diferentes países e em contato com culturas distintas.
Hergé (1907-1983), criador do famoso personagem jornalista Tintin, escreveu
boa parte de suas histórias tendo como elemento central as viagens do protagonista
e seus adjuvantes por diversos países, sejam eles reais (Congo, China, Egito,
Índia) ou fictícios (San Théodoros, Nuevo Rico, Bordúria, Sildávia). Conforme
relata Apostolidès (2006), em suas primeiras aventuras, publicadas no começo
dos anos 1930, Tintin tinha uma relação direta com a história concreta (Bélgica,
Europa, colônias européias, o comunismo); suas façanhas se dirigiam a crianças
e adolescentes daquele período, adaptando-as à psicologia da juventude da época
e dando-lhe caráter didático; assim, Tintin seria um modelo a ser proposto aos
adolescentes, um jovem virtuoso e heróico num mundo corrompido cuja tarefa ele
Narrativas de Viagem

tinha de levar a cabo (APOSTOLIDÈS, 2006, p. 22).


A percepção eurocêntrica de Hergé se modifica quando ele conhece o jovem
chinês Tchang Tchong-jen, estudante da Academia de Belas-Artes de Bruxelas.
Esse contato faz Hergé descobrir uma China cheia de tradições e longe da imagem
caricatural que o quadrinista até então tinha: assim, ele criará O Lótus Azul com ajuda
de Tchang, (2006, p. 50). Nessa obra, através do personagem do jovem chinês que leva
o mesmo nome de Tchang, temos acesso ao que ele pensa (e, por extensão, todos os
275 chineses do período da história4). Na sequência em que Tintin e Tchang se conhecem,
ambos trocam impressões a respeito da cultura do outro; Hergé, assim é que parece,
faz uma espécie de mea culpa pela boca de Tintin:

Os povos é que não se conhecem direito. Por isso muitos europeus imaginam
que todos os chineses são homens maliciosos e crueis, que usam trança e passam
o tempo inventando torturas e comendo ovos podres e ninhos de andorinha...
Esses mesmos europeus acreditam que todas as chinesas, sem exceção, têm
pés minúsculos e que, ainda hoje, todas as meninas chinesas sofrem as mais
terríveis torturas... para que seus pés não cresçam normalmente. E ainda por
cima, estão convencidos de que os rios da China estão cheios de bebes chineses,
que são jogados na água ao nascer... (HERGÉ, 2012, p. 43).

O mais curioso desse “banho intercultural” é que ambos os personagens choram


ao se despedirem na última página da história (HERGÉ, 2012, p. 62); antes, Tintin já
havia se envolvido e chorado com o drama da sra. Wang, que presencia o filho ter um
surto de loucura, afetado por uma droga que o deixa transtornado (HERGÉ, 2012, p.
29). Aqui, temos um envolvimento “real” de Tintim com um dos personagens de um
outro território (assim como Hergé faz com Tchang). Porém, diz Apostolidès, o acordo
entre um personagem fictício e o mundo real é frágil, e Hergé acaba abandonando essa
via do vínculo com a realidade (2006, p. 54): a “descoberta da relatividade das culturas”
(APOSTOLIDÈS, 2006, p. 52) faz o quadrinista optar, após O Lótus Azul, por ambientar
a maioria das histórias de Tintim em países fictícios.
Outro aspecto relevante na obra de Hergé é o modo como ele visualiza os
espaços “exóticos”: tomemos co­mo exemplos Os Charutos do Faraó e O Lótus Azul
(figuras 3 e 4). No primeiro deles, temos apenas dois quadros maiores (ou seja, com
altura maior do que uma tira de quadrinhos: em 31, I, e 61, I5). O primeiro deles
mostra a frente do forte do qual Tintin está fugindo no Egito; o segundo visualiza
um desfile a partir de um palácio real na Índia. Em ambos os casos, o cenário é
meramente “cinematográfico”. Completamente diferente é o que ocorre em O Lótus
Azul: aqui, os quadros maiores existentes (bem como alguns menores) servem como
âncoras visuais para os dizeres revolucionários escritos em mandarim (6, II; 26, I; 45,
III). Ou seja: se em Os Charutos do Faráo o ambiente exótico é para ser apenas visto,
contemplado, em O Lótus Azul o ambiente é para ser lido, para ser decodificado pelo
leitor6: há um império de signos7 a ser apreciado8.

4 Hergé situa a história num momento de tensão entre Japão e China: a Segunda Guerra Sino-Japonesa. A busca
pela verossimilhança foi tal que vários cartazes e faixas representados na HQ trazem ditos em mandarim, como
sugestões de boicotes a produtos japoneses e slogans anti-imperialistas, mas que têm valor apenas decorativo
Narrativas de Viagem

à maioria dos leitores ocidentais que desconhecem o idioma (APOSTOLIDÈS, 2006, p. 50). Notas de rodapé
com a tradução desses textos auxiliariam numa melhor interpretação daquele momento histórico por parte dos
leitores; afinal, os quadros que trazem essas mensagens em geral são mudos, ou seja, sem balões de diálogos ou
pensamentos, como que para enfatizar os slogans em mandarim.
5 Leia-se: página 31, tira I.
6 Isso não quer dizer que aceitemos a supremacia do verbal em relação ao visual; apenas estamos chamando a
atenção para a diferentes intenções comunicativas de Hergé em cada uma das duas situações.
7 Sim, sabemos que o “império dos signos” de Barthes (2007) é o Japão, e não a China, mas cremos que tal
expressão pode também ilustrar bem nossa relação, de ocidentais, com os signos chineses que emergem do
desenho de Hergé.
8 Curiosamente, várias passagens textuais em O Charuto do Farão (como placas e cartazes) aparecem traduzidas,
em português ou inglês, e no alfabeto latino. Já em O Lótus Azul isso não ocorre.
276

Figura 3 – detalhe de página de Os Charutos do Faraó, de Hergé, 1934


Narrativas de Viagem

Figura 4 – detalhe de página de O Lótus Azul, de Hergé, de 1946

Quanto a Carl Barks (1901-2000), ele é considerado o “o mais conhecido e


cultuado entre os artistas que produziram quadrinhos Disney nos Estados Unidos”
(SANTOS, 2002, p. 166). Barks se notabilizou, entre os anos 1942 e 1968, pela criação de
histórias envolvendo principalmente o núcleo de patos da Disney (Donald, os sobrinhos
Huguinho, Zezinho e Luizinho, Tio Patinhas) em aventuras fora de seu ambiente
277
tradicional, Patópolis: assim, a calma da cidade natal dos patos dava espaço a lugares
distantes e exóticos. Conforme lembra Santos, era comum que Barks usasse imagens
da revista National Geographic como referência visual para a reprodução de paisagens,
vestimentas e características fisionômicas de um dado país ou povo (SANTOS, 2002, p.
172). Um bom exemplo disso está na história “Donald Duck and the Mummy’s Ring”,
publicada em 1943 na revista Four Color Comics, v 2, # 29 (figura 5).

Figura 5 – detalhe da história “Donald Duck and the Mummy’s Ring”,


de Carl Barks, 1943.

A obra de Barks apresenta algumas similaridades com a de Hergé. Uma delas


é o apelo à criação de países fictícios, como ocorre com a então União Soviética, que
Narrativas de Viagem

se metaforiza num país chamado Brutópia, recorrente em algumas histórias entre os


anos de 1957 e 1965, e que é o espaço de espiões e sabotadores (SANTOS, 2002, p.184).
Outro exemplo é um país latino-americano cheio de vulcões chamado de Vulcanóvia,
criado em 1947, e que mostra seus habitantes vivendo num sistema explicitamente
burocrático e sendo adeptos da siesta (SANTOS, 2002, p. 224).
Outra similaridade com Hergé (com exceção de O Lótus Azul) diz respeito à
maneira estereotipada como todas as culturas que não a própria (no caso, as não-
americanas, incluindo as europeias) são retratadas em suas histórias (ainda que
esse seja um padrão geral dos quadrinistas que trabalham para a Disney, não se
278 restringindo apenas a Barks). Assim, os povos não-americanos são retratados como
“crianças, primitivos, bárbaros ou decadentes, exóticos todos (porque aquele que
não tem costumes parecidos tende a ser visto como um ser folclórico – inclusive os
europeus, que são mostrados como rudes, esquisitos e ultrapassados, habitantes de
castelos e aldeias)” (SANTOS, 2002, pp. 223-4). Mas cumpre lembrar ainda, que por
mais paradoxal que possa parecer, Barks também fazia críticas a outros alvos, como
à tecnologia (SANTOS, 2002, pp. 187-8) e à própria sociedade americana, por vezes
retratada de modo bastante caricatural (BARBIERI, 2014, p. 53).
Porém, existem outras modalidades de estudos de representação de viagens nos
quadrinhos. Uma dessas vertentes é, por exemplo, o campo das análises das viagens
no tempo, conforme propõe Baroni (2016), ao estudar os quadrinhos de ficção
científica franceses entre os anos 1930 e o início dos anos 1980 (como os de Pierre
Christin e de Jean-Claude Mézières). Aqui, o autor conclui, dentre outras coisas,
que os quadrinhos “se apresentam como dispositivo particularmente adaptado
para explorar graficamente os espaços imaginários” e que eles “frequentemente
anteciparam o universo visual dos filmes de ficção científica, ao menos antes que
estes últimos alcançassem sua revolução digital” (2016: 39-40).
Outra vertente de análise da relação entre quadrinhos e locais geográficos é
o estudo dos cronótopos (no sentido bakhtiniano do termo, ou seja, da interrelação
entre tempo e espaço numa narrativa) nos quadrinhos, analisando-os em quadrinhos
também ficcionais. Lucas (2016), por exemplo, propõe a existência de, no mínimo,
dois tipos de cronótopos nesse campo: os coerentes (na qual a narrativa segue linear,
temporal e espacialmente) e paradoxais (na qual há confusões e experimentos gráficos
envolvendo tempo e espaço numa página ou num conjunto de páginas, como ocorre
em trabalhos como os de Frank King, Fred e Chris Ware).

Viagem e jornalismo

Para podermos falar sobre a obra do quadrinista Joe Sacco como sendo um
representante do jornalismo em quadrinhos e associá-lo à temática da viagem, devemos
(ainda que também brevemente) considerar as relações entre reportagem e viagem.
Por que falar em reportagem, e não em jornalismo, de modo geral? Porque
a reportagem é um gênero textual específico, dentro do campo sociodiscursivo
interpretativo do jornalismo. Lage, por exemplo, sugere que a reportagem é uma das
categorias de informação jornalística, a qual se caracteriza por ser “a exposição que
combina interesse do assunto com o maior número possível de dados, formando um
Narrativas de Viagem

todo compreensível e abrangente” (2001, p. 112). Assim, ela deve ser uma modalidade
de texto potencialmente narrativa9 e que se dirija preferencialmente a um público
bastante heterogêneo e de modo embasado; enquanto a notícia, como relato breve,
“pressupõe apresentação bem mais sintética e fragmentada” (LAGE, 2001, p.113).
Um aspecto central na concepção de reportagem é a relação entre tempo e
espaço: “tempo para verificação e espaço para ser apresentada” (PEREIRA JR., 2006,

9 Dizemos “potencialmente narrativa” pelo fato de existirem outras modalidades de reportagem, como a
dissertativa (ou expositiva), a narrativo-dissertativa, a dissertativo-narrativa e a descritiva (COIMBRA, 1993).
279 p. 127). Ou seja: a reportagem requer simultaneamente planejamento temporal, para
que as informações, de diversas naturezas, possam ser apuradas ou captadas (leitura
analítica de documentos, realização de entrevistas, checagem de informações etc.),
e planejamento espacial, para que o volume de material produzido tenha como ser
preparado e oferecido ao público em diversas páginas ou minutos.
Se o jornalista é tido como um ser que deve buscar os fatos na rua, nas áreas
do Jornalismo Nacional (cobertura do próprio país, excetuando-se a própria cidade)
e Internacional (cobertura de outros países) o profissional de imprensa deve ir além
da rua para obter a notícia. Isso se dá de dois modos: ou através do material de
agências de notícias (Associated Press, France Press, etc.) ou através do trabalho dos
correspondentes (de outros estados ou países).
Até um passado não tão distante, a cobertura internacional era um dos grandes
fetiches do jornalismo.

Um sonho antigo de muitos jornalistas, se não acabou, mudou bastante.


Aquele cobiçado emprego no exterior, com salário fixo e a missão de traduzir
para os compatriotas a política e a economia internacional, vem sendo
sistematicamente atropelado pelo avanço tecnológico e qualitativo das
comunicações e pela multiplicação geométrica do volume de informação
propiciada pela Internet (RODRIGUES, 2002, P. 87).

Além de todas essas mudanças, há ainda o desafio de seduzir o público: “as
matérias de Internacional (...) têm uma capacidade limitada de sensibilizar o leitor. Daí
a importância do texto e do enfoque, para prender a atenção do leitor a fatos, pessoas e
lugares que estão muito distantes da realidade dele” (RODRIGUES, 2002, p. 88).
Bottom (2015) faz um interessante paralelo entre a literatura de viagem e o noticiário
internacional. No primeiro caso, a figura de um narrador auxilia o leitor a entrar em
outros países, na medida em que existem jogos de identificação entre um e outro em
relação a pressupostos, medos, saudades, fraquezas e outras formas de demonstração do
que o jornalista sente dentro de si. Já no noticiário internacional atual, lembra Bottom,
“qualquer tipo de narrador pessoal seria considerado uma intrusão na objetividade de
um relato jornalístico. Assim, o noticiário internacional evita falar com uma voz ou
personalidade” (2015, p. 89). Uma das consequências disso é o já citado e quase que
inevitável distanciamento entre o leitor e o relato frio de um local desconhecido.
É na reportagem, quando existem tempo e espaço, que se abre a possibilidade
de uma “intrusão” do jornalista. Um bom exemplo disso está na introdução feita por
Piero Brunello, professor italiano de História, para um livro de Anton Tchékhov
Narrativas de Viagem

(1860-1904) sobre uma reportagem feita pelo escritor, dramaturgo e contista russo,
publicada num livro intitulado A Ilha de Sacalina (1893-1894):

Quem lê a reportagem de Tchékhov sobre Sacalina tem a impressão de estar


sendo guiado no inferno por um indivíduo comum e não por um ser onisciente:
por um homem ingênuo que aceita os convites para almoçar, vai pescar,
escuta conversas pelo caminho, está pronto para crer no próximo, observa
com honestidade e sem preconceitos, verifica as notícias e conta aquilo que
vê. Não há casos sensacionalistas nem figuras pitorescas. As personagens que
280 encontra não sabem falar, são incapazes de se defender, quase sempre não
sabem ler nem escrever (BRUNELLO in TCHÉKHOV, 2007, p. 10).

A descrição de Brunello sobre a obra de Tchékhov é bastante oposta à percepção


que Bottom tem do jornalismo internacional em geral. Contudo,

se sobrevém algum dano a quem contemple outro país pelas lentes distorcidas
de um correspondente que manifeste suas mais francas reações, não é nada em
comparação com o sufocante tédio causado pelos repórteres declaradamente
neutros e precisos. Estes, sob a alegação de nem sequer terem alguma reação
ante o que é estrangeiro, solapam o desejo que sentimos de enriquecer nosso
conhecimento de mundo (BOTTOM, 2015, pp. 89-90).

Bottom lembra ainda que, para vencer os chamados “acontecimentos


relevantes”, o noticiário acaba por esquecer que nosso envolvimento com
determinado país depende de um contato com “elementos visuais ou sensoriais
que, por si sós, podem despertar um interesse mais profundo por um povo e um
lugar” (BOTTOM, 2015, p. 90). Uma das coisas que ele defende, dentre outras, é a
aproximação do jornalismo com os detalhes, que faça uso de algumas lições de poetas,
autores de relatos de viagem e romancistas, a fim de que esses textos nos provoquem
interesse pelos acontecimentos (2015, p. 97). Parte disso é proporcionado por alguns
quadrinistas, na medida em que eles tendem a dispor, simultaneamente, de tempo
de apuração (o trabalho tende a ser independente, raramente ligado a algum veículo
jornalístico) e de espaço de publicação (o trabalho tende a ser publicado como livro).

A análise das páginas de Palestina e Sarajevo

Um aspecto importante nos quadrinhos é a composição de página, ou seja, seu


planejamento estético. Alguns autores propõem diferentes modos de classificação.
Barbieri (1993: 151-70), por exemplo, restringe sua proposta a dois tipos de página: a
estática, mais comum, com sarjetas e requadros, e a dinâmica, na qual não há sarjeta
entre os quadros, nem limites dos requadros. Nesse caso, o espaço torna-se comprimido,
sem delimitações. Peeters (1998, pp. 49-78), por sua vez, propõe quatro possibilidades
de página: regular (quadros de medidas similares ou múltiplas que deixam a página
neutra, sem influência na história); decorativa (ou estética, é irregular: suas sarjetas
têm um layout próprio e chamam a atenção para si); retórica (a mais comum, estica
ou comprime os quadros de modo proporcional à ação mostrada na vinheta, como
Narrativas de Viagem

se o que importasse fosse apenas a ação da história); e produtiva (tem uma estrutura
bastante específica, e que tende a interferir nos modos como percebemos a narrativa,
solicitando um maior “investimento cognitivo” – expressão nossa – na interpretação
da página e, posteriormente, da história). Posteriormente, Groensteen (1999, pp. 107-
19) sugere um olhar não tão rígido (talvez: mais sistêmico) para a classificação de
Peeters, na medida em que essas possibilidades podem se encontrar numa mesma
página. Assim, ele propõe outra tipologia de páginas: regular e discreta; regular e
ostensiva/retórica; irregular e discreta; irregular e ostensiva/retórica. Vejamos, agora,
como Joe Sacco faz uso do layout de página para propor formas de percepção de
281 dois espaços bastante distintos. Algumas das classificações enumeradas acima serão
retomadas através de algumas páginas do corpus aqui sugerido.
Em Palestina e Sarajevo, temos a figura de Joe Sacco como elemento
catalizador de seus relatos: ambas trazem algumas semelhanças (como a forma
visual cartunesca de se autorretratar e a estética herdada do estilo underground
norte-americano, figura 6) e diferenças (como a diagramação das páginas: irregular
na maior parte de Palestina, regular em quase toda Sarajevo, como veremos
adiante). Em ambos os casos, Sacco quer trazer à tona a realidade dessas regiões
para seus leitores.

Figura 6 – autorretrato de Joe Sacco.

Ambas as obras são consideradas como “reportagens em quadrinhos”. Em ambas


temos, inicialmente, as características espaço-temporais necessárias, já que tanto
foram publicadas em forma de livro quanto ocupam espaço considerável: 141 e 103
páginas de quadrinhos, respectivamente, além do material paratextual (apresentação,
créditos, agradecimentos etc.). Na introdução de Palestina, Joe Sacco comenta que
suas entrevistas foram realizadas entre o fim de 1991 e o começo de 1992, enquanto
a obra seria publicada originariamente entre 1993 e 1995 na forma de revista (em
Narrativas de Viagem

9 números) e em 1993 também como livro. Quanto a Sarajevo, por sua vez, na bio
sobre o autor, que consta na edição brasileira, lemos que o quadrinista viajou para
aquela cidade em 1995, pouco antes do fim da Guerra da Bósnia, enquanto o livro foi
publicado originariamente em 2003.
Comecemos com Palestina: desde o início o leitor é situado literalmente dentro
da cidade de Cairo, com uma enxurrada de recordatórios irregulares, referentes aos
pensamentos do próprio Joe Sacco, e sinuosamente espalhados ao longo da página
planejada em formato splash page, ou seja, em uma única vinheta (figura 7). Tal proposta
282 visual, com recordatórios dispostos de modo irregular, sugere falta de equilíbrio por
parte do quadrinista e de espaço à sua volta, e será uma tônica ao longo da obra.

Figura 7 – primeira página de Palestine: a Nation Occupied, 1993.

A partir da página seguinte, temos um número considerável de páginas


irregulares: em vez de obedecerem ao padrão tradicional de tiras horizontais dispostas
uma abaixo da outra dentro da página, com vinhetas quadradas e retangulares, elas
apresentam formas irregulares, como trapézios, e ações desenhadas em painéis
Narrativas de Viagem

dispostos de forma irregular, isto é, inclinados.


Em Palestina praticamente não temos quadros “mortos”, cujo foco seja somente
a paisagem dos países visitados por Sacco: apenas na página 81 temos uma splash
page cuja imagem não é superposta por recordatórios ou balões de fala. O modo como
Sacco descreve visualmente os espaços deixa clara a sensação de opressão nas ruas e
o aperto dos espaços privados quando ele visita as famílias: o espaço gráfico torna-se
tão irregular e oprimido quanto a vida naquela região (figura 8). Conforme veremos,
em Sarajevo a estética será bastante distinta.
283

Figura 8 – detalhe de página de Palestine: a Nation Occupied, 1993.

Em algumas poucas sequências (p. 11-5; 34-6; 83-92; e 102-13), porém, o espaço
gráfico torna-se regular, porque o ambiente se torna menos caótico; o capítulo
quatro, em particular, apresenta uma maior quantidade de páginas regulares. Nos
demais capítulos, predominam as páginas de layout irregular. Aqui, faz sentido
a proposta sistêmica feita por Groensteen: uma página pode ser, ao mesmo tempo,
irregular e ostensiva. Ou seja: a irregularidade da página tem uma finalidade estética.
Consequentemente, as páginas regulares também são ostensivas. Aqui, o binômio
regularidade/irregularidade deve ser pensado não apenas em termos de planejamento
gráfico, mas também em termos de função narrativa dentro da história.
Em suma: a partir da proposta gráfico-visual feita por Joe Sacco, podemos perce-
ber a Palestina como uma região onde a bolha espacial do indivíduo é constantemente
invadida: as distâncias entre indivíduos tendem a ser mínimas, tanto no espaço público
quanto no espaço privado (além dos espaços de tortura de prisioneiros). Recursos visu-
ais como o uso de perspectivas e escorços, e o uso de texturas que acentuam uma “pa-
leta” de tons de cinza, realçam o clima socioespacial de opressão da região. Com isso, a
Narrativas de Viagem

relação espaço-temporal que Sacco visualiza em Palestina visa à construção de um lu-


gar onde o tempo parece acelerado (ainda que indeterminado; Sacco propositadamente
deixa seu feixe temporal bastante vago; isso fica claro em comparação com Sarajevo,
como veremos adiante) e o espaço parece sempre pequeno, espremido, oprimido.
Há outras diferenças que ficam claras quando passamos à análise de Sarajevo:
como já dissemos, a disposição mais regular dos quadros torna nossa percepção do
espaço geográfico menos caótica, mas nem por isso menos inquietante. Se antes eram
os espaços sempre abarrotados de pessoas que davam um ar claustrofóbico, aqui
284 temos ambientes que parecem saídos de filmes de suspense ou de terror: ruas vazias,
prédios abandonados, ambientes escuros (vide, por exemplo, as páginas 5-6 e 14-16).
Um exemplo radical disso são as páginas duplas 12 e 13 (figura 9), que sucedem
a virada da página 11, e o último recordatório de Sacco nesta: “e alguém indicou algo
em uma rua terrivelmente silenciosa...” (grifo nosso). Nestas duas páginas, temos o
protagonista ocupando um pequeno espaço no canto esquerdo do espaço gráfico,
enquanto ruas desertas, prédios vazios e nuvens carregadas preenchem o restante
do espaço.

Figura 9 – página dupla de Uma História de Sarajevo, 2005.

Temos, ao longo da obra, outros momentos em que o escuro dá a tônica


visual, mesclando-se com o excesso de hachuras que garantem (também) um tom
mais enegrecido à narrativa. A regra geral são os capítulos ambientados no ano
de 2001, após o conflito da Bósnia: neles, as ações se dão ao ar livre, transmitindo
aparentemente uma sensação de calma, mas também de rotina – rotina essa que, ao
que parece (e como Joe Sacco deixa claro ao longo da narrativa) não interessaria mais
Narrativas de Viagem

à imprensa internacional, já que nada mais de relevante, jornalisticamente falando,


parece ocorrer em Sarajevo.
285

Figura 10 – detalhe de página de Uma História de Sarajevo, 2005.

A estratégia gráfica irregular e ostensiva usada em Palestina se repete aqui


uma única vez na página 49, quando temos um quadro ilustrando uma vista geral de
uma rua de Sarajevo, com várias pessoas ocupando o espaço público. Aqui, voltam a
chamar a atenção os recordatórios que flutuam em torno da imagem desenhada.
Consequentemente, a representação visual do espaço geográfico da cidade de
Sarajevo é bastante distinta: em vários momentos temos quadros com apenas um
personagem em cena ou mesmo com nenhum; em boa parte desses casos, o espaço em
volta dos personagens “sobra”: Joe Sacco faz, assim, com que esses espaços vazios e
silenciosos chamem a nossa atenção dentro da página. Ao mesmo tempo, em Sarajevo,
a marcação temporal é uma constante: Sacco nos joga randomicamente para trás e
para frente, entre os anos de 1984 e 2001 (figura 11).
Narrativas de Viagem

Figura 11 – página de Uma História de Sarajevo, 2005.


286 Por outro lado, a estratégia enunciativa de Sacco aqui continua a mesma, ou
seja, dar voz aos moradores da região – ainda que agora a ênfase seja na fala do ex-
soldado Neven: é através, majoritariamente, de sua voz que temos contato com o que
pode ter ocorrido na região. Como faria potencialmente qualquer jornalista no âmbito
de uma reportagem de fôlego.

Considerações finais

Conforme vimos, Palestina é a história de um espaço abarrotado de pessoas


brigando por um território cuja passagem do tempo parece inacompanhável; Sarajevo
é a história de um espaço esvaziado pela guerra e com datas bastante precisas. Ambos
deixam marcas em Sacco, mas suas experiências sensoriais, em relação ao espaço e ao
tempo, são retratadas de maneiras bem distintas.
É justamente isso que (também) torna interessante a obra de Joe Sacco: ele
não se restringe a relatar sua história apenas através da reconstituição de diálogos de
suas fontes ou dos cenários por onde ele passou. Ele busca amplificar essas sensações
através do layout. Assim, as páginas que podem parecer, num primeiro momento,
apenas regulares ou irregulares, meros receptáculos de textos verbais (diálogos,
pensamentos) e visuais (desenhos), apresentam também outra finalidade: traduzir
visualmente as sensações de Joe Sacco e de seus entrevistados. De um lado, temos a
angústia decorrente da falta de espaços contemplativos; de outro, a sensação de vazio
decorrente do excesso de espaços parcialmente ou totalmente ocupados.
Ao proceder assim, no todo, Joe Sacco utiliza o melhor das três linguagens que
sustentam os quadrinhos: o texto verbal (para termos acesso a pensamentos, angústias,
sofrimentos e esperanças tanto dele quanto de seus entrevistados), o texto visual (os
desenhos que buscam retratar os espaços pelos quais ele se move continuamente) e o
texto gráfico que, ao mesmo tempo, ajuda a criar uma solidariedade de sentido entre
verbo e imagem, e também se solidariza com esses textos.
Finalmente, encontramos na obra de Joe Sacco grande parte das características
sugeridas para uma reportagem que busque o envolvimento do leitor: descrição de
personagens e ambientes, aproximação de suas vidas com as nossas, acesso tanto aos
pensamentos e impressões do narrador-jornalista quanto aos seus medos e alegrias,
expressos pelo modo como o quadrinista se autorretrata.

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Narrativas de Viagem

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TCHÉKHOV, Anton. Um bom par de sapatos e um caderno de anotações: como
fazer uma reportagem. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
Narrativas de Viagem
288 WHEN A PAGE TALKS ABOUT A CITY:
LAYOUT ANALYSIS IN JOE SACCO’S WORKS

Ricardo Jorge de Lucena Lucas1

Introduction

There is still a need for the making of a history about the relation between comics
and travels. The recent boom of said factual comics (journalistic, autobiographical,
historical etc.), most commonly known as nonfiction comics, suggests that such
a relationship is quite recent, especially when enumerating some titles that lead
author and reader to other territories: it’s the recent case (to be understood as the
transition from the twentieth to the twenty-first century) of works such as Guy
Delisle’s (Shenzhen - a travelogue from China, Pyongyang – a journey in North Korea,
Burma Chronicles), Craig Thompson’s (Carnet de Voyage), Liniers’ (Conejo de Viaje
or Travelling Rabbit) and Marjanie Satrapi’s (Persepolis), to name a few.
One of the authors who has stood out in this universe is the Italian Joe Sacco,
a cartoonist who, since the beginning of the 90s, has been consolidating a career
that combines his abilities as a comic book artist and as a war reporter. Joe Sacco has
published many comics about his travels and impressions as a journalist in several
countries. For the purposes of this article, we will restrict ourselves to two titles:
Palestine – a nation occupied (hereafter Palestine, 2000) and The fixer – a story from
Sarajevo (hereafter, Sarajevo, 2005). Both works portray different moments of the
author in countries such as Egypt, Israel and Bosnia, whether walking through the
surroundings of those places or talking to his interviewees.
The purpose of our endeavor is to show how Joe Sacco portrays the impressions
and sensations that come from his contacts with these environments through the way
he designs his pages. Our interest is to show that, in addition to written words and
drawn pictures, it is possible to suggest to the reader some of the impressions of a comic
book artist through a given page layout; in Joe Sacco’s case, that the pages’ layouts
translate something of what he felt in the region of Palestine and the city of Sarajevo.
In order to do so, we present here initially some examples of comics and comic
book artists that emphasize in their stories both the act of traveling and the interaction
with other cultures; we then present a brief discussion of the concept of reporting;
and finally, we will briefly present the typological proposals of comic pages made
Travel Narratives

by Barbieri (1993), Peeters (1998) and Groensteen (1999), which will help us in the
subsequent analysis of some parts of the aforementioned works.

1 Journalist. Associate Professor I of the Journalism course at the Institute of Culture and Art of the Federal
University of Ceará (ICA-UFC) and the Graduate Program in Communication of the Federal University of Ceará
(PPGCOM-UFC). PhD in Communication from the Graduate Program in Communication (UFPe, 2011); Master in
Communication and Culture (UFRJ, 1997); specialist in Communication and Image Theories (UFC / UFRJ, 1994);
and graduated in Social Communication - Journalism (UFC, 1990). Coordinator of the UFC Comics Workshop
extension project and the Advanced Comics Workshop cultural project.
289 Comics and travels: a brief history

The bonding between comics and travels go way back. A brief reading of Campos
(2015) brings us some relevant examples. One of them can be found in the works of
William Holland (?-?)2, afterwards edited and illustrated by William Elmes (1797-1815),
named Adventures of Johnny Newcome (figure 1), published between 1808 and 1812 (first
by Holland and later by Elmes) which portrays the main character – a member of the
Royal Navy – in little misadventures through places such as Jamaica and the West Indies.
In light of our current views, curiously, the series, “although a parody of the racism of its
time (…), reveals, involuntarily, how those who opposed to slavery were also racists as
well” (CAMPOS, 2015:68). It’s also important to highlight that such blatantly Eurocentric
perceptions are presented in other comic works, as we’ll present later.

Figure 1 – Excerpt from Adventures of Johnny Newcome,


illustrated by Willaim Elmes, 1812.

Another good example of a comic book related to this subject is Impressions


de Voyage de Monsieur Boniface (1844), by Charles Amédée de Noé (1818-1879), better
known by the pseudonym Cham. His work intends to portray the boredom of the
train travels made by the main character of the series, Monsieur Boniface (CAMPOS,
Travel Narratives

2015: 119). This boredom is made visually explicit by the way pages and illustrations
are planned by the author, which display images of a practically unmodified landscape
that is contemplated by the character through the train window (figure 2)3.

2 The Royal MuseumsGreewich website suggests that William Holland may actually have been James Sayers
(1748-1823). For further details, see: http://collections.rmg.co.uk/collections/objects/254939.html.
3 We venture to say that Impressions de Voyage de Monsieur Boniface is, visually speaking, a forerunner of the
notion of plongée and contre-plongée (plan and counter-plan) in cinema, by creating and interchanging two
opposite points of view.
290

Figure 2 – Excerpt taken from Impressions de Voyage de Monsieur


Boniface, made by Cham, 1844.

During the XXth century, it would be impossible not to mention at least two
very distinct comic book artists for their ways of representing different cultures: Her-
gé from Belgium and Carl Barks from the United States. Both are worth mentioning
for the enrollment in a huge part of their productions of characters whose storylines
are directly linked to the fact of them being present in different countries and in con-
tact with distinct cultures.
Hergé (1907-1983), creator of the famous journalist character Tintin, wrote a
significant part of his stories having as a central element the travels of the main character
and his adjuvants through several countries, being them real (Congo, China, Egypt, India)
or fictional (San Théodoros, Nuevo Rico, Bordúria, Sildávia). According to Apostolidès
(2006), during his first adventures, published in the beginning of 1930, Tintin had a direct
relation with concrete history (Belgim, Europe, European colonies, communism); his
enterprises were aimed at the kids and teenagers of that time, adapting them to the youth
psychology of that epoch and giving them a didactical expression; in that manner, Tintin
would be a model to be proposed to the youth, a heroic and virtuous young man in a
corrupted world whose task he had to carry through (APOSTOLIDÈS, 2006, p.22).
Hergé’s Eurocentric perception is modified when he meets a young Chinese
Travel Narratives

man named Tchang Tchong-jen, a student at the Academy of Fine Arts of Brussels.
This contact provides Hergé with the opportunity to discover a country full of
traditions and far from the caricature that the cartoonist had until then: under
these circumstances, he creates The Blue Lotus under Tchang’s guidance (2006, p.
50). In this work, through the character of a young Chinese man who’s named after
Tchang, we have access to his thoughts (and, by extension, to the thoughts of all
291 the Chinese people of that historical time)4. In the following passage in which Tintin
and Tchang become mutually acquainted, both exchange impressions on each other’s
culture; Hergé, as it seems, expresses a kind of mea culpa through Tintin’s speech:

“Different people don’t know enough about each other. Lots of Europeans
still believe that all Chinese are cunning and cruel and wear pigtails, are
always inventing tortures, and eating rotten eggs and swallows’ nests… The
same stupid Europeans are quite convinced that all Chinese have tiny feet,
and even now little Chinese girls suffer agonies with bandages designed to
prevent their feet developing normally. They’re even convinced that Chinese
rivers are full of unwanted babies, thrown in when they are born…” (HERGÉ,
2012, p. 43).

The most singular aspect about this “intercultural exchange” is that both characters
cry when they bid their farewell to each other on the last page of the story (HERGÉ,
2012, p. 62); before that, Tintin had already gotten involved and wept for Mme. Wang’s
drama, who witnessed her son’s mental collapse after being affected by the use of a drug
that causes his break down (HERGÉ, 2012, p. 29). At this moment we are faced with a
“real” involvement by Tintin in regard to one of the characters from another territory
(as Hergé does with Tchang). However, as Apostolidès states, the agreement between
a fictitious character and the real world is fragile, and Hergé ends up abandoning this
link with reality (2006, p. 54): the “discovery of a cultural relativity” (APOSTOLIDÈS,
2006, p. 52) makes the author choose, after The Blue Lotus, to set most of Tintin’s stories
in fictional countries.
Another relevant aspect in Hergé’s works is the way he visualizes “exotic”
spaces: take as examples Cigars of the Pharaoh and The Blue Lotus (figures 3 and 4).
The first one has only two larger panels (that is, with a height greater than a comic
strip: in 31, I, and 61, I5). The first of them shows the front of the fort from which
Tintin is fleeing in Egypt; the second one focuses on a parade from the perspective
of a royal palace in India. In both cases, the scenario is merely “cinematographic”.
Completely different from those cases is what occurs in The Blue Lotus: here, the
biggest panels in question (as well as some smaller ones) function as visual anchors
for the revolutionary sayings written in Mandarin (6, II; 26, I; 45, III). That is to say:
if in the Cigars of the Pharaoh the exotic environment is there just to be seen and
contemplated, in The Blue Lotus the environment is supposed to be read, to be decoded
by the reader6: there is an empire of signs7 to be appreciated8.

4 Hergé situates the story in a moment of tension between Japan and China: the Second Sino-Japanese War. The search
for verisimilitude was such that several posters and banners depicted in the comic book are written in Mandarin, as
Travel Narratives

suggestions of boycotts of Japanese products and anti-imperialist slogans, but only of decorative value to most Western
readers who don’t know the language (APOSTOLIDÈS, 2006, p. 50). Footnotes with the translation of these texts would
help for a better interpretation of that historical moment by the readers; after all, the frames that carry these messages
are generally mute, that is, without dialogue balloons or thoughts, such as to emphasize the slogans in Mandarin.
5 To be understood as: page 31, strip 1.
6 This doesn’t mean that we accept the supremacy of verbal communication in relation to the visual one; we are only
drawing attention to Hergé’s different communicative intentions in each of the two situations.
7 Yes, we know that Barthes’s “Empire of Signs” (2007) refers to Japan, not China, but we believe that this specific
term can also well illustrate our Western relationship with the Chinese signs that emerge from Hergé’s drawings.
8 Curiously, several textual passages in The Cigars of the Pharaoh (such as signs and posters) appear translated, in
Portuguese or English, and in the Latin alphabet. However, in The Blue Lotus this doesn’t occur.
292

Figure 3 – Excerpt taken from a page of The Cigars of the Pharaoh, by Hergé, 1934

Figure 4 – Excerpt taken from a page of The Blue Lotus, by Hergé, de 1946
Travel Narratives

As for Carl Barks (1901-2000), he is recognized as “the most well-known and


worshiped amongst the artists who produced Disney comics in the United States”
(SANTOS, 2002, p. 166). Barks reached notoriety, between the years 1942 and 1968, for
the creation of stories involving mainly Disney’s Duck family (Donald, the nephews
Huey, Duey and Louie, Scrooge McDuck) in adventures outside its traditional
293 environment, Duckburg: in that way, the tranquility of the ducks’ hometown
gave way to distant and exotic places. As Santos recalls, it was common for Barks
to use images from the National Geographic magazine as visual reference for the
reproduction of landscapes, clothing, and physiognomic features of a given country
or people (SANTOS, 2002, p. 172). A good example of this case can be found in the
story “Donald Duck and the Mummy’s Ring,” published in 1943 in the magazine Four
Color Comics, v 2, # 29 (figure 5).

Figure 5 – Excerpt taken from the story “Donald Duck and


the Mummy’s Ring”, by Carl Barks, 1943.

Barks’ work presents some similarities with Hergé’s. One of those is the resort
to the creation of fictitious countries, as is the case of the then Soviet Union that is
metaphorized in a country called Brutopia, which appears in some stories between
Travel Narratives

the years 1957 and 1965, and is a space of spies and saboteurs (SANTOS, 2002, p. 184).
Another example is a Latin-American country filled with volcanoes called Volcano
Valley, created in 1947 and which shows its inhabitants living under an explicitly
bureaucratic system and being adepts to the siesta (SANTOS, 2002, p. 224).
Another similarity to Hergé (with the exception of The Blue Lotus) is related to
the stereotyped manner in which all cultures other than his own (in this case, non-
294 American cultures, including European ones) are portrayed in his stories (although
this is a common pattern of the comic book artists who work for Disney, not being
restricted only to Barks). Thus, non-American people are portrayed as “children,
primitive, barbaric or decadent, exotic all of them (because the one who doesn’t have
similar customs tends to be seen as a folk being - including the Europeans, who are
portrayed as rude, weird and outdated, inhabitants of castles and villages)” (SANTOS,
2002, pp. 223-4). But it should also be remembered that, paradoxical as it may seem,
Barks also criticized other targets, such as technology (SANTOS, 2002, pp. 187-8) and
American society itself, at times portrayed in a very caricatured way (BARBIERI,
2014, p. 53).
However, there are other modalities of study on travel representation in comics.
One of these is, for example, the field of time travel analysis, as proposed by Baroni
(2016), by studying the French science fiction comics published between the 1930s and
the early 1980s (like the ones made by Pierre Christin and by Jean-Claude Mézières).
Here, the author concludes, among other things, that comics “present themselves as
a device particularly adapted to graphically explore imaginary spaces” and that them
“often anticipated the visual universe of science fiction films, at least before the latter
reached their digital revolution” (2016: 39-40).
Another modality of analysis on the relationship between comics and
geographic locations is the study of chronotopes (in the Bakhtinian sense of the
term, which means, the interrelationship between time and space in a narrative) in
comics, analyzing them in fictional comics too. Lucas (2016), as an example, proposes
the existence of at least two types of chronotopes in this field: the coherent ones
(in which the narrative progresses in a linear, temporal and spatial way) and the
paradoxical ones (in which there are confusions and graphic experiments involving
time and space on a page or a set of pages, as it can observed in works such as Frank
King’s, Fred’s and Chris Ware’s).

Travel and journalism

To be able to talk about the work of comic book artist Joe Sacco as a representative
of comics journalism and associate it with the thematic of traveling, it’s still necessary
(though also briefly) to consider the relationship between report and travel.
Why talk about reporting and not journalism as a whole? Because reporting is a
specific textual genre within journalism’s interpretive sociodiscursive field. Lage, for
example, suggests that reporting is one of the categories of journalistic information,
which is characterized as “exposure that combines interest in the subject with as much
Travel Narratives

data as possible, forming a comprehensible and extensive unit” (2001, p.112). Thus,
it must be a modality of potentially narrative text9 and that is directed preferentially
to a very heterogeneous public and properly grounded, while the news, as a brief
report, “foresees a much more synthetic and fragmented presentation” (LAGE, 2001,
p. 113).
9 We say “potentially narrative” by the fact that there are other forms of reporting, such as the dissertative (or
expository), the narrative-dissertative, the narrative-narrative, and the descriptive (COIMBRA, 1993).
295 A central aspect when defining reporting is the relation between time and space:
“time for verification and space to be presented” (PEREIRA JR., 2006, p. 127). That is
to say: the report requires simultaneously temporal planning, so that the information,
from different sources, can be investigated or captured (analytical reading of documents,
conducting interviews, checking information, etc.), and space, so that the resulted
material produced can be prepared and offered to the public in several pages or minutes.
If the journalist is considered someone who must seek the facts on the street, in
the field of National (coverage of the country, with the exception of the coverage from
their own city) and International (coverage of other countries) journalism the media
professional must go beyond the street to get the news. This happens in two ways:
either through the material of news agencies (Associated Press, France Press etc.) or
through the work of correspondents (from other states or countries).
Not too long ago, international coverage was one of the greatest obsessions of
journalism.

“An old dream of many journalists, it has changed a lot if it hasn’t been
completely extinguished. That coveted overseas job with a fixed salary and the
mission of translating politics and the international economy to his compatriots
has been systematically surpassed by the technological and qualitative
advancement of communications and by the geometric multiplication of the
amount of information provided by the Internet” (RODRIGUES, 2002, p. 87).

Besides all those changes, there is still the challenge of seducing an audience:
“the subject of international articles (...) have a limited capacity to sensitize the
reader. Hence the importance of the textual information and the approach, to draw
the reader’s attention to facts, people, and places that are far removed from their
reality” (RODRIGUES, 2002, p. 88).
Bottom (2015) establishes an interesting parallel between travel literature and
international news. In the first case, the figure of a narrator assists the reader to enter
other countries, as there is an exchange of identification between one another regarding
assumptions, fears, homesickness, weaknesses and other forms of demonstration of
what the journalist feels himself deep down. As for the current international news,
Bottom recalls, “any kind of personal narrator would be considered an intrusion into
the objectivity of a journalistic account. Thus, the international news avoids speaking
with a particular voice or personality” (2015, p. 89). One of the consequences of this
phenomenon is the already mentioned and almost inevitable distance between the
reader and the cold report of an unknown location.
It is in the report, with the existence of time and space, that the possibility of
Travel Narratives

an “intrusion” from the journalist becomes possible. A good example on this can
be found in the introduction made by Piero Brunello, Italian History professor, to a
book written by Anton Tchékhov (1860-1904) about a reportage made by the Russian
writer and playwright:

“Those who read Tchékhov’s report on Sacalina have the impression of being
guided in hell by an ordinary individual and not by an omniscient being: by
296 a naive man who accepts the invitations for lunch, goes fishing, listens to
conversations along the way, is ready to believe in others, observes honestly
and without prejudice, checks the news and tells what he sees. There are no
sensational cases or picturesque figures. The characters he meets don’t know
how to speak, are incapable of defending themselves, almost always can’t
read or write” (BRUNELLO in TCHÉKHOV, 2007, p. 10).

Brunello’s description of Tchékhov’s work is quite opposite to Bottom’s


perception of international journalism in general. However,

“if there is any harm to anyone who contemplates another country through
the distorted lens of a correspondent who manifests his sincerest reactions,
it is nothing compared to the suffocating boredom caused by reporters who
are blatantly neutral and accurate. Those, under the claim of not even having
some reaction to what is foreign, undermine the desire we feel to enrich our
world knowledge” (BOTTOM, 2015, pp. 89-90).

Bottom also points out that, in order to overcome the so-called “relevant events”,
the news ends up forgetting that our involvement with a given country depends on
a contact with “visual or sensorial elements that alone can arouse a deeper interest
for a society or a place” (BOTTOM, 2015, p. 90). One of the things he defends, among
others, is the approximation of journalism with the details, which makes use of some
lessons of poets, writers of travel reports and novelists, so that these texts cause us
interest in the events (2015, p. 97). Part of this is provided by some comic book artists,
in that they tend to have both time verification (work tends to be independent, rarely
linked to any journalistic vehicle) and publication space (work tends to be published
as a book).

Palestine and Saravejo’s page analysis

An important aspect in comics is the composition of the page, that is, its
aesthetic planning. Some authors propose different forms of classification. Barbieri
(1993: 151-70), for example, restricts his proposal to two types of page: the static,
the most common one, with gutters and borders, and the dynamic, in which there
is no gutter between the frames, nor limits of the borders. In this case, the space
becomes compressed, without boundaries. Peeters (1998, pp. 49-78), in turn, proposes
four page possibilities: regular (panels of similar or multiple measures that make the
page neutral, without influence on the story); decorative (or aesthetic, it is irregular:
its gutters have their own layout and draw attention to themselves); rhetoric (the
most common one, stretches or compresses the pictures proportionally to the action
Travel Narratives

shown in the panel’s drawing, as if what mattered was only the action of the story);
and productive (it has a very specific structure, and that tends to interfere in the ways
in which we perceive the narrative, requesting a greater “cognitive investment” - our
expression - in the interpretation of the page and later of the story). Subsequently,
Groensteen (1999, pp. 107-19) suggests a not so rigid (perhaps more systemic) look
at Peeters’ classification, as these possibilities can be found on the same page.
Thus, he proposes another typology for the pages: regular and discreet; regular and
297 ostentatious / rhetorical; irregular and discreet; irregular and ostentatious / rhetorical.
Let us see, now, how Joe Sacco makes use of the page layout to propose forms of
perception of two quite distinct spaces. Some of the classifications listed above will
be retaken through some pages of the corpus suggested here.
In Palestine and Sarajevo, we have the figure of Joe Sacco as a catalyst for
his stories: both have some similarities (such as the self-portraying art form and the
aesthetics inherited from the American underground style, figure 6) and differences
(such as the pages’ layout: irregular in most of Palestine, regular in almost all Sarajevo,
as we’ll observe below). In both cases, Sacco wants to bring out the reality of these
regions to his readers.

Figure 6 –Joe Sacco’s self portrait.

Both works are considered as “comics journalism”. In both, we initially have


the necessary space and time characteristics, since those two were published both
in book form and also occupy considerable space as well: 141 and 103 comic pages,
respectively, in addition to the paratextual material (presentation, credits, thanks, etc.).
At Palestine’s introduction, Joe Sacco comments that his interviews were conducted
between the end of 1991 and the beginning of 1992, while the work was originally
published between 1993 and 1995 as a magazine (in 9 issues) and in 1993 as a book.
As for Sarajevo, at the author’s biography from the Brazilian edition, it’s written that
the cartoonist traveled to that city in 1995, shortly before the end of the Bosnian War,
while the book was originally published in 2003.
Travel Narratives

Let us begin with Palestine: from the beginning the reader is situated literally
within the city of Cairo, with a flood of irregular reminders, referring to Joe Sacco’s
own thoughts, and sinuously scattered throughout the page designed in a splash page
format, that is, a single drawn inside the frame (figure 7). Such a visual proposal, with
irregularly arranged reminders, suggests a lack of balance on the part of the author
and the space around him, and will act as a constant element throughout the work.
298

Figure 7 – The first page of Palestine: a Nation Occupied, 1993.

From the following page, we have a considerable number of irregular pages:


instead of conforming to the traditional pattern of horizontal strips arranged one
below the other inside the page, with square and rectangular vignettes, they present
irregular shapes such as trapezoids and the actions drawn inside the panels arranged
irregularly, that is, inclined.
In Palestine, one is hardly faced with “dead” panels whose focus consists
Travel Narratives

exclusively on the landscape of the countries visited by Sacco: only in page 81


it’s possible to see a splash page whose image is not superimposed by captions or
speech balloons. The way Sacco visually describes the spaces makes clear the sense
of oppression in the streets and the tightness of private spaces when he visits the
families: the graphical space becomes as irregular and oppressed as the life in that
region (figure 8). As we shall see, in Sarajevo the aesthetics will be quite different.
299

Figure 8 – Excerpt taken from a page of Palestine: a Nation Occupied, 1993.

In a few sequences (pp. 11-5, 34-6, 83-92, and 102-13), however, graphic space
becomes regular because the environment becomes less chaotic; chapter four, in
particular, presents a greater amount of regular pages. In other chapters, irregular
layout pages predominate. Here, the systemic proposal made by Groensteen makes
sense: a page can be both irregular and ostentatious at the same time. That is: the
irregularity of the page has an aesthetic purpose. Consequently, regular pages are
also ostentatious. Here, the binomial regularity / irregularity must be thought not
only in terms of graphic planning, but also in terms of narrative function within
the story.
In short: from the graphic-visual proposal made by Joe Sacco, we can perceive
Palestine as a region where the individual’s private space is constantly invaded: the
distances between individuals tend to be minimal, both in the public space and in
the private space (besides the spaces of torture of prisoners). Visual resources such
as the use of perspectives and foreshortening, as well as the use of textures that
accentuate a palette of grayscale, enhance the region’s socio-spatial atmosphere of
oppression. Thus, the spatio-temporal relationship that Sacco portrays in Palestine
Travel Narratives

aims for the construction of a place where time seems to be accelerated (although
indeterminate; Sacco purposely leaves its temporal identification quite vague; this
is clear in comparison with Sarajevo, as we shall see later) and space always seems
small, squeezed, overwhelmed.
There are other differences that become clear when it comes to Sarajevo’s
analysis: as we have said, the more regular arrangement of panels makes our
perception of geographical space less chaotic, but not less disturbing. If formerly
300 the always crowded spaces were responsible for the claustrophobic atmosphere,
here we have environments that seem to come out of thriller or horror movies:
empty streets, abandoned buildings, dark environments (as seem, for example, in
the pages 5-6 and 14-16).
A radical example of this can be found in the splash page formed by pages
12 and 13 (Figure 9), which follow the turn of page 11 and Sacco’s last reminder in
the sentence: “and someone indicated something in a terribly quiet street ...” (italics
added). In these two pages we have the protagonist occupying a small spot in the
left corner of the graphic space, while deserted streets, empty buildings and charged
clouds fill the rest of the environment.

Figure 9 – Splash page from The Fixer: a Story from Sarajevo, 2005.

During the work, other moments in which the dark gives the visual emphasis
can be identified, merging with the excess of hatches that guarantee (also) a darker
undertone to the narrative. Those elements are most commonly found in the chapters
set in the year 2001 after the Bosnian conflict: in them, actions take place in the
open air, apparently conveying a sense of calm, but also routine - a routine which,
Travel Narratives

as it seems (and as Joe Sacco makes clear throughout the narrative) would no longer
interest the international press, since nothing of greater relevance, journalistically
speaking, seems to occur in Sarajevo.
301

Figure 10 – Excerpt of a page from The Fixer: a Story from Sarajevo, 2005.

The irregular and ostentatious graphic strategy used in Palestine is repeated


here only once on page 49, when we have a panel illustrating an overview of a
Sarajevo street with several people occupying the public space. Here, they once again
highlight the captions that float around the drawn image.
Consequently, the visual representation of the geographical space of the city of
Sarajevo is quite distinct: in several moments we have panels with only one character
on the scene or even with none at all; in many of these cases, the space around
the characters are “unfilled”: Joe Sacco thus makes these empty and silent spaces
catch our attention within the page. At the same time, in Sarajevo, time marking is a
constant: Sacco plays us back and forth randomly between 1984 and 2001 (figure 11).
Travel Narratives

Figure 11 – Page taken from The Fixer: a Story from Sarajevo, 2005.
302 On the other hand, Sacco’s enunciative strategy here remains the same, that
is, giving voice to the inhabitants of the region - although now the emphasis is on
the speech of former soldier Neven: it is through his voice that we have contact with
what may have happened in the region. As any journalist would potentially do in a
breathtaking reportage.

Concluding remarks

As we have seen, Palestine is the story of a space crowded with people fighting
over a territory whose passage of time seems unattainable; Sarajevo is the story of a
space emptied by war and with very precise dates. Both leave marks on Sacco, but his
sensory experiences, in regard to space and time, are portrayed in very different ways.
That is precisely what (also) makes Joe Sacco’s work interesting: he’s not
restricted to telling his story only by reconstituting dialogues of his sources or the
scenarios where he went. He aims to intensify these sensations through the layout. In
that way, pages that may seem, at first, only regular or irregular, mere receptacles of
verbal (dialogues, thoughts) and visual (drawings) texts, have also another purpose: to
visually translate Joe Sacco’s sensations and the sensations of his interviewees as well.
On the one hand, we have the anguish arising from the lack of contemplative spaces;
on the other hand, the feeling of emptiness due to the excess of spaces partially or
totally occupied.
In doing so, as a whole, Joe Sacco uses the best of the three languages that support
comics: the verbal text (for access to the thoughts, anxieties, sufferings and hopes of both
him and his interviewees), the visual text (the drawings that aim to portray the spaces
by which he wanders continuously) and the graphic text that, at the same time, helps to
create a shared meaning between verb and image, and also supports these texts.
Finally, it’s possible to find in Joe Sacco’s work much of the characteristics
suggested for a report that seeks the involvement of the reader: description of characters
and environments, approximation of their lives with ours, access both to the thoughts
and impressions of the narrator-journalist as well as to their fears and joys, all of this
expressed by the way the cartoonist self-portraits.

REFERENCES

APOSTOLIDÈS, Jean-Marie. Les metamorphoses de Tintin. Paris: Flammarion, 2006.


BARBIERI, Daniele. Los lenguajes del cómic. Barcelona: Paidós, 1993.
BARBIERI, Daniele. Breve storia della letteratura a fumetti. 2ª. ediz, Roma: Carocci,
Travel Narratives

2014.
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303 BOTTOM, Alain de. Notícias: manual do usuário. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2015.
CAMPOS, Rogério de. Imageria: o nascimento das histórias em quadrinhos. São Paulo:
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GROENSTEEN, Thierry. Système de la bande dessinée. Paris: PUF, 1999.
LAGE, Nilson. A reportagem: teoria e técnica de entrevista e pesquisa jornalística.
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SACCO, Joe. Uma história de Sarajevo. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2005.
SANTOS, Roberto Elísio dos. Para reler os quadrinhos Disney: linguagem, evolução
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TCHÉKHOV, Anton. Um bom par de sapatos e um caderno de anotações: como
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Travel Narratives
304 O “EU-VIAJANTE” A SERVIÇO
DAS MARCAS: O CASO DA KLM

Daniel Nunes Gonçalves1

O sujeito que narra também é o que vende

O “eu-viajante” está sob os holofotes no palco da comunicação contemporânea


no segmento do turismo. Não que antes esse sujeito viageiro fosse coadjuvante.
Desde os primeiros relatos de deslocamento de que se tem notícia, aquele que
desbrava horizontes sempre protagonizou os registros de jornadas mundo afora:
das peregrinações dos profetas descritas nos livros sagrados milenares às passagens
épicas que a literatura da Antiguidade eternizou, como as de Homero e Heródoto
(LIMA, 2011); das maravilhas ditadas pelo veneziano Marco Polo no século 13
aos escritos literários de viagens produzidos na onda do New Journalism, nos
Estados Unidos da década de 1970. Uma novidade é o fato de histórias pessoais
verídicas terem ganhado um papel central com as mudanças tecnológicas trazidas
pela internet. Há um destaque no próprio herói que narra, em primeira pessoa, a
sua jornada.
Da mesma forma que alterou o jeito de viver, de viajar e de se comunicar das
pessoas, a chamada revolução digital (SHANNON, 1948), iniciada com a domesticação
dos microcomputadores nos anos 1980 e intensificada pela democratização do acesso
à internet na década de 1990, acabou por transformar a maneira como essas vivências
são contadas e apreciadas – ou compartilhadas e curtidas, para usar termos mais
contemporâneos. As histórias de viagens, narradas tanto em linguagem textual como
imagética, audiovisual ou sonora, passaram a ser multiplicadas em grande volume
e por inúmeras plataformas que não param de se transformar. Longos relatos nos
suplementos de turismo dos jornais, de revistas e guias deram lugar a posts pessoais
curtos em sites, vídeos, podcasts e redes sociais digitais.
A pulverização da mídia de massa tradicional em incontáveis veículos
digitais fez com que muitos desses sujeitos viajantes passassem a buscar audiência
como se fossem mídia. Abusam de selfies, que geram muitos likes, e lançam mão
de relatos subjetivos, em primeira pessoa – em contraste às narrativas objetivas
Narrativas de Viagem

e impessoais que por tanto tempo prevaleceram nos guias de viagem e relatos
jornalísticos. O narrador externo, que testemunhava ou relatava a experiência dos
outros, quase desapareceu. Com plataformas próprias de comunicação, estratégias
para aumentar o público participativo e narrativas específicas para falar com os

1 Graduado em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica (SP) e mestre em Comunicação pela Faculdade
Cásper Líbero (SP), atua como jornalista desde 1991. Trabalhou para publicações como Veja, O Estado de S. Paulo
e National Geographic, tendo se especializado em jornalismo de viagem – tema do curso livre que ministra desde
2016. Escreveu para dezenas de títulos de revistas, nove livros e seis guias de viagem. Produz também conteúdo
para marcas.
305 “fãs” de forma também instantânea, muitos narradores passaram a se expor e a se
atrelar a marcas interessadas no seu poder de seduzir outros viajantes – diga-se,
compradores.
Essa mudança de comportamento do viajante contador de histórias da estrada
– jornalista ou não – acabou por ser incorporada pela sociedade capitalista. A
publicidade, tão impactada quanto o jornalismo e o turismo em tempos de fim da
centralidade da mídia nos processos comunicacionais e de falência dos modelos
de negócio até então prevalecentes nesses três segmentos de mercado, também
centrou fogo no poder do indivíduo que viaja, se mostra e narra. Alçados a postos
de estrelas, influenciadores ou celebridades, esses novos “eus-viajantes” passaram
a lotar de relatos afetivos em primeira pessoa – e de retratos – não apenas os
veículos jornalísticos e as redes sociais digitais como também as plataformas das
marcas do turismo.

KLM, viajante centenária e descolada

Contar histórias reais para inspirar pessoas a viver experiências semelhantes:


a prioridade dada pelas empresas à comunicação baseada em relatos pessoais para
promover produtos e serviços tornou-se frequente depois da popularização da
internet (GOTTSCHALL, 2013) e do aumento da exposição do sujeito nas redes
sociais digitais. Experiências humanas reais ganharam destaque em detrimento da
publicidade com personagens fictícios – como o Garoto-Bombril e o Baixinho da
Kaiser – ou de anúncios ostensivos de venda. Segundo Kotler (2010), a comunicação
contextualizada por histórias tende a obter mais sucesso porque as pessoas não
compram produtos ou serviços, e sim histórias.
No contexto das empresas ligadas ao turismo, quem tem valorizado a
importância das narrativas subjetivas de viajantes é a KLM, corpus deste estudo.
A companhia aérea holandesa, que transportou 34,2 milhões de passageiros
em 2018, ganhou prêmios de comunicação desde que foi fundada, em 1919.
Em sua estratégia de marketing multiplataforma (quadro 1), a corporação
– que atua em site 2, blog 3, redes sociais digitais, revista impressa (Holland
Herald) e eletrônica (iFly) 4, canais de vídeo 5 e podcast 6, entre outras mídias –
divulga narrativas de viagem subjetivas para despertar a identificação de seus
passageiros com 166 destinos.
Narrativas de Viagem

2 http://www.klm.com
3 https://blog.klm.com/
4 https://www.iflymagazine.com/es
5 https://www.youtube.com/klm
6 https://podcast.klm.com/en/
306 Quadro 1: Algumas das plataformas da KLM

Fonte: elaborado pelo autor com base em observação empírica

Funcionários, blogueiros, youtubers, jornalistas especializados e passageiros


estão no rol dos narradores encontrados no estudo de caso que este autor investigou
entre 2017 e 2019, como parte da pesquisa do mestrado em Comunicação da Faculdade
Cásper Líbero (São Paulo). A investigação teve como base principal a observação da
comunicação da companhia aérea especialmente em três dos ambientes midiáticos
em que atua: o blog, que em janeiro de 2019 tinha 73 funcionários entre seus 84
blogueiros; o canal do YouTube, com mais de 675 vídeos (também em janeiro de 2019);
e os podcasts A Jornada (The Journey), que narram em áudio histórias transformadoras
de viajantes. Foram escolhidas seis narrativas em primeira pessoa de cada plataforma
(selecionadas conforme critérios do autor em busca de qualidade para análise), e nelas
foram procurados os atributos pretendidos pelo branding da KLM.
O termo inglês branding tornou-se jargão recorrente no segmento da comunicação
para descrever as ações relacionadas aos projetos de criação ou gestão de marcas. Na
definição de Costa (2002), “o branding é muito mais que planejamento estratégico da
marca, está ligado diretamente à relação de afetividade que determinada marca tem
com o cliente” (2002, p.14). A identificação entre quem conta e quem escuta, assiste
ou lê uma história – ou seja, entre o emissor e o receptor da mensagem – costuma
acontecer mais facilmente quando há um bom storytelling, uma boa partilha de uma
história única e real (MACHADO, 2015).
O storytelling, termo há tempos usado na tradição oral, nos livros, no teatro,
no cinema e nos jornais, entrou para o léxico contemporâneo assim como “conteúdo
customizado para marcas” (branded content) ou “marketing de conteúdo” (content
Narrativas de Viagem

marketing). Os termos são variações do mesmo tema no cenário em que jornalistas,


escritores e publicitários contam histórias sob encomenda do departamento de
marketing, de imprensa ou de relações públicas das corporações. É como se tivessem
diminuído as distâncias entre um texto jornalístico bem contado e um storytelling de
qualidade produzido pelo setor de marketing de uma marca.
“Nunca como agora o marketing e a notícia andaram tão próximos e interativos”,
afirma o jornalista e professor Carlos Chaparro no texto Jornalismo e marketing de
mãos dadas, em seu blog O Xis da Questão (2016). “Os acontecimentos noticiáveis
307 são cada vez mais cuidadosamente planejados e controlados pelos saberes e poderes
estratégicos do marketing, que transformam em ações táticas os fatos a serem
noticiados”, continua.
O principal motivo pelo qual a publicidade contemporânea elevou o storytelling
ao patamar das prioridades em suas campanhas foi a necessidade de falar com os
potenciais compradores de outra maneira. Com a proliferação de canais de mídia
interativos, que possibilitam ao cliente escolher que tipo de comunicação vai consumir,
ficou fácil para o indivíduo bloquear a publicidade ostensiva. Em vez de investir seu
tempo em assistir a um anúncio massivo de “compre isso” – algo facilmente eliminável
com uma ferramenta de ad-block, que bloqueia a propaganda –, o cidadão passou a
preferir assistir a histórias atraentes, como as narrativas de quem vive experiências
intensas como as das viagens.
Ao incorporar em seu branding a utilização de narrativas pessoais, a KLM
constrói a própria narrativa de marca, aquilo que dá personalidade à empresa – também
chamado de “persona”. Para Herkovitz e Crystal (2010), o chamado storytelling é
essencial para a construção de marca, especialmente o storytelling baseado na persona
da marca: “O storytelling focado na persona da marca cria uma ligação emocional de
longa duração com a audiência porque esta persona é imediatamente reconhecível e
memorizável” (2010, p. 21).
Que atributos seriam estes que traduzem a persona da KLM? Segundo o site
da empresa, sua ambição é ser a companhia aérea mais inovadora da Europa. Na
apresentação da iFly, sua revista online, fica claro: “iFly KLM é toda feita de histórias
inspiradoras de viagem. Nós viajamos o mundo todo para descobrir onde estão os
novos hotspots, onde você pode relaxar nas praias mais incríveis e onde encontrar as
joias escondidas nas grandes cidades. Porque viajar é o que amamos e sabemos que
você também!”.
Ou seja: em vez de apenas propagar seus atributos falando das aeronaves que
opera e dos destinos para onde voa, a empresa investe em contar histórias por meio
de personagens narradores. Não estamos nos referindo aqui ao simples uso de pilotos
e aeromoças reais como garotos-propaganda, prática corriqueira na comunicação das
companhias aéreas. O diferencial da KLM está no fato de serem ressaltadas as facetas
de viajantes desses comissários – mais do que as de prestadores de serviços. Dessa
forma, o potencial cliente da KLM, o viajante, encontra naquela narrativa subjetiva
alguém com afinidades, um “igual”.
Ao estudar as narrativas da contemporaneidade, Medina (1973) salienta o valor
Narrativas de Viagem

que o receptor da mensagem dá ao grau de identificação com as histórias de vida.


“Os leitores manifestam claramente a preferência pela informação humanizada,
vivida, exemplificada na cena cotidiana e protagonizada pelos heróis da aventura
contemporânea” (1973, p. 53).
Uma série de entrevistas com quatro executivos do staff da KLM permitiu
identificar características que seriam parte do DNA da marca: inovação, pioneirismo,
ser cool (aberta, com “inteligência artística”), ter orgulho de ser holandesa/original.
A observação atenta das narrativas de viagem da KLM garimpou elementos em
308 comum que pudessem corroborar ou derrubar a tese de que as histórias subjetivas
dos viajantes tornadas públicas pela companhia são concebidas para que reflitam os
atributos de sua narrativa de marca. E concluiu que, ao orquestrar essas narrativas em
rede para formar uma narrativa subliminar única, a marca busca consolidar a persona
de uma jovem viajante descolada – ainda que centenária.

73 funcionários blogueiros

Um exemplo de como a empresa holandesa utiliza múltiplas narrativas de viagem


para construir sua narrativa de marca é o blog da KLM, que alinhava em janeiro de
2019 nada menos que 84 perfis de viajantes. Há relatos de um comissário de bordo
apreciador de grafite que faz um tour de arte de rua na Colômbia, de um corredor que
conta como foi a prova de rua que reuniu 50 mil corredores em Amsterdã (e destaca
que 519 eram funcionários da KLM), de uma jornalista apaixonada por gastronomia
que narra em vídeo como foi fazer uma cooking class na Holanda. Pela peculiaridade
de ser tão vasto e heterogêneo, falando com os vários públicos que voam com a
companhia, o blog conta com narradores que escrevem sobre temas ligados aos seus
ofícios, aos afetos e às experiências de viagem de cada um. Com o perdão do clichê
das reportagens de viagens: tem de tudo para todos os gostos.
Das seis narrativas observadas de perto (quadro 2), cinco são contadas por
funcionários. A comissária Valerie Musson, do blog DareSheGoes, narra suas
vivências com o tango, que ama, na capital argentina. Sua colega Vania de Leeuw
destaca a experiência de interagir com os nativos – tema de seu blog – em um
então novo destino da KLM, as Ilhas Maurício. Outros dois comissários aproveitam
viagens a trabalho para falar de hobbies: Diederik Swart toma vinhos em um
museu de Amsterdã e Wilbert van Haneghem, aventureiro apaixonado, descreve
como sobreviveu a um naufrágio na Indonésia. Noor Gierveld é a responsável
por transportar cavalos nas aeronaves, e diz amar os quadrúpedes. A única não
funcionária desse grupo, a “blogueira profissional” Annette de Graaf, compartilha a
volta ao mundo em família.

Quadro 2: Narrativas do blog selecionadas

TEMA NARRADORES VIAJANTES DESTINOS AFETOS


Dançar tango Valerie Musson Comissária Argentina Tango
Viagem filhos Annette de Graaf Blogueira ext. Mundo todo Crianças
Narrativas de Viagem

Wilbert van
Naufrágio Comissário Indonésia Aventura
Haneghem
Cavalos Noor Gierveld Acomp. Cavalos - Cavalos
Vinho e museu Diederik Swart Comissário Holanda Vinhos
Live like a local Vania de Leeuw Comissária Ilhas Maurício Cultura local

Fonte: elaborado pelo autor com base em observação empírica


309 Criado em janeiro de 2009, o blog da KLM é uma plataforma peculiar: o processo
de produção das narrativas depende do trabalho de uma espécie de redação informal e
desterritorializada com mão de obra dos empregados, que correspondem a 86% do total
de narradores (os outros são colaboradores externos e personalidades patrocinadas
pela marca). “A equipe tem liberdade para propor os posts que preferir, e às vezes o
chefe pergunta se a pessoa gostaria de escrever sobre determinado assunto”, conta a
entrevistada 3, diretora de mídias sociais em Amsterdã. “O trabalho é feito no horário
de expediente, mas não pode atrapalhar os outros afazeres da pessoa.”
Ao misturar anônimos com pessoas de alguma autoridade e reputação, a KLM
traz algum protagonismo aos desconhecidos, uma vez que ficam equiparados aos
famosos – ao menos no que tange ao destaque que cada um ocupa no layout –, como se
também fossem especialistas nos temas sobre os quais escrevem. Independentemente
do histórico, todos os blogueiros disponibilizam dados, expõem suas imagens, mediam
interações com os leitores e cooperam na construção do conteúdo colaborativo
heterogêneo a serviço de uma marca que ressalta a valorização da diferença humana.
“A KLM atende às necessidades individuais dos passageiros. Nós sabemos que todos
somos diferentes”, diz a página KLM Corporate.
Por meio da estratégia de publicar posts sobre temas distintos produzidos por
uma equipe de perfis diversos, a KLM tem conseguido criar conteúdo farto a serviço
de sua marca. Sua redação, em grande parte jovem, integrou a comunicação (que
inspira e informa) com o negócio de vender passagens aéreas – como fica evidente
nos links ao final de alguns posts. Assim, o potencial consumidor tem a opção de já
fazer a cotação do preço da passagem no dia em que poderá viajar, sendo transferido
para a página de compra de bilhetes do site da empresa. Ou seja: o post de inspiração
do blog gera oportunidade para conversão daquele leitor em cliente.
Grosso modo, o blog prioriza dois blocos: Bastidores e Destinos. O primeiro
fala da equipe, da história da companhia, de campanhas e eventos, ao passo que
o segundo busca inspirar com “fotos legais, dicas de viagens e lendas de destinos
mágicos” associadas aos lugares para onde voa a empresa. Sob o título que apresenta
cada assunto está o tempo que um leitor vai investir na leitura (em geral, posts
curtos, de 2 a 3 minutos). No bloco Nossos Escritores (Our Writers) estão destacados
os retratos dos autores do blog, com o nome e a quantidades de posts de cada um.
Quem passa o cursor sobre os retratos se depara com o miniperfil dos autores em
primeira pessoa.
Do ponto de vista da KLM, são muitas as vantagens de construir o blog da
empresa internamente. A primeira delas tem a ver com o controle das informações
Narrativas de Viagem

prestadas pelos funcionários, facilmente vigiadas no ambiente digital do universo da


cibercultura. A própria noção de cibercultura, termo popularizado quando a sociedade
civil passou a usar a internet em larga escala, está ligada à ideia de controle, expressa
no prefixo “ciber” – decalcado do grego kybernetes e que significa “governante”,
“navegador” (FELINTO, 2011, p. 3).
Segundo a entrevistada 3, a KLM tem editores que podem dirigir, orientar e
corrigir o tom de qualquer narrativa ali apresentada de forma que esteja de acordo
com o “DNA” da marca. O dito blog é, na verdade, uma ferramenta de marketing e
310 relações públicas. Nele, não há riscos como o de receber críticas, possibilidade que
poderia existir caso o autor fosse um blogueiro externo independente. Outro fator
tem a ver com a economia de custos. Não há remuneração envolvida na produção do
blog, uma das principais plataformas da empresa em sua estratégia de seduzir os 28
milhões de seguidores (em 2019) da KLM nas mídias digitais.
Então, qual seria o elemento motivador para que os 73 funcionários blogueiros
compartilhassem, voluntariamente, textos e imagens de graça na plataforma da
marca? A possibilidade de ter sua história pessoal compartilhada, com narrativas
que por vezes dão ar heroico ao antes anônimo empregado, seria a resposta. A
participação dos funcionários aumenta ainda o “capital social” dessa pequena
celebridade, conforme o conceito de Recuero (2009). Segundo ela, “o capital social é
construído e negociado entre os atores da rede e permite o aprofundamento dos laços
e a sedimentação dos grupos: é o que alguém ganha ao estar associado a uma rede”
(2009, p. 55). Parece justificado, portanto, o fato de essas pessoas estarem dispostas a
associar sua imagem a uma marca de suposta boa reputação como a KLM.
A companhia também ganha capital social ao conectar tantos atores, alguns
deles especialistas em suas áreas. Ao transformar 73 de seus 32 mil funcionários em
blogueiros, deixando que dividam seu lar virtual com celebridades externas (como o
promotor de baladas Duncan Stutterheim e a blogueira de lifestyle Anne de Buck, de
um blog de agenda cultural de Amsterdã, o Your Little Black Book), a KLM lapida sua
imagem descolada entre o público.
Além disso, cada vez que um blogueiro agrega novos seguidores às plataformas
da KLM, a empresa junta ao seu banco de dados informações de novos potenciais
compradores. Vivemos tempos em que a informação é um bem valioso, e com esses
dados do público e as experiências profissionais e pessoais dos funcionários a empresa
reforça o repertório de conteúdo útil para seu setor de comunicação. Dessa forma, o
saber e as paixões da equipe interna ajudam a construir uma narrativa de marca que
propicie vender mais passagens aéreas.

Os heróis do podcast

As narrativas sonoras também estão contempladas na gama de alternativas


que a KLM utiliza para contar histórias verídicas de viagens que conversem com
seu potencial público viajante. Lançado em março de 2018, o canal de podcasts
da empresa, batizado de A Jornada (The Journey), foi apresentado nos releases da
KLM como iniciativa da primeira companhia aérea a usar um podcast para exibir o
Narrativas de Viagem

poder transformador de viajar. “Feche os olhos e embarque em uma jornada”, dizia a


manchete do site, estimulando a neutralização da visão.
Os áudios das seis experiências de viagem (quadro 3) são narrativas documentais
elaboradas ao estilo das radionovelas, que usam vozes, trilhas e recursos sonoros
para fazer o ouvinte viver uma imersão às cegas. A história é conduzida por um
sujeito viajante e tem diferenciais em comparação às outras plataformas: a narrativa
é construída seguindo a fórmula da jornada do herói, estudada por Campbell (1997);
e há um narrador que não é o protagonista (e que faz a costura do roteiro com
311 depoimentos de personagens secundários).
O conteúdo do podcast proporciona uma comunicação com mais estímulo
sensorial do que aquela em que a visão prepondera (em detrimento dos outros
sentidos). Além disso, o sistema podcasting, conceito tecnológico criado no início dos
anos 2000, permite que o ouvinte drible o tempo e o espaço. O receptor da informação
pode acessar as narrativas sonoras no local e no horário que bem entender – seja de
olhos fechados na poltrona do avião, seja de olhos abertos no deslocamento de casa
para o trabalho ou a escola, por exemplo.
No episódio Vivendo com Ursos, o primeiro da série A Jornada, sons de corredeiras
de rios, de porta batendo, uivos do vento e cantos de pássaros tentam fazer com que
os ouvintes se sintam como se estivessem ao lado da viajante Linda Nijlunsing, no
Alasca. Com o uso de artifícios sonoros, o podcast estimula outros sentidos, como o
tato, o olfato, o paladar, ao mostrar a rotina de Linda em uma casa de montanha, onde
ela tenta mudar de vida. Sons da cozinha e os diálogos com o companheiro, Big Jim,
colocam o ouvinte no papel de voyeur.

Quadro 3: Narrativas do podcast selecionadas

TEMA VIAJANTES Narrador DESTINOS AFETOS

Viver c/ ursos Linda Nijlunsing J. Groubert Alasca Vida ao ar livre

The Outsider Samba Schutte J. Groubert Quênia Comédia

Colapso total Diana Kaplan J. Groubert Bali, Tailândia Meditação


Argentina
Musa Buenos Aires Todd Leeloy J. Groubert Escrever

Entrega Índia Vera van Rijn J. Groubert Índia Cultura têxtil

Mão de Deus Rose Clark J. Groubert Ilhas Cook Raízes família

Fonte: elaborado pelo autor com base em observação empírica

Os episódios de A Jornada foram disponibilizados ao público em geral – não


apenas clientes da KLM – nas principais plataformas de podcast, assim como aos
passageiros pelo sistema de entretenimento de bordo nos voos da companhia aérea.
Quem se interessa em saber mais sobre as histórias de viagens que escutou tem opções
ao acessar o site da plataforma: ali dá para ler um resumo da narração ou a íntegra
Narrativas de Viagem

da transcrição do texto, ver fotos dos personagens e locações verídicas, assistir a


um trailer em forma de vídeo de 1 minuto que explica o projeto e compartilhar seu
episódio favorito com amigos nas redes sociais.
Ou seja: ao menos com relação às histórias de viagens que têm o podcast como
plataforma central, a empresa produz narrativas transmídia, conforme o conceito
de Jenkins (2006). Segundo o autor, “uma história transmídia desenrola-se através
de múltiplas plataformas de mídia, com cada novo texto contribuindo de maneira
distinta e valiosa para o todo”. Ao analisar o processo da série A Jornada, nota-se
312 que a pessoa que gostou do que ouviu em áudio no podcast pode complementar seu
conhecimento acessando o site para ver como a história se desenrola em outros
formatos, como por meio das fotos reais e do resumo do texto escrito.
Com atuações expressivas em produtos audiovisuais, revistas impressas
e digitais, sites e blogs, a KLM construiu sua marca com base em imagens. Ainda
que acompanhados de textos, o rosto de pilotos, comissários e passageiros, cenas de
aviões e paisagens de destinos foram centrais ao longo de um século de marketing. A
novidade da linguagem sonora condiz com a contemporaneidade que Kamper (1997)
chamou de “uma nova época para o ouvir” (1997, p. 131) em uma sociedade marcada
pelo excesso de informação visual.
Quem se deixa imergir na narrativa sonora de A Jornada nota que a história é
contada conforme a Jornada do Herói. Em seu clássico O Herói de Mil Faces, Campbell
(1949) cunhou essa expressão para definir a fórmula dos roteiros que remetem a
arquétipos de heróis em jornadas pessoais. Essas histórias sempre foram reproduzidas
nos mitos – e é nesse formato que a KLM investe nos podcasts. Nos episódios, os
sujeitos se deslocam de um ponto a outro e vivenciam uma transformação interior.
A ideia contida no gesto é a de que viajar é bom, transforma as pessoas – e a KLM
supostamente proporciona isso.
As trajetórias de busca, de conflito, de aparente derrota, de conquista e
transformação do herói, frequentes nas histórias de Campbell, estão claras no
episódio 3: a executiva nova-iorquina Dina Kaplan ganhou muito dinheiro com a
criação de uma start-up e sofreu de stress a ponto de abandonar a estabilidade e
o conforto para experimentar o novo nas terras distantes da Indonésia. O mesmo
ímpeto de mudança se passa com o executivo Todd Leeloy, que se apaixona por
uma anônima argentina durante uma viagem a trabalho a Buenos Aires – e faz de
tudo para encontrá-la (episódio 4). No episódio 2, a vitória de Samba Schutte, o
descendente de africanos que vai morar em uma tribo do Quênia, é retumbante: na
terra dos seus ancestrais ele descobre o propósito de sua existência, e se torna um
comediante de sucesso em Hollywood.
Essa estrutura do monomito – outro nome que Campbell dá à sua jornada do
herói – viria a ser tão usada pela indústria do cinema, como no clássico Star Wars,
de George Lucas, quanto já havia sido comum em obras literárias. É o caso da
Odisseia, escrita no século VIII a.C., em que Homero narra a jornada do rei Ulisses,
um herói viajante, para voltar a Ítaca. Segundo Vogler (2006), “Campbell quebrou o
código secreto das histórias”. Como se tivesse feito um spoiler do que acontece nas
nossas viagens ou nas nossas vidas, Campbell ajuda a identificar em um simples post
Narrativas de Viagem

de viagem em um blog ou em um podcast quem é o personagem-herói, quem atua


como seu mentor, qual é o desafio – em geral, explorar um lugar, uma cultura, uma
experiência inédita – até o momento em que o viajante se transforma.
Outro componente dos podcasts da KLM a ser ressaltado é a presença de um
narrador para ajudar a contar as histórias dos protagonistas heróis. Enquanto nos
blogs quem destrincha a maioria das histórias é o sujeito que as experimenta – ou
seja, o protagonista é o próprio narrador –, nos podcasts há um narrador coadjuvante,
como acontece com frequência nas fábulas ou peças de teatro. Trata-se do narrador
313 holandês Jonathan Groubert, professor de jornalismo, storytelling e podcasting. Ele
criou fama internacional por ajudar a cunhar o termo “talkumentary”, um trocadilho
com a palavra inglesa “documentary” (documentário), que consiste na combinação de
entrevista com jornalismo narrativo em busca de histórias verdadeiras e de impacto.
É ele quem conduz as entrevistas e os depoimentos dos viajantes que compartilham
suas vivências pessoais para inspirar os passageiros da KLM.
É curioso notar que a marca KLM quase não aparece nos podcasts. Em cada áudio,
é mencionada apenas uma vez, por volta do segundo ou terceiro minuto, depois do lead,
no início do texto. Do ponto de vista estrutural, as histórias começam pelo ápice, o que
denota bom uso de técnicas narrativas. Uma apresentação de quem são aquelas pessoas
e de onde estão vem após, e só então entram as boas-vindas do narrador e da marca:
“Oi, eu sou Jonathan Groubert e este é A Jornada, podcast original da KLM em que
encontramos pessoas extraordinárias cujas vidas foram transformadas pelo viajar.” Em
seguida, a sequência da história segue a empreitada do viajante na ordem cronológica.
Do ponto de vista mercadológico, os podcasts A Jornada são mais uma estratégia
para comunicar atributos da KLM usando contação de histórias com ferramentas
jornalísticas que atraem a atenção do público de forma orgânica. “O podcasting adiciona
um aspecto único aos nossos canais de comunicação já existentes. É um ótimo meio
para reforçar a marca, uma vez que mantém os ouvintes interessados na história por
30 a 40 minutos”, explica, no release, a responsável pela comunicação de marketing.
Em cinco das seis narrativas, percebe-se que há na atitude dos viajantes algum
ingrediente de inovação, um dos atributos de marca da KLM.

Vídeos: realidade ou ficção?

A relação entre os viajantes e seus afetos também se destaca nas narrativas


audiovisuais que a KLM exibe em seu canal no YouTube, que armazenava em 2019
mais de 675 vídeos. Diante do volume expressivo do material a ser analisado, optou-
se por observar, dentro das 23 principais séries de vídeos, as seis narrativas reais em
primeira pessoa que mostrassem atributos do chamado DNA da marca, conforme
análise preliminar do pesquisador.
O grifo da palavra “reais” deve-se ao fato de o canal ter ganhado fama não
por narrativas de sujeitos viajantes, e sim por ser o veículo em que são lançados
os vídeos das campanhas publicitárias da companhia, pensados de forma midiática
para viralizar nas redes sociais digitais. É o caso do vídeo KLM Lost & Found Service,
no qual um filhote de cachorro da raça beagle, com crachá da KLM na coleira, corre
Narrativas de Viagem

pelo aeroporto de Schiphol, em Amsterdã, até encontrar a dona de um celular cor-


de-rosa supostamente perdido na aeronave. Sucesso na internet em 2014, o vídeo
contabilizava 24,2 milhões de visualizações em janeiro de 2019 e se tornou o mais
visto desde que o canal foi criado, em 2009.
Alçada a case de storytelling audiovisual a serviço de uma marca, a narrativa do
cachorrinho herói contribuiu para a construção da imagem da KLM como referência,
no segmento das viagens, de criadora de ações nas mídias digitais. Só no canal do
YouTube, no qual a marca era seguida por 154 mil assinantes em janeiro de 2019,
314 o vídeo acumulava 3 mil comentários. Muitos deles, porém, protestavam contra a
linguagem que misturava jornalismo e publicidade para anunciar o serviço de achados
e perdidos da companhia. O serviço existia, mas o uso de cães farejadores não. A
reação a isso foram memes que circularam logo após seu lançamento: um deles tinha
a foto do cão sob a palavra “fake”.
Pela fama que alcançou, o vídeo do cão poderia dar a impressão de que todos os
vídeos da KLM fossem ficcionais e midiáticos. A análise para esta pesquisa mostrou
que não. Apenas cinco das séries analisadas foram catalogadas na categoria de
narrativa fake ou híbrida. Todas as outras são baseadas na realidade, com narrativas
jornalísticas – ainda que a serviço de promover a marca. Os 66 vídeos da série de
campanhas publicitárias são justamente os de maior visibilidade, provavelmente
impulsionados por verba de mídia nas redes sociais digitais.
Baudrillard, nesse sentido, alertava que não se deve enganar com relação à
função explícita da publicidade: “não mais se trata de uma lógica do enunciado e
da prova, mas sim de uma lógica da fábula e da adesão” (1968, p. 175). Cada vez
mais imagética, a mensagem publicitária fala do produto ao mesmo tempo que fala
da empresa – e as narrativas audiovisuais da KLM exageram para que o potencial
passageiro seja aquecido pelo calor da companhia que demonstra ser tão prestativa –,
entre outros atributos do “espírito” da marca.
A linguagem jornalística a serviço do marketing se mostra nas séries pinçadas
para este estudo em busca de narrativas centradas na história viajante, como mostra
o quadro 4. Destacadas no canal do YouTube da empresa estão três delas: Estagiário
da KLM em Missão (Intern on a Mission), que tinha 30 vídeos e 53 mil visualizações em
janeiro de 2019, todos com jovens funcionários apresentando como funciona alguma
atividade da KLM; Lendas do Cockpit, com 11 vídeos sobre bastidores das cabines
de comandantes, 401 visualizações na mesma data; e Surf KLM, com dez vídeos de
surfistas narrando aventuras em (apenas) três destinos da KLM, Portugal, Noruega e
Indonésia, e 9 mil visualizações.

Quadro 4: Narrativas dos vídeos selecionadas para análise

Série de vídeo Narrativas Narradores Destinos Afetos


Lendas Cockpit Bastidores voo Pilotos - Voar
Trabalho
Est. em Missão Serviços KLM Estagiários Vários
KLM
Narrativas de Viagem

Surf KLM Surfar Surfistas Vários Surfe


Campanhas de publicidade Novos serviços Variados - Variados
DJ Hardwells Festival de música DJ Hardwells Vários Música eletr.
Docs iFly Mag Rotas não óbvias Anfitriões Vários Suas cidades

Fonte: elaborado pelo autor com base em observação empírica


315 Os vídeos da série Intern on a Mission explicam o “how to”, como funcionam
departamentos e serviços, por meio da experiência em primeira pessoa de supostos
estagiários. A leitura também poderia ser jornalística: para relatá-las em primeira
pessoa, repórteres usam ferramentas do jornalismo gonzo – técnica narrativa criada
pelo jornalista norte-americano Hunter S. Thompson nos anos 1960 em que o autor
vivencia, na prática, a experiência que é notícia. Ao encarar vivências estranhas para
compartilhá-las com os espectadores – como ser acompanhante no transporte aéreo
de um cavalo –, o narrador permite que o público tenha acesso aos bastidores da
aviação por um viés privilegiado.
A paixão por voar, outro atributo da narrativa de marca da KLM, está explícita
nesta e na série Lendas do Cockpit, sempre narrada por pilotos. Assim como os
comissários, os pilotos estão entre os narradores cujo ofício (e a suposta paixão pelo
ofício) é mais explorado nos vídeos da companhia. Nos dois casos, a marca está bem
clara, o que evidencia a intenção de promover entre os espectadores os três pilares
da comunicação segundo a entrevistada 1, gerente de digital para a América do Sul:
o awareness (consciência de marca), a reputação e o servicing (que mostra bastidores
dos serviços prestados pela empresa aos clientes).
A opção por criar séries de temas específicos como surfe e música – como
a série de viagens do DJ de música eletrônica Hardwell, outra das seis analisadas
– reforça a teoria da entrevistada 3, diretora de mídias digitais, que busca gente
de verdade para mostrar o espírito dessa marca “jovem e inovadora”. Vídeos
documentais registram as experiências de viagens tanto do surfista Yannick de
Jagger quanto do DJ Hardwell, contadas em narrativas em primeira pessoa em que
as próprias celebridades patrocinadas pela marca são narradoras e personagens
centrais que revelam suas paixões e ofícios.
Klein (2002) explica que “os limites entre os patrocinadores corporativos e
a cultura patrocinada desapareceram completamente”. Celebridades nacionais
influentes como o surfista De Jagger e o DJ Hardwell, que passaram a compartilhar
o conteúdo de certas marcas, foram rebatizadas como “influenciadores digitais”
por volta de 2017. “O que no passado foi um processo de vender cultura a um
patrocinador por um determinado preço foi suplantado pela lógica do ‘co-branding’
– parceria fluida entre gente e marcas famosas” (2002, p. 54).
As últimas duas séries observadas representam linhas de narrativa bem
distintas. Os 20 vídeos da série Docs iFly valorizam o relato do anfitrião – e não
do viajante. Todos têm apuração e linguagem jornalística, mostrando os destinos
de uma forma muito mais inteligente que outra série do mesmo canal, chamada
Narrativas de Viagem

Destinos KLM, na qual 64 pequenos videoclipes apresentam superficialmente as


cidades para onde voa a empresa. Alguns exibem apenas uma pessoa com roupa de
comissário falando do lugar diante de um simples painel que reproduz a paisagem,
sem disfarçar que a pessoa nem sequer viajou até lá.
O orgulho de ser holandesa está evidente nos vídeos, produzidos em sua
maioria com narradores falando na língua nativa a fim de ressaltar a exclusividade
cultural do país europeu. A entrevistada 3 confirmou que a empresa tenta imprimir
nas narrativas que constrói e compartilha nas redes sociais digitais as características
316 que podem diferenciar a KLM da concorrência com base no comportamento
pressuposto do povo holandês. “Nós somos holandeses, nós somos abertos,
confiáveis, pragmáticos, amigáveis, inovadores, estamos sempre buscando novas
soluções e às vezes podemos ser bem diretos”, resumiu.
Como destaca Klein (2002), ao associar a marca à cultura holandesa, a KLM
não apenas agrega valor ao produto. Primeiramente, busca “cobiçosamente infiltrar
ideias e iconografia culturais que suas marcas podem refletir ao projetar essas ideias
e imagens na cultura como ‘extensões’ de suas marcas” (2002, p. 54). Segundo Klein,
a partir dos anos 1990 a publicidade passou a “retirar essas associações do reino
da representação e transformá-las em uma realidade de vida”. Ela questiona se as
marcas contemporâneas são cultura: “Se as marcas não são produtos, mas conceitos,
atitudes, valores e experiências, por que também não podem ser cultura?” (p. 54).
Pelo visto, a atitude da empresa busca uma simbiose com a cultura da Holanda.
De acordo com a entrevistada 1, toda nova campanha de marketing ganha uma
landing page, site temporário cuja comunicação principal é feita por meio de um
vídeo. “Utilizamos personagens reais e pensamos sempre em difundir o espírito da
marca”, conta. O tripé que define a pauta do vídeo é o mesmo que norteia o restante
da comunicação: as histórias devem focar em conteúdo que zele pela reputação da
marca, brand awareness ou servicing.
Ao conjugar na mesma frase a busca por “personagens reais” e pela “difusão
do espírito da marca”, a diretora trata com naturalidade a crescente mistura das
linguagens do jornalismo e da publicidade nas narrativas das marcas, cada vez
mais orientadas para o ambiente digital. Klein (2002) resume: “No mundo on-line,
nunca houve realmente algum pretenso muro entre o editorial e a publicidade.
Na web, a linguagem de marketing alcançou seu nirvana: a publicidade sem
publicidade” (2002, p. 66). E continua, na mesma página: “Cada vez mais os sites
são criados por ‘desenvolvedores de conteúdo’, cujo papel é produzir editorial que
se transforme em um confortável lar publicitário para clientes desenvolvedores
de marcas”.
Ao reconhecer a vocação do ambiente digital para exibição de narrativas que
mesclam jornalismo e publicidade, produzindo vídeos espetaculares compartilhados
em múltiplas plataformas, a KLM transformou seu canal no YouTube em um arquivo
de histórias audiovisuais sedutoras, com conteúdo jornalístico para inspirar e
informar e com estratégia publicitária voltada para a venda e construção da marca.
Resta ao público – que em janeiro de 2019 tinha visualizado 122 milhões de vezes os
mais de 675 vídeos da empresa – a missão de diferenciar as duas coisas.
Narrativas de Viagem

Considerações finais: uma empresa de mil faces

A investigação preliminar das principais plataformas comunicacionais da KLM


e o seguinte aprofundamento nas seis narrativas de cada uma das três plataformas
eleitas – blog e canais de podcast e vídeo – permitiram encontrar sete elementos
em comum para entender como se dá a relação entre as narrativas dos sujeitos e o
storytelling de marca da KLM.
317 1) Narrativa conduzida pelo viajante: Os viajantes da KLM – especialmente os
funcionários – contam histórias pessoais com o intuito de criar identificação com leitores
e espectadores. Notou-se, porém, a lacuna de mostrar a faceta viajante e narradora do
próprio público.
2) Exploração dos afetos e hobbies: Em apenas uma das 18 narrativas analisadas
não houve foco no afeto do viajante: a dos vídeos da série Estagiário em Missão. A busca
por histórias que envolvem afetos procura humanizar a marca da KLM, como se ela
proporcionasse emoções.
3) Destino é só pano de fundo: Embora o serviço da empresa seja transportar pessoas
a lugares, o destaque não são os destinos, mas sim o viajante – o que denota prioridade das
narrativas para construir a narrativa da marca, mais do que para vender destinos.
4) Exposição da marca e ação de vendas contidas: Ainda que a marca batize as
plataformas analisadas, ela não aparece de forma ostensiva nas narrativas. E são poucos
os relatos que remetem ao call to action para estimular a compra ao final.
5) Cardápio com mais narrativas fáticas que fictícias: Apesar do barulho que fazem os
vídeos com narrativas ficcionais, a maior parte do conteúdo é jornalística, verdadeira. Isso
dá veracidade aos relatos dos viajantes sobre suas experiências e afetos.
6) Pouco valor ao anfitrião: O aspecto anfitrião dos pilotos e comissários
viajantes foi discretamente explorado apenas por serem holandeses, mas os posts
mais convincentes sobre destinos foram os apresentados por moradores locais –
caso dos vídeos da série iFly Docs e dos posts da blogueira Vania de Leeuw. Eis uma
lacuna a ser explorada.
7) Atributos da marca alinhados: Histórias que remetem à inovação, ao fato de ser
uma empresa cool e ao orgulho holandês permeiam toda a comunicação, assim como os
três focos da estratégia de comunicação – awareness, reputação e servicing (quadro 5).

Quadro 5: Resumo da análise dos atributos da marca / Blog+Vídeos+Podcasts

Orgulho
PLATAF. Inovação Pioneirismo Awareness Servicing Reputação
holandês
Blog 3 1 6 4 5 3
Vídeos 6 6 6 3 6 6
Podcasts 5 3 6 6 6 3

Fonte: elaborado pelo próprio autor com base em observação comparada


Narrativas de Viagem

Se a intenção maior da KLM em sua estratégia de comunicação é, mais que


vender, construir uma narrativa de marca sólida para ser lembrada ao longo do
processo de convencimento do consumidor – a jornada do viajante –, a estratégia
de se apoiar em narrativas subjetivas de viagens mostrou-se bem estruturada. As
histórias são verdadeiras, apelam aos sentimentos de viajantes, falam a públicos de
perfis distintos em cada plataforma.
Isso não significa que a companhia não omita discursos. Histórias sobre perdas
318 de bagagem e atrasos de voos quase inexistem nas suas plataformas. Também
se encontrou apenas uma menção ao fato de o rei holandês, Willem-Alexander,
pilotar frequentemente pela empresa. O fato é abafado pela comunicação oficial,
por mais que pudesse gerar narrativas de grande apelo. Ao trabalhar a maioria de
suas narrativas dentro de plataformas próprias, a empresa garante o controle das
histórias que circulam sobre experiências de voar KLM. E constrói a imagem de
centenária, futurista, quase ela própria a persona de um eu-viajante de mil faces –
ainda que nenhum viajante esteja vendo algumas dessas facetas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAUDRILLARD, J. O Sistema dos objetos. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1989.


CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. São Paulo: Cultrix, 1997.
CHAPARRO, Carlos. Jornalismo e marketing de mãos dadas. Blog O Xis da
Questão, 2016. Acesso em: 4 fev. 2019.
COSTA E SILVA, Adriana. Branding & Design: Identidade no Varejo. Rio de Janeiro:
Rio Books, 2002.
FELINTO, Erick. Cibercultura: ascensão e declínio de uma palavra quase mágica.
E-compós. Brasília, v. 14, n. 1, jan./abr. 2011.
GOTTSCHALL, Jonathan. The Storytelling Animal: How Stories Make Us Human.
Mariner Books. New York, 2013.
HERKOVITZ, Stephen / CRYSTAL, Malcolm. The essential brand persona: storytelling
and branding. EUA: Journal of Business Strategy, Vol. 31, n. 3, 2010.
JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2008.
KAMPER, Dietmar. O padecimento dos olhos. In: CASTRO, Gustavo et. al. (Orgs.).
Ensaios da complexidade. Porto Alegre: Sulina, 1997.
KLEIN, Naomi. Sem Logo: A Tirania das Marcas num Planeta Vendido. Rio de
Janeiro: Ed. Record, 2002.
KOTLER, Philip. Marketing 3.0: As forças que estão definindo o novo marketing
centrado no ser humano. São Paulo: Elsevier, 2010.
LIMA, Edvaldo P. Viagens, textos, interfaces. Prefácio de Em Trânsito – Um ensaio
sobre narrativas de viagem, de MODERNELL, Renato. Universidade Presbiteriana
Narrativas de Viagem

Mackenzie, 2011.
MEDINA, Cremilda. A arte de tecer o presente. São Paulo: Summus, 1973.
MOTTA, Luiz G. Análise Crítica da Narrativa. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 2013.
RECUERO, Raquel. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina (Coleção
Cibercultura), 2009.
319 SHANNON, Claude E. A Mathematical Theory of Communication. The Bell
System Journal, Vol. 27, 1948.
VOGLER, Christopher. A jornada do escritor: estruturas míticas para escritores.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.
Narrativas de Viagem
320 THE “I-TRAVELER” IN THE SERVICE
OF BRANDS: THE CASE OF KLM

Daniel Nunes Gonçalves1


Matthew Rinaldi

The subject that narrates is the one that sells

The “I-traveler” is in the spotlight on the stage of contemporary communication


in the tourism sector. Which is not to say that this traveling subject ever played only
a supporting role. From the earliest reports of geographical displacement known to
humankind, the individual who braved new horizons was always the protagonist
of stories of journey around the world: from the pilgrimages of prophets in ancient
holy books to the epics eternalized by the literature of Antiquity, like the writings
of Homer and Herodotus (LIMA, 2011), from the wonders described by Venetian
explorer Marco Polo in the 13th century to the literary writings produced at the height
of the so-called New Journalism in 1970s America. One novelty of the present is the
fact that true personal stories have taken on a central role thanks to technological
changes brought on by the internet. These days, there is a clear emphasis on heroes
who themselves narrate their own journeys in the first person.
Just as it has changed the way people live, travel and communicate, the so-
called digital revolution (SHANNON, 1948), which began with the domestication of
microcomputers in the 1980s and intensified with the democratization of access to the
internet in the 1990s, ended up transforming the manner in which these experiences are
recounted and appreciated – or shared and liked, to use more popular, early-21st century
terms. Whether travelers’ stories are told through written text, images, video or sound,
they are now multiplied in great volume and through countless platforms that are in
constant transforming. Long reports in tourism supplements in newspapers, magazines
and guides have given way to short personal posts that are enjoyed on websites, in
videos, podcasts and social networks online.
The extreme fragmentation of traditional mass media into countless digital
vehicles has made it so that many of these traveling subjects have to come to search
for an audience as they themselves were media. They exploit the use of selfies, which
generate a plethora of likes, and reports that are essentially subjective, in the first
person – in contrast to the objective and impersonal narratives that have for so
Travel Narratives

long prevailed in travel guides and journalistic articles. The outside narrator who
witnessed or related the experience of others has all but disappeared. With their own
platforms for communication, strategies for expanding the participating public and
1 Holding a B.A. in journalism from Pontifical Catholic University of São Paulo and a master’s degree in com-
munications from Faculdade Cásper Líbero, Daniel Nunes Gonçalves has been a professional journalist since 1991.
He has worked for such publications as Veja, O Estado de São Paulo and National Geographic, having specialized
in travel reporting – the theme of the course he has been administering since 2016. He has contributed to dozens
of magazines, 9 books and 6 travel guides. He also produces content for brands.
321 specific narratives to talk with “fans” in a manner that is also instantaneous, many
narrators have gone on to expose and attach themselves to brands interested in their
power to speak to other travelers – meaning, buyers.
This change in behavior on the part of those storytellers of road narratives
-- whether they’re journalists are not – ended up being incorporated into capitalist
society. Advertising, just as impacted as journalism and tourism in this era that’s
witnessed the end of centralized media in communications and the bankruptcy of
business models that previously dominated these three segments of the market,
has also honed in on the power of the individual who travels, appears and narrates.
Elevated to stars, influencers or celebrities, these new “I-travelers” are now loading
not only journalistic vehicles and online social networks, but also the platforms of
tourism brands, with their emotional, first-person reports and portraits.

KLM, the hip, hundred-year-old traveler

Telling true stories to inspire others to seek similar experiences: the priority
which companies give to communication based on personal reports to promote
products and services has become more common after the popularization of the
internet in Brazil and around the world (GOTTSCHALL, 2013) and the increased
exposure of the subject on the social networks online. Real human experiences have
grown prominent to the detriment of advertisements with fictional characters – like
the Maytag repairman and Mikey, the Life Cereal boy, just to mention two examples
from USA – or ostensive sales ads. According to Kotler (2010), communication
contextualized by stories tends to be more successful because people don’t buy
products or services, but instead the stories themselves.
In the context of tourism-related companies, one that has placed value on the
importance of subjective traveler narratives is KLM, the focus of this study. The
Dutch airline, which transported 34.2 million passengers in the year 2018, has won
a number of awards for communications since its founding in 1919. In its multi-
platform strategy (table 1), the corporation – which has its own website2, a blog3,
online social networks, a print magazine (Holland Herald), an electronic magazine
(iFly)4, a video channel5 and a podcast channel6, among other media outlets –
promotes subjective travel narratives to humanize the brand and elicit passengers’
identification with its 166 destinations.
Travel Narratives

2 http://www.klm.com
3 https://www.iflymagazine.com/es
4 https://www.youtube.com/klm
5 https://www.youtube.com/klm
6 https://podcast.klm.com/en/
322 Table 1: Some of KLM’s platforms

Source: developed by the author from empirical observation

Employees, bloggers, youtubers, specialized journalists and passengers are all


on the roster of narrators found in the case study that this author compiled from 2017
to 2019 as part of the research for his master’s degree in communications at Faculdade
Cásper Líbero in São Paulo. The investigation was mainly based on observations of
the airline’s communications, especially in three of the media environments where it
operates: the blog, which in January of 2019 featured 73 KLM employees among its 84
bloggers, the YouTube channel, with over 675 videos (also as of January, 2019) and the
podcast series The Journey, which consists of audio narrations of travelers’ stories of
transformation. Six first-person narratives were chosen from each platform (selected
according to the author’s personal criteria in search of quality content for analysis),
looking for attributes intended by KLM’s branding.
The term branding became a recurring buzzword in the communications
sector to describe actions related to projects of brand creation or management.
According to Costa e Silva (2002), “branding is much more than a brand’s strategic
planning, it’s directly connected to the emotional relationship that a certain brand
has with the customer” (2002, p.14). The identification between who’s talking and
who’s listening, watching or reading a story – in other words, between the sender
and the receiver of the message – usually occurs more easily when there’s good
storytelling, and the story itself is unique and real (MACHADO, 2015).
Storytelling, a term long used in oral tradition, books, theater, film and
newspapers, entered the contemporary lexicon as “customized content for brands”
(branded content) or “content marketing.” These terms are variations on the same
theme in the scenario in which journalists, writers and advertising agents tell
stories on commission from the marketing department, the press or corporate PR.
Travel Narratives

It’s as if they had shortened the distance between a journalistic text and quality
storytelling produced by a brand’s marketing department.
“Never before have the news and marketing been so close to one another, so
interactive,” says journalist and professor Carlos Chaparro in the text Jornalismo
e marketing de mãos dadas from his blog O Xis da Questão (2016). “Newsworthy
occurrences are more and more carefully planned and controlled by the wisdom
323 and strategic powers of marketing, transforming the facts to be reported into
tactical actions,” he adds.
The main reason contemporary advertising has elevated storytelling to a level
of priority in campaigns is the need to speak to potential buyers in a different way.
With the proliferation of interactive media channels that allow customers to choose
what kind of communication they will consume, it became easy for the individual to
block ostensive advertising. Rather than investing their time in watching a massive
“buy this!” type of ad – something easily eliminated with an ad-block tool –, users
now prefer to view catchy stories, such as narratives of others embarking on intense
travel experiences.
By incorporating the use of narratives about people into its branding, KLM
constructs its own brand narrative, one which gives the company a personality--
also known as a “persona.” For Herkovitz and Crystal (2010), so-called storytelling
is essential brand construction, especially storytelling based on a brand’s persona:
“This brand persona creates a long-lasting emotional bond with the audience because
it is instantly recognizable and memorable” (2010, p. 21).
But what are these attributes that translate the KLM persona? According to their
website, KLM strives to be the most innovative airline in Europe. The presentation
of KLM’s award-winning magazine online magazine iFly makes it clear: “iFly KLM
Magazine is all about inspirational travel stories. We go all over the world to find
out where the new hotspots are, where you can relax on the most stunning beaches
and where to find the hidden gems in big cities. Because traveling is what we love
and we know you do too!”
In others words, instead of propagating its attributes talking about the
aircrafts it operates and the destinations it services, the airline invests in telling
stories through narrator-characters. And we aren’t referring here to the simple use
of real pilots and flight attendants as poster boys and girls, a common practice
in airline communications. KLM’s differential lies in the fact that they highlight
these agents’ characteristics as travelers-- much more than as service providers. As
such, KLM’s potential customers, themselves travelers, thus find in this subjective
narrative someone with affinities, an “equal.”
Studying contemporary narratives, Medina (1973) underlines the value that
message-receivers place on degree of identification with life stories. “Readers clearly
manifest a preference for humanized, lived information, exemplified in scenes of
daily life and personified by heroes of contemporary adventure” (1973, p. 53).
A series of interviews with four KLM executives made it possible to identify
some characteristics that are part of the brand’s so-called DNA: innovation, a
Travel Narratives

pioneering spirit, coolness (openness, with “artistic intelligence”), pride in being


Dutch/original. An attentive observation of KLM’s travel narratives demonstrated
common elements capable of corroborating or debunking the thesis that subjective
travel narratives made public by KLM are conceived to reflect the attributes of its
brand narratives. The conclusion was that, in order to orchestrate these narratives
into a network meant to form a unique, subliminal narrative, the brand seeks to
324 consolidate the persona of a hip, young traveler – even though the airline itself is 100
years-old in 2019.

73 blogger-employees

One example of how the Dutch airline utilizes multiple travel narratives to
construct its brand narrative is the KLM blog, which, as of January of 2019, aligned no
less than 84 traveler profiles. There are dispatches from a graffiti-loving flight attendant
who goes on a street art tour in Colombia, an avid distance runner describing what it
was like to take part in a street race among 50,000 others in Amsterdam (mentioning
significantly that 519 of them were KLM employees) and a foodie journalist narrating
a video about the cooking class she took in Holland. Due to the peculiar fact of its
vastness and heterogeneity, the way it speaks to various publics that fly with the
company, the blog works with narrators who write about themes connected to their
professions, their personal tastes and travel experiences. If the reader will kindly
forgive the travel writing cliche: it has a little of everything for all tastes.
Of the six narratives observed up close (table 2), five are told by employees.
Flight attendant Valerie Musson, of the blog DareSheGoes, narrates her experiences in
the capital of Argentina with the dance she loves: the tango. One of her coworkers,
Vania de Leeuw, talks about her experiences interacting with natives – the theme of
her blog – at a then-new KLM destination, Mauritius. Two other flight attendants
made use of their travel for their jobs to talk about personal hobbies: Diederik Swart
enjoys wine at a museum in Amsterdam, while Wilbert van Haneghem, a passionate
adventurer, writes about surviving a shipwreck in Indonesia. Noor Gierveld is
responsible for transporting horses on airplanes and she professes her love for the
quadrupeds. The only non-employee in this group, “professional blogger” Annette de
Graaf shares stories from her family vacation around the world.

Table 2: Narratives from selected blogs

THEME NARRATORS TRAVELERS DESTINATIONS APPEAL


Dancing the Tango Marcela M. Flight attendant Argentina Tango
Traveling with kids Annette Outside blogger All over the world Kids
Shipwreck Wilbert van Flight attendant Indonesia Adventure
Horses Noor Giervel Horse escort - Horses
Wine and museums Diederik Swart Flight attendant Holland Wine
Travel Narratives

Living like a local Vania de Leew Flight attendant Mauritius Local culture

Source: developed by the author based on empirical observation

Created in January, 2009, the KLM blog is a peculiar platform: the process of
producing its narratives depends on the work of a sort of informal, deterritorialized
325 editorial process that makes use of the manpower of its own personnel, who make
up 86% of the total narrators (the others are outside collaborators and personalities
sponsored by the brand). “The staff has the freedom to propose posts they would
prefer to write about, and at times the boss asks if someone person would like to
write about a certain subject,” says interviewee number 3, director of social media in
Amsterdam. “The work is done during regular work hours, but it must not get in the
way of the individual’s other responsibilities.”
By blending anonymous writers with people of certain authority and reputation,
KLM makes protagonists out of unknown authors to a certain extent, in that they are
put on equal footing as famous people – at least in terms of the degree of prominence
by each is featured in the layout – as if they were specialists on the themes about
which they write. Regardless of their personal history, all the bloggers make their
info available, expose their images, mediate interactions with readers and collaborate
on the construction of collaborative, heterogenous content in the service of a brand
that values human differences. “KLM attends to the individual needs of passengers;
we know everybody is different,” reads KLM Corporate page.
With posts on distinct themes produced by a staff with diverse profiles, KLM
has succeeded, through this strategy, in producing plentiful content that serves its
brand. Its editorial staff, comprised of young people, combines communications (that
inspires and informs) with the business of selling airplane tickets – as made evident
by the links at the end of some posts. In this way, the potential consumer has the
option of quoting the price of airfare on their intended travel dates, following links to
the airline’s webpage where they can purchase tickets. In other words: an inspiring
blogpost generates the opportunity for readers to be converted to customers.
Broadly speaking, the blog places priority on two blocks: Behind the Scenes
and Destinations. The former refers to the staff, the airline’s history, campaigns and
events, while the latter seeks to inspire with “cool pictures, travel tips and legends of
magical destinations” where the airline flies. Under the title introducing each subject
the estimated amount of time internet users will need to actually read it (usually 2-3
minutes for short posts) is listed. The page entitled Our Writers highlights portraits
of blog authors, with their names and quantities of blog posts. As you run the cursor
over each portrait you’ll see a first person mini-profile.
From KLM’s point of view, there are many advantages in building the airline’s
blog internally. The main one relates to control of the information provided by
employees, easily monitored in the digital environment and the world of cyberculture.
The very notion of cyberculture, a term made popular when civil society started using
the internet on a large scale, is related to the idea of control expressed through the
Travel Narratives

prefix “cyber”– from the Ancient Greek root kubernḗtēs which means ‘governor’ or
‘navigator’ (FELINTO, 2011, p. 3).
According to interviewee number 3, KLM has editors who are able to direct,
guide and correct the tone of any narrative presented there to ensure it conforms to
the brand’s so-called “DNA.” The aforementioned blog is actually a marketing and
public relations tool. There is no risk of receiving criticism, which would not be the
case if the authors were external, independent bloggers. Another factor is related
326 to the economy of costs. There is no remuneration involved in the production of
the blog, one of the airline’s main platforms in its strategy to seduce the 28 million
followers of KLM on digital media (in 2019).
So what could be the motivating factor for these 73 employee-bloggers to
voluntarily share their writings and personal images on the brand’s platform free
of charge? Perhaps the answer is the possibility of having their personal stories
shared by the company, in narratives that, in turn, place the formerly anonymous
employee in the role of hero. The participation of its employees further raise the
“social capital” of this small celebrity, as described by Recuero (2009). According to
her, “social capital is constructed and negotiated between the actors in the network
and enables the strengthening of bonds and solidification of groups: it is people gain
by being associated with a network” (2009, p. 55). This, therefore, seems to justify the
willingness of these people to associate their image with a brand with a presumedly
good reputation, like KLM.
The airline also gains social capital by connecting different actors, some of
whom are specialists in their areas. By transforming 73 of their 32,000 employees into
bloggers and no longer sharing their virtual home with outside celebrities (like party
promoter Duncan Stutterheim and lifestyle blogger Anne de Buck of Your Little Black
Book, the main cultural calendar blog in Amsterdam), KLM is able to further polish its
hip image for the public.
Additionally, every time a blogger brings new followers to the KLM platforms,
the airline also adds the user info of new potential buyers to its databank. We live in
times in which information is valuable and, with this data from the public and the
professional and personal experiences of its employees, the company enhances its
repertoire of content that is useful for its communications sector. In this way, the
wisdom and passions of the internal staff help to build a brand narrative that allows
it to sell more plane tickets.

Podcast heroes

Audible narratives are also included in the range of alternatives which KLM
utilizes to tell true travel stories to address its public of potential travelers. Launched
in March of 2018, the airline’s podcast channel, christened The Journey, was first
introduced on KLM media as an initiative of the first airline to ever use a podcast to
display the transformative power of travel. “Close your eyes and go on a journey,”
reads the website’s headline, stimulating the neutralization of vision.
Audio recordings of the six travel experiences (table 3) are narrative documents
Travel Narratives

created in the style of radio plays that use voices, soundtracks and sound effects to
enable listeners to experience a blind immersion. The story is conducted by a traveler
subject and the narrative is constructed according to the formula of the hero’s journey,
studied by Campbell (1949). Each features a narrator who is not the traveler-protagonist
(and who threads the script along with testimony from supporting characters).
Podcast content allows for a form of communications with more sensorial
stimuli than that contemplated solely by vision (often to the detriment of the other
327 senses). In addition, the podcasting system, a technological concept from the early
2000s, allows users to transcend time and space. Receivers of information can access
the audible narratives in the setting and moment of their choosing – whether in their
seat on a plane with their eyes closed or while commuting from home to work or
school with their eyes open, to give just two examples.
In the first episode of the series The Journey, titled Living with Bears, sounds
of rivers running, doors flapping, wind whistling and birds singing attempt to make
listeners feel like they’re there in Alaska alongside traveler Linda Nijlunsing. Through
the use of sound effects, podcasts stimulate other senses, like touch, smell and taste,
depicting Linda’s daily routine in a house in the mountains where she’s trying to
change her life. The sounds of the kitchen and dialogues with her companion Big Jim
place the listener in the role of voyeur.

Table 3: Narratives of selected podcasts

THEME TRAVELER Narrator DESTINATIONS APPEALS


Living with bears Linda Nijlunsi J. Groubert Alaska The outdoors
The Outsider Samba Schutte J. Groubert Kenya Comedy
Total collapse Diana Kaplan J. Groubert Bali, Thailand Meditation
Buenos Aires Muse Todd Leeloy J. Groubert Argentina Writing
Delivery in India Vera van Rijn J. Groubert India Textile culture
Hand of God Rose Clark J. Groubert Cook Islands Family roots

Source: developed by the author based on empirical observations

Episodes of The Journey are available to the general public-- not just to KLM
customers-- via the main podcast platforms, just as passengers have access to the
airline’s inflight entertainment system while traveling. The public interested in
learning more about the travel stories they hear have the option of visiting the
platform website: there, they can read a summary of the story or the entire transcript,
view photos of the real-life characters and locations, watch a trailer in the form of
a one-minute video which explains the project and share their favorite episode with
friends on social media.
In other words, at least in terms of the travel stories for which the podcast is
the central platform, the airline is producing narratives of transmedia, as described
by Jenkins (2006). According to the author, “transmedia stories unfold across multiple
media platforms, with each new text making a distinctive and valuable contribution to
Travel Narratives

the whole.” By analyzing this process in the context of The Journey, it’s apparent that
anyone who likes what they heard on the podcast can complement their knowledge
by accessing the site to see how the story is revealed in other formats, such as real
photos and a summary of the written text.
With significant endeavors in audiovisual productions, print and digital
magazines, websites and blogs, KLM has constructed its brand based on images.
Though accompanied by text, images of the faces of pilots, attendants and passengers,
328 scenes of airplanes and travel destinations were central to marketing for a century. The
novelty in investing in the audio media matches the contemporaneity that Kamper
(1997) called “a new age for listening” (1997, p. 131) in a society characterized by an
overload of visual information.
Those who allow themselves to be immersed in the audible narratives of The
Journey will notice that the stories follow the playbook the so-called Hero’s Journey.
In his classic book, The Hero With A Thousand Faces (1949), Joseph Campbell coined
this expression to define the formula behind plots based on the archetypes of heroes
on personal journeys. These stories have always been reproduced in myths-- and
this is the format in which KLM invests in its podcasts. In each episode, the subject
embarks from one point to another and experiences an inner transformation. The
idea contained in the gesture is that travel is good, it transforms people and KLM
supposedly makes this possible.
The trajectory of quest, conflict, apparent defeat, conquest and the transformation
of the hero, common in Campbell’s stories, is clear in episode 3. New York executive
Dina Kaplan earned a lot of money by founding a start-up, but then suffered from so
much stress that she had to abandon the stability and comfort of her old life and search
for something new in the distant lands of Indonesia. The same impetus for change
occurred to executive Todd Leeloy, who, in episode 4, falls in love with an unnamed
Argentine woman on a business trip to Buenos Aires, and does everything he can
to meet her. The victory of Samba Schutte, the descendent of Africans who goes to
live with a tribe in Kenya in episode 2 is resounding: he discovers the purpose of his
existence in the land of his ancestors and goes on to become a successful comedian
in Hollywood.
This structure of the monomyth – another name used by Campbell to refer to
the hero’s journey-- would go on to become as prevalent in the movie industry, like,
for instance, in George Lucas’s sci-fi classic Star Wars, as it is in other literary genres.
This is the case of the Odyssey, written by Homer in the 8th century B.C., which
follows the king Odysseus, a traveling hero on his journey home to Ithaca. According
to Vogler (1998), “Campbell had broken the secret code of story.” As if letting slip
spoilers of what goes on in our travels and in our lives, Campbell helps us to identify
in a simple post on a travel blog or podcast who the hero-character is, who acts as his
or her mentor and what the challenge is – in general, to explore a place, a culture, an
unprecedented experience – until the moment in which the traveler is transformed.
Another noteworthy component of the KLM podcasts is the presence of a
narrator to help tell the stories of the protagonist heroes. Unlike the blogs, in which
most of the plots are unveiled by the subject as he or she experiences them – that is,
Travel Narratives

the protagonist is also the narrator –, the podcasts feature a supporting narrator, as
is often the case in fables and the theater. Here, the narrator is Jonathan Groubert,
a Dutch professor of journalism, storytelling and podcasting. Groubert rose to
international fame by helping to coin the term “talkumentary,” which consists of
combining interviews with journalistic narratives in search of true, impactful stories.
He is the one who conducts the interviews and statements made by travelers sharing
their personal experiences to inspire KLM passengers.
329 It’s curious to note that the brand KLM hardly ever comes up in the podcasts.
In each audio file, it’s mentioned once, around the second or third minute, after
the lead-in at the beginning of the text. From a structural point of view, the stories
begin at the climax, which denotes a good use of narrative technique. After, there is
a presentation of the characters and where they are, and only then does the narrator
introduce himself and mention the brand: “Hi. I’m Jonathan Groubert and this is
The Journey, the original KLM podcast, where we meet extraordinary people whose
lives were transformed by travel.” From there, the sequence of the plot follows the
traveler’s endeavors in chronological order.
From a market point of view, the podcast series The Journey is yet another
strategy to communicate KLM’s attributes by using storytelling with journalistic
tools to attract the attention of the public in an organic manner. “Podcasting adds
a unique aspect to our existing channels of communication. It’s a great way to
strengthen our brand, being that it keeps listeners interested in the story for 30 to 40
minutes,” explains the responsible for the marketing actions. In 5 of the 6 narratives,
the travelers display a noticeable attitude toward some ingredient of innovation, one
of the attributes of the KLM brand.

Videos: reality or fiction?

The relationship between travelers and their affections also stands out in the
audiovisual narratives that KLM shows on its YouTube channel, which featured over
675 videos in 2019. Considering the substantial volume of material to be analyzed, the
decision was made to observe, out of the 23 main series of videos, the six real, first-
person narratives that display attributes of the brand’s so-called DNA, according to
the researcher’s preliminary analysis.
The spelling of the word “royal” is due to the fact that the KLM channel earned
worldwide fame not for the narratives of traveling subjects, but instead for being the
official vehicle where the airline’s advertising campaigns are launched, almost always
conceived from a media perspective in order to go viral on the social networks. This is
the case of the video KLM Lost & Found Service in which a beagle puppy, with a KLM
badge attached to its collar, runs through Schiphol Airport in Amsterdam, until it
finds the owner of a pink cell phone supposedly lost on an airplane. An internet hit in
2014, the video tallied 24.2 million views as of 2019 and has become the most watched
video since the channel was created in 2009.
Elevated to the level of world-class audiovisual storytelling in service of a brand,
the narrative of the heroic puppy contributed to the construction of KLM’s image as
Travel Narratives

a reference in the travel sector, as a creator of intelligent actions using digital media.
On the YouTube channel alone, where the brand was followed by 154,000 subscribers
as of January, 2019, the video racked up 3,000 comments. Many of them, however,
protested the language it employed, which mixed journalism and advertising to
announce the airline’s lost and found service. The service itself did exist, but the use
of sniffer dogs did not. The reaction to this gave way to memes which circulated soon
after its launch: one of them had a photo of the dog beneath the word “fake.”
330 With the fame it achieved, the puppy video might have given the impression
that all KLM’s videos are fictional and derivative of media. The analysis conducted
for this study showed otherwise. Only five of the series analyzed were catalogued
in the category of fake or hybrid narrative. All the others are based on reality with
journalistic narratives – though in the service of promoting the brand. The 66 videos
in the series of advertising campaigns are those with the highest visibility – probably
driven by media funds from the online social networks.
Baudrillard, in this sense, warned that one shouldn’t be fooled by the function
of advertising: “For this is not a logic of propositions and proofs, but a logic of fables
and of the willingness to go along with them” (1996, p. 166). Increasingly image-based,
the message in advertising speaks of the product while at the same time talking of
the company – and KLM’s narratives go overboard in attempts to make travelers feel
warmed by the affections of the airline that shows itself to be so outgoing – among
other attributes of the brand’s “spirit.”
Journalistic language employed to serve as marketing is displayed in the series
handpicked for this study to find travel narratives centered on the story of the travel
narrator, as shown in table 4. Three of them are highlighted on the main page of
the airline’s YouTube channel: Intern on a Mission, which had 30 videos and 53,000
views as of January of 2019, all with young employees presenting how a certain KLM
activity works, Cockpit Legends, with 11 videos about the behind-the-scenes activities
of the captains, 401 views on the same date, Surf KLM, with 10 videos and 9,000 views
of surfers narrating adventures at (only) three KLM destinations: Portugal, Norway
and Indonesia.

Table 4: Narratives of the videos selected for analysis

Video series Narratives Narrators Destinations Appeal


Behind the scenes
Cockpit Legends Pilots - Flying
of air travel
Working for
Internship Mission KLM Services Interns Various
KLM

Surf KLM Surfing Surfers Various Surfing

Advertising Camp New services Various - Various

Electronic
DJ Hardwells Music festivals DJ Hardwells Various
music
Travel Narratives

Docs iFly Mag Unusual routes Hosts Various Their cities

Source: developed by the author based on empirical observations

The videos in the series Intern on a Mission explain how specific departments
and services work, based on the firsthand experience of supposed interns. The reading
331 of the scene can also be journalistic: reporters use the tools of gonzo journalism –
a narrative technique created by American journalist Hunter S. Thompson in the
1960s in which the author lives out an experience that is making news – so as to
narrate it in the first person. By taking on unusual experiences in order to share
them with the audience – like what’s it like escorting a horse on an airplane –, the
narrator grants the public access to a privileged point of view of the behind-the-
scenes goings-on of aviation.
The passion for flying, another attribute of KLM’s brand narrative, is explicit
in this episode, as well as the series Cockpit Legends, always narrated by pilots. Like
flight attendants, pilots are among the narrators whose profession (and passion
for their job) is most exploited in the airline’s videos. In both cases, the brand is
quite explicit, demonstrating an intention to promote to spectators the three pillars
of communication, according to interviewee number 1, digital manager for South
America: awareness, reputation and servicing (revealing what goes on behind-the-
scenes with the services the airline provides).
The decision to create series with specific themes, like surfing and music –
as in the travel series by electronic music DJ Hardwell, another of the six analyzed
– reinforce the theory put forth by interviewee 3, director of digital media, who
looks for real people to show the spirit of this ‘young and innovative’ brand. Video
documentaries register the travel experiences of Yannick de Jagger as well as DJ
Hardwell, recounted through first-person narratives in which celebrities sponsored by
the brand themselves act as narrators and main characters explaining their passions
and professions.
As Naomi Klein (2002) explains, “the lines between corporate sponsors and
sponsored culture have entirely disappeared.” Influential national celebrities like
the surfer Jagger and DJ Hardwell, who have come to share the content of certain
brands, were christened “digital influencers” around the year 2017. “So what was once
a process of selling culture to a sponsor for a price has been supplanted by the logic
of “co-branding” - a fluid partnership between celebrity people and celebrity brands”
(2002, p. 49).
The last two series observed represent very distinct narrative lines and uses of
narrator. The 20 videos in the series Docs iFly place value on the host narrative – rather
than that of the traveler. All of them feature journalistic language and refinement,
portraying the destinations in a much more sophisticated manner than another series
from the same channel, KLM Destinations. The latter channel has 64 short videos
providing superficial presentations of cities to which the airline flies – some include
just one individual in a flight attendant’s uniform talking about the place in front of
Travel Narratives

a simple panel reproducing the landscape, without the slightest effort to pretend that
person actually traveled there.
There is obvious Dutch pride in the videos, most of which were produced with the
narrators speaking their native language, thus emphasizing the cultural exclusivity of
the European country. Interviewee number 3 confirmed that the airline tries to imbed
in the narratives constructed and shared on the social networks the characteristics
capable of differentiating KLM from the competition based on the presupposed
332 behavior of the Dutch people. “We’re Dutch. We’re open, reliable, pragmatic, friendly
and innovative. We’re always searching for new solutions and sometimes we can be
quite direct,” she sums up.
As Klein emphasizes (2000), by associating the brand with Dutch culture, KLM
does more than just add value to the product. What it and other companies like it
are doing, primarily, is “thirstily soaking up cultural ideas and iconography that
their brands could reflect by projecting these ideas and images back on the culture
as ‘extensions’ of their brands” (2000, p. 47). According to Klein, starting in the
1990s, advertising began “to take these associations out of the representational realm
and make them a lived reality” (2000, p. 48). She wonders if contemporary brands
themselves are culture. “If brands are not products but ideas, attitudes, values and
experiences, why can’t they be culture too?” (2000, p. 48) Apparently, the airline’s
attitude seeks a symbiosis with Dutch culture.
According to interviewee number 1, every new marketing campaign is given
a landing page, a temporary website whose main communication is conducted via
a video. “We utilize real characters and we always think about promoting the spirit
of the brand,” she says. The three-pronged approach that defines the video’s agenda
is the same one that guides all other communications: the stories should focus on
content that upholds the reputation of the brand, brand awareness or servicing.
By combining in the same sentence the search for “real characters” and the
“promotion of the brand’s spirit,” the KLM director naturally addresses the ever-
increasing blend of the languages of journalism and advertising in brand narratives,
more and more oriented toward the digital realm. Klein summarizes: “online (...) there
was never really any pretense of a wall existing between editorial and advertisement.
On the Web, marketing language reached its nirvana: the ad-free ad” (2000, p. 59).
And she continues, “Sites are increasingly created by “content developers,” whose
role is to produce editorial that will make an ad-cozy home for the developers’ brand-
name clients” (2000, p. 60).
By assuming the vocation of the digital realm to create narratives that
blend journalism with advertising, producing spectacular videos that are shared
on multiple platforms, KLM transformed its YouTube channel into an archive of
seductive audiovisual stories, with journalistic content to inspire and inform and an
advertising strategy focused on brand building and sales. It’s up to the public, which,
as of January, 2019, had viewed the airline’s 675 videos some 122 million times, to
differentiate between the two.

Final considerations: a company with a thousand faces


Travel Narratives

A investigation of KLM’s main communications and the following expansion


on the six narratives from each of the three chosen platforms-- blog, podcast channel
and video channel – permitted the author to determine seven common elements to
understand the nature of the relationship between the subjects’ narratives and the
KLM brand storytelling.
1) Narrative conducted by the traveler: KLM travelers – especially the airline’s
333 employees – tell personal stories so as to create identification with readers and
spectators. There is, however, a notable gap in showing the traveler and narrator side
of the public itself.
2) Exploitation of affections and hobbies: Only one of the 18 narratives analyzed
did not focus on the traveler’s affections: the videos in the series Intern on a Mission. The
search for stories of affections seek to humanize the KLM brand, as if the airline itself
generated emotions.
3) The destination is just the background: though the service provided by the
company is the transportation of people to places, the focus is not on the destination,
but rather the traveler – which denotes the priority of the narratives in constructing the
brand’s narrative, much more so than to sell destinations.
4) Brand exposure and action of expressed sales: even though the brand is the one
to name the platforms analyzed, it does not appear in the narratives in any ostensive
manner. Furthermore, few of the reports reference any sort of call to action to stimulate
potential purchases.
5) Menu with more factual narratives than fictional ones: despite the noise made by
the videos with fictitious plot-lines, the majority of the content is journalistic, and true.
This adds veracity to the travelers' accounts of their own experiences and affections.
6) Little value given to the host: the host aspect of the pilots and traveling flight
attendants was discreetly exploited solely for the fact of their Dutch identity, but the
most convincing posts about destinations were those presented by local residents – as
with the videos in the iFly Docs series and posts from blogger Vania de Leeuw. Here is
another gap that should be explored.
7) The brand’s aligned attributes: stories that reference innovation, the fact that
KLM is a “cool” company and Dutch pride permeate all communications, as do the
three focal points in the communication strategy – awareness, reputation and servicing
(Table 5):

Table 5: Summary analysis of brand attributes Blog+Videos+Podcast

PLATFORM Innovation Pioneering Awareness Servicing Reputation Dutch origins


Blogs 3 1 6 4 5 3
Videos 6 6 6 3 6 6
Podcasts 3 3 6 6 6 3
Source: The author’s own comparisons
Travel Narratives

If KLM’s greater intention in its communications strategy is, more than to sell,
to construct a narrative of a solid brand to be remembered throughout the process of
convincing the consumer – the traveler’s journey--, the strategy of supporting itself on
subjective travel narratives has proved to be well-structured. The stories are true. They
appeal to travelers’ sentiments. They speak to audiences with distinct profiles on the
334 platforms that they utilize.
This doesn’t mean that the company doesn’t omit speech. Reports of lost luggage
or delayed flights are virtually non-existent on the airline’s platforms. There is also
only one mention of the fact that the Dutch king Willem-Alexander frequently served
as pilot for the company. This fact is buried by the official communications, regardless
of its potential to generate travel narratives of great appeal. By working with most of
the narratives from within the platforms themselves, the airline guarantees control
of the stories that circulate based on experiences of flying KLM. And it constructs the
image of being 100 years-old and futuristic, almost itself the persona of an I-traveler
with a thousand faces. Even though some of these facets remain unseen by today’s
travelers.

BIBLIOGRAPHICAL REFERENCES

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Travel Narratives

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VOGLER, Christopher. The Writer’s Journey: Mythic Structure for Writers. Studio
City: Michael Wiese Productions, 1998.
Travel Narratives
336 JORNALISMO DE VIAGENS
E A PRODUÇÃO DE CONTEÚDO
EM MOVIMENTO

Isadora Silva Ferreira1


Camila Maciel Campolina Alves Mantovani2

As tecnologias e suas dinâmicas de produção e organização

O século XXI vêm sendo marcado pelas constantes mudanças tecnológicas, sociais
e culturais que transformam a maneira como nos comunicamos, nos informamos, e
nos organizamos como sujeitos e como sociedade. Ao ampliarem as possibilidades
de interação entre os indivíduos, as novas tecnologias de informação e comunicação
(TICs) e os dispositivos móveis são agentes importantes nestas transformações que
alteram os mais diversos âmbitos da vida humana.
É possível observar, por exemplo, que o uso destas tecnologias móveis para
realizações de atividades profissionais é cada vez mais frequente. Aliás, no momento
em que os celulares começaram a se expandir na sociedade, no final dos anos 1990 e
início dos anos 2000, muito acreditou-se que seus usos estariam restritos ao universo
do trabalho, afinal, quem gostaria de estar 24h por dia disponível a não ser que sua
rotina de trabalho criasse essa demanda?
Ainda que esse prognóstico não tenha se realizado – somos, quase todos,
testemunhas de que os celulares foram muito além das interações do universo
profissional - tais dispositivos foram rapidamente incorporados ao cotidiano de
sujeitos que necessitavam manter sua força de trabalho sempre disponível e conectada.
No caso do jornalismo, não foi diferente. Dos celulares, a outras tecnologias de
informação e comunicação, a presença e utilização desses artefatos permeia toda a
história do campo profissional. Dos relatos orais e do impresso, passando pelas mídias
eletrônicas, como a TV e o rádio, chegando aos ambientes móveis digitais, com a
internet e seus dispositivos de conexão, o jornalismo se reinventa a cada mudança
tecnológica. E, nesse processo, os diferentes segmentos se modificam.
Neste capítulo, nosso foco de análise será o jornalismo de viagem, tendo em
vista os desafios e possibilidades trazidos pelos dispositivos móveis em rede e as
Narrativas de Viagem

novas formas de produção, acesso e disseminação de conteúdos e de interação com


1 Graduanda em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisadora de Iniciação Científica no projeto “Sujeito em
movimento: narrativas e subjetividades nas novas dinâmicas organizacionais” e atualmente estudando a utilização
de dispositivos móveis nas atividades profissionais de jornalistas de viagens. Ambas as pesquisas contam com a
orientação da Professora Camila Mantovani.
2 Professora do Departamento de Comunicação Social e do PPGCOM/UFMG. Doutora e Mestre em Ciência
da Informação (ECI/UFMG). Graduada em Comunicação Social/Jornalismo (UFMG) é coordenadora do Afetos:
Grupo de Pesquisa em Comunicação, Acessibilidade e Vulnerabilidades. Seus interesses de pesquisa abrangem:
Midiatização; Comunicação organizacional; Estudos de usabilidade e acessibilidade; Mobilidades; Mídias móveis;
Pessoas com deficiência; Corpo e tecnologia.
337 o público interessado nesse tipo de informação. A partir da fundamentação teórico-
metodológica do paradigma da mobilidade (URRY, 2007), iremos refletir sobre as
formas contemporâneas do fazer jornalístico, em especial, o jornalismo de viagem.

As narrativas e o jornalismo de viagens

Antes de iniciarmos as reflexões acerca da prática jornalística face o uso de


dispositivos móveis, é importante percorrer a trajetória da escrita de viagens, um
tipo de narrativa que desde sempre esteve presente na história da humanidade e que
mescla o real e o imaginário, o literário, o informativo e o jornalístico.
No portal The Travel Tester3, a autora Nienke Krook (2013) coloca a escrita de
viagem como uma narrativa que foca em relatar lugares reais ou imaginários. Ainda
de acordo com ela, “[A escrita de viagem] pode variar do documentário ao evocativo,
do literário ao jornalístico e do humorístico ao sério. Você pode encontrá-la em livros,
revistas e, atualmente, cada vez mais online” (tradução livre).
A autora complementa esta definição traçando uma linha do tempo sobre a
escrita de viagem. Ela lembra que o início da literatura narrativa ocidental é marcado
por Ilíada e Odisseia, os dois principais poemas épicos da Grécia Antiga, com autoria
atribuída a Homero e com publicação no século VIII a.C. É importante colocar que a
segunda obra citada, Odisseia, narra justamente uma viagem, no caso, a de Ulisses de
volta para sua casa na Grécia após a queda de Tróia na Guerra.
Júlio César, alguns séculos depois, narrou suas excursões durante as Guerras da
Gália em Commentarii dé bello Gallico e Xenofonte, soldado e autor grego, escreveu,
por volta de 431-355 a.C., a obra Anábase sobre a expedição militar de um príncipe
Persa contra o irmão, e as viagens das tropas gregas através da Ásia para retornarem
ao arquipélago natal.
Após as Cruzadas na Idade Média, as narrativas que retratavam viagens se
modificaram. A curiosidade acerca dos destinos recém-descobertos serviu como
motivação para as transformações: como as viagens eram necessárias naqueles
tempos, a maioria dos relatos “genuinamente serviam para informar as pessoas sobre
as diferentes naturezas e culturas dos habitantes conhecidos e as melhores maneiras
de como abordá-los” (KROOK, 2013, tradução livre).
Marco Polo, por exemplo, foi um dos maiores escritores de viagem nestes
tempos. Sua obra, Il milione (1298), narra a viagem de um cidadão de Veneza rumo
a China durante o Império Mongol. Apesar de não contar com informações cem
Narrativas de Viagem

por cento corretas, é considerado um relato adequado dos destinos retratados e dos
acontecimentos da época.
Com a descoberta dos novos continentes, as narrativas de viagem se tornaram
ainda mais relevantes. Os diários de bordo dos navegadores, exploradores e
pesquisadores, como botânicos e filósofos, serviram para informar indivíduos e
governos, além de auxiliar na definição de ações importantes neste contexto.

3 KROOK, Nienke. A short history of travel writing. [S. l.], 4 fev. 2013. Disponível em:<https://www.thetraveltes-
ter.com/a-short-history-of-travel-writing/>. Acesso em: 20 maio 2019.
338 Logo os diários de viagem começaram a ser reproduzidos também na ficção.
No século XVII, obras como As aventuras de Robinson Crusoé, de Daniel Defoe, As
Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift, e A Volta ao Mundo em 80 dias, de Júlio Verne,
foram escritas baseadas em jornadas factuais narradas e registradas pelo viajante.
Hoje, estas obras são consideradas clássicos da literatura.
O cientista Charles Darwin também foi um importante escritor de viagem, uma
vez que sua famosa jornada no século XIX a bordo do HMS Beagle para pesquisar e
elaborar a Teoria da Evolução resultou em um trabalho que, como é dito por Krook
(2013), interseciona ciência, história natural e viagem.
Desde a modernidade, as narrativas de viagem também encontraram seu lugar
no jornalismo, combinando o relato descritivo, com elementos literários para relatar
experiências vividas sob a perspectiva do turista e também – esse é um ponto polêmico
– promover destinos. Como é lembrado por Wenzel e John (2012, p. 298), “é comum os
jornais trazerem suplementos sobre temas específicos, além das publicações mensais
sobre saúde, beleza, mulher, crianças, artesanato, culinária e até mesmo viagem”.
Nesse universo, enquanto os impressos contam com seus suplementos e com as
revistas especializadas, a TV e o rádio têm seus programas destinados a temáticas
específicas. Já na internet, o número de sites, blogs, portais e perfis em redes sociais
dedicados a nichos variados e com a possibilidade de explorar diferentes formatos
é bastante expressivo, permitindo não só uma ampla variedade de categorias, como
também de produtores de conteúdo.
O jornalismo de viagens se faz presente nestes tantos meios de comunicação.
Alguns exemplos contemporâneos são a FolhaTurismo, o suplemento especializado da
Folha de S. Paulo; a Viaje Mais, revista brasileira centrada em assuntos turísticos; Pedro
pelo Mundo, programa de TV do canal fechado GNT; e sites como o 360 Meridianos4,
How To Travel Light5, Rodei6, Esse mundo é nosso7, entre muitos outros que possuem
viagens como temática e são organizados e produzidos por jornalistas.
Apesar de ser um segmento já consolidado, o jornalismo de viagens ainda é
pouco explorado no contexto acadêmico brasileiro. A relação deste gênero com a
Literatura e com a área de Publicidade e Propaganda pode gerar confusão e uma certa
resistência entre acadêmicos e até mesmo entre os jornalistas para considerarem este
gênero com seriedade.
A relação do jornalismo de viagens com a literatura vai além do fato de
muitas vezes as obras, que contemplavam esse tipo de narrativa, serem publicadas
em formatos de livros. Mas vincula-se à própria estruturação da narrativa que
Narrativas de Viagem

lança mão de elementos diversos para deixar as narrativas mais envolventes. Já a


relação com a Publicidade e Propaganda e a comunicação estratégica vem do fato
de que muitas produções jornalísticas sobre turismo são patrocinadas ou até mesmo
encomendadas por instituições públicas e privadas, como ministérios e bureau de

4 360 MERIDIANOS. Disponível em: https://www.360meridianos.com/. Acesso em: 21 maio 2019.


5 PASSARELLI, Gaía. How to travel light. Disponível em: http://www.gaiapassarelli.com/. Acesso em: 21 de maio
de 2019.
6 RODEI. Disponível em: https://www.rodei.com.br/. Acesso em: 21 de maio de 2019.
7 ESSE MUNDO É NOSSO. Disponível em: http://essemundoenosso.com.br; Acesso em: 21 de maio de 2019.
339 turismo, embaixadas, agências de turismo, empresas do ramo hoteleiro, marcas que
fazem campanhas em determinados destinos, entre outras. Sendo assim, há um forte
componente promocional nas narrativas de viagem divulgadas nas mais diversas
mídias, incluindo-se aí o jornalismo.
Com o objetivo de desvelar essa relação entre o jornalismo de viagem e as
estratégias promocionais, Carvalho e Leite (2007) analisaram os suplementos Viagem,
d’O Estado de S. Paulo, hoje conhecido como Estadão, e o FolhaTurismo, do jornal
Folha de S. Paulo. Os resultados e reflexões do trabalho foram apresentados no artigo
“O dilema ético do jornalismo nos suplementos de turismo” e indicam que cerca de
95% das matérias jornalísticas analisadas nos veículos acima citados estão atreladas
aos patrocinadores do setor de viagens e turismo e à prática promocional. Estes
dados levantam questionamentos éticos acerca das práticas jornalísticas adotadas no
segmento de viagens.
Questionamentos semelhantes são feitos também ao jornalismo cultural.
Inclusive, pelo que é descrito por Carvalho e Leite (2007), é possível considerar que
algumas das pressões que a Indústria Cultural exerce no jornalismo cultural, como o
jabá e o junket, podem vir a ocorrer também no segmento turístico.
De acordo com Cunha, Ferreira e Magalhães (2002, p. 13):

Na rotina produtiva de um jornal, percebe-se que tal pressão se verifica de


maneiras variadas, das mais evidentes às mais dissimuladas. A forma mais
desavergonhada é o jabá, remuneração recebida de forma direta ou indireta,
em retribuição à qual o jornalista privilegia, em sua cobertura, o produto/
evento cultural que o pagou, transformando o que seria um espaço de apuração
jornalística em espaço comercial, sem informar explicitamente ao leitor. Um
desdobramento do jabá, pois também enfoca uma relação promíscua do
jornalista com os departamentos de marketing da IC, é o chamado junket, ou
“viagem paga”.

Tais práticas consideradas antiéticas no meio profissional e acadêmico da


comunicação e do jornalismo são comuns em diferentes segmentos. Porém, como é
lembrado por Wenzel e John (2012), existem casos éticos de jornalismo de viagens
e que contribuem com o a formação de um conhecimento de mundo (apud JANÉ,
2002), uma função fundamental na sociedade contemporânea.

O paradigma da mobilidade
Narrativas de Viagem

A possibilidade de desempenhar atividades e até mesmo prestar serviços


remotamente ou enquanto se está em movimento é algo cada vez mais comum na sociedade
pós-moderna (MANTOVANI & FERREIRA, 2019). Em diversos contextos laborais,
inclusive no jornalismo, os dispositivos móveis e as novas Tecnologias de Comunicação
e Interação (TICs) são utilizados para a realização de atividades profissionais de forma
diferente da que se praticava nas redações até o início dos anos 2000. Uma das principais
mudanças se refere ao fato de que, a partir de dispositivos móveis, pode-se realizar quase
todas as etapas da atividade jornalística em movimento.
340 Aqui, a perspectiva que adotamos ao olhar para o movimento e seus
desdobramentos sociais, culturais, econômicos e políticos se origina do campo
das ciências sociais, tendo como marco teórico e metodológico o paradigma da
mobilidade, desenvolvido por John Urry (2007). A partir do desenvolvimento teórico
e das crescentes análises empíricas a respeito do fenômeno da mobilidade nos mais
distintos aspectos da vida, surge, na perspectiva do autor, uma forma diferenciada
de se pensar as características das relações na sociedade, que apontariam para uma
“virada da mobilidade” (mobility turn) nas ciências sociais (URRY, 2007).
Nas palavras do próprio autor, o paradigma da mobilidade

Essa virada espalha-se pelas ciências sociais mobilizando análises que têm
sido historicamente estáticas, fixas, preocupadas predominantemente com
estruturas sociais não-espaciais. As contribuições dos estudos culturais,
feminismo, geografia, estudos sobre migração, política, estudos da ciência,
sociologia, estudos sobre transporte e turismo e tantos outros transformam, de
maneira hesitante, as ciências sociais e especialmente revigoram as conexões,
as sobreposições e as apropriações tanto entre as ciências naturais e físicas
quanto entre os estudos literários e históricos. A virada da mobilidade é pós-
disciplinar (URRY, 2007, p. 6, tradução livre).

Ao abordar as relações sociais a partir das dinâmicas de mobilidade, tendo em


vista a contraposição permanente entre presença e ausência, proximidade e distância,
o autor nos propõe pensar que tais relações envolvem ou derivam de conexões que,
em última medida, buscam efetivar uma presença física. No entanto, ele nos alerta
que as conexões entre as pessoas e os grupos sociais não se baseiam unicamente em
uma questão de proximidade. Há múltiplas presenças imaginárias que ocorrem entre
os objetos, pessoas e informações (MANTOVANI, 2011).
Sendo assim, o paradigma da mobilidade (URRY, 2007) reconhece que
nessas relações subjazem diferentes formas de mobilidade, que atuam de maneira
interdependente, produzindo e organizando a vida social. São elas:
• a mobilidade corpórea dos sujeitos: realizada com diferentes objetivos
(trabalho, lazer, vida cotidiana, migrações, fugas);
• a mobilidade física dos objetos: referente à produção, consumo e venda de
bens (legal ou clandestina), ou a presentes e souvenires;
• a mobilidade imaginativa: que se dá por meio de imagens de lugares e
pessoas em múltiplas mídias;
• a mobilidade virtual: que se realiza em tempo real, transcendendo distâncias
Narrativas de Viagem

geográficas e sociais;
• a mobilidade comunicativa que se dá por meio de mensagens pessoa a
pessoa, via diferentes mediações e linguagens (oral, escrita, visual, etc.).
Uma outra característica levantada por Urry (2017) acerca deste contexto
de constante mobilidade é que, diferente do que era considerado pelos indivíduos
anteriormente, os períodos que eles passam viajando de um ponto para outro não
parece mais ser considerado como improdutivo ou desperdiçado.
O autor cita as “anti-atividades” efetuadas nos momentos de viagem, como a
341 prática de relaxamento, reflexão, e os prazeres do próprio ato de viajar, como a sensação
de velocidade, a exposição ao ambiente e a beleza das rotas, como oportunidades que
muitas vezes são valorizados pelos viajantes.
Do mesmo modo, Urry enfatiza que as novas tecnologias móveis possibilitam aos
usuários executar tarefas e atividades enquanto se movimentam. Estas novas rotinas
sociais estão gerando o que o autor chama de “inter-espaços”, que são definidos pelo
agrupamento de pessoas em movimento intermitente e envolvem o uso de telefones,
dispositivos móveis, conexões e comunicação sem fio e assim por diante. Esses inter-
espaços são geralmente utilizados para fazer arranjos e compromissos em movimento,
como é descrito com mais detalhes pelo autor em:

O inter-espaço é o espaço e tempo entre dois ou mais eventos resultantes de


como os limites entre o tempo de viagem e o tempo de atividade parecem se
confundir. O tempo de viagem chega a ser convertido em tempo de atividade
dentro do inter-espaço. Por sua vez, menos tempo de viagem do indivíduo
é usado, permitindo que mais viagens ocorram, ou incentivando um maior
uso dos modos que podem permitir que as atividades sejam realizadas em
movimento; incluindo o desenvolvimento ou a manutenção de capital de
rede. Este padrão é cada vez mais encontrado entre jovens profissionais
relativamente prósperos que trabalham (e atuam) em vários centros urbanos
(URRY, 2007, p. 250-551, tradução livre).

O olhar do turista

Nos diversos movimentos analisados por John Urry, o movimento ocasionado


pelo turismo, e as relações que daí derivam, sempre tiveram uma presença marcante
em suas reflexões. Em sua trajetória de pesquisa, antes mesmo de definir o paradigma
da mobilidade, Urry já pesquisava sobre mobilidade tendo como um de seus focos e
objetos os movimentos e hábitos de turistas.
Em sua obra seminal, “O olhar do turista” (Tourist gaze), publicada pela primeira
vez em 1990, o autor descreve que este olhar é socialmente organizado e, apesar de
o turismo ser considerado por muitos um “prazer desnecessário”, ele conta com
profissionais qualificados que auxiliam na construção e no desenvolvimento do olhar
dos indivíduos enquanto turistas.
Ele ressalta que o olhar do turista é construído por meio da diferença e não
é único, variando de acordo com o período histórico, o grupo social e a sociedade.
Ou seja, não existe uma experiência única e universal de turismo. Porém, em boa
Narrativas de Viagem

parte do turismo que se pratica atualmente existe o que Urry (2001, p. 26) chama
de “uma licença” para comportamentos menos sérios, alegres, mais permissivos e
livre de restrições, além de uma certa proximidade social. O autor pontua que, com
frequência, é encontrada uma “ação semi-rotineira ou uma espécie de não-rotina que
acabou se tornando rotina” (URRY, 2001, p. 27) no exercício do turismo.
Algo que colaborou muito com a formação de diferentes olhares do turismo
e, ao mesmo tempo, com o estabelecimento desta “não-rotina” frequente entre os
indivíduos turistas foram as viagens imaginativas e comunicativas (URRY, 2007) que
342 citamos anteriormente. Estes tipos de mobilidade configuram devaneios e expectativas
necessários para o turismo, mas que não são autônomos. De acordo com Urry, esta
formação envolve o trabalho de um conjunto de significações que são geradas pela
mídia: “o devaneio não é apenas uma atividade puramente individual. É socialmente
organizado, sobretudo através da televisão, da propaganda, da literatura, do cinema,
da fotografia, etc.” (2001, p. 118).
Com isto em mente, é interessante considerar que as publicações oriundas do
jornalismo de viagens, além de informar leitores e espectadores a respeito de destinos,
diferentes ambientes, novas culturas, entre outros assuntos, também podem trazer
novos elementos para o devaneio e incidir nas expectativas dos interlocutores e assim
engendrar novas possibilidades para a fruição turística destes indivíduos.

A produção em movimento

Num cenário de constante mobilidade, onde o turismo se torna cada vez mais
propagado, não só como um momento de lazer para escapar às rotinas do trabalho,
mas até como um modo de vida, tendo em vista as possibilidades de se exercer diversas
práticas laborais em movimento, as produções do jornalismo de viagens também se
modificam.
Para compreender melhor como esse cenário está se configurando atualmente,
buscamos conversar com Gaía Passarelli, jornalista de viagens. A trajetória da
profissional nos pareceu interessante por englobar tanto os meios tradicionais de
comunicação, como, mais recentemente, os canais de internet. No caso, Passarelli
produz, edita e assina conteúdos sobre viagens em formato de textos e podcasts,
e além disso é autora de um livro com relatos de viagem. O canal que reúne seus
materiais é o site How to Travel Light (www.gaiapassarelli.com). Com uma arquitetura
de informação simples, o site apresenta muitas imagens, trabalhando fortemente a
dimensão imaginativa da mobilidade.
Dentre os pontos abordados com a jornalista, um ponto que nos interessava
compreender era a questão da viabilidade financeira do projeto, justamente por esse
ser um ponto importante em relação à prática e condutas éticas. No caso, Passarelli
nos conta que tanto em sua experiência como jornalista de viagens, como quando
produz conteúdo para seu portal, o financiamento das viagens realizadas pode ser
proveniente de renda própria, ou do patrocínio de uma organização de turismo, de
alguma marca ou produtora.
Narrativas de Viagem

Durante a entrevista para esta pesquisa, quando questionada acerca das


principais dificuldades na produção de conteúdo para o jornalismo de viagens,
a profissional cita o encontro de um equilíbrio entre o que a instituição que fez o
convite para o trabalho quer que seja divulgado e o que realmente é encontrado e
experienciado no destino. Ela diz: “É sempre um desafio manter uma independência
jornalística e aceitar convites de um bureau de turismo, por exemplo”. As experiências
vividas no destino, com seus pontos positivos e negativos, precisam estar presentes
na narrativa elaborada. Para Gaía, se o profissional apenas relata o que é de interesse
da instituição que fez o convite, ou que arcou com algumas despesas da viagem, não
343 há como caracterizar o trabalho como jornalístico.
Nesse aspecto, é importante dizer que muitos jornalistas, que cobrem o
segmento de turismo, procuram deixar claro para seu público se a viagem foi ou
não “patrocinada”. Isso porque, ainda que o jornalista se esforce para promover um
relato que não seja promocional, saber que a sua visita partiu de uma estratégia
comunicacional de determinada organização ou instituição, permite que o público
relativize a experiência apresentada.
Sobre as ferramentas de trabalho utilizadas em sua prática laboral como
jornalista de viagens, a entrevistada foi perguntada sobre o papel do celular e outros
dispositivos móveis na execução de seu trabalho e ainda sobre questões relativas à
disponibilidade de rede de internet. Sua resposta destacou que tais ferramentas são
essenciais. Além disso, ela pontua que, muitas vezes, as ferramentas e aplicativos
móveis realizam o papel que, anteriormente, era feito pelos guias de viagem e outros
contatos do destino visitado.

Os aparelhos móveis e tudo que está relacionado a eles, como aplicativos guias
de viagens instalados no celular e que levamos junto [de nós], a possibilidade
de fazer fotos, de gravar entrevista, de pegar informações sobre um lugar
em tempo real enquanto você está lá... Tudo isso é parte essencial do meu
trabalho, e arrisco dizer que mudou muito a forma como o trabalho é feito
(Gaía Passarelli).

Já sobre as possibilidades da utilização do tempo gasto em locomoções de um


lugar para o outro para o desempenho de seu trabalho, ela responde que diferentes
condições interferem nesta prática. Ela cita o conforto e o tempo de duração dos
trajetos, assim como o cansaço e a presença ou não de companhia, como fatores
importantes na tomada de decisões acerca deste tópico. A jornalista comenta que já
explorou diferentes formas de produzir suas matérias de trabalho:

Eu acho que isso é uma coisa que muda muito. Já participei de viagens em que
eu queria publicar as coisas conforme elas fossem acontecendo, só para ver
que isto era impossível por falta de tempo ou falta de conexão [de internet]
em países estrangeiros. Também já quis simplesmente consumir a viagem
enquanto estou viajando para escrever na volta, só para depois ter a sensação
de que faltou isso ou aquilo. Então, acho que o ideal é um equilíbrio entre os
dois, algo que a gente consegue enquanto se prepara para viagem, o que é
essencial para mim (Gaía Passarelli).
Narrativas de Viagem

A preparação é tida como prioridade para a profissional. De acordo com ela,


esta etapa pré-viagem ajuda no estabelecimento de sua programação, a escolher o que
vai ser feito, tanto durante as viagens quanto na produção de suas reportagens, até
mesmo para compreender melhor as culturas que serão encontradas e estar preparada
para dialogar com fontes e ter novas experiências.
Segundo a jornalista, estes passos de construção de pauta são imprescindíveis não
só para o trabalho no segmento de viagens, mas para qualquer atividade jornalística.
Porém, neste nicho específico, principalmente na internet, a entrevistada comenta
que a preparação anterior à viagem é um dos principais fatores que diferenciam o
344 trabalho de um bom (uma boa) jornalista de viagens e outros tipos de produtores de
conteúdo presentes nas plataformas online.
Tanto antes quanto durante e depois da viagem, a profissional comenta que
gosta de fazer anotações, tanto em dispositivos móveis digitais, quanto em seu
telefone celular e computador portátil, ou também em meios analógicos como
caderno de anotações. Ela conta que faz notas diversas, como listas de atividades que
deseja realizar durante a viagem ou destinos para visitar e nomes de ruas que irá citar
posteriormente em algum texto.
O comportamento descrito por Passarelli vai ao encontro das análises realizadas
Molz (2010) no artigo Connectivity, collaboration, search. Nele a autora pontua que
o sujeito da mobilidade, em seus comportamentos e hábitos, assemelha-se bastante
à imagem do turista contemporâneo, que tem nas tecnologias móveis um artefato
praticamente indispensável - assim como os guias de bolso ou mapas - para a vivência
plena de sua aventura.
Ao fazer o registro de suas viagens, o turista tem múltiplos objetivos que vão
desde a publicação em redes sociais, a manutenção do contato com aqueles que não
os acompanham (presencialmente) na viagem e, claro, a busca e o acesso a opções de
lazer e entretenimento no local visitado, realizando um mapeamento do território a
ser explorado. Portanto, assim como o jornalista, o turista se movimenta por redes
de interações sociais e de informação, produzindo conhecimento na era mobilidade.
A partir da perspectiva trazida por John Urry (2007), podemos observar que
os dispositivos móveis possibilitam que diferentes mobilidades aconteçam ao
mesmo tempo. No relato da jornalista, por exemplo, quando menciona o uso de
seus dispositivos como ferramentas de trabalho que possibilitam com que ela faça
consultas, grave, fotografe e publique informações e entre em contato com quem for
preciso, é visível a conjunção e sobreposição das mobilidades corporais, uma vez que
ela está em um movimento que mistura lazer (turismo) e trabalho; a viagem virtual, ao
ter a possibilidade de contato com outra pessoa em tempo real mas fora do espaço em
que ela se encontra; e também a viagem comunicacional, ao publicar e se comunicar
com leitores e espectadores através de mensagens e outros meios.
A mobilidade imaginativa também pode ser encontrada em diferentes momentos
descritos pela jornalista:
• Ao pesquisar informações em diferentes meios sobre seu futuro destino, a
fim de construir roteiros para sua viagem e pautas para suas reportagens,
a entrevistada acaba performando uma viagem imaginativa. Não só isso,
Narrativas de Viagem

ela também é influenciada pelos olhares do turismo retratados nas mídias,


e suas expectativas e divagações serão influenciadas por eles.
• Ao gerar produtos midiáticos sobre suas próprias viagens, a jornalista acaba
por compartilhar o seu próprio olhar do turista, com imagens, relatos e até
mesmo guias sobre os destinos visitados. Isso faz com que seus leitores
realizem viagens imaginativas ao consumirem estes materiais.
Porém, a jornalista ressalta que, diferente do que muitos imaginam, trabalhar
como jornalista de viagens, apesar de envolver o turismo, não é como estar de
345 férias. O “olhar do turista” transmitido por ela, então, muitas vezes pode estar sem a
despreocupação citada anteriormente, que Urry (2001) colocava como habitual entre
os turistas.

Considerações finais

O turismo está intimamente ligado à mobilidade, assim como estão outras práticas
sociais, quando analisadas pela perspectiva teórico-metodológica do paradigma da
mobilidade de Urry (2007). E com as novas Tecnologias de Comunicação e Interação e
os dispositivos móveis, muitas práticas, até mesmo aquelas que já eram consideradas
móveis, vêm se transformando e se reinventando.
O jornalismo, assim como outras áreas de trabalho, é um campo que vem
passando por modificações neste contexto de mobilidade. O segmento de viagens,
que há tempos tem o movimento como pauta, também se transforma.
Atualmente, a partir das experiências descritas e pela observação em diferentes
mídias e plataformas, os sujeitos têm diante de si diversas possibilidades de retratar
suas viagens em meios e formatos variados, que constroem distintas temporalidades
e espacialidades. Além disso, de maneira mais específica, ajudam a criar e/ou manter
hábitos relacionados com viagens e turismo.
A conexão, em muitos casos, faz com que o jornalista de viagens esteja presente
em diferentes locais enquanto desempenha sua atividade laboral: está fisicamente em
seu destino, mas em contato com seus leitores e espectadores, que podem estar em
qualquer outro ponto geográfico, através das redes sociais; está em casa ou na redação
fisicamente, porém, imaginativamente, pode já se encontrar no seu próximo destino,
ao buscar informações sobre este local; está em movimento durante um trajeto, mas
aproveita este tempo “entre espaços” para realizar reuniões, fazer publicações, redigir
texto ou fazer pesquisas, sendo produtivo em momentos que antes poderiam ser
considerados “desperdiçados”.
O encontro e a mescla de diferentes mobilidades parece permear os processos
do jornalismo de turismo. Porém, existem limitações: a falta de um dispositivo ou de
uma conexão de rede adequada pode prejudicar o exercício da atividade, fazendo com
que o profissional seja obrigado a se adaptar de acordo com as ferramentas técnicas
disponíveis no local.
Ainda há muito a ser pesquisado no que diz respeito às práticas do jornalismo de
viagens, ainda mais se levando em considerações as novas tecnologias e os dispositivos
Narrativas de Viagem

móveis. Porém, como vimos, este tema não se limita somente às atividades deste campo
profissional ou deste segmento: ao observar, pesquisar e analisar o jornalismo de
viagens em um contexto de mobilidade, também estamos observando, pesquisando e
analisando aspectos sociais, culturais, antropológicas, tecnológicas, comunicacionais,
entre outros que permeiam variadas áreas do conhecimento. Este novo capítulo na
história das narrativas de viagem ainda tem muito a ensinar-nos.
REFERENCIAS
346
CARVALHO, Carmen; LEITE, Ronaldo. O dilema ético do jornalismo nos suplementos
de turismo. In: Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2007.
Disponível em: < http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2007/resumos/
R1335-1.pdf> Acesso em: 20 de maio de 2019.
CUNHA, Leonardo; FERREIRA, Nísio Antônio Teixeira; MAGALHÃES, Luís. Dilemas
do jornalismo cultural brasileiro. In: Temas: Ensaios de Comunicação, n.1, v.1, ago/
dez 2002, Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH).
ELLIOTT A., URRY J. Mobile Lives. London: Routledge, 2010. 188p.
FERREIRA, Isadora Silva; MANTOVANI, Camila Maciel Campolina Alves.
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trabalho remoto. Revista Iniciacom: Revista Brasileira de Iniciação Científica em
Comunicação Social, Brasil, ano 2019, v. 8, n. 2, ed. 14, p. 167-177
JANÉ, Mariano Belenguer, Periodismo de Viajes: análisis de una especialización
periodística, Comunicación Social, Sevilla, 2002.
MANTOVANI, C. M. C. A. Narrativas da Mobilidade: comunicação, cultura e
produção em espaços informacionais. Belo Horizonte, 2011. 234 f. Tese (Doutorado
em Ciência da Informação) - Escola de Ciência da Informação, Universidade Federal
de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011.
MOLZ, J. G. Connectivity, collaboration, search. In: BÜSCHER, M., URRY, J.
WITCHGER, K. (org). Mobile Methods. London: Routledge, 2010. p.88-103.
URRY, John. O olhar do turista: lazer e viagens nas sociedades contemporâneas. São
Paulo: Studio Nobel/SESC, 2001.
URRY, John. Mobilities. London: Routledge, 2007.
WENZEL, Karine; JOHN, Valquíria Michela. Jornalismo de Viagens: análise
das principais revistas brasileiras. Universidade do Vale do Itajaí. Estudos em
Comunicação nº 11. Brasil. 2012. Disponível em: < http://www.ec.ubi.pt/ec/11/pdf/
EC11-2012Mai-14.pdf>. Acesso em: 20 de maio de 2019.
Narrativas de Viagem
347 TRAVEL JOURNALISM AND THE PRODUCTION
OF CONTENT IN MOVEMENT

Isadora Silva Ferreira1


Camila Maciel Campolina Alves Mantovani2

Technologies and their dynamics of production and organization

The 21st century has been characterized by constant technological, social and
cultural changes that transform the way we communicate, inform and organize
ourselves as subjects and as society. By expanding the possibilities for interaction
between individuals, new information and communication technologies (ICTs) and
mobile devices are important agents in these transformations that alter the most
diverse spheres of human life.
It is possible to observe, for example, that the use of these mobile technologies
for accomplishment of professional activities is more and more frequent. By the time
mobile phones began to expand in the late 1990s and early 2000s, it was widely believed
that their uses would be restricted to the universe of work, after all, who would like to
be available 24 hours a day unless your work routine created that demand?
Although this prognosis has not been accomplished - we are almost all witnesses
that cell phones went far beyond the interactions of the professional universe - such
devices were quickly incorporated into the daily life of subjects who needed to keep their
workforce always available and connected. In the case of journalism, it was no different.
From cell phones to other information and communication technologies, the presence
and use of these devices permeates the whole history of the professional field. From oral
and printed reports, through electronic media, such as TV and radio, to digital mobile
environments, with the Internet and its connecting devices, journalism reinvents itself
with every technological change. And in this process, the different segments change.
In this chapter, our focus will be on travel journalism, considering the challenges
and possibilities brought by mobile networked devices and the new forms of production,
access and broadcasting of content and interaction with the public interested in this
type of information. Based on the theoretical and methodological grounding of the
paradigm of mobility (URRY, 2007), we will reflect on the contemporary forms of
journalism, especially travel journalism.
Travel Narratives

1 Graduated in Social Communication with a degree in Journalism from the Faculty of Philosophy and Human
Sciences of the Federal University of Minas Gerais. Researcher of Scientific Initiation in the project “Subject in
motion: narratives and subjectivities in the new organizational dynamics” and currently studying the use of
mobile devices in the professional activities of travel journalists. Both researches are guided by Professor Camila
Mantovani E-mail: is.silvaferreira@gmail.com
2 Professor of the Department of Social Communication and PPGCOM / UFMG. Doctor and Master in Informa-
tion Science (ECI / UFMG). Graduated in Social Communication / Journalism (UFMG) is co-coordinator of Afetos:
Research Group on Communication, Accessibility and Vulnerabilities. Her research interests include: Midiatiza-
tion; Organizational communication; Usability and accessibility studies; Mobility; Mobile media; Disabled people;
Body and technology. E-mail: camilam@ufmg.br
348 Narratives and Travel Journalism

Before we begin the reflections on journalistic practice concerning the use of


mobile devices, it is important to go through the path of travel writing, a type of
narrative that has always been present in the history of mankind and which merges
reality and fiction, the literary, the informative and the journalistic.
In The Travel Tester3 portal, author Nienke Krook (2013) places travel writing
as a narrative that focuses on reporting real or imagined places. Still according to
her, “[Travel writing] can range from documentary to evocative, from literary to
journalistic and from humorous to serious. You can find it in books, magazines and,
nowadays, more and more online”.
The author complements this definition by plotting a timeline on travel writing.
She recalls that the beginning of western narrative literature is marked by the Iliad
and Odyssey, the two main epic poems of Ancient Greece, with authorship attributed
to Homer and published in the eighth century BC. It is important to observe that the
second work, Odyssey, tell us about Ulysses’ trip back to his home in Greece after the
fall of Troy in the War.
Julius Caesar, a few centuries later, recounted his excursions during the Wars
of Gaul in Commentarii dé bello Gallico, and Xenophon, a Greek soldier and author,
wrote, around 431-355 BC, the work Anabasis on the military expedition of a Persian
prince against his brother, and the travels of the Greek troops through Asia returning
to their native archipelago.
After the Crusades in the Middle Ages, the narratives portraying travels
changed. Curiosity about newly discovered destinations served as a motivation
for the transformations: as travels were needed in those times, most of the reports
“genuinely served to inform people about the different natures and cultures of the
known inhabitants and the best ways of addressing them.” (KROOK, 2013).
Marco Polo, for example, was one of the greatest travel writers in those times.
His work, Il milione (1298), tells the journey of a citizen of Venice to China during
the Mongol Empire. Although it does not count on one hundred percent correct
information, it is considered an adequate report of the destinations portrayed and the
events of the time.
With the discovery of the new continents, the travel narratives became even
more relevant. The logbooks of navigators, explorers and researchers, such as botanists
and philosophers, served to inform individuals and governments, as well as assist in
the definition of important actions in that context.
Soon travel diaries began to be reproduced also in fiction. In the seventeenth
Travel Narratives

century, works such as “The Adventures of Robinson Crusoe” by Daniel Defoe,


“Gulliver’s Travels” by Jonathan Swift, and Jules Verne’s “Around the World in 80
Days” were written based on factual journeys narrated and recorded by the traveler.
Today, these works are considered literature classics.
Scientist Charles Darwin was also an important travel writer, since his famous
3 KROOK, Nienke. A short history of travel writing. [S. l.], 4 fev. 2013. Available at:<https://www.thetraveltester.
com/a-short-history-of-travel-writing/>. Access in: may, 20, 2019.
349 journey in the nineteenth century aboard the HMS Beagle to research and elaborate
the Theory of Evolution resulted in a work that, as said by Krook (2013), intersects
science, natural history and travel.
Since modern age, travel narratives have also found their place in journalism,
combining the descriptive account with literary elements to relate experiences lived
from the perspective of the tourist and also - that is a controversial point - to put
forward destination places. As Wenzel and John (2012, page 298) remind us, “it is
common for newspapers to bring in supplements on specific subjects, in addition to
monthly publications on health, beauty, women, children, crafts, cooking and even
travel.” In this universe, while printed material has its supplements and specialized
magazines, TV and radio have their programs dedicated to specific themes. On
the Internet, the number of websites, blogs, portals and profiles in social networks
dedicated to various niches and with the possibility of exploring different formats
is quite expressive, allowing not only a wide variety of categories, but also content
producers.
Travel journalism is present in these many media. Some contemporary examples
in Brazil are FolhaTurismo, specialized supplement of the newspaper Folha de S.
Paulo; Viaje Mais, a Brazilian magazine focused on tourism issues; Pedro pelo Mundo,
a program on cable TV channel GNT; and sites like 360 Meridianos4 (360 Meridians),
How To Travel Light5, Rodei6 (I spined), Esse Mundo é Nosso7 (This World is Ours),
among many others that have travel as subject and are organized and produced by
journalists.
Despite being an already consolidated segment, travel journalism is still little
explored in the Brazilian academic environment. The relationship of this genre
with Literature and the area of Publicity and Advertising can cause confusion and
a certain resistance among academics and even among journalists to consider this
genre seriously.
The relationship between travel journalism and literature goes beyond the fact
that works that included this type of narrative are often published in book format.
But it is linked to the very structuring of the narrative that uses different elements to
make narratives more engaging. The relationship with Publicity and Advertising and
strategic communication comes from the fact that many journalistic productions on
tourism are sponsored or even commissioned by public and private institutions, such
as ministries and tourism bureaus, embassies, tourism agencies, hotel enterprises,
brands that advertise in certain destinations, among others. Thus, there is a strong
promotional component in travel narratives published in the most diverse media,
including journalism.
Travel Narratives

In order to uncover this relationship between travel journalism and promotional


strategies, Carvalho and Leite (2007) analyzed the supplements Viagem, from the
newspaper O Estado de S. Paulo, now known as Estadão, and FolhaTurismo, from
4 360 MERIDIANOS. Available at: https://www.360meridianos.com/. Access in: may, 21, 2019.
5 PASSARELLI, Gaía. How to travel light. Available at: http://www.gaiapassarelli.com/. Access in: may, 21, 2019.
6 RODEI. Available at: https://www.rodei.com.br/. Acsess in: may, 21, 2019.
7 ESSE MUNDO É NOSSO. Available at: http://essemundoenosso.com.br; Access in: may, 21, 2019.
350 Folha de S. Paulo. The results and reflections of this work were presented in the article
“The Ethical Dilemma of Journalism in Tourism Supplements” and indicate that about
95% of journalistic articles analyzed in the vehicles mentioned above are linked to
travel and tourism sector sponsors and the promotional practice. These data raise
ethical questions about the journalistic practices adopted in the course of travel.
Similar questions are also asked about cultural journalism. In addition, as
described by Carvalho and Leite (2007), it is possible to consider that some of the
cultural industry’s pressure on cultural journalism, such as “jabá” and junket, may
also occur in the tourism segment.
According to Cunha, Ferreira and Magalhães (2002, page 13):

In the productive routine of a newspaper, it is perceived that such pressure


occurs in many ways, from the most obvious to the most disguised. The most
shameless form is the “jabá”, remuneration received directly or indirectly,
in retribution to which the journalist privileges, in its coverage, the cultural
product / event that paid for it, transforming what would be a space for
journalistic verification into a commercial space, without explicitly informing
the reader. An unfolding of the “jabá”, as it also focuses on a promiscuous
relationship of the journalist with Culture Industry’s marketing departments,
is the so-called “junket”, or paid trip.

Such practices considered unethical in the professional and academic


environment of communications and journalism are common in different segments.
However, as Wenzel and John (2012) point out, there are ethical cases of travel
journalism that contribute to the formation of a world-wide knowledge (apud JANÉ,
2002), a fundamental function in contemporary society.

The mobility paradigm

The possibility of performing activities and even rendering services remotely


or while moving is increasingly common in postmodern society (MANTOVANI &
FERREIRA, 2019). In many labouring contexts, including journalism, mobile devices
and the new Communication and Interaction Technologies (CITs) are used to carry
out professional activities in a different way than was practiced in newsrooms until
the beginning of the year 2000. One of the main changes refers to the fact that, from
mobile devices, one can perform almost every stage of journalistic activity in motion.
Here, the perspective we adopt when looking at movement and its social,
cultural, economic and political developments originates from the field of social
sciences, having as a theoretical and methodological framework the mobility
Travel Narratives

paradigm developed by John Urry (2007). From the theoretical development and the
increasing empirical analysis on the phenomenon of mobility in the most distinct
aspects of life, the author’s perspective shows a differentiated way of thinking about
the characteristics of relations in society, which would point to a “mobility turn” in
the social sciences (URRY, 2007).
In the author’s own words, the mobility paradigm
351 This turn spreads through social sciences mobilizing analysis that have
been historically static, fixed, predominantly preoccupied with non-spatial
social structures. The contributions of cultural studies, feminism, geography,
studies on migration, politics, science studies, sociology, transport and
tourism studies, and so many others, hesitantly transform the social sciences
and especially reinvigorate connections, overlaps, and appropriations both
between the natural and physical sciences as well as between literary and
historical studies. The mobility turn is post-disciplinary (URRY, 2007, page 6).

In approaching social relations based on the dynamics of mobility, considering


the permanent contrast between presence and absence, proximity and distance, the
author proposes to think that such relationships involve or derive from connections
that, in the ultimately, seek to effectuate a physical presence. However, he warns
us that the connections between people and social groups are not based solely on a
proximity issue. There are multiple imaginary presences that occur between objects,
people, and information (MANTOVANI, 2011).
Thus, the paradigm of mobility (URRY, 2007) recognizes that on these
relationships underlie different forms of mobility, acting in an interdependent way,
producing and organizing social life. They are:
• the subjects’ bodily mobility: performed with different objectives (work,
leisure, everyday life, migrations, leaks);
• physical mobility of objects: related to the production, consumption and sale
of goods (legal or clandestine), or to gifts and souvenirs;
• imaginative mobility: which occurs through images of places and people in
multiple media;
• virtual mobility: which takes place in real time, transcending geographic and
social distances;
• the communicative mobility that occurs through person-to-person messages,
through different mediations and languages (oral, written, visual, etc.).
Another feature raised by Urry (2007) about this context of constant mobility is that, unlike
individuals previously considered, the periods they spend traveling from one point to
another no longer seems to be considered unproductive or wasted. The author cites the “anti-
activities” carried out during travel times, such as the practice of relaxation, reflection, and
the pleasures of traveling itself, such as the sensation of speed, exposure to the environment,
and the beauty of routes as opportunities which are often valued by travelers.
Similarly, Urry (2007) emphasizes that new mobile technologies enable users
to perform tasks and activities while moving. These new social routines are generating
what the author calls “inter-spaces,” which are defined by the grouping of people
Travel Narratives

in intermittent motion and involve the use of telephones, mobile devices, wireless
connections and communication, and so on. These inter-spaces are generally used
to make moving arrangements and commitments, as described in more detail by the
author at:

Inter-space is the space and time between two or more events resulting from
how the boundaries between the travel time and the time of activity seem
352 to be confused. Travel time is converted to time of activity within the inter-
space. In turn, less travel time of the individual is used, allowing more trips
to occur, or encouraging greater use of modes that can allow activities to be
carried out in motion; including the development or maintenance of network
capital. This pattern is increasingly found among relatively prosperous young
professionals who work (and act) in various urban centers (URRY, 2007, pages
250-551).

Tourist gaze

In the various movements analyzed by John Urry, the movement caused by


tourism, and the relations that therefrom derive, have always had a strong presence
in his reflections. In his research path, before even defining the mobility paradigm,
Urry already investigated about mobility having as one of its focuses and objects the
movements and habits of tourists.
In his seminal work, “Tourist Gaze”, first published in 1990, the author describes
that this gaze is socially organized, and although tourism is considered by many to be
an “unnecessary pleasure,” it accounts for with qualified professionals who assist in
the construction and development of the individuals gazes as tourists.
He points out that the tourist’s gaze is constructed through difference and is
not unique, varying according to historical period, social group and society. That is,
there is no single universal tourism experience. However, in much of the tourism
that is practiced today there is what Urry (2001) calls a “license” for less serious,
joyful, more permissive behavior free of restrictions, and a certain social proximity.
The author points out that a “semi-routine action or a kind of non-routine that has
become routine” (URRY, 2001, page 27) is often found in the exercise of tourism.
Something that collaborated a lot with the formation of different gazes of
tourism and, at the same time, with the setting of this frequent “non-routine” among
individual tourists were the imaginative and communicative trips (URRY, 2007) that we
mentioned previously. These types of mobility configure daydreams and expectations
for tourism but are not autonomous. According to Urry, this formation involves the
work of a set of meanings that are generated by the media: “Daydreaming is not just
a purely individual activity. It is socially organized, especially through television,
propaganda, literature, cinema, photography, etc.” (2001, page 118).
With this in mind, it is interesting to consider that publications from travel
journalism, besides informing readers and viewers about destinations, different
environments, new cultures, among other subjects, can also bring new elements to
the daydream and focus on the expectations of the interlocutors and thus engender
new possibilities for the tourist enjoyment of these individuals.
Travel Narratives


Production in motion

In a scenario of constant mobility, where tourism becomes more and more


widespread, not only as a moment of leisure to escape the work routines, but even
as a way of life, considering the possibilities of exercising various labor practices in
movement, the productions of travel journalism also change.
353
To better understand how this scenario is currently set up, we sought to talk
to Gaía Passarelli, a travel journalist. The trajectory of the professional seemed
interesting to us by including both the traditional media, and, more recently, the
internet channels. In this case, Passarelli produces, edits and signs travel content
in text and podcasts format and is the author of a book with travel reports. The
channel that brings together her production is the How to Travel Light website
(www.gaiapassarelli.com). With a simple information architecture, the site presents
many images, strongly exploring the imaginative dimension of mobility.
Among the issues addressed with the journalist, one point that we were
interested in understanding was the question of the financial viability of the project,
precisely because this is an important point in relation to practical and ethical conduct.
In the case, Passarelli tells us that in her experience as a travel journalist, as when she
produces content for her portal, the trip financig can come from her own income, or
from the sponsorship of a tourism organization, from a brand or producer.
During the interview for this research, when asked about the main difficulties in
the production of content for travel journalism, the professional quotes the meeting of
a balance between what the institution that made the invitation to work wants to be
disclosed and what really is found and experienced in destiny. She says: “It’s always a
challenge to maintain journalistic independence and accept invitations from a tourism
bureau, for example.” The positive and negative experiences at destination sites must
be present in the elaborate account. For Gaía, if the professional only reports what
is of interest to the institution that made the invitation, or that has incurred some
expenses of the trip, there is no way to characterize the work as journalistic.
In this regard, it is important to say that many journalists, who cover
tourism segment, seek to make it clear to their public whether or not the trip was
“sponsored”. This is because, even if the journalist strives to promote an account
that is not promotional, knowing that his visit was based on a communicational
strategy of a particular organization or institution allows the public to relativize the
presented experience.
Regarding the work tools used in her work as a travel journalist, the interviewee
was asked about the role of cellular and other mobile devices in the execution of
her work and also on questions regarding the availability of internet network. Her
answer pointed out that such tools are essential. In addition, she notes that often
the mobile tools and applications perform the role that was previously made by the
travel guides and other contacts at the visited destination.
Travel Narratives

The mobile devices and everything that is related to them, such as travel
guides applications installed on the mobile phone, and carrying with us the
possibility of taking photos, recording interviews, of getting information
about a place in real time while you are there... All of this is an essential part
of my job, and I’ll venture to say that the way the work is done has changed
a lot (Gaía Passarelli).

As for the possibilities of using the time spent moving from one place to
another for the performance of their work, she responds that different conditions
354
interfere in this practice. She cites the comfort and length of the journeys, as well as
fatigue and the presence or not of company, as important factors in making decisions
about this topic. The journalist comments that she has explored different ways of
producing her subjects:

I think this is something that changes a lot. I’ve been on trips where I wanted
to post things as they were, only to see that this was impossible because of
lack of time or lack of connection in foreign countries. I also wanted to simply
consume the trip while I’m traveling to write on the return, only to later feel
that I missed this or that. So, I think the ideal is a balance between the two,
something that we get as we prepare for the trip, which is essential for me
(Gaía Passarelli).

Preparation is considered a priority for the professional. According to her,


this pre-trip stage helps in establishing her schedule, choosing what will be done,
both during travel and when producing her reports, even to better understand the
cultures that will be found and be prepared to dialogue with sources and have new
experiences.
According to the journalist, these steps of guideline construction are essential
not only for work in the travel segment, but for any journalistic activity. However, in
this particular niche, especially on the internet, the interviewee comments that the
pre-trip preparation is one of the main factors that differentiate the work of a good
travel journalist and other types of content producers present in the online platforms.
Both before and during and after the trip, the professional says she likes to take
notes on digital mobile devices, such as her cell phone and laptop, or on analogue
media such as notebook. She says she makes several notes, such as lists of activities
she wants to carry out during the trip or destinations to visit, even street names that
she will quote later in some text.
The behavior described by Passarelli is in line with the analysis carried out by
Molz (2010) in the article “Connectivity, collaboration, search”. In it, the author points
out that the mobility subject, in its behaviors and habits, is very similar to the image
of the contemporary tourist, who has in mobile technologies an almost indispensable
artifact - as well as pocket guides or maps - for the full experience of its adventure.
When registering it’s trips, the tourist has multiple goals ranging from
publishing in social networks, maintaining contact with those who do not accompany
them (in person) on the trip and, of course, the search and access to leisure options
and entertainment at the visited site, performing a mapping of the territory to be
Travel Narratives

explored. Therefore, like the journalist, the tourist moves through networks of social
interactions and information, producing knowledge in the mobility era.
From the John Urrys perspective (2007), we can see that mobile devices allow
different mobilities to happen at the same time. In the journalist’s account, for
example, when she mentions the use of her devices as work tools that enable her to
consult, record, photograph and publish information and contact those who need it,
the conjunction and overlap of bodily mobilities is visible, since it is in a movement
355 that mixes leisure (tourism) and work; the virtual trip, by having the possibility of
contact with another person in real time but out of the space in which it is; and also
communicational travel, by publishing and communicating with readers and viewers
through messages and other media.
Imaginative mobility can also be found in different moments described by the
journalist:
• When researching information in different media about her future destiny,
in order to construct itineraries for her trip and guidelines for her reports,
the interviewee ends up performing an imaginative trip. Not only that, it
is also influenced by the tourism gazes portrayed in the media, and their
expectations and ramblings will be influenced by them.
• By generating media products on her own travels, the journalist ends up
sharing her own tourist gaze with images, reports and even guides on the
destinations visited. This causes her readers to make imaginative journeys
by consuming this material.
However, the journalist points out that, unlike many people imagine, working
as a travel journalist, while involving tourism, is not like being on vacation. The
“tourist’s glance” conveyed by it, then, can often be without the unconcerned approach
quoted earlier, which Urry (2001) posed as usual among tourists.

Final considerations

Tourism is closely linked to mobility, as are other social practices, when


analyzed by the theoretical-methodological perspective of the mobility paradigm of
Urry (2007). And with the new Communication and Interaction Technologies and
mobile devices, many practices, even those that were already considered mobile, have
been transforming and reinventing themselves.
Journalism, as well as other areas of work, is a field that has undergone changes
in this context of mobility. The travel segment, which has long had the movement as
a guideline, is also transformed.
Nowadays, from the experiences described and the observation in different
media and platforms, the subjects have before them several possibilities to portray
their trips in varied media and formats, which construct different temporalities and
spatialities. In addition, more specifically, they help to create and / or maintain travel
and tourism related habits.
The connection, which is often constant, means that the travel journalist is
present at different places while it’s is working: it is physically at the destination
Travel Narratives

but in contact with its readers and spectators, who may be anywhere else, through
social networks; is at home or in the newsroom physically, but, imaginatively, it may
already be in its next destination when seeking information about this location; is in
motion during a journey, but takes advantage of this time “between spaces” to hold
meetings, publish reports, write text or do research, being productive in moments
that could previously be considered “wasted”.
356 The encounter and the mixture of different mobilities seems to permeate the
processes of tourism journalism. However, there are limitations: the lack of a device
or an adequate network connection may impair the exercise of the activity, causing
the professional to be forced to adapt according to the technical tools available on
the spot.
There is still much to be researched in regard to the practices of travel
journalism, even more taking into consideration the new technologies and mobile
devices. However, as we have seen, this theme is not limited to the activities of this
professional field or this segment: when observing, researching and analyzing travel
journalism in a context of mobility, we are also observing, researching and analyzing
social, cultural, anthropological, technological, communicational, among others
that permeate various areas of knowledge. This new chapter in the history of travel
narratives still has much to teach us.

REFERENCES

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357 WENZEL, Karine; JOHN, Valquíria Michela. Jornalismo de Viagens: análise
das principais revistas brasileiras. Universidade do Vale do Itajaí. Estudos em
Comunicação nº 11. Brasil. 2012. Disponível em: < http://www.ec.ubi.pt/ec/11/pdf/
EC11-2012Mai-14.pdf>. Access in: may, 20, 2019.
Travel Narratives
358 OS DESBRAVADORES DOS RELATOS
DE VIAGENS: O ATO DE VIAJAR
AO LONGO DA HISTÓRIA

Samanta Souza Fernandes1

O ato de viajar tornou-se uma forma de entretenimento fomentando a indústria


das viagens e do turismo. Grande parte da pesquisa empírica existente sobre jornalismo
se concentra no jornalismo noticioso, em detrimento de suas formas menos tradicionais,
particularmente as áreas de jornalismo de entretenimento e estilo de vida.
Para Chang e Holt (1991), o turismo e a escrita de viagens são frequentemente
vistos como um tópico frívolo, não merecedor de pesquisas sérias. Os autores
classificam o turismo como uma atividade recreativa, desprovida de significado social
e político porque envolve o setor privado e não público.
A localização do jornalismo de viagens na intersecção entre informação
e entretenimento, jornalismo e publicidade, bem como seu papel cada vez mais
significativo na representação de culturas estrangeiras, o torna um local significativo
para pesquisas acadêmicas.
No campo da investigação dos estudos sobre jornalismo, um tema pouco
discutido é o jornalismo de viagens, talvez não tanto pela sua presença nos estudos,
mas pela “relevância” que os mesmos possuem nos campos teóricos quando se toma
tal jornalismo como objeto (HANUSCH & FÜRSICH, 2014).
Assim, as reflexões existentes sobre esta especialização são caracterizadas por
tratarem de um tema novo no campo de estudos e, ao mesmo tempo, da influência que
este sofre por sua “confusa vinculação com o turismo e também por seus inegáveis
laços com a retórica literária” (JANÉ, 2002, p.109).
Este artigo propõe um estudo sobre as narrativas de viagem ao longo da história
destacando as principais obras de grandes nomes da antiguidade que servem de
referência aos jornalistas de viagens na atualidade. Tal como sistematiza Jorge Pedro
Sousa (2008), entender os estudos contemporâneos do jornalismo, implica perceber
seus desafios e como ele evoluiu ao longo da história.
Em concreto, o enquadramento temático aqui proposto é demonstrar que desde
Narrativas de Viagem

a antiguidade já se praticava o jornalismo de viagens, através dos relatos de viagens


dos grandes desbravadores da história e como suas obras foram essenciais para os
descobrimentos científicos, geográficos e tantos outros contributos para o avanço da
tecnologia e descobertas de locais nunca antes explorados.
Os relatos de viagem ao longo da história mostram que o homem possui a
necessidade de desbravar, conhecer locais diferentes, sair do seu espaço para se
1 Jornalista, docente e mestre em Comunicação pela Universidade Anhembi Morumbi (UAM) - bolsista Capes. É
doutoranda em Ciências da Informação, na especialidade Jornalismo e Estudos Mediáticos, na Universidade Fer-
nando Pessoa (UFP). Sua área de investigação está relacionada ao Jornalismo de Viagens e Turismo.
359 encontrar. Uma das formas mais intensas de se colecionar experiências é o ato de viajar.
O pesquisador Mariano Belenguer Jané (2002), define o ato de viajar com um
trabalho dos seres corajosos que desejam sobreviver e viver melhor, um momento
de enfrentamento dos perigos e demonstração de audácia para se converter em uma
espécie de herói e depois relatar sua jornada.
Viajam os comerciantes, os diplomáticos, os agricultores, correspondentes
e hoje também o cidadão. O viajante que deseja satisfazer sua curiosidade, sair da
monotonia e desprender do cotidiano.
Para Pedro Eduardo Rivas Nieto (2006), quem viaja abre seu coração e sua
mente, pela necessidade de sentir-se plenamente humano, ao ar da aventura. Segundo
o autor, não há viagens sem aventuras, sem mitos e heróis. Se nos dias de hoje, a
viagem pode não ser mais fonte de conhecimento e nem de prodigiosos talentos que
eram considerados antes, é ao menos um retorno ao ancestral instinto nômade.
Nossos antepassados viveram sem fronteiras, sem nações ou Estados. Viviam
agrupados em sociedades tribais, dependiam de seus instintos e suas habilidades
para caçar e assim manter a sua sobrevivência. O homem desconhecia os territórios
e estava a mercê de tudo. Entretanto, estavam integrados na natureza convivendo em
perfeita harmonia (NIETO, 2006, p.18).
O homem obrigado a sobreviver atravessou bosques, florestas e vales. Escalou
serras e montanhas, navegou por mares, rios e encostas. Em meio a todo tipo de
adversidades no espaço exterior. Jané (2002) assinala que este foi o primeiro instinto
que impulsionou o homem a viajar, mas não pode ser considerado o único. Para ele,
há a questão da curiosidade inata, a gana por aprender e descobrir o que está além do
horizonte, a paixão por conhecer e possuir, em definitivo, a aventura por si mesmo.
Desde a antiguidade que os textos de Heródoto destacavam os relatos de viagens.
Em 400 a. C., o historiador grego descrevia suas jornadas através do mundo. O ato de
documentar as viagens sempre foi tão importante quanto o percurso em si. O ato de
viajar começou como uma necessidade e hoje é visto como um objeto de consumo e
também uma tentativa de fugir da rotina e colecionar experiências.
Jané (2002) também defende que, uma mudança significativa fez com que
houvesse uma proliferação de publicações sobre viagens e turismo. Para o investigador,
a viagem não só apresenta um largo campo da história da humanidade como uma
necessidade física, mas também representa uma necessidade psicológica vinculada a
aventura e ao mito do herói.
Não é necessário fazer um repasse na história da literatura para comprovar que
Narrativas de Viagem

a viagem está presente em muitas de suas manifestações, e esta presença da viagem


se manifesta sobretudo vinculada ao conceito de aventura coincidindo com a perca
do espaço conhecido.
A literatura nesse caso não faz mais do que alimentar uma necessidade
psicológica tão óbvia que, até mesmo o fato da morte é mostrado em quase todas as
culturas, assim como os cuidados de saúde do local. Uma viagem para qual há de se
preparar por meio do rito, assim, como cada povo tinha seu ritual próprio para tratar
dos seus mortos.
360 É fato que, o mito permanece muito bem fixado na sociedade, de tal forma, que
se resiste a desaparecer. Isso explica o debate e a confrontação entre as figuras do
turista e do viajante. O mito também explica essa busca de novas formas de viagem a
espaços exóticos, religiosos, expedições e esportes de aventura.
Isso também justifica a proliferação de uma série de manifestações culturais
no cinema, nos meios de comunicação, nomeadamente nos livros, revistas e blogues.
Tanto a fotografia, os relatos de viagem e a literatura reinventam a aventura e a viagem
com o objetivo de recuperar a esperança. Entre essas manifestações se encontra o
fenômeno jornalismo de viagens que é o cerne deste estudo.

Os relatos de viagem da antiguidade

Quando se fala em descobrimento do mundo, entende-se a grande era das


navegações e descobertas ocidentais dos séculos XV e XVI, impulsionados por
portugueses e espanhóis. Entretanto, desde Heródoto a Estrabão, nomeadamente com
os egípcios, fenícios e gregos pode-se perceber como é antiga essa necessidade de
desbravar e relatar as descobertas que impulsionaram as civilizações. Mesmo com
escassos documentos, sabe-se que os antepassados da Idade da Pedra também fizeram
notáveis descobrimentos em todo o planeta.
Para o investigador Jorge Pedro Sousa (2008), o jornalismo é uma representação
discursiva da vida humana em que os seres humanos começaram a transmitir
informações e histórias, por uma questão de necessidade, segundo ele nenhuma
sociedade, até mesmo as primitivas conseguiram viver sem informação. Os relatos
de viagem são instrumentos da preservação das memórias para as gerações futuras, o
que também assegura a imortalidade simbolicamente.

Pode-se dizer que, historicamente, o primeiro grande fenômeno que contribuiu


para fixar a matriz do que veio a ser o jornalismo proveio dos antigos gregos.
Aliás, é graças aos gregos e, posteriormente, aos romanos, que temos hoje em
dia a Civilização Ocidental (somos filhos de Atenas e Roma!) (SOUZA, p.13,
2008).

De acordo com Nieto (2006), o que se pode assegurar é que os egípcios foram
os primeiros a documentar seus relatos de viagem, como fazia o escriba Ortega,
que era por definição o homem do Egito que documentava a vida pública, dava fé,
elaborava informes e noticiava. Seus hieróglifos e gravações nos templos descrevem
Narrativas de Viagem

com realismo suas viagens. Pode-se dizer que, Ortega já praticava o jornalismo
naqueles tempos.
Os povos fenícios superaram os egípcios nas suas viagens pela antiguidade.
No ano 3.000 a.C. uma tribo semítica se desenvolveu em uma região costeira que
hoje é Israel e Líbano, eles se converteram em mercadores marítimos e criaram o
primeiro império marítimo do mundo. Os fenícios construíram barcos que podiam
ir a qualquer parte, recorrendo a todo Mediterrâneo se aventurando mais adiante
pelas Ilhas Britânicas e Cabo de Boa Esperança, dois mil anos antes do que fizera
Vasco da Gama.
361 Narradores gregos

Pode-se dizer que os gregos possuíam um enorme desejo de desbravar o


desconhecido, pois há muitos autores e gêneros ao longo do tempo que deixaram seu
rico legado de viajante. Entre eles estão Piteas, o explorador do Mar do Norte, Hecateo
de Mileto que viajou extensamente pelo Império Aquemênida (Ásia menor, Pérsia,
Mesopotâmia e Egito) e escreveu um livro sobre o Egito e Ásia, entre outros.
Mas é Heródoto, o historiador grego mais citado e considerado, o “Pai da
História” por sua célebre obra Histórias (publicada entre 430 e 424 a.C.). A obra está
classificada em nove livros, os cinco primeiros descrevem o Império Persa, e os demais
abordam as guerras.
O pesquisador José Acosta Montoro (1973), destaca os diversos relatos de Alexandre,
o Grande, que durante onze anos do século IV a. C., percorreu 32 mil quilômetros com
seu exército em uma expedição sem precedentes. Chegou na Índia abrindo suas rotas
e difundindo a cultura grega em grande parte da Ásia ocidental, introduziu seu nome
na literatura de dezenas de países, desde a península da Malaya até as Ilhas Britânicas,
fundando mais de setenta cidades, entre elas a emblemática Alexandria.
Não se pode deixar de destacar a importância de Xenofonte, que escreveu a
Anábase, que nada mais é do que uma série de crônicas, às vezes relatadas, sobre a saga
da retirada do Exército dos Dez Mil, um grupo de soldados mercenários contratados
por Ciro, o Jovem, príncipe persa, que desejava tomar o trono do Império que estava
em posse de seu irmão, Artaxerxes II.
O desenrolar dos sete livros compostos por Xenofonte conta os fatos que
levaram, construíram e desdobraram a Batalha de Cunaxa onde o enfrentamento
entre os irmãos se concretiza. Nesse contexto, Xenofonte, a convite de Próxeno,
acompanha o Exército ao lado de Ciro e partem, então, de Sardis, como
“correspondente no estrangeiro”.
Pela primeira vez um autor grego escreve para os gregos sobre um outro povo,
os persas- uma forte referência do pré-jornalismo. O soldado grego e discípulo de
Sócrates, narrou acontecimentos ocorridos entre 401 e 399 a.C., entre eles a Guerra
do Peloponeso, sua obra marítima que por excelência é fundamental para reconstruir
a história tanto da narrativa de viagem como do jornalismo de viagem.
Observa-se que, o que mais interessa nesta investigação não é o tema em si, mas
a história que se desenha ao longo do trajeto desses desbravadores por meio dos seus
itinerários de aventura e descobrimento. É através do mar que os gregos e egípcios
Narrativas de Viagem

aportam suas narrativas e ao mesmo tempo se sentem em casa, ou seja, eles viajam
quando navegam.

Narradores romanos

Os relatos de viagem praticados pelos romanos foram de tal importância que


contribuíram para o desenvolvimento de uma outra forma de narrar viagens, assim
afirma Nieto (2006), que destaca que, no ano de 25 a.C., o imperador Augusto ordenou
ao imperador do Egito, Elio Galo, que organizasse uma expedição a longínqua Arábia
362 para conquistar o reino de Sabá, um dos mais prósperos do mundo entre os séculos
VIII e I a. C.
Essa viagem resultou em muitas dificuldades e acidentes em razão das más
condições meteorológicas, com a perda de vários navios, enfermidades onde envolveu
um corpo expedicionário de mais de 10 mil homens e 100 embarcações. A expedição
foi desastrosa e durou 10 meses, regressando do Mar Vermelho com a tropa faminta
e enferma.
Quem escreveu e descreveu esses relatos de viagem foi Estrabão, um dos
sobreviventes e redator do livro Geografia2, uma enciclopédia de 17 livros de
conhecimento geográfico do início da era cristã. “Mesmo com o fracassado intento
dos romanos em invadir a Arábia, conseguiram um grande benefício que foi conhecer
o povo, a região e sua geografia”. (NIETO, 2006, p. 92).
Os narradores romanos que mais se destacaram foram Plínio, o Velho, oficial
romano que foi historiador, gramático, naturalista, administrador e escritor. De todas
as suas obras, a única que sobreviveu foi um tratado denominado História Natural,
uma imensa compilação composta de 37 volumes, que contém algumas passagens
originais sobre o destino do homem na natureza e oferece um excelente panorama
da geografia, zoologia e botânica na Antiguidade. Plínio era um grande observador
detalhista e morreu vítima da histórica erupção do Vesúvio ao se aproximar do vulcão.
Não há como falar de Roma sem mencionar Júlio Cesar, um dos mais grandiosos
homens de todos os tempos. Considerado por Ortega como o inventor do jornalismo,
o aristocrata, político, general, escritor e grande guerreiro romano era um homem
moderno em um mundo antigo. Ortega dá um exemplo do Jornal Diário de Sessões,
inventado pelo imperador, que devia unir Roma com todo orbe - Urbit et Orbi.
Nieto (2006) conclui que, os textos de Júlio César sobre as campanhas militares
se organizavam como uma grande e dificultosa viagem. Suas obras não só foram
valiosas fontes históricas, como também pode ser considerado um antecedente remoto
do jornalismo de viagens.
O alvorecer da Idade Média foi marcado por um período que tradicionalmente
é considerado como um retrocesso da civilização no terreno social e cultural. Para
Jané (2002), não foi em absoluto uma etapa de estacionamento, o que houve foi um
deslocamento dos povos com intercâmbios de suas culturas com modos mais ou
menos pacíficos e violentos, quando as invasões germânicas chegam em um momento
que, Roma havia se convertido no epicentro de uma rede de rotas e comunicações que
ia muito mais adiante das fronteiras do império, conectando o Oriente e o Ocidente.
Narrativas de Viagem

Esta conexão permanece cortada até quando o Islã retoma suas rédeas culturais do
humanismo antigo.

2 A obra cobre todo o mundo conhecido pelos gregos e pelos romanos da altura. Apresenta uma constante defesa
do poeta Homero como fonte geográfica, não levando em conta escritores mais recentes, como Heródoto, que nor-
malmente testemunhavam o que reportavam; uma preocupação normalmente argumentativa e crítica em relação
a estes outros escritores, com uma atitude, a priori, em relação aos fatos, tipicamente grega, fazendo-a derivar do
puro exercício da razão. No entanto, esta argumentação, que por vezes é criticada, oferece aos acadêmicos mo-
dernos uma informação histórica valiosa nos métodos de geografia antiga e no conhecimento de geógrafos mais
antigos que de outra forma não teríamos conhecimento. Loeb Classical Library edition, 1924 (public domain).
Disponível em: <http://penelope.uchicago.edu/Thayer/E/Roman/Texts/Strabo/home.html>.
363 A era viking

Em meados do século VII, suecos, dinamarqueses e noruegueses iniciaram


uma expansão pelos mares do Norte, invadindo grande parte da Europa, os vikings
navegaram pelo Oceano Atlântico, chegando ao norte da África e ao leste de Rússia,
indo até Constantinopla e o Oriente Médio. As expansões eram feitas por saqueadores,
comerciantes, colonos e mercenários, usando de diplomacia e, na maioria dos casos,
força brutal.
Sob a liderança de homens como Leif Ericsson, herdeiro de Érico, o Vermelho,
chegaram às Américas e criaram um pequeno assentamento temporário em L’Anse
aux Meadows, na região de Terra Nova e Labrador, na costa do Canadá. Colônias mais
bem estabelecidas foram criadas na Groelândia, Islândia, Grã-Bretanha e Normandia.
As primeiras invasões em larga escala dos vikings pela Europa ocidental aconteceram
no século VIII e começaram a perder força no começo do século XI.
Jané (2002) aponta que, a influência cultural viking se expandiu e seus feitos
militares, assim como sua crueldade, acabaram virando lendas. Muitas lendas foram
criadas, baseadas em relatos próprios da tradição oral. “Efetivamente, existia uma
forte tradição oral transmitida pelos narradores informadores – sagnamordr -, cujos
relatos – as sagas – contavam fatos épicos”. (JANÉ, p.50, 2002).
O autor destaca que surge em Islândia a transmissão oral, e que só duzentos
anos depois é que os textos foram escritos. Algumas das obras mais conhecidas são:
a Saga de Grettir, a Saga de Nial, a Saga dos Groenlandeses, ou a Saga de Erico, o
Vermelho, muitas delas são relatos de viagem.
Não se pode mencionar a era viking sem citar o escritor árabe e mulçumano,
Ahmad Ibn Fadlan, que ficou conhecido por escrever um manuscrito sobre suas
viagens como embaixador do califa de Bagdá para a terra dos nórdicos. A obra foi
escrita no ano de 922 e boa parte do manuscrito se dedica à descrição dos povos Rus
ou os Varegues, o que tornaria o manuscrito um dos mais antigos sobre os vikings.
O manuscrito de Fadlan serviu também de inspiração para diversas obras
de ficção como o livro Eaters of the Dead, de Michael Crichton (2008) - no Brasil,
denominado Devoradores de Mortos, que serviu de base para o roteiro do filme O 13º
Guerreiro (1999). Também uma série de TV árabe, The Roof of the World (2007), refez a
jornada do árabe nos tempos atuais.

Relatos do oriente
Narrativas de Viagem

É comum que se recorra com mais frequência ao Ocidente para rastrear


as origens de qualquer assunto, mas o continente asiático, que inclui Ásia Menor,
Mesopotâmia, Índia e China, foram o berço de todas as civilizações, com exceção do
Egito. Há diversos exemplos de relatos de viagem daquelas terras ricas, frutuosas e
tecnicamente adiantadas.
Havia muitos registros das cartas náuticas que receberam um nome poético
“histórias da água” que eram utilizadas como guia. Pode-se destacar também a Rota
da Seda, uma via que ficou conhecida desde a Antiguidade e permitiu as relações
364 comerciais entre as civilizações da parte do Mediterrâneo e da China.
O autor destaca que os grandes viajantes chineses eram monges budistas, que
peregrinavam pela Índia e também havia os embaixadores que eram enviados para
estabelecer alianças, entre outras missões. Muito dos relatos de viagens ficaram
conhecidos como a Rota da Seda que o colocou o oriente em contato com o mundo
persa e helenístico.
No século II a. C., Chiang Chien se ofereceu como voluntário para tentar
estabelecer uma aliança com os hunos. O embaixador acabou preso, mas depois foi
permitido se casar com liberdade vigiada. Escapou dez anos mais tarde e chegou a
Báctria (atual Afeganistão), mas os guerreiros daquelas terras não aceitaram a aliança
contra os hunos. Seus textos abriram caminhos para as rotas comerciais, aumentando
os conhecimentos geográficos da China.
O escritor Peter Burke (2017) descreve que, no século IX, o monge japonês Ennin
viajou à China, onde passou nove anos estudando, copiando escrituras e relatando
suas experiências que teve com os monges budistas. Depois desse longo período
viajando, regressou ao Japão para traduzir e difundir o conhecimento sobre a tradição
tântrica de meditação.
A Era de Ouro do Islã foi inaugurada no meio do século VIII pela ascensão do
Califado Abássida e pela transferência da capital de Damasco para Bagdá. Durante
este período, o mundo muçulmano era um caldeirão de culturas que colecionava,
sintetizava e avançava de modo significativo o conhecimento herdado de civilizações
antigas como os romanos, os chineses, os indianos, os persas, os egípcios, os gregos
e os bizantinos.
Na Idade Média, os exilados e expatriados tiveram um papel importante no
mundo islâmico, assim como no mundo antigo, essa foi uma época em que as fronteiras
tinham muito menos importância do que viriam a ter mais tarde. Poucos são os que
se destacaram pelo impacto que suas ideias tiveram sobre os intelectuais ocidentais,
sobre seus colegas muçulmanos ou sobre ambos.
Burke (2017) destaca o astrônomo persa Abu Ma’shar (conhecido no Ocidente
como Albumasar) que estudou em Benares e trabalhou em Bagdá, o filósofo persa Al-
Farabi, conhecido na época como o segundo Aristóteles que era do Cazaquistão e foi a
Bagdá e Damasco. Também o geógrafo Al-Idrisi que saiu do Marrocos para trabalhar
em Palermo, entre outros.
Os árabes foram grandes viajantes, geógrafos e cartógrafos medievais, mas
segundo Nieto (2006), nem sempre é fácil distinguir entre a pura ciência geográfica e os
Narrativas de Viagem

relatos de viagem, pois o desenvolvimento da geografia naquela época tinha grandes


vertentes, ou seja, uma ciência matemática, uma geografia literária ou descritiva. Os
próprios títulos de algumas das obras confirmam essa afirmação como o Livro das
rotas e das províncias, que é uma geografia do mundo muçulmano, mas que possui
informações abundantes de todos os tipos.
Há também o caso do viajante Ibn Hauqal, que realizou numerosas viagens
durante trinta anos que lhe permitiram o conhecimento direto do que relatava, ele
escreveu a Descrição dos países do Islã e a Configuração dos países do Islã, essa obra
365 contribui de forma expressiva para a geografia.
Outra obra considerada uma das mais populares do mundo muçulmano, é a do
historiador, geógrafo e viajante Al Masudi, Os prados de ouro é um livro recheado de
relatos de viagens e dados históricos.
Há diversos exemplos de viajantes árabes que relataram suas histórias na época
em que o Oriente e o Ocidente tinham poucas referências. Vale lembrar que, um dos mais
importantes viajantes árabes Ibn Fadlan, como já mencionado no texto, é um dos mais
emblemáticos narradores porque narrou de forma inédita suas impressões e perigos
vividos com os vikings, sobretudo, porque como árabe e mulçumano que era, Fadlan
precisou abandonar em alguns momentos as suas convicções religiosas para sobreviver.
De realçar, ainda, que, graças a Ibn Battuta que o mundo conheceu as ruas de
Constantinopla, a personalidade do sultão de Delhi e a ajuda aos necessitados de
Damasco. Os seus documentos serviram também para mostrar a falta de comunicação
entre a cultura cristã e a mulçumana, já que no século XIX não se conheciam os
territórios do Islã.

Os cristãos europeus

Na Europa cristã, durante o período da Idade Média, a transmissão oral voltou


a ocupar um lugar de destaque, pois o homem sempre teve a necessidade de se
comunicar e transmitir as notícias, sobretudo em um tempo em que o analfabetismo
era generalizado, por conta da monopolização do conhecimento praticado pelo Clero
e a Nobreza.
Como destaca Nieto (2006), quem se encarregava de transmitir as notícias nessa
época eram os trovadores, os goliardos e os joglares, que com sua arte entretinham e
informavam sobre assuntos diversos.
Segundo o autor, as pessoas necessitavam saber o que ocorria para além daquele
mundo medieval. Havia muitas razões para que houvessem as viagens e as suas
comunicações, a vontade de evangelizar, de realizar peregrinações em locais santos,
conquistar novas terras, trocar produtos, melhorar o comércio, entre outras.
Para Nieto (2006), é possível descobrir antecedentes dos relatos de viagens
rastreando as guerras na Idade Média, nomeadamente no período cristão. Segundo
ele, a guerra foi um elemento favorecedor dos textos viajantes. A Europa inquieta,
ante as forças dos tártaros, intentava conhecer suas técnicas de combate e assim
converte-los ao cristianismo para tê-los como aliados frente ao Islã.
Narrativas de Viagem

Já Le Goff (1980), destaca que os escritores do Ocidente medieval não separavam


com claridade o texto de ficção da literatura didática ou científica pela natureza própria
daquele mundo. Graças as viagens medievais na Europa, começou-se a descobrir um
universo que então só se conhecia nas fábulas. Vale destacar também que, foram
principalmente os nobres que se dedicaram a tarefa de viajar, bem como os cruzados,
os diplomáticos, os clérigos e os aventureiros.
Considerado um dos viajantes com mais destaque na da era medieval, Marco
Polo escreveu a obra de maior impacto da sua época O livro das Maravilhas, que
366 continha tanta informação verídica que causou questionamentos nos conhecimentos
científicos e geográficos do momento.
Marco Polo era um visionário e inventor que dava notícias de um mundo
exótico que fazia empalidecer os venezianos. Ele descrevia os costumes e invenções
do Oriente e descrevia sua comida, seu vinho, suas mulheres, as batalhas e os
tesouros como um jornalista que tem a oportunidade reportar pela primeira vez
fatos de lugares incríveis.
Nieto (2004) lembra que, os relatos de Marco Polo possuíam qualidades
jornalísticas, mas que não foi ele quem escreveu O livro da Maravilhas, também
chamado de O Milhão, mas, sim, por Rusticello de Pisa, seu companheiro de cela que
durante três anos ouviu suas histórias no cárcere em Gênova. Marco Polo ditou suas
histórias, que Rusticello escreveu em um pergaminho.
As habilidades de Marco Polo eram próprias de um trabalho jornalístico
porque ele era um homem curioso que tomava notas e desejava perseverar em suas
conquistas. Sua obra influenciou poderosamente as gerações futuras de viajantes
europeus, que não dispunham de outras descrições do Oriente que não fossem as do
tempo de Alexandre, O Grande.

O Renascimento e a era dos Descobrimentos

É no século XV, entre os anos de 1400 e 1600 que se inicia a idade do ouro, dos
grandes descobrimentos, juntamente com o humanismo e o nascimento dos estados
modernos. O pensamento crítico e racional se desenvolve nas universidades, onde se
estudam os clássicos em latim e grego, as dúvidas com relação aos dogmas da Igreja são
questionadas, a imprensa permite a divulgação da cultura e escrita, assim a burguesia
mercantil e industrial passa a decidir sobre os novos interesses da sociedade.
Naquela época a Europa era um continente pouco povoado, demasiado arborizado
que vivia essencialmente da agricultura. Nieto (2006) lembra que, a noção de espaço
do europeu médio era muito curiosa, pois no início dos grandes descobrimentos, a
distância média que uma pessoa devia percorrer para alcançar outros povos era de
aproximadamente doze quilômetros e a viagem média mais longa que uma pessoa
fazia em toda sua vida era de trinta quilômetros.
Diante de tantas dificuldades, a imprensa era considerada uma profissão errante
e os juglares - os “proto jornalistas” da época, eram os que viajavam e divulgavam os
relatos que haviam vivido, os músicos, os ciganos, os estudantes e eruditos também
Narrativas de Viagem

tinham essa função.


Nesse período, destaca-se Erasmo de Rotterdam que foi um dos grandes viajantes
e acadêmicos que viajou por toda a Europa quando as velhas rotas de peregrinação
começaram a cair em desuso e uma nova forma de peregrinação foi instaurada - a de
delegar a quem não pudesse ou não tivesse o prazer de fazer, assim alguns viajantes
eram remunerados para esse ofício.
Entre os mais famosos exploradores deste período, destacam-se Cristóvão
Colombo, Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral, Bartolomeu Dias, Américo Vespúcio,
367 John Cabot, Fernão de Magalhães, Willem Barents, Zheng He, Abel Tasman, Vicente
Yáñez Pinzón e James Cook. Não obstante, havia muitos outros nomes anônimos de
pessoas de diferentes condições e procedências que formavam o grosso das tripulações
que começaram a fluir ao Novo Mundo.
Cristóvão Colombo merece um destaque relevante por ser um dos grandes
navegadores que, além de projetar suas viagens, também as relatou. Embora, presume-
se que o descobrimento da América pode ter ocorrido muito antes pelos vikings,
turcos, chineses e até mesmo os judeus, há muitos documentos, essencialmente
relatos de viagem que comprovam que Colombo foi quem abriu o caminho para o
Novo Mundo.
Para o investigador Nieto (2006), foram precisamente as relações e as crônicas e
relatos de viagem das Índias que desenvolveram o incipiente pré-jornalismo da época.
Segundo ele, essas comunicações constituem tanto a origem do jornalismo como o da
informação internacional. O autor destaca o soldado de Fernão Cortez, Bernal Diaz
de Castilho que foi o cronista de suas conquistas que escreveu Crônica Verdadeira da
Conquista da Nova Espanha, uma das obras históricas mais completas escritas sobre a
conquista do México.

No entanto, Pedro de Valencia era considerado um “cronista obscuro”,


desconhecido, que nunca cruzou os mares e reelaborou o que o contaram.
Fazia descrições geográficas de elementos históricos e urbanísticos, da
administração, da política e demografia apenas através de pesquisa e análise.
Não obstante, suas informações são completíssimas, como as de um jornalista
de mesa que transforma a informação bruta em análise, estudo e interpretação
para dar-lhe sentido. (NIETO, 2006, p.136).3

O autor também destaca diversas obras como Mondus Novus, escrita por
Américo Vespúcio em que relata suas viagens entre os anos de 1501 e 1502. Também
os textos de Richard Hakluyt que foi o cronista dos grandes viajantes ingleses e de
seus descobrimentos no século XVI, ele quem escreveu a obra Principais expedições,
viagens, empresas, comerciais, e descobrimentos da nação inglesa. Ainda assim, as
crônicas escritas por Pero Vaz de Caminha sobre a grande expedição portuguesa
capitaneada pelo navegador Pedro Alvarez Cabral em 1500 é, sem dúvida um dos
documentos mais importantes sobre o descobrimento do Brasil.
A Carta de Pero Vaz de Caminha A El Rei D. Manuel, também conhecida como
Carta do Achamento do Brasil, é o documento inicial da história do país, escrita em
Porto Seguro, entre 26 de abril e 2 de maio de 1500 que relata sobre a terra de Vera Cruz
Narrativas de Viagem

e seus primeiros contatos com os índios, que causaram estranheza à sua concepção
católica e europeia.
É no século XVII que todo processo de descobrimento se transforma e começa
uma nova etapa na exploração aventureira que vai dar passos a projetos mais

3 Tradução livre do seguinte excerto do texto original: Sin embargo, Pedro de Valencia era considerado un
“cronista obscuro “, desconocido, que nunca cruzó los mares y reelaboró lo que le contaron. Hacía descripciones
geográficas de elementos históricos y urbanísticos, de la administración, de la política y demografía sólo a través
de investigación y análisis. No obstante, sus informaciones son completísimas, como las de un periodista de mesa
que transforma la información bruta en análisis, estudio e interpretación para darle sentido (NIETO, 2006, p.136).
368 sistematizados, organizados por companhias de navegação, empresas melhores
financiadas, congregações, entre outras. As atividades de exploração e colonização
vão progressivamente se convertendo em aventuras que se calculam cuidadosamente
e se controlam através de Conselhos das partes interessadas, ou seja, dos próprios
Estados, da Igreja, dos burgueses, empresários, sábios, navegantes, entre outros
(JANÉ, 2002, p.74).
Nessa época, se destacam alguns nomes que passaram pelo continente norte-
americano, como é o caso do navegante inglês Henry Hudtson, que viajou pelos mares
do Ártico no início do século em busca de uma rota para o noroeste. Também outro
viajante, explorador e aventureiro, foi Samuel de Champlain, fundador de Quebec e
explorador dos vastos territórios do Canadá, contemporâneo dele destaca-se também
John Smith, colonizador da Virgínia.
A lista poderia ampliar com outros nomes de desbravadores que, no século XIX
contribuíram com seus relatos de viagem, como o português Pedro Teixeira, que no
princípio do século viajou pela Pérsia, Filipinas, visitou Goa, Ormuz e recorreu a
Eufrates. Anos depois navegou o Rio Amazonas desde a costa oriental e chegou a
Quito em 1638. Seu percurso acompanhou outro viajante, o jesuíta espanhol Cristóbal
de Acuña que escreveu em 1941 o Nuevo descubrimiento del gran rio del Amazonas.

Mulheres viajantes

Observa-se que, não há um protagonismo das mulheres nos relatos de viagem até o
século XIX. As mulheres não participavam das expedições com missões específicas, mas
havia as esposas que acompanhavam seus maridos naturalistas, artistas, entre outros.
Assim relata a pesquisadora Miriam Lifchitz Moreira Leite (1997), que escreveu a obra
Livros de Viagem (1803 – 1900) (1997), em que ela divulga as atividades de pesquisa sobre
os relatos das mulheres viajantes que estiveram no Brasil no século XIX.
O livro estuda os textos das modistas, que vinham “fazer a América”, turistas,
jornalistas, professoras, acompanhantes ou cientistas - provenientes dos países
europeus ou dos Estados Unidos. A pesquisadora surpreende-se em pensar que,
naquela época essas mulheres aceitassem ir para o Brasil. Segundo ela, neste período
as viagens ainda eram muito difíceis, as embarcações eram à vela e havia o mito de
que mulher na embarcação trazia azar.
A autora lembra que, as primeiras mulheres que viajaram tiveram que se
disfarçar de homens, mas já no final do século XIX, houve alguma mudança, podendo
Narrativas de Viagem

ser citado o caso da jornalista Marie Robinson Wright, que veio para o país patrocinada
pelo presidente da época e que, através de seus livros, fazia propaganda do Brasil.
Ela também destaca a naturalista Tereza da Baviera, prima de D. Pedro II que
recebeu dele um grande auxílio, orientando Emílio Goeldi e D´Orvielle a auxiliarem-
na em suas pesquisas - diferente de outras mulheres cientistas que tinham mais
dificuldades e que tinham que trabalhar com recursos próprios.
Outro destaque é para a austríaca Ida Pfeiffer, que fez uma viagem de
circunavegação, já viúva. Era dona-de-casa e dava aulas de piano. Quando a mãe
369 faleceu, ela conseguiu muitas cartas de recomendação que permitiram sua entrada
em vários países. A pesquisadora sublinha que como os viajantes eram malvistos por
serem comerciantes ou considerados espiões, essas cartas foram fundamentais. Com
poucos recursos, a austríaca conheceu vários países e escreveu muitos livros sobre os
países visitados. Acabou sendo aceita na Sociedade de Geografia de Paris e Berlim e
teve muitos de seus livros traduzidos:

Há quem diga que os livros de mulheres eram sobre “como” e “por que”,
enquanto os dos homens atinham-se ao que. É uma exterioridade e uma
interioridade dos fatos. Elas procuram mais a interioridade. Mas ambos
usavam diários, correspondência e narrativas breves, com raras exceções.
Meus estudos referem-se às mulheres que viviam no Brasil e às mulheres
viajantes, as quais fazem comparações entre as mulheres que encontraram no
país e sua própria condição feminina no século XIX. (PALLONE, p.1, 2006).

A obra da investigadora reúne também artigos referentes as condições de


trabalho científico de naturalistas e a relação entre a iconografia de viajantes e a
memória. A autora parte do pressuposto de que o viajante, em sua qualidade de
estrangeiro, e por não fazer parte do grupo cultural visitado, tinha mais condições de
perceber aspectos, incoerências e contradições da vida cotidiana do que o habitante,
que a considerava como natural e permanente.
Tanto essa literatura de viagem, como a iconografia produzida por cientistas
e artistas viajantes ajudaram a constituir a imagem do Brasil no exterior e também
influenciaram a formação da identidade nacional.

Os relatos de viagem na atualidade

Com o passar dos anos, a forma de divulgar os relatos de viagem foi mudando e
a maneira de narrar as viagens foi se adaptando a cada estilo dos autores. A narrativa
de viagem foi se profissionalizando e se integrando ao jornalismo, reportando fatos de
interesse comum, prestando serviços relevantes a comunidade.
As publicações de viagens, além de integrarem os meios impressos e audiovisuais,
passaram a invadir a web. Alguns meios continuam colocando os mesmos conteúdos
que publicam no meio impresso adaptado a web ou de forma mista. Para Dreves
(2004), o mundo virtual conta com maior vantagem que os meios impressos, pois
apresenta maior variedade de formatos para os leitores como textos, imagens, vídeos,
áudios e, principalmente, a capacidade de interatividade.
Narrativas de Viagem

Não obstante, assim como os meios de comunicações migraram para a internet,


começaram também as surgir os blogues de viagem que servem como guias oferecendo
também grande contribuição sobre os relatos e descobertas de seus idealizadores.
Cadernos de jornais, revistas, programas de TV e blogues tomaram espaço na mídia
com essa finalidade. Nesse contexto é que estão inseridos os jornalistas e blogueiros de
viagem - os grandes narradores da atualidade. Para Mattoso (2003), os blogs ou weblogs
são considerados um dos fenômenos mais importantes da cultura digital, uma vez que,
desde o seu surgimento, já́ alcançaram milhões de adeptos pelo mundo todo.
370 O autor reforça que, a popularidade se deve ao teor democrático, pois qualquer
um pode ter acesso a liberdade de expressão por meio deste recurso. O autor considera
ainda o blog como um meio jornalístico que tem capacidade de superar os demais
veículos, o que pode ocorrer pela velocidade e instantaneidade com que se dissemina
os conteúdos noticiosos, captando um determinado grupo de pessoas com interesses
por um tema específico, como no caso do jornalismo de viagens.
Ainda segundo Mattoso (2003), existe uma divisão entre blogues de
entretenimento, que seriam blogues usados como diários pessoais e os blogues de
informação, que contêm características jornalísticas. Alguns autores discordam de
que se possa exercer jornalismo em blogues, mas segundo o autor é possível, contanto
que haja a veiculação de fatos da atualidade que tragam novidade e abordem assuntos
que despertem interesse público.
Observa-se que, o fator mais importante para o blog se concretizar como
jornalístico é a veracidade das informações e a prestação de serviço, seja como um
guia de viagens, denúncias, relevância política, econômica, social e tantos outros
serviços que o jornalismo produz.

Conclusão

Ao observar como os relatos de viagem eram divulgados ao longo da história,


percebe-se que, mesmo antes de o jornalismo existir, ele já era praticado pelos
grandes desbravadores da história. É fato que, os registros de viagem contribuíram
para o conhecimento científico, geográfico e abriram caminhos para os grandes
descobrimentos.
A grandiosa obra do soldado grego e discípulo de Sócrates é fundamental para
reconstruir a história, tanto da narrativa de viagem como do jornalismo de viagens,
pois pela primeira vez um autor grego escreve para os gregos sobre um outro povo,
os persas.
Também a forma como Marco Polo descrevia sua comida, o vinho, as
mulheres, as batalhas, os tesouros e tantos outros aspectos do Ocidente, pode
ser comparada com o que os jornalistas de viagens da atualidade relatam sobre
suas experiências de viagens. O ato de viajar e relatar as viagens é tão antigo e
permanece até hoje, porém de forma mais profissionalizada. O que ocorreram
foram mudanças ao longo do tempo, seja pelo estilo dos autores, pelo avanço da
tecnologia ou pela forma de recepção.
Narrativas de Viagem

É fato que o jornalismo está ligado à história e que os relatos de viagem, resumos
historiográficos feitos acerca dos fatos notáveis sobre as façanhas dos reis, a vida
cotidiana descrita pelos narradores da antiguidade são um dispositivo pré-jornalístico
(SOUSA, p.17, 2008).
Podemos dizer que, os conteúdos e as formas de se dar as notícias hoje são
frutos de um longo processo histórico. Os jornalistas de viagens possuem traços dos
grandes desbravadores da antiguidade. Muitos tornaram-se referência sobre locais
de viagem trazendo informações relevantes não só sobre entretenimento e lazer, mas
371 também dados históricos, críticas sociais, análises políticas, denúncias, entre outros
recursos que o jornalismo reporta.

REFERÊNCIAS

BURKE, Peter. Perdas e ganhos: exilados e expatriados na história do conhecimento


na Europa e nas Américas, 1500-2000. SciELO-Editora UNESP, 2017.
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Disponível em: <http://www.bocc.uff.br/pag/mattoso-guilherme-webjornalismo.
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NIETO, Pedro Eduardo Rivas. Historia y naturaleza del periodismo de viajes.
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RUBIO TOVAR, Joaquín. Libros españoles de viajes medievales. Selección, 1986.
Narrativas de Viagem

SOUSA, Jorge Pedro. Uma história breve do jornalismo no Ocidente. Jornalismo:


história, teoria e metodologia da pesquisa. Porto: Edições Universidade Fernando
Pessoa, 2008, 12-93.
372 PATHFINDER TO TRAVEL BLOGGERS:
ACT OH HISTORY ALONG THE TRAVEL

Samanta Souza Fernandes1

The act of traveling has become a form of entertainment promoting travel and
tourism industry. Much of the existing empirical research on journalism focuses
on news journalism at the expense of their less traditional forms, particularly the
entertainment journalism areas and lifestyle.
Chang and Holt (1991), tourism and travel writing is often seen as a frivolous
topic, not worthy of serious research. The authors classify tourism as a recreational
activity, devoid of social and political significance because it involves the private and
not the public sector.
The location of travel journalism at the intersection between information and
entertainment, journalism and advertising as well as its increasingly significant role in
the representation of foreign cultures, makes it a significant site for academic research.
In research studies on journalism, a little discussed topic is the travel journalism,
maybe not so much for its presence in the studies, but the “relevance” that they have
the theoretical fields when taking such journalism as object (Hanusch & Fürsich, 2014).
Therefore, the current reflections on this specialization are characterized
because it is a new subject in the field of study and at the same time, the influence that
he is suffering for his “confused connection with tourism and also for its undeniable
ties with literary rhetoric “(Jané, 2002, p.109).
This article proposes a study of travel narratives throughout history highlighting
the major works of the great names of antiquity that serve as reference to the
bloggers who do travel journalism today. As systematize Jorge Pedro Sousa (2008), to
understand the contemporary studies of journalism, involves realize their challenges
and how it has evolved throughout history.
Specifically, the thematic framework proposed here is to show that since ancient
times already practiced the travel journalism, through the travel accounts of the
great explorers of history and how their works were essential for scientific discovery,
geographical and many other contributions to the advancement of technology and
local discoveries never before explored.
The travel accounts throughout history show that man has the need for brave,
Travel Narratives

know different places, out of his room to find. One of the most intense forms of
collecting experiences is the act of traveling.
The researcher Mariano Belenguer Jané (2002), defines the act of traveling with a
work of courageous beings who wish to survive and live better, a time to face the dangers
1 Journalist, lecturer and teacher in Communication from the Anhembi Morumbi University (UAM) - Capes
scholarship. It is a doctoral student in Information Science in Journalism and media studies specialty at the Uni-
versity Fernando Pessoa (UFP). His area of research
​​ is related to Travel & Tourism Journalism.
373 and demonstration of courage to become a sort of hero and then report your journey .
Traveling merchants, diplomats, farmers, correspondents and today also the
citizen. The traveler who want to satisfy their curiosity, out of monotony and detached
from everyday life.
For Pedro Eduardo Rivas Nieto (2006), those traveling opens your heart and
mind, the need to feel fully human, outdoor adventure. According to the author, there
is no free travel adventures without myths and heroes. If today, the journey can not
be a source of knowledge and not of prodigious talents that were considered before,
it is at least a return to ancestral nomadic instinct.
Our ancestors lived without borders, no nations or states. They lived grouped in
tribal societies relied on their instincts and their ability to hunt and thus maintain their
survival. The man ignored the territories and was at the mercy of everything. However,
they were integrated into the living nature in perfect harmony (NIETO, 2006, p.18).
Man forced to survive went through woods, forests and valleys. Climbed hills
and mountains, sailed the seas, rivers and slopes. In the midst of all kinds of adversity
in outer space. Jané (2002) points out that this was the first instinct that drove the
man to travel, but it can not be considered the only one. For him, there is the question
of innate curiosity, Ghana to learn and find out what is beyond the horizon, the
passion to know and possess, ultimately, the adventure for yourself.
Since ancient times that Herodotus texts highlighted the travel reports. In
400 a. BC, the Greek historian described his journeys across the world. The act of
documenting the trips has always been as important as the journey itself. The act of
traveling began as a necessity and today is seen as an object of consumption and also
an attempt to escape the routine and collect experiences.
Jané (2002) also argues that a significant change has meant that there was a
proliferation of publications on travel and tourism. For the researcher, the trip
not only presents a wide field of human history as a physical necessity, but also a
psychological need is linked to adventure and the hero myth.
It is not necessary to make a transfer in the history of literature to prove that
the trip is present in many of its manifestations, and this presence of the trip is most
clearly linked to the concept of adventure coinciding with the loss of the name space.
The literature in this case does more than feed a psychological need so obvious
that even the fact of death is shown in almost all cultures, as well as health care site.
A trip to which there is to prepare through the rite, as well as each nation had its own
ritual to deal with their dead.
It is a fact that the myth remains well established in society, in such a way
Travel Narratives

that resists disappearing. This explains the debate and the confrontation between the
tourist figures and traveler. The myth also explains this search for new ways to travel
to exotic places, religious, expeditions and adventure sports.
This also explains the proliferation of a number of cultural events in the cinema, in
the media, particularly in books, magazines and blogs. Both photography, travel reports
and literature reinvent the adventure and the journey in order to regain hope. Among
these manifestations is the travel journalism phenomenon that is at the heart of this study.
374 Pathfinders travel reports

When it comes to discovering the world, it means the great age of navigations
and Western discoveries of the XV and XVI, driven by Portuguese and Spanish.
However, from Herodotus to Strabo, notably the Egyptians, Phoenicians and Greeks
can understand how old this need to break through and report the findings that drove
civilizations. Even with few documents, it is known that Stone Age ancestors also
made notable discoveries across the planet.
For the investigator Jorge Pedro Sousa (2008), journalism is a discursive
representation of human life in which humans began to transmit information and
stories, as a matter of necessity, he said no society, even primitive managed to live
without information . The travel accounts are instruments of preserving memories
for future generations, which also ensures immortality symbolically.

It can be said that, historically, the first major phenomenon that helped to secure
the matrix of what came to be journalism came from the ancient Greeks. Indeed,
it is thanks to the Greeks and later the Romans, we have nowadays Western
Civilization (we are children of Athens and Rome!) (SOUZA, p.13, 2008).

According to Nieto (2006), which can be ensured is that the Egyptians were the
first to document their travel accounts, as was the scribe Ortega, who was by definition
the man of Egypt documenting the public life, he gave faith elaborated reports and
noticiava. Their hieroglyphics and recordings in the temples describe realistically his
travels. It can be said that Ortega has practiced journalism in those times.
The Phoenicians people surpassed the Egyptians in their travels in antiquity.
In the year 3000 BC a Semitic tribe has developed into a coastal region that is now
Israel and Lebanon, they became seafarers and merchants created the first in the
world maritime empire. The Phoenicians built ships that could go anywhere, using
all Mediterranean venturing further the British Isles and Cape of Good Hope, two
thousand years earlier than had Vasco da Gama.

Greek storytellers

It can be said that the Greeks had a huge desire to brave the unknown, as there
are many authors and genres over time that have left its rich heritage traveler. Among
them are Pytheas, the North Sea explorer, Hecateo of Miletus who traveled widely in
the Achaemenid Empire (Asia Minor, Persia, Mesopotamia and Egypt) and wrote a
book about Egypt and Asia, among others.
Travel Narratives

But Herodotus, the Greek historian most cited and considered the “Father of
History” by his famous work Stories (published between 430 and 424 BC). The work
is classified into nine books, the first five describe the Persian Empire, and the others
discuss the wars.
The researcher José Acosta Montoro (1973), highlights the various accounts of
Alexander the Great, which for eleven years of the IV century. C., traveled 32,000
kilometers with his army in an unprecedented expedition. Arrived in India opening
375
their routes and spreading Greek culture in much of western Asia, he introduced
his name in literature from dozens of countries, from the peninsula of Malaya to the
British Isles, founding more than seventy cities, including the flagship Alexandria.
One can not fail to highlight the importance of Xenophon, who wrote the
Anabasis, which is nothing more than a series of chronic, sometimes reported on
the saga of the withdrawal of the Army of the Ten Thousand, a group of mercenaries
hired by Cyrus the Younger, Persian prince, who wanted to take the throne of the
Empire that was in possession of his brother, Artaxerxes II.
The unfolding of the seven compounds books by Xenophon account the facts
that led, built and deployed the Cunaxa Battle where the confrontation between the
brothers is realized. In this context, Xenophon, the Próxeno invitation, accompanying
the army side of Cyrus and depart then to Sardis, as “foreign correspondent”.
For the first time a Greek author writes for the Greeks over another people, the
persas- a strong reference pre-jornaismo. The Greek soldier and disciple of Socrates,
narrated events between 401 and 399 BC, including the Peloponnesian War, its
maritime work that par excellence is fundamental to reconstruct the history of both
the travel narrative as the travel journalism.
It is observed that what matters most in this investigation is not the subject itself,
but the story is drawn along the path of these pioneers through their adventure and
discovery itineraries. It is across the sea to the Greeks and Egyptians aportam their
narratives and at the same time feel at home, that is, they travel when they browse.

Roman storytellers

Travel reports practiced by the Romans were of such importance that contributed
to the development of another way of narrating travels, so says Nieto (2006), which
points out that in the year 25 BC, the Emperor Augustus ordered the emperor of Egypt,
Elio Rooster, to organize an expedition to distant Arabia to conquer the kingdom of
Sheba, one of the most prosperous in the world between centuries VIII and I. W.
This trip resulted with many difficulties and accidents because of the bad
weather, with the loss of several vessels, diseases which involved an expeditionary
force of more than 10,000 men and 100 ships. The expedition was disastrous and
lasted 10 months, returning the Red Sea with the hungry and sick troops.
Who wrote and described these travel accounts was Strabo, one of the survivors
and book writer Geography2, An encyclopedia of 17 books of geographical knowledge
of the early Christian era. “Even with the failed attempt of the Romans to invade
Travel Narratives

Arabia, they achieved a great benefit that was to know the people, the region and its
geography.” (NIETO, 2006, p. 92).
2 The work covers the whole world known to the Greeks and Romans height. Has a constant defense of the poet
Homer as a geographical source, not taking into account more recent writers such as Herodotus, who normally wit-
nessed what reported; a normally argumentative concern and criticism of these other writers, at first with an attitude
a priori in relation to the facts, typically Greek, causing it to derive the pure exercise of reason. However, this argu-
ment, which is sometimes criticized, offers modern scholars a valuable historical information on ancient geography
methods and knowledge of older geographers who otherwise would not have knowledge. Loeb Classical Library edi-
tion, 1924 (public domain). Available at: <http://penelope.uchicago.edu/Thayer/E/Roman/Texts/Strabo/home.html>.
376 The Romans narrators who stood out were Pliny the Elder, a Roman officer who
was historian, grammarian, naturalist, writer and administrator. Of all his works,
the only one that survived was a treatise called Natural History, a huge compilation
consists of 37 volumes, containing some original passages on the destiny of man
in nature and offers an excellent overview of the geography, zoology and botany
in antiquity . Pliny was a great detail observer and died of historical eruption of
Vesuvius as they approach the volcano.
There is no talk of Rome not to mention Julio Cesar, one of the greatest men of
all time. Considered by Ortega as the inventor of journalism, the aristocrat, politician,
general, writer and great Roman warrior was a modern man in an ancient world.
Ortega gives an example of the daily newspaper sessions, invented by the Emperor,
who was to join Rome with all orb - Urbit et Orbi.
Nieto (2006) concludes that the Julius Caesar’s writings on military campaigns
were organized as a great and difficult journey. His works were not only valuable
historical sources, but can also be considered a travel journalism remote antecedent.
The dawn of the Middle Ages was marked by a period which is traditionally seen
as a regression of civilization in the social and cultural terrain. For Jané (2002), was not
at all a parking step, what happened was a shift of people to exchange their cultures
more or less peaceful and violent ways when the Germanic raids come at a time that
Rome had converted at the epicenter of a network of routes and communications
that went much beyond the borders of the empire, connecting East and West. This
connection remains cut up when Islam takes its cultural reins of the old humanism.

The viking age

In the mid-seventh century, Swedes, Danes and Norwegians began an expansion


by the North Sea, invading much of Europe, the Vikings sailed across the Atlantic
Ocean, coming to North Africa and east of Russia, going to Constantinople and the
Middle East . The expansions were made by looters, traders, settlers and mercenaries,
using diplomacy and, in most cases, brutal force.
Under the leadership of men like Leif Ericsson, heir to Erik the Red, reached the
Americas and created a small temporary settlement at L’Anse aux Meadows, in the
region of Newfoundland and Labrador, the Canadian coast. more established colonies
were established in Greenland, Iceland, Britain and Normandy. The first large-scale
invasions of the Vikings in Western Europe took place in the eighth century and
began to lose strength at the beginning of the eleventh century.
Jané (2002) points out that the Viking cultural influence expanded and its
Travel Narratives

military achievements as well as his cruelty, ended up becoming legends. Many


legends were created, based on self-reports of oral tradition. “Indeed, there was a
strong oral tradition passed down by storytellers informants - sagnamordr - whose
reports - the sagas - epic told the facts.” (Jane, p.50, 2002).
The author points out that emerges in Iceland oral transmission, and only two
hundred years later that the texts were written. Some of the best known works are:
377 the Saga of Grettir the Saga of Nial, the Saga of the Greenlanders, or the Saga of Erico,
Red, many of them are travel accounts.
One can not mention the Viking era without mentioning the Arab and Muslim
writer, Ahmad Ibn Fadlan, who was known for writing a manuscript on his travels as
ambassador to Baghdad caliph to the land of the Norse. The work was written in the
year 922 and much of the manuscript is dedicated to the description of the Rus people
or Varangians, which would make the manuscript one of the oldest on the Vikings.
The Fadlan manuscript also served as inspiration for many works of fiction as
the book Eaters of the Dead by Michael Crichton (2008) - in Brazil, called Eaters of
the Dead, which was the basis for the screenplay of the film The 13th Warrior (1999
). Also a number of Arab TV, The Roof of the World (2007), retraced the journey of
Arabic in modern times.

Eastern reports

It is common to resort more frequently to the West to trace the origins of any
subject, but the Asian continent, including Asia Minor, Mesopotamia, India and China,
were the cradle of all civilizations, with the exception of Egypt. There are several
examples of travel accounts of those rich, fruitful and technically advanced lands.
There were many records of nautical charts that received a poetic name “water
stories” that were used as a guide. It can also highlight the Silk Road, a road that was
known since ancient times and allowed trade relations between the civilizations of
the Mediterranean and China.
The author points out that the great Chinese travelers were Buddhist monks
who wandered through India and there were also the ambassadors who were sent to
establish alliances, among other missions. A lot of travel reports became known as
the Silk Road that put the East in contact with the Persian and Hellenistic world.
In the second century. C., Chiang Chien volunteered to try to establish an
alliance with the Huns. The ambassador was arrested but was later allowed to marry
probation. He escaped ten years later and reached Bactria (modern Afghanistan), but
the warriors of the countries did not accept the alliance against the Huns. His texts
have opened avenues for trade routes, increasing geographical knowledge of China.
The writer Peter Burke (2017) describes that, in the ninth century, the Japanese
monk Ennin traveled to China, where he spent nine years studying, copying scriptures
and reporting their experiences had with the Buddhist monks. After this long period
traveling, he returned to Japan to translate and disseminate knowledge about the
Tantric tradition of meditation.
Travel Narratives

The Age of Islam Gold was inaugurated in the middle of the eighth century
by the rise of the Abbasid Caliphate and the transfer of the capital from Damascus
to Baghdad. During this period the Muslim world was a cauldron of cultures which
collected, synthesized and advancing significantly the inherited knowledge of
ancient civilizations such as the Romans, Chinese, Indians, Persians, Egyptians,
Greeks and Byzantines.
378 In the Middle Ages, the exiles and expatriates have played an important role in
the Islamic world as well as in the ancient world, this was a time when the boundaries
were much less importance than would have later. There are few that stood out the
impact that his ideas had on Western intellectuals on his fellow Muslims or on both.
Burke (2017) highlights the Persian astronomer Abu Ma’shar (known in the West
as Albumasar) who went to Benares and worked in Baghdad, the Persian philosopher
Al-Farabi, known at the time as the second Aristotle was that of Kazakhstan and was
in Baghdad and Damascus. Also the Al-Idrisi geographer who left Morocco to work
in Palermo, among others.
The Arabs were great travelers, geographers and medieval cartographers, but
according to Nieto (2006), is not always easy to distinguish between pure geographical
science and travel accounts, for the development of geography at that time had
large dimensions, ie a science mathematics, a literary or descriptive geography. The
very titles of some of the works confirm this claim as the Book of the routes and
the provinces, which is a geography of the Muslim world, but it has a wealth of
information of all kinds.
There is also the case traveler Ibn Hawqal, which held numerous trips for thirty
years that allowed the direct knowledge of you that reported he wrote a description
of the Islam countries and Configuring the Islam countries, this work contributes
significantly to the geography.
Another work considered one of the most popular of the Muslim world, is a
historian, geographer and traveler Al-Masudi, golden meadows The book is stuffed
travel reports and historical data.
There are several examples of Arab travelers who told their stories at the time
when the East and West had few references. Remember that one of the most important
Arab travelers Ibn Fadlan, as already mentioned in the text, is one of the most
emblematic narrators because narrated in an unprecedented way their impressions
and dangers experienced with the Vikings, especially because as Arab and Muslim
who was Fadlan He had to leave at times their religious convictions to survive.
Of note also that, thanks to Ibn Battuta that the world knew the streets of
Constantinople, the personality of the Sultan of Delhi and help those in need of
Damascus. Your documents also served to show the lack of communication between
the Christian and the Muslim culture, as in the nineteenth century did not know the
territories of Islam.

European christians
Travel Narratives

In Christian Europe during the Middle Ages, the oral transmission returned
to occupy a prominent place, for man has always had the need to communicate and
convey the news, especially in a time when illiteracy was widespread, due to the
monopolization of knowledge practiced by the clergy and the nobility.
As highlights Nieto (2006), who was in charge of transmitting the news at that
time were the troubadours, the goliardos and joglares, who with his art entertained
379 and informed on many subjects.
According to the author, people needed to know what happened beyond that
medieval world. There were many reasons for the trips and had their communications,
the desire to evangelize, to perform pilgrimages to holy places, conquer new lands,
exchange products, improve trade, among others.
For Nieto (2006), you can discover history of travel reports tracking the wars in
the Middle Ages, particularly in the Christian period. According to him, the war was a
flattering element traveler texts. The restless Europe, against the forces of the Tartars,
intentava know their fighting techniques and thus convert them to Christianity to
have them as allies against the Islam.
Already Le Goff (1980), points out that the writers of the medieval West did not
separate clearly fictional text of teaching or scientific literature by the very nature of
that world. Thanks medieval travel in Europe, began to discover a universe that only
then was known fables. It is also worth noting that, especially were the nobles who
dedicated themselves to the task of traveling as well as the Crusaders, diplomatic,
clerics and adventurers.
Considered one of the travelers more prominently in the medieval era, Marco
Polo wrote the work the greatest impact of its time The Book of Wonders, which
contained as much truthful information that caused questions in the scientific and
geographical knowledge of the time.
Marco Polo was a visionary and inventor who gave news of an exotic world that
was pale Venetian. He described the customs and inventions of the East and described
his food, their wine, their wives, battles and treasures as a journalist who has the
opportunity to report first facts of amazing places.
Nieto (2004) points out that the Marco Polo reports had journalistic qualities,
but it was not he who wrote The Book of Wonders, also called the Million, but rather
by Rusticello of Pisa, his cellmate that for three years heard their stories in prison in
Genoa. Marco Polo dictated his stories, which Rusticello wrote in a scroll.
The skills of Marco Polo were own journalistic work because it was a curious
man who took notes and wanted to persevere in their achievements. His work
powerfully influenced future generations of European travelers, who had no other
descriptions of the East who were not Alexander’s time, the Great.

The renaissance and the age of discoveries

It is the fifteenth century, between the years 1400 and 1600 that begins the golden
age, the great discoveries, along with humanism and the birth of modern states. The
Travel Narratives

critical and rational thinking develops in universities where they study the classics
in Latin and Greek, the questions regarding the Church’s dogmas are questioned,
the press allows the dissemination of culture and writing, so the commercial and
industrial bourgeoisie shall decide about new interests of society.
At that time Europe was a continent sparsely populated, too wooded living
mainly from agriculture. Nieto (2006) points out that the average European Space
380 notion was very curious, because at the beginning of the great discoveries, the average
distance that a person should go to reach other people was about twelve kilometers
and the trip longer average a person did in his life was thirty kilometers.
Faced with such difficulties, the press was considered a wandering profession
and juglares - the “proto journalists” at the time, were traveling and they published
the reports that had lived, musicians, gypsies, students and scholars also had this
function .
During this period, there is Erasmus of Rotterdam which was one of the great
travelers and scholars who traveled throughout Europe when the old pilgrimage
routes began to fall into disrepair and a new form of pilgrimage was established - the
delegate who could not or not had the pleasure of doing so some travelers were paid
for this office.
Among the most famous explorers of this period, it highlights Christopher
Columbus, Vasco da Gama, Cabral, Bartolomeu Dias, Amerigo Vespucci, John Cabot,
Ferdinand Magellan, Willem Barents, Zheng He, Abel Tasman, Vicente Yáñez Pinzón
and James Cook . Nevertheless, there were many other anonymous names of people
from different backgrounds and origins who formed the bulk of the crews began to
flow to the New World.
Christopher Columbus deserves a relevant prominence as one of the major
browsers, in addition to design their trips, also reported. Although it is assumed that
the discovery of America may have occurred long before the Vikings, Turks, Chinese
and even the Jews, there are many documents, mainly travel reports showing that
Columbus was the one who paved the way to the New World.
For the investigator Nieto (2006), it was precisely the relationships and chronic
and travel accounts of India who developed the nascent pre-journalism of the time.
According to him, these communications are both the source of journalism as the
international information. The author highlights the soldier Ferdinand Cortez, Bernal
Diaz de Castilho who was the chronicler of his conquests he wrote True Chronicle of
the Conquest of New Spain, one of the most complete historical works written about
the conquest of Mexico.

However, Pedro de Valencia was considered an “obscure chronicler”, unknown,


he never crossed the seas and reworked what counted. Made geographical
descriptions of historical and urban elements, administration, politics and
demographics only through research and analysis. However, your information
is very complete, as a journalist table that transforms raw information into
analysis, study and interpretation to give it meaning. (NIETO, 2006, p.136).3
Travel Narratives

The author also highlights several works as Mondus Novus, written by Amerigo
Vespucci in reporting his travels between the years 1501 and 1502. Also the writings
of Richard Hakluyt who was the chronicler of the great English travelers and their
3 free translation of the original text graft following: Sin embargo, Pedro de Valencia was considered un “obscure
chronicler,” desconocido, who never cross them reelaboró ​​seas y lo que le contaron. Hacia geographical Descrip-
ciones historic urban elements y, de la administración of her political demography y sólo a través de investigación
y análisis. Nonetheless, sus informaciones son completísimas like them un journalist table that turns her gross
información en análisis, studio and interpretación to darle direction (NIETO, 2006, p.136).
381 discoveries in the sixteenth century, he who wrote the work Main expeditions, travel,
business, trade, and discoveries of the English nation. Still, the chronicles written by
Pero Vaz de Caminha on the large Portuguese expedition headed by
Pedro Alvarez Cabral in 1500 is undoubtedly one of the most important
documents on the discovery of Brazil.
The Letter of Pero Vaz de Caminha The King D. Manuel, also known as Letter
of the finding of Brazil, is the initial document the country’s history, written in Porto
Seguro, between April 26 and May 2, 1500 reporting on the land of Vera Cruz and
his first contacts with the Indians, who caused strangeness to their Catholic and
European design.
It is in the seventeenth century that the entire discovery process turns and
begins a new stage in adventurous exploration that will give more steps systematized
projects, organized by shipping companies, better funded companies, congregations,
among others. Exploration and colonization activities are gradually becoming
adventures that are carefully calculated and controlled by advice from stakeholders,
ie the states themselves, the Church, the bourgeois, businessmen, scholars, sailors,
among others (JANÉ, 2002, p.74).
At that time, they highlight a few names who visited the North American
continent, such as the English navigator Henry Hudtson, who traveled the seas of
the Arctic at the beginning of the century in search of a route to the northwest.
Also another traveler, explorer and adventurer, was Samuel de Champlain, founder
of Quebec and explorer of vast territories of Canada, contemporary it also stands out
John Smith, settler of Virginia.
The list could expand to other Pathfinders names in the nineteenth century
contributed their travel accounts, as the Portuguese Pedro Teixeira, who at the
beginning of the century traveled through Persia, the Philippines, visited Goa,
Hormuz and resorted to Euphrates. Years later sailed the Amazon River from the
east coast and arrived in Quito in 1638. His route followed another traveler, the
Spanish Jesuit Cristóbal de Acuña, who wrote in 1941 Nuevo descubrimiento del
gran del rio Amazonas.

Women travelers

It is observed that there is no role of women in travel accounts until the


nineteenth century. Women did not participate in expeditions with specific missions,
but had wives who accompanied their husbands naturalists, artists, and others. So
says the researcher Miriam Moreira Leite (1997), who wrote the work Books Travel
Travel Narratives

(1803-1900) (1997), where it publishes the research activities on the accounts of


women travelers who visited Brazil in the nineteenth century.
The book studies the texts of the milliners, who came “to make America”,
tourists, journalists, teachers, chaperones or scientists - from European countries or
the United States. The researcher is surprised to think that at that time these women
accept to go to Brazil. According to her, this time travel was still very difficult, the
382 boats were sailing and there was the myth that women in craft brought bad luck.
The author recalls that the first women who traveled had to disguise themselves
as men, but at the end of the nineteenth century, there was a change and may be cited
the case of journalist Marie Robinson Wright, who went to the country, sponsored by
the President of time and that, through his books, made propaganda Brazil.
It also highlights the naturalistic Teresa of Bavaria, cousin of D. Pedro II who
received it a great help, guiding Emilio Goeldi and D’Orvielle to assist it in their
research - from other women scientists who had more difficulties and had to work
with own resources.
Another highlight is the Austrian Ida Pfeiffer, who made a circumnavigation
trip, a widow. It was a stay-at-home and gave piano lessons. When her mother died,
she got many letters of recommendation that allowed its entry into many countries.
The researcher points out that as travelers were frowned upon for being merchants
or considered spies, these letters were critical. With few resources, the Austrian met
several countries and has written many books on the countries visited. Eventually
he accepted the Geographical Society of Paris and Berlin and had translated many
of his books.

Some say that women’s books were about “how” and “why”, while men
atinham to what. It is an exterior and interior of the facts. They seek more
interiority. But both wore diaries, correspondence and brief narratives, with
rare exceptions. My studies refer to women who lived in Brazil and to women
travelers, which make comparisons between the women found in the country
and their own feminine condition in the nineteenth century. (PALLONE, p.1,
2006).

The work of the researcher also contains articles concerning the scientific
work conditions of naturalists and the relationship between the iconography
of travelers and memory. The author assumes that the traveler in his foreign
national, and not part of the cultural group visited, was better able to understand
things, inconsistencies and contradictions of everyday life of the inhabitants, who
considered as natural and permanent.
Both this travel literature, as the iconography produced by scientists and
travelers artists helped to form the image of Brazil abroad and influenced the formation
of national identity.

The era of travel blogs


Travel Narratives

Over the years, how to disseminate the travel accounts was changing and the
way to narrate the trips was adapting to each style of the authors. The travel narrative
was professionalizing and integrating journalism, reporting facts of common interest,
providing relevant services to the community.
Travel publications, as well as integrate the print and audiovisual media, began
to invade the web. Some media keep putting the same content they publish in print
media adapted to web or mixed form. To Dreves (2004), the virtual world has greater
383 advantage the printed media, it presents greater variety of formats for readers as text,
images, video, audio and especially interactivity capacity.
Nevertheless, as well as communications media migrated to the internet also
begun emerge travel blogs that serve as guides also offering great contribution on the
reports and findings of its creators.
Notebooks newspapers, magazines, TV shows and blogs have taken space in
the media for this purpose. In this context it is that they are inserted journalists and
travel bloggers - the today’s great storytellers. To Mattoso (2003), blogs or weblogs
are considered one of the most important phenomena of digital culture, since, from
its inception, has reached millions of fans worldwide.
The author stresses that the popularity is due to the democratic content, because
anyone can have access to freedom of expression through this feature. The author
also considers the blog as a journalistic medium that is able to overcome the other
vehicles, which may occur by the speed and immediacy with which spreads the news
content, capturing a certain group of people with interests in a particular topic, such
as the travel journalism case.
Also according Mattoso (2003), there is a division between entertainment
blogs, blogs that would be used as personal diaries and information blogs containing
journalistic features. Some authors disagree that it can exercise journalism in blogs,
but according to the author is possible, as long as there is the placement of the current
events that bring novelty and address issues that arouse public interest.
It is observed that the most important factor in the blog materialize as journalism
is the veracity of the information and the provision of service, either as a travel
guide, complaints, political relevance, economic, social and many other services that
journalism produces .

Conclusion

By observing how the travel accounts were published throughout history, it


is clear that even before the journalism exist, it was already practiced by the great
explorers of history. It is a fact that the travel records contributed to scientific
knowledge, geographical and paved the way for major discoveries.
The great work of the Greek soldier and disciple of Socrates is essential to
reconstruct the history of both the travel narrative as the travel journalism, for the
first time a Greek author writes for the Greeks over another people, the Persians.
Also the way Marco Polo described his food, wine, women, battles, treasures
and many other aspects of the West, can be compared to what journalists and current
Travel Narratives

travel bloggers also report about their travel experiences .


The act of traveling and report the travel is so old and remains today, but a more
professional manner. What occurred were changes over time, either by the style of
the authors, by the advance of technology and the form of reception.
It is a fact that journalism is linked to the history and the travel accounts,
historiographical summaries made about the remarkable facts about the exploits of
384 kings, everyday life described by the antiquity of the narrators are a pre-journalistic
device (SOUSA, p. 17, 2008)
We can say that the travel bloggers, whether journalists or not, have traces of the
great explorers of old. Many have become reference on travel sites bringing relevant
information not only about entertainment and leisure but also historical data, social
commentary, political analyzes, reports, and other resources that journalism reports.

REFERENCES

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in Europe and the Americas, 1500-2000. SciELO-Editora UNESP, 2017.
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contemporary technological [Monograph]. Paraná Pato Branco School - 145
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Travel Narratives

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SOUSA, Jorge Pedro. A brief history of journalism in the West. Journalism:
History, theory and methodology of research. Port: Editions University Fernando
Pessoa, 2008, 12-93.
385 JORNALISMO DE VIAGEM: TÉCNICAS
JORNALÍSTICAS EMPREGADAS
EM EDITORIAS DE TURISMO

Marcela Cartolano1
Marco Bonito2

O início da trilha

Este texto busca desenvolver questões pertinentes às técnicas jornalísticas


utilizadas para a composição das narrativas de viagem dos portais de notícias
brasileiros. A pesquisa realizada é fruto do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC),
do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), e buscou
investigar como o chamado “jornalismo de viagem” apropria-se das técnicas de
reportagem nos conteúdos sobre turismo.
Delimita-se o trabalho a partir de três dimensões: a discussão do tema; a análise
de conteúdo e os portais jornalísticos analisados. Esses segmentos permitem alcançar
um parâmetro sobre as narrativas de viagem, visto que o objetivo geral consiste em
classificá-la através de questionamentos sobre as técnicas de produção e os objetivos
específicos procuram identificar o viés jornalístico dentro das editorias de viagem,
visando contribuir com a melhora na qualidade das produções através de reflexão
crítica sobre o conteúdo produzido. Sendo assim, inicialmente, a partir de observação
sistemática e pesquisa exploratória sobre o tema, foi possível compreender sobre
como os portais jornalísticos carecem de um olhar crítico quando as matérias são
relacionadas ao turismo. A proposta foi discutir o tema a partir desses pontos que
norteiam a construção da pesquisa e estabeleçam criticamente uma compreensão
sobre o que está sendo investigado.
Desse modo, visto que a pesquisa demanda a exploração de outros campos do
conhecimento, utilizou-se as lógicas da transmetodologia (MALDONADO, 2002)
como forma de procedimento metodológico, trazendo o diálogo e lógicas das áreas
das Ciências Sociais Aplicadas, Ciências Humanas, Ciências Econômicas e âmbito
Tecnológico, onde são feitas apropriações do Jornalismo, Turismo, História, Geografia,
Narrativas de Viagem

Cultura, Sociologia, Filosofia, Economia e Tecnologia. Ou seja, o objeto foi tratado


no âmbito tecnosocial, com o aproveitamento de outras áreas do conhecimento, que
permitem colaborar com olhares e ângulos distintos para a pesquisa acadêmica em
Comunicação Social.
1 Jornalista formada pela Universidade Federal do Pampa e pós graduanda em Mídia, Informação e Cultura pela
Universidade de São Paulo. E-mail: mmcartolano@gmail.com.
2 Prof. Marco Bonito: Doutor em Processos Comunicacionais pela Unisinos e Mestre em Cultura Midiática
pela UNIP, Professor do Curso de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Universidade Federal do Pampa
- Unipampa. E-mail: marcobonito@unipampa.edu.br. Repositório científico: www.marcobonito.academia.edu.
Redes sociais: @marcobonito.
386 Para colocar em prática essa proposta utilizou-se um formulário online para
a execução da coleta de dados. Este formulário, que era respondido pelos próprios
pesquisadores, era composto por critérios e categorias que permitiam identificar,
com a computação dos dados, os elementos jornalísticos de cinco portais brasileiros,
onde a indicação dos mesmos foi baseada na pesquisa exploratória e Pesquisa
Brasileira de Mídia.

Contextualizando o problema

O problema em uma pesquisa, segundo Bonin (2011), está relacionado com questões
orientadoras que funcionam como eixo ordenador de toda a estruturação de um projeto de
investigação. Sendo assim, o objeto de interesse dessa pesquisa foi o chamado “jornalismo
de viagem” e ao nos depararmos com suas idiossincrasias surge a seguinte questão
problema, norteadora dessa pesquisa: de que forma as técnicas de produção jornalísticas
são aplicadas nos portais que trabalham com conteúdos de viagem?
A contextualização faz parte do momento contemporâneo de uma pesquisa, ou
seja, ela ajuda a encontrar nexos no objeto estudado. Ainda para Bonin (2011, p. 27),
“o contexto é parte constitutiva da formulação do problema, ele define as relações do
objeto investigado com a realidade na qual está inserido”, em se tratando de jornalismo
de viagem, é importante ressaltar que a existência de relatos sobre turismo não é
um fenômeno recente, pois as narrativas estiveram relacionadas às descobertas de
territórios, novas populações, curiosidades e estranhamentos.
No Brasil, após o surgimento dos primeiros jornais, o espaço para as narrativas
de viagem se dava por meio da publicação de obras literárias e a escrita possuía mais
características da literatura do que especificamente do texto jornalístico (RODRIGUES,
2008). Como exemplo disso, há os livros que se destacam na categoria de turismo
como “A Volta ao Mundo em 80 dias”, “A Democracia na América”, “As Viagens de
Marco Polo” e “De Moto pela América do Sul”.
Todo viajante tem um potencial para ser narrador, deste modo, nota-se que
atualmente os relatos e as reportagens se expandiram, dos livros à internet, dando
espaço para novas publicações serem realizadas e em diferentes formatos, isso explica
o porquê muitas pessoas compartilham suas experiências em locais turísticos através
de blogs. Consequentemente, a necessidade do jornalismo em se adaptar e explorar
esse espaço gera uma oportunidade para os profissionais da área, “percebendo
o interesse do público pelos relatos de viagem, a mídia teve papel de destaque na
divulgação desta modalidade jornalístico-literária” (MARTINEZ, 2012, p. 44). Portanto,
Narrativas de Viagem

os jornalistas, além de possuir a capacitação profissional, também têm habilidades


para dar continuidade às narrativas dentro das editorias de turismo, mas com um
olhar crítico, diferenciando-se daqueles que não estão aptos para tal função.
Entende-se que a credibilidade do jornalismo depende de seus preceitos básicos
e técnicos para que não seja apenas um entretenimento. Então, há uma urgência dos
sites que tratam desse gênero em reestruturar a maneira de produzir as narrativas,
lembrando que o jornalista tem um papel fundamental na sociedade e deve produzir
as pautas de turismo a partir do desenvolvimento que ele traz.
387 O jornalismo e o turismo no início do século XXI, e suas inter-relações,
representam o desenvolvimento de duas poderosas estruturas do mundo
moderno. Enquanto o turismo solidifica-se como a terceira economia do
planeta que mais gera empregos (diretos e indiretos), o jornalismo apresenta-
se como o quarto poder. (RODRIGUES, 2008, p. 5)

O desenvolvimento cultural, econômico e social são abordagens que o


jornalismo deve trazer para essas editorias através da apuração jornalística. Mesmo
que essas narrativas tenham características mais livres, desde a sua forma de escrita
até na composição dos materiais, a importância da informação continua a mesma,
pois o leitor de viagem busca por conteúdos de serviço. Além disso, visto que em 2016
houve a chegada de 6,6 milhões de turistas no Brasil, como consta em informações do
Ministério do Turismo (MTur), percebe-se que a indústria de viagens está associada
diretamente a uma forma de obter lucro, gerar empregos e cultura.
Sendo assim, a informação passa a ser uma ferramenta determinante na vida
de milhares de turistas. Segundo Ignarra (2011, p. 19), “Para que esses movimentos
turísticos, nas suas mais variadas formas, possam acontecer, há a necessidade da
existência de alguns elementos. O principal deles é a destinação turística, ou seja,
o local procurado pelo turista” logo, o encargo do jornalista de indicar o local a ser
visitado demanda estudo prévio e pesquisas exploratórias sobre contexto sociocultural
e econômico, de modo que contemple as necessidades do seu leitor.
A objetividade e profundidade das pautas elaboradas fazem com que as sejam
diferenciadas, algumas das características que Pena (2017) considera é a luta para
transformar o significante fato em pautas relevantes e a obrigação do jornalismo
de trabalhar com a verdade. Desta maneira, se o conflito está nas produções dos
conteúdos de viagem nos portais jornalísticos, é indispensável identificar essas
características. E, se atualmente a internet proporciona o fácil acesso à divulgação
do material jornalístico, como a circulação de conteúdo em múltiplas plataformas e o
turismo contribui para o desenvolvimento do país, tendo um campo a ser explorado,
não faz sentido que essa editoria tenha seu material segregado e desqualificado.
Portanto, quando um conteúdo é pensado para a web, o jornalista tem a
oportunidade de aprofundar no tema, pensando na pauta que agregue elementos e
formatos multimídias como texto, fotos, vídeos, podcasts, infográficos, entre outros
que pudessem ser relacionados entre si, tornando-a mais concisa e atrativa ao leitor.
Para Mielniczuk (2000) “talvez uma alternativa de ferramenta que possibilitasse o uso
do link na narrativa jornalística seria aquela que contemplasse a fragmentação do
texto em células informativas já no momento da redação”, ou seja, esse link é o que
Narrativas de Viagem

relaciona e vincula um material ao outro, dando sentido à narrativa. Diferentemente


do que vem sendo encontrado nos conteúdos de viagem atualmente, em que, em
grande parte, são rasos e incompletos.
Visto que algumas editorias consideradas menos importantes começaram a
perder espaço nos meios de comunicação, a internet vem sendo uma ferramenta que
torna possível compensar essa segregação. Se turismo é uma área tão relevante na
sociedade, as editorias de viagem precisam começar a demonstrar isso através de um
viés mais utilitário nas matérias. Piza (2004) trouxe um aspecto interessante de se
388 analisar em relação a como a publicação dos gêneros jornalísticos precisa propor um
conjunto de olhares.
Consequentemente, se o turismo é parte fundamental da economia e a
indústria mercadológica está por trás do consumo que vai gerar mais lucro, os portais
jornalísticos só tendem a ganhar ao investir em produções especializadas em viagem,
porque contemplaria o leitor com a informação, a área cultural através do contato
com o novo, a economia com a movimentação de turistas e o aspecto histórico e social
com a visibilidade e conhecimento do local. Ou seja, essas áreas estão relacionadas e
o jornalismo é uma das únicas profissões que pode evidenciar como isso se estabelece
na prática.

A função do jornalismo e as narrativas de viagem

O jornalismo é uma profissão, por si só, movida pela característica em compartilhar


com a sociedade uma história, mas não pode esquecer o seu comprometimento e ética
ao levar uma informação à população. “Ao longo dos séculos, as pessoas têm desejado
ser informadas sobre o que as rodeia, usando o jornalismo (ou uma forma pré-
moderna do jornalismo) para se manterem em dia com os últimos acontecimentos”
(TRAQUINA, 2005, p. 20). Por esse motivo, a internet é uma peça fundamental para
que as pessoas consigam se manter informadas, visto que abriu portas para que as
editorias fossem mais exploradas, principalmente aquelas que envolvem cultura.
Apesar do veículo de comunicação estar em constante mudança, o jornalismo
busca se adaptar, inclusive para o meio digital, que facilitou a distribuição de conteúdos
e deu surgimento às novas possibilidades. Atualmente, a circulação constante de
conteúdos em múltiplas plataformas faz com que tenham alterações no modo de
produção das pautas, já que tudo tem de ser muito rápido e instantâneo para garantir
a recepção do leitor.
Mas, para cumprir esse papel na sociedade, não basta apenas informar, é
preciso interpretar, ter olhar crítico, produzir com profundidade e qualidade, para
que assim possa propor reflexão ao telespectador. Segundo Ballerini (2015, p. 18)
“Com a passagem para o século XX, o jornalismo cultural praticado no Ocidente
tornou-se menos opinativo, mais focado em reportagens e notícias, com uma clara
divisão de gêneros jornalísticos e enfoque maior no entretenimento e bens culturais”,
isto é, quando tratamos de turismo, podemos incluí-lo também como uma prática do
jornalismo cultural, lembrando que a cultura é o reflexo de uma cidade, sendo um
fator atrativo e essencial nos roteiros de viagens.
Narrativas de Viagem

Como visto o turismo e o jornalismo não são apenas dois campos distintos, mas
sim dois setores relevantes para o funcionamento atual da sociedade. O jornalismo,
ao trabalhar diretamente com a informação tem como tratar qualquer assunto, sendo
assim, quando se fala em narrativas de viagem ligadas diretamente ao turismo, há
um leque de possibilidades que permite que a comunicação, com um viés jornalístico,
possa abordar. Desde que essas narrativas explorem o contexto local, cultural,
econômico e social.
Há uma dificuldade em definir um conceito para o que é o jornalismo de viagem
389 e a necessidade de analisar em como estão sendo trabalhados os seus conteúdos. Mas
isso pode estar relacionado ao que diz Ballerini (2015) sobre o jornalismo cultural a
partir da virada do século XIX para o século XX, na questão da baixa qualidade de
produção, pois ao mesmo tempo em que se encontra em inúmeros sites conteúdos
voltados à viagem, não há um padrão sobre como as produções deveriam estar
sendo realizadas, fazendo com que faltem informações e o cunho jornalístico em si
desapareça dentro das narrativas.
Outra forma de entender o que acontece nas editorias especializadas, como
visto por Pena (2017), é considerar a falta de um preceito do jornalismo de resistência,
que está relacionado a fazer uma autocrítica do antes e depois da reportagem; isso
envolve questionar a interpretação dos fatos, estereótipos e limitações. Isto é, será
que se esse procedimento de autoavaliação crítica do profissionalismo fosse realizado
constantemente, as produções disponibilizadas nos sites jornalísticos não teriam
outros efeitos e resultados?
É notório que através do turismo surgem vários temas que precisam ser apurados
e aprofundados. Por isso, sabe-se muito do jornalista e do veículo de comunicação ao
acompanhar suas matérias, já que aspectos como a responsabilidade do serviço para
com o cidadão; a apropriação e organização das pautas; a utilização das técnicas de
reportagem; as pesquisas exploratórias contextuais; os dados informativos, fontes e
entrevistas fazem parte da elaboração de uma pauta.
Para melhor compreensão de como a função da comunicação pode ter efeito
nas produções das editorias de viagem, Nielsen (2002) explica que o papel da mídia para
um turismo estável, seguro e confiável são motivos que poderiam ser considerados a
partir de três pontos de vista: busca de bem estar econômico; segurança quanto aos
destinos; práticas seguras de turismo. Deve-se lembrar, novamente, que o jornalismo
consegue aderir vários assuntos para a composição de conteúdo, mas nestes casos
específicos, não deve ignorar pontos importantes do turismo, para que possam render
um material de qualidade.
Consequentemente, ao abordar sobre narrativas de viagens, deve-se esperar
que o leitor tenha uma presença constante como forma de feedback e a produção
dos conteúdos também esteja voltada para atender a solicitação do próprio público.
Afinal, o tema está ativo em diversas plataformas, sendo consumido por pessoas de
diferentes perfis. Portanto, ao lidar com informação, é preciso entender como ela está
chegando para o leitor.
Narrativas de Viagem

A relação que reside entre o Jornalismo e Turismo

Inicialmente, é determinante entender que a filosofia está por trás de qualquer


prática humana, pois ela causa uma reflexão sobre o homem e o mundo, já que
envolvem questões como a ética, o sentido da vida e a lógica de tais ações. “O que é
o turismo? Como se produz conhecimento na área do turismo? Quais são as bases
nas quais se fundamenta o conhecimento em turismo?” (NETTO, 2005, p. 28), são
questões que tornam evidente que esse âmbito necessita de uma definição, para que
depois possa ser relacionado em outras dimensões como a comunicação, história,
390 sociedade, economia, cultura, entre tantas possíveis de trabalhar com esse ramo.
Sabe-se que é viável explorar o campo turístico em diversos aspectos, mas
quando associado à comunicação, a sua importância para o desenvolvimento local
tem a chance de ser reconhecida. Castrogiovanni (2008) mantém o elo da geografia
com o espaço turístico e entende que sem a Comunicação, talvez seja impossível
compreendê-los e também mantém a concepção de como a comunicação é necessária
sobre a conscientização de uma cultura turística:

Os meios midiáticos procuram agendar uma cultura turística de consumo


para certos Lugares. Em outras palavras, tem havido a manipulação do
espaço geográfico, através de um discurso, que encaminha para a necessidade
de consumo de um Lugar, portanto é latente a discussão do que deve ser
entendido por cultura turística. (CASTROGIOVANNI, 2008, p. 03)

Isto é, se existe o agendamento cultural de locais turísticos com o intuito de


gerar o consumo, isso comprometeria o conteúdo disponibilizado para os leitores que
buscam por informação. Sendo assim, para introduzir o trabalho jornalístico nessa
área, recorre-se ao autor Silva e Conceição (2007), segundo o qual todo jornalismo é
uma atividade cultural em si. Portanto, o jornalismo de viagem, em sua prática, não
deixa de estar realizando um trabalho cultural. Mas, o jornalismo cultural, embora
seja um gênero específico, pode-se relacionar com este de viagens.
Para uma melhor compreensão do que foi proposto trabalhar, são feitas
apropriações de Piza (2004), que trata especificamente o jornalismo cultural
e entende que é uma prática que deve ser aquilo que reporta e que as pautas
culturais devem se preocupar em obter qualidade, sobretudo, na sua apuração e
crítica. Afinal, isso está acontecendo na prática ou permanece apenas na teoria?
Em relação às narrativas, há como influência Martinez (2012), que trabalha com
narrativas literárias e de viagem através das suas origens e junto à produção
jornalística contemporânea.

A moda de viajar segue em voga e para atender esse público ávido por
novidades as narrativas de viagem estão presentes em publicações semanais,
de interesse geral, revistas masculinas, femininas e para adolescentes, entre
outras, bem como em sites, como o UOL Viagens, além dos cadernos de
turismo de jornais de todo o país, como o Estado de S.Paulo e a Folha de
S.Paulo. (MARTINEZ, 2012, p. 46)
Narrativas de Viagem

Ou seja, as editorias especializadas em turismo já estão há tempos aderindo


públicos para consumir esse tipo de conteúdo. Para complementar e desenvolver
sobre o turismo, Avighi (1992) explica que após a industrialização, a comunicação
floresceu no terreno de transformações, inclusive as sociais e com isso, a comunicação
passou a organizar o setor turístico.
Portanto, o jornalismo de turismo é atualmente um dos gêneros que vem se
destacando, embora sua importância não seja de hoje. Vai além do interesse pessoal
e do lazer, funciona como uma ferramenta histórica e contemporânea, em que as
pessoas se baseiam para obter mais informações de áreas turísticas. A seguir, será
391 discutida a importância da utilização das técnicas do jornalismo quanto às produções
de conteúdos.

Pensando as técnicas de reportagem

Após estudar a associação existente entre o jornalismo e a área turística e entender


as suas teorias, deve-se destacar e problematizar sobre as técnicas de reportagem
que necessitam ser encontradas nas produções jornalísticas, onde abrange a pauta,
apuração, entrevista, entre outras. Floresta e Braslauskas (2009) compreendem que
no processo da construção de uma pauta, é necessário que os profissionais utilizem a
criatividade e que não se deve ir a campo com julgamentos prévios.
A pesquisa e as leituras sobre o tema abordado são vistas como pontos
importantes, além de darem ao repórter a possibilidade de propor novas abordagens.
Ainda, para Floresta e Braslauskas (2009) a reportagem se torna mais rica quando
o profissional consegue relatar, numa entrevista, a reação dos entrevistados, o
que enriquece a produção jornalística e o conteúdo final, principalmente se for
desenvolvido na esfera multimídia. Sendo assim, o processo de produção de uma
matéria exige diferentes fatos e vertentes. A princípio, a construção de uma pauta
deve passar por uma etapa prévia que envolve a equipe responsável pela editoria, a
apuração, o levantamento de dados e a checagem de informações.
Para compreender as técnicas é importante recorrer a Lage (2011), que discorre
sobre a teoria, técnica de entrevista e pesquisa jornalística que contribuem para o
aprofundamento das produções do jornalismo, auxiliando na construção de estudos
sobre o tema em profundidade, visto que a necessidade parte da problemática de como
são aplicadas essas técnicas dentro dos conteúdos de viagem dos portais analisados.
Deve-se lembrar também que as mesmas fazem parte da construção de uma
notícia, porque são elas quem dão as diretrizes de como colocar em prática e estabelecer
elementos relevantes dentro da pauta. Segundo Lage (2011, p. 18) a notícia teve sua
forma moderna a partir da valorização do aspecto mais importante de um evento
“No caso do texto publicado, essa informação principal deve ser a primeira, na forma
de lead - proposição completa, isto é, com as circunstâncias de tempo, lugar, modo,
causa, finalidade e instrumento”, isso quer dizer que na publicação de uma matéria,
esses passos precisam estar evidentes para que se tenha a transparência e a clareza do
que o jornal está propondo ao leitor.
Desse modo, justifica-se a relevância e a necessidade de analisar os produtos de
Narrativas de Viagem

jornalismo de viagem, para assim, identificar nas produções esses requisitos citados
pelos autores. Visto que nem todas as reportagens são realizadas por jornalistas, é
preciso ficar atento à construção de roteiros e às novas formas de relatos.
Para entender na prática como essas técnicas são empregadas, foi realizada uma
coleta de dados informativos sobre conteúdos turísticos, por meio de um formulário do
Google. A definição para esse procedimento foi a seleção de cinco portais jornalísticos
que trabalham com as editorias de turismo, que foram selecionados conforme um
questionário executado com base no ranking da Pesquisa Brasileira de Mídia (2016)
e na observação de sites que destacam-se pelo público, quais sejam: Catraca Livre
(54,2%), Viagem e Turismo (50%), UOL (41,7%), G1 (39,6%) e O Estadão (22,9%). A
392 coleta foi realizada com base nos seguintes critérios:
a) Técnicas de produção: Pesquisa exploratória; Uso de dados e/ou infografia;
Apuração: fontes oficiais, oficiosas, contraditórias e/ou independentes; Entrevistas
dentro do formato de texto, vídeo, áudio e/ou foto.
b) Técnicas de redação: Título jornalístico; Uso correto da norma culta da
Língua Portuguesa; Texto informativo; Objetividade; Clareza; Concisão; Adjetivos.
c) Tipo de conteúdo: Conteúdo de serviço público; Conteúdo de acontecimen-
to jornalístico; Conteúdo de informe publicitário; Conteúdo comercial; Conteúdo co-
laborativo; Conteúdo misto.
d) Estética do conteúdo Multimídia (de 1 a 5 - Ruim, Razoável, Boa, Mui-
to boa, Excelente): Foto; Vídeo; Áudio; Infográfico.
e) Pauta e abordagem jornalística: Perfil: Culinários; Históricos; Esporti-
vos; Naturais; Urbanos, Rurais; Acessíveis às PcD; Roteiros: Culturais; Culinários;
Históricos; Esportivos; Naturais; Urbanos, Rurais; Acessíveis às PcD; Contextuali-
zação: histórica, local, social, política, tecnológica, econômica, cultural, esportiva;
Curiosidades: Culinários; Históricos; Esportivos; Naturais; Urbanos, Rurais; Aces-
síveis às PcD.
Esses critérios são essenciais para proporcionar um parâmetro de como o
webjornalismo de viagem está sendo executado.

Resultado da coleta e análise descritiva

Dentro dos cinco portais analisados, foram coletados3 quinze materiais


jornalísticos, sendo três conteúdos de cada site, ou seja, as principais matérias que
estavam em destaques pelas editorias. A partir do que se observou das respostas,
compreende-se assim que em relação às Técnicas de Produção, 92,2% das matérias
continham a pesquisa exploratória, 85,7% o uso de dados, mas não utilizam de
infográficos, já apuração e entrevistas, 28,6%, em formato apenas textual, com fontes
oficiais e/ou independentes.
Sobre as Técnicas de Redação, afirma-se que 53,3% dos conteúdos possuem o
título jornalístico, 100% o uso correto da norma culta da Língua Portuguesa, 80%
trabalham com o texto informativo, tendo 53,3% de objetividade, 60% de clareza e
46,7% de concisão. Além disso, 53% matérias admitem adjetivos.
Quanto às narrativas, de quinze matérias (entre parênteses a quantidade
Narrativas de Viagem

computada), adquire-se a narrativa Jornalística (8), narrativa Literária (5), narrativa


Hipertextual (11), sendo matérias Conjuntivas (3) e Disjuntivas (8), lembrando que os
conteúdos podem obter esses critérios num mesmo texto.
Passando especificamente para o tipo de conteúdo, verifica-se que a maioria
é voltado ao serviço público com 86,7%, 53,3% contém informe publicitário e 20%
comercial, sendo 33,3% conteúdos mistos, ou seja, a mistura desses itens. Conclui-se
também, por meio do resultado (0%), que essas matérias analisadas não trataram de

3 Período da coleta de dados: novembro de 2018.


393 acontecimentos jornalísticos e nem conteúdo colaborativo.
No que se refere à estética do conteúdo multimídia, todas as matérias contam
com fotos, porém, a qualidade das imagens variam entre Razoável (2), Boa (4), Muito
boa (4) e Excelente (4)4. Importante ressaltar que entre as quinze matérias analisadas,
apenas uma continha vídeo, classificado como “Bom”, ou seja, não foi identificado
nenhum áudio e infográfico dentro do conteúdo.
O último tópico preenchido é sobre a Pauta e Abordagem jornalística, a primeira
etapa verificou em relação ao perfil, roteiro e curiosidades. Em “perfil”, os resultados são:
histórico (1), naturais (7), urbanos (5) e culturais (3), não sendo encontrado nenhum perfil
voltado à culinária (0), ruralidade (0) e acessibilidade (0). Já em “roteiros”, constatam-se
culinários (2), históricos (1), naturais (6), urbanos (5), culturais (7) e acessíveis às Pessoas
com Deficiência (3), excluindo novamente o âmbito rural. Na parte de “curiosidades”,
encontram-se os critérios de culinários (4), histórico (1), naturais (2), urbanos (2) e
culturais (3). Quanto à segunda etapa da abordagem, os resultados obtidos foram sobre
a contextualização dentro da matéria, sendo encontradas as categorias: histórica (2),
local (8), social (2), tecnológica (1), econômica (5) e cultural (1), permanecendo de fora
a contextualização esportiva (0).
A partir do que está visivelmente colocado por esses dados, percebe-se que os
sites jornalísticos não preencheram metade dos critérios do formulário, começando
pelas técnicas de produção cuja maioria se apropria da pesquisa exploratória e do
uso de dados (no sentido de números dentro do texto), mas não utiliza infográficos
como forma de transparecer as informações. Grande parte também carece de
apuração com o uso de fontes, que possibilitaria mais a inserção das entrevistas.
Há uma necessidade em explorar as entrevistas e/ou elementos do conteúdo além
do textual, fazendo o uso de áudios, vídeos e fotos. Assim como é preciso que esses
sites se atentem aos links disponibilizados dentro das narrativas, pois, em geral,
quando colocados em grande quantidade, corre o risco de ser apenas um informe
publicitário, desvalorizando o que o site tem a oferecer dentro de suas próprias
editoriais, já que esses portais buscam tratar de serviço público.
Em relação da estética multimídia, todas as matérias possuem fotos, poucas
com máxima qualidade e, quanto aos outros quesitos, deixam a desejar, tornando-
se medíocres nesse âmbito. Os conteúdos quando explorados de forma multimídia,
contribuem para complementação do produto, agregando uma melhor compreensão
do destino que está sendo tratado e ampliam as opções para os leitores.
O último critério, não menos importante, está relacionado à pauta e à
Narrativas de Viagem

abordagem jornalística dessas narrativas de viagem. Salientando que nesta


categoria, há diferentes opções úteis que deveriam estar nas matérias. Conforme
os resultados, compreende-se que as matérias trabalham com um viés semelhante,
embora contextualizam o local, faltam explorar aspectos históricos, culturais, sociais,
políticos, tal como existe a carência de curiosidades desses pontos. Constata-se que
essas matérias são voltadas para roteiros, porém, a partir desta perspectiva, falta a
adaptação dos elementos contidos dentro dos conteúdos, já que de quinze matérias
analisadas somente três continham acessibilidade para Pessoas com Deficiência,
4 Os números de 1 a 5 referem à qualidade do conteúdo estético visibilizados nos conteúdos.
394 sendo nítida a falta de inclusão dentro dos conteúdos. A seguir, as considerações
gerais do trabalho.

Considerações gerais e finais

Esta pesquisa procurou conhecer, abordar e investigar como as narrativas


de viagem são desenvolvidas pelo jornalismo, especificamente dentro dos sites
jornalísticos: revista Viagem e Turismo (Abril), G1, Universo Online (UOL), Estado
de São Paulo (Estadão) e Catraca Livre. A proposta de compreender os desfechos
relacionados à utilização das técnicas de reportagem ampliou-se, proporcionando
uma perspectiva crítica sobre o tema. Se o objetivo era classificar e analisar como
o jornalismo vem tratando as narrativas de viagem em relação às produções dos
conteúdos disponibilizados nos sites brasileiros, podemos afirmar, com base no que
foi analisado, que são desenvolvidas de maneira rasa e superficial. O que manifesta
a indagação não somente pela carência do viés jornalístico quanto às produções,
mas em como essas informações estão sendo repassadas aos leitores.
Sendo assim, a questão problema e norteadora da pesquisa: “De que forma
as técnicas de produção jornalísticas são aplicadas nos portais que trabalham com
conteúdos de viagem?”, permitiu uma concepção mais abrangente, indo além do
entendimento das técnicas, considerando uma reflexão do compromisso que o
jornalista tem para com a sociedade. Portanto, constata-se a existência desse gênero
jornalístico, porém, não é possível afirmar que o mesmo se desenvolve a partir da
utilização de todas as técnicas de produção e reportagem.
De acordo com a problemática apresentada e os procedimentos utilizados para
solucioná-la, percebemos que o formulário aplicado facilitou quanto ao alcance de
um parâmetro sobre como essas técnicas estão sendo aplicadas e quais exatamente
são mais usadas pelos sites. É verificável, por meio da análise, a utilização de pesquisa
exploratória, uso de dados e exposição de imagens na maioria dos conteúdos,
mas isso é pouco se comparado ao restante das técnicas demonstradas. Outro
fator importante é a falta de profundidade ocorrida dentro desses portais, sendo
possível tornar essas editorias mais interessantes se exploradas corretamente, pois
ofereceriam ao leitor matérias mais utilitárias.
É incontestável que as editorias de turismo precisam incluir o passo a passo
dentro de um roteiro e esclarecer o tipo de pauta, assim como obter informações
sobre a contextualização local, cultural, histórica, econômica, política, social,
entre outras tantas possíveis. Afinal, se a principal característica da profissão
Narrativas de Viagem

jornalística é trabalhar com a informação, isso não pode gerar dúvidas na


publicação de uma notícia/reportagem, caso contrário, não se enquadra na
funcionalidade de um jornalista, já que o comprometimento profissional está
em informar e retratar a realidade.
Então, consideramos que a editoria de turismo está sujeita a ser apontada com
menos importância diante as outras existentes nos sites jornalísticos, porque pode
ser vista como uma área voltada apenas ao lazer. Falta a compreensão da magnitude
que o âmbito turístico traz para o crescimento local, e os meios de comunicação
395 deveriam aproveitar desse fato para explorar novos tipos de conteúdos e eixos
informativos. Logo, como profissão que cumpre levar a informação ao cidadão, o
jornalista deve realizar um trabalho de qualidade com as narrativas de viagem.

REFERÊNCIAS

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comunicação no séc. XIX, São Paulo: Editora Turismo em Análise, 1992.
BALLERINI, Franthiesco. Jornalismo cultural no século 21: A história, as novas
plataformas, o ensino e as tendências na prática. São Paulo: Summus, 2015.
BONIN, J. Revisitando os bastidores da pesquisa: práticas metodológicas na
construção de um projeto de investigação. Metodologias de pesquisa em comunicação.
Porto Alegre: Editora Sulina, 2011.
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jornalismo: Roteiro para uma boa apuração. São Paulo: Saraiva, 2009.
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MIELNICZUK, Luciana. Interatividade e hipertextualidade no jornalismo
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NETTO, Alexandre Panosso. Filosofia do turismo: teoria e epistemologia. São Paulo:
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TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo: A tribo jornalística - uma comunidade
interpretativa transnacional. v/2. Florianópolis: Insular, 2005.
Narrativas de Viagem
397 TRAVEL JOURNALISM:
JOURNALISTIC TECHNIQUES EMPLOYED
IN TOURISM EDITORIALS

Marcela Cartolano1
Marco Bonito2

Trail start

This text intends to develop questions pertinent to the journalistic techniques used
for the composing of the trip narratives in Brazilian news portals. The present research
is a fruit of the Final Paper (TCC – Trabalho de Conclusão de Curso), of the course of
Journalism in Universidade Federal do Pampa (Unipampa), and seeks to investigate about
how the “Travel Journalism” appropriates from the report techniques in tourism contents.
The piece is conceived from three dimensions: the discussion about the subject
matter, the content analysis and the Journalistic portals analyzed. These segments allow
reaching a parameter about the travel narratives, given that the general objective consists
of classifying it through questionings about the production and the specific objectives
try to identify the journalistic bias inside the travel editors, aiming to contribute with
the improvement in the quality of the productions through critic reflection about
the content made. Therefore, initially, from systematic observation and exploratory
research about the subject-matter, it’s been possible to understand about how the
journalistic portals lack of a critical look when the subjects are related to tourism. The
proposal was to discuss the subject-matter from these points which guide the research
construction and critically establish a comprehension of what is being investigated.
Thus, since the research demands the exploration of other knowledge
fields, the logic of transmetology was used (MALDONADO, 2002) as a form
of methodological procedure, bringing the dialogue and logics from the areas
of Applied Social Sciences, Human Sciences, Economic Sciences and the
Technological scope, where appropriations of Journalism, Tourism, History,
Geography, Culture, Sociology, Philosophy, Economics and Technology are made.
In other words, the object has been treated in the techno social ambit, with the
exploitation of other knowledge areas, which allows collaboration - in different
angles and points of view – with the academic research in Social Communication.
Travel Narratives

To be put in practice this proposal used an online form for the execution of the
data gathering. This form, which was answered by the researchers themselves, was

1 Graduate degree in Journalism from Universidade Federal do Pampa and postgraduate in Media, Information
and culture from Universidade de São Paulo. E-mail: mmcartolano@gmail.com.
2 PhD. Marco Bonito: Doctorate degree in Communicational Processes from Unisinos and Master’s degree
in Media Culture in UNIP, Professor of the course of Journalism, Publicity and Propaganda in Universidade
Federal do Pampa - Unipampa. E-mail: marcobonito@unipampa.edu.br. Scientific Repository: www.marcobonito.
academia.edu. Social Network: @marcobonito.
398 composed by categories and criteria that allowed to identify, with the data computing,
the journalistic elements from five Brazilian portals, where their own indication was
based in the exploratory research and the Brazilian Media Research.

Contextualizing the problem

The problem with the research, according to Bonin (2011), is related to


orienteering questions that work as a computer axis for the whole structuring of the
investigation project. Thereby, the object of interest in this research was called “Travel
Journalism”, and when we come across with its idiosyncrasies, the following question
(that “northens” this research) arises: In which way the journalistic production
techniques are applied in the portals that work with travel content?
The contextualization is part of a contemporary moment in a research, that is, it
helps finding links on the studied object. Still for Bonini (2011, p. 27), “the context is
a constitutive part in the formulation of the problem, it defines the relations between
the investigated object and the reality in which it is inserted”, when it comes to travel
journalism, it’s important to emphasize that the existence of tourism narratives is not
a recent phenomenon, for the stories have been related to territory discoveries, new
populations, curiosities and strangeness.
In Brazil, after the emergence of the first newspapers, the space for the travel
narratives was given through the publication of literary works, and the writing had
more of the literature characteristics than the journalistic texts writing specifically
(RODRIGUES, 2008). As an example of this, there are the books which stand out in
the category of tourism such as “Around the world in Eighty Days”, “Democracy in
America”, “The Travels of Marco Polo” and “The Motorcycle Diaries”.
Every traveler has the potential to be a storyteller, that way, it’s noticed that
nowadays, the narratives and reports have expanded from the books to the internet,
giving space for new publications to be made in different formats; that explains why
so many people share their experiences in touristic places by blogs. Consequently,
the necessity for the journalism to adapt itself and explore this space creates an
opportunity to the professional in the area, “noticing the public interest for the
travel stories, the media had a prominent role in the propagation of this journalistic-
literary mode (MARTINEZ, 2012, p. 44). Therefore the journalists, besides having
the professional qualification, have also abilities to give continuity to the narratives
inside the tourism editors, but with a critical eye, differentiating themselves from
those who don’t fit that function.
It’s understood that the journalism credibility depends on its basic and technical
Travel Narratives

precepts so that it is not only an entertainment. For that reason, the sites that work
with this genre have an urgency to restructure the narratives production methods,
remembering that the journalist has a fundamental role in the society and must
produce the tourism guidelines from the development he/she brings.

The journalism and the tourism at the beginning of the XXI century, and their
interrelationships, represent the development of two powerful structures of
399 the modern world. While tourism solidifies as the third most job creator
economy of the planet (direct and indirect), journalism presents itself as the
fourth power (RODRIGUES, 2008, p. 5).

The cultural, economic and social developments are approaches that the
journalism should bring to these editors by investigative journalism. Even though
these narratives have more loosen features, from its written form to the composition
of the materials, the importance of the information stills the same, for the travel reader
searches for service contents. Furthermore, seeing that in 2016 there was an arrival
of 6,6 millions of tourists in Brazil, as stated in the Ministry of Tourism (Ministério
do Turismo / MTur), it is noticed that the travel industry is directly associated as way
to make a profit, generate jobs and culture.
Thus, information becomes a determining tool in the life of thousands of tourists.
According to Ignarra (2011, p. 19) “For these tourist movements (in their more varied
forms) to take place, there’s a need for the existence of a few elements. The main
one is the tourist destination, that is, the place searched by the tourist”, soon, the
responsibility of the journalist to indicate the place to be visited demands previous
study and exploratory research about the economic and sociocultural context, so that
it contemplates the reader’s need.
The objectivity and depth of the elaborated guidelines make them differ;
some of the characteristics that Pena (2017) considers is the struggle to transform
the significant fact in relevant guidelines and the journalism obligation of working
with the truth. That way, if the conflict is in the travel content production in the
journalistic portals, it’s indispensable to identify these characteristics. And, if
currently the internet provides the easy access to journalistic material dissemination
- like the circulation of content in multiple platforms – and the tourism contributes
to the country development, having a field to be explored, it makes no sense that
these editors have their material segregated or disqualified.
Therefore, when content is thought for the web, the journalist has the chance to
go deeper into the subject, thinking about a script that adds elements and multimedia
formats such as texts, photos, videos, podcasts and info graphics, amongst other that
may be correlated, making it more concise and attractive to the reader. To Mielniczuk
(2000) “perhaps an alternative tool that could enable the usage of the link in the
journalistic narrative would be the one that contemplated the fragmentation of the
text in informative cells already aat the moment of writing”, that is, this link is what
relates and binds one material to another, giving meaning to the narrative; differently
from what has been found in travel content currently, where they are, in big part,
shallow and incomplete.
Travel Narratives

Since some editors which are considered to be less important started losing
space in the media, the internet has been a tool that makes it possible to compensate
this segregation. If tourism is such a relevant area in society, the travel editors need
to start demonstrating that by a more practical bias in the articles. Piza (2004) brought
up an interesting aspect to be analyzed in relation to how the journalistic genres
publication needs to offer a set of looks.
400 Consequently, if the tourism is a fundamental part of the economy and the
marketing industry is behind the consumption that will generate more profit,
journalistic portals only tend to win by investing in specialized travel productions,
for it would contemplate the reader with the information, the culture through the
contact with the new, the economy with the tourists flow and the historical aspect
and social with the visibility of and familiarity with the place. In other words, these
areas are related and the journalism is one of the only professions that can show how
this is established in practice.

The function of the journalism and the travel narratives

Journalism is a profession that, by itself, is moved by the characteristic of


sharing a history with society, but mustn’t forget its commitment and ethic to take
the information to the population. “Over the centuries people have wished to be
informed about what surrounds them, using journalism (or any other pre modern form
of journalism) to keep themselves on schedule with the latest events” (TRAQUINA,
2005, p. 20). For that reason, the internet is a fundamental tool to keep people updated,
for it opened the doors so that the editors could be more explored, mainly the ones
related to culture.
Although the communication vehicle is constantly changing, journalism tries
to adapt, even into the digital media, which facilitated spreading of content and gave
rise to new possibilities. Currently, the constant circulation of contents in multiple
platforms causes changes in the way the guidelines are produced, since everything
must be very fast and instantaneous to ensure the lector’s reception.
But, to fulfill this role in society, it’s not enough to only inform, it is necessary
to interpret, to have a critical eye, to produce with depth and quality, so that it can offer
reflection to the viewer. According to Ballerini (2015, p. 18) “With the transition to the
XX century, the cultural journalism practiced in the West became less opinionated,
less focused in reports and News, with a clear division of journalistic genres and a
greater focus on entertainment and cultural goods”, that is, when we are dealing with
tourism, we may also include it with a practice of the cultural journalism, reminding
that the culture is the reflection of a city, being an attractive and essential factor in
the travel itineraries.
As it has been seen, tourism and journalism are not just two different fields,
but rather two sectors which are relevant for the society’s current functioning.
Journalism, by working directly with the information is able to deal with any subject,
thus when it comes to travel narratives directly linked to tourism, there’s a range of
Travel Narratives

possibilities that allows communication, in a journalistic bias, to approach; as long as


those narratives explore the local, cultural, economic and social contexts.
There’s a difficulty in defining a concept for what is travel journalism and the
need to analyze how its contents are being developed. But this may be related to what
Ballerini (2015) says about the cultural journalism from the turn of the XIX century to
the XX century, on the issue of poor quality of production, because at the same time
travel-related content is found in countless sites, there’s no pattern about how the
401 productions should be done, causing a lack of information, and making journalism
itself vanish among the narratives.
Another way to understand what happens inside the specialized editors,
as seen by Pena (2017), is about the lack of a resistance journalistic precept that is
related to making a self-criticism on the “before-and-after” the report, that involves
questioning the interpretation of the facts, stereotypes and limitations. That is,
wouldn’t the productions available in journalistic sites have other effects or results if
only this critic self-evaluation of professionalism was constantly performed?
It’s notorious that, through tourism, several topics arise that need to be
verified and developed. For that reason, a lot is known about the journalist and
the communication vehicle by following their material, since aspects like service
responsibility for the citizen; guidelines appropriation and organization; report
techniques employment; exploratory contextual research; informative data, sources
and interviews are part of a journalistic script elaboration.
For a better comprehension of how the communication function may affect
travel editors productions, Nielsen (2002) explains that the role of media for a stable,
safe and reliable tourism are reasons that could be considered from three distinct
points of view: pursuit of economic well-being; security about the destinations; safe
tourism practices. It should be remembered, again, that journalism is able to join
various subjects to the content composing, but in these specific cases, can’t ignore
important points of tourism, so it can render a quality material.
Consequently, by addressing to travel narratives, it should be expected that
the reader has a constant presence as a form of feedback, and the content production
to be focused on meeting its own viewers. After all, the subject is active on several
platforms, being consumed by people of different profiles. Therefore, when dealing
with information, it’s necessary to understand how it’s getting to the reader

Relationship between Journalism and Tourism

Initially, it’s crucial to understand that philosophy is behind any human practice,
because it causes a reflection about the man and the world, since they involve questions
like ethics, the meaning of life and the logic of such actions. “What is tourism? How is
knowledge produced in tourism? What are the bases on which knowledge in tourism
is based?” (NETTO, 2005, p. 28) Questions that make it clear that this scope needs a
definition, so that it can later be related in other dimensions such as communication,
history, society, economy, culture, among many others possible to work with.
It is known that it is viable to explore the tourist field in several aspects, but
Travel Narratives

when associated to communication its importance for local development has a chance
to be recognized. Castrogiovanni (2008) maintains the link of geography with the
tourist space and understands that without communication, it may be impossible to
understand them and also maintains the conception of how communication is needed
on the awareness of a tourism culture:
402 The media try to schedule a tourist culture of consumption for certain
places. In other words, there has been the manipulation of the geographical
space, through a discourse, which leads to the consumption need of a Place,
therefore is latent the discussion of what should be understood by tourism
culture. (CASTROGIOVANNI, 2008, p.3)

That is, if there is a cultural planning of tourist places with consumption


generating purposes, this would compromise the content made available to the readers
who seek for information. Therefore, to introduce the journalistic work in this area,
the author Silva e Conceição (2007) is used, where he describes that all journalism
is a cultural activity, so travel journalism, in its practice, is achieving a work that is
nothing but cultural. But cultural journalism, although it is a specific genre, can be
related to travel journalism.
For a better understanding of what has been proposed to work, appropriations are
made by Piza (2004) who deals specifically with cultural journalism and understands
that it is a practice where it should be what it reports and that cultural guidelines
should be concerned about obtaining quality, mostly in its investigation and criticism.
After all, is this happening in practice or remains only in theory? Regarding the
narratives, there is Martinez (2012), who works with literary and travel narratives
through their origins and together with contemporary journalistic production.

The fashion of traveling keeps is in vogue and to serve this public eagering for
novelties, travel narratives are present in weekly publications, general interest,
men’s magazines, women’s and teenagers, among others, as well as on sites
such as UOL Viagens, besides tour booklets of newspapers throughout the
country, such as the State of São Paulo and Folha de São Paulo. (MARTINEZ,
2012, page 46)

That is, the publishing companies specialized in tourism have long been joining
audiences to consume this kind of content. To complement and develop on tourism,
Avighi (1992) explains that after industrialization, communication bloomed on the
transformations terrain, including social ones, and with this, communication began
to organize the tourism sector.
Therefore, tourism journalism is currently one of the genres that has been
highlighting, although its importance is not from today. It goes beyond personal
interest and leisure, as a historical and contemporary tool, where people are based to
get more information about tourist areas. Next, it will be presented the importance of
the use of journalism techniques in content productions.
Travel Narratives

Thinking about the techniques of reporting

After studying the association between journalism and the tourist area and
understanding its theories, it is necessary to highlight and problematize the reporting
techniques that need to be found in journalistic productions, where it covers the agenda,
canvass, interview, amongst others. Floresta and Braslauskas (2009) understand that
in the process of building a schedule, it is necessary that professionals use creativity
403 and that one should not go to the field with previous judgments.
The research and readings on the topic are seen as important points, besides the
fact that the reporter can propose new approaches. Still, for Floresta and Braslauskas
(2009) the article becomes richer when the professional can report, in an interview,
the reaction of the interviewees, which enriches the journalistic production and the
final content, especially if developed in the multimedia sphere. Therefore, the process
of producing an article requires different facts and trends. At first, the construction of
an article must go through a previous stage which involves the team responsible for
the editing, checking, data collection and information checking.
In order to understand the techniques, it is also necessary to use Lage (2011)
which deals with the theory, technique of interview and journalistic research that
contribute to the deepening of journalism productions, helping to construct studies
on the subject in depth, since the necessity starts from the problem of how these
techniques are applied within the travel contents of the analyzed portals.
It should also be remembered that they are part of the construction of news,
because it is they who give the guidelines of how to put into practice and establish
relevant elements within the agenda. According to Lage (2011, p. 18) the news had
its modern form from the valuation of the most important aspect of an event “In
the case of published text, this main information should be the first, in the form of
a complete lead proposition, meaning, with the circumstances of time, place, mode,
cause, purpose and instrument”, that means that in the publication of an article,
these steps must be evident in order to have the transparency and clarity of what the
newspaper is proposing to the reader.
Thus, the relevance and the necessity of analyzing the products of travel
journalism are justified, in order to identify those requirements mentioned by the
authors in the productions. Since not all the reports are carried out by journalists, it is
necessary to be attentive to the construction of scripts and the new forms of reports.
In order to understand in practice how these techniques are employed,
an informative data collection about tourism contents was carried out, using a
Google form. The definition for this procedure was the selection of five journalistic
portals that work with the tourism publishers, which was acquired according to a
questionnaire executed based on the ranking of the Brazilian Media Research (2016)
and the observation of sites that stand out by the public, they are: Catraca Livre
(54.2%), Viagem e Turismo (50%), UOL (41.7%), G1 (39.6%) and O Estadão (22.9%). The
collection was performed based on the following criteria:

a) Production techniques: Exploratory research; Use of data and/or info


Travel Narratives

graphics; Assessment: official, unofficial, contradictory and/or independent sources;


Interviews within the format of text, video, audio and/or photo.
b) Writing techniques: Journalistic title; correct use of the cultured norm of the
Portuguese Language; Informative text; Objectivity; Clarity; Conciseness; Adjectives.
c) Content Type: Public Service; Journalistic Event; Advertising Report;
Commercial; Collaborative; Mixed.
404 d) Aesthetics of content Multimedia (from 1 to 5 – Bad, Reasonable, Good,
Very good and Excellent): Photo; Video; Audio; Info graphic.
e) Guideline and journalistic approach: Profile: Culinary; Historical; Sports;
Natural; Urban, Rural; Accessible to PwD; Routes: Cultural; Culinary; Historical;
Sports; Natural; Urban, Rural; Accessible to PwD; Contextualization: historical, local,
social, political, technological, economic, cultural, sports; Curiosities: Culinary;
Historical; Sports; Natural; Urban, Rural; Accessible to PwD.
These criteria are essential to provide a parameter of how travel web journalism
is being executed.

Result of collection and descriptive analysis

Within the five analyzed portals, 15 journalistic materials were collected³, being
three contents of each site, being the main subjects that were highlighted by the
publishing houses. Based on what was observed in the responses, 92.2% of the subjects
contained exploratory research, 85.7% the use of data, but didn’t use info graphics;
interviewing, 28.6%, in a textual format only, with official and/or independent sources.
About the Writing Techniques, it is stated that 53.3% of the contents have the
journalistic title, 100% correct use of the cultured norm of the Portuguese Language,
80% work with the informative text, having 53.3% of objectivity, 60 % clarity and
46.7% conciseness. In addition, 53% 3 articles admit adjectives.
As for the narratives, from 15 articles (in brackets the computed quantity),
present Journalistic narrative (8), Literary narrative (5), Hyper textual narrative (11),
being Conjunctive (3) and Disjunctive (8), remembering that the contents may have
those criteria in the same text.
Turning specifically to the type of content, it is verified that the majority is
aimed at the public service with 86.7%, 53.3% contain advertising report and 20%
commercial, being 33.3% mixed contents, that is, the mix of these items. It was also
concluded, through the result (0%), that these analyzed materials did not deal with
journalistic events or collaborative content.
Regarding the aesthetics of multimedia content, all materials have photos,
however, the quality of the images vary between Reasonable (2), Good (4), Very Good
(4) and Excellent (4)3. It is important to note that among the fifteen articles analyzed,
only one contained video, classified as “Good”, that is, no audio or info graphic were
identified within the content.
The last topic filled out is about the Guideline and Journalistic Approach, the
first step verified in relation to the profile, script and curiosities. In “profile”, the results
Travel Narratives

are: historical (1), natural (7), urban (5) and cultural (3); no profile was found aimed at
culinary (0), rurality (0) and accessibility (0). In “scripts”, we find culinary (2), historical
(1), natural (6), urban (5), cultural (7) and accessible to People with Disabilities (3),
again excluding the rural scope. In the part of “curiosities”, the criteria of culinary (4),
historical (1), natural (2), urban (2) and cultural (3) are met. As for the second stage

3 The numbers 1 to 5 refer to the quality of the aesthetic content visible in the contents.
405 of the approach, the results obtained were about the contextualization within the
subject, being found the historical categories (2), local (8), social (2), technological (1),
economic (5) and cultural ), leaving out the sports contextualization (0).
From what is visibly shown by these data, it is noticed that journalistic sites
did not meet half the criteria of the form, beginning with the production techniques,
where the majority appropriates the exploratory research and the use of data (in the
sense of numbers within the text), but does not use info graphics as a way to convey
the information. Much of it also lacks the use of sources, which would allow for the
insertion of interviews. There is a need to explore the interviews and/or elements of
the content beyond the textual, making use of audios, videos and photos. Just as it is
necessary that these sites take care of the links made available within the narratives,
because in general, when put in large quantity, it risks being only an advertising
report, devaluing what the site has to offer within its own editorials , since these
portals seek to treat public service.
In relation to the multimedia aesthetics, all the materials have photos, few with
the highest quality and, as for the other questions they leave much to be desired,
becoming mediocre in this scope. Content, when exploited in a multimedia way,
contributes to product completeness, adding a better understanding of the destination
being treated and broadening the options for the readers.
The last criterion, not less important, is related to the agenda and the journalistic
approach of these travel narratives. Stressing that in this category, there are different
useful options that should be in the materials. According to the results, it is understood
that the materials work with a similar bias, although they contextualize the place,
they lack to explore historical, cultural, social, and political aspects, and there is the
lack of curiosity of these points as well. It is noticed that these subjects are oriented
to scripts, however, from this perspective, the elements contained within the content
are lacking, since of fifteen subjects analyzed only three contained accessibility for
People with Disabilities, being clear the lack of inclusion within the contents. The
following are the general considerations of the work.

General and final considerations

This research sought to know, address and investigate how travel narratives are
developed by journalism, specifically within the journalistic sites: the Viagem e Turismo
magazine (Abril), G1, Universo Online (UOL), Estado de São Paulo (Estadão) and
Catraca Livre. The proposal to understand the outcomes related to the use of reporting
techniques has expanded, providing a critical perspective on the subject. If the objective
Travel Narratives

was to classify and analyze how journalism has been treating the travel narratives in
relation to the productions of the contents made available in the Brazilian sites, we
can state, based on what has been analyzed, that they are developed in a shallow and
superficial way; what manifests the inquiry not only for the lack of journalistic bias in
the productions, but on how this information is being passed to the reader.
Thus, the problem and guiding question of the research: “In what way journalistic
techniques of production are applied in the portals that work with travel contents?”
406 allowed a more comprehensive conception, going beyond the understanding of the
techniques, but to a reflection of the commitment the journalist has to the society.
Therefore, the existence of this type of journalism is verified; however, it is not
possible to affirm that the same one develops from the use of all the techniques of
production and reportage.
According to the problem presented and the procedures used to solve it, we
noticed that the applied form facilitated to reach a parameter of how these techniques
are being applied and which exactly are the most used by the sites. Through the
analysis, the use of exploratory research, data use and image exposure in most of
the contents is verifiable, but this is little compared to the rest of the techniques
demonstrated. Another important factor is the lack of depth in these portals, and it
is possible to make these editorials more interesting if properly explored, since they
would offer the reader more useful subjects.
It is undeniable that tourism publishers need to include the “step by step”
within a roadmap and clarify the type of agenda, as well as to obtain information
about local, cultural, historical, economic, political, and social contexts. After all, if
the main characteristic of the journalistic profession is to work with the information,
this cannot generate doubts in the publication of a news/report, otherwise, it does
not fit the functionality of a journalist, since the professional commitment is in
informing and portraying the reality.
Therefore, we consider that the tourism editor is subject to be pointed out less
important than the others in the journalistic sites, because it can be seen only as a leisure
area. There is a lack of understanding of the magnitude that tourism brings to local
growth, and the media should take advantage of it to explore new types of information
content and axes. Therefore, as a profession that must carry the information to the
citizen, the journalist must perform a quality work with the travel narratives.

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Travel Narratives
408 NARRATIVA DE VIAGEM COMO
CONSTRUÇÃO E GERENCIAMENTO DO SELF

Lian Tai1

“Não é necessariamente em casa o melhor lugar para encontrar nosso


verdadeiro eu. A mobília insiste em que não podemos mudar porque ela não
muda; o cenário doméstico mantém-nos atrelados à pessoa que somos na vida
comum, mas que pode não ser quem somos na essência.” (Alain de Botton,
2000, p.68).

O trecho acima, do livro “A arte de viajar”, de Alain de Botton, é um


exemplo de como a viagem tem sido considerada um meio de acesso a um suposto
“verdadeiro eu”. Apesar de essa concepção não ser nova, a maneira como tal acesso
é interpretado varia ao longo da historia, na medida em que a própria concepção
do que é o “verdadeiro eu” também se modifica: a maneira como a subjetividade
humana é tratada e, portanto, o que é considerado sua “essência” ou “natureza” tem
se transformado ao longo dos séculos.
Partindo do pressuposto de que as narrativas de viagem podem nos ajudar
a dar contornos da subjetividade de sua época, podemos pensar de que forma a
subjetividade contemporânea se mostra através dos relatos de viagem que são
produzidos atualmente. A fim de aprofundar essa investigação, em 2016 defendi a
tese de doutoramento intitulada “Viajantes alternativos e internet: construção,
gerenciamento e empreendimento da subjetividade”, sob orientação do prof. Dr.
Bruno Campanella. Tal pesquisa girou em torno das seguintes questões: Como o
viajante contemporâneo constrói sua identidade a partir das viagens? Qual o papel
das tecnologias digitais nesse processo? Como essas tecnologias transformaram os
modos de viajar? O que essa forma de viajar e de narrar as viagens pode revelar sobre
a subjetividade contemporânea?
Partirei aqui, pois, dos resultados obtidos em minha pesquisa de doutorado para
desenvolver reflexões acerca das narrativas de viagem como forma de construção
e gerenciamento do self. Concentro-me nas narrativas expostas na internet,
especialmente em blogs e redes sociais, por considerar que a conexão em rede é
paradigmática da contemporaneidade, como será desenvolvido a seguir.
Narrativas de Viagem

Viajantes alternativos e internet: apresentação da pesquisa

Para investigarmos o processo de construção e negociação identitárias nas


narrativas de viagem na internet, escolhemos pesquisar um grupo específico de
viajantes: aqueles que se denominam viajantes alternativos ou mochileiros. Apesar
da amplitude e da heterogeneidade desse grupo, uma das características centrais que
unifica esse tipo de viajante é o fato de eles se oporem ao “turista”. No presente trabalho
1 Doutora em Comunicação Social pela Universidade Federal Fluminense.
409 consideramos as noções de “viajante” e “turista” como categorias discursivas, reforçadas
pelos próprios sujeitos da pesquisa, de forma não naturalizada. Porém tal dualidade
aparece constantemente ao longo do trabalho, já que é muito presente nas narrativas dos
sujeitos. A pesquisa consistiu em dois momentos diferentes, que se complementaram:
1) No primeiro momento, utilizei o Mochileiros.com, site popular entre os
viajantes no Brasil, como lócus de pesquisa. Trata-se de uma plataforma em que
viajantes interagem para trocar informações sobre viagem. O conteúdo do site é
alimentado principalmente pelos usuários, que postam roteiros e relatos. Quando
escolhi o site, minha estratégia para conseguir informantes consistiu em acessar
cada relato e deixar mensagens padronizadas como comentário, o que acabou por
se mostrar uma abordagem deficiente. Passei então a publicar relatos sobre minhas
próprias viagens e, no final, explicava minha pesquisa e requisitava voluntários. A
partir daí, passei a receber comentários, e-mails e solicitações de amizade nas redes
sociais, de viajantes que se ofereciam como informantes, bem como pessoas que me
escreviam para pedir dicas e tirar dúvidas sobre destinos turísticos e acabavam por
se oferecer, também, como informantes. Em ambos os casos, havia a expectativa de
reciprocidade, fosse pela troca de informações ou pelo estabelecimento de relações de
amizade, o que me deu uma compreensão inicial sobre a lógica de funcionamento das
comunidades na internet. A partir dos informantes a quem cheguei pelo Mochileiros.
com, também ampliei o grupo para outros viajantes indicados pelos primeiros, com
quem estes fizeram a ponte.
2) No início de 2015, tive oportunidade de realizar um doutorado-sanduíche de
três meses e resolvi completar a pesquisa em Varanasi, cidade de aproximadamente três
milhões de habitantes, localizada no nordeste da Índia. A opção por Varanasi se deu
tanto por motivação pessoal, já que conhecera a cidade anos antes e me encantara por
ela, quanto por se tratar de um local bastante frequentado por viajantes alternativos,
que se encaixavam no perfil de informantes da pesquisa. Varanasi é considerada a
cidade mais sagrada do Hinduísmo e também a cidade mais antiga do mundo. Ela
aparenta ter sido pouquíssimo afetada pela modernidade, e a impressão que se tem ao
visitá-la é de uma viagem na máquina do tempo.
Em Varanasi, a pesquisa teve apoio do Centro de Exclusão Social e Políticas
Inclusivas, da Faculdade de Ciências Sociais, na Banaras Hindu University, tendo
o prof. Dr. Ashok Kaul como coorientador. Inicialmente abordei alguns viajantes
e realizei entrevistas gravadas. Porém, à medida que a pesquisa avançava, parei de
gravá-las e passei a fazer anotações diárias sobre minhas observações e as falas dos
informantes. Optei por interromper as gravações, em primeiro lugar, porque elas
Narrativas de Viagem

ficavam com muito ruído, já que todos os lugares eram barulhentos, além de que
as melhores conversas surgiam nos momentos informais pós-entrevista. Como eu
estava o tempo inteiro cercada de viajantes, o trabalho de observação participante
era constante e eu apenas fazia anotações, além de acompanhar os informantes
paralelamente nas redes sociais.
Em ambos os momentos da pesquisa buscamos analisar os discursos sobre
viagens e os usos da internet, embora o segundo tenha possibilitado de fato observar
as práticas dos viajantes em suas jornadas.
410 Turista ou viajante: uma questão de autenticidade

Embora a dicotomia “turista x viajante” seja atualmente questionada por alguns


antropólogos e cientistas sociais, ela ainda é muito presente nos discursos e narrativas
de viagem, de forma que muitos dos praticantes do turismo preferem denominar-se
“viajantes”. Nesse imaginário, o turismo pressuporia um roteiro programado e óbvio,
com visitas aos tradicionais pontos turísticos, um mercado que se forma através desse
tipo de viagem e experiências que são consideradas superficiais. O turista é tido,
portanto, como raso e hedonista, sendo também um predador, que destrói as culturas
locais, à medida que as transforma em mercadorias. Já o viajante é defendido como
aquele que faz viagens imersivas, visando a estabelecer um real contato com o outro,
deixando-se transformar por ele, através de relações não mediadas pelo consumo
excessivo e de forma menos agressiva ou predatória.
Vilhelmina Vainikka (2013) critica esse tipo de discurso como determinístico, já
que ele parte do princípio de que o turismo é estático e homogêneo por natureza. Ela
aponta que tais representações determinísticas sugerem que não há graus de liberdade
dentro do turismo massivo. Vainikka defende que não há rupturas essenciais entre
esta forma de viajar e aquelas surgidas a partir da década de 1980, como o “mochilão”
e o “ecoturismo”, já que mesmo essas formas alternativas costumam incluir o
consumo de produtos em comum, como serviços das grandes companhias aéreas
e veículos produzidos em larga escala. Ao mesmo tempo, o turismo se estratifica e
passa a oferecer serviços mais personalizados. Finalmente, Vainikka defende que não
pode haver um grupo padronizado de turistas, pois cada um deles tem expectativas e
percepções diferentes.
A autenticidade tem sido uma noção central nos estudos relacionados a turismo,
especialmente a partir de Dean MacCannell (1999), segundo o qual a busca por
autenticidade no turismo seria uma forma de resistência à alienação do homem moderno.
Em nossa pesquisa, constatamos a noção de autenticidade bastante presente
nas narrativas de viagem, como valor a ser atingido. A autenticidade, no caso, diz
respeito a maneiras de se viajar, como destinos pouco conhecidos ou inóspitos ou
tempo de viagem esgarçado. Enquanto as viagens de fim de semana, feriado e férias
são consideradas atividades turísticas, uma viagem autêntica, segundo os discursos
dos viajantes informantes, pressupõe tempo, se possível ilimitado. O imaginário do
“viajar sem destino” também pressupõe o imaginário do “viajar sem tempo certo”. As
ideias de imprecisão, surpresa e falta de planejamento são consideradas qualidades
para o viajante, já que ele seria aquele que segue seu coração, que ouve sua voz
Narrativas de Viagem

interna. Essa ideia de autenticidade, ligada ao pensamento romântico, repudia as regras


impostas socialmente, de forma que os planejamentos e calendários são considerados
opressores à voz interna.
A aversão à velocidade nas experiências de viagem vai ao encontro da noção de
experiência que encontramos em Walter Benjamin, segundo o qual a modernidade,
com sua aceleração do tempo passa a impossibilitar a experiência e, por conseguinte,
a narração. A experiência, para Benjamin, está ligada à atribuição de sentido, que
passa por uma projeção no tempo e depende também da fixação da memória. Jorge
411 Larossa Bondía (2002), na trilha de Benjamin (2012), aponta que a modernidade e a
educação moderna nos impedem a experiência, que ele define como aquilo que nos
atravessa verdadeiramente, não apenas aquilo que estimula nossas sensações.
Ao analisarmos as narrativas e os discursos dos sujeitos da pesquisa, vemos
a noção de autenticidade como centro principal nos processos de construção do
self e também norteando as disputas de identidade sobre ser turista ou viajante.
Compreendemos tais disputas como tentativas de afirmação da autenticidade como
um valor, de forma que o que diferenciaria o viajante do turista seria um tipo de
viagem tido como mais autêntico.
A autenticidade como ideal tem suas origens com o processo de transição
do sistema feudal para a modernidade, como resultado da decadência das relações
feudais na sociedade europeia. Ela surge a partir da valorização da sinceridade,
em um ambiente dessacralizado e imprevisível. De acordo com Charles Lindholm
(2008), a transição da sinceridade para a autenticidade como valor deu-se com forte
influência da burguesia protestante, segundo a qual cada pessoa era responsável pela
própria salvação. O que diferenciava esse tipo de salvação do modo católico era que as
atitudes por si não bastavam: era preciso escrutinizar a própria alma, para descobrir
se as intenções eram moralmente corretas. Essa autoanálise sugeria, entretanto,
algumas dificuldades. A primeira trata-se da ambiguidade da representação: era
possível saber se aquela sinceridade não se tratava, verdadeiramente, de auto-
engano ou orgulho? A segunda diz respeito às demandas de ordem social: seria
mais importante seguir as intuições da própria alma sobre o certo e o errado ou se
conformar às regras sociais?
No processo de valorização da autenticidade como é entendida, Descartes teve um
papel importante, ao sistematizar uma diferença fundamental entre uma interioridade e
uma exterioridade, localizando na primeira um caminho para o conhecimento. Charles
Taylor (1997) chama atenção para o fato de que a autenticidade funda-se sobre formas
anteriores de individualismo, entre eles o individualismo da racionalidade, da qual
Descartes é pioneiro, mas também o individualismo político lockiano, segundo o qual o
desejo de uma pessoa deveria estar acima das obrigações sociais.
A noção de autenticidade surge inseparável dos questionamentos morais,
opondo-se a uma visão instrumentalista da moralidade. A ética da autenticidade
passa a entender as decisões morais como ancorada em nossa “verdade interior”. No
cerne dessa ética, residem as concepções próprias do Romantismo, tendo Rousseau
(2001) como um de seus mais importantes representantes. Esse ideal romântico do
Narrativas de Viagem

século XVIII expressa um ideário de retorno à natureza muito diferente daquele que
se tinha até então. A natureza passa a ter seu valor não em virtude da simplicidade ou
rusticidade, mas pelo que ela desperta em nós.
Essa virada expressivista tem papel fundamental no ideário romântico e,
consequentemente, na noção de autenticidade que nos chega hoje e se mostrará
presente de forma importante nos relatos dos viajantes. É preciso que a voz interior se
torne manifesta. Porém isso não implica que algo já elaborado ou pronto seja exposto,
mas a própria manifestação contém em si o processo de significação. Damos forma
e criamos ao mesmo tempo, e essa realização me permite comungar com o impulso
412 interior, ou a voz da natureza em mim. Aqui se realiza a ideia de que cada indivíduo é
único e original, e é essa originalidade que vai guiar nosso modo de vida.
Devemos viver, portanto, de acordo com esse impulso interior que nos é único
e, a partir dele, trilhar um caminho original. É nessa originalidade que reside a
autenticidade. Com a diluição dos papeis sociais definidos por hierarquia, próprios
das sociedades pré-modernas, o reconhecimento passa a ser pautado pela descoberta
de jeitos originais de ser. E assim a autenticidade passa a ter valor central para a
construção do self nas sociedades individualistas.
Há, entretanto, uma relação íntima entre a ética romântica e o espírito do
consumismo moderno. Este, classificado como hedonismo autoilusivo (Campbell,
2001), resulta em uma peculiar insatisfação com a vida real e um incessante consumo
de novidade, que se acha no cerne de muitas condutas típicas da vida moderna e
reforça as bases de instituições fundamentais como a moda e o amor romântico.
Portanto o movimento romântico, a noção de autenticidade e o consumismo moderno
apresentam relação íntima e inevitável entre si, chegando ao ponto em que a realização
da autenticidade deve passar pelo consumo para se concretizar.
Essa busca por autenticidade através do consumo será de importância
fundamental ao tratarmos do turismo e especialmente do viajante contemporâneo.
A princípio, pode parecer que não há relação forte entre o consumo e o viajante, já
que este se mostra, em seus discursos, avesso ao consumismo exarcebado. Porém,
quando analisamos cuidadosamente, vemos que a realização da autenticidade se dá
pelas formas de consumo, que adquirem características específicas.
Uma das opções de consumo muito presentes entre os viajantes e que ilustra
bem como a autenticidade é ligada ao consumo é a opção entre mala ou mochila. Esta
pode ser mais útil em caso de trilhas ou percursos off-road, embora em contextos
urbanos as malas possam ser até mais práticas. Porém o contexto simbólico em que
malas e mochilas estão inseridas acaba por ter um peso considerável. Enquanto
malas remetem a viagens turísticas, as mochilas remetem a viagens alternativas,
desprendidas, como podemos ver em relato de um dos informantes sobre uma viagem
a trabalho:

Normalmente eu viajo de mochilão, mas, como era a trabalho, tive que levar
mala, o que já me deixou de mau humor. E eu tinha que ficar acompanhando
uns caras engravatados, tudo muito careta. Foi a pior viagem que eu já fiz, não
tinha nada a ver comigo.
Narrativas de Viagem

Neste relato, encontramos os termos “mala” e “homens engravatados” mantendo


relação entre si e sustentando a imagem de “caretice”. Em contraposição a essa imagem,
o viajante afirma preferir viajar de mochila, revelando uma predileção por viagens
consideradas mais livres e autênticas. Este é um claro exemplo de como o simbolismo
dos produtos de consumo é ligado à ideia de autenticidade e de como tais escolhas
não necessariamente se conectam com a prática de viagem, mas com a imaginação
no que diz respeito à busca por prazer. Essas são predileções que caracterizariam
idiossincrasias internas, ou seja, a interioridade subjetiva, mas que, para se realizar,
tem que ser tornada visível, neste caso através do produto de consumo mochila, que
413 conota viagens mais autênticas do que malas.
Quando diz respeito à alimentação, a escolha que parece mais autêntica pode ir
do prato típico, com tradição e ingredientes locais, até uma alimentação baseada em
produtos processados, desde que eles sejam o mais barato possível. Neste ponto, as
duas vertentes são bem presentes, como vemos nos relatos de dois viajantes a seguir:

Eu fiquei na casa de uma família na Bolívia, no Lago Titicaca. Eu não queria


ficar hospedada nesses lugares comuns, então eu fiquei uns dias em um lugar
pouco conhecido, na casa deles. Então eu comia a comida de lá todos os dias.
A refeição era apenas várias espécies de batata cozida, sem nem sal.
As pessoas pensam que você precisa ter muito dinheiro pra viajar, mas elas
estão enganadas. É que elas têm um padrão de viagem bem diferente das
que eu faço. Se você for viajar confortavelmente, ficar em hotel, comer em
restaurante caro, realmente fica caro. Mas eu faço o esquema mais pobre
possível. Passo dias comendo miojo, mas guardo dinheiro pra fazer outras
coisas.

Já em relação a câmeras e aparelhos de registro, a lógica parece ser a contrária.


Quanto maiores e mais profissionais as câmeras, mais ligadas a um tipo de viagem
autêntica, sendo usualmente melhor se fotografar com uma câmera do que com um
aparelho multiuso, como tablet ou celular. Isso porque as câmeras são vistas como
possíveis instrumentos de arte, enquanto os tablets e celulares são vistos como
ferramentas de exibição e autopromoção e, portanto, os registros feitos por esses
aparelhos teriam a única finalidade de serem exibidos em redes sociais, sem um
propósito mais “nobre”.
Na pesquisa realizada em Varanasi, encontramos como exceção da valorização
da câmera em detrimento dos celulares os relatos que citavam os japoneses. Como há
um turismo muito forte de japoneses na Índia, havia também uma clara diferenciação
entre eles, que eram vistos como turistas, e os ocidentais, que se consideravam
viajantes. Várias menções foram feitas aos japoneses:

Onde você está, está cheio de japoneses com câmeras enormes tirando fotos.
Eles nem olham nada, só fotografam e vão embora.
Os japoneses são muito rígidos, eles não sabem aproveitar a viagem. Eles
só vão onde o guia manda e não fazem nada fora da programação. A única
preocupação deles é fotografar. Você vê que os japoneses e os próprios
indianos são os que mais fazem selfies.
Quando você vai ao Louvre, você nem consegue ver a Mona Lisa. É um quadro
pequenininho lá atrás e um monte de japoneses tirando fotos na sua frente,
com câmeras de última geração. Eles nem apreciam o quadro.
Narrativas de Viagem

Pelos relatos, percebemos que não apenas o que se consome tem valor simbólico
fundamental para definir o tipo de viagem e um suposto nível de autenticidade dela,
como também quem e como se consome. Há uma diferenciação que distingue grupos
sociais e também países centrais de emergentes, ou países ocidentais de orientais.
É essencial percebermos que a noção de “quem sabe se comportar” ou “quem sabe
a forma certa de se consumir” parte de uma noção ligada a grupos sociais e exclui
grupos periféricos. O “ser viajante autêntico” cabe a alguns que sabem se comportar de
414 determinada maneira e parte de lugares e classes sociais específicas. Aos periféricos,
cabe a autenticidade local, como o nativo ou exótico, mas não no lugar do viajante.
Como destino de viagem, os lugares não-centrais (central, aqui, definido como
moderno ocidental) são considerados os mais autênticos, de acordo com os relatos dos
viajantes. Exemplificamos com o relato de um jovem europeu, que passara um ano
viajando pela Europa e Ásia:

Eu senti uma diferença enorme na minha viagem depois que cheguei ao Nepal.
No Nepal e na Índia minha experiência é muito mais profunda, é diferente. Os
outros lugares são mais turísticos. Os viajantes aqui são diferentes. As minhas
relações aqui ficaram mais profundas. Na Tailândia e na Indonésia, por
exemplo, era mais festa e drogas. Aqui eu fumo maconha de vez em quando,
mas com um propósito muito diferente.

Percebemos, portanto, que o consumo de certos lugares já são imediatamente


associados à autenticidade. Os destinos ditos autênticos são aqueles pouco conhecidos
ou frequentados ou periféricos ou não atingidos pela modernidade. Note-se que o
“viajante autêntico” é aquele que tem valores de países desenvolvidos ou regiões
centrais e modernas, porém que viajam para locais distantes desses eixos.
Um texto popular compartilhado incansavelmente no perfil de viajantes é o
“Namore uma garota que viaja”, originalmente publicado no blog “Solitary Wanderer”,
atribuído a Aloha Eveline, em que a autora fala sobre como é a garota que viaja:

Ela não será a pessoa mais bem vestida por aí, porém a pele queimada de
sol e o corpo com os músculos naturalmente desenhados de tantos dias
nas montanhas combinados com brincos sulamericanos, uma mochila
da Espanha e sapatos da Ásia farão uma combinação de estilo tão única,
tão vibrante, que você já saberá alguma coisa sobre ela antes mesmo de
perguntar seu nome. Não jogue com ela, não diga que ela é linda, pergunte
de onde vem essa camiseta que ela veste, escute-a, veja a simplicidade da
resposta e não se preocupe: você viajará com os causos dela antes mesmo
que perceba isso. Ela lê livros de viagens, escuta Eddie Vedder na estrada,
sabe nomes de lugares maravilhosos dos quais você nunca havia ouvido
falar antes.

Analisando este texto, que apresenta a imagem do que seria uma viajante
autêntica, podemos dizer que ela é uma viajante de origem ou valores ocidentais que
viaja por lugares periféricos e, consequentemente, consome produtos desses países:
brincos sulamericanos, sapatos da Ásia. Espanha, país europeu, é o único nome de
país citado, em vez do continente. A “pele queimada de sol” nos indica que a viajante
Narrativas de Viagem

provavelmente é branca. Devemos considerar, portanto, que mesmo que os símbolos


dos viajantes e o que eles definem como autenticidade não sejam localizados, já que é
uma visão compartilhada entre viajantes de vários lugares do mundo e cosmopolita, a
referência do autêntico parte de um perfil: o branco ocidental, ainda que haja muitos
viajantes de outras etnias.
415 Transformações na topologia das subjetividades dos viajantes
contemporâneos

Acreditamos, seguindo o rumo de Riesman (1995), Paula Sibilia (2008), Benilton


Bezerra Jr. (2002) e outros, que as sociedades modernas ocidentais vivem atualmente
um momento de mudança de paradigma a respeito da subjetividade. Tal mudança
consiste em uma diluição de fronteiras entre o público e o privado, em que a essência
humana não volta a ser considerada como a do sujeito público pré-moderno, em
que sua identidade era atribuída de acordo com a função no grupo social, tampouco
permanece com as mesmas características do privado e da interioridade psicológica,
que marcaram o indivíduo a partir da modernidade.
À medida que a intimidade e a subjetividade vão se exteriorizando e sendo cada
vez mais expostas, as fronteiras entre público e privado tornam-se fluidas. Essa diluição
de fronteiras chega ao seu paroxismo com a criação e popularização da internet, pela
qual as pessoas expõem aquilo que antes era considerado do âmbito do privado, no
processo chamado por Guy Debord (2011) de “espetacularização do sujeito”.
Através dessa espetacularização de si, o sujeito constrói-se como mercadoria,
naquilo que Zygmunt Bauman (2007) chama de “sociedade de consumidores”, que já
não é a mesma “sociedade de consumo”. De acordo com ele, aquela é caracterizada
por uma “reconstrução das relações humanas a partir do padrão, e à semelhança,
das relações entre os consumidores e os objetos de consumo” (p.18). O indivíduo, aí,
assume um duplo papel, deixando de ser apenas consumidor para se transformar, ele
também, em objeto de consumo.
As tecnologias digitais aparecem, neste contexto, como grandes cúmplices
do movimento de transformação do homem em mercadoria, com suas inúmeras
ferramentas que possibilitam a exposição dos gostos, preferências e imagens, como
as redes sociais, as redes de compartilhamento de imagens e os blogs, servindo como
vitrines perfeitas para a nova mercadoria. Assim, seríamos não só objeto de consumo,
mas nosso próprio agente de marketing, amparado pelas possibilidades da internet.
Nessa sociedade de consumidores, o sujeito ao mesmo tempo vende e
constrói uma imagem de si, de modo que ela se torne atrativa para o mercado e,
simultaneamente, dê sentido à sua subjetividade. Essa construção tem um duplo
sentido: o do reconhecimento pelo outro, mas também o da identificação de si. Pelo
tornar-se visível, o sujeito não apenas se torna visível para o outro, mas inventa
sentidos para a própria existência, em um processo que perpassa cada vez mais os
instrumentos de visibilidade.
Narrativas de Viagem

Esse fenômeno é de suma importância quando tentamos entender o viajante


contemporâneo que se apropria de tecnologias digitais na negociação de sua
identidade e na criação de sentido em suas experiências de viagem. A negociação
identitária desses viajantes se dá o tempo inteiro em diálogo com tais tecnologias e a
partir das narrativas construídas nesses instrumentos. Porém, ao mesmo tempo, elas
só fazem sentido porque dizem respeito a experiências consideradas “profundas”, ou
seja, pertencentes ao universo da interioridade psicológica, segundo o qual a essência
do sujeito reside em seu interior.
416 O viajante contemporâneo é aquele que busca, em suas viagens, experiências
profundas, que revelem seu “eu interior”. Porém tais experiências só se completam
e adquirem sentido à medida que são espetacularizadas, tornadas visíveis através de
imagens e relatos que são construídos, expostos e ressignificados nas mídias digitais.
Essa fluidez de fronteiras entre o público e o privado, o íntimo e o exposto, o profundo
e a superfície, é evidenciada, pois, na construção da subjetividade do viajante
contemporâneo.
Para os viajantes, não é apenas a prática de viagem que os define, mas o “espírito
viajante”, que é revelado pelas práticas, mas que seria parte da “essência” do sujeito,
mesmo quando ele não está em situação de viagem. Ser viajante seria uma condição
interior e subjetiva, e uma das formas de “realizar” esse espírito é trazendo-o para
a superfície. O “trazer à superfície” muitas vezes pode ser literal, como é o caso das
tatuagens que marcam o sujeito como viajante ou registram um lugar especial. Na
maioria dos casos essa construção apresenta-se não só na superfície, mas na superfície
da superfície, já que em muitos casos o viajante não apenas tem sua pele tatuada, mas
também expõe a fotografia da tatuagem imediatamente na internet.
Grande parte dos viajantes que buscam autenticidade em suas viagens
tem consciência da necessidade de tornar visível o eu subjetivo, o que acaba por
ocasionar um conflito. Eles passam, por um lado, a criticar aqueles que julgam se
importar muito em “se mostrar”, os que tiram muitas fotos, especialmente os selfies,
que eles consideram ostentação vazia e narcísica. Isso faz com que demonstrem
algum desprezo pelo uso excessivo de aparatos tecnológicos e de comunicação em
geral. Por outro lado, ainda que critiquem, eles não deixam de fazer parte dessa
busca distintiva e tem que encontrar meios de reforçar a identidade viajante, o que
muitas vezes é feito pelas ferramentas de comunicação. Portanto a maioria usa as
mesmas ferramentas que aqueles que criticam, porém com justificativas e ressalvas.
Para tanto, ele terá que procurar táticas de negociação de forma a legitimar sua
autenticidade, fazendo com que seus registros, narrativas e exposição na internet
pareçam despretensiosos.

O viajante como empreendedor de si mesmo

Encontramos, até agora, algumas características essenciais que fazem do


viajante contemporâneo um representante por excelência de um tipo de subjetividade
que ganha seus traços na atualidade. É um perfil de viajante que busca se diferenciar
do dito turista, através, principalmente, da noção de autenticidade. Essa busca
Narrativas de Viagem

tem especial relevo tanto no tipo de viagem realizada quanto em suas narrativas,
especialmente pelas interfaces de comunicação oferecidas pela internet.
Como já vimos, essa autenticidade é característica importante da identidade
moderna e, apesar de ter surgido de certa maneira como contraponto à massificação
imposta pelo capitalismo, ela acaba intrinsecamente ligada ao consumo. Daí que uma
das maneiras centrais de se buscar autenticidade é pelos produtos que se consome.
Nesse processo o próprio sujeito torna-se, também, um produto a ser gerenciado, em
consonância com o movimento, já descrito por Sibilia e Bezerra, de mudança de eixo
417 da subjetividade. Neste movimento, o paradigma da interioridade psicológica vai se
enfraquecendo, à medida que a subjetividade migra para a superfície.
As novas tecnologias de informação e comunicação vão ter papel importante
nesse processo, porque através delas o sujeito vai construir sua subjetividade e
negociar identidade:

... o processo de fazer do eu uma matéria afetiva e pública encontra sua


expressão mais potente na tecnologia da internet, uma tecnologia que
pressupõe e põe em cena um eu afetivo público, e que, a rigor, chega até a fazer
com que esse eu afetivo público preceda e constitua as interações privadas.
(ILLOUZ, 2011, p.12)

A internet também se torna o principal veículo pelo qual o sujeito contemporâneo


se gerencia e se vende como produto. Essa maneira de lidar com a subjetividade
alinha-se com o que Boltanski e Chiapello (2009) chamam de “novo espírito do
capitalismo”, centrado nos ideais de autonomia, flexibilidade e descentralização, no
qual a conectividade em rede é fundamental. Entretanto os autores apontam que a
suposta autonomia tem um preço alto. A flexibilização teria afrouxado as críticas
ao capitalismo, que teria encontrado, nesse novo modelo, um caminho para fugir de
deveres trabalhistas, reduzindo as garantias ao trabalhador, além de não diminuir as
desigualdades sociais.
Esse novo modelo de gestão social, ao valorizar atributos relacionais, emocionais
e criativos, também coloniza aspectos da vida do trabalhador que antes eram reservados
à vida pessoal e doméstica, tornando fluidas as fronteiras e comprometendo todas as
características mais próprias do ser humano no trabalho. Também se misturam os
tipos de relações que antes eram consideradas claras, já que relacionamentos afetivos
misturam-se com conexões de trabalho, pois é nessa capacidade relacional que reside
a qualidade do profissional. Temos, portanto, um modelo em que cada um é visto
como um empreendedor e, principalmente, um empreendedor de si mesmo.
As exigências das empresas, antes designadas hierarquicamente, passam agora
ao autocontrole de cada um. É o trabalhador, visto como empreendedor, que deve
“se doar” e utilizar suas habilidades para atendê-las, sendo levado a acreditar que se
trata de iniciativa própria. Essa autogestão é consonante com os usos das tecnologias
de comunicação, tanto porque as conexões em rede tem papel essencial nesse
paradigma quanto porque através dessas tecnologias, especialmente das redes sociais,
o empreendedor gere a própria imagem e subjetividade. Vemos que a subjetividade
Narrativas de Viagem

diz respeito ao mais íntimo de cada um, mas que esse íntimo é também produto, que,
dotado das qualidades e habilidades exigidas no mundo em rede, ganha valor.
Os viajantes pesquisados tem em comum a aspiração de transformar o ofício
de viajar em trabalho, ou de pelo menos vincular seu trabalho com as viagens. Essa
aspiração possui um elo com um imperativo vigente entre as classes médias e altas
na atualidade de que o trabalho deve ser uma fonte de prazer e fruição pessoal. Essa
visão carrega uma imensa influência do romantismo e expressivismo, que valorizam
a expressão da subjetividade como realização pessoal.
418 Fala-se em imperativo da felicidade (Freire Filho, 2010) para designar o
momento atual, em que o bem-estar se torna questão relevante, estando presente nas
mídias e nas pesquisas científicas, proliferando a busca pela psicologia, por terapias
e religiosidades alternativas e por fármacos que controlam o humor, a ansiedade e a
atividade. Podemos dizer que o discurso de que todos podem ter um emprego que dê
prazer é um dos reflexos desse imperativo da felicidade. Ligado a essa aspiração do
trabalho prazeroso está o ideal de transformar o trabalho em viagem.
Nesse ideal, a atividade por excelência é a “produção de conteúdo”, ou seja,
utilizar a mídia, especialmente as mídias digitais, para criar e expor narrativas de
viagem. O ideal, portanto, é transformar a viagem em espetáculo, de forma que
ela possa ser capitalizada e gerar dinheiro. Porém, em um mundo cada vez mais
conectado, há poucos lugares inacessíveis, naquilo que alguns chamam de “fim do
exótico”. Se partirmos do princípio de que quase tudo foi visto, o que fará, então,
com que o conteúdo produzido pelo viajante tenha público suficiente para ser bem
sucedido como trabalho? É este o ponto central dessa aspiração e como ela se conecta
ao novo espírito do capitalismo. Para que o conteúdo produzido seja interessante,
é preciso que o viajante se construa como personagem, ou melhor, como produto
atraente. Como é cada vez mais comum e mais disputado esse espaço, o que definirá
um empreendimento bem sucedido será uma boa administração de si, sendo a
autenticidade o principal valor agregado.
O viajante que se empreende e administra a própria imagem, que não é tida
como meramente uma imagem, mas como a própria “interioridade” ou subjetividade,
já que o autêntico será aquele que mais se aproxima do “verdadeiro eu”, o que
aparenta ser mais espontâneo, profundo, sincero, é aquele com maior valor de venda
e possibilidade de conexão. De acordo com a lógica do “novo espirito do capitalismo”,
para que o sujeito estabeleça conexões ele precisa ter o que oferecer. Neste caso,
podemos identificar a “autenticidade” como moeda de troca ou atrativo para o
estabelecimento dessas redes.

Conclusão

Podemos pensar no viajante como um modelo do sujeito contemporâneo por


excelência, já que através de suas narrativas e práticas de construção identitária
conseguimos identificar valores próprios do sujeito da atualidade, que passa por uma
mudança de paradigma em relação ao sujeito moderno. As tecnologias de comunicação
fazem parte da formação desse novo paradigma e adquirem papel central na definição
Narrativas de Viagem

da nova forma de se estar no mundo.


O viajante contemporâneo compartilha valores simbólicos herdados de uma
contracultura ligada principalmente ao Movimento Hippie, que se contrapõe à lógica
capitalista, se não social e economicamente, ao menos em seu aspecto estético. Isto quer
dizer que o viajante contemporâneo é crítico à padronização capitalista, considerando
que este sistema econômico priva os sujeitos de criatividade e liberdade, aprisionando-
os tanto em tempo quanto em possibilidades de expressão. Porém, como mostramos
neste trabalho, o capitalismo tem grande possibilidade de adaptação, apropriando-se
419 mesmo de suas críticas para reforçá-lo. Esse é o caso dos viajantes, que parecem ser
representantes por excelência das novas tendências desse sistema econômico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Narrativas de Viagem

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420 TRAVEL NARRATIVE AS CONSTRUCTION
AND MANAGEMENT OF THE SELF

Lian Tai1

“It is not necessarily at home that we best encounter our true selves. The
furniture insists we cannot change because it does not; the domestic setting
keeps us tethered to the person we are in ordinary life, who may not be who
we essencially are.” . (Alain de Botton, 2000, p.68).

The above passage from Alain de Botton’s book “The Art of Travel” is an
example of how travel has been considered a means of accessing a so-called “true
self.” Although this conception is not new, the way in which such access is interpreted
varies throughout history, insofar as the very conception of what is the “true self”
also changes: the way human subjectivity is treated and, therefore, what is considered
its “essence” or “nature” has been transformed over the centuries.
Based on the assumption that travel narratives can help us outline the subjectivity
of a time, we can think of how contemporary subjectivity is shown through the travel
stories that are produced today. In order to deepen this research, in 2016 I defended
the PhD thesis entitled “Alternative Travelers and the Internet: Construction,
Management and Entrepreneurship of Subjectivity”, under the guidance of PhD
Prof. Bruno Campanella. Such research revolved around the following questions:
How does the contemporary traveler build its identity from travel? What is the role
of digital technologies in this process? How have these technologies transformed
travel modes? What does this way of traveling and narrating travels reveal about
contemporary subjectivity?
I will therefore draw from the results obtained in my PhD research to develop
reflections about travel narratives as a way of building and managing the self. I focus
on the narratives exposed on the internet, especially in blogs and social networks,
considering that the network connection is paradigmatic of contemporaneity, as will
be developed below.

Alternative travelers and the internet: presenting the research

To investigate the process of identity construction and negotiation in travel


Travel Narratives

narratives on the internet, we have chosen to research a specific group of travelers:


those who call themselves alternative travelers or backpackers. Despite the breadth
and heterogeneity of this group, one of the central characteristics that unifies this
type of traveler is the fact that they oppose themselves to the “tourist”. In the present
work we consider the notions of “traveler” and “tourist” as discursive categories,
1 PhD. in Social Communication by Universidade Federal Fluminense.
421 reinforced by the research subjects themselves, in a non-naturalized way. But this
duality appears constantly throughout the work, since it is very present in the
narratives of the subjects. The research consisted of two different moments, which
are complementary:
1) At first, I used Mochileiros.com, a popular site among travelers in Brazil,
as a locus of research. It is a platform where travelers interact to exchange travel
information. The content of the site is fed mainly by users, who post itineraries
and stories. When I chose the site, my strategy for getting informants consisted
of accessing each report and leaving standardized messages as a comment, which
turned out to be a poor approach. I then published reports on my own travels and,
in the end, explained my research and asked for volunteers. From there, I began to
receive comments, emails and friendship requests on social networks, from travelers
who offered themselves as informants, as well as people who wrote me to ask for tips
and questions about tourist destinations and ended up offering themselves, too, as
informants. In both cases, there was an expectation of reciprocity, either through the
exchange of information or the establishment of friendly relations, which gave me
an initial understanding of the functioning logic of the communities on the Internet.
From the informants I came to on Mochileiros.com, I also extended the group to
other travelers indicated by the first ones, with whom they made the bridge.
2) In early 2015, I had the opportunity to finish my research abroad and decided
to complete the survey in Varanasi, a city of approximately three million people,
located in northeastern India. The choice for Varanasi was both personal motivation,
since I had known the city years before and was delighted by it, and because it was
a place frequented by alternative travelers that fit the profile of informants in the
research. Varanasi is considered the most sacred city of Hinduism and also the oldest
city in the world. It appears to have been barely affected by modernity, and the
impression one has when visiting it is having a journey in the time machine.
In Varanasi, the research was supported by the Center for Social Exclusion and
Inclusive Policies of the College of Social Sciences at Banaras Hindu University. with
the PhD. Professor Ashok Kaul as Co-Advisor. Initially I approached some travelers
and made recorded interviews. But as the research progressed, I stopped recording
them and began to make daily notes on my observations and the informants’
speeches. I chose to interrupt the recordings in the first place because they were
very noisy, since all the places were noisy, and the best conversations came in the
informal moments after the interview. Since I was surrounded by travelers all the
time, the participant observation work was constant and I just made notes, besides
observing the informants in parallel in social networks.
Travel Narratives

In both moments of the research we tried to analyze the speeches about travel
and the uses of the internet, although the second one has made it possible to observe
the travelers’ practices personally in their journeys.

Tourist or traveler: a matter of authenticity


Although the “tourist vs. traveler” dichotomy is currently being questioned by
422 some anthropologists and social scientists, it is still very much present in speeches
and travel narratives, so many tourism practitioners prefer to call themselves
“travelers.” In this imaginary, tourism would presuppose a programmed and obvious
itinerary, with visits to the traditional tourist spots, a market that is formed through
this type of trip and experiences that are considered superficial. The tourist is thus
seen as shallow and hedonistic, and is also a predator, which destroys local cultures
as they become commodities. On the other hand, the traveler is defended as one who
makes immersive trips, in order to establish a real contact with the other, allowing
himself to be transformed by it, through relations that are not mediated by excessive
consumption and in a less aggressive or predatory way.
Vilhelmina Vainikka (2013) criticizes this type of discourse as deterministic,
since it assumes that tourism is static and homogeneous in nature. She points out
that such deterministic representations suggest that there are no degrees of freedom
within mass tourism. Vainikka argues that there are no essential disruptions between
this form of travel and those that have emerged since the 1980s, such as backpacking
and ecotourism, since even these alternative forms usually include the consumption
of common products such as services of large airlines and large-scale vehicles. At the
same time, tourism becomes stratified and offers more personalized services. Finally,
Vainikka argues that there can not be a standardized group of tourists, as each of
them has different expectations and perceptions.
Authenticity has been a central notion in tourism-related studies, especially
since Dean MacCannell (1999), for whom the search for authenticity in tourism would
be a form of resistance to the alienation of modern man.
In our research, we find the notion of authenticity quite present in the travel
narratives, as a value to be achieved. Authenticity, in this case, refers to ways to travel,
such as little-known or inhospitable destinations or unlimited travel time. While
weekend, holiday and holiday trips are considered tourist activities, an authentic
journey, according to the informants’ speeches, presupposes time, if possible unlimited
time. The imaginary of “traveling without destiny” also presupposes the imaginary
of “traveling without returning time”. The ideas of imprecision, surprise and lack of
planning are considered qualities for the traveler, since he would be the one who
follows his heart, who hears his inner voice. This idea of ​​authenticity, linked to
romantic thinking, repudiates socially imposed rules, so that the plans and calendars
are considered oppressors to the inner voice.
The aversion to speed in travel experiences is in agreement with the notion
of experience found in Walter Benjamin, according to whom modernity, with its
acceleration of time, precludes experience and therefore narration. Experience, for
Travel Narratives

Benjamin, is linked to the attribution of meaning, depends on a projection in time


and also on the fixation of memory. Jorge Larossa Bondía (2002), on Benjamin’s track
(2012), points out that modernity and modern education hinder us from experience,
which he defines as what really crosses us, not just what stimulates our sensations.
When we analyze the narratives and speeches of the research subjects, we find
the notion of authenticity as the main center in the processes of self-construction and
423 also guiding the identity disputes about being a tourist or a traveler. We understand
such disputes as attempts to affirm authenticity as a value, so that what would
differentiate the traveler from the tourist would be a type of travel considered more
authentic.
Authenticity as an ideal has its origins in the process of transition from the
feudal system to modernity as a result of the decadence of feudal relations in European
society. It arises from the valorization of sincerity, in a desacralized and unpredictable
environment. According to Charles Lindholm (2008), the transition from sincerity to
authenticity as a value came with strong influence from the Protestant bourgeoisie,
according to which each person was responsible for their own salvation. What
differentiated this type of salvation from the Catholic mode was that attitudes were
not enough: one had to scrutinize one’s own soul to find out if one’s intentions were
morally correct. This self-analysis, however, suggested some difficulties. The first is
the ambiguity of representation: was it possible to know if that sincerity was not
really about self-deception or pride? The second concerns social demands: would it
be more important to follow one’s own intuitions about right and wrong or conform
to social rules?
In the process of valuing authenticity as understood, Descartes played
an important role, when he systematized a fundamental difference between an
interiority and an exteriority, locating in the interiority a path to knowledge. Charles
Taylor (1997) draws attention to the fact that authenticity is based on earlier forms
of individualism, among them the individualism of rationality, of which Descartes is
a pioneer, but also Lockean political individualism, according to whom one’s desire
should be above social obligations.
The notion of authenticity arises inseparable from moral questioning, opposing
an instrumentalist view of morality. The ethics of authenticity comes to understand
moral decisions as anchored in our “inner truth.” At the core of this ethic lie the
conceptions of Romanticism, with Rousseau (2001) as one of its most important
representatives. This romantic ideal of the eighteenth century expresses a very
different “return to nature” ideology from what we had until then. Nature comes to
have its value not by its simplicity or rusticity, but by what it provokes in us.
This expressive turn plays a fundamental role in the romantic ideals and,
consequently, in the notion of authenticity that comes to us today and will be present
in an important way in the travelers’ reports. The inner voice must become manifest.
But this does not imply that something already elaborated or ready is exposed, but
the manifestation itself contains the process of signifying. We form and create at the
same time, and this accomplishment allows me to commune with the inner drive, or
Travel Narratives

the nature’s voice in me. Here is the idea that each individual is unique and original,
and it is this originality that will guide our way of life.
We must live, therefore, according to this inner impulse that is unique and,
from it, to tread an original path. It is in this originality that authenticity lies. With
the dilution of the social roles defined by hierarchy, typical of pre-modern societies,
recognition is based on the discovery of original ways of being. And so authenticity
becomes central to the construction of the self in individualistic societies.
424 There is, however, an intimate relationship between romantic ethics and the
spirit of modern consumerism. This kind of consumption, defined as self-illusive
hedonism (Campbell, 2001,) results in a peculiar dissatisfaction with real life and an
incessant consumption of novelty, which is at the heart of many modern life typical
behaviors and reinforces the foundations of fundamental institutions, like fashion and
romantic love. Thus, the romantic movement, the notion of authenticity and modern
consumerism are intimately and inevitably related to each other, reaching the point
where the accomplishment of authenticity must pass through consumption in order
to materialize.
This quest for authenticity through consumption will be of fundamental
importance when dealing with tourism and especially the contemporary traveler.
At first, it may seem that there is no strong relation between consumption and the
traveler, since they show, in their speeches, averse to exaggerated consumerism.
However, when we analyze carefully, we see that the accomplishment of authenticity
is given by the forms of consumption, which acquire specific characteristics.
One consumer choice that illustrates well how authenticity is tied to consumption
is the choice between suitcase or backpack. Backpacks may be more useful in case of
off-road trails or routes, although in urban contexts the suitcases may be even more
practical. But the symbolic context in which bags and backpacks are inserted ends
up having a considerable weight. While suitcases refer to tourist trips, the backpacks
refer to alternative and detached trips, as we can see in one of the informants’ speech
about a work trip:

I usually travel with a backpack, but, as it was a work trip, I had to carry a
suitcase, which already made me in a bad mood. And I had to keep up with
some guys in suits and ties, all very tidy. It was the worst trip I ever had, it had
nothing to do with me.

In this speech, we find a relation between the terms “suitcase” and “suits and
ties”. Those terms also support the image of conservatism. In contrast to this image,
the traveler claims to prefer wearing a backpack, revealing his predilection for trips
that are considered freer and more authentic. This is a clear example of how the
symbolism of consumption products is linked to the idea of ​​authenticity and how
such choices do not necessarily connect with the travel practice, but with imagination
in regard to the pursuit of pleasure. These are preferences that would characterize
internal idiosyncrasies, that is, subjective interiority, but which, in order to be
accomplished, have to turn out to be visible, in this case through the consumption
product “backpack”, which connotes more authentic travels than the suitcase.
Travel Narratives

When it comes to food, the choice that seems most authentic can range from
the typical dish, with tradition and local ingredients, to a food based on processed
products, as long as they are as cheap as possible. At this point, the two strands are
very present, as we see in the accounts of two travelers below:

I stayed at a family home in Bolivia, on Lake Titicaca. I did not want to stay
in those common places, so I stayed for a few days in a little known place in
425 their house. So I ate their food every day. The meal was just several kinds of
baked potato, without even salt.

People think you need to have a lot of money to travel, but they are wrong. It’s
that they have a very different travel standard than I do. If you are traveling
comfortably, staying in hotels, eating at expensive restaurants, it really gets
expensive. But I travel the poorest way as possible. I spend days eating cup
noodles, but I save money to do other things.

Regarding cameras and image recording devices, the logic seems to be the
opposite. The bigger and more professional the cameras, the more linked to an
authentic type of trip, and it is usually better to shoot with a camera than with a
multipurpose device, such as a tablet or cell phone. That happens because cameras
are seen as possible instruments of art, while tablets and cell phones are seen as tools
of self-promotion, so that the images made by these devices would have the sole
purpose of being displayed on social networks without a more “noble” purpose.
In the research carried out in Varanasi, we find as exception of the valuation
of the camera to the detriment of the cell phones, the reports that cited the Japanese
travelers. As there is a very strong tourism of Japanese in India, there was also a clear
differentiation between them, who were seen as tourists, and the western ones, who
considered themselves travelers. Several mentions were made to the Japanese travelers:

Everywhere is full of Japanese with huge cameras taking pictures. They do not
even look at anything, just photograph and leave.

The Japanese are very strict, they do not know how to enjoy the trip. They
only go where the guide says and do nothing out of programming. Their
only concern is taking pictures. You see that the Japanese and the Indians
themselves are the ones who take selfies the most.

When you go to the Louvre, you cannot even see the Mona Lisa. It’s a little
frame back there and a lot of Japanese taking pictures in front of you, with last
generation cameras. They do not even appreciate the picture.

Through the speeches, we realize that not only what is consumed has fundamental
symbolic value to define the type of trip and a supposed level of authenticity, but also
who consume and how. There is a differentiation that distinguishes social groups,
as well as central from emerging countries, or Western from Eastern countries. It is
essential to realize that the notion of “who knows how to behave” or “who knows
the right way to consume” starts from a notion linked to social groups and excludes
Travel Narratives

peripheral groups. “Being an authentic traveler” is up to some who know how to


behave in a particular way and comes from specific places and social classes. The
peripherals can be authentic as the native or exotic, but not as a traveler.
As a travel destination, non-central places (central, here, defined as modern
western) are considered the most authentic, according to travelers’ reports. Here’s an
example of a young European man’s speech, who had spent a year traveling through
Europe and Asia:
426 I felt a huge difference in my journey after I arrived in Nepal. In Nepal and
India my experience is much deeper, it is different. The other places are more
touristy. Travelers here are different. My relations here have gone deeper. In
Thailand and Indonesia, for example, it was more partying and drugs. Here I
smoke marijuana from time to time, but with a very different purpose.

We realize, therefore, that the consumption of certain places is immediately


associated with authenticity. The destinations known as authentic are those little
known or little frequented or peripheral or unaffected by modernity. Note that the
“authentic traveler” is one who has values ​​from developed countries or central and
modern regions, but who travel to places far from these axes.
A popular text tirelessly shared in traveler’s social medias is “Date a girl who
travels”, originally published in the blog “Solitary Wanderer”, attributed to Aloha
Eveline, in which the author describes the stereotype of a traveler girl:

She will not be the best dressed person out there, but sunburned skin and
body with the naturally drawn muscles of so many days in the mountains
combined with South American earrings, a Spanish backpack and Asian shoes
will make a combination of such a unique style , so vibrant, that you will
already know something about her before even asking her name. Do not play
games with her, do not say she is beautiful, ask where the t-shirt she wears
comes from, listen to her, see the simplicity of the answer and do not worry:
you will travel with her stories even before you know it. She reads travel
books, listens to Eddie Vedder on the road, knows names of wonderful places
you’ve never heard of before.

When we analize this text, which presents the image of what would be an
authentic traveler, we can say that she is a girl who has Western values and ​​travels to
peripheral places and consequently consumes products from these countries: South
American earrings, shoes from Asia. Spain, the European country, is the only country
cited by name instead of the continent. The “sunburnt skin” tells us that the traveler
is probably white. We must therefore consider that even though travelers’ symbols
and what they define as authenticity are not localized, since it is a shared vision
among travelers from various parts of the world and cosmopolitan, the reference
of authenticity has a pattern: the white Western person, although there are many
travelers of other ethnic groups

Changes in the topology of the subjectivities of contemporary travelers

We believe, following the direction of Riesman (1995), Paula Sibilia (2008),


Travel Narratives

Benilton Bezerra Jr. (2002) and others, that modern Western societies are currently
experiencing a moment of paradigm shift, regarding subjectivity. Such a change
consists in a dilution of the boundaries between the public and the private, in which
the human essence is no longer considered as that of the premodern public man, in
which its identity was attributed according to function in the social group, nor remains
with the same characteristics of the private and of the psychological interiority, that
marked the individual from the modernity.
427 As intimacy and subjectivity become more open and exposed, the boundaries
between public and private become fluid. This dilution of frontiers reaches its paroxysm
with the creation and popularization of the Internet, in which people expose what
was previously considered to be private, in a process called by Guy Debord(2011) as
“spectacularization of the self”.
Through this spectacularization of self, the person constructs oneself as a
commodity, in what Zygmunt Bauman (2007) calls “consumer society”, which is no
longer the same “consumption society”. According to him, this society is characterized
by a “reconstruction of human relations based on the pattern and similarity of the
relations between consumers and objects of consumption” (p.18). The individual,
there, assumes a double role, from being only a consumer to becoming, also, an object
of consumption.
Digital technologies appear in this context as great accomplices of the movement
of turning man into commodity, with its many tools that allow us the exposure of
tastes, preferences and images, such as social networks, image sharing networks and
blogs, serving as perfect windows for the new good. Thus, we would be not only the
consumption object, but our own marketing agent, supported by the possibilities of
the internet.
In this society of consumers, the person at the same time sells and builds an
image of himself, so that he becomes attractive to the market and, at the same time,
gives meaning to its subjectivity. This construction has a double meaning: that of
recognition by the other, but also of self-identification. By becoming visible, the
subject not only becomes visible to the other, but creates meaning for one’s own
existence, in a process that increasingly permeates the visibility instruments.
This is a very important phenomenon when we try to understand the
contemporary traveler who uses digital technologies in the negotiation of one’s
identity and in the creation of meaning in one’s travel experiences. The identity
negotiation of those travelers happens through such technologies and from the
narratives built on these instruments. At the same time, however, they only make
sense because they are about “deep” experiences, that is, they belong to the universe
of psychological interiority, according to which the essence of the person resides
within him.
The contemporary traveler is the one who seeks, in his travels, deep experiences,
that will reveal his “inner self.” But such experiences can only be complete and
make sense as they are spectacularized, made visible through images and narratives
that are constructed, exposed and re-signified in digital media. This fluidity of the
boundaries between the public and the private, the intimate and the exposed, the
Travel Narratives

deep and the surface, is evidenced, therefore, in the construction of the subjectivity
of the contemporary traveler.
For travelers, it is not just the travel practice that defines them, but the “traveling
spirit,” which is also revealed by practices, but which would be part of the “essence”
of the person, even when one is not in a travel situation. Being a traveler would
be an inner and subjective condition, and one way to “accomplish” that spirit is to
bring it to the surface. The “bring to the surface” can often be literal, as is the case of
428 tattoos that mark the person as a traveler or register a special place. In most cases
this construction appears not only on the surface, but on the surface of the surface,
since in many cases the traveler not only has his skin tattooed, but also exposes the
photograph of the tattoo immediately on the internet.
Most travelers seeking authenticity in their travels are aware of the need
to make the subjective self visible, which ultimately causes a conflict. On the one
hand they criticize those who they judge to care deeply about “showing off”, those
who take many pictures, especially selfies, which they consider empty ostentation
and narcissism. This makes them show some contempt for the excessive use of
technological devices and communication in general. On the other hand, even if
they criticize, they do not cease to be part of this distinctive search and then they
have to find ways to strengthen the traveler identity, which is often done by the
communication tools. Therefore, most use the same tools as those who they criticize,
but with excuses and reservations. To do so, one will have to look for negotiation
tactics in order to legitimize their authenticity, making their images, narratives and
exposure on the internet seem unpretentious.

The traveler as an entrepreneur of himself

We have found, so far, some essential features that make the contemporary
traveler a representative par excellence of a type of subjectivity that takes shape
nowadays. It is a traveler model that seeks to differentiate himself from the said tourist,
through, mainly, the notion of authenticity. This search has special importance both
in the type of trip carried out and in its narratives, especially by the communication
interfaces offered by the internet.
As we have seen, this authenticity is an important characteristic of modern
identity, and although it has arisen in some way as a counterpoint to the massification
imposed by capitalism, it has become intrinsically linked to consumption. Hence
one of the central ways of seeking authenticity is by the products one consumes. In
this process the person itself becomes, also, a product to be managed, in line with
the movement already described by Sibilia and Bezerra of change in the axis of
subjectivity. In this movement, the paradigm of psychological interiority is weakening,
as subjectivity migrates to the surface.
The new information and communication technologies will play an important
role in this process, because it will be through them that the person will build one’s
subjectivity and negotiate identity:
Travel Narratives

... the process of making the self an affective and public matter finds its
most potent expression in the technology of the internet, a technology that
presupposes and sets in motion a public affective self, and which, in fact, even
makes this public affective self precede and constitute the private interactions
(ILLOUZ, 2011, p.12)
The internet also becomes the main instrument by which the contemporary
subject is managed and sold as a product. This way of dealing with subjectivity is
429 aligned with what Boltanski and Chiapello (2009) call the “new spirit of capitalism”,
centered on the ideals of autonomy, flexibility and decentralization, in which network
connectivity is fundamental. However, the authors point out that the supposed
autonomy has a high price. Flexibilization would have loosened the criticism of
capitalism, which would have found in this new model a way to escape from labor
duties, reducing guarantees to the workers, and not reducing social inequalities.
This new model of social management, when valuing relational, emotional and
creative attributes, also colonizes aspects of the worker’s life that were previously
reserved for personal and domestic life, making boundaries fluid and compromising
all the characteristics of the human being at work. Also the types of relationships
that were previously considered clear are now mixed, since affective relationships
mix with work connections, because it is in this relational capacity that the quality of
the professional resides. We have, therefore, a model in which each one is seen as an
entrepreneur and, above all, an entrepreneur of oneself.
The demands of the companies, previously designated hierarchically, now
pass to the self-control of each one. It is the worker, seen as an entrepreneur, who
must “give himself” and use his abilities to serve them, being led to believe that
it is an initiative of his own. This self-management is consonant with the uses of
communication technologies, both because network connections play an essential
role in this paradigm and because through these technologies, especially in social
networks, the entrepreneur manages his own image and subjectivity. We see that
subjectivity concerns the most intimate of each one, but that this intimate is also a
product, which, endowed with the qualities and skills demanded in the networked
world, gains value.
The researched travelers have in common the aspiration of turning the travels
into work, or at least linking their work with travel. This aspiration has a link with a
prevailing imperative between the middle and upper classes in the present time that
work should be a source of personal enjoyment and pleasure. This view carries an
immense influence from romanticism and expressivism, which value the expression
of subjectivity as personal fulfillment.
We call happiness imperative (Freire Filho, 2010) to designate the present
moment, in which well-being becomes a relevant issue, and shows up in the media
and in scientific research. The demand for psychology, alternative therapies and
religiosities increse, as well as for drugs that control mood, anxiety, and activity.
We can say that the discourse that everyone can have a pleasurable job is one of the
reflexes of this happiness imperative. Linked to this aspiration of pleasurable work, is
the ideal of traveling as a job.
Travel Narratives

In this ideal, activity par excellence is the “content production”, that is, use
the media, especially digital media, to create and expose travel narratives. The ideal,
therefore, is to turn the trip into a spectacle, so that it can be capitalized and generate
money. But in an increasingly connected world, there are few inaccessible places,
in what some call “the end of the exotic.” If we assume that almost everything has
been seen, what, then, will the content produced by the traveler need to have enough
audience and be successful as work? This is the central point of this aspiration and
430 how it connects to the new spirit of capitalism. For the content produced to be
interesting, it is necessary that the traveler turns himself into a character, or rather,
as an attractive product. As this space is more and more common and competed,
what will define a successful enterprise will be a good administration of oneself, with
authenticity being the main added value.
The traveler who manages one’s own image, which is not seen merely as an
image, but as the “interiority” itself or subjectivity, since the authentic one will be
the one closest to the “true self”, which appears to be more spontaneous, profound,
sincere, is the one with greater value of sale and possibility of connection. According
to the logic of the “new spirit of capitalism”, for the person to establish connections
one must have something to offer. In this case, we can identify “authenticity” as the
exchange currency for the establishment of such networks.

Conclusion

We can think of the traveler as a model of the contemporary individual par


excellence, since through his narratives and practices of identity construction we are
able to identify the values of the present man, which goes through a paradigm shift
in comparison with the individual from modernity. Communication technologies are
part of the formation of this new paradigm and acquire a central role in defining the
new way of being in the world.
The contemporary traveler shares symbolic values ​​inherited from a
counterculture mainly linked to the Hippie Movement, which opposes capitalist
logic, if not socially and economically, at least in its aesthetic aspect. This means
that the contemporary traveler is critical of capitalist standardization, considering
that this economic system deprives subjects of creativity and freedom, imprisoning
them both in time and in possibilities of expression. However, as we have shown in
this paper, capitalism has a great possibility of adaptation, appropriating even its
critics to reinforce itself. This is the case of travelers, who seem to be par excellence
representatives of the new trends of this economic system.

BIBLIOGRAPHY REFERENCES

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Travel Narratives
432 COMO ESCREVER UMA NARRATIVA
DE NÃO FICÇÃO DE VIAGEM?

Olívia Scarpari Bressan1

Continent, city, country, society: the


choice is never wide and never free. And here,
or there . . . No. Should we have stayed at home,
wherever that may be?
Elizabeth Bishop em Questions of travel


Viajar é um paradigma humano
Parece intrínseco a nossa civilização querer conhecer como as coisas se passam
num âmbito que lhe é pouco familiar. O fascínio por paragens distantes move aqueles
que se aventuram a estenderem seus horizontes, lançarem-se ao mar, embrenharem-se
pelas florestas e superarem o temor do mistério e dos mitos, que falam sobre sereias
nas profundezas das águas, dragões e ciclopes, guardiões de terras desconhecidas. O
chamamento para deslocar-se para outros territórios permanece tão assentado no
imaginário coletivo, que a viagem adquiriu um valor arquetípico em nossa sociedade.
Até hoje, se rumarmos a um lugar incógnito, uma sensação ancestral nos invade,
preenchendo-nos de apreensão e curiosidade. Quando viajamos, um processo de
estranhamento se realiza, experienciamos outros ritmos, outros protocolos, outros
códigos. Para absorvermos o lugar de forma mais profunda, é preciso aguçar os
sentidos, observar com atenção, ouvir os sons que emanam ao nosso redor, sentir
e tocar os elementos mais prosaicos com os quais nos deparamos pelo caminho. Em
trânsito, somos convidados a desenvolver nossa habilidade de adaptação, a dilatarmos
nossa capacidade de empatia, a entendermos o diferente. Resta saber se estamos
dispostos a abraçar esse convite.
Segundo o filósofo francês Michel Onfray (2007), cedo ou tarde, identificamos em
nós mesmos o modo como encaramos os deslocamentos. Nos inscreveríamos, então,
em um de dois arquétipos diametralmente opostos: o do camponês ou o do pastor. O
Narrativas de Viagem

primeiro é sedentário, aferrado às origens, à terra, às tradições, é aquele arraigado ao


seu lugar. O segundo, por seu turno, é nômade, percorre vastas extensões, é rebelde e
clama por liberdade, por independência. É possível que reconheçamos um pouco dos
dois em nossa personalidade, já que, apesar de se oporem, estes dois mundos também
se apoiam. Mas, conforme o autor, um deles será sempre preponderante. Aquele que
se fixa, é quem desenvolve o Estado, as Leis, a Política. A menos que sinta alguma

1 Graduada em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), mestra em Letras, Escrita Criativa
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e doutoranda em Estudos Literários pela
Universidade Federal do Paraná (UFPR) onde pesquisa relações entre literatura e imprensa.
433 ameaça à sua segurança, ou ao seu futuro, ele continuará inamovível, em contato com
os hábitos da comunidade, envelhecendo à sombra das árvores que vira crescer. Por
outro lado, aquele que viaja se expõe aos perigos do mundo não mantém raízes, recusa
o tempo social coletivo e limitador, toma para si o direito inalienável ao lazer, declara
guerra à cronometragem da existência. Por isso, as sociedades tendem a rechaçar o
estilo de vida nômade, devido a sua capacidade de desequilibrar as lógicas de trabalho
vigentes, que obrigam ao sedentarismo e à circunscrição a uma cidade, para que os
indivíduos sejam facilmente localizáveis por uma autoridade (ONFRAY, 2007)
O arquétipo do nômade empresta à figura do viajante muitos de seus aspectos,
uma vez que “viajar pressupõe não tanto o espírito missionário (...), limitado, mas uma
vontade descentrada, etnológica, cosmopolita e aberta”, diz Onfray (2007, p. 61). Tal
qual o pastor, o viajante se compraz com o movimento e com a mudança. É alguém à
disposição do mundo e, por isso, é aquele que conserva a “felicidade do desenraizamento,
do nomadismo, do espaço de um infinito prometido” (KRISTEVA, 1994, p.12).
Algumas das qualidades de um bom viajante residem justamente no fato de não
procurar verificar em que medida o sítio visitado corresponde à ideia antecipada que se
fazia dele. Afinal, duas características fundamentais do estado de espírito do verdadeiro
viajante são a receptividade e a humildade. Se acaso se ativer às comparações com o
que está habituado em seu lugar de origem, perceberá contrastes acentuados, mesmo
nas pequenas coisas. É por essa razão que o travel writer Cees Nooteboom enfatiza a
ideia de que a viagem traz embutida a premissa de amadurecimento psíquico, isto é,
mais do que deslocar-se para fora, a viagem é também do indivíduo ao centro de si
mesmo; uma atividade que pressupõe negociação constante sobre a qual ele ressalta:

Viajar é algo que você tem que aprender. Trata-se de uma constante negociação
com as outras pessoas, durante a qual você se encontra sozinho. E aqui reside o
paradoxo: você se move sozinho em um mundo que é controlado pelos outros.
São eles os donos da pensão onde você precisa alugar um quarto. (...) Eles falam
línguas que você não pode compreender, lhe barram a entrada em uma balsa
ou sentam-se ao seu lado em um ônibus, vendem-lhe comida no mercado e
indicam um caminho que pode ser certo ou errado; às vezes eles são perigosos,
mas em geral não são, e tudo isso está lá para ser aprendido: o que você deve
fazer e o que não deve jamais fazer (...). E cada lugar é diferente, nenhum deles
vai se parecer com aquilo que você está acostumado no país de onde veio.
(NOOTEBOOM, 2007, p. 10, tradução nossa)

A postura comparativa e quase renitente à cultura e aos costumes de um local,


bem como a reafirmação de hábitos e a imposição de concepções próprias em territó-
Narrativas de Viagem

rio estrangeiro2 não é uma característica do viajante; trata-se, sim, do lado mais nega-
tivo da figura do turista. Conforme sintetiza Onfray (2007, p. 61), “o viajante separa, o
turista compara”. Sobre isso, Umberto Eco sustenta, no artigo Ir ao mesmo lugar3, que
nunca se viajou tanto quanto agora, mas esse fluxo incessante faz, cada dia mais, com
que os lugares se pareçam uns com os outros. Acabamos por viajar para confirmar o
que já vimos na tela da televisão (ou nos posts do Instagram), de maneira a nos trans-
formarmos em turistas permanentes.
2 Toma-se, aqui, estrangeiro por um lugar que enseje o estranhamento do viajante.
3 Do original: Andare nello stesso posto (tradução nossa).
434 Quando tudo estiver igual a tudo, não se fará mais turismo para descobrir o
mundo verdadeiro, mas para encontrar sempre, e onde quer que estejamos, o
que já sabíamos de antemão e o que poderíamos ter facilmente assistido em
casa, em frente à televisão (ECO, 2001, para. 7, tradução nossa).

O filósofo, dessa forma, joga luz sobre uma situação bastante corrente no
contexto atual: os lugares do mundo parecem, por vezes, sofrer a pasteurização que
sufoca todas as particularidades locais, levando o visitante a ter impressões pouco
originais e a contentar-se em apreender um lugar idealizado, reduzido ao mundo das
aparências. Onfray (2007) sugere que isso geraria um ciclo vicioso, por meio do qual a
idealização acaba reverberando na realidade.
Um exemplo de figura conhecida que cultivou atitudes de turista, foi a poeta
estadunidense Elizabeth Bishop. Apesar de ter passado quase vinte anos vivendo no
Brasil, ela pouco conseguia se comunicar e escrever em português. “Sinto-me como
um cachorro, que entende tudo, mas não consegue falar”, disse em entrevista4. É
provável que a postura de Bishop de supervalorização de sua origem norte-americana
a tenha impedido de absorver e compreender aspectos cruciais da cultura brasileira,
que incluíam o idioma. Ela frequentemente interpretava o país como subdesenvolvido,
selvagem e exótico, na pior acepção da palavra. Já afirmara, inclusive: “O Brasil é
mesmo um horror5”.
Para prevenir-se dessa ótica prenhe de preconceitos, Michel Onfray aconselha
que uma viagem comece pelo sedentarismo de uma biblioteca:

O papel instrui as emoções, ativa as sensações e aumenta a possibilidade


de percepções preparadas. (...) Toda documentação alimenta a iconografia
mental de cada um de nós. A riqueza de uma viagem necessita, antes de
mais nada, da densidade de uma preparação. (...) A leitura age como um rito
iniciático, revela uma mística pagã (...) Chegar a um lugar sobre o qual nada
sabemos condena à indigência existencial. Na viagem apenas se descobre
aquilo que trazemos conosco. O vazio do viajante produz a vacuidade da
viagem; a sua riqueza produz a sua excelência. Daí os livros (...), o atlas.
(...) Com um mapa, iniciamos a nossa primeira viagem, seguramente a mais
mágica, de certeza a mais misteriosa. (ONFRAY, 2007, p. 27)

Além de munir-se de um repertório robusto para que consiga perceber quais as


características genuínas de um local, quem viaja deve lançar um olhar apurado em
relação ao espaço e seus elementos constitutivos. É o que faz o jornalista Gay Talese,
em uma série de reportagens (hoje publicadas em Fama & Anonimato) nas quais des-
trincha os meandros de Nova York – algo sobre o qual um olhar viciado seria incapaz
Narrativas de Viagem

de prestar atenção. Como orienta Modernell (2011), também a consciência precisa


estar ampliada, de modo que o viajante siga seus pressentimentos, convicções, intui-
ções, impulsos, insights. Consoante com ele, a escritora e jornalista espanhola Rosa
Montero conclui algo similar em Estampas bostonianas y otros viajes, livro que é uma

4 Bishop foi entrevistada pela jornalista Ashley Brown em 1966. In: MONTEIRO, George (org.). Conversations
with Elizabeth Bishop. Jackson: University of Mississippi, 1996, p. 19.
5 BISHOP, Elizabeth; LOWELL, Robert. O Brasil é mesmo um horror. piauí, Rio de Janeiro, n.35, agosto/2009.
Disponível em http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-35/correspondencia/o- brasil-e-mesmo-um-horror. Aces-
so em maio/2019
435 compilação de suas reportagens de viagem, publicadas originalmente no El País: “As
viagens verdadeiras carregam consigo uma mudança de consciência”6 (MONTERO,
2008, p. 11, tradução nossa). A transformação de compreensão se refletiria no modo
como interpretamos o destino escolhido:

Pode até haver outros lugares mais conhecidos por mim como turista, mas
uma coisa é o conhecimento e outra o entendimento. Quando você entende,
se funde com a realidade estrangeira, que, a partir desse momento, deixa de
ser estranha. É esse o verdadeiro sentido das viagens: perder os sentidos, sair
do seu pequeno mundo cultural, contemplar as coisas com um olhar alheio.
Viajamos porque queremos ser outros. (MONTERO, 2008, p. 9-10, tradução
nossa)7.

Se Bishop acabou por ter um entendimento distorcido, típico do turista, a res-


peito do país que a acolheu por duas décadas, coube à poeta brasileira Cecília Meireles
oferecer um contraponto. Suas observações a respeito dos passantes, durante uma via-
gem a Roma, deságua em um texto publicado em seu livro, Crônicas de viagem. Desse,
ressaltamos aqui alguns trechos:

Grande é a diferença entre o turista e o viajante. O primeiro é uma criatura


feliz, que parte por este mundo com a sua máquina fotográfica a tiracolo, o
guia no bolso, um sucinto vocabulário entre os dentes: seu destino é caminhar
pela superfície das coisas (...) sem apego nem compromisso. (...) O viajante é a
criatura menos feliz, de movimentos mais vagarosos, todo enredado em afetos,
querendo morar em cada coisa, descer à origem de tudo, amar loucamente cada
aspecto do caminho (...). O viajante dá para descobrir semelhanças, diferenças
de linguagem, perfura dicionários, (...) descobre um mundo histórico, filosófico,
religioso e poético em palavras aparentemente banais; entra em livrarias, em
bibliotecas, compra alfarrábios, deslumbra-se a mirar aqueles foscos papéis e
leva, para tomar um apontamento, mais tempo que o turista para percorrer
uma cidade inteira. (...) Posta-se diante de um monumento, e começa outra vez
a descobrir coisas: é um pedaço de coluna, é uma porta que esteve noutro lugar,
é uma estátua cuja família anda dispersa pelo mundo, é o desenho de uma
janela, é a cabeça de um anjo que lhe conta sua existência, são as figuras que
saem dos quadros e vêm conversar sobre as relações entre a vida e a pintura.
(...) O turista já andou léguas, já gastou todos os rolos da máquina – e o viajante
continua ali, aprisionado, inerme, sem máquina, sem prospectos, sem lápis, só
com os seus olhos, a sua memória, o seu amor. (MEIRELES, 1998, p. 60-63)

Como bem destaca a escritora, o viajante é uma criatura de natureza perceptiva,


dotada de uma visão especial que imprime sobre as coisas. Demonstra capacidade de
registrar as mais ínfimas variações, os sensíveis pormenores, a informação microscó-
Narrativas de Viagem

pica. De acordo com Onfray (2007), para esses, a apreensão de um país não necessa-
riamente se obtém através de um longo investimento temporal, mas segundo a ordem
irracional e instintiva de pura subjetividade imersa no aleatório desejado. Todavia, por
mais perspicaz que o viajante seja, é bastante improvável que esteja apto a decifrar, em
poucos dias, a complexidade de um ambiente. É o que expõe Montero (2008) ao citar
6 Do original: Los verdaderos viajes conllevan un cambio en la consciencia.
7 Do original: Puede haber otros lugares que quizá me sean más conocidos como turista, pero una cosa es el conoci-
miento y otra el entendimiento. Cuando entiendes, te fundes con la realidad extranjera, que desde ese momento deja de
ser extraña. He aquí el verdadero sentido de los viajes: perder tu sentido, salir de tu pequeño mundo cultural, contem-
plar las cosas con una mirada ajena. Viajamos porque queremos ser otros.
436 Simone de Beauvoir: “se você viaja uma semana a um país, pode redigir um livro sobre
o lugar; se permanece um ano, só uma breve crônica; e se fica uma década, é incapaz
de escrever algo”8 (p. 11-12, tradução nossa).
Michel Onfray (2007, p. 65) garante, no entanto, que a assimilação de um local
se dá “sem maiores explicações, graças a um impulso natural, que se alimenta de in-
tuições e da penetração imediata da essência das coisas”. Ele afirma ainda que: “Todos
os passeantes, os escritores de viagem, os artistas do nomadismo experimentam esta
evidência, pois todos eles vivem como iluminados, exaltados, incandescentes” (ON-
FRAY, 2007, p. 65).
Muito provavelmente, poderíamos encaixar Marco Polo como um desses “ar-
tistas do nomadismo”, intensos e observadores, capazes de captar, de modo rápido,
o espírito que permeia os cenários visitados. É certo que, quando empreendeu sua
famosa expedição às Índias, em 1271, a viagem foi motivada, sobretudo, por razões
econômicas. Entretanto, uma vez a bordo, decidiu ser levado ao sabor do vento. Ape-
sar dos riscos implicados em tal manobra, isso não atrapalhou sua chegada ao destino
almejado e, ainda, lhe trouxe algumas vantagens: desfrutou com mais calma das pa-
ragens e aprendeu uma série de idiomas, estimulado pelos novos contatos que travou.
A postura adotada por Marco Polo é muito similar àquela do verdadeiro viajan-
te de hoje. Em suas considerações sobre o assunto, Modernell também aponta o que
seria a contraparte de Marco Polo, expressada pela figura de Cristóvão Colombo. O
explorador genovês deixa entrever, por meio de seu diário de 1492, alguém que tem
pressa e objetividade nas incursões ao mar. Ele “quer chegar às Índias o mais rápido
possível, para trazer de lá as riquezas que prometera aos reis espanhóis; com isso,
imagina, sua vida será elevada a um novo status.” (MODERNELL, 2011, p.53). Por isso,
pouco desfrutava das coisas pelo caminho, tal qual a mentalidade de um turista.
Apesar de agirem de modos diferentes, existem evidências de que Marco Polo tenha
sido uma grande inspiração para Colombo. Em meio ao espólio deixado pelo expedicioná-
rio, foi encontrado um exemplar bastante grifado e repleto de comentários nas bordas de Il
Milione9, livro de autoria de Marco Polo, no qual o viajante reproduz sua longa viagem de
Veneza ao Oriente. Os casos fantásticos relatados fizeram com que a publicação, de 1299,
ganhasse prestígio. Afinal, em pleno século XIII, poucas eram as pessoas que poderiam
contar histórias sobre horizontes longínquos. Referido informalmente como “O Livro das
Maravilhas”, trata-se de uma narrativa paradigmática na longa trajetória dos relatos de
viagem, porém, não a única. De Heródoto a Werner Herzog; de Voltaire a Cortázar; de Go-
ethe a Amyr Klink, muitos foram os viajantes que, depois de se aventurarem pelo mundo,
decidiram abraçar a outra aventura, que é relatar o que fizeram e o que viram.
Narrativas de Viagem

A longa trajetória do relato de viagem


O topos literário da viagem é uma das formas mais antigas e essenciais da
narrativa oral e escrita. De fato, os primeiros relatos lapidares de viagem remontam
8 Do original: si vas de viaje uma semana a um país, puedes redactar um libro sobre el lugar; si permaneces um año,
sólo uma breve crónica; y si te quedas una década, eres incapaz de escribir nada.
9 Fac-símile disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/File:ColombusNotesToMarcoPolo.jpg. Acesso em
maio/2019.
437 à Antiguidade grega, como Odisséia, o clássico de Homero, e os relatos do historiador
grego Hérodoto. Segundo consta, ele chegou a colher material de pesquisa nos campos
de batalha durante as guerras greco-pérsicas, além de ter visitado regiões do Egito,
Babilônia, Itália e Ucrânia (MODERNELL, 2011).
Em um salto no tempo, os livros de viagem só começaram a proliferar à medida
que aventureiros europeus foram explorando as imensas extensões da Ásia, América
e África, entre o século XIII e XVII. Algumas das publicações mais destacadas, neste
período, incluem o já mencionado livro de Marco Polo (1299), os Diários de Bordo de
Colombo (1492) e o relato do naufrágio, no século XVI, de Cabeza de Vaca (CHILLÓN,
1999). Tais informes nutrem algo de ingênuo, algo de objetivo, mas são, sobretudo,
comprometidos em informar para e sobre uma época. Nesse sentido, Chillón reflete
sobre os possíveis motivos de nem sempre serem considerados textos literários:

Seu funcionalismo informativo se, por um lado, lhe dá a sua melhor virtude
literária, por outro, lhes impõe uma escravidão (...). Certamente a valorização
destas obras sofreu com o velho preconceito de reconhecer importância
literária somente ao fantástico, ao inútil e ao íntimo; mas hoje podemos preferir
um informe a um poema de oitavas reais (VALVERDE apud CHILLÓN, 1999,
p. 122, tradução nossa).

A consolidação dos relatos de viagem francamente literários só viria mais


adiante, a partir do século XVIII. Depois de um período obscuro da Idade Média, em
que “ninguém se animava a se mover de um lugar para outro, se não tivesse uma razão
imperiosa para fazê-lo” (MODERNELL, 2011, p. 27), os iluministas incutiram no espírito
de uma época o ideário de libertação da mente. Assim, para encontrar o caminho das
luzes, era preciso conhecer diferentes culturas, novos países, preferencialmente os
considerados exóticos para franceses, ingleses e alemães, tais como Espanha, Grécia
e Itália (CHILLÓN, 1999). Essas incursões a outros lugares eram recomendadas aos
jovens aristocratas que buscavam a complementação formativa à escola regular.
Tal ritual precedia um futuro comprometimento com o “mundo adulto”. Os
rapazes abastados empreendiam o que se convencionou chamar de Grand Tour – isto
é, uma temporada de viagens, feita por um determinado estrato social, em um período
específico da vida. A popularização do Grand Tour repercutiu até mesmo no aumento
do número de pousadas e hospedarias. A profissão de preceptor viajante também é
oriunda do mesmo período: eram eles os encarregados de planejar as viagens de seus
jovens senhores, de reservar os hotéis, de fazer a pesquisa dos principais pontos a
serem visitados etc. (MODERNELL, 2011).
Narrativas de Viagem

É nessa fase de valorização do deslocamento que surgem os primeiros relatos


de viagem com ampla distribuição na Europa. Os textos distraíam os leitores, por
um lado, e por outro, estimulavam o público a viajar. Desse modo, era crescente o
desejo de confirmar ou reordenar in loco o imaginário edificado pelas andanças de
Byron na Grécia, de Gauthier na Espanha, de Boswell na Escócia. A produção de
relatos de viagem era intensa e, somente sobre a Itália temos, entre os séculos XVIII
e XIX, publicações de Montaigne (Diário de Viagem à Itália, escrito entre 1580-1581,
publicado em 1774), Sterne (Viagem sentimental, 1768), Goethe (Viagem à Itália, 1816),
438 François-René Stendhal (Roma, Nápoles e Florença, 1817), Chateaubriand (Viagem à
Itália, 1833), Hippolyte Taine (1868), entre outros.
O tom idílico conferido ao país se sedimentou e permanece até o presente: já
versaram sobre o território italiano Julio Cortázar (Los Autonautas de la Cosmopista,
1983) e até mesmo os best-sellers norte-americanos de Frances Mayes, Sob o Sol da
Toscana (1996), e de Elizabeth Gilbert, Comer, Rezar e Amar (2006). Tamanha foi a
popularidade atingida, que os títulos foram, inclusive, adaptados para o cinema.
No século XIX, em virtude da ascensão do realismo, muitos autores deram-
se conta de que a imersão nos cenários poderia tornar suas histórias cada vez mais
verossímeis. Essa abordagem resultou em pérolas do cânone ocidental.

São dessa corrente os casos exemplares de Herman Melville, que, em 1841,


partiu numa excursão de 18 meses a bordo de um navio baleeiro, experiência
que lhe renderia a inspiração para seu clássico Moby Dick; e o de Joseph
Conrad, que aproveitaria suas inúmeras incursões marítimas e fluviais como
elementos para toda sua obra, com destaque para o clássico O coração das
trevas (LIMA, 2011, p. 15-16).

A não ficção e o relato de viagem se esbarram na próxima esquina

Apesar de elementos reais terem servido como substrato para enredos ficcio-
nais, isso, por certo, não implica comprometimento das obras com a fidedignidade
factual. Sob essa ótica, Lima (2011) diferencia as produções de ficção – classificando-
-as como “literatura de viagem” – das explicitamente não ficcionais –, as quais es-
tariam inseridas no âmbito do jornalismo literário. Segundo ele, podemos identificar
um relato de viagem afinado com a não ficção e com o jornalismo literário quando se
fazem presentes em suas linhas:

[as] características da modalidade, como a imersão, o estilo, a humanização,


o emprego de recursos narrativos múltiplos, de um lado, mas atrelados ao
compromisso de reprodução fiel da realidade, do outro. O autor que se preza,
nessa categoria, não ficcionaliza eventos, cenas, personagens, falas. (LIMA,
2011, p.16)

Se tais aspectos estiverem contidos na narrativa do relato de viagem, pode-se


enquadrá-lo no que se considera “jornalismo literário de viagem” (LIMA, 2004, p. 433).
Há que se ter cautela, contudo, quanto às classificações estritas, uma vez que muitas
soluções narrativas para os relatos de viagem foram encontradas ao longo dos anos. O
Narrativas de Viagem

gênero10 foi se reinventando de tal modo que, a partir do século XX, os relatos de via-
gem adotaram um tom muito similar ao da reportagem jornalística (CHILLÓN, 1999).
Durante esse período, expoentes como John dos Passos (Adventures of a young
man, 1939), Ernest Hemingway (As verdes colinas da África, 1935; Paris é uma festa,
1964), George Orwell (Na pior em Paris e Londres, 1933; O caminho para Wigan Pier,
1937), Henry Miller (Colosso de Maroussi, 1939) e, mais recentemente, Bruce Chatwin
10 Modernell (2011) considera a narrativa de viagem um texto com poética e características próprias e, sendo
assim, adequada aos parâmetros de um “gênero de transição”. Tal termo foi proposto, originalmente, na obra
linguista Roman Jakobson em seu Questions de poétique (1973).
439 (Na Patagônia, 1977) ficaram célebres por expandir as possibilidades estilísticas desse
tipo de texto.
Cada vez mais, jornalismo literário e narrativas de viagem se esbarravam nas
esquinas de confluência. Sendo assim, hoje, apesar de ocuparem um mesmo nicho
na Literatura, podemos encarar as narrativas de viagem como um tipo de texto pro-
teiforme, que se transforma através do tempo. Isso é nítido se compararmos o diário
de viagem à Itália de Goethe com o relato da vivência de Hemingway em Paris é uma
festa, escrito na metade do século XX. Podemos ir ainda mais adiante se exemplificar-
mos o diário psicodélico Caminhando no gelo, sobre a expedição na neve do cineasta
Werner Herzog, publicado em 1982.
As modificações no relato de viagem também se devem às perspectivas aber-
tas pela narrativa do romance realista de Balzac (1799-1850), Dickens (1812-1870),
Flaubert (1821-1880) e Zola (1840-1902). Igualmente, devem-se ao crescente refina-
mento da narrativa jornalística entre os séculos XVIII e XX. Brasileiros como Eu-
clides da Cunha (1866-1909), João do Rio (1881-1921), Lima Barreto (1881-1922) e os
norte-americanos Joseph Mitchell (1908-1996), John Hersey (1914-1993) e Lillian Ross
(1926-2017), por exemplo, inovaram nos modos de contar um fato, utilizando recursos
literários para incrementar e tornar mais instigante sua leitura. Abraçando tal desafio,
muitos deles contribuíram para a diversificação de recursos na escrita de textos com-
promissados com a realidade. A proximidade da pena com o ofício também ajudou:
jornalista e escritor de ficção são a mesma pessoa, nesse caso.
Anos depois, alguns jornalistas alargam ainda mais os horizontes do jornalismo
literário com o advento do New Journalism. Corrente radical surgida nos Estados Uni-
dos em plena revolução de costumes dos anos sessenta, foi insuflada por profissionais
da área do Jornalismo, dedicados à tarefa de tornar a narrativa jornalística algo cada
vez mais interessante e reconhecido. Naquela época, de acordo com o novo jornalista
Tom Wolfe (2005, p. 18), “se um jornalista aspirava a status literário, o melhor era
ter o bom senso e a coragem de abandonar a imprensa popular e tentar entrar para a
grande liga”.
“A reportagem realmente estilosa era algo com que ninguém sabia lidar, uma
vez que ninguém costumava pensar que a reportagem tinha uma dimensão estética”,
acrescenta Wolfe (2005, p. 22) a respeito do boom do estilo no livro Radical Chique
e o Novo Jornalismo. Coube a ele declarar e sistematizar as principais características
emprestadas da ficção a serem aplicadas no texto jornalístico:
Narrativas de Viagem

1) construção do texto cena a cena;


2) presença de diálogos realistas;
3) apresentação das cenas através dos pontos de vista de diferentes personagens
(troca de foco narrativo);
4) presença de descrição, a partir da qual é possível perceber o status de vida de
uma pessoa.

Na redação de uma reportagem, Tom Wolfe também ousou ao usar onomato-


440 peias para captar melhor os sons do ambiente e as interjeições das pessoas (“Lá vai
(Brrum! Brrrum!) aquele aerodinâmico bebê (Rahghhh!) floco de tangerina cor de
caramelo (Thphhhhhh!) virando a esquina (Brummmmmmmmmmmmmmm”11) e
por ser partidário de uma espécie de fluxo da consciência que busca dissecar a visão
de mundo do personagem retratado (“Às vezes, eu usava o ponto de vista (...) entran-
do diretamente na cabeça de um personagem, experimentando o mundo através do
seu sistema nervoso central”12) – algo que fere as concepções da geração anterior aos
novos jornalistas, como no caso da forte oposicionista, Lillian Ross, repórter da velha
guarda, chamada por muitos de “a mãe do jornalismo literário”.
A forma de reportar, tal como se conheceu na época do Novo Jornalismo con-
verge tantas vezes com a do relato de viagem que, para Wolfe (2005), a gênese daque-
la vem direto da literatura de viagem do século XVIII e começo do XIX. Wolfe consi-
dera o escritor e diarista James Boswell (1740-1795) como um dos mais importantes
para o gênero. Isso porque muitos desses escritores pinçaram a ideia de autobiogra-
fia para si mesmos, partindo para lugares estranhos em busca de colorido e aventura.
Ou seja, temos aí algo muito parecido com uma boa produção jornalística: uma
perspectiva de personagem diferente, um narrador ousado, uma sucessão de fatos
instigantes, uma pauta original. Wolfe (2005) analisa que, antes do surgimento do
movimento, era raro ocorrer aos jornalistas que eles pudessem inserir elementos
autobiográficos de reportagem, utilizando-a como ferramenta para narrar as suas
experiências.
Levando em consideração o conteúdo fora do padrão produzido na época, é
inescapável mencionar a importância de revistas importantes, como New Yorker,
Esquire, Rolling Stone para consolidar a ideia das reportagens imersivas no ce-
nário da imprensa. Afinal, transformar as narrativas em algo vendável sempre
foi difícil, uma vez que essas matérias geralmente são demoradas para apuração,
escrita e checagem.
No Brasil, a revista piauí é uma das únicas que costuma veicular longas repor-
tagens. Também é uma das poucas publicações na qual jornalistas são remunerados
adequadamente pelas ideias que misturam seu métier à Literatura. Ainda assim, é
ainda mais inusual encontrar veículos que trabalhem enfatizando as reportagens
de viagem com a possibilidade de narrativas imersivas. Algumas das saídas a se-
rem consideradas seria então produzir a publicação independente de livros contendo
narrativas de viagem marcadamente não ficcionais, ou mesmo expandir as incursões
para sites e redes sociais. No caso brasileiro, afora os veículos de turismo comercial,
podemos citar apenas alguns insights da versão nacional de National Geographic.
Narrativas de Viagem

Desse modo, constata-se que, no contexto contemporâneo, o relato de viagem


escrito nos moldes do jornalismo literário acaba encontrando concorrência ostensiva
como nicho de jornalismo especializado e financiado por todo um mercado do turis-
mo. Ambas as abordagens pretendem seduzir o leitor para que ele visite, ao menos
em imaginação, o lugar sobre o qual se fala. O público consome o sonho, pois nem
sempre dispõe de condições para viajar. Na prática, no entanto, tratam-se de estra-
11 Id., Ibid, p.35.
12 Id., Ibid., p. 27.
441 tégias opostas para chamar a atenção. Veículos de turismo investem em forte apelo
imagético e, por isso, muitas vezes são mais lidos e mais facilmente compreendidos
pelo público em geral.
Em contrapartida, para que a grande reportagem de viagem seja tão solicitada
quanto as matérias turísticas, necessita apresentar-se com uma identidade estilística
própria, dispondo de elementos fabulatórios e estéticos quase tão sedutores como as
fotografias publicitárias publicadas nas matérias.
A narrativa de viagem guarda maior liberdade, admite a digressão, o ponto de
vista fora da curva do senso comum, a visão parcial, a apresentação dos fatos de forma
menos objetiva. Assim, Modernell (2011) esclarece que outra diferença entre os dois
tipos de texto é que a reportagem de revista sobre o assunto parte de elementos ex-
ternos, como a pauta estabelecida na redação e o chamado “gancho”, circunstâncias
que ensejam ou justificam sua publicação; a outra, por sua vez, ancora-se no mundo
interno do autor, nas suas inquietudes e obsessões. Nem por isso, no entanto, ele
deixa de ser minucioso, preciso e verossímil ao processar as informações. O vínculo
obrigatório com o real se faz sempre presente, mesmo que se valorize igualmente o
apuro linguístico.
Podemos, então, considerar que o jornalismo literário de viagem oferece mais
recursos para discorrermos com maior precisão sobre os cenários visitados. Afinal,
consoante com o filósofo Alain de Botton (2002), lugares atraentes costumam cons-
cientizar-nos de nossa inadequação com a linguagem. A solução para cimentar nossas
impressões da beleza de algum lugar seria então a de “pintar com palavras” a paisa-
gem. Só assim, segundo ele, “o produto final poderia não ser marcado pela geniali-
dade, mas ao menos seria motivado pela busca da representação autêntica de uma
experiência” (DE BOTTON, 2002, p. 223)
Mas quais seriam esses recursos especificamente? As ferramentas assentadas
no interior desse tipo narrativa são algo difusas e nem sempre fáceis de serem siste-
matizadas. Algumas pistas dos elementos que conformam o jornalismo literário de
viagem são oferecidas por Modernell (2011), ao elencar algumas características recor-
rentes desse gênero sumarizadas a seguir:
1) o ponto de partida da narrativa é um desequilíbrio no “mundo comum”: o
protagonista sente-se desconfortável no ambiente onde vive, como um exilado em sua
própria terra; 2) o relato de viagem inclui conteúdos autobiográficos; 3) a obra retrata
uma experiência vivida em profundidade (imersão), na qual o viajante se lança com a
sensação de queimar as pontes, ou seja, encerrar uma fase de sua vida; 4) o protago-
Narrativas de Viagem

nista passa por uma transformação interior ao longo do caminho (individuação); 5) o


texto tem características de uma grande reportagem, apesar de certo descompromisso
geral com a função informativa; 6) o texto transmite conhecimento especializado em
determinada área, na voz do autor ou de um personagem; 7) o texto tem elementos
de romance de aventura; 8) o viajante se diferencia do turista por sustentar um olhar
despojado e inquisitivo sobre o que o cerca; convive de forma criativa com a insegu-
rança e a surpresa; deixa-se levar pelo fluxo dos acontecimentos e delicia-se com os
pequenos flagrantes da vida; 9) o texto dá menos relevância aos fatos em si do que
a seus efeitos sobre o observador; há uma prevalência da subjetividade; 10) o autor
442 propõe ao leitor uma nova maneira de digerir ou interpretar as coisas que expõe; 11)
na sua jornada, o viajante tem como aliados a disponibilidade e o acaso; consegue
detectar lampejos de eternidade naquilo que é transitório; 12) o autor reflete sobre a
natureza e a velocidade do deslocamento; 13) o autor tem acesso a esferas sociais com
as quais não está habituado a conviver no “mundo comum”; 14) o autor tem insights
ao observar o ritmo em que as coisas acontecem em cada lugar ou situação, e na sua
narrativa consegue transmitir ao leitor as diferentes dimensões do tempo (geográfica,
social e individual); 15) o autor parece mover-se “nas entrelinhas” dos guias turísticos,
sem dar relevância a elementos conhecidos por todos, os chamados cartões-postais;
16) ao descortinar novos cenários, o texto evoca o ponto de partida do protagonista,
propiciando-lhe um olhar retrospectivo e renovado sobre o “mundo comum”.

Um feixe de caminhos a percorrer na estrada da improvisação

Como é possível depreender, as características enumeradas acima colocam em


evidência certa fluidez e amplitude conceitual do jornalismo literário de viagem. Em
muitos momentos, ele imbrica as características clássicas expressas no jornalismo
literário mencionadas por Wolfe, mas, em outros, “baseia-se mais num improviso que
num padrão estrutural” (MODERNELL, 2011, p. 60), como se pretende qualquer com-
posição criativa ficcional ou não.
Mesmo assim, a classificação representa um avanço na investigação sobre o
lugar da não ficção no gênero de viagem. Isso porque consegue tocar em alguns pon-
tos importantes no que se refere à estrutura textual do relato; às aproximações da
narrativa literária com a narrativa de viagem e à grande influência da perspectiva e
subjetividade do viajante na construção de um relato.
Este breve trajeto retórico possui exatamente um ponto de chegada. Entretanto, se
não há destino certo e estável, este artigo pode ser entendido como parte integrante de um
feixe de reflexões a respeito de um assunto bastante rico em possibilidades. O gênero das
narrativas de viagem mantém uma infinitude de caminhos ainda desconhecidos: seu cará-
ter insubordinado e multifacetado, assim como o do pastor e o do nômade, se deixa revelar
apenas aos corajosos que tentam desvendá-lo, transmutando a ação do deslocamento no
fascinante exercício da palavra escrita.

REFERÊNCIAS

BISHOP, Elizabeth; LOWELL, Robert. O Brasil é mesmo um horror. piauí, Rio de Ja-
Narrativas de Viagem

neiro, n.35, agosto/2009. Disponível em: http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-35/


correspondencia/o-brasil-e-mesmo-um-horror . Acesso maio/2019
BISHOP, Elisabeth. Poemas Escolhidos de Elizabeth Bishop. São Paulo: Companhia
das Letras, 2011.
BOTTON, Alain de. A arte de viajar. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2012.
CHILLÓN, Albert. Literatura y periodismo. Barcelona: Aldeia Global, 1999.
ECO, Umberto. Andare nello stesso posto. Roma: l’Espresso, 22/02/2001.
443 KRISTEVA, Julia. Estrangeiros para nós mesmos. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
LIMA, Edvaldo Pereira. Páginas Ampliadas: o livro-reportagem como extensão do
jornalismo e da literatura. Barueri, SP: Manole, 2004.
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saio sobre narrativas de viagem. São Paulo: Universidade Presbiteriana Mackenzie,
2011.
MEIRELES, Cecília. Crônicas de viagem. v. 1. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
MODERNELL, Renato. Em Trânsito. Um ensaio sobre narrativas de viagem. São Paulo:
Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2011.
MONTERO, Rosa. Estampas bostonianas y otros viajes. Madrid: Punto de Lectura,
2008.
NOOTEBOOM, Cees. Nomad’s Hotel: Travels in Time and Space. London: Vintage, 2007.
ONFRAY, Michel. Teoria da viagem. Lisboa: Quetzal, 2009.
WOLFE, Tom. Radical chique e o novo jornalismo. São Paulo: Companhia das
Letras, 2005.
Narrativas de Viagem
444 HOW TO WRITE A NONFICTIONAL
TRAVEL NARRATIVE?

Olívia Scarpari Bressan1

Continent, city, country, society: the


choice is never wide and never free. And here,
or there . . . No. Should we have stayed at
home, wherever that may be?
Elizabeth Bishop in Questions of travel

Travelling is a paradigm for humanity

It seems intrinsic to human nature the strong desire for getting to know about
things that occur in an unfamiliar ambiance. The fascination for far away destinations
moves humanity forward in order to prolong their horizons, to throw them to the
seas, to enter deep into the forests and to overcome the fear of mystery and myths
about sirens in the depth of the seas, about meeting dragons, cyclopes and guardians
of unexplored lands. The calling of heading for other territories relies so seat on the
collective imaginary that travelling acquired an archetypical value in our society.
Until today, if we move to an unknown place, an ancestral feeling invade us, filling us
of apprehension and curiosity.
When we travel, a process of defamiliarization takes place, we experience other
rhythms, other protocols, other codes. In order to absorb the place in a deeper way, it
is necessary to sharpen the senses, to observe carefully, and to hear the sounds that
emanate around us, to feel and to touch the most prosaic elements which we face
through the way. While in transit, we are invited to develop our ability of adapting,
to enlarge our capacity of empathy, and to understand the differences. The only thing
left is if we are willing to embrace that invitation.
According to French philosopher Michel Onfray (2007), soon or later, we
identify deep in ourselves the way we interpret the displacements. We would be
inscribed in one of two archetypical structures diametrically opposed: the peasant or
the shepherd. The first is sedentary, linked to the origins, to the land, to the traditions.
It is the one who is entrenched to their field. The latter, by its turn, is nomad and
crosses vast extensions. A rebel who claims for freedom and independence.
Travel Narratives

We may recognize a bit of both in our personality, once, despite being opposed
to each other, both sides also endorse each other. However, one of them will always
be preponderant in one’s personality. Who prefers to be steady develops the State, the
Laws and the Politics. Save if she/he feels frightened for the security or for the future,
1 Has a degree in Journalism from the Federal University of Santa Maria (UFSM), Masters in Creative Writing
from Pontifical Catholic University of Rio Grande do Sul (PUC-RS) and is a doctoral student in Literary Studies
from Federal University of Paraná (UFPR) where she researches the relations between literature and press.
445 she/he will remain immobile, always in contact with the habits of the community,
aging in the shade of a tree, which she/he watched grow.
On the other hand, who travels is exposed to the dangers of the world.
Those are the ones who don’t keep any roots, who refuse social limited time, who
seize the inalienable right to leisure, who declare war to the chronometers of
existence. That is why societies tend to reject nomad lifestyle due to its capacity
of unbalancing the current logics of work that obligate sedentariness and the
circumscription to a city; hence the individuals may be easily localized by an
authority (ONFRAY, 2007).
The nomad archetype provides to the image of the traveler lots of aspects,
once “travelling entails not much of the missionary spirit (…), limited, but an off-
centered, ethnological, cosmopolitan and opened will2”, says Onfray (2007, p. 61,
our translation). Just like the shepherd, the traveler pleases the movement and
the change. It is somebody willing to take the world and, because of that, it is
who maintains the “happiness of tearing away, of racing, the space of a promised
infinite” (KRISTEVA, 1991, p. 4).
Some of the qualities of a good traveler relies on the fact that they don´t aim to
verify in which extent the visited place corresponds to the anticipated idea conceived
before the trip. Consequently, two fundamental characteristics of the spirit of the
authentic traveler are receptiveness and humility. If for a reason, the traveler sticks to
the comparison with what she/he is used to in her/his place of origin, some important
contrasts will noticed, even in the smallest things. That is the reason travel writer
Cees Nooteboom (2007) emphasizes the conception that travelling brings along the
premise of psychic maturity: more than just displacing to the outside, travelling is
also a movement one does towards the center of herself/himself; an activity that
implies constant negotiation about which he highlights:

travelling is something you have to learn. It is about a constant transaction


with others in the course of which you are simultaneously alone. And
therein lies the paradox: you journey alone in a world which is controlled by
others. It is they who own the boarding house where you want a room (…).
They speak in tongues you cannot comprehend, stand next to you on a ferry
or sit next to you on a bus; they sell you food at the market and send you
in the right or wrong direction; sometimes they are dangerous, but usually
they are not, and all this has to be learned: what you should do, and what
you should never do. (…) And every place is different, and nowhere does
it resemble what you were accustomed to in the country you come from.
(NOOTEBOOM, 2007, p. 10)
Travel Narratives

The almost reluctant comparative posture to a local culture as well as the


reaffirmation of one’s habits and the imposition of one’s own conception in a foreign
territory3 is not considered to be a characteristic of a traveler; on the contrary, it is the
negative side of the figure of the tourist. As French philosopher Michel Onfray (2007,

2 From the original: voyager suppose moins l’esprit missionnaire, nationaliste, eurocentré et étroit, que la volonté
ethnologique, cosmopolite, décentrée et ouverte.
3 We consider as “foreign” a place where the feeling of defamiliarization is present.
446 p. 61, our translation) synthesizes: “the traveler separates, the tourist compares”4.
On that, in his article Andare nello stesso posto [Going to the same place, in a free
translation], thinker Umberto Eco (2001) supports that never in History we travelled
so much as now, but this incessant flux enables the places to look more and more like
one another.
For Eco, we may have gradually become permanent tourists ending up by
confirming the expectations based on we have watched on the television screen (or
on Instagram posts). He asserts:

When everything will be turned into the same spot, there will be no longer the
practice of tourism in order to discover the real world, but, instead, in order
to search constantly, anywhere we go, for what we had already knew and that
we could watch being at home in front of the television (ECO, 2001, para. 7,
our translation)5.

What the Italian philosopher sheds lights upon is a situation that often takes
place in our current context: the places of the world seldom appear to suffer the
pasteurization that suffocates all the local particularities. That drives the visitor to
have few original impressions and to relinquish in apprehending an idealized place,
reduced to a world of appearances. Consequently, Onfray (2007) argues that this
would raise a vicious circle whereby the idealization ends up reverberating in reality.
An example of public figure that had cultivated a tourist behavior was the North
American poet Elizabeth Bishop. Despite having lived in Brazil for twenty years, she
almost could not speak and write in Portuguese. “After all these years, I’m like a dog: I
understand everything that’s said to me, but I don’t speak it very well”6, she once said
in an interview. It is probable that Bishop’s attitude of overrating her North American
origin had prevented her to absorb and to comprehend crucial aspects of the Brazilian
culture – even the language.
She frequently would interpret the country as underdeveloped, savage and
exotic, in the worst connotation of the word. She once also stated: “Brazil is a
horror!”7. In order to prevent ourselves from this regard full of prejudices, Michel
Onfray advices that a journey must begin by the sedentariness of a library:

Paper instructs emotions, activates sensations and enlarges the possibilities of


prepared perceptions (…). Every documentation feeds the mental iconography
of each one of us. The wealth of travelling needs beforehand the density
of a preparation (…). Reading acts like an initiation ritual, unveils a pagan
mystique (…). Reaching a place we do not know anything about condemns
us to existential indigence. During the trip we only discover what we bring
along with us. The emptiness of a traveler produces the vacuity of a trip; its
Travel Narratives

4 From the original: Le touriste compare, le voyageur sépare.


5 From the original: Quando tutto sarà diventato uguale a tutto, non si fará più turismo per scoprire Il mondo
vero, ma per trovare sempre, ovunque andiamo, quello che conoscevamo già, e che avremmo benissimo potuto vedere
stando a casa davanti al televisore.
6 Poet Elizabeth Bishop was interviewed by journalist Ashley Brown in 1966. In: MONTEIRO, George (org.).
Conversations with Elizabeth Bishop. Jackson: University of Mississippi, 1996, p. 19.
7 In: TRAVISANO, Thomas; HAMILTON, Saskia (org.). Words in Air: The Complete Correspondence between
Elizabeth Bishop and Robert Lowell. New York: Farrar, Strauss and Giroux, 2008, p. 143.
447 wealth produces excellence; hence the books (…), the atlas (…). With a map,
we begin our first journey, undoubtedly the most magical one, certainly the
most mysterious (ONFRAY, 2007, p. 27, our translation)8

Besides being equipped of a robust background, so that one can perceive


the genuine characteristics of a place, the traveler must launch a sharpen regard
in relation to the space and its constitutive elements. That is what journalist Gay
Talese does in a series of reports (currently published in his Fame & Obscurity)
to reveal New York’s meanders. A resigned look could not be able to grasp that.
As journalist and researcher Renato Modernell (2011) orientates, the conscious
needs to be enlarged to an extent that the travelers follow their premonitions,
convictions, intuitions, impulses, insights. Consonant with him, Spanish writer
Rosa Montero concludes something similar in her book Estampas bostonianas y
otros viajes, a compilation of travel reports, originally published in El País: “Real
journeys carry along with them a change of state of mind9” (MONTERO, 2008, p. 11,
our translation). The shift of comprehension would be reflected in how we would
interpret our chosen destination:

There may have some places known by me as a tourist, but one thing is
knowing and other is understanding. The more you understand, the more you
melt yourself with the foreign reality, and from that moment on, the place
is no longer strange. That is the real meaning of travelling: losing senses,
leaving our small cultural world, contemplating things with an outsider gaze.
We travel because we want to be someone elses. (MONTERO, 2008, p. 9-10,
our translation)10

If Bishop ended up having a distorted comprehension, typical from the tourist,


regarding the country that hosted her for two decades, Brazilian poet Cecília Meireles,
by her turn, offered a counterpoint. Her observations on the passengers during a trip
to Rome, leads to a text published in Crônicas de viagem [Chronicles of travel in a free
translation]. From her book, we highlight here some excerpts:

The difference between the tourist and the traveler is very expressive. The
first is a happy creature who sets sail to the world with a camera, a tourist’s
guide aside and a very strict vocabulary between the teeth: their destination
is to walk on the surface of things (…) detached and without commitment.
(…) The traveler is a less happy creature, of slighter movements, all attached
to affection, craving for inhabiting in every new spot; for going under the
origin of everything, wanting to crazily love every aspect of the journey (…).
The traveler discovers resemblances, differs languages, drills dictionaries
8 From the original: Le papier instruit les émotions, active des sensations et augmente les possibilités des perceptions
préparés. (...) Toute documentation nourrit l’ iconographie mentale de chacun. La richesse d’un voyage nécessite,
Travel Narratives

en amont, la densité d’une préparation (...). La lecture agit en rite initiatique elle révèle une mystique païenne. (...)
Arriver sur un lieu dont on ignore tout condamne à l’indigence existentielle. Dans le voyage on découvre seulement
ce dont on est porteur. Le vide du voyageur fabrique la vacuité du voyage; sa richesse produit son excellence; donc les
livres (...), les atlas (...). Avec une carte, on commence notre premier voyage, sans doute le plus magic, certainement
le plus mystérieux.
9 From the original: Los verdaderos viajes conllevan un cambio en la consciencia.
10 From the original: Puede haber otros lugares que quizá me sean más conocidos como turista, pero una cosa es el
conocimiento y otra el entendimiento. Cuando entiendes, te fundes con la realidad extranjera, que desde ese momento
deja de ser extraña. He aquí el verdadero sentido de los viajes: perder tu sentido, salir de tu pequeño mundo cultural,
contemplar las cosas con una mirada ajena. Viajamos porque queremos ser otros.
448 (…) discovers historical, philosophical, religious and poetical in apparently
trivial words, enters bookshops, libraries, buys some book collections,
dazzled by gazing old shabby papers and takes the very same amount of
time to make a note than a tourist takes to cover an entire city (…). He or
she stands in front of a monument and starts, once again, to discover things:
whether it is a piece of column, a door that had been in another place, the
outline of a window, a statue whose family has been spread out in the world,
a head of an angel which tells you about his existence, the images that come
out of the tables and tell about the relation between life and painting (…).
The tourist had already walked miles, had burnt all the rolls of a camera
– while the traveler is still standing there, imprisoned, inert, camera-less,
prospects-less, pencil-less, only with their eyes, their memory, their love
(MEIRELES, 1998, p. 60-63, our translation)11

Just as Meireles emphasizes above, the traveler is a creature that owns a


perceptive nature, endowed of a special vision imprinted on things. They demonstrate
ability to register the most infamous variations, the sensible details and the
microscopic information. According to Onfray (2007), for those, the apprehension
of a country is not necessarily obtained through a long temporal investment, rather,
through an irrational and instinctive order from a pure immerse subjectivity in the
desirable randomness. Nevertheless, even if the traveler is a clever person, it is highly
improbable that he or she might be able to decipher, in a few days, the complexity
of an environment. That is what demonstrates Montero (2008), while mentioning
Simone de Beauvoir: “if you travel for a week to a country, you can write a book about
a place, if you remain there for a year, you can write only a brief chronicle; if you stay
for a decade, you are incapable of drafting something”12 (p. 11-12, our translation).
Michel Onfray (2007, p. 65, our translation) guarantees, however, that assimilating
a place happens “without major explanations, thanks to a natural impulse that is fuelled
by intuition and instant penetration on the essence of things”13. He still affirms that:
“Every idler, travel writer, artist of nomadism experiences that evidence, for each of
them lives illuminated, exalted, incandescent”14 (ONFRAY, 2007, p. 65, our translation).
Probably we could fit Marco Polo as one of those “artists of nomadism”, he
was described as someone intense, able to captivate in a very fast pace the spirit
11 There is not yet an English version for the chronicles of Cecília Meireles. The excerpt was a free translation
from the original: Grande é a diferença entre o turista e o viajante. O primeiro é uma criatura feliz, que parte por este
mundo com a sua máquina fotográfica a tiracolo, o guia no bolso, um sucinto vocabulário entre os dentes: seu destino
é caminhar pela superfície das coisas (...) sem apego nem compromisso. (...) O viajante é a criatura menos feliz, de
movimentos mais vagarosos, todo enredado em afetos, querendo morar em cada coisa, descer à origem de tudo, amar
loucamente cada aspecto do caminho (...). O viajante dá para descobrir semelhanças, diferenças de linguagem, perfura
dicionários, (...) descobre um mundo histórico, filosófico, religioso e poético em palavras aparentemente banais; entra
em livrarias, em bibliotecas, compra alfarrábios, deslumbra-se a mirar aqueles foscos papéis e leva, para tomar um
apontamento, mais tempo que o turista para percorrer uma cidade inteira. (...) Posta-se diante de um monumento, e
começa outra vez a descobrir coisas: é um pedaço de coluna, é uma porta que esteve noutro lugar, é uma estátua cuja
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família anda dispersa pelo mundo, é o desenho de uma janela, é a cabeça de um anjo que lhe conta sua existência, são
as figuras que saem dos quadros e vêm conversar sobre as relações entre a vida e a pintura. (...) O turista já andou
léguas, já gastou todos os rolos da máquina – e o viajante continua ali, aprisionado, inerme, sem máquina, sem
prospectos, sem lápis, só com os seus olhos, a sua memória, o seu amor.
12 From the original: si vas de viaje una semana a un país, puedes redactar un libro sobre el lugar; si permaneces un
año, sólo una breve crónica; y si te quedas una década, eres incapaz de escribir nada.
13 From the original: Le nomade-artist sait e voit en visionnaire, il comprend et saisait sans explications, par impul-
sion naturelle, celle qui se nourrit d’ intuitions et de la pénétration immédiate de l´essence des choses.
14 From the original: Tous les promeneurs, les écrivains de voyage, les nomade-artistes expérimentent cet évidence,
car chacun vive éclairé, exalté, incandescent.
449 that pervades the visited scenarios. It also certain that, when he embarked on his
notorious expedition to the Indies, in 1271, the journey was motivated mainly for
economic reasons.
Nevertheless, once on board, he decided to be driven wherever the wind would
blow. Despite the risks implicated in such maneuver, that did not jeopardized his venue
to his expected destination and, still, brought him some advantages: he seized with
more calm the spots and also had learned to speak a series of languages, stimulated
by the new contacts he made.
The posture adopted by Marco Polo is very similar to the real traveler of our
days. In his reflections on the subject, Modernell in Em trânsito [In transit in a free
translation] points out who would be the counterpart of Marco Polo, incarnated by
the archetype of Christopher Columbus. Through his diaries of 1492, the Genovese
explorer reveals himself as being someone who is in haste and who is also very
objective in his excursions in the sea. He “wants to arrive to the Indies the fastest
he can in order to collect the wealth he promised to the Spanish kings; that way,
he figures, his life will be elevated to a new status”15 (MODERNELL, 2011, p. 53, our
translation). That is the reason why he would barely seize things along the journey,
somehow consonant to the mentality of a tourist.
In spite of both acting in dissonance, there are evidences that Marco Polo had
been a great source of inspiration for Columbus. In the middle of the spoil left by the
expeditionary, it was found a volume with lots of notes in the margins of Il Milione16, book
written by Marco Polo in which he recounts his long adventure from Venice to the East.
That compilation of fantastic cases published in 1299 had earned prestige. Afterwards,
by that time, few were the people that could relate stories about distant horizons.
Informally called “The Book of Marvels”, the narrative is paradigmatic in the long
path of travel literature. Either way, there are many books which conform the genre:
from Herodotus to Werner Herzog; from Voltaire to Cortázar, from Goethe to Amyr
Klink, many were the travelers that, after living adventures around the world, decided
to embrace another challenge: reporting what they had done and what they had seen.

The long journey of the travel report

The literary topos of travelling is one of the most ancient and essential forms
of oral and written narratives. In fact, Homer’s classic, the Odyssey, is the first
lapidary travel report and dates back to the Ancient Greece. It is said that he had done
researches in the battlefields during the Greco-Persian Wars, besides having visited
the regions of Egypt, Babylon, Italy and Ukraine (MODERNELL, 2011).
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In a leap in time, travel narrative books only started to proliferate as the


adventurous Europeans were exploring the vast extensions of Asia, America and Africa,
between the XIII and the XVIII century. Some of the most popular publications, in

15 From the original: quer chegar às Índias o mais rápido possível, para trazer de lá as riquezas que prometera aos
reis espanhóis; com isso, imagina, sua vida será elevada a um novo status.
16 Facsimile available at: http://en.wikipedia.org/wiki/File:ColombusNotesToMarcoPolo.jpg. Retrieved in:
May/2019
450 this period, encompass the already mentioned book of Marco Polo (1299), The Log of
Christopher Columbus (1492) and the accounts on the shipwrecks [Naufragios] written
by Cabeza de Vaca in the XVI century (CHILLÓN, 1999). Such reports nurture a sort
of naivety, a touch of objectiveness, but they are mainly committed to inform for and
about an epoch. In that sense, Chillón formulates some possible reasons why those
texts are not always considered literary:

Their functionality to inform if, on one hand, impart them best literary virtue,
on the other, enslave them (…). Undoubtedly, the valorization of those works
had suffered with an old prejudice of recognizing the literary value only in
the fantastic, in the useless, in the intimate; thought today we prefer a report
than a poem with ottave rime (VALVERDE apud CHILLÓN, 1999, p. 122, our
translation)17

The consolidation of the travel reports openly literary would only come later,
up to the XVIII century. After an obscure period in the Middle Age – when “nobody
would be willing to move from one place to another, unless there was an imperious
reason to do so”18 (MODERNELL, 2011, p. 27, our translation) –, the illuminists
instilled in the spirit of the age the idea of liberation of the mind. In order to find the
way to the Enlightenment, it was necessary to get to know different cultures, new
countries, preferentially those ones considered exotics to the French, English and
German people, such as Spain, Greece and Italy (CHILLÓN, 1999).
Those incursions to other places used to be advised to young aristocrats who
would search for supplementary apprenticeship than the one from the regular school.
That ritual used to precede a future commitment with the “adult world”. The upper-
class young fellows would perform what it is by convention called The Grand Tour –
i.e., a voyage season undertaken by a certain social extract in a specific period of life.
The flourishment of the Grand Tour has even increased the number of inns and
lodgings. In addition, the figure of the preceptor was invented in the same period:
they were in charged to plan the trip for their young gentries, to book their hotels, to
research the main tourist points to be visited, etc. (MODERNELL, 2011).
It is during that phase of valorization of the displacement when the first travel
reports come out with broad distribution in Europe. The texts not only distracted the
readers, but also stimulated the public to travel. Thus, there was an increasing desire
to confirm or reorganize in loco the imaginary built by the strolls of Byron in Greece,
of Gauthier in Spain, of Boswell in Scotland. The production of travel reports was
intense and, just by mentioning the ones written between the XVIII to XIX century
about Italy, we can list Montaigne (The journal of Montaigne’s travels in Italy, written
Travel Narratives

between 1580 and 1581, published in 1774), Goethe (Italian Journey, 1816), François-
René Stendhal (Rome, Naples and Florence, 1817), Chateaubriand (Voyage en Italie,
17 From the original: Su funcionalismo informativo, si por un lado les da su mejor virtud literaria, por otro les im-
pone una servidumbre: la cantidad, la extensión (…). Cierto que la valoración de estas obras se ha resentido del viejo
prejuicio de reconocer entidad literaria sólo a lo fantástico, lo inútil y lo íntimo; pero hoy podemos preferir un informe
a un poema en octavas reales (…).
18 From the original: ninguém se animava a se mover de um lugar para outro, se não tivesse uma razão imperiosa
para fazê-lo
451 1833), Hippolyte Taine (Italy, Rome and Naples, 1868; Italy, Florence and Venice, 1867),
among others. The idyllic tone attributed to the Italian territory was consolidated
and remains until the current days with Julio Cortázar (Autonauts of the Cosmoroute,
1983) and even with North American best-sellers like Under The Tuscan Sun (1996) of
Frances Mayes and Eat, Pray, Love (2006). The popularity of those last two titles was
so vast that they were adapted to the big screen and became instant hits.
In the XIX century, due to the rise of Realism, many authors became aware
that the immersion in scenarios could make their stories even more credible. That
approach resulted in masterpieces of the Western Canon.

Belong to that current of thought cases like Herman Melville who in 1841
flung in a 18-month excursion on board of a waling ship, experiencing what
would bring inspiration to his classic Moby Dick; and like Joseph Conrad
who would seize some maritime and fluvial incursions to the sea in order to
borrow elements for his oeuvre, especially for his classic Heart of Darkness
(LIMA, 2011, p. 15-16, our translation).19

Nonfiction and the travel report bump into each other in the next corner

Despite real elements were used as substrate for fictional plots that does
not imply the commitment of literary works with factual reliability. Under that
perspective, Lima (2011) differs fictional productions by classifying them as “travel
literature” from the ones explicitly nonfictional. The latter, he supports, would be
inserted in the field of literary journalism. We would be able to identify a travel report
aligned with nonfiction and with literary journalism when there are:

characteristics of the modality, such as immersion, style, humanization,


employment of multiple narrative resources, on one side, but, on the other,
when it is also linked to the commitment of the precise reproduction of reality.
The respectable author in this category does not fictionalize events, scenes,
characters, lines. (LIMA, 2011, p. 16, our translation)20

If such aspects are present in the narrative of travel report, we can fit it into
what is considered “literary travel journalism” (LIMA, 2004, p. 433, our translation).
However, it is necessary to be cautious regarding too strict classifications of that
type of text, once numerous narrative solutions were found throughout the years in
order to expand the genre21. It was reinvented to an extent that, up to the XX century,
travel reports had adopted a very similar tone to the one of the journalistic report
(CHILLÓN, 1999).

19 From the original: São dessa corrente os casos exemplares de Herman Melville, que, em 1841, partiu numa excur-
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são de 18 meses a bordo de um navio baleeiro, experiência que lhe renderia a inspiração para seu clássico Moby Dick;
e o de Joseph Conrad, que aproveitaria suas inúmeras incursões marítimas e fluviais como elementos para toda sua
obra, com destaque para o clássico O coração das trevas.
20 From the original: [as] características da modalidade, como a imersão, o estilo, a humanização, o emprego de
recursos narrativos múltiplos, de um lado, mas atrelados ao compromisso de reprodução fiel da realidade, do outro. O
autor que se preza, nessa categoria, não ficcionaliza eventos, cenas, personagens, falas.
21 Modernell (2011) considers the travel narrative as a text with its own poetics and characteristics. Therefore
being adequate as a “genre of transition”, term originally proposed by the linguist Roman Jakobson in his Ques-
tions de poétique (1973).
452 By that time, many renowned writers expanded the stylistic possibilities of that
kind of texts, such as John dos Passos (Adventures of a young man, 1939), Ernest
Hemingway (Green Hills of Africa, 1935; A moveable feast, 1964), George Orwell (Down
and Out in Paris and London, 1933, The Road to Wigan Pier, 1937), Henry Miller (The
Colossus of Maroussi, 1939) and, more recently, Bruce Chatwin (In Patagonia, 1977).
Progressively, literary journalism and travel narratives would bump into each
other in the corners of confluence. Thus, nowadays, despite occupying the same
niche in Literature, we can understand travel narratives as a multifaceted genre that
transforms itself as time passes by taking into comparison Goethe’s travel journal to
Italy, in the beginning of the XVIII century, and Hemingway’s experiences described
in A moveable feast, in the middle of the XX century. We can even go further, by
exemplifying Of Walking in Ice, Werner Herzog’s psychedelic journal about his
expedition in snow published in 1982.
The modifications of the travel report are also attributed to the perspectives
opened by the rising of the realistic novel of Balzac (1799-1850), Dickens (1812-
1870), Flaubert (1821-1880) and Zola (1840-1902). The modifications also rely on
an increasing complexity of the journalistic narrative between the XVIII and XX
centuries. Brazilian writers like Euclides da Cunha (1866-1909), João do Rio (1881-
1921), Lima Barreto (1881-1922) and North Americans like Joseph Mitchell (1908-
1996), John Hersey (1914-1993) and Lillian Ross (1926-2017), for example, had
innovated in the ways of reporting a fact by making use of the literary resources in
texts. That way, they would gain in complexity and become more instigating.
By embracing that challenge, many writers had contributed to the diversification
of resources in the composition of texts committed to reality. The proximity of the
pen with a remunerated activity also helped: journalists and fiction writers were the
same people.
Years later, some journalists enlarged even more the horizons of literary
journalism with the arrival of the New Journalism. It was a radical current emerged in
plain counterculture of the sixties, devoted to the mission of transforming journalistic
narrative into something more interesting and acknowledged. By that time, according
to new journalist Tom Wolfe (1972, para. 13), “if a journalist aspired to literary status
– then he had better have the sense and the courage to quit the popular press and try
to get into the big league”.
It also due to New Journalism that the journalistic report enhanced its status
and its stylistic refinement. As Wolfe (1972, para. 17) recalls regarding the boom of
the current in New York magazine: “stylish reporting was something no one knew
how to deal with, since no one was used to thinking of reporting as having an
Travel Narratives

aesthetic dimension”. Wolfe is also notorious for being the one who had declared and
systematized the main characteristics borrowed from fiction that can be applied when
writing literary journalism. They would be composed by:

1) scene by scene’s construction


2) presence of realistic dialogues
453 3) presentation of the scenes through different characters’ points of view
4) description of status details of a person

When writing immersive reportage, Tom Wolfe (1972, para. 30) also innovated
by making use of onomatopoeias to better grasp the sound of the ambiance and
people’s interjections (“There Goes (Varoom! Varoom!) That Kandy-Kolored
(Thphhhhhh!) Tangerine-Flake Streamline Baby (Rahghhh!) Around the Bend
(Brummmmmmmmmmmmmmmmm)” and because he was in favor to a sort of
stream of conscious that looked for dissecting the chosen character’s vision of the
world (“Sometimes I used point-of-view (…) in which fiction writers understand it,
entering directly into the mind of a character, experiencing the world through his
central nervous system throughout a given scene”22). That posture sometimes inflicts
the conceptions of generations that came before those new journalists, as in the case
of strong oppositionist, old school New Yorker reporter Lillian Ross, known for being
“the mother of literary journalism”.
The choices of reporting as it was acknowledged by New Journalism’s
emergency converges so often with the travel report to an extent that Wolfe (2005)
attributes its roots in travel literature from the XVIII century and from the beginning
of XIX. Wolfe considers writer and diarist James Boswell (1740-1795) one of the most
important for the genre. That is probably because, by that time, many of those writers
took for themselves the autobiography, using it as tool for narrating their experiences
and adventures in challenging and exotic locations.
Thus we can find in that case parallels to a good journalistic production: a very
original perspective of the character, a daring narrator, a sequence of instigating facts,
and a unique agenda. Wolfe (2005) analyses that, before the risen of New Journalism,
it was unusual for journalists the idea of inserting autobiographical notes and a more
personal signature to reporting.
Taking into consideration the distinctive content that was being produced by
that time, it is not possible to escape the importance of some outstanding magazines
such as New Yorker, Esquire, Rolling Stone for consolidating the idea of feature stories
in the scenario of the press. After all, turning those narratives into something viably
commercially has always been very challenging, once those articles are usually very
slow to cover, to write and to check.
In Brazil, piauí, is one of the few vehicles that publish feature stories. Also
it is one of the few in which journalists are well-paid for ideas that mingle their
métier with Literature. Still, it is even more unusual to find magazines and websites
that demand travel reports with in-depth narratives. Then, some of the solutions
Travel Narratives

for producing it may be by publishing independent nonfictional travel narratives


in books, or even expanding the attempts for websites and social media. As for the
Brazilian case, not counting the regular commercially approached publications, we
can only mention some insights of literary journalism attempts in the Portuguese
version of National Geographic.
22 WOLFE, Tom. The Birth of ‘The New Journalism’: Eyewitness Report by Tom Wolfe New York Magazine. New
York: New York Magazine, 02/14/1972. Available at: nymag.com/news/media/47353 Retrieved in: May/2019.
454 Therefore, it is possible to imply that in contemporary context, travel
reports that are aligned to the style of literary journalism end up finding ostensive
concurrence with the niche of specialized journalism, mainly financed by the
market of tourism. Both approaches intend to seduce the reader for visiting, at
least in the imagination, the place that is highlighted.
The audience consumes the dream because conditions to travel are not always
available. Nonetheless, in practice, they are opposite strategies to draw attention.
The colorful and seducing images on the front covers of the tourism magazines
invest in a strong imagery appeal and here is the reason why often they are more
easily read and understood by the public in general.
On the other hand, in order to in-depth travel reporting be as demanded as
touristic reports, it must contain a stressed stylistic identity, with a powerful story-
telling, exploring elements that are as persuading as the advertisement pictures
displayed in the sections of tourism by massive media. Travel narratives must also
explore what they do best: allowing more freedom, admitting digression and a point
of view that moves further away the common sense, prioritizing the reporter’s
perspective and presenting a fact in a less objective manner.
Another difference between those two types of text approaches, clarifies
Modernell (2011), is that the latter comes from an external element, such as
an assignment given by the editor based in a “journalistic hook” – i.e.. some
circumstances that justify their publication. The other one, by its turn, is anchored
in the internal world of the author, in their concerns and obsessions. However, it
cannot be said for that reason that the travel report is not meticulous, accurate and
reliable in terms of fact check. The mandatory bind with reality is always present,
even though it is also valued the diligence with language.
We can, then, consider that literary travel journalism offers more resources
to expatiate in a more precise way on the visited scenarios. After all, consonant to
philosopher Alain de Botton (2002), attractive places tend to render us aware of our
inadequacies in the area of language. The solution to consolidate our impression of
beauty of somewhere would be “word-painting” the landscape (DE BOTTON, 2002,
p. 191). “The finished product may not be marked by genius, but at least it will have
been motivated by a search for an authentic representation of an experience” (DE
BOTTON, 2002, p. 194).
But what would be those resources specifically? The tools inserted in the interior
of this kind of narrative are somehow diffused and not always easy to be systematized.
Some important clues of the elements that mould literary travel journalism are offered
by Modernell (2011) when cataloguing some frequent narrative characteristics of that
Travel Narratives

genre, summarized below:


1) The starting point of the narrative it is a moment of disruption with the
“ordinary world”; the protagonist feels uncomfortable with the environment where
he/she lives, like and exiled in her/his own land; 2) the travel report includes
autobiographical aspects; 3) the work portrays an experience lived in-depth
(immersion) in which the traveler launches into the adventure with the feeling
455 of burning bridges, that is, ending a phase of life; 4) the protagonist undergoes
an intimate transformation throughout the way (individuation); 5) the text has
characteristics of an in-depth report, despite a sort of loose commitment with
the informative function; 6) the text transmits specialized knowledge of a certain
field through the voice of the author or the voice of a character; 7) the texts has
elements of adventure novel; 8) the traveler differs from the tourist by holding a
deprived and inquisitive look about what surrounds her/him; living in a creative
manner with insecurity and surprise; she/he permits to be taken by the stream of
happenings and delights herself/himself with the small flagrances of life; 9) the
text gives less relevance to the facts than to the effects on the observer; there is
a prevalence of subjectivity; 10) the author proposes to the reader a new way of
digesting or interpreting the things that he/she exposes; 11) in her/his journey, the
traveler has as allies availability and serendipity; she/he is able to detect sparkles of
eternity in what is transitory; 12) the author reflects about the nature and about the
displacement’s speed; 13) the author accesses layers of society which she/he does
not have the habit to live with in the “ordinary world”; 14) the author has insights
while observing the pace in which things take place in any spot or situation; 15)
the author seems to be moving “between the lines” of touristic guides, without
giving relevance to common-place touristic attractions; 16) when unveiling new
scenarios, the text evokes the starting point of the protagonist providing her/him a
retrospective and renewed gaze about the “ordinary world”.

A beam of paths to be covered in the road of improvisation

As it is possible to surmise, the catalogued characteristics above put in evidence


certain fluidity and conceptual amplitude of literary travel journalism. In many
moments, it encompasses the classical characteristics expressed in literary journalism
mentioned by Wolfe (2005), but in others, “it is based more in improvising than in
a structural pattern”23 (MODERNELL, 2011, p. 60, our translation), as it intends any
fictional or nonfictional creative composition.
Nonetheless, the classification represents an advance in terms of investigation
about the place of nonfiction in travel writing. That is because it can touch in some
important aspects of the textual structure of the report. It is an effort of approximation
of literary narrative and the travel narrative. Besides, it points out the great influence
on the perspective and the subjectivity of the traveler while building a report.
There is not exactly a point of arrival in that brief rhetorical journey. Yet, if
there is not a fixed destination point, then, at least, the present study integrates
Travel Narratives

a beam of reflections about such a worthy full of possibilities topic. The genre of
travel narratives still keeps miles and miles of its routes still unknown: just like the
shepherd and the nomad their insubordinate and multifaceted character permits to
be unveiled only by the courageous ones who try to transmute the action of the
displacement into the fascinating practice of the written word.

23 From the original: baseia-se mais num improviso que num padrão estrutural
456 REFERENCES

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Travel Narratives
457 NOS LIMITES DA EXPERIÊNCIA TURÍSTICA:
PLANEJAMENTO E NARRATIVAS DE VIAGENS

Caroline Brito1

As narrativas de viajantes nos permitem refletir sobre diferentes formas de


engajamento na experiência turística. É possível relacionar esses engajamentos a três
diferentes momentos do ciclo da viagem: 1) a antecipação da viagem; 2) a viagem em si;
3) o regresso à vida ordinária. O tempo da viagem é vivido pelos narradores que integram
o presente estudo como um tempo extraordinário, que produz um estado alterado, do
qual o viajante retorna diferente do que partiu. Compreendendo que os períodos de
transição, isto é, de partida e de regresso da viagem, são por eles prolongados com as
experiências, em uma ponta, de planejamento e, na outra, de narração, procuro tecer
algumas considerações acerca desses dois momentos. Começo trazendo um conjunto
de ponderações acerca da relação entre racionalidade, subjetividade e imaginação no
planejamento da viagem. Em seguida, adentro a metáfora ritual, apontando que tanto a
antecipação da viagem, que envolve planejamento e imaginação, quanto o retorno, que
envolve memória e narração, são tomados como partes constitutivas da experiência de
viajar, “quase tão bons” quanto a viagem em si. Procura-se então refletir sobre como
essas experiências são capazes de dar vazão a um projeto de individualização, na medida
em que, por um lado, o planejamento da viagem, ainda que retire sua matéria-prima da
experiência de outros, é vivido como um processo de construção de uma viagem singular
para si próprio e que toma em consideração as subjetividades do viajante; por outro, a
narrativa constrói uma personagem autobiográfica que compartilha, não experiências
generalizantes, mas vividas e sentidas por um self em movimento.
O artigo ora apresentado é fruto de um retorno aos dados de pesquisa
coletados no âmbito do mestrado em Antropologia da autora, durante o qual
foram investigadas, entre os anos de 2012 e 2014, as narrativas de sete blogs de
viagens, além das interações com leitores em suas caixas de comentários. Os blogs
não apenas encerram a narração e descrição de percursos de viagens, mas neles
também nos depararmos com debates e discursos com os quais os blogueiros se
posicionam reflexivamente sobre o fazer viagens e sobre o próprio fazer narrativo.
Narrativas de Viagem

Para aproximação com o universo pesquisado, além da tarefa empreendida de


realizar uma etnografia virtual, a autora participou de dois encontros de blogueiros
de viagens (Encontro Internacional de Blogueiros de Turismo - EIBTUR2 e 1º Encontro

1 Doutoranda em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), mestre em Sociologia
e Antropologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Bacharel em Turismo pela Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Atua principalmente nas áreas de antropologia do turismo e antro-
pologia da religião. E-mail: carol@contoaberto.org .
2 Evento realizado entre 13 e 15 de junho de 2012, em Foz do Iguaçu, que constava da programação do Festival de
Turismo do Iguaçú e propunha uma agenda de palestras e debates em torno da profissionalização dos blogueiros
de viagens.
458 de Viajantes3) e acompanhou as redes formadas em torno do movimento de
profissionalização que ocorria em concomitância com a pesquisa e que, por sua vez,
culminou na formação de duas entidades: a Rede Brasileira de Blogueiros de Viagens -
RBBV, e a Associação Brasileira de Blogs de Viagens - ABBV. A pesquisadora também
lançou mão de entrevistas em profundidade concedidas por três blogueiros, e do
áudio de uma entrevista realizada pelo canal online Brainstorm9 com Ricardo Freire,
que se tornou uma espécie de guru dos blogs de viagens em razão de sua trajetória
de pioneirismo e sucesso profissional com a página Viaje na Viagem.
O campo de pesquisa revela uma relação particular dos blogueiros com as viagens
que planejam. A organização prévia e minuciosa das viagens é prática corriqueira
entre eles. Dela podemos depreender certos sentidos e valores compartilhados, como
a máxima racionalização do tempo, a autonomia do viajante, ou o enaltecimento da
experiência de antecipação, que envolve sonho, imaginação e uma representação
idealizada do destino. A narrativa da viagem, por sua vez, tanto se constrói em torno
da memória do viajante quanto aponta para um universo de relações com o seu
público leitor.

A bagagem de planos: entre o previsível e o imprevisível

A viagem implica deslocamento, físico e simbólico. Para mover-se em um novo


ambiente com alguma desenvoltura, o turista procura munir-se com informações
prévias sobre a sua viagem, e uma imagem virtual do lugar povoa antecipadamente
a sua imaginação. Esta antecipação fornece significado à viagem que está por vir
(CRAWSHAW; URRY, 1997, p. 179), e no exercício da imaginação lugares transformam-
se em “destinos”.
Não raro os blogueiros ressaltam o prazer envolvido no planejamento de
viagens possíveis, como se esse momento que antecede a partida fosse já parte
significativa da experiência. É prática comum a elaboração de roteiros que poderão
ou não se concretizar algum dia. Esse tema ficou evidente em uma conversa informal
durante o EIBTUR, quando uma blogueira afirmou ter roteiros prontos para mais
de cinco anos de viagens e outros a seguiram demonstrando a mesma inclinação
para o passatempo da criação de roteiros. A observação dos relatos virtuais revela
que esse é um tema frequente também nas páginas dos blogs. Além de se engajarem
em viagens possíveis, os blogueiros planejam cuidadosamente as viagens que serão
efetivamente concretizadas. Não deve causar estranheza a valorização exacerbada
dessa etapa prévia de planejamento das viagens, na medida em que ela ganha uma
Narrativas de Viagem

dimensão de sonho e de projeto individualizante (VELHO, 1997) em um contexto


de viagens que há não muito era predominantemente marcado pelos roteiros pré-
formatados das operadoras turísticas. O planejamento do próprio roteiro é signo
da independência do viajante e o universo de narradores a que nos referimos é
caracterizado por pessoas que viajam com alguma frequência, para dentro e fora do
país, e que pertencem a camadas médias marcadas por uma visão de mundo que tem
o indivíduo e a noção de biografia como valores centrais. Velho (1997) salienta como a
3 Encontro social de blogueiros de viagens realizado no Rio de Janeiro em 25 e 26 de agosto de 2012.
459 noção de escolha é elemento fundamental para se pensar em projeto, e, nesse sentido, o
projeto ganha maior relevância em determinadas culturas e subculturas sobremaneira
individualizantes. São contextos em que a ideia de que cada indivíduo constrói para si
uma trajetória singular a partir de suas preferências, gostos e potencialidades é mais
aceita e naturalizada. Nos blogs de viagens, não apenas a autonomia dos blogueiros é
enfatizada como as narrativas ali produzidas se colocam a serviço da independência
das viagens dos leitores. A valorização do planejamento pode ser então compreendida
tanto como experiência organizadora quanto como experiência afetiva.
O planejamento implica um processo imaginativo que envolve uma primeira
aproximação com o outro e a criação de expectativas sobre esse outro. Para Bruner
(2005a, 2005b), essa aproximação inicial com o destino se dá através do que ele chama
de “narrativas pré-turísticas”, que reproduzem discursos dominantes sobre lugares
na imaginação ocidental. Tais discursos são acessados através de guias de turismo,
agências de viagens, filmes, televisão, literatura de viagem, folhetos turísticos,
escritos antropológicos, jornalismo, internet, etc. Bruner salienta a participação
dessas narrativas na experiência turística propriamente dita, na medida em que elas
fornecem um quadro a partir do qual a cultura do outro é interpretada, compreendida
e experienciada. Assim, as narrativas pré-turísticas conformam um filtro mediador dos
sentidos que estrutura a própria percepção do turista e molda seu comportamento em
sua viagem ao selecionar os aspectos da cultura que serão apresentados aos visitantes
(id. ibid.). Bruner não desconsidera as rupturas provocadas nestes discursos a partir
da experiência da viagem em si, ao contrário, entende que as narrativas propriamente
turísticas modificam, completam, reforçam ou subvertem as pré-turísticas.
O planejamento da viagem assume também um caráter um tanto prático
ao buscar o controle das circunstâncias adversas, a garantia de que transtornos e
contratempos desnecessários sejam evitados. A elaboração de roteiros racionaliza
o tempo despendido em cada destino, para que esse tempo seja aproveitado, e não
desperdiçado. Embora o tempo dedicado à viagem seja bastante variável, o turista
geralmente não tem muito tempo à sua disposição. Férias, feriados e finais de
semana são momentos privilegiados que potencialmente se convertem em viagens.
Além disso, é comum que essas viagens sejam particionadas entre diversas cidades,
regiões ou países. Os blogueiros e seus leitores mostram-se, com frequência,
preocupados com o equilíbrio entre o tempo disponível e a possibilidade de dar
conta de conhecer o lugar. O excerto abaixo exprime a relação que estabelecem com
a temporalidade das viagens:
Narrativas de Viagem

A minha primeira vez em Sintra foi assim: um dia e nada mais, com aquelas
clássicas saídas de Lisboa pela manhã e retorno no final da tarde.
Que frustrante! Mal tive tempo de rodar um pouco pelo centro e de visitar o
Palácio da Pena… E o Castelo dos Mouros? E a Quinta da Regaleira? Não vai
dar pra comer um outro “travesseiro”?
Eu precisava voltar a Sintra e destinar a ela o tempo que ela merece: dois dias
inteiros! Aí sim! Tive tempo de visitar tudo o que eu queria, sem me preocupar
com horários!4

4 LUISA. Sintra. Arquivo de Viagens. 20 nov. 2007. Disponível em: <http://www.arquivodeviagens.com/sintra/>.


Acesso em: 27 fev. 2014.
460 A disponibilidade de tempo livre e de recursos financeiros são alguns dos fatores
que limitam a estada e preponderam na organização das viagens, determinando,
muitas vezes, a inclusão ou exclusão de atrativos, cidades ou regiões do roteiro. A
intenção de visitar mais ou menos destinos influirá no tempo dedicado a cada um
deles. De qualquer modo, os turistas não querem permanecer apenas em trânsito. A
viagem é formada principalmente pelas paragens, e não tanto pelos deslocamentos,
especialmente se esses transcursos forem empreendidos por via aérea. Por outro lado,
permanecer em um local onde “tudo” já fora visto e experimentado é limitar o campo
de experiências, que poderia ser ampliado no rumo a outros lugares. O tempo do
turista é intenso e fugaz. Cada dia parece ser único, um tempo que se perde ou que se
ganha, que se aproveita ou desperdiça.

Para o viajante, o planejamento busca conferir equilíbrio entre as atividades


a serem realizadas e o tempo disponível entre a chegada e a partida do destino.
O tempo indicado para permanência em cada lugar é uma pergunta frequente
nas caixas de comentários dos blogs. Muitos dos leitores estão à procura do
planejamento de suas próprias viagens e, como corolário, as questões de ordem
prática tornam-se uma constante. Como a permanência do turista tende a ser breve,
entende-se que o melhor proveito da viagem se faz por meio do planejamento. O
turista não dispõe de tempo para descobrir in loco aquilo que há para ser visto,
visitado e experimentado. Suas pesquisas já foram feitas preliminarmente e, se não
tudo, muito do que será visto, já fora previsto em um roteiro. Para os blogueiros,
ao deixar esta tarefa para ser executada durante o trajeto, o já escasso tempo é
desperdiçado e as experiências ficam limitadas pela desinformação. Além disso, o
turista que não se prepara sujeita-se a contratempos e adversidades que poderiam
ter sido evitados.

Nossa primeira parada seria a Playa Blanca, às margens do Lago Caburgua.


Eu imaginava um lugar meio bucólico, com uma vista bonita do lago, cercada
de vegetação e a vista de algum dos vulcões nas redondezas.  Descemos junto
com a galera e seguimos o fluxo pela trilha que leva ao lago. E, chegando
lá,  estávamos realmente em uma praia! Guarda-sóis espalhados pela areia,
crianças fazendo castelinhos, gente vendendo picolé… Tudo o que eu não
esperava encontrar naquela região do Chile! E nós ali, de calça comprida e
tênis! Peixes fora d’água! Não poderíamos estar mais mal informados! (...)
Nosso passeio foi uma sequência de furadas, mas tudo aconteceu por falta de
informação.5
Narrativas de Viagem

O planejamento racionaliza a viagem justamente para que estas questões


não aflorem durante o percurso. O que não fora previsto é, no entanto, exatamente
aquilo que pode tornar a viagem memorável. Tudo se passa como se o esforço de
controle de circunstâncias inoportunas favorecesse o emergir de experiências novas e
inusitadas, como se a racionalização abrisse caminho para a emoção. A racionalização
é aqui convocada não para domesticar, mas para potencializar as emoções, uma vez
que a viagem demandaria uma entrega hedonista. Assim, antevendo e afastando
5 NAVARRO, Camila. Pucón - Tour por la Zona. Viaggiando. 01 jul 2012. Disponível em: < http://www.viaggian-
do.com.br/2012/07/pucon-tour-por-la-zona.html>. Acesso em: 27 fev. 2014.
461 as possibilidades de contratempos durante o percurso, a viagem se tornaria mais
prazerosa, tomaria um curso mais natural, como se os percalços e as frustrações fossem
sobreposições dispensáveis, que não pertencessem e não devessem tomar parte da
jornada turística. Apesar do aparente pano de fundo marcado por um pensamento
dualista típico da sociedade moderno-ocidental e construído nos termos dos polos
razão/emoção, a antecipação da viagem, conforme veremos, é permeada por discursos
afetivos, relacionados ao prazer e à felicidade.

O aspeto pragmático do planejamento se propõe a otimizar e maximizar o


prazer envolvido na experiência turística. Uma série de questões são então levadas em
consideração no intuito de prevenir as adversidades, tais como: câmbio de moedas;
serviço de traslado; feriados, festejos e atividades locais; custos, dias e horários de
funcionamento de lugares e serviços; condições climáticas; arrumação da bagagem;
roteiros de visitação; reserva prévia de serviços e ingressos; localização ideal para
a estada; deslocamentos e meios de transportes locais; seguro de viagem, etc. O
excesso de controle e de informação não tem por objetivo cercear o movimento e
materializar um plano preestabelecido. O que esse viajante busca é a voluptuosidade,
a experimentação livre de aborrecimentos que o remeteriam de volta ao cotidiano.
A viagem, como a aventura simmeliana, tem começo e fim. Ela é vivida como uma
totalidade com sentido próprio, que escapa à linearidade do tempo cotidiano, e
não encontra continuidades em acontecimentos anteriores e posteriores do curso
convencional da vida (SIMMEL, 1998). Para Arnaldo,

Quando as planejamos adequadamente [as viagens], tudo tende a correr


bem e as surpresas revelam-se mais agradáveis. Quando todo o nosso tempo é
naturalmente dispendido em conhecer, ver, absorver e aproveitar, tanto maior
será o prazer e o aprendizado. Já o tempo gasto na resolução de contratempos é
tempo perdido, desperdiçado, desfocado do alvo que deve ser sempre o prazer.6

Um aspecto importante do planejamento é o conhecimento prévio do mundo a


ser visitado. Refletindo sobre a relação entre a percepção e o significado MacDougall
(2009, p. 62) observa que o significado guia a nossa visão, ele “impregna a imagem
de uma pessoa com tudo que sabemos sobre ela. É o que a torna familiar, dando-
lhe vida, cada vez que a vemos”. Sem a pesquisa prévia, provavelmente pouco do
que se vê na viagem será compreendido. Mas MacDougall (2009) também adverte
sobre os obstáculos criados pelo significado quando os impomos às coisas. E ressalta,
por fim, como a percepção altera e refigura o significado. Todas essas questões
Narrativas de Viagem

se fazem presentes na relação que os blogueiros estabelecem entre as etapas do


planejamento e da viagem. Ricardo Freire, em entrevista para o Brainstorm9, destaca
como o planejamento constrói referenciais através dos quais é possível estabelecer
comparações e melhor se situar no ambiente visitado:

Normalmente, o ponto alto de uma viagem é o que a gente não estava


esperando. Foi a surpresa. E o negócio de planejar antes te deixa em condição

6 INTERATA, Arnaldo. Dubai: Blogando ao vivo. Fatos & Fotos de Viagens. 09 ago. 2007. Disponível em: <http://
interata.squarespace.com/jornal-de-viagens/2007/8/9/dubai-blogando-ao-vivo.html>. Acesso em: 27 fev. 2014.
462 de, na hora, embarcar na certa, na hora você percebe ‘nossa, mas isso tem cara
de ser melhor do que aquilo que eu tinha pesquisado’.7

Assim, para os blogueiros, o que potencializa a experiência da viagem é, em


alguma medida, a sua antecipação. O plano favorece a abertura para o inesperado, para
a experiência e para o sentido. Em um post dedicado ao tema do planejamento, Arnaldo8
afirma estar certo de que “quanto maior o planejamento maior será a espontaneidade
durante a viagem.  Quanto mais nos prepararmos, melhor enfrentaremos o inesperado”.
E continua dizendo que “nossas vidas, assim como nossas viagens – por mais planejadas
e orientadas que sejam – são uma natural sucessão de fatos e acontecimentos ocasionais,
imprevisíveis, supervenientes, aguardados, previsíveis, que podem ou não ter qualquer
relação entre si”.

A atual disponibilidade de informação na internet sobre regiões as mais remotas


do planeta e a consequente facilidade de planejamento da viagem colocam em questão
o lugar da espontaneidade durante a jornada turística. Contudo, para os blogueiros,
planejar não é aplacar a experiência com os grilhões da racionalização, tampouco a
viagem se desenrola como atualização da imagem pré-concebida de um percurso, o que
resultaria, no mínimo, em uma narrativa desastrosa, uma vez que “viagens perfeitas não
fazem relatos” (FOIS-BRAGA, 2011, p. 4). Os imponderáveis que pertencem ao tempo
do vivido, e não a um plano previamente esboçado, é que seriam capazes de gerar boas
histórias. Como Arnaldo Interata e Ricardo Freire, os blogueiros tendem a valorizar
o inesperado e a ideia de que a antecipação da viagem abre caminho para a entrega
hedonista. A viagem não é tomada como o produto acabado de uma imagem mental ou
ideal, mas como processo, do qual o planejamento toma parte. Privilegiando o processo
ante a forma final, Ingold (2011, p. 6, tradução minha) sugere que a produção deve ser
compreendida intransitivamente, e não “como uma relação transitiva de imagem a
objeto”. Sendo “concebido como o movimento atento de um ser consciente, engajado
nas tarefas da vida, o processo produtivo não está confinado nas finalidades de nenhum
projeto particular” (INGOLD, 2011, p. 6, tradução minha). De modo semelhante, o que
os blogueiros enfatizam em suas páginas é que não é o resultado final traduzido na
objetivação de um plano que interessa aos viajantes, mas o fazer que se constrói ao
longo do percurso por meio de experiências tomadas como significativas, estejam elas
previstas ou não para acontecer. Na descrição dessas experiências aparece, dentre
outros aspectos, a valorização do encontro com o desconhecido, a descoberta do novo.
Considerando um contexto em que a informação sobre o mundo e seus mais recônditos
lugares parece tão acessível, a ponto de que se possa quase sempre prever roteiros
Narrativas de Viagem

detalhados das viagens, pergunto a Arnaldo o que exatamente significa a requisitada


experiência da “descoberta do novo”, ao que ele responde:

7 FREIRE, Ricardo. Entrevista concedida a MERIGO, Carlos; MILETI, Saulo; MAFRA, Guga. Braincast 73 – Blogs de
viagens: Como ser um turista profissional. Brainstorm9. 23 jul. 2013. Disponível em: <http://www.brainstorm9.com.
br/39257/braincast9/braincast-73-blogs-de-viagens-como-ser-um-turista-profissional/>. Acesso em: 26 ago. 2013.
8 INTERATA, Arnaldo. Planeje bem, viaje melhor. Fatos & Fotos de Viagens. 07 dez. 2008. Disponível em: <http://
interata.squarespace.com/jornal-de-viagens/2008/12/7/planeje-bem-viaje-melhor.html>. Acesso em: 27 fev. 2014.
463 Nunca um lugar vai ser tão bem explorado se não for vivido e presenciado,
mesmo que você leia todos os livros do mundo, veja todos os filmes do
mundo. Nunca! Nunca, jamais! É Impossível! (...) nada se compara a viver e
presenciar. Nada. O toque, a visão, o olfato, o cheiro, a experiência, ver 360
graus é completamente diferente de você ler um livro. (...) Não é a mesma
coisa que você sentir o cheiro do mato, que você subir o morro, você sentir o
vento, não é a mesma coisa. (...) Nenhum grande aventureiro, nenhum grande
expedicionário, de Marco Polo, Gengis Khan, conquistador, Darwin, quem
quer que seja, Amir Klink, nenhum deles fez sem planejar. Nada do que eles
fizeram teria sido possível sem planejamento. (...)

Arnaldo enfatiza a distância entre ver e viver, imaginar e experimentar. Ver


fornece uma experiência de ordem diversa do estar lá, a imagem antecipa uma viagem
que é outra coisa, e não uma reprodução dela mesma. Ver através das lentes de outros é
também outra coisa que ver com os próprios olhos. É preciso estar lá para realizar suas
próprias descobertas. O novo, nas viagens turísticas, deixa de ser uma realidade a ser
desvendada, e torna-se uma perspectiva. Conhecer envolve mais que a virtualização
de imagens, envolve deslocamento corpóreo e engajamento de todos os sentidos,
envolve testar as imagens produzidas por outros e criar novas imagens e sentidos
para si. Bruner (2005b) entende que, conquanto as narrativas pré-turísticas forneçam
um molde para a viagem, há sempre uma arena para a criatividade, na qual os turistas
modificam as narrativas dominantes e criam suas próprias interpretações. É válido
reiterar ainda que o planejamento, longe de se constituir como pura racionalidade
para os blogueiros, é sobretudo valorizado enquanto experiência, experiência de tal
ordem que permite a antecipação de outras experiências, através do imaginário. Há
então uma certa ambivalência na oposição entre experiência e imaginação sugerida
por Arnaldo, posto que ela pode ser também entendida como uma diferenciação de
modos de experimentação do mundo, no lugar de uma antinomia do tipo realidade/
representação ou real/virtual.

Antecipação, experiência e narração

Para Graburn (1989), o turismo ocupa um lugar sagrado na vida moderna, lugar
que se depreende da organização da vida em termos da alternância e oposição entre
o ordinário e o extraordinário. O tempo sagrado do turismo é vivido em oposição
ao tempo profano do cotidiano de trabalho. É o período do extraordinário que faz o
restante da vida ordinária “valer a pena”. Para a sociedade ocidental, arraigada à ética
do trabalho, as atividades do tempo livre e do tempo obrigado ganham contornos
morais que caracterizam as ações como apropriadas ou não para cada um desses
Narrativas de Viagem

momentos. O turismo é uma atividade do tempo livre, ele permite uma quebra na
rotina, um distanciamento que proporciona alívio das obrigações cotidianas. Ele
simboliza o movimento, por oposição à permanência; a livre-escolha, por oposição
aos compromissos diários da vida obrigada; a diferença, no lugar da monotonia. É
nesse sentido que Graburn (ibid.) confere ao turismo um aspecto ritual, comparando-o
aos estudos antropológicos que se ocupam da relação sagrado/profano. Baseado
em Leach, Graburn (ibid.) propõe que além do tempo do sagrado e do profano, a
passagem do tempo nesses rituais contempla também os períodos de transição entre
464 estes estados. Esses momentos são ambivalentes. Aquele que antecede a partida é
preenchido por excitação, felicidade, euforia, mas também tensão, já que a viagem
envolve algum grau de risco de acidente e de morte. Na partida dizemos adeus, ela
encerra em si mesma uma morte simbólica. A reentrada na vida ordinária é repleta
de nostalgia, e, ao mesmo tempo em que significa o fim das férias e da excitação, ela
também implica em alívio por voltar a salvo para casa e por trazer um fim à tensão e
ao peso emocional do “estar fora” (GRABURN, 1989).
Com os processos de planejamento e narração, os blogueiros prolongam os
tempos de transição, muito embora a proximidade da viagem possa elevar a excitação
e a expectativa da partida, assim como a memória pode perder vivacidade com o
passar do tempo. Nesse sentido, o extraordinário da viagem é, tanto quanto possível,
estendido para o campo ordinário da vida, através, por um lado, da antecipação e do
planejamento, e por outro, da rememoração e narração. Camila afirma, em sua página,
que “nada melhor do que o blog para fazer a viagem durar mais tempo”, indicando
como a narração amplia o tempo de vivência da viagem através da memória.
A etapa precedente, do planejamento da viagem, não tem apenas um sentido
pragmático, ela é também compreendida como uma experiência da ordem da
imaginação, que faz parte do processo de viajar. Para muitos o planejamento é um
hobby, que existe com ou sem a concretização da viagem. Em todo o caso, é um passo
importante na criação de viagens possíveis. Ele estabelece o início de um processo
de tradução do outro para o mundo do viajante, uma forma de tornar familiar o
que é distante, e instaurar a possibilidade de comunicação com esse outro. Com o
planejamento, lugares povoados apenas por imagens vagas e indefinidas transformam-
se em destinos palpáveis, ainda que possamos afirmar, conforme Bruner (2007, p. 233),
que “o turismo tem menos a ver com o modo como os outros povos realmente são
do que como os imaginamos ser, e nesse sentido é como qualquer outra forma de
representação”.
O turismo mobiliza o sonho e a fantasia, e para os amantes das viagens, a
viagem não começa na partida, mas no planejamento, que é também imaginação.
O planejamento é percebido como uma antecipação hedonista da viagem. É a esse
tipo de devaneio, situado entre o desejo e o consumo de fato, que Campbell (apud
REZENDE, 2010) classifica como “hedonismo autoilusivo”. No entender de Campbell,
esse tipo de hedonismo gera uma tensão entre a fantasia, em sua perfeição e liberdade
imaginativa, e a realidade desencantadora. Evidentemente, os blogueiros conferem às
viagens em si, que são o foco de suas narrativas, uma centralidade em suas experiências
de felicidade. Para além do escopo dessas páginas pessoais e do imperativo da
Narrativas de Viagem

felicidade na sociedade ocidental moderna (BRUCKNER apud REZENDE, 2010), se


não tomarmos o imaginário como elemento antagônico ao real, mas considerarmos
que ele faz parte “de uma percepção do real ou que a construção da realidade passa
necessariamente pela imaginação” (GONÇALVES, 2008, p. 120), podemos conceber
como o planejamento se constitui ele próprio enquanto experiência para os blogueiros
e como ele participa também da construção da experiência da viagem. No primeiro
caso, a antecipação assume um caráter de experimentação preliminar, que em toda
a sua precariedade sensível é capaz de mobilizar afetos significativos pela via da
465 fantasia e da imaginação. No segundo, ele informa o viajante durante seu percurso,
moldando em parte sua experiência, que é a todo tempo atualizada e incrementada
pelos múltiplos agenciamentos encontrados no âmbito do vivido.
Boa parte do planejamento e da fase de antecipação da viagem retira a sua
matéria-prima das memórias e relatos de outros viajantes. Crawshaw e Urry (1997, p.
179, tradução minha) destacam o papel da memória nas viagens turísticas, salientando
que, embora a memória diga respeito às diversas formas de sentir e perceber o mundo
através dos diferentes sentidos, de maneira a se poder afirmar que “é o corpo que
conhece e lembra”, o sentido da visão é particularmente cardeal na construção da
memória turística. Quando distante do seu ambiente usual os sentidos do turista são
intensificados, mas “são as imagens visuais de lugares que dão forma e significado à
antecipação, experiência e memórias de viagem” (id. Ibid). Os autores apontam que
“muitas das imagens que consumimos visualmente quando estamos viajando são,
na verdade, as memórias de outros que são então consumidas visualmente por nós”
(CRAWSHAW; URRY, ibid.). Os relatos dos blogs são sempre permeados por imagens,
a fotografia é parte importante tanto da viagem, quanto da narrativa. É considerável o
número de fotografias que o viajante produz hoje com as câmeras digitais. Uma viagem
de quinze dias pode render facilmente mais de três mil fotos. O blog exige uma seleção
dessas imagens, e as fotografias dão ordem à narrativa, construída, muitas vezes,
com base nas imagens que organizam as memórias de viagens. Arthur comenta, em
entrevista, que seu interesse pela fotografia se inicia em razão de suas viagens, as quais
se tornaram uma constante em sua vida a partir do ano de 2003, e que a própria prática
da fotografia interfere, em alguma medida, no seu modo de viajar, pois, estando ele
sempre à procura dos melhores ângulos, a viagem passa a comportar um exercício de
escrutínio do olhar. Em sua busca por um tratamento autoral das imagens, Arthur ri-se
da ironia da produção de imagens no turismo: “A fotografia é meio ingrata, porque você
está crente que fez o negócio original e tem quinhentas mil imagens iguais na internet”.
Essa ironia é a da compreensão naturalizada da individualidade na sociedade moderna-
ocidental, que conduz a uma busca incessante por um eu singular, que por sua vez está
imerso em um modo de olhar e de habitar o mundo que é socialmente condicionado.
MacDougall (2009) observa que a maneira como vemos as coisas é profundamente
estruturada, mas nossa percepção, ainda que culturalmente orientada, é o mecanismo
pelo qual nossos valores e interesses são transformados.
Com seu espaço dedicado à narração, o blog de viagem é um meio para o
compartilhar de discursos e imagens sobre outros povos e lugares. As caixas de
comentários dos blogs são reveladoras do engajamento dos leitores em viagens virtuais
Narrativas de Viagem

pelos percursos do narrador, e os blogueiros estão conscientes de que seus relatos


servem à construção de outras viagens. A narrativa do blog permitiria então uma dupla
experiência de viagem. A primeira, a viagem pelo texto, o imaginário suscitado com a
trajetória virtual do leitor pelo relato do narrador; a segunda, a viagem real que o leitor
cria para si com o suporte desses mesmos relatos. Leitores estão sempre afirmando que
alteraram seus roteiros em virtude das descobertas feitas no blog, decidiram destinos
com base nos relatos, e sentem-se inclinados a fazer o mesmo trajeto realizado pelo
blogueiro. Além da influência que exercem sobre as escolhas dos leitores, há ainda a
466 percepção de que as narrativas sobre o outro tecem imagens e representações sobre
esse outro, e tudo isso incute algum grau de responsabilidade ao narrador. O refúgio
do blog se coloca no discurso da subjetividade e da pessoalidade de suas narrativas.
Ao tomar o blog como espaço do self, os blogueiros reforçam o caráter particular de
suas impressões, enfatizando a variabilidade das perspectivas e das experiências nas
diferentes páginas e a responsabilidade do leitor em pesquisar e compor uma viagem
para si próprio. Assim, se o planejamento tem sua base na experiência de outros, ele
também se apresenta como um processo novo, que singulariza o indivíduo com a
construção autônoma de uma viagem para si. É assim que da narrativa do blog outras
viagens podem ser criadas e, por conseguinte, narradas.

Construindo imaginários através da pesquisa e busca por informação, emoção


e experiências alheias, o blogueiro, no seu processo de planejamento, povoa sua
memória com sentidos que irão orientá-lo em sua jornada e participar de sua
posterior narração. Ao fornecer narrativas sobre o mundo, o planejamento alimenta
e participa não apenas da experiência da viagem em si, mas também da etapa que
sucede o regresso do blogueiro ao seu local de moradia, aquela que diz respeito à
rememoração e narração da viagem. A pesquisa do blogueiro, muitas vezes extensa,
serve à sua própria produção de relatos e narrativas. Esse aspecto se torna notável e
literal quando Arnaldo afirma produzir parte de seus textos antes mesmo da partida.
Durante uma viagem em que “bloga ao vivo”, ele testa, compara, verifica, e depois
adapta, acrescenta e modifica o que julgar necessário.

para que o ato de blogar não atrapalhe a viagem e tenha de fato conteúdo, é
fundamental planejamento anterior e preparo para que  parte do texto a ser
publicado esteja escrito, alinhavado, de tal maneira que seja apenas atualizado,
eventualmente corrigido  durante a viagem,    confirmando ou não aquilo que
pesquisamos e colocamos no papel. Durante a viagem a gente vai apenas inserindo o
que sentiu,  de maneira a  que o texto tenha credibilidade e personalidade, não
meramente uma cópia aqui e acolá de textos extraídos por aí.9

O retorno da viagem envolve o debruçar-se sobre lembranças, fotografias e


recordações para a escrita ulterior. A escrita, assim como o planejamento, é vivida
como parte importante da experiência da viagem, de maneira que encontramos nos
blogs o prazer e a valorização da escrita e de seu papel na construção da memória
da viagem. Os blogueiros dedicam bastante tempo a imaginar e planejar viagens, ou
ainda, a reportar memórias e aventuras vividas em suas jornadas. Ao fechamento de
um ciclo de publicações acerca da última peripécia, novas viagens que se aproximam
Narrativas de Viagem

tendem a ser anunciadas no blog.

No espaço dos blogs, a viagem e a narrativa se entrelaçam e influenciam


reciprocamente. Por um lado, a viagem fornece matéria-prima para a narrativa. A
experiência vivida pelo viajante nos seus percursos turísticos é reivindicada como
o principal substrato das narrativas dos blogs de viagens, especialmente quando
são acusados de reproduzir conteúdos publicados por instituições oficiais, como as

9 INTERATA, Arnaldo. Dubai: Blogando ao vivo. Fatos & Fotos de Viagens. 09 ago. 2007. Disponível em: <http://
interata.squarespace.com/jornal-de-viagens/2007/8/9/dubai-blogando-ao-vivo.html>. Acesso em: 27 fev. 2014.
467 secretarias de turismo, ou por outros meios de divulgação de produtos e serviços
turísticos. Por outro lado, a narrativa fornece sentido à viagem, provendo-lhe forma e
coerência. Além disso, ela repercute na própria prática do viajar, sobretudo porque o
blog é um compromisso com leitores, e com uma rede da qual se faz parte, o que leva
o blogueiro a ter sua página virtualmente presente em seus percursos. Ainda que a
atualização da página não seja concomitante ao trajeto – e usualmente não é –, o blog
passa a fazer parte da experiência da viagem e a influencia. Em entrevista, a blogueira
Juliana, por exemplo, afirma que após ter iniciado o blog passou a ficar muito mais
atenta a detalhes que antes lhe passariam longe da vista, para que assim pudesse fazer
registros úteis a outros viajantes.

Produzida em atenção a uma rede de relações, a narrativa do blog é marcada pela


valorização da subjetividade e da experiência do narrador. O blogueiro constrói sua
personagem viajante para o mundo através de uma narrativa autobiográfica. Todorov
(1992) demonstra que, historicamente, a viagem fora tomada tanto como experiência
edificante como, ao contrário, depreciativa, em função do quão se a associava a um
processo de transformação interior. A concepção que menospreza o deslocamento
espacial toma o viajante por um aventureiro vaidoso, sua narrativa é só um reflexo
deste estado de espírito: “a própria existência de uma narrativa implica necessaria-
mente a valorização do seu objeto (já que este merece ser evocado), e, portanto, uma
certa satisfação do seu narrador” (TODOROV, 1992, p. 97). Nessa perspectiva, a busca
do homem por elevação é uma busca interna, e não é preciso deslocar-se fisicamente
para alcançá-la. Ao contrário, a viagem externa apenas o distrai e o torna dependente
do mundo exterior. O prisma que valoriza o deslocamento, por sua vez, não contrapõe
a viagem externa à interna, busca conciliá-las, valorizando o conhecimento do mundo
como uma forma de acesso ao autoconhecimento. Nessa perspectiva,

A existência dos outros à nossa volta não é um puro acidente. Os outros não
são simplesmente sujeitos solitários comparáveis ao eu mergulhado em medi-
tação; os outros também fazem parte dela: o eu não existe sem um tu. Não po-
demos chegar ao fundo de nós mesmos se daí excluirmos os outros. O mesmo
acontece com os países estrangeiros e as culturas diferentes da nossa: aquele
que apenas conhece a sua terra arrisca-se sempre a confundir cultura e natu-
reza, a erigir o hábito em norma, a generalizar a partir de um único exemplo
que é ele mesmo. (TODOROV, 1992, p. 99-100)

Os blogueiros tendem a unir em seus discursos a viagem interna e a viagem


externa, como se o lado de fora se refletisse como um espelho no interior. De fato, a
viagem sempre foi um tema privilegiado tanto para a construção de narrativas quanto
Narrativas de Viagem

para a personagem de si do narrador. Não por acaso Benjamin (1994, p. 198-9) associa
a figura do narrador ao viajante ou também ao homem sedentário que conhece seu
passado e suas tradições. Ambos estão ligados ao gênero da narrativa, um através da
sua própria história, outro através da história de seus antepassados. Para Pimentel
(2001, p. 87), “desde o momento em que as pessoas começam a viajar pelo prazer de
viajar, é possível afirmar que elas passam a viajar também pelo prazer de dizer que
tinham viajado”. A narrativa, neste sentido, é uma forma de valorização da experiência
vivida, narrar é valorizar um fato que se considera digno de alguma atenção. Narrar
468 a própria viagem é validá-la enquanto experiência de vida, dotando-a de relevância
para o mundo.
Viajar, portanto, é ter histórias para contar. Narrar é fazer um percurso pelas
experiências acumuladas, a narrativa organiza as memórias e fornece sentido à
viagem. Através dela, o turista refaz mentalmente seu trajeto e suas experiências pelo
mundo. A narrativa é ordenadora, é por meio dela que sabemos como as pessoas
interpretam as coisas (BRUNER, 2005a).
Bruner (2005a, 2005b) questiona como os turistas ultrapassam o círculo
fechado das narrativas pré-turísticas. E conclui que “o objetivo dos turistas é caçar
experiências que produzirão histórias originais em que o turista é o personagem
principal, de modo a dramatizar e personalizar o passeio e reivindicar a jornada como
sua” (BRUNER, 2005a, p. 23, tradução minha). Para ele, muito das conversas entre
os turistas quando estão juntos em viagens em grupo diz respeito não aos lugares
visitados, mas aos hotéis, restaurantes, transportes, e outras especificidades do
cotidiano das viagens. Também nos blogs proliferam discursos, indicações e avaliações
sobre serviços considerados mais propriamente turísticos, e isso não escapa à relação
que o blogueiro estabelece com o leitor, uma vez que o blog tende a servir como
fonte de informação para a criação de roteiros. De qualquer modo, conforme Bruner
(2005a, p.23, tradução minha), “embora muitas das histórias turísticas sejam sobre o
cotidiano, as mais valorizadas são aquelas experiências que escapam do itinerário
regular e lidam com a improvisação, na medida em que introduzem espontaneidade
e elementos inesperados de aventura”. As narrativas de viagens resultam, assim, de
um recorte do autor sobre aspectos e momentos memoráveis da sua jornada. Se boa
parte das narrativas dos blogs é alimentada com o que Bruner trata por cotidiano
da viagem, as experiências que se creem diferenciadas ou inusitadas são igualmente
mais valorizadas nesses espaços. Os blogueiros estão em busca de uma história para
chamar de sua. Nesse sentido, a narrativa, como o planejamento, singulariza o turista.
Em páginas pessoais, a individualização ganha particular relevância.
Os blogs participam da lógica do sistema colaborativo na internet. Como já
apontado, buscamos suporte na sociedade antes de nos decidirmos e de partirmos
em viagens turísticas. Amigos, parentes, mídia, internet, publicidade e empresas
especializadas participam da construção de expectativas, direcionando, em alguma
medida, o olhar do viajante. Através desses outros, o turista estabelece uma primeira
relação com o lugar a ser visitado. A lógica da colaboração faz uso desse princípio. Ao
escrever relatos de viagens, o blogueiro contribui com a organização de roteiros de
outros viajantes. Do mesmo modo, ele tem à sua disposição o corpo de informações
Narrativas de Viagem

publicadas nos relatos de outros narradores. No conjunto, os blogs estão construindo


muito mais do que isoladamente. Não sem propósito, Ricardo Freire estimulou um grupo
de leitores assíduos a criarem suas próprias páginas e compartilharem suas experiências,
e alguns dos blogs que estão hoje na rede nasceram desse núcleo. A RBBV, por sua vez,
reúne publicações de diferentes blogs, agregando-as por destinos turísticos, de maneira
a facilitar a pesquisa do leitor. Os blogs participam dessa lógica de construção coletiva,
embora neles, diferentemente do modelo Wikipédia, a individualidade, a autoria e o
caráter pessoal da narrativa sejam resguardados e privilegiados.
469 À luz da dádiva maussiana (MAUSS, 2003) compreende-se que a relação com
outros viajantes nessas páginas não diz respeito a uma troca meramente utilitarista.
A troca de presentes entre grupos e indivíduos não se restringe ao universo utilitário
da mercadoria, mas penetra o domínio das relações humanas. Há uma complexidade
de nuanças nas relações entre blogueiros de viagens, que envolvem aliança para a
construção do bem público, ostentação, sociabilidade, individualização, monetização,
enfim, uma gama intrincada de motivações humanas. Também se faz presente nesse
sistema de troca a noção de que os blogueiros estão ajudando na construção e na
disponibilização de conhecimento sobre o mundo.
Portanto, no blog encontramos sujeitos que não se reconhecem sós no mundo,
e a construção da narrativa de si ganha sentido na relação com outros. Para ser único
é preciso existir em meio a uma multiplicidade, e a condição de existência do eu uno
passa pela existência simultânea do outro singular. Dessa maneira, as singularidades
vividas pelos diferentes “eus” conformam a multiplicidade de saberes e modos de
existência a que o blog, como página em branco, concede acolhida. A narrativa de
si é, pois, acompanhada de um projeto compartilhado e idealizado de construção
e democratização de conhecimentos. Esse dispor de informações seria capaz de
empoderar o viajante comum, ao torná-lo menos dependente dos intermediários da
indústria turística. Munidos com uma bagagem de planos e imaginários, os turistas-
narradores almejam conquistar e levar para o mundo liberdade e autonomia. Não
seguem sozinhos em suas caminhadas, anseiam pela multiplicação da liberdade de ser
e de construir-se. Para isso, é preciso desvencilhar-se do modus operandi das viagens
turísticas convencionais e inventar a si próprio.

REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Walter. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In:


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Narrativas de Viagem

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Rio de Janeiro: Zahar, 1997.
Narrativas de Viagem
471 AT THE LIMITS OF TOURIST EXPERIENCE:
TRAVEL PLANNING AND NARRATIVES

Caroline Brito1

Travelers’ narratives allow us to reflect on different forms of engagement in


the tourist experience. It is possible to relate these engagements to three different
moments of the travel cycle: 1) travel anticipation; 2) the trip itself; 3) the return to
ordinary life. Travel time is experienced by the storytellers who integrate the present
study as an extraordinary time, which produces an altered state, and from which the
traveler returns different from when he left. Taking into account that the transition
moments, that is, the departure and return periods of the trip, are extended by these
storytellers with the experiences of planning at one end and of narration at the other,
I try to make some considerations about these two moments. I begin by bringing
some reflections on the relationship between rationality, subjectivity and imagination
in travel planning. Then, I introduce the ritual metaphor, pointing out that both travel
anticipation, which involves planning and imagination, and the return of the trip,
which involves memory and narration, are taken as constitutive parts of the travel
experience, “almost as good” as travel itself. I seek to reflect on how these experiences
are able to give rise to a project of individualization, as on the one hand the planning
of the trip, although taking its raw material from the experience of others, is lived as
a process of creation of a singular and personal trip that takes into consideration the
subjectivities of the traveler; on the other, the narrative creates an autobiographical
character that shares, not generalizing experiences, but ones that are lived and felt by
a moving self.
The present article is the result of a return to the research data collected under
the author’s master’s degree in Anthropology, during which, between 2012 and 2014,
the narratives of seven travel blogs as well as interactions with readers in comment
boxes were investigated. Blogs not only shelter the narration and description of
travel routes but also come up with debates and discourses with which bloggers
reflexively position themselves about the process of making travel and making
narratives. In order to approach the studied universe, besides the task of carrying
out a virtual ethnography, the author participated in two meetings of travel bloggers
Narrativas de Viagem

(International Meeting of Tourism Bloggers - EIBTUR2 and 1st Meeting of Travelers3)


and accompanied the networks formed around the professionalization movement
that occurred concurrently with the research and that culminated in the formation

1 PhD student in Social Sciences from the State University of Rio de Janeiro (UERJ), Master in Sociology and
Anthropology from the Federal University of Rio de Janeiro (UFRJ) and Bachelor in Tourism from the Federal
University of the State of Rio de Janeiro (UNIRIO). Research areas of interest include anthropology of tourism
and anthropology of religion. Email: carol@contoaberto.org .
2 Event held between June 13 and 15, 2012, in Foz do Iguaçu, which was part of the Iguaçú Tourism Festival pro-
gram and proposed an agenda of lectures and debates on the professionalization of travel bloggers.
3 Travel bloggers social gathering held in Rio de Janeiro on August 25 and 26, 2012.
472 of two entities: the Brazilian Network of Travel Bloggers - RBBV, and the Brazilian
Association of Travel Blogs - ABBV. The researcher also used in-depth interviews
with three bloggers and an audio from an interview conducted by the online channel
Brainstorm9 with Ricardo Freire, who became a kind of travel blog guru because of
his pioneering career and professional success with his page, Viaje na Viagem.
The research field reveals a particular relationship of the bloggers with the
trips they plan. The prior and thorough organization of trips is a common practice
among them. From it, we can derive certain shared meanings and values, such as
the maximum rationalization of time, the autonomy of the traveler, or the exaltation
of the experience of anticipation, which involves dream, imagination and idealized
representation of destiny. The narrative of travel, in turn, is built around the traveler’s
memory and points to a universe of relationships with the reading public.

The baggage of plans: between the predictable and the unpredictable

Travel implies physical and symbolic displacement. To move in a new


environment with some ease, the tourist tries to provide himself with prior information
about his trip and a virtual image of the place fills his imagination in advance. This
anticipation gives meaning to the coming journey (CRAWSHAW; URRY, 1997, p. 179)
and it is through this exercise of imagining that mere places become “destinations”.
Bloggers often highlight the pleasure involved in planning possible trips, as if
this moment that precedes departure was already a significant part of the experience.
It is common practice to elaborate trips that may or may not materialize someday.
This subject became evident in an informal conversation during  EIBTUR, when a
blogger claimed to have planned routes for more than five years of traveling and
others followed her showing the same inclination for the hobby of trip planning.
Observing the virtual narratives reveals that this is a frequent theme also on blog
pages. In addition to engaging in possible trips, bloggers carefully plan the trips that
will take place. What sounds like an exaggerated appreciation of this previous stage
of travel planning should not be surprising as it gains a dimension of dream and
of individualizing project (VELHO, 1997) in a touristic context that not long ago
was predominantly characterized by pre-formatted packages of tour operators. The
planning of one’s trip is a sign of the traveler’s independence. Besides, the network
of storytellers to which we refer is characterized by people who travel frequently,
both inside and outside the country, and who belong to the middle classes marked
by a worldview that takes the individual and the notion of biography as central
Narrativas de Viagem

values. Velho (1997) emphasizes how the notion of choice is a fundamental element for


thinking about project, and in this sense, the project gains greater relevance in certain
highly individualizing cultures and subcultures. These are contexts in which the idea
that each individual builds for themselves a unique trajectory based on preferences,
tastes and potentialities is more accepted and naturalized. In travel blogs, not only
bloggers’ autonomy is emphasized, but the narratives they produce are at the service
of readers’ travel independence. The appreciation of planning is then understood both
as an organizing experience as well as an affective experience.
473 Planning implies an imaginative process that involves a first approach to the
other and the creation of expectations about the other. For Bruner (2005a, 2005b), this
initial familiarization to the place occurs through what he calls “pre-tour narratives”,
which reproduce dominant discourses about places and cultures in the Western
imagination. Such speeches are accessed through tour guides, travel agencies, movies,
television, travel literature, tourist brochures, anthropological writings, journalism,
the internet, and so on. Bruner emphasizes the participation of these narratives in the
tourist experience itself, as they provide a framework from which the other’s culture
is interpreted, understood and experienced. Thus, pre-tour narratives work as a filter
that structures the tourist’s perception and shapes his behavior during the journey
by selecting the aspects of culture that will be presented to visitors (id. Ibid.). Bruner
does not disregard the disruptions in these discourses provoked by the experience
of the trip itself, on the contrary, he understands that the on-tour narratives modify,
complete, reinforce or subvert the pre-tour ones.
Trip planning is also somewhat practical in seeking to control adverse
circumstances, ensuring that unnecessary inconvenience and setbacks are avoided.
Routes rationalize the time spent at each destination so that time is spent, not wasted.
Although the time devoted to tourist travel is quite variable, tourists generally have
little time at their disposal. Vacations, holidays and weekends are prime moments
that potentially turn into travel. Besides, it is common for such trips to be partitioned
between different cities, regions or countries. Bloggers and their readers are often
concerned about the balance between the available time and the possibility of getting
to know the place. The following excerpt expresses the relationship they establish
with the temporality of travel:

My first time in Sintra was like this: one day and nothing more, with those
classic departures from Lisbon in the morning and return in the late afternoon.
How frustrating! I barely had time to walk around downtown and visit the
Pena Palace… And the Moorish Castle? What about Quinta da Regaleira?
Can’t you eat another “travesseiro”?
I needed to go back to Sintra and give her the time she deserves: two whole
days! Oh yes! I had time to visit everything I wanted, without worrying about
schedules!4

The availability of free time and financial resources are some factors that limit
the stay and predominate in travel organization, often determining the inclusion or
exclusion of attractions, cities or regions in the itinerary. The intention to visit more
Narrativas de Viagem

or fewer destinations will influence the time dedicated to each of them. Anyway,
tourists don’t want to stay just in transit. The trip is mainly made up of stops, not so
much of displacement, especially if these routes are undertaken by air. On the other
hand, to stay in a place where “everything” has been seen and experienced is to limit
the field of experience, which could be expanded to other places. The tourist time is
intense and fleeting. Each day seems to be unique, a time that is lost or gained, that
is enjoyed or wasted.

4 LUISA. Sintra. Arquivo de Viagens. 20 Nov. 2007. Avaiable at: <http://www.arquivodeviagens.com/sintra/>.


Acessed: 27 Feb. 2014.
474 For the traveler, planning seeks to strike a balance between the activities to be
performed and the time available between arrival and departure of the destination.
The indicated period to stay at the destination is a frequently asked question in the
blog comment boxes. Many readers are looking to plan their trips and, as a corollary,
practical questions become constant. As the stay of tourists tends to be brief, it is
understood that the best use of travel is made through planning. The tourist has no
time to discover in loco what is to be seen, visited and experienced. His research has
already been done preliminarily and, if not all, much of what will be seen had already
been predicted in a script. For bloggers, by leaving this task to be done along the way,
the already scarce time is wasted and experiences are limited by misinformation.
Also, the unprepared tourist is subject to setbacks and adversities that could have
been avoided.

Our first stop would be Playa Blanca, on the shores of Lake Caburgua.
I imagined a somewhat bucolic place, with a beautiful view of the
lake, surrounded by greenery and the view of some of the surrounding
volcanoes. We went down with the crowd and followed the flow along the
trail that leads to the lake. And, getting there, we were really on a beach!
Umbrellas scattered across the sand, children making castles, people selling
popsicles… Everything I didn’t expect to find in that region of Chile! And
we were there, in long pants and sneakers! Fishes out of water! We could
not be more misinformed! (...)
Our tour was a sequence of blunders, but it all happened for lack of
information.5

Planning rationalizes the trip precisely so that these issues do not arise during the
journey. What wasn’t foreseen, however, is exactly what can make a memorable trip.
Everything happens as if the effort to control unfortunate circumstances favored the
emergence of new and unusual experiences, as if rationalization opened the way for
emotion. Rationalization is called here not to domesticate but to potentiate emotions,
since travel would require a hedonistic surrender. Thus, anticipating and removing the
possibilities of setbacks along the way, the trip would become more enjoyable, take
a more natural course, as if the mishaps and frustrations were expendable overlaps,
which did not belong and should not be part of the journey. Despite the apparent
background marked by the dualistic thinking typical of modern-western society and
constructed in terms of the reason / emotion poles, the anticipation of travel, as we
shall see, is permeated by affective discourses, related to pleasure and happiness.
The pragmatic aspect of planning aims to optimize and maximize the pleasure
Narrativas de Viagem

involved in the tourist experience. A number of issues are then taken into account in order
to prevent adversity, such as: currency exchange; shuttle service; holidays, festivities and
local activities; costs, days and opening hours of spaces and services; climate conditions;
luggage storage; visitation itineraries; prior reservation of services and tickets; ideal
location for the stay; local means of transport; travel insurance, etc. Excessive control and
information are not intended to curtail the movement and materialize a pre-established
plan. What this traveler seeks is voluptuousness, the hassle-free experimentation since
5 NAVARRO, Camila. Pucón - Tour por la Zona. Viaggiando. 01 Jul 2012. Avaiable at: < http://www.viaggiando.
com.br/2012/07/pucon-tour-por-la-zona.html>. Acessed: 27 Feb. 2014.
475 troubles would send him back to daily life. The journey, like the Simmelian adventure,
has a beginning and an end. It is lived as a totality with its own meaning, which escapes
the linearity of everyday time and finds no continuity in earlier and later events of the
conventional course of life (SIMMEL, 1998). Accordingly to Arnaldo,

When we plan them properly [the trips], everything tends to go well and
surprises are more pleasant. When all of our time is naturally spent in knowing,
seeing, absorbing, and enjoying, the greater the pleasure and learning. The
time spent in resolving setbacks is time wasted, out of focus which should
always be the pleasure.6

An important aspect of planning is prior knowledge of the world to be visited.


Reflecting on the relationship between perception and meaning MacDougall (2006, p.
1) states that meaning guides our vision, it “is what imbues the image of a person with
all we know about them. It is what makes them familiar, bringing them to life each
time we see them”. Without prior research, probably little of what we see on the trip
will be understood. But MacDougall (2006) also warns about the obstacles imposed by
meaning when we force it on things. And finally, he reflects on how perception alters
and refigures meaning. All these issues are present in the relationship that bloggers
establish between the stages of planning and of travel. Ricardo Freire, in an interview
with Brainstorm97, speaks about how planning builds references through which it is
possible to make comparisons and better situate oneself in the visited environment:

Usually, the highlight of a trip is what we weren’t expecting. It is the


surprise. And the business of planning ahead leaves you in a position to
embark on the right time, when you realize ‘wow, but that looks better than
what I had researched’.

Thus, to the bloggers, what enhances the travel experience is, to some extent,
its anticipation. Plan favors openness to the unexpected, the experience, and the
meaning. In a post devoted to the theme of planning, Arnaldo8 says he is certain that
“the greater the planning the greater the spontaneity during the trip. The more we
prepare, the better we will face the unexpected”. And he goes on to assert that “our
lives, as well as our travels - however planned and oriented they may be - are a natural
succession of occasional, unpredictable, supervening, anticipated, predictable events
that may or may not have anything to do with each other.”
The current availability of information on the internet about the most remote
regions of the planet and the consequent facility of travel planning call into question
Narrativas de Viagem

the place of spontaneity during the tourist journey. However, for bloggers, planning
does not mean to placate the experience with the shackles of rationalization, nor is
the journey unfolding as an update of the preconceived image of a route, which would
6 INTERATA, Arnaldo. Dubai: Blogando ao vivo. Fatos & Fotos de Viagens. 09 Aug. 2007. Avaiable at: <http://
interata.squarespace.com/jornal-de-viagens/2007/8/9/dubai-blogando-ao-vivo.html>. Acessed: 27 Feb. 2014.
7 FREIRE, Ricardo. Interviewed by MERIGO, Carlos; MILETI, Saulo; MAFRA, Guga. Braincast 73 – Blogs de
viagens: Como ser um turista profissional. Brainstorm9. 23 Jul. 2013. Avaiable at: <http://www.brainstorm9.com.
br/39257/braincast9/braincast-73-blogs-de-viagens-como-ser-um-turista-profissional/>. Acessed: 26 Aug. 2013.
8 INTERATA, Arnaldo. Planeje bem, viaje melhor. Fatos & Fotos de Viagens. 07 Dec. 2008. Avaiable at: <http://
interata.squarespace.com/jornal-de-viagens/2008/12/7/planeje-bem-viaje-melhor.html>. Acessed: 27 Feb. 2014.
476 at least result in a disastrous narrative, since “perfect trips make no stories” (FOIS-
BRAGA, 2011, p. 4). It is the imponderables that belong to the lived time, and not to
a plan previously outlined, that would be able to generate good stories. Like Arnaldo
Interata and Ricardo Freire, bloggers tend to value the unexpected and the idea that
travel anticipation paves the way for a hedonistic surrender. Travel is not taken as the
finished product of a mental or ideal image, but as a process, and planning takes part
of it. Privileging the ongoing process over final form, Ingold (2011, p. 6) suggests that
“production must be understood intransitively, not as a transitive relation of image
to object”. Whereas it is “conceived as the attentive movement of a conscious, bent
upon the tasks of life, the productive process is not confined within the finalities of
any particular project” (INGOLD, 2011, p. 6). Similarly, what bloggers emphasize in
their pages is that it is not the final result translated from a virtual plan that matters
to travelers, but the meaningful experiences carried on along the way, whether they
are planned or not to happen. In the description of these experiences appears, among
other aspects, the appreciation of the encounter with the unknown, the discovery of the
new. Considering a context in which information about the world and its most remote
places seems so accessible that one can almost always design detailed travel itineraries,
I ask Arnaldo what exactly the requisite experience of “discovery of the new” means,
to which he replies:

A place will never be so well explored if it is not lived and witnessed, even
if you read every book in the world, see every movie in the world. Never!
Never ever! It’s impossible! (...) nothing compares to living and witnessing.
Nothing. Touch, sight, smell, experience, 360-degree viewing is completely
different from reading a book. (...) It’s not the same thing than smelling the
bush, climbing the hill, feeling the wind, it’s not the same thing. (...) No great
adventurer, no great expeditionary, Marco Polo, Genghis Khan, conqueror,
Darwin, whoever, Amir Klink, none of them did it without planning. Nothing
they did would have been possible without planning. (...)

Arnaldo emphasizes the distance between seeing and living, imagining and
experiencing. Seeing provides an experience of a different order than being there,
the image anticipates a journey that is something else, not a reproduction of itself.
Seeing through the lens of others is something else than seeing with one’s own eyes.
It’s necessary to be there to make one’s own discoveries. The new in tourist travel is
no longer a reality to be unraveled, it becomes a perspective. Knowing involves more
than the virtualization of images, involves bodily displacement and engagement of all
senses, involves testing the images produced by others and creating new images and
Narrativas de Viagem

new meanings for oneself. Bruner (2005b) understands that while pre-tour narratives
provide a template for travel, there is always an arena for creativity in which tourists
modify the dominant narratives and create their own interpretations. It is also worth
reiterating that planning, far from constituting pure rationality for bloggers, is above
all valued as an experience, an experience of such an order that allows the anticipation
of other experiences through imaginary. Therefore, there is some ambivalence in the
opposition between experience and imagination suggested by Arnaldo, since it can
also be understood as a differentiation between modes of experiencing the world,
rather than a reality/representation or real/virtual antinomy.
477 Anticipation, experience and narration

Graburn (1989) states that tourism occupies a sacred place in modern life,
a place that emerges from the organization of life in terms of the alternation and
opposition between the ordinary and the extraordinary. The sacred time of tourism
is lived in opposition to the profane time of daily work. It is the period of the
extraordinary that makes the rest of ordinary life “worth it”. For Western society,
rooted in the ethics of work, the activities of free time and forced time gain moral
contours which characterize actions as appropriate or not for each of these moments.
Tourism is a free time activity, it allows a break in routine, a distance that provides
relief from everyday obligations. It symbolizes movement as opposed to permanence;
free choice, as opposed to the daily commitments of the obliged life; difference,
instead of monotony. It is in this sense that Graburn (ibid.) gives tourism a ritual
aspect, comparing it to anthropological studies that deal with the sacred/profane
relationship. Based on Leach, Graburn (ibid.) proposes that, beyond the time of sacred
and profane, the passage of time in these rituals also contemplates the transitional
periods between these states. These moments are ambivalent. Before departure, it is
filled with excitement, happiness, euphoria, but also tension, as the trip involves some
degree of risk of accident and death. When leaving we say goodbye, departure retains
a symbolic death. Reentry into ordinary life is full of nostalgia, and while it signifies
the end of the holidays and excitement, it also implies relief from safe return home
and an end to tension and emotional burden of being away (GRABURN, 1989).
With the planning and storytelling processes, bloggers lengthen the transition
times, although the proximity of the trip can raise the excitement and expectation with
departure, just as memory can lose liveliness over time. In this sense, the extraordinary
of travel is as far as possible extended to the ordinary realm of life through anticipation
and planning on the one hand and recollection and narration on the other. Camila
states on her page that “nothing is better than the blog to make the trip last longer”,
indicating how storytelling extends the travel experience through memory.
The preceding stage of travel planning assumes not only a pragmatic sense, but
it is also understood as an experience of imagination, which takes part of the travel
process. To many, it is a hobby, so that it exists regardless of the realization or not of
the trip. In any case, it is an important step in creating possible trips. It establishes
the beginning of a process of translating the other into the traveler’s world, a way
of making familiar what is distant and founding the possibility of communication
with the other. With planning, places populated only by vague and undefined images
Narrativas de Viagem

become palpable destinations, although it is possible to state, following Bruner (1989,


p. 440), that “tourism has less to do with what other peoples are really like and more
to do with how we imagine them to be, and in that sense it is like any other form of
representation”.
Tourism mobilizes dream and fantasy in such a way that for our travel lovers,
travel does not start at departure, but at planning, which is also imagination. Planning
is perceived as hedonistic anticipation of the trip. It is this kind of daydreaming,
situated between desire and actual consumption, that Campbell (apud REZENDE,
478 2010) classifies as “self-illusory hedonism”. In Campbell’s view, this kind of hedonism
creates a tension between fantasy, in its perfection and imaginative freedom, and
the disenchanting reality. Of course, bloggers bestow on travels - which are the
focus of their narratives - a centrality on their experiences of happiness. Beyond the
scope of these personal pages and the imperative of happiness in modern Western
society (BRUCKNER apud REZENDE, 2010), if we do not take imaginary to be an
antagonistic element to real, but consider that it is part of “a perception of the real or
that construction of reality necessarily passes through imagination ”(GONÇALVES,
2008, p. 120), then we can conceive how planning constitutes itself as an experience
for the bloggers and how it also participates in the construction of travel experience.
In the first case, anticipation assumes a character of preliminary experimentation,
which in all its sensible precariousness is capable of mobilizing significant affects
through fantasy and imagination. In the second, planning informs the traveler during
their journey, partly shaping their experience, which is constantly updated and
enhanced by the multiple agencies found within the lived experience.
Much of the travel planning and anticipation phase draws its raw material
from the memories and reports of other travelers. Crawshaw and Urry (1997, p. 179)
highlight the role of memory in tourist travel, noting that while memory concerns the
various ways of feeling and perceiving the world through different senses, so that it
can be affirmed that “it is the body that knows and remembers”, the sense of sight is
particularly cardinal in the construction of tourist memory. When far from its usual
environment, the senses of the tourist are intensified, but “it is the visual images of
places that give shape and meaning to the anticipation, experience and memories of
travelling” (id. Ibid). The authors point out that “many of the images that we visually
consume when we are travelling are, in effect, the memories of others which are then
visually consumed by us”. Blog reports are always permeated by images, photography
is an important part of both travel and narrative. The number of photographs the
traveler produces today with digital cameras is considerable. A fifteen-day trip can
easily yield more than three thousand photos. The blog requires a selection of these
images, and the photographs give order to the narrative, which is often built with the
images that organize travel memories. Arthur tells me that his interest in photography
begins with his travels, which have become constant in his life since 2003, and that
to some extent the practice of photography interferes the way he travels, because,
since he is always looking for the best angles, the trip starts to include an exercise
of looking and seeing. In his quest for authorial treatment of the images, Arthur
laughs at the irony of tourism image production: “Photography is a bit ungrateful
Narrativas de Viagem

because you believe you are doing original stuff then you find five hundred thousand
identical images on the Internet”. This irony is that of the naturalized perception of
individuality in modern-western society, which leads to an incessant search for a
singular self, which in turn is immersed in a socially conditioned way of inhabiting
the world. MacDougall (2006) warns that the way we see things is deeply structured,
but our perception, though culturally oriented, is the mechanism by which our values
and interests are transformed.
With space dedicated to narration, the travel blog is a medium for sharing
479 speeches and images about other peoples and places. Blog comment boxes reveal
readers’ engagement in virtual travels through the storyteller’s paths, and bloggers
are aware that their stories serve to build other travels. The narrative of the blog
would then allow for a double travel experience. The first, the journey through the
text, the imaginary aroused by the reader’s virtual path through the narratives; the
second, the real journey the reader builds for himself with the support of these same
narratives. Readers are always saying that they have changed their routes because of
the discoveries they made on the blog, decided on destinations based on the tellings,
and felt inclined to follow the same path taken by the blogger. In addition to their
influence on readers’ choices, there is the perception that narratives about the other
weave images and representations about the other, and all this incurs some degree
of responsibility to the narrator. The refuge of the bloggers lays on the discourse of
subjectivity and personality of their narratives. By taking the blog as a space of the
self, bloggers reinforce the personal character of their impressions, emphasizing the
variability of perspectives and experiences on the different pages and the reader’s
responsibility on researching and composing a trip for themselves. Thus, if planning is
based on the experience of others, it is also presented as a new process that singularizes
the individual with the autonomous construction of a trip for themselves. This is how
from the blogger’s narrative other trips can be created and therefore narrated.
Building imaginary through the search for information, emotion and experiences
of others, bloggers, in their process of planning, populates their memory with
meanings that will guide them on their journey and participate in their later narration.
By providing narratives about the world, planning feeds and participates not only in
the experience of the trip itself but also in the stage that follows the bloggers’ return
to their place of residence, that which concerns the recollection and narration of the
trip. The often extensive bloggers’ research serves their own production of stories
and narratives. This aspect becomes literal and remarkable when Arnaldo claims to
produce part of his texts even before departure. During a “live blogging” trip, he tests,
compares, verifies, and adapts, adds, and modifies whatever he deems necessary.

For blogging not to disrupt the trip and actually have content, it is essential
to plan ahead and prepare yourself so that part of the text to be published is
written, aligned, in such a way that it is only updated, eventually corrected
during the trip, confirming or not what we have researched and put on paper.
During the trip we will just insert what we felt, so that the text has credibility
and personality, not merely a copy here and there of texts extracted somewhere.9
Narrativas de Viagem

Returning from the trip involves souvenirs, photographs, and memories that
will feed the later writing. Writing, as well as planning, is lived as an important part
of the travel experience, so that we find in blogs the pleasure and appreciation of
writing and its role in the construction of travel memory. Bloggers spend a lot of time
imagining and planning trips, or reporting memories and adventures lived on their
journeys. At the close of a cycle of posts about the latest adventure, new upcoming
trips tend to be announced on the page.
9 INTERATA, Arnaldo. Dubai: Blogando ao vivo. Fatos & Fotos de Viagens. 09 Aug. 2007. Avaiable at: <http://
interata.squarespace.com/jornal-de-viagens/2007/8/9/dubai-blogando-ao-vivo.html>. Acessed: 27 Feb. 2014.
480 In the blog space, travel and narrative intertwine and influence each other. On
the one hand, travel provides raw material for the narrative. The experience lived by
the traveler on his routes is claimed as the main substratum of travel blog narratives,
especially when they are accused of reproducing content published by official
institutions, such as the tourist offices, or by other means of disseminating tourist
products and services. On the other hand, the narrative gives meaning to travel,
providing it with form and coherence. Moreover, it has repercussions on the practice
of traveling, especially because the blog is a commitment to readers and to an online
network, which leads the blogger to have the page virtually present in his journeys.
Even if the page refresh is not concomitant with the journey - and usually it is not -
the blog becomes part of the travel experience and influences it. In an interview, the
blogger Juliana, for example, states that after starting the blog she became much more
attentive to details that would otherwise be out of sight, so that she could make useful
records for other travelers.
Produced in attention to a network of relationships, the blog’s narrative is
marked by the appreciation of the narrator’s subjectivity and experience. The blogger
builds their traveling character to the world through an autobiographical narrative.
Todorov (1992) demonstrates that, historically, travel has been taken as both an
uplifting and, on the contrary, derogatory experience, depending on whether it was
associated or not with a process of inner transformation. The conception that belittles
the spatial displacement takes the traveler by a vain adventurer, their narrative is only
a reflection of this state of mind. “The very existence of a narrative necessarily implies
the valorization of its object (since it deserves to be evoked), and therefore a certain
satisfaction of its narrator” (TODOROV, 1992, p. 97). From this perspective, man’s
search for elevation is an internal search, and one needs not physically move to reach
it. On the contrary, external travel only distracts and makes the person dependent
on the outside world. The prism that values ​​displacement, in turn, does not oppose
external to internal travel, it seeks to reconcile them, valuing the knowledge of the
world as a way of access to self-knowledge. In this perspective,

The existence of others around us is not a pure accident. Others are not simply
solitary subjects comparable to the self immersed in meditation; others are also
part of it: the self does not exist without a you. We cannot get to the bottom of
ourselves if we exclude others from it. The same is true for foreign countries and
cultures that are different from ours: one who only knows one’s land always
risks confusing culture and nature, erecting the habit as a rule, generalizing
from a single example that is oneself. (TODOROV, 1992, p. 99-100)
Narrativas de Viagem

Bloggers tend to combine inward and outward travel in their discourses as if


the outside reflected like a mirror on the inside. Travel has always been a privileged
theme for both the narrative construction and the autobiographical character. It is not
by chance that Benjamin (1994, p. 198-9) associates the figure of the storyteller with
the traveler or also with the sedentary man who knows his past and his traditions.
Both are linked to the narrative genre, one through their own history, the other
through the history of their ancestors. For Pimentel (2001, p. 87), “from the moment
people start traveling for the pleasure of traveling, it is possible to state that they
481 start to travel also for the pleasure of saying that they had traveled”. Narrative, in this
sense, is a form of appreciation of the lived experience, to tell a story is to value a fact
that is considered worthy of some attention. Telling one’s own journey is to validate
it as a meaningful experience, giving it relevance to the world.
To travel is to have stories to tell. The process of making narratives organizes
memories and gives meaning to the trip. Through narrative, the tourist mentally
retraces his journey and his experiences around the world. The narrative is ordering,
it is through it that we know how people interpret things (BRUNER, 2005a).
Bruner (2005a, 2005b) questions how tourists go beyond the closed circle of pre-
tourist narratives. He concludes that “the tourists’ objective is to hunt for experiences
that will make prime stories in which the tourist is a main character, so as to dramatize
and personalize the tour and to claim the journey as their own” (BRUNER, 2005a,
p. 23). For him, much of the conversation between tourists when they are together
in group travel concerns not to the places visited, but to the hotels, restaurants,
transport, and other specifics of daily travel. Speeches, indications, and evaluations
about strictly touristic services also proliferate in blogs, and this does not escape the
relationship that the blogger establishes with the reader, since the blog tends to serve
as a source of information for the creation of touristic routes. In any case, according to
Bruner (2005a, p. 23), “although many tourist stories are about the everyday, the ones
most cherished are those about experiences outside the regular itinerary that lead to
improvisation as they introduce spontaneity and unexpected elements of adventure”.
Travel narratives are thus the result of an author’s clipping of memorable aspects
and moments of his journey. If a good part of the blog’s narratives is fed by what
Bruner treats as the routine of travel, the experiences that are believed to be different
or unusual are equally better valued in these spaces. Bloggers are looking for a story
to call their own. In this sense, narrative, like planning, singularizes the tourist. On
personal pages, individualization gains particular relevance.
Blogs take part in the logic of the collaborative system on the internet. As
already pointed out, we seek support from society before we decide and set off on
tourist trips. Friends, relatives, the media, the Internet, advertising, and specialized
companies all participate in building expectations, directing the traveler’s gaze to
some extent. Through these others, the tourist establishes a first relationship with
the place to be visited. The logic of collaboration makes use of this principle. By
writing travel reports, the blogger contributes to the organization of itineraries of
other travelers. Similarly, he has at his disposal the body of information published in
the accounts of other narrators. On the whole, blogs are building much more than in
Narrativas de Viagem

isolation. Not without purpose, Ricardo Freire encouraged a group of regular readers
to create their own pages and share their experiences, and some of the blogs that are
on the net today were born from this core. The RBBV, in turn, gathers publications
from different blogs, aggregating them by tourist destinations to facilitate the reader’s
research. Blogs participate in this logic of collective construction, although unlike
the Wikipedia model, the individuality, authorship and personal character of the
narrative are protected and privileged.
In light of the Maussian gift (MAUSS, 2003) it is understood that the relationship
482 with other travelers on these pages does not concern a merely utilitarian exchange.
The exchange of gifts between groups and individuals is not restricted to the
utilitarian universe of commodities but penetrates the domain of human relations.
There is a complexity of nuances in the relationships between travel bloggers, which
involve an alliance for the construction of the public good, ostentation, sociability,
individualization, monetization, in short, an intricate range of human motivations.
Also present in this exchange system is the notion that bloggers are helping to build
and make available knowledge about the world.
Therefore, in blogs we find subjects who do not recognize themselves as being
alone in the world, and the construction of oneself’s narrative makes sense in the
relationship with others. To be unique one must exist in the midst of a multiplicity,
and the condition of existence of the self passes through the simultaneous existence
of the unique other. As a result, the singularities experienced by the different selves
make up the multiplicity of knowledge and modes of existence that the blog, as a
blank page, welcomes. The narrative of oneself is thus accompanied by a shared and
idealized project of knowledge construction and democratization. This availability
of information would empower the average traveler by making them less dependent
on the intermediaries of the tourist industry. Armed with a wealth of plans and
imaginaries, the tourist-storytellers aim to conquer and bring freedom and autonomy
to the world. They do not go alone in their walks, they long for the multiplication of
the freedom of being and building themselves. To do so, one must disentangle from
the modus operandi of conventional tourist travel and invent oneself.

REFERÊNCIAS

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University of Chicago Press, 2005a.
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Directions in Tourism Theory, Oct. 2005b.
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Chris; URRY, John. (orgs.). Touring Cultures: Transformations of Travel and Theory.
Narrativas de Viagem

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483 and Guests: the anthropology of tourism. Philadelphia: University of Pennsylvania
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INGOLD, Tim. Being Alive: Essays on Movement, Knowledge, and Description.
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VELHO, Gilberto. Projeto, emoção e orientação em sociedades complexas. In: _____.
Individualismo e cultura: notas para uma antropologia da sociedade contemporânea.
Rio de Janeiro: Zahar, 1997.
Narrativas de Viagem
484 NARRATIVAS DE VIAGEM: O IMAGINÁRIO
DO JALAPÃO A PARTIR DAS IMAGENS DO
INSTAGRAM DAS OPERADORAS DE TURISMO1

Silvia Helena Belmino2


Verônica Dantas Meneses3

Introdução

“Que Deus nos abençoe e nos guarde a todos que estão no trecho com a gente e
aos nossos que ficaram em casa. Amém”. A oração recitada pelo guia ao som da música
pop americana Maneater (Daryl Hall e John Oates, 1982), tocada com frequência nas
discotecas brasileiras nos anos 80, marca o início da viagem de pesquisa de campo -
entre os dias 22 a 25 de novembro de 2018 - ao Parque Estadual de Preservação do
Jalapão. A área de proteção ambiental localizada no estado de Tocantins, Região Norte do
Brasil, até pouco tempo desconhecida pela maioria dos brasileiros, recebeu um número
expressivo de visitantes após a veiculação da novela O outro lado do paraíso4 e de duas
edições do Jornalístico Globo Repórter5, ambos produzidos pela Rede Globo de Televisão.
Contudo, a Região já foi tema de outros produtos midiáticos que possivelmente também
contribuíram para atrair curiosos, pesquisadores e aventureiros. Entre os principais
estão as séries de reality show de sobrevivência Survivor, produzida pela rede de TV
norteamericana CBS, cuja temporada no Jalapão foi exibida em 2009; e Largados e
Pelados, cujo episódio Jalapão estreou no início de 2018 pelo canal Discovery Channel6.
As belezas naturais do Tocantins foram utilizadas na obra de ficção escrita por
Walcyr Carrasco como mise-en-scène da trama da telenovela O outro lado do paraíso,
um drama que, além de mostrar questões afetivas, sociais, políticas e econômicas,
apresenta ao consumidor do folhetim a natureza quase selvagem do estado brasileiro
criado em 1988. O cerrado, com suas árvores retorcidas, cortado por estradas com
pedras e areias soltas de cores avermelhadas, dunas compondo uma paisagem
impressionista, formações rochosas que lembram catedrais, elefantes, ruínas de
castelos, com animais selvagens correndo nos campos e suas nascentes de águas claras
e quentes, tornou-se um lugar atrativo especialmente em virtude dos imaginários
produzidos pelas produções midiáticas.
Narrativas de Viagem

1 Trabalho desenvolvido com o apoio do Projeto Procad Amazônia/Capes (UFT-Unama-UFMG).


2 Doutora em Comunicação pela Universidade de Brasília (UnB). Docente permanente do Programa de Pós-
Graduação em Comunicação na linha Mídia e práticas socioculturais da Universidade Federal do Ceará (UFC) e
do Curso de Comunicação - Publicidade e Propaganda do Instituto de Cultura e Arte (ICA) da UFC.
3 Jornalista e mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Doutora em Comunicação pela
Universidade de Brasília (UnB). Docente dos cursos de Bacharelado em Jornalismo e Mestrado Acadêmico em
Comunicação e Sociedade da Universidade Federal do Tocantins (UFT).
4 Novela de Walcyr Carrasco produzida pela Rede Globo, exibida de 23 de outubro de 2017 a 12 de maio de 2018,
em 172 capítulos.
5 Exibidos em 1/05/2018 e 13/05/2016, disponíveis em: https://globoplay.globo.com/v/6730668/ e https://www.
youtube.com/watch?v=eMr7lGVWs_U.
6 https://www.largadosepelados.com/Tags/largados-e-pelados-jalapao/; https://www.youtube.com/
watch?v=x91SHHhGsqI
485 Outro atrativo abordado pelos programas televisivos é o capim dourado7,
espécie bastante encontrada na região do Parque do Jalapão, utilizada na fabricação
de artesanato, e que já serviu também de alegorias para outras produções da própria
Rede Globo. A importância dessa espécie de capim vai além da ornamentação,
mantêm economicamente comunidades pobres de quilombolas, que passam a compor
os roteiros de visitação de turistas como, por exemplo, Mumbuca8. “Acredita-se que
os moradores da região central do Jalapão aprenderam a arte de trabalhar o capim
dourado provavelmente com os índios da etnia Xerente, que passaram pela
região há quase um século” (SILVA; SILVA, 2009, p. 12).
Neste contexto, as redes sociais das operadoras de turismo do Jalapão e também
perfis pessoais de visitantes e aplicativos de viagem ampliaram significativamente
as imagens do chamado “deserto das águas”. Este artigo se propõe a analisar os
imaginários produzidos sobre o Jalapão a partir de imagens postadas na rede
social Instagram de empresas de turismo que realizam passeios ao parque, e assim
tentar compreender quais são as experiências que se projetam diante dos olhos de
quem observa as imagens. Como metodologia, optou-se por trabalhar entrevistas
semiestruturadas com proprietários de operadoras de turismo e dois guias turísticos9.
Além das entrevistas, foram analisadas imagens postadas pelos visitantes no Instagram
das empresas e pesquisas documentais em sites oficiais do Estado do Tocantins, entre
eles a Secretaria de Turismo e do Instituto Natureza do Tocantins (Naturantins).
Também nos atentamos a discutir se (e quais) as produções midiáticas influenciaram
na escolha desses lugares e do enquadramento das imagens postadas. Esta rede social
foi criada com o objetivo de mostrar por meio especialmente de fotografias detalhes
do dia a dia e, de forma subjetiva, narrar a vida cotidiana dos usuários (MUSSE, 2017).
Como suporte teórico optou-se pelos trabalhos de Walter Benjamin (2009),
Ítalo Calvino (2003) e Irlys Barreira (2012) para embasar os conceitos de narrativas de
viagem. Sobre imaginários os trabalhos de Armando Silva (2014) e Fabio de la Rocca
(2018). Já sobre o uso do Instagram procurou-se aprofundar por meio dos trabalhos de
Paula Sibila (2008), Erving Goffman (2013), Han Byung-Chul (2017) e Mariana Musse
(2017). As abordagens sobre o lugar e o cotidiano tomaram como base De Certeau,
entre outros autores que subsidiram a orientação teórico-metodológica. As categorias
observadas nas imagens, a partir deste referencial, foram a unicidade/redundância da
imagem-experiência, a performance da personagem e a referência midiática.
O trabalho traça um olhar sobre as experiências de turistas vividas no Jalapão
e que escolhas fazem ao selecionar fotos e imagens para divulgar os momentos que
tiveram na viagem. Estas imagens publicadas se constituem outros textos que narram
Narrativas de Viagem

não apenas a experiência pessoal do turista, mas, a partir do momento que se agrega
à outras narrativas e aos sites de agentes do turismo local, conformam um imaginário
sobre a região bucólica que tem a menor densidade demográfica do Brasil, um dos
motivos pelos quais a área é chamada de deserto.
7 A planta de cor que lembra o ouro e que pode ser encontrada em região do cerrado dos estados de Mato Grosso,
Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Goiás, Tocantins e Bahia.
8 A Comunidade Quilombola de Mumbuca é responsável por uma produção artesanal com o uso do capim
dourado. O uso desse capim é herança indígena do povo Xerente, repassada aos moradores de Mumbuca há cerca
de 80 anos. Este artesanato tornou-se a identidade da Comunidade Mumbuca para o restante do Brasil.
9 Para efeito metodológico, as fontes serão identificadas como guias, a saber: GUIA A; GUIA B; GUIA C; GUIA D.
486 Buscamos, assim, entender as interfaces imaginárias (pessoais, midiáticas, locais)
que se sobressaem nas narrativas sobre o Jalapão postadas no Instagram, buscando
ainda problematizar o conceito de economia da atenção presente no mundo digital/
virtual, uma vez que há uma intencionalidade das empresas de turismo da região em
tornar o destino ainda mais atrativo.

Narrativas e Imaginários de lugar

O livro As Viagens de Marco Polo é uma importante referência na arte de contar


história sobre as impressões de um viajante sobre novos territórios. Trata-se de um
relato de um visitante estrangeiro, mercador/embaixador italiano, a outras civilizações.
As histórias por ele contadas serviram para alimentar os imaginários dos europeus da
Idade Média sobre terras até então desconhecidas. Algumas narrativas do mercador
veneziano foram tidas como falácias devido ao desconhecimento dos europeus sobre
a fauna, a flora, a cultura e, principalmente, em virtude do modo criativo como foi
apresentada a vida cotidiana nas cidades orientais. Na época, as experiências de
viagem de Marco Polo não eram nada extraordinárias entre os mercadores, o que as
tornaram diferentes foram os registros das impressões sobre as jornadas por várias
cidades presentes no livro, cujo teor alimentou por mais de um século o imaginário
europeu sobre o Oriente.
Nas descrições de Italo Calvino (2003), alimentadas pelas narrativas de Marco
Polo para Kublai Khan, as cidades recebem nomes femininos e são caracterizadas
por símbolos, memória, desejo, nome, trocas, mortos etc. Nas cidades reais da
contemporaneidade, as estratégias de marketing de lugares (KOTLER et al, 2006)
propostas pelas governanças projetam as cidades para serem turísticas, inovadoras,
exóticas, criativas e inteligentes. Elas precisam de um diferencial competitivo, uma
característica que as transformem em únicas. Podem ser paisagens, cultura, fatos
históricos, religiosos ou até mesmo a população local. Assim como nas cidades
imaginárias de Calvino algo precisa ser escolhido como símbolo para torna-se objeto
de desejo e com isso alimentar o consumo do lugar pelos visitantes. As imagens nas
propagandas turísticas das cachoeiras, das dunas, dos fervedouros do Jalapão, tornam-
se cenários de sites, guias e mapas para uma experiência de consumo. “Os rituais
de visitação representam a confirmação da importância dos lugares demarcados nos
roteiros, reiterando o conjunto de significados como uma espécie de texto em ação”
(BARREIRA, 2012, pág.65).
Na atualidade, os viajantes narram as cidades de maneira distintas, mas as formas
Narrativas de Viagem

de expressar essas experiências, em virtude de equipamentos tecnológicos, são cada


vez mais similares. Nas redes sociais das empresas de turismo pesquisadas há várias
reproduções de imagens de lugares postadas pelos visitantes. “Nós mostramos na
nossa página do Instagram os diversos modelos de se fazer uma boa foto nos lugares
visitados. Os clientes escolhem10”, explica um dos proprietários de agência de turismo
no Jalapão (GUIA B). As experiências de lugares tornam-se coletivas. O visitante
na tentativa de apreender uma imagem única das paisagens do Jalapão reproduzem

10 Entrevista realizada com o proprietário da Empresa Jalapão Oficial, Cristiano Tavares.


487 imagens de outros visitantes. Tenta-se dominar as novas experiências de lugares,
dentro de um quadro das antigas experiências, Walter Benjamin (2009, pág.490,).
O sucesso, como valor positivo, estaria atrelado à performance do sujeito pós-
moderno, por isso ele se escraviza em nome do desempenho, logo, se ele falhar, a
sensação de culpa recairá única e exclusivamente sobre ele. Neste sentido, no mundo
das redes sociais, tudo e cada um devem parecer ser representados por imagens
de sucesso, felicidade e conquista. Ainda, segundo Murdock (2018), as empresas
da internet promovem um modelo de negócio em que o espaço da aparência e
do espetáculo é trocado pelo trabalho servil dos internautas, que, com satisfação,
entregam seus dados e fazem o trabalho de distribuição das informações que, outrora,
ficava a cargo das grandes mídias.
Contudo, a performance é um outro conceito a ser problematizado nesta questão,
uma vez que muitas vezes as imagens difundidas nas redes sociais podem apenas ter
sub-repticiamente, e não tacitamente, a dimensão de performance como “uma ação
praticada por alguém que considera estar praticando uma performance, e cujo público
assim o vivencia” (SIBILIA, 2015, p. 354). Pois nem sempre a “pose” produzida por
alguém em sua imagem será vista pelos demais usuários como uma performance.
Trataremos estas representações no Instagram como performance, uma vez que
acreditamos que não são apenas meras imagens de experiências ou representações
cotidianas, pois efetuam processos de subjetivação mais densos (BRASIL apud
SIBILIA, 2015, p. 355).
De acordo com Barros, somente no Instagram, mundialmente, são publicadas
mais de 80 milhões de fotografias por dia por mais de 300 milhões de usuários
cadastrados, imagens estas que mostram a necessidade de visibilidade de seus usuários,

Ao mesmo tempo em que a rapidez da produção e compartilhamento dessas


imagens é reveladora de impulsos, elementos fundamentais quando se trata de
examinar o imaginário, a ânsia de publicização vai na contramão da experiência
da imagem simbólica nos termos em que é entendida por Durand (1964),
que supõe uma revelação pessoal cuja descrição não apenas é impossível de
ser feita pelo sujeito imaginante, como também é desnecessária e inútil, já
que, por si só, não modificará em nada a experiência simbólica, sua ou dos
outros. Forma-se, assim, uma equação que conjuga as variáveis da diluição do
simbolismo do sagrado com a ansiedade de comunicar experiências através de
imagens técnicas (BARROS, 2019, p. 133).

Os visitantes e as agências, ao mostrarem imagens das experiências de viagens,


elegem o que consideram espaços simbólicos ou icônicos que os identifiquem dentro
Narrativas de Viagem

de um imaginário já consolidado sobre o lugar. Junto com seus próprios repertórios,


as escolhas das imagens poderão ser atreladas aos momentos históricos, culturais,
produção midiática ou de vivência com a natureza, a elas acrescentadas pitadas de
criatividade que, por vezes, possuem elementos posados e performáticos e advindos
de técnicas fotográficas e de edições. Esses sentimentos mostrados nas fotografias
postadas nas redes sociais das empresas mobilizam os potenciais consumidores. Trata-
se da economia de atenção, ou seja, nesta nova “Era do Acesso”, em que o tempo e a
experiência humana são transformados em commodities (RIFKIN apud CRUZ, 2016,
488 p. 215), “o que se torna bem escasso, aqui, é o tempo de navegação em que o usuário
se dispõe a ser afetado pelas estratégias publicitárias, ou seja, a sua atenção” (CRUZ,
2016, p. 215). A divulgação das experiências de viagem, neste sentido, alimenta o
futuro turista com expectativas sobre sua experiência, inclui o usuário a priori dentro
da nova economia e ainda serve como selo de autenticidade dos serviços prestados
pela empresa turística. Os turistas são nutridos pelas imagens dos sites, catálogos ou
anúncios, cercam-se de ilusões e encantamentos nem sempre realizados durante os
passeios e muitas vezes atualizados de acordo com seus próprios roteiros e sentidos.
Para o pesquisador Armando Silva o estudo sobre o imaginário deve percorrer
três inscrições: “o imaginário como construção ou marca psíquica; o imaginário
como construção social da realidade; e o imaginário como modo que permite a
expressão material através de técnicas” (SILVA, 2014, pág.37). A primeira refere-se
aos momentos nos quais os sentimentos dominam a percepção, tais como estado de
medo, ressentimentos, afetos e ilusões; os imaginários sociais seriam pressupostos das
representações coletivas, seriam construções que podem manifestar-se em âmbitos
tanto locais quanto globais; e, por fim, a inscrição tecnológica, cujo fornecimento
de técnica possibilita a materialização da expressão grupal, ou seja, os imaginários
associados às técnicas servem como instrumento para representá-las, como no caso
das imagens postadas no Instagram de empresas de turismo do Jalapão, as quais,
entretanto, se aliam às duas outras dimensões no contexto que aqui abordamos.
De acordo com De Certeau (1994, p. 40),

A presença e a circulação de uma representação (ensinada como o código


da promoção sócio-econômica por pregadores, por educadores ou por
vulgarizadores) não indicam de modo algum o que ela é para seus usuários.
É ainda necessário analisar a sua manipulação pelos praticantes que não a
fabricam. Só então é que se pode apreciar a diferença ou a semelhança entre
a produção da imagem e a produção secundária que se esconde nos processos
de sua utilização.

Assim, os imaginários que se entrecruzam na circulação imagética destas


experiências, efetivadas nas fotografias sobre o Jalapão postadas nos perfis das
empresas de turismo no Instagram, que constitui nosso foco nesta pesquisa, mesclam
o pessoal, o midiático e o semelhante/diferente, e somente a partir da análise de como
estas imagens estão projetadas e que elementos agregam, será possível visualizar um
pouco do que elas representam para seus usuários e o quanto os demais imaginários
contribuíram para a escolha de determinada imagem circulada.
Narrativas de Viagem

Neste sentido, não haveria o privilégio nestas representações do determinismo


dos aparelhos de poder, os produtores (a disciplina, como escreveu De Certeau), mas
uma multiplicidade de referências que se dão nos procedimentos criativos que ocorrem
na cotidianidade. Como analisa ainda o autor, “esses modos de proceder e essas astúcias
de consumidores compõem, no limite, a rede de uma antidisciplina”, no sentido de
que estes consumidores não se conformam com a disciplina, com o que é produzido
pelos grupos dominantes (mídia, governos, mercado), mas se “reapropriam do espaço
organizado pelas técnicas da produção sócio-cultural” (CERTEAU, 1994, p. 41-42).
489 Nesta interface interessa-nos entender as presenças, diferenças e semelhanças
que constituem nas narrativas imagéticas do Instagram múltiplos imaginários,
intercambiados e tornados narrativas a partir de uma experiência pessoal, mas ao
mesmo tempo compartilhada, do Jalapão. Não poderemos focar nos imaginários
pessoais destes visitantes/usuários, uma vez que são questões simbólicas as quais não
temos acesso, mas nos imaginários da mídia e das narrativas locais sobre o Jalapão.

Mapas, Guias e Trajetos.

Os guias do Jalapão programam as visitações ao parque conforme o número de


integrantes dos grupos e o tempo necessário para o deslocamento aos pontos atrativos.
Os materiais informativos, que, de certa maneira, servem de auxílio aos viajantes,
mostrando a direção a ser seguida, não são utilizados no turismo de aventura ou
ecológico proposto ao visitante no Jalapão. As estradas de terra vermelha, terraplanadas
por tratores, sofrem ações constantes da natureza – chuvas, queimadas, calor – e são
substituídas por outras ao longo do trajeto. O visitante recebe uma proposta de roteiro
de lugares a serem visitados, porém em virtude da distância entre os atrativos, o mapa,
que mais parece uma caça ao tesouro no Jalapão, distribuído por alguns comerciantes
locais, serve somente de ilustração ou localização para os visitantes.

Figura 1: Roteiro dos atrativos turísticos do Jalapão

Fonte: divulgação turística


Narrativas de Viagem

O turista, antes de chegar ao Jalapão, percorre um trajeto de quase 200


quilômetros entre Palmas e Ponte Alta, porta de entrada do Parque. A primeira parada
é a cidade de Taquaruçu, região serrana situada cerca de 32 quilômetros do centro de
Palmas, com cachoeiras e um clima mais ameno. Diferente dos roteiros de cidades
turísticas não há como o deslocamento seguir à risca a programação inicial, pois muita
coisa depende da disposição dos visitantes e das condições do tempo e das estradas.
490 A distância entre os atrativos faz com que a experiência se pareça como um safari,
gerando ainda mais expectativas em relação aos pontos visitados. O tempo é um
aspecto importante para quem faz turismo no Jalapão, apesar de não haver sinal para
celulares na maior parte da viagem, objeto fundamental para organizar o cotidiano
das pessoas na contemporaneidade, fomos orientados a cumprir rigorosamente os
horários. “O ideal é chegar mais cedo para aproveitar melhor o lugar”, esclarece o
Guia A ao estabelecer as saídas às 8 horas da manhã ou mais cedo. Nossa experiência
ocorreu ainda na baixa temporada, e o movimento já era significativo, girando
em torno de 4 a 8 caminhonetas e caminhonetes ao mesmo tempo nos pontos
visitados. A quantidade de atrativos, a distância entre eles e a grande quantidade de
visitantes faz ainda com que o tempo de permanência em alguns dos atrativos seja de
aproximadamente 20 minutos. Uma cumplicidade também acaba se tornando parte
da viagem, uma vez que nos encontramos muitas vezes em mais de um atrativo com
os mesmos grupos, ficamos sabendo de suas histórias e compartilhamos em parte as
mesmas experiências.
O modo como vivenciamos um novo lugar, com todas as suas diferenças e
semelhanças com aqueles aos quais estamos familiarizados, depende de muitas
perspectivas, entre estas as postas acima, bem como das expectativas que se formam
a partir da visualização prévia das imagens postas por meio da mídia e por meio das
experiências de outros.
Resende, ao refletir sobre a relação entre as alteridades existentes nas cenas
contemporâneas que as cidades apresentam, expressa a concepção de De Certeau de
que a cidade aparece-nos sob duas perspectivas: uma em que ela é visível, e outra
em que ela se insinua metaforicamente, e que ambas estão em posição dialógica,
estabelecendo as sociabilidades construídas no entorno delas (RESENDE, 2005, p.
119). Neste sentido, os meios de comunicação ganham grande importância ao mostrar
e criar determinadas sociabilidades que nem sempre são experienciadas no lugar
praticado. Assim,

Em seu papel estruturante de tecer as redes de relações sociais, através


de suas representações e práticas, os meios de comunicação participam
veementemente da criação de modos específicos de sociabilidades,
contribuindo, ao mesmo tempo, para que eles sejam legitimados e para a
reconfiguração de papéis e pertinências dos vários campos de constituem a
sociedade. O momento de advento da televisão; e um divisor de águas nesse
processo; as imagens que invadem nossas casas, basicamente a partir dos
anos 50, nos apresenta o mundo. Tudo nos é dado a ver, e este tudo, cada vez
mais, parece representar o todo (RESENDE, 2005, p. 120).
Narrativas de Viagem

Na região do Jalapão, percebemos esta reconfigurada concepção dos papéis


sociais e das relações estabelecidas entre os sujeitos, uma vez que se acelerou um
processo em que pequenos agricultores passaram a se tornar pequenos empresários,
em que o círculo de convivência familiar deu lugar a novas relações entre sujeitos
locais, turistas e agentes de turismo.
Encontramos ainda uma ordem distinta de entender a cidade, pois, segundo
uma visão da economia turística do lugar, o diferencial do Jalapão é ser de difícil
491 acesso, permitir que as pessoas que buscam aventuras ou o relaxamento do stress
causado pelo asfalto das cidades, encontrem uma experiência mais bucólica e mais
perto do desenvolvimento urbano.

O turista tem vindo muito por modismo. Aumentou este perfil após a novel
[Do Outro lado do Paraíso]. Por exemplo, não olhar ao redor da viagem,
contemplar a natureza ou se interessar pelas histórias da cidade ou do parque.
Preferem só os atrativos e neles posam pra fotos como principal atividade.
O outro é o perfil aventureiro que pesquisa antes sobre o local e as fotos são
tiradas apenas após a contemplação do lugar (GUIA D. Entrevista concedida
às autoras em 25/11/2018).

Percebemos que muitas redes sociais de agências de turismo no Jalapão não


apenas divulgam fotos, mas também prestam informações sobre o lugar. Assim, é
importante para as agências e para os guias a constante alimentação das redes sociais,
entre elas o Instagram e o Trip Advisor, especialmente com imagens que revelem a
experiência de outros turistas com o lugar.

Fonte: Governo do Tocantins. Disponível em:


https://turismo.to.gov.br/. Acesso em 26 mai. 2019.
Narrativas de Viagem

Fonte: Governo do Tocantins. Disponível em:


https://turismo.to.gov.br/. Acesso em 26 mai. 2019.
No site de Turismo do Governo do Estado do Tocantins, os atrativos são
492 apresentados a partir das cidades onde estão situados. Ao clicar na aba “município”
são descritos os principais atrativos naturais, culturais e históricos, o que inclui rios -
os conhecidos fervedouros, cachoeiras, acidentes e marcos geográficos, comunidades
tradicionais (especialmente quilombolas); e os modos de fazer tradicionais, como a cultura
do artesanato de capim dourado e de buriti. Entretanto, durante a pesquisa de campo, foi
possível perceber que há problemas na visitação contínua das comunidades quilombolas,
especialmente a Mumbuca, palco do Capim Dourado, algo que acarreta mudança de roteiro.
“Elas subiram muito os preços e não atendem bem aos clientes. A gente tem evitado levar
os clientes para lá”, explica o GUIA A (Entrevista concedida em 24 de novembro de 2018).
Verifica-se, portanto, que há pelo menos dois tipos de turismo principais
no Parque Nacional, um que se guia pelas informações turísticas e de marketing
promocional intensificado por eventos midiáticos ocorridos no espaço (já citados); e o
outro que conta com o turista aventureiro – esse, apesar de também ter tido em algum
momento contato com as peças midiáticas, vem pro Jalapão com o objetivo maior de
experienciar o lugar e suas histórias.
Apesar destes perfis de turista do Jalapão, mesmo que não haja a influência
dos produtos midiáticos, há uma unicidade na opinião de que são os influenciadores
digitais que podem estar interferindo no aumento no número de visitantes. Outro
fator seria a alta do dólar, favorecendo a destinos nacionais. São estes perfis mais
aventureiros que buscam mais experiências com a cultura do lugar. Assim, em geral é
com este segundo tipo que podem ocorrer até mesmo alteração nos roteiros que são
vendidos como pacotes fechados pelas agências, conforme relata um dos guias:

A alteração do roteiro existe por vários motivos. Se o roteiro é fechado é mais


controlado... para o ecoturismo novos pontos até menos visitados podem
entrar. O roteiro é apropriado para garantir o atendimento da expectativa do
turista. Nos feriados prolongados é preciso sair cedo pra ir aos lugares [pois
podem parar em cada atração de 15 a 20 caminhonetes]. (GUIA D. Entrevista
concedida às autoras em 25/11/2018).

Contudo, tais alterações são pouco recorrentes, até mesmo em virtude da


própria dinâmica do mercado e do constante fluxo de turistas. De acordo com outro
entrevistado, por exemplo, “a novela teve um boom momentâneo” apenas, no entanto,
não verifica esta motivação de forma generalizada: “até o momento ninguém me
procurou por isso. Algumas vezes eu falo “aqui que foram gravadas tais cenas, ou a
construção de tal cenário, mas eles falam ‘poxa!’ ou ‘nem sabia’” (GUIA C. Entrevista
concedida em 20/03/2019).
Narrativas de Viagem

O Jalapão, portanto, é palco de experiências pessoais diversas, mesmo que com


um roteiro controlado, conveniente para aqueles que não conhecem o lugar e não
tem os meios adequados para visitá-lo, ou ainda para os que se instigaram a conhecer
o lugar pela sua beleza natural e pelo espírito de aventura, ou para os que querem
conhecer por si próprio as experiências que viram nas redes sociais e nas narrações
de influenciadores digitais.
493 Imaginários nas fotografias divulgadas no Instagram de empresas de
turismo do Jalapão

A partir destas explanações selecionamos algumas imagens postadas nos perfis


do Instagram de algumas operadoras prestadoras de serviços turísticos no Jalapão,
que atualmente podem passar de cem, embora apenas poucas mantenham um serviço
permanente e consolidado.
Numa observação geral das fotografias postadas, verifica-se que a maioria
mostra o turista nos principais pontos do roteiro divulgado pelas operadoras de
turismo na região de forma geral, com algumas peculiaridades como, por exemplo,
fotos submersas, fotos posadas junto aos veículos e com os visitantes saltando,
em geral com o horizonte de chapadas ou à luz vermelha causada pelo pôr do sol
característico da região. Imagens assim foram verificadas em perfis de muitas das
agências pesquisadas.

Fonte: Instagram – Jalapão 100 Limites.


https://www.instagram.com/p/BwfmseDHjDe/
Narrativas de Viagem

Percebemos ainda o esforço para estabelecer um destaque, uma unicidade


da experiência com o lugar, mas ao tempo em que a imagem representa o próprio
lugar, revela o lugar, que se traduz assim como a possibilidade de uma experiência
semelhante para o outro.
494

Fonte: https://www.instagram.com/p/Bw01s2IHCAr/. Acesso em 2 jun. 2019.

Assim, muitas imagens buscam esta aproximação entre a experiência com o


ambiente, com os companheiros de viagem, de forma que se utilizam de referências
algures para construir a sua própria, ao mesmo tempo dando uma ideia de autenticidade
e redundância.
Narrativas de Viagem

Fonte: https://www.instagram.com/p/Bxzt8VPlFQa/. Acesso em 2 jun. 2019

Algumas imagens buscam captar a “magia” do lugar, utilizando-se das técnicas


de fotografia, como as que se vê abaixo, com ou sem a figuração de pessoas. Mas
claramente há um destaque para pontos mais divulgados seja pelos produtos
midiáticos, seja pelas redes sociais e blogs de influenciadores. As principais
cachoeiras, os fervedouros, a Pedra Furada e as dunas, o que inclui seu colorido
495 e o pôr do sol, são cartões postais por excelência e os principais motivos das
fotografias.

Fonte: Instagram - 40 graus no Cerrado. Disponível em:


https://www.instagram.com/p/BoHQCKijnFU/. Acesso em: 23 abr. 2019.

Pudemos, assim, conferir que boa parte dos cenários das fotografias que
encontramos reproduzem imagens postadas já por outros usuários das redes sociais e
aplicativos de viagem, mas também de um dos produtos midiáticos citados no início
deste capítulo, como verificamos na imagem abaixo.
Narrativas de Viagem

Imagens do ator Sérgio Guizé e da atriz Bianca Bin, na telenovela


Do Outro Lado do Paraiso Fonte: https://gshow.globo.com

Algumas imagens performáticas que encontramos revela a posição de sujeitos


que se querem ser vistos como distintos, em geral por qualidades visuais que inspiram
um imaginário mais atraente, tendo as formas e cores da natureza ao redor como
496 plano de fundo. Tal como analisou Sibila, o ato de performar, na atualidade, e não
apenas na mídia, mas na cotidianidade, tornou-se sinônimo de “exibir-se ao extremo”.

Fonte: Instagram – Jalapão 100 Limites.


Disponível em: https://www.instagram.com/p/BvIIaZpnrIO/.

E neste sentido, as imagens encontradas passam de uma narrativa da


experiência, não simples registro, como vimos acima, para uma promoção de si, o que
há não tanto tempo assim fora considerado inadequado, “de modo que a autopromoção
perdera boa parte de suas conotações negativas para se converter em um gesto cada
vez mais comum e sem carga pejorativa” (SIBILIA, 2015, p. 355).
Narrativas de Viagem

Fonte: Instagram - 40 graus no Cerrado. Disponível em: https://www.instagram.


com/p/Bt8lVoRhY5u/. Acesso em: 23 abr. 2019.
497 Tais performances, cabe ressaltar, não se encontram distanciadas da própria
experiência e buscam narrar, com economia de palavras, uma experiência de lugar que
se funde num misto entre experiência, performance/exibição e turismo econômico.

Considerações finais

Nos nossos tempos as palavras parecem cada vez mais obsoletas. Comunicamo-
nos muitas vezes mais por meio das imagens e suas representações postadas nas redes
sociais do que pelos comentários agregados a elas, que por vezes apenas repetem, com
a devida economia dos vernáculos, a ideia central que iniciou o “diálogo”, por vezes
apenas dando anuência ao que foi “dito”. Na “Era do Acesso”, o tempo é crucial e as
estratégias de atenção devem ser pensadas como um produto, conforme assinalou
Cruz (2016).
As imagens que seguem determinados motivos de pontos atrativos e performances
midiáticos também não podem ser tomadas como mera representação, uma vez que,
conforme vimos em De Certeau (1994), a circulação de uma representação não indica
que ela seja seguida pelos demais usuários, que não fabricaram tais representações,
neste sentido deve-se, antes de tudo, entender que a produção secundária de uma
representação traz consigo inúmeros processos pessoais e culturais distintos da
produção primária de uma imagem.
As imagens que vimos, em seus diferentes contextos e objetivos, chamam a
atenção de outros que se interessam pelas narrativas da viagem como forma de forjar
a sua própria experiência futura. E o fato de as agências manterem estas imagens de
diferentes usuários autentica seus serviços. Assim, as narrativas das imagens, tanto
das agências quanto dos turistas, propiciam a ideia de sucesso e felicidade plenos, de
convívio harmonioso na operação gente versus natureza na região.
Obviamente, as influências midiáticas marcam muitas destas representações,
mas foram as tendências encontradas nas imagens das agências de turismo, com suas
semelhanças na representação das experiências de distintos usuários narradas nas
imagens analisadas, que revelaram o potencial mobilizador, ou ao menos influenciador,
na nossa sociedade, pelas redes sociais.
Por fim, percebemos que os roteiros acabam reproduzindo o circuito oficial
divulgado pelo estado. Assim, comunidades quilombolas e outros locais turísticos que
compõem o circuito do deserto das águas acabam sendo ignorados, entre eles ainda as
peculiaridades culinárias de restaurantes, tanto situados nas cidades quanto nas entradas
Narrativas de Viagem

dos atrativos, como pudemos experimentar na Cachoeira das Araras e na comunidade


do Prata. Cabe salientar que as agências propiciam experiências distintas e algumas
oferecem visitações a pontos exclusivos e menos popularizados, por assim dizer.

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Trabalho de Conclusão de Disciplina (Curso de Comércio Exterior). Senac. Santos,


2009. Disponível em: https://pt.scribd.com/document/82782392/SanCapim-a-de-
Artigo-de-Capim-Dourado. Acesso em: 19 mar. 2019.
499 TRAVEL NARRATIVES: JALAPÃO’S
IMAGINARY BASED ON INSTAGRAM
IMAGES OF TOURISM OPERATORS

Silvia Helena Belmino Freitas1


Verônica Dantas Meneses2

Introduction

“May God bless us and protect all of us in this stretch and all of ours who stayed
home. Amen”. The prayer recited by the tour guide to the sound of the American
pop song Maneater (Daryl Hall and John Oates, 1982), frequently played in Brazilian
discos in the eighties, marks the beginning of the field research trip – between the
22nd and 25th of november 2018 – to Jalapão State Park. The environmental protection
area located in the state of Tocantins, Northern Brazil, until recently unknown by
most Brazilians, received an expressive number of visitors after the broadcast of the
telenovela O outro lado do paraíso3 and two editions of the journalistic work Globo
Repórter4, both produced by Rede Globo de Televisão. However, the Region was the
theme of other media products that possibly contributed in attracting the curious,
researchers and adventurers, the most notable ones being the reality show series
Survivor, produced by American television network CBS, whose Jalapão season was
broadcast in 2009; and Largados e Pelados (Naked and Afraid), whose Jalapão episode
premiered in the beginning of 2018 through the Discovery Channel5.
The natural beauty of Tocantins were utilized in the fictional work written by
Walcyr Carrasco as mise-en-scène of the plot of telenovela O outro lado do paraíso,
a drama that, beyond showing the affective, social, political and economic factors,
presents the show’s consumer the almost wild nature of the brazilian state created
in 1988. The Cerrado biome, with its twisted trees, cut by roads with stones and
loose sand of a reddish tint, dunes making up an impressionists’ landscape, with rock
formations that remind one of cathedrals, elephants, castles’ ruins, with wild animals
running in the fields and its clear and warm water springs, became an attractive place
especially in virtue of the imaginary produced by the media.

1 Doctor in Communications through the University of Brasília (UnB). Permanent teaching staff in the Postgraduate
Course in Communication in Media and sociocultural practices in the Federal University of Ceará (UFC) and of the
Travel Narratives

Communication – Publicity and Advertising course of the Arts and Culture Institute (ICA) of UFC.
2 Journalist and master in Sociology through the Federal University of Sergipe (UFS). Doctor in Communications
through the University of Brasília (UnB). Professor of the Bachelor course of Journalism and the Academic
Master’s Degree in Communication and Society in the Federal University of Tocantins (UFT).
3 Telenovela by Walcyr Carrasco produced by Rede Globo, broadcast from October 23rd 2017 to May 12 th 2018,
in 172 episodes.
4 Broadcast on May 1st 2018 and May 13th 2018, available at: https://globoplay.globo.com/v/6730668/ and https://
www.youtube.com/watch?v=eMr7lGVWs_U.
5 https://www.largadosepelados.com/Tags/largados-e-pelados-jalapao/; https://www.youtube.com/
watch?v=x91SHHhGsqI
500 Another attractive aspect touched on by television programs is capim dourado
(golden grass)6, a very spread out species found in the Japalão Park region, used in
the manufacturing of handicrafts, which also served as allegory for other Rede Globo
productions. The importance of this species of grass goes beyond ornamentation,
supporting economically poor communities of Quilombolas, who now make up the
tourists visiting roadmap, such as, for example, Mumbuca.7 “It is believed that the
residents of the central region of Jalapão probably learn the art of working the golden
grass from the indigenous people of the Xerente ethnicity, who left the region almost
a century ago” (SILVA; SILVA, 2009, p. 12).
In this context, the social Medias of tourism operators in Jalapão, personal
visitors’ profiles and travel apps significantly increased the images of the so-called
“desert of waters”. This paper’s main objective is to analyze the imaginary produced
about Jalapão from images posted in the social media Instagram by tourism companies
that conduct trips to the Park, and attempt to understand what the experiences that
project themselves upon the eyes of observers of those images are. As a chosen
methodology, we opted to work semi-structured interviews with owners of tourism
operators and two tour guides8. As well as the interviews, images posted by visitors
on the companies’ Instagram and documental research from the official Tocantins
State website, amongst them the Secretariat of Tourism and Tocantins Nature
Institute (Naturantins) were analyzed. We also looked to discuss if (and which) of the
media productions influenced on the choice of these locations and the framing of the
posted images. This social media was created with the purpose of showing, especially
through photographs, details of daily life and, in a subjective way, to narrate the day-
to-day life of its users (MUSSE, 2017).
Theoretical foundation was taken from the works of Walter Benjamin (2009),
Ítalo Calvino (2003) and Irlys Barreira (2012) to base the concepts of journey
narratives. About the concept of imaginaries, the works of Armando Silva (2014) and
Fabio de la Rocca (2018). We looked for more in-depth research about the use of
Instagram in the works of Paula Sibila (2008), Erving Goffman (2013), Han Byung-
Chul (2017) and Mariana Musse (2017). The different approaches about the location
and the everyday took De Certeau as basis, amongst other authors that subsidized
the theoretical-methodological orientation. The categories observed in the images,
from this benchmark, were the oneness/redundancy of the image-experience, the
performance of the character and the media attribution.
This paper traces an outlook over the tourist experiences with Jalapão and
what choices they make when selecting photos and images to share the moments
they had in their trip. These published images constitute other texts that tell the story
Travel Narratives

of not only the personal experience of the tourist, but, from the moment it aggregates
with other stories and with the websites of local tourist agencies, create an imaginary
6 A plant with a color reminiscent of gold and that can be found in the Cerrado region of the states of Mato
Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Goiás, Tocantins e Bahia.
7 The Quilombola Community of Mumbuca is responsible for crafmanship with the use of golden grass. The
use of this grass was inherited from the Xerente people, passed onto the Mumbuca residents around 80 years
ago.This handiwork became the identity of the Mumbuca community to the rest of Brazil.
8 For methodological purposes, the sources will be identified as guides, as follows: GUIDE A; GUIDE B; GUIDE
C; GUIDE D.
501 about the bucolic region that has the lowest demographic density in Brazil, one of the
reasons the area is called a desert.
As such, we attempted to understand the imaginary interfacer (personal, media-
based, local) that stand-out in the narratives about Jalapão posted on Instagram,
seeking to problematize the concept of attention economics present in the virtual/
digital world, as there is an intentionality with tourism companies in the region to
make the destination even more attractive.

Narratives and location Imaginaries

The book The Voyages of Marco Polo is an important reference in the art of telling
stories about the impressions left on a traveler on new territories. It is about the account
of a visiting outsider, Italian merchant/ambassador, to other civilizations. The stories
told by him serve to feed the imaginaries of Middle Ages Europeans about lands hitherto
still unknown. Some narratives of the Venetian merchant were taken as fallacies due
to the lack of knowledge on the part of the Europeans about the fauna, flora, culture
and, most importantly, in virtue of the creative way the daily life in oriental cities was
presented. At the time, the travel experiences of Marco Polo were not extraordinary
amongst merchants, what made them different were the records of the impressions
about the journeys through various cities present in the book, whose contents fed the
European imaginary about the Orient for over a century.
In the descriptions of Italo Calvino (2003), powered by the narratives of Marco
Polo to Kublai Khan, cities receive female names and are categorized by symbols,
memory, desire, name, trades, deceased etc. In the real contemporary cities, the strategies
for marketing places (KOTLER et al, 2006) proposed by governances design cities to be
touristic, innovative, exotic, creative and intelligent. They need a competitive quality,
some characteristic that makes them unique. This can be landscapes, culture, historical
or religious facts, or even the local populace. Just like how in Calvino’s imaginary cities
something needs to be chosen as a symbol to become an object of desire and thus feed
the consumption of the place by visitors. The images in tourism marketing of Jalapão’s
waterfalls, dunes and fervedouros (underwater springs) became scenery to sites, guides
and maps to a consumer experience. “The visitation rituals represent the confirmation
of the importance of the locations marked on the road maps, reiterated by the ensemble
of meanings as a kind of text in action” (BARREIRA, 2012, p.65).
In current times, travelers narrate cities in different ways, but the forms of
expressing those experiences, in virtue of technological equipment, are ever more similar.
In tourism companies’ social media we researched there are several reproductions of
Travel Narratives

images from locations posted by visitors. “We show on our Instagram page the diverse
models to take a good picture in the chosen places. It’s the clients’ choice9”, explains one
of the owners of a tourism agency in Jalapão (GUIDE B). Experiences of a place become
collective. In the attempt to seize a unique image from the landscapes of Jalapão, visitors
reproduce images from other visitors. They try to master new location experiences,
inside an old experience frame (Walter Benjamin 2009, p.490).
9 Interview with the owner of the company Jalapão Oficial, Cristiano Tavares.
502 Success, as a positive value, would be connected to the postmodern subject’s
performance, which is why they slave themselves in its name, therefore, if they fail,
the feeling of guilt will reside only and exclusively on them. In this sense, in the
world of social media, everything and everyone must appear to be represented by
images of success, happiness and achievement. According to Murdock (2018), internet
companies promote a business model in which spectacle and appearance is traded for
the slavish work of internet users, who, happily, give them their data, and do the
information distribution job that, in other times, was up to the mass media.
Performance, however, is another concept to be problematized in this issue,
seeing how many times images spread in social media can have only surreptitiously,
and not tacitly, the dimension of performance as “an action practiced by someone
who considers themselves to be practicing a performance, and whose public view it as
such” (SIBILIA, 2015, p. 354). Since the pose produced by someone will not always be
seen by other users as performance. We will treat these representations in Instagram
as performance, as we believe that they are not only mere images of experiences
or everyday representations, they are realized as denser processes of subjectivation
(BRASIL apud SIBILIA, 2015, p. 355).
According to Barros, just in Instagram, globally, there are over 80 million
photographs published daily by over 300 million registered users, images that show
the necessity of visibility by the part of the users,

At the same time that the production and sharing speed of these images is
revealing of impulses, fundamental elements when it comes to examining the
imaginary, the craving of publicity goes against the experience of the symbolic
image in terms of how it is understood by Durand (1964 ), which supposes a
personal revelation whose description is not only impossible to be made by
the imagining subject, but also unnecessary and useless, seeing as, by itself,
it will not modify the symbolic experience in any way, be it their own or of
others. Thus, an equation that conjugates the variables of the dilution of the
symbolism of the sacred is formed, with the anticipation of communicating
experiences through technical images (BARROS, 2019, p. 133).

Visitors and agencies, when sharing images of the trip experiences, elect
what they consider symbolic or iconic spaces that identify them inside an already
consolidated imaginary about the location. Coupled with their repertories, the image
choices can be tied to the historical and cultural moments, media production or
moments with nature, with a pinch of added creativity that, at times, possess posing
and performative elements arising from photographic techniques and editing. These
feelings shown in photographs posted in companies’ social media mobilize potential
Travel Narratives

consumers. It’s attention economics, in other words, this new “Access Era”, in which
time and human experience are transformed in commodities (RIFKIN apud CRUZ,
2016, p. 215), “which becomes really scarce, here, and the navigation time during
which the user lets themselves be affected by advertising strategies, in other words,
their attention” (CRUZ, 2016, p. 215). The divulging of the travel experiences, in this
sense, feed the future tourist with expectation about their experience, include the a
priori user in the new economy and even serves as authenticity seal of the services
503 provided by the tourist company. Tourists are nourished by the website, catalogs or
advertisement images, surround themselves of illusions and enchantments not always
fulfilled during trips and often updated with their own routes and senses.
To the researcher Armando Silva, the study about the imaginary must go
through three entries: “the imaginary as a psychological construct or mark; the
imaginary as social construct of reality; e the imaginary as the manner that allows
material expression through techniques” (SILVA, 2014, p.37). The first refers to the
moments in which feelings dominate perception, such as states of fear, resentment,
affections and illusions; the social imaginaries would be presumptions of the collective
representations, constructs that can manifest in local as well as global areas; and,
finally, the technological entry, whose supply of technique allows the materialization
of group expression, in other words, imaginaries associated with techniques serve as
an instrument to represent them, as is the case with the images posted on Jalapão’s
tourism companies’ Instagram, which, however, ally themselves to two other
dimensions in the context we addressed here.
According to De Certeau (1994, p. 40),

The presence and circulation of a representation (taught as the code of socio-


economic development by preachers, by educators or by communicators) do
not reveal in any way what it is to its users. It is still necessary to analyze
their manipulation by practitioners that do not produce it. Only then one can
appreciate the difference or resemblance between production of the image
and the secondary production that hides in the processes of its utilization.

Thus, imaginaries that intersect in the imagistic circulation of these experiences,


carried out through the photographs about Jalapão posted in tourism companies’
Instagram profiles, which constitutes the focus of this research, blend the personal,
the media and the similar/different, and only through the analysis of how these
images are projected and which elements they bring together will it be possible to
visualize a little of what they represent to their users and how much other imaginaries
contributed to the choice of a certain circulated image.
In this sense, these representations would lack the privilege of the determinism
of instruments of power, the producers (the discipline, as described by De Certeau),
but would possess a multiplicity of references generated in the creative processes that
happen in the everyday life. The author further analyzes, “these modes of procedure and
these cunning acts from consumers compose, at the limits, an anti-discipline network”,
in the sense that these consumers do not conform to the discipline, to what is produced
by the dominant groups (media, market, governments), but they “appropriate the space
organized by the socio-cultural production techniques” (CERTEAU, 1994, p. 41-42).
Travel Narratives

This interface interests us: understanding the presences, differences and


similarities that constitute the imagistic narratives of Instagram’s multiple imaginaries,
exchanged and made into narratives through a personal, but at the same time shared
experience of Jalapão. We cannot focus on the personal imaginaries of these visitors/
users, since they are symbolic questions to which we do not possess access, but we
will focus on the media and local narrative imaginaries about Jalapão.
504 Maps, Guides and Routes

Jalapão’s guides program visits to the park according to the number of visitors
in groups and the time necessary to travel to attraction spots. Informative materials,
that, in some ways, serve as help to the travelers, showing directions, are not used
in adventure or ecologic tours presented to Jalapão’s visitors. The red dirt roads,
flattened by tractors, suffer constant acts of nature – rain, wildfires, heat – and are
substituted by other during the course of the journey. The visitor receives a route
proposal of locations to be visited, however, in virtue of the distance between tourist
attractions, the map, which looks more like a Jalapão treasure hunt, distributed by
some local merchants, and serves only an illustrative or locative purpose to visitors.

Figure 1: Jalapão’s tourist attractions map

Source: tourist promotion

The tourist, before arriving at Jalapão, traverses a route of almost 200 kilometers
between Palmas and Ponte Alta, the entry point to the Park. The first stop is the
city of Taquaruçu, mountainous region located about 32 kilometers from downtown
Palmas, with waterfalls and a milder climate. Different from tourist city routes, there
is no way for the initial programming to be followed to the letter, since much relies
upon visitor’s dispositions and weather and roads conditions. The distance between
attractions makes the experience similar to a safari, ever increasing expectations
relating to visited locations. Time is an important aspect to whoever tours Jalapão:
even though there was no phone signal for most of the trip, a fundamental object to
Travel Narratives

organize the day-to-day of contemporary people, we were advised to rigorously follow


the time tables. “Ideally, you would get there early to better enjoy the location”, Guide
A clarifies when establishing a departure time of 8 AM or earlier. Our experience
occurred during the off-season, and turnover was already significant and the great
amount of visitors made the staying time on some attractions approximately 20
minutes. Complicity becomes part of the journey as well, since many times we found
ourselves in more than one attraction with the same groups; we learned their stories
505 and shared parts of our own.
The way we experience a new place, with all their differences and similarities
to those we are familiarized, depends on several perspectives, amongst those the ones
showed above, as well as the expectations that form from the previous visualization
of images spread out by the media and by other’s experiences.
Resende, in reflecting upon the relation between existing alterities in
contemporary scenes presented by cities, expresses De Certeau’s conception that the
city presents to us under two perspectives: one in which it is visible, and another in
which appears metaphorically, and that both are in a dialogical position, establishing
sociabilities built around them (RESENDE, 2005, p. 119). In this sense, the means of
communication gain great importance when showing and creating sociabilities that
are not always experienced in those locations. Thus,

In its structural role of weaving social relations networks, through


representations and practices, the means of communication vehemently take
part in the creation of specific sociability modes, contributing, at the same
time, to their legitimization and to the reconfiguration of roles and pertinences
of the various fields that constitute society. The advent of television; and a
hallmark in this process; the images that invade our homes, basically since the
50s, present the world to us. Everything is given for us to see, and all of that,
increasingly, seems to represent the whole. (RESENDE, 2005, p. 120).

In the Jalapão region, we perceive this reconfigured conception of the social


roles and established relation between subjects as the process in which small farmers
started becoming small business owners accelerated, during which the familial
interaction circle gave place to new relations between local subjects, tourists and
tourism agents.
Moreover, there exists the distinct order to understand the city, as, according to
a tourist industry view of the place, Jalapão’s particularity includes being of difficult
access, allowing people who seek adventures or people tired of the city’s asphalt, to
find a more bucolic experience, closer to urban development. This dirt is a “modern
perspective of those who believe that clean is order and the predictable” (RESENDE,
2005, p. 119).

Tourists come here a lot as a fad. That profile went up after the telenovela [Do
Outro lado do Paraíso]. For example, not looking around during trips, gaze
at nature or show interest in the stories about the Park or the city. They’d
rather focus on the tourist attractions and pose for photos as a main activity.
The other profile is the adventurer who researches in advance about the
location and have photos taken only after contemplating the places. (GUDE
Travel Narratives

D. Interview granted to the authors on November 25th 2018).

Many tourism agencies in Jalapão not only divulge photos, but also provide
information about the location. Thus, it is interesting to the agencies and to guides
to maintain a constant feed on their social media, amongst them Instagram and
TripAdvisor, with images, especially those that display other tourists’ experience
with the location.
506

Source: Tocantins’ Government.


Available at: https://turismo.to.gov.br/. Accessed on May 26th 2019.

Source: Tocantins’ Government.


Available at: https://turismo.to.gov.br/. Accessed on May 26th 2019.

On Tocantins’ State Government website, attractions are presented based


on the city they are located. After clicking on a city, we are presented with the
main natural, cultural and historical attractions, which include rivers – the well-
known fervedouros (subterranean springs), waterfalls, geographic landmarks and
characteristics and traditional communities (especially quilombolas), and traditional
craft, such as the culture of golden grass handicrafts and buriti. However, during
Travel Narratives

the field research we perceived that there are problems in the continuous visitation
to quilombola communities, especially the Mumbuca, stage for the Golden Grass,
something that entails a change in routes. “They raised the prices too much and
do not attend to customers very well. We’ve avoided taking clients there”, explains
GUIDE A (Interview granted on November 24th 2018).
We can, therefore, ascertain that there are at least two main types of tourists
507 in the National Park, one that follows tourist information and promotional marketing
boosted by media events that took place at the venue, already mentioned, and the
adventure-seeking tourist who, although also having had contact with the media
pieces at some point, comes to Jalapão with the greater objective of experiencing the
location and its histories.
Despite these profiles of Jalapão tourists, even if there is no influence from media
products, there exists a unity in the opinion that it is the digital influencers that might
be interfering in the increase in the number of visitors; the rise in the Dollar price might
also have helped in this context. It is those adventure oriented profiles that look for
more experiences with the local culture. Thus, in general alterations in routes are more
likely to happen to this second type, which are sold as closed packages by agencies, as
one of our guides describes:

The route alteration exists for various reasons. If the route is closed, it’s more
controlled … for ecotourism, even less visited points might get in. The rout is
suited to guarantee meeting the tourists’ expectations. In prolonged holidays,
we need to depart to location early [since in each attraction might stop 15 to
20 pickup trucks] (GUIDE D. Interview granted to the authors on November
11th 2018).

Such alterations, however, are rare, even in virtue of the market’s dynamics and
constant flux of tourists. According to another interviewee, for instance, “the telenovela
had a momentary boom” only, but they also do not verify this motivation a general
form: “up until now no one came to me because of that. Sometimes I say ‘here is where
such and such scenes were filmed, or the build of a certain set’, but they respond ‘jeez!’
or ‘I didn’t even know’” (GUIDE C. Interview granted on March 20th 2019).
Jalapão is, therefore, stage for many diverse experiences, even with a controlled
tour route, convenient for those that do not know the venue and do not have the adequate
means to visit, or even to those that were prompted to get to know the location for its
natural beauty and adventure spirit, or to those that want to enjoy for themselves the
experiences they saw on social media and narrations of digital influencers.

Imaginaries in published photographs in Jalapão’s tourism companies’


instagrams

From these explanations we selected some of the images posted on Instagram


profiles of some tourist service providers in Jalapão, which may now number over
one-hundred, although only a small amount among them maintain a permanent and
consolidated service.
Travel Narratives

In a general observation of the photographs posted, the majority of them


show the tourist on the main tour route points promoted by tourism operators in a
large sense, with some overall peculiarities, for instance, submerged photos, photos
next to a vehicle with the visitors jumping – generally with either the flat hilltops in
the horizon or the red sunset light characteristic of the region. Images like this were
seen in profiles of many of the researched agencies.
508

Source: Instagram – Jalapão 100 Limites.


https://www.instagram.com/p/BwfmseDHjDe/

There also exists the effort to establish a distinction, a oneness of the experience
with the location, but at the same time that the image represents the place itself, it
reveals it, and thus, it translates as the possibility of a similar experience to others.
Travel Narratives

Source: https://www.instagram.com/p/Bw01s2IHCAr/. Accessed June 2nd 2019.


509 In this way, many images look for this convergence with the environment, trip
companions, the way they utilize references to construe their own, at the same time
giving off an idea of authenticity and redundancy.

Source: https://www.instagram.com/p/Bxzt8VPlFQa/. Accessed June 2nd 2019

Some images attempt to capture the site’s “magic”, using photographic


techniques, such as the ones seen above and below, with or without persons. But
there is a clear highlight of points promoted by media productions, social media and
influencers’ blogs. The main waterfalls, the fervedouros, the Pedra Furada (holey
rock) and the dunes, which include their colorfulness and the sunset, are postcards
by excellence and the main motives of photos.
Travel Narratives

Source: Instagram - 40 graus no Cerrado. Available at:


https://www.instagram.com/p/BoHQCKijnFU/. Accessed on: April 23rd 2019.
510 We can, thus, ascertain that great part of the scenery on photographs we found,
reproduce already posted images in other users’ social media and travel apps, but also
from one of the media productions cited in the beginning of this chapter, as seen in
the image below.

Images of the actor Sérgio Guizé and actress Bianca Bin,


in the telenovela Do Outro Lado do Paraiso Source: https://gshow.globo.com

Some performatic images one can find reveal the position of individuals that
want to be seen as different, usually by visual qualities that inspire a more attractive
imaginary, having the shapes and colors of nature around them as backdrop. As
Sibilia analyzed, the act of performing, currently, and not only in mass media, but in
everyday life, became synonymous with “extreme displaying of oneself”.
Travel Narratives

Source: Instagram – Jalapão 100 Limites.


Available at: https://www.instagram.com/p/BvIIaZpnrIO/.
511 And in this sense, the images found change from a narrative of experience,
not simple registry, as seen above, to a self-promotion, which not so long ago might
have been considered inappropriate, “in such a way that self-promotion lost good
part of tis negative connotations, transforming into a gesture ever more common and
without a negative outlook” (SIBILIA, 2015, p. 355).

Source: Instagram - 40 graus no Cerrado. Available at: https://www.instagram.


com/p/Bt8lVoRhY5u/. Accessed on: April 23rd 2019.

Such performances, it should be stressed, do not find themselves distanced from


the experience itself and seek to narrate, without words, a location experience that
fuses in a mix of experience, performance/exhibition and economic tourism.

Final considerations

In current times words seem ever more obsolete. Many times we communicate
much more through images and their representations posted in social media than
through comments attached to them, which many times simply repeat, with a shortage
in vernacular, the central “dialog” kick-starting idea, many merely making know our
Travel Narratives

approval to what was “said”, because, in the “Access Era”, time is crucial and attention
strategies must be viewed as a product, as pinpointed by Cruz (2016).
Images that follow certain motifs of attraction points and media performances
cannot, however, be taken as mere representation, since, as seen with De Certeau
(1994), spreading of a representation does not mean that it is followed by other
users, that did not produce such representations, in this sense one must, above all,
understand that secondary production of a representation brings with it innumerable
512 personal and cultural processes distinct from the primary production of an image.
The images we saw, in their differing contexts and objectives, draw the attention
of others who are interested in the travel narratives as a way to forge their own future
experience. And the fact that agencies keep these images from different users validates
their services. Thus, narratives from images, whether from agencies or tourists,
foster the idea of unfettered success and happiness, of harmonious coexistence in the
operation people versus nature in the region.
Obviously, media influences mark many of these representations, however, it
was tendencies found in tourism agencies’ images, with their resemblance in the
representation of experiences of different users narrated in the analyzed images,
that revealed the mobilizing, or at the very least influencing, potential of our society
through social media.
Finally, tour routes end up reproducing the official circuit promoted by the State.
In this way, quilombola communities and other tourist venues that make up the water
desert circuit end up being ignored, amongst them the culinary peculiarities from
restaurants situated not only on cities but also in the gateways of tourist attractions,
as we could experience in Cachoeira das Araras and the Prata community. It should
also be noted that agencies provide distinct experiences and some offer visits to
exclusive, less popularized, in a manner of speaking, tourist spots.

REFERENCES

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Travel Narratives
514 O INSTAGRAM COMO INFLUENCIADOR
TURÍSTICO: AS MULHERES E O USO
DA REDE SOCIAL NA HORA DE VIAJAR

Alice Leroy Carvalhais1


Camila Maciel Campolina Alves Mantovani2

Introdução

O ato de se mover é uma atividade tão antiga quanto o homem. Desde os primórdios
a espécie se locomove, transita, caminha, muda. Antes do surgimento da agricultura, entre
dez e doze mil anos atrás, o nomadismo era a única opção viável para a sobrevivência da
espécie e esse estilo de vida, marcado por migrações e locomoções, sempre fez parte da
história humana. Por isso, é difícil determinar o ponto de partida do turismo.
Ao longo do tempo, a definição do que é turismo foi incansavelmente discutida
e remodelada. Conceituar turismo é conceituar

um fenômeno social, cultural e espacial, que surgiu a partir de uma prática


humana, de homens e mulheres que desejaram, movidos pelas mais diversas
motivações, experienciar algo diferente do que estavam acostumados a viver
em seu cotidiano e em seus locais habituais de residência e convívio social.
(ARAÚJO & ISAYAMA, 2009, p. 147).

O termo também pode ser definido como o movimento de pessoas de uma certa
origem até um destino para se engajar em atividades prazerosas (SWARBROOKE &
HORNER, 2007). Já a Organização Mundial do Turismo (OMT) entende o assunto como
fenômeno cultural, social e econômico, que envolve o movimento de pessoas para países
ou lugares fora de seu meio ambiente usual por motivos profissionais ou de lazer.
Viajar é atividade que gera status social e promove uma certa separação
de classes - quem viaja, como e para onde? Entender os aspectos que circundam
o turismo é entender que o turismo não é acessível a todos. O crescimento do
turismo é entendido como uma forma de alargamento da democracia, já que foi
historicamente acessível apenas a uma elite do movimento e é indicativo de status
social. O desenvolvimento de viagens por meio de trem, no século XIX, e por meio
Narrativas de Viagem

de carro e avião, no século XX, tiveram papel na democratização do deslocamento.


1 Graduada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Faculdade de Filosofia e Ciências Hu-
manas da Universidade Federal de Minas Gerais (FAFICH-UFMG). Pesquisadora de Iniciação Científica no projeto
“Sujeito em movimento: narrativas e subjetividades nas novas dinâmicas organizacionais” com coordenação da
Professora Camila Mantovani.
2 Professora do Departamento de Comunicação Social e do PPGCOM/UFMG. Doutora e Mestre em Ciência
da Informação (ECI/UFMG). Graduada em Comunicação Social/Jornalismo (UFMG) é coordenadora do Afetos:
Grupo de Pesquisa em Comunicação, Acessibilidade e Vulnerabilidades. Seus interesses de pesquisa abrangem:
Midiatização; Comunicação organizacional; Estudos de usabilidade e acessibilidade; Mobilidades; Mídias móveis;
Pessoas com deficiência; Corpo e tecnologia.
515 Mas viajar ainda é demonstrativo de status, principalmente considerando uma
hierarquia de lugares a serem visitados (viajar para Paris, por exemplo, traz mais
status do que viajar para alguma cidade próxima) (URRY, 2008).
Para exemplificar essa desigualdade, Bauman (1999) nomeia dois grupos: os
turistas e os vagabundos3. De um lado, temos um mundo globalizado onde, para o
primeiro grupo, formado pelos turistas, distâncias são facilmente transponíveis
e fronteiras são cruzadas quando algo novo, ainda não visto e desfrutado, os
chama. O segundo grupo, porém, é o daqueles para quem o espaço real não acena
amigavelmente, e sim se fecha, impedindo qualquer experiência positiva. Esses, os
chamados vagabundos, apenas assistem passivamente todas as transformações que os
afetam, sendo obrigados a se mover para encontrar um novo lugar que os dê abrigo,
ou ficar, quando tudo o que gostariam de fazer era mover-se para outro lugar. São,
por exemplo, refugiados em busca de asilo, ou pessoas forçadas a emigrar.

Os vagabundos se movem porque acham o mundo a seu alcance (local)


insuportavelmente inóspito. Os turistas viajam porque querem; os vagabundos
porque não têm outra opção suportável. (...) O que se aclama hoje como
“globalização” gira em função dos sonhos e desejos dos turistas. Seu efeito
secundário — colateral mas inevitável — é a transformação de muitos outros
em vagabundos. (BAUMAN, p.87, 1999)

O paradigma da mobilidade (URRY, 2007) defende que os processos de


movimentos são compostos por cinco mobilidades interdependentes: o movimento
corpóreo, o movimento de objetos (fluxos de produção, venda e consumo), o
imaginativo, o virtual e o comunicativo. John Urry reconhece que o turismo não é
só sobre a viagem, mas também sobre provocar a movimentação de ideias, capitais
e formas sociais. Isso só é possível graças ao crescimento incessante das tecnologias
da informação e da comunicação (TIC’s), possibilitando novas formas de viagens
imaginativas, virtuais e comunicacionais, combinadas às viagens físicas.
De acordo com a OMT, o mercado tem previsão de crescimento para até 4%
em 2019. Em 2018, o setor registrou o segundo melhor resultado dos últimos 10
anos (OMT, 2019). Com tamanha expansão, era esperado que o mercado do turismo
se desenvolvesse de modo a captar todo tipo de novos consumidores. No caso da
discussão que iremos apresentar aqui, o foco está nas mulheres como um público
potencial para o turismo. Nossa reflexão busca percebê-las como um grupo que possui
poder de consumo e apresenta demandas específicas em relação a viagens e turismo.
Narrativas de Viagem

Novas perspectivas para o turismo

No Brasil, a partir da década de 1970, as mulheres começaram a ter maior


participação no mercado de trabalho, em razão das necessidades econômicas do país,
êxodo rural, acesso a universidades e diminuição da taxa de fecundidade (BRUSCHINI,
1998). Com a inserção e ampliação do papel feminino no mercado de trabalho, a
independência financeira começou a ser possível para muitas. Em 2010, em cerca de
3 Tradução do termo “vagabonds” em sua versão original do livro “Globalization: The Human Consequences” (1998).
516 37,3% dos domicílios brasileiros, o responsável financeiro era a mulher (IBGE, 2010).
De acordo com pesquisa do Data Popular, a massa de renda feminina no Brasil,
entre 2003 e 2013, cresceu 83%, saltando de 602 bilhões para um trilhão de reais
por ano (DATA POPULAR, 2013). É possível perceber que, ao longo do século XX,
as mulheres foram se tornando cada vez mais ativas economicamente e, portanto,
estão incutindo seus gostos na forma de consumir. De acordo com Popcorn e
Marigold (2000), as mulheres têm um grande poder decisório, sendo responsáveis
pela aquisição de 80% das mercadorias de consumo. Esse dado começou a remodelar
a lógica de mercado, que vem buscando atingir esse novo público, grande e ao
mesmo tempo tão segmentado.
Em Sondagem do Consumidor, divulgada pelo Ministério do Turismo em 2017,
17,8% das mulheres desejavam viajar sozinhas nos próximos 6 meses, principalmente
em estilo solo travel ou single travel (o primeiro se refere a grupos organizados de
pessoas que não se conhecem e o segundo, pessoas que viajam sozinhas independentes)
(ANSARAH, 2009). O número é superior ao de homens com a mesma intenção (11,8%). Já
o levantamento feito pelo Voopter4, site de busca de passagens aéreas, em 2018, mostra
que 68% das mulheres buscaram passagens no site, contra apenas 31,3% dos homens.
Esses dados são um indicativo de que, atualmente, muitas mulheres têm outras
prioridades e estão buscando ocupar espaços diversos além dos que historicamente
lhes foram permitidos. Em um estudo realizado pela empresa Trafalgar5, 73% das
entrevistadas explicaram que viajar as faz se sentir mais fortes e poderosas e 69% dizem
que se sentem inspiradas ao fazer as malas. Os motivos que elas encontram para viajar
são variados: fugir da rotina e se relacionar mais com a família e os companheiros
foram os mais citados, mas refletir, crescer e testar os próprios limites também motivam
49% das mulheres a arrumar as malas. Esses dados colocam as viagens como possível
ferramenta de emancipação feminina.
De acordo com Simone Fullagar (2002), “as mulheres têm sido posicionadas
como objetos de troca entre homens dentro de uma economia de desejo que
valoriza a diferença sexual em formas culturalmente específicas (esposa, mãe, filha,
prostituta).” Assim, o lazer e as viagens oferecem espaço cultural através do qual
scripts e narrativas de gênero podem ser reescritos. Segundo Fullagar, escrever e
viajar oferecem “a possibilidade de ruptura, de mudanças incertas que perturbam e
destroem os discursos ocidentais que moldam a subjetividade de gênero.” A autora
nos faz enxergar as viagens como meio possível de mudança da visão do feminino e
como conquista de espaços antes inabitados por elas.
Narrativas de Viagem

Midiatização do Self

De acordo com Lemos (2005), na década de 70, houve o estabelecimento


dos personal computers e, nas décadas subsequentes, a consolidação da internet,
2 Mulheres são maioria entre os turistas que buscam passagens aéreas, revela pesquisa. Disponível em https://
extra.globo.com/tv-e-lazer/viagem-e-turismo/mulheres-sao-maioria-entre-os-turistas-que-buscam-passagens-
-aereas-revela-pesquisa-22974058.html. Acessado em 14/04/2019
3 Mulheres que viajam se sentem mais poderosas, revela pesquisa. Disponível em https://veja.abril.com.br/blog/
modo-aviao/mulheres-que-viajam-se-sentem-mais-poderosas-revela-pesquisa/. Acessado em 14/04/2019
517 transformando o PC em um “computador coletivo”, conectado ao ciberespaço.
No início do século XXI, assistimos ao desenvolvimento das tecnologias móveis
exemplificadas nas redes Wi-Fi, notebooks e celulares. A informação, que já transitava
pela rede, percorrendo distâncias até chegar aos usuários, que se localizam em pontos
específicos, agora transita com e entre os sujeitos. Isso porque ao mesmo em que os
enreda, é constituída a partir do movimento dos desses sujeitos.
A mobilidade e a conectividade experimentadas na contemporaneidade são
também acompanhadas do que Lemos (2005) nomeou por liberação do polo de
emissão, ou seja, há cada vez mais vozes e discursos disseminados na rede. Se antes
tais informações, para serem publicizadas, precisavam passar pela edição dos meios
de comunicação de massa, hoje uma série de ferramentas digitais torna possível a
disseminação de mensagens pelos “sujeitos comuns”. Sendo assim, transformamos
nossas experiências cotidianas em produtos midiáticos, passíveis de armazenamento
e recuperação e ainda disponíveis a qualquer hora e lugar. (MANTOVANI, 2011)
Castells (2006) conceitua a disseminação de discursos privados via tecnologias
digitais sob o termo Mass Self Communication. No caso, a capacidade que a mídia
tem de pôr temas em evidência, promovendo sua discussão em camadas mais amplas
da sociedade, foi, para o autor, percebida e apropriada pelo cidadão que não possui
vínculo profissional com esses meios.
Nesse contexto, despontam redes sociais com diferentes propósitos e
buscando atrair públicos distintos. Do já extinto Orkut ao Twitter, do Tumblr ao
Facebook, a internet se transforma em lugar comunicativo e dialógico. Já é possível
criar conteúdo próprio, compartilhar a geolocalização e manter na web um espaço
pessoal, mas não particular.
Dentre o vasto universo das redes sociais, atualmente, a mais promissora é,
possivelmente, o Instagram. A rede social tem desbancado até mesmo o Facebook,
antes campeão em popularidade6. Além disso, estima-se que 68% da base total de
utilizadores sejam mulheres (Omnicore Agency, 2017).
Toda essa popularidade fez crescer o número de influenciadores digitais. Antes
impensável como profissão, a atividade se transformou em meio de trabalho e hoje
são em média 6 milhões de influenciadores no mundo e 313 mil deles estão no Brasil.
(REDE SNACK, 2017).
Para Issaaf Karhawi (2017), “os influenciadores são aqueles que têm algum
poder no processo de decisão de compra de um sujeito; poder de colocar discussões
em circulação; poder de influenciar em decisões em relação ao estilo de vida, gostos
Narrativas de Viagem

e bens culturais daqueles que estão em sua rede.” De acordo com João Kepler7 (2015),
palestrante e empreendedor, “[...] o influenciador é alguém que passa informações,
insights e opiniões que são levados em consideração por quem recebe aquele conteúdo
em meio a tantos posts e mensagens publicadas diariamente. É uma voz que se destaca
na multidão.” Podemos dividi-los por segmento, como moda, culinária, lifestyle, beleza,

4 Facebook perde usuários jovens para Youtube, Instagram e Snapchat nos EUA. Disponível em https://www.bbc.
com/portuguese/geral-44335917. Acessado em 26 de maio de 2019.
7 Dicas para se tornar um grande influenciador. Disponível em: /http://www.administradores.com.br/artigos/
marketing/5-dicas-para-se-tornar-um-grande-influenciador/87779/. Acessado em 15 de maio de 2019.
518 maternidade, esportes e, claro, os de viagens. De acordo com uma pesquisa realizada
pelo Facebook, 67% dos usuários interessados em viajar (identificados pela participação
em hashtags relacionadas ao assunto) usam o Instagram para encontrar inspiração para
novas aventuras e 70% compartilha com seus seguidores os seus planos8.
Nesse sentido, o Instagram funcionaria como media accounting, definido por Lee
Humphreys (2018) como práticas da mídia que permitem documentar nossas vidas e o
mundo ao nosso redor. Essas práticas envolveriam a criação, circulação e consumo de
vestígios midiáticos que indicam nossa presença, existência ou ação através da mídia.
Não se tratam apenas de pegadas digitais como posts online e endereços de IP, mas
principalmente do conhecimento que surge através do compartilhamento.
Esses vestígios são representações do eu, que são disponibilizadas para consumo.
É através deste consumo que é possível compreender-se e, por conseguinte, buscar a
compreensão do outro. É o que Lee Humphreys (2018) chama de Self Qualificado. Ao
deixar marcas nas mídias, deixa-se também versões estratégicas do self, que contêm
uma certa subjetividade - afinal, são representações particulares e incompletas,
imbuídas de parcialidade. A partir dessas versões, é possível analisar-se e perceber
aspectos de si próprio que não seriam percebidos, ou seriam percebidos de maneira
diferente.
As reflexões de Lee Humphreys (2018) sugerem que a mídia e, neste caso
específico, o Instagram, serve para uma finalidade muito comum e repetida ao longo
da história do ser humano: a narração de vidas e o compartilhamento com pessoas
que nos cercam. Para além disso, o self qualificado indica que há uma finalidade além
da interação: a de conhecer a si mesmo a partir do que se disponibiliza para o mundo.
De acordo com uma pesquisa da Deloitte (“Digital Democracy Survey”, publicada
em 23 de março de 2016), 80% dos millennials tiveram suas decisões de compras
influenciadas por recomendações de amigos e familiares, e 72% foram influenciados
por recomendações de contatos em redes sociais9. Esse cenário pode indicar que a
proximidade que os influenciadores possuem com os usuários é importante para a
conquista da credibilidade, fator essencial para a tomada de decisão do consumidor.
Para Gilles Lipovetsky (2007), vivenciamos na contemporaneidade o
hiperconsumo que, em sua perspectiva, pauta-se por uma lógica mais subjetiva e
emocional, importando destacar as seguintes características:
- o ato de consumir diz menos de um enfrentamento simbólico, e mais de uma
questão hedonista e de entretenimento (valor distrativo);
- a identidade não se vincula tanto ao custo do produto, mas sim a escolhas
Narrativas de Viagem

individuais e a composições feitas pelos sujeitos;


- o consumo rompe as restrições espaço-tempo (para consumidores moventes),
bem como se oferece ao indivíduo;
- assume uma preocupação com questões éticas e voltadas ao meio ambiente.

8 Facebook provides new insights on industry- specific trends among Instagram Users. Disponível em https://
www.socialmediatoday.com/social-business/facebook-provides-new-insights-industry-specific-trends-among-
-instagram-users. Acessado em 14/05/2019
9 A era do influencer marketing. Disponível em https://www.meioemensagem.com.br/home/opiniao/2017/01/05/a-
-era-do-influencer-marketing.html. Acessado em 29/05/2019.
519 Sob esse aspecto, o consumo carrega função identitária: ele responde por quem se é,
que experiências busca-se viver e é cada vez mais personalizado de acordo com demandas
específicas. Nessa perspectiva, os consumidores vivem, em seu processo de aquisição,
experiências afetivas, imaginárias e sensoriais, buscando cada vez mais novas sensações e
bem-estar. Nessa nova fase, o que se vende não é um produto, é um estilo de vida.

“Das coisas, esperamos menos que nos classifiquem em relação aos outros
e mais que nos permitam ser mais independentes e mais móveis, sentir
sensações, viver experiências, melhorar nossa qualidade de vida, conservar
juventude e saúde”. (LIPOVETSKY, p. 42, 2007)

As fotos publicadas pelos influenciadores de viagens são um excelente exemplo


de como o Instagram atua como dispositivo operador e reflexo da sociedade do
hiperconsumo. Recheado de fotos inspiracionais, lindas paisagens e pessoas vivendo
experiências inusitadas e invejáveis, o aplicativo cria nos usuários a sensação de que
aquele estilo de vida está a alguns cliques do indivíduo. Não há mais distâncias, só há o
desejo criado por imagens que reforçam a possibilidade de ter acesso, também, àquelas
vivências. Tal desejo é importante na medida em que se percebe que os seguidores, ou
melhor, as seguidoras, tentarão dar vazão ao anseio gerado pela rede social, saindo em
busca experiências similares ou iguais.

As mulheres viajantes e o uso do Instagram

Com o objetivo de entender a relação das mulheres brasileiras com o uso do


Instagram para viagens e turismo, foi elaborado um questionário com 21 perguntas,
sendo 18 de múltipla escolha e 3 discursivas. O formulário “Instagram e Viagens” foi
disponibilizado online no mês de agosto de 2018 e aberto a receber respostas por 30
dias. A divulgação foi realizada em diversas redes sociais, como WhatsApp, Twitter,
Facebook (incluindo grupos de mulheres viajantes, como “Mulheres que viajam” e
“Mochileiras”) e Instagram.
A fim de diversificar o perfil das respondentes, buscou-se divulgar o questionário
para mulheres de diversos contextos sociais e culturais. Assim, foram obtidas respostas
de diferentes faixas etárias, regiões do Brasil e níveis de renda. Ao final, foram
obtidas 343 respostas válidas - algumas perguntas do questionário tinham função
eliminatória como, por exemplo, o uso do Instagram e o interesse em viagens. A partir
dessa filtragem, obteve-se o seguinte perfil de respondentes: mulheres brasileiras,
residentes ou não no país, com idade entre 18 e 55 anos, usuárias do Instagram e que
Narrativas de Viagem

têm interesse em viagens.


Desse perfil, o questionário apontou que as mulheres viajantes que utilizam o
Instagram com o objetivo de planejar uma viagem, têm, em maioria, 18 a 30 anos e
são de classe média a alta. Elas utilizam a rede social para conhecer novos lugares,
instigar o desejo de consumo e, quando da realização da viagem, usam a ferramenta
para construir a narrativa da sua viagem. No caso, 81% das mulheres do universo
amostral dessa pesquisa postam sobre viagens no Instagram. Isso inclui compartilhar
suas próprias viagens e/ou dar dicas de viagem.
520 69,1% das respondentes afirmaram já ter viajado ou sentido vontade de viajar
para lugares que descobriram por meio do Instagram - fora do país, dentro do país, no
interior, ou em capitais. Alguns dos destinos mais citados foram: Tailândia, Jalapão,
Maldivas, Grécia, Capitólio, Fernando de Noronha, Indonésia. O dado reforça a
importância da pesquisa, bem como sugere a força do Instagram ao criar desejo de
consumo e provocar determinados comportamentos. Os locais apresentados também
são uma pista do conteúdo de viagem mais popular na rede social atualmente, e
podem permitir futuras pesquisas a respeito de como o Instagram tem impactado o
turismo regionalmente.
Das mulheres que responderam o questionário, 61,8% viajam uma a duas vezes
ao ano. Esse número é compreensível, pois pode corresponder à época de férias. O
curioso é a porcentagem das mulheres que não possuem o hábito de viajar, quando
comparado à renda. 10,8% das que têm renda familiar entre 2 a 4 salários mínimos não
viaja contra apenas 3,2% das que têm renda familiar entre 4 a 10 salários mínimos.
Esse dado demonstra a importância da renda ao viajar e a elitização do turismo, ainda
existente. Apesar disso, há outros elementos que podem interferir na frequência
de viagens realizadas, como momento de vida e existência ou não de filhos. Esses
elementos, entretanto, não foram considerados nesta pesquisa.
Ao serem perguntadas sobre a partir de quais mídias elas gostam de ser informadas
sobre viagens, 57% disse preferir ser informada sobre viagens no Instagram. O número
vem logo atrás de sites especializados e blogs de turismo, o que aponta mudanças no
consumo de informações sobre turismo. Tais dados também indicam a confiabilidade
do conteúdo produzido por influenciadores digitais, principalmente se comparado
com a porcentagem da preferência por sites especializados (42%).
Com a análise do questionário, percebeu-se que algumas questões ainda não tinham
ficado suficientemente claras. A principal delas seria a finalidade do uso do Instagram
pelas mulheres na hora de viajar: elas confiam nos perfis de viagem? Utilizam os perfis
para planejar ou apenas para se inspirar? A partir disso, percebeu-se a necessidade de se
realizar um grupo focal para esclarecer algumas dúvidas que surgiram com as respostas
do questionário e observar as interações resultantes do grupo.
Realizado com mulheres de 18 a 55 anos (mesma faixa etária das respondentes
do questionário on-line), o grupo focal mostrou que essas mulheres aprovam o
Instagram (principalmente o Instagram Stories) por conseguirem, nele, ver dicas de
insiders, acompanhar o dia a dia das viagens alheias e “ver com os próprios olhos”
detalhes que só conseguiriam perceber se estivessem presentes. As legendas enormes,
Narrativas de Viagem

com muitas dicas e reflexões, não foram aprovadas por elas. Entende-se que não se
cumpre o potencial comunicativo do Instagram, mais focado em fotografias e vídeos
do que em textos.
Os tipos de perfis preferidos no Instagram são perfis que postam lugares
diferentes do comum e dão dicas de insider. Essa preferência também é observada
pelas mulheres mais jovens. Elas gostam de textos objetivos - os textões não
agradam, mas links para sites especializados e blogs atraem: é lá que elas procurarão
informações mais aprofundadas sobre as viagens que querem fazer. No Instagram,
gostam de dicas pontuais (o que fazer, onde ir) e como gastar pouco. Sobre a questão
521 financeira, para as participantes, na hora de planejar uma viagem, é fundamental que
o perfil seguido tenha uma realidade financeira similar à da seguidora. Sendo assim,
ainda que outros perfis sejam seguidos para se “sonhar” com determinada viagem,
no momento do planejamento, é importante a proximidade de realidades para que o
sonho se concretize.

Considerações finais

Para muitas mulheres, viajar não é apenas lazer, mas uma maneira de se
empoderar e de conquistar espaços. Conforme observado, as mulheres sentem-se
poderosas e cada vez mais buscam viajar sozinhas, como uma forma de sentirem-
se independentes e donas de si mesmas. Gostam de conhecer lugares fora da rota
turística tradicional, e acreditam que, por meio do Instagram, atingirão esse objetivo:
elas buscam seguir moradores locais e influenciadores que dão dicas de viagens.
No entanto, é importante observar que o Instagram ainda não é o bastante
para suprir todas as demandas das usuárias que desejam viajar. A rede social tem
um importante papel no momento que antecede a viagem e principalmente na
construção do desejo e da motivação para viajar. Ao levar as mulheres a querer
conhecer outros lugares, assume papel estratégico na tomada de decisão para a
escolha dos próximos destinos.
Mas, assim que o destino é definido, o aplicativo não é o suficiente para que
toda a jornada turística se realize. A partir do momento do planejamento, as mulheres
abandonam a rede em busca de blogs, sites especializados e grupos de Facebook que
condensem as informações demandadas. O aplicativo é complementado com blogs de
viagem, grupos no Facebook e sites especializados.
Parece, então, que o Instagram encontra seu lugar ao preencher uma lacuna
que os blogs de viagem sozinhos não podem oferecer (apesar de muitos blogs de
viagem complementarem suas informações em um Instagram): trazer informações
mais cotidianas e frequentes, o que confere uma noção de proximidade e, portanto,
de possibilidade de se alcançar a experiência que está sendo retratada. Com o uso
intenso do Instagram Stories, a rede social estimula a construção do imaginário dessas
mulheres a respeito do lugar desejado. Pode-se dizer, por isso, que o aplicativo reforça
a mobilidade imaginativa que, possivelmente, culminará na mobilidade corpórea,
estimulando o turismo.
Por fim, no que concerne às viagens realizadas por mulheres a segurança é um
Narrativas de Viagem

importante fator a ser considerado. Compreende-se que esse assunto, apesar de muito
falado, ainda é tabu, e faltam informações que ajudem as mulheres a se sentirem seguras
para viajar sozinhas, principalmente em lugares considerados incertos e perigosos.
Sendo assim, vemos que as relações entre os estudos de mobilidade, o turismo
e a presença de dispositivo móveis conectados em rede trazem possibilidades
interessantes e desafiadoras para os estudos de turismo e viagens justamente pelo
entrelaçamento que se observa entre o movimento físico e os fluxos informacionais.
Na chamada era da mobilidade, o estado de conexão quase permanente em que
522 se encontram os sujeitos faz com que os deslocamentos informacionais e físicos
coincidam, modificando a paisagem contemporânea.

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Narrativas de Viagem
524 INSTAGRAM AS A TOURIST INFLUENCER:
HOW WOMEN ARE USING THE SOCIAL
NETWORK WHEN TRAVELING

Alice Leroy Carvalhais1


Camila Maciel Campolina Alves Mantovani2

The act of moving is an activity as old as man. From the earliest days the species
moves, walks, changes from one place to another. Before the emergence of agriculture,
between ten and twelve thousand years ago, nomadism was the only viable option for
the survival of the species, and this lifestyle, marked by migrations and locomotions,
was always part of human history. Therefore it is difficult to determine the starting
point of tourism.
Over time the definition of tourism is tirelessly discussed and remodeled.
Conceptualizing tourism is conceptualizing

a social, cultural and spatial phenomenon that emerged from a human practice
of men and women who wished to experience something different from what
they were accustomed to living their daily life and their habitual places of
residence, social interaction (ARAÚJO & ISAYAMA, 2009, page 147)3

The term can also be defined as the movement of people from a certain place
to a destination to engage in pleasurable activities (Swarbrooke & Horner, 2007). The
World Tourism Organization (UNWTO) understands the matter as a cultural, social
and economic phenomenon, which involves the movement of people to countries or
places outside their usual environment for professional or leisure reasons.
Traveling is an activity that generates social status and promotes a certain separation
of classes - who travels, how and where? Understanding the aspects that encompass
tourism is to understand that tourism is not accessible to everyone. Tourism growth is
understood as a way of extending democracy, since it has historically been accessible only
to an elite of movement and is indicative of social status. The development of travel by
train in the Nineteenth century and by car and airplane in the Twentieth century played
a role in the democratization of displacement. But traveling is still a demonstration of
status, especially considering a hierarchy of places to be visited (traveling to Paris, for
example, brings more status than traveling to any nearby city). (URRY, 2008).
Travel Narratives

1 Graduated in Social Communication with a degree in Journalism from the Faculty of Philosophy and Human
Sciences of the Federal University of Minas Gerais. Researcher of Scientific Initiation in the project “Subject
in motion: narratives and subjectivities in the new organizational dynamics” coordinated by Professor Camila
Mantovani. Her research insterests are Organizational communication; Mobility; Mobile media and Digital Com-
munication. E-mail: leroyalice2@gmail.com
2 Professor of the Department of Social Communication and PPGCOM / UFMG. Doctor and Master in Informa-
tion Science (ECI / UFMG). Graduated in Social Communication / Journalism (UFMG) is co-coordinator of Afetos:
Research Group on Communication, Accessibility and Vulnerabilities. Her research interests include: Midiatiza-
tion; Organizational communication; Usability and accessibility studies; Mobility; Mobile media; Disabled people;
Body and technology. E-mail: camilam@ufmg.br
3 All the Excerpts have been loosely translated into English from the Portuguese version.
525 To exemplify this inequality, Bauman (1999) names two groups: tourists and
vagabonds. On the one hand, we have a globalized world where, for the first group,
tourists, distances are easily transposed and borders are crossed when something
new, not yet seen and enjoyed, calls them. For the second group, however, the real
space does not behave kindly, but closes itself for any kind of positive experience.
These “vagabonds”, only passively watch all the transformations that affect them,
being forced to move, to find a new place that supports them, or to stay when all that
they want is to leave. They are, for example, refugees seeking asylum or people forced
to emigrate.

The vagabonds move because they find the world within their reach
unbearably inhospitable. Tourists travel because they want to; the vagabonds
because they have no other bearable option. (...) What is acclaimed today as
“globalization” revolves around the dreams and desires of tourists. Its side
effect - collateral but inevitable - is the transformation of many others into
vagabonds. (BAUMAN, page 87, 1999)

The paradigm of mobility (URRY, 2007), argues that the processes of movements
are composed of five interdependent mobility: the corporeal travel of people, the
physical movement of objects (flows of production, sale and consumption); the
imaginative, the virtual and the communicative travel. John Urry recognizes that
tourism is not only about travel but it also entails the movement of ideas, capital and
social forms. This is only possible due to the incessant growth of information and
communication technologies (ICTs), enabling new forms of imaginative, virtual and
communicative travels combined with physical movement.
According to the UNWTO, the market is forecast to grow to 4% by 2019. In
2018, the sector recorded the second best result of the last 10 years (WTO, 2019).
With so much growth, the tourism market was expected to develop in order to attract
all kinds of new consumers. In the case of the discussion that we will present here,
the focus is on women as a potential audience for tourism. Our reflection seeks to
perceive them as a group that has consumption power and presents specific demands
in relation to travel and tourism.

New perspectives for tourism

In Brazil, since the 1970s, women began to have a greater participation in the
labor market, due to the country’s economic needs, rural exodus, access to universities
and lower fertility rates (BRUSCHINI, 1998). With the insertion and expansion of
the female role in the labor market, financial independence began to be possible
Travel Narratives

for many of them. In 2010, in about 37.3% of Brazilian households, the financially
responsible person was the woman (IBGE, 2010). According to research by Data
Popular, the female income in Brazil, between 2003 and 2013, grew 83%, jumping
from 602 billion to 1 trillion reais per year. (DATA POPULAR, 2013). It is possible
to perceive that throughout the Twentieth century, women were becoming more
and more active economically and therefore are taming their tastes in the way they
consume. According to Popcorn and Marigold (2000), women have a great decision
526 making power, being responsible for the acquisition of 80% of consumer goods. This
data began to reshape the logic of the market, which has been seeking to reach this
new audience, that is large and at the same time so segmented.
In the Consumer Survey, published by the brazilian Ministry of Tourism in 2017,
17.8% of women wanted to travel alone in the next 6 months, mainly in solo travel
or single travel style (the first refers to organized groups of people who do not know
each other and the second, independent travelers) (ANSARAH, 2009). The number is
higher than that of men with the same intention (11.8%). Yet the survey developed
by Voopter, an air travel search site in 2018, shows that 68% of women searched for
passages on the site, compared to only 31.3% of men.
These data are an indication that, nowadays, women have other priorities and
are seeking to occupy other spaces than those historically allowed to them. In a study
conducted by Trafalgar with women, 73% of respondents explained that traveling
makes them feel stronger and stronger and 69% say they feel inspired when they pack
up. The reasons why they travel for are varied: getting away from the routine and
getting more involved with family and friends were the most cited, but self-reflection,
growing and testing their own limits also motivate 49% of women to pack. These data
put travel as a possible tool for female emancipation.
According to Simone Fullagar (2002), “women have been positioned as objects
of exchange between men within a desire economy that values ​​sexual difference
in culturally specific forms (wife, mother, daughter, prostitute).” Therefore, leisure
and travel offer cultural space through which scripts and gender narratives can
be rewritten. According to Fullagar, writing and traveling offer “the possibility of
rupture, of uncertain changes that disturb and destroy the Western discourses that
shape gender subjectivity.” The author makes us see travel as a possible mean of
changing the view of the feminine and as conquest of spaces previously uninhabited
by them.

Mediation of the Self

According to Lemos (2005), in the 1970s, personal computers were established


and, in the following decades, with the consolidation of the Internet, the PC was
transformed into a “collective computer” connected to cyberspace. At the beginning
of the 21st century, we saw the development of mobile technologies exemplified in
Wi-Fi networks, notebooks and mobile phones. The information, which was already
flowing through the network, traveling distances until reaching the users, who are
located in specific points, now transits with and between the subjects.
Travel Narratives

The mobility and connectivity experienced in the contemporary world are also
accompanied by what Lemos (2005) named by release of the transmission, which means
more and more voices and discourses disseminated in the network. If information had
to pass by previous edition to to be publicized, today a number of digital tools have
made it possible to disseminate messages by ordinary subjects. Thus, we transform
our everyday experiences into media contents, which can be stored, retrieved and
became available anytime, anywhere. (MANTOVANI, 2011)
527 Castells (2006) conceptualizes the dissemination of private speeches via digital
technologies under the term Mass Self Communication. In this case, the ability of
the media to put themes in evidence, promoting their discussion at broader levels in
society, was, for the author, perceived and appropriated by the citizen who has no
professional connection with these media.
In this context, social networks emerge with different purposes and seek to
attract different audiences. From the already extinct Orkut to Twitter, from Tumblr
to Facebook, the internet becomes a communicative and dialogical place. It is already
possible to create your own content, share the geolocation and keep the web as
personal space, but not private.
The most promising of social networks is possibly Instagram. The social
network has overtaken even Facebook, once champion in popularity. In addition, it
is estimated that 68% of the total user base are women (OMNICORE AGENCY, 2017).
All this popularity has increased the number of digital influencers, enabling
them to use the network as a working tool. Once unthinkable as a profession, this
activity has become a means of working and today there are an average of 6 million
influencers in the world and 313,000 in Brazil. (REDE SNACK, 2017).
For Issaaf Karhawi (2017), “influencers are those who have some power in the
purchasing decision process of a subject; power to put discussions in circulation;
power to influence decisions about the lifestyle, tastes, and cultural assets of those
in their network.” According to John Kepler (2015), speaker and entrepreneur, “[...]
the influencer is someone who passes information , insights and opinions that are
taken into consideration by those who receive that content amid so many posts and
messages published daily. It’s a voice that stands out in the crowd.” We can divide
them by segment, like fashion, cooking, lifestyle, beauty, maternity, sports and of
course travel. According to a survey conducted by Facebook, 67% of users interested in
traveling (identified by participation in hashtags related to the subject) use Instagram
to find inspiration for new adventures and 70% share with their followers their plans.
In this sense, the Instagram would function as media accounting, defined by
Lee Humphreys (2018) as practices of the media that allow us to document our lives
and the world around us. These practices would involve the creation, circulation, and
consumption of media traces that indicate our presence, existence, or action through
the media. These are not just digital footprints like online posts and IP addresses, but
mostly the knowledge that comes through sharing.
These traces are representations of the self, which is made available for
consumption. It is through this consumption that it is possible to understand and
understand others. This is what Lee Humphreys (2018) calls the Qualified Self. By
Travel Narratives

leaving marks in the media, strategic versions of the self are left, which contain a
certain subjectivity - after all, they are particular and incomplete representations,
imbued with partiality. From these versions, it is possible to analyze and perceive
aspects of oneself that would not be perceived, or would be perceived differently.
The reflections of Lee Humphreys (2018) suggest that the media, and in this
specific case Instagram, serve a very common and repeated purpose throughout
528 human history: the narration of lives and the process of sharing it with people around
us. Furthermore, the qualified self indicates that there is a purpose beyond interaction:
that of knowing oneself from what is available to the world.
According to a Deloitte survey (“Digital Democracy Survey” published March 23,
2016), 80% of millennials had their purchasing decisions influenced by recommendations
from friends and family, and 72% were influenced by recommendations from contacts
in social networks. This scenario may indicate that the proximity that the influencers
have with the users is important for the achievement of credibility, an essential factor
for the decision making process of the consumer.
For Gilles Lipovetsky (2007) we experience in the contemporaneity the
hyperconsumption that, in its perspective, is guided by a more subjective and
emotional logic, being important to highlight the following characteristics:
- the act of consuming says less of a symbolic confrontation, and more of a
hedonistic and entertaining issue (distractive value);
- the identity is not related to the cost of the product, but to individual choices
and compositions made by the subjects;
- consumption breaks the space-time constraints (for moving consumers) as
well as offers itself to the individual.
- It assumes a concern with ethical and environmental issues.
In this respect, consumption carries identity function: it responds by who it is,
what experiences it seeks to live and is increasingly customized according to specific
demands. From this perspective, consumers live in their acquisition process, affective,
imaginary and sensorial experiences, seeking, more and more, for new sensations and
well-being. In this new phase, what is being sold now is not a product, it is a way of life.

Of the things, we hope less that they will classify us in relation to the others
and more that allow us to be more independent and more mobile, to feel
sensations, to live experiences, to improve our quality of life, to conserve
youth and health. (LIPOVETSKY, page 42, 2007)

The photos published by travel influencers are a good example of how


Instagram acts as a device that reflects the hyperconsumption society. Filled with
inspirational photos, beautiful landscapes and people living unprecedented and
enviable experiences, the app creates in the users the feeling that lifestyle performed
in the social network is just a few clicks from them. There are no distances, but only
the desire created by images that reinforce the possibility of having access, also, to
those experiences. This desire is important because we can see that the followers will
Travel Narratives

try to give vent to the yearning generated by the social network, leaving in search of
similar or equal experiences.

Women travelers and the use of Instagram

With the objective of understanding the relationship of Brazilian women and


the use of Instagram for travel and tourism, a survey with 21 questions was elaborated,
529 being 18 of multiple choice and three of them discursive. The “Instagram and Trips”
form was made available online in August 2018 and was open for 30 days to replies.
The announcement was made on a number of social networks, including WhatsApp,
Twitter, Facebook (including traveling women’s groups like “Women Traveling” and
“Backpacking”) and Instagram.
In order to diversify the profile of the respondents, it was sought to spread it
to women from different cultural and social contexts. Thus, responses from different
age groups, different regions of Brazil and different levels of income were obtained.
In the end, 343 valid answers were collected - some questions in the survey had an
eliminatory function, such as the use of Instagram and the interest of the participants
in travel. From this filtering, the following profile of respondents was obtained:
Brazilian women, residents or not in the country, aged between 18 and 55 years, users
of Instagram and interested in travel.
From this profile, the questionnaire pointed out that women travelers, that use
the Instagram for planning a trip, are mostly 18 to 30 years old and are middle class
to upper class. They use social network to discover new places, instigate the desire
to consume, and when they travel, they use the tool to build the narrative of their
journey. In this case, 81% of women in the sample universe of this research make
posts on trips to Instagram. This includes sharing their own travels and / or giving
travel tips.
69.1% of the respondents said they have already traveled or felt like traveling
to places they discovered through Instagram - out of the country, inside the country,
inland, capitals. Some of the most quoted destinations were: Thailand, Jalapão,
Maldives, Greece, Capitólio, Fernando de Noronha, Indonesia. The data reinforces
the importance of the research, as well as suggests the strength of the Instagram by
creating consumer desire and provoking certain behaviors. The places listed here are
also a clue to the most popular travel content on the social network today, and may
enable future research into how Instagram has impacted tourism regionally.
Women who responded the questionnaire, 61.8% of them travel one to two times
a year. This number is comprehensible as it may correspond to the holiday season
(twice a year). The curious thing is the percentage of women that does not have
the habit of traveling when compared to income. 10.8% of those with family income
between two and four minimum wages does not travel against only 3.2% of those
with family income between four and 10 minimum wages. This data demonstrates the
importance of income when traveling and the elitism of tourism, which still exists.
Despite this, there are other elements that can interfere in the frequency of trips
made, such as the moment of life and the existence or not of children. These elements,
Travel Narratives

however, were not considered in this research.


When asked by which media they would like to know about travel, 57% said
they would prefer to be informed about trips on Instagram. The number comes
just behind specialized websites and tourism blogs, which points to changes in the
consumption of tourism information. These data also indicate the reliability of the
content produced by digital influencers, especially when compared to the percentage
of preference for specialized sites (42%).
530 By analyzing the responses, it was noticed that some questions had not yet been
clear enough to make inferences. The main one would be the purpose of women’s use
of Instagram when traveling: Do they rely on travel profiles? Do they use them to
plan or just to be inspired? To answer these and other questions it became necessary
to hold a focus group to clarify some doubts that have arisen with the questionnaire.
Held by women aged 18 to 55, the focus group showed that these women
approve the Instagram (mainly the Instagram Stories) because they can see in it
insiders’ tips, follow the day-to-day of other people’s trips and see for themselves
details that one could only see if she make herself were present. Huge legends with
lots of hints and reflections were not approved by them. It is understood that the
communicative potential of Instagram, more focused on photographs and videos
than in texts, is not fulfilled.
The preferred types of profiles in Instagram are profiles that post different
places from the usual ones and also give insider tips. This preference is observed
by younger women. They also prefer objective texts - bog texts do not please, but
links to specialized sites and blogs do: this is where they can look for more in-depth
information about the trips they would like to make. In Instagram, they like punctual
tips (what to do, where to go) and how to spend little. On the financial issue, for
the participants, when planning a trip, it is fundamental that the profile followed
has a financial reality similar to that of the follower. Thus, even if other profiles are
followed to dream about a particular trip, at the moment of planning, it is important
the proximity of realities for the dream to come true.

Final considerations

For many women, traveling is not just leisure, but a way of empowering and
conquering spaces. As noted, women feel empowered and increasingly seek to travel
alone, as a way of feeling independent and owner of herself. They like to know places
outside the traditional tourist route, and believe that through Instagram they will achieve
this goal - they seek to follow local residents and influencers who give travel tips.
However, it is important to note that Instagram is still not enough to meet all
the demands of users who wish to travel. The social network has an important role
in the moment before the trip. By taking women to want to know other places, it
assumes strategic role in the decision making when choosing the next destinations.
But as soon as the destination is set, the application is not enough for the
entire tourist journey to take place. From the moment of planning, women leave the
network in search of blogs, specialized websites and Facebook groups that condense
Travel Narratives

the information demanded. The app is complemented with travel blogs, Facebook
groups and specialized websites.
It seems then that Instagram finds its place by filling a gap that travel blogs
alone can not offer (although many travel blogs supplement their information on
Instagram): providing close and frequent information, which gives a sense of
proximity and, therefore, the possibility of reaching the experience that is being
portrayed. With the intense use of Instagram Stories, the social network stimulates
531 the construction of the imaginary of these women with respect to the desired place.
It can be said, therefore, that the application reinforces the imaginative mobility that
possibly will culminate in corporeal mobility, stimulating tourism.
Lastly, when it comes to travel by women, safety is an important factor to
consider. It is understood that this subject, although widely spoken, is still a taboo,
and there is a lack of information to help women feel safe to travel alone, especially
in places considered uncertain and dangerous.
Thus, we see that the relationships between mobility studies, tourism and the
presence of networked mobile devices bring interesting and challenging possibilities
for tourism and travel studies precisely because of the interweaving between physical
movement and informational flows . In the so-called mobility age, the state of near-
permanent connection in which subjects find themselves makes the informational
and physical movements coincide, modifying the contemporary landscape.

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Travel Narratives
533 ENTRE IMAGINÁRIOS, RIOS E FLORESTAS
DE UM CAMPUS FLUTUANTE

Alda Cristina Silva da Costa1


Ivana Claudia Guimarães Oliveira2
Denise Cristina Salomão Corrêa3

Caminho inverso

A Amazônia possibilita construir um sistema singular de relação entre o homem


e a natureza, tendo o imaginário como mediador tanto daqueles que dela falam –
colonizadores e viajantes – quanto daqueles que nela vivem e tecem suas relações ou
experiências com os rios, as florestas, as cidades e as estradas. Dos relatos dos viajantes
nascem os termos do imaginário fantástico, assim como a ideia de superioridade sobre o
lugar, “captada nas expressões de debilidade ou pujança, degenerescência ou imaturidade,
indolência ou diligência, inferno e paraíso” (GONDIM, 2007, p. 50), entre tantos outros
que constroem o imaginário das pessoas ao refletir sobre o que é a Amazônia.
Do lado de cá, os amazônidas vão tecer suas experiências como uma espécie de
“expressão simbólica do sentimento” ou em formas significantes (PAES LOUREIRO,
2009), pensadas e vivenciadas, com o caráter autoreferenciado. Paes Loureiro
vai explicar esse cenário a partir do mito, em que o mesmo é narrado não como
explicação de uma realidade, mas forma do narrar, sem a representação de um fim.
O mito não é lido pelo intelecto, “como forma de conhecimento que visa integrar
compreensivamente uma realidade, mas sim, como um fato gestual da linguagem
que se “re-evoca” permanentemente”. [...] Verbo na coreografia de si mesmo” (PAES
LOUREIRO, 2009, p. 154).
Nossa intenção, pensando com Paes Loureiro (2002, p.147), não é ajustar a
Amazônia aos conceitos universais, mas refleti-la de uma forma inversa. “Refletir
através da cultura amazônica para compreender o mundo”, ao invés de partir da
acumulação de conhecimento do mundo para compreender a Amazônia. Assim, ao
enunciarmos a Amazônia, passamos a compreendê-la nos seus múltiplos significados,
se convertendo, como ressalta Aragón (2013), em um conceito polissêmico, posicionado
Narrativas de Viagem

de acordo com os interesses de quem o usa, ou então, como palavra viva e dialógica,
híbrida por natureza, como nos ensina Bakhtin (2000).
1 Professora do Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia da Universidade Federal do Pará
(UFPA). Coordenadora do grupo e projeto de pesquisa Narrativas Contemporâneas na Amazônia - Narramazônia.
E-mail: aldacristinacosta@gmail.com.
2 Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Linguagens e Cultura da Universidade da Ama-
zônia (UNAMA). Integrante do grupo e projeto de pesquisa Narrativas Contemporâneas na Amazônia - Narrama-
zônia. E-mail: ivana.professora@gmail.com
3 Mestranda do Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia da Universidade Federal do Pará
(UFPA). Integrante do grupo e projeto de pesquisa Narrativas Contemporâneas na Amazônia - Narramazônia. E-
-mail: denisessalomao@gmail.com.
534 Em linhas gerais, entendemos o imaginário como as representações ou
construções de uma sociedade, toda a experiência humana, coletiva ou individual;
às formas de viver e de pensar (DURAND, 1998), como instaurador de sentidos às
pessoas. O imaginário como lugar onde estão as imagens de compreensão do ser.
Na Amazônia, o imaginário se pluraliza. Para compreender esse plural no
cotidiano da região, pesquisadores se lançaram em busca das narrativas orais produzidas
em diversos lugares da Amazônia paraense. De uma interação comunicativa no espaço
acadêmico, nasceu na década de 1990, o projeto “O Imaginário nas Narrativas Orais
Populares da Amazônia Paraense – IFNOPAP4”, também conhecido como Campus
Flutuante da Universidade Federal do Pará,  em virtude dos deslocamentos com o
objetivo de cartografar o imaginário das narrativas orais das regiões paraenses. Em
25 anos de existência, mais de cinco mil e trezentas narrativas foram catalogadas em
38 municípios do estado do Pará.
Nas argumentações, identificamos essas narrativas de viagem do IFNOPAP
como experiências dialógicas e polifônicas (BAKHTIN, 2004), entre tradicional e
contemporâneo, entre memória e história, assim como interpretações comunicativas
dos indivíduos com e sobre o mundo. Ou seja, elas diferem das narrativas de viagem
produzidas pelos colonizadores - que forjaram representações da região desde a
sua ocupação – e se apresentavam numa condição superior, e o outro, amazônida,
um ser genérico reduzido à ignorância, esvaziado de sua essência e individualidade
(GONDIM, 1994; PAES LOUREIRO, 2001).
Como procedimentos interativos e de análise, recorremos ao relato de experiência
na tessitura das relações narrativas e na troca de saberes entre indivíduos e Amazônia,
assim como por inspiração na abordagem enunciativa, centrada na coordenadora do
projeto, pesquisadora Socorro Simões, buscando compreender como IFNOPAP se
institui como narrativas de viagem.
Configuramos as narrativas de viagem como um gênero textual, assim como um
tipo de mobilidade espacial e simbólica, em que as pessoas são transportadas física e
imaginariamente na construção de suas histórias, criando uma relação de expressão
com o lugar. Pensando a partir de Tuan (1983, p.83) “quando o espaço nos é inteiramente
familiar, torna-se lugar”. Espaço e lugar se relacionam em três possibilidades “o mítico,
o pragmático e o abstrato”, na medida em que é experienciado e valorizado, que tem
significação para as pessoas. As narrativas de viagem do IFNOPAP caminham em duas
direções, não opostas, mas em sinergia: como relato de experiência da coordenadora
e dos pesquisadores; e como relatos daqueles que compartilham as narrativas orais
em seus lugares. Aqui, privilegiamos os relatos da coordenadora, considerando ser o
Narrativas de Viagem

primeiro apontamento do projeto como uma narrativa de viagem, caracterizado por


nós, a partir de uma análise do “homem que narra”, ou seja, de uma voz encarnada,
conforme nos diz Rabatel (2016, p.17), “por intermédio de uma lógica da narração que
confere a essa voz um corpo, um tom, um estilo, uma inscrição em uma história, [...]
e que é profundamente modificada e interrogada por esse processo criador, devido à
sua dimensão radicalmente dialógica”.

4 O IFNOPAP subsidia pesquisas nas áreas de Antropologia, Psicologia, Métodos e Técnicas de Ensino, Linguís-
tica, Sociolinguística, Literatura Brasileira, Literatura Comprada, Dialetologia e Comunicação.
535 Martinez (2012, p. 40) classifica a natureza da narrativa de viagem em três
tipos principais: “os relatos ficcionais, os não-ficcionais (escritos a partir de fatos
reais, embora os autores possam usar recursos literários para tornar a leitura
mais envolvente) e mistos, produtos de ficção inspirados em fatos reais”. A autora
destaca que uma narrativa de viagem clássica se enquadra na última categoria. No
caso do IFNOPAP identificam-se relatos nas três categorias: narrativas do cotidiano,
do imaginário, construções narrativas a partir dessas narrativas, considerando
os interesses do referido projeto e suas características entre biodiversidade e
sociodiversidade amazônicas.
Diferentes dos relatos das grandes expedições, o IFNOPAP não herda a forma
tradicional do diário de viagem, mas a partir da entrevista com Socorro Simões
(2019, informação verbal)5 observamos que a produção resultante das coletas
aglutina diferentes formatos de narrativas ao longo das viagens realizadas. Essas
viagens, segundo a coordenadora, se debruçam dobre dois importantes eixos: dos
pesquisadores e dos contadores, com exposição de múltiplas vozes amazônicas, que
contrastam em origem entre viajantes e residentes, sem sobrepor relações de poder
entre as narrativas.
A dimensão do IFNOPAP em mais de duas décadas pode ser medida pelo
envolvimento de centenas de pesquisadores, ao longo de sua existência, e pelos
números que demonstram a amplitude do alcance das atividades produzidas: 38
municípios visitados na região; 22 eventos (locais, nacionais e internacionais);
19 projetos e subprojetos subsidiados; 28 livros publicados; 78 monografias; 34
dissertações de mestrado; 07 teses de doutorado; 94 artigos qualificados; 357 oficinas
e minicursos; 10 documentários; 04 curtas metragens; e 07 CD-ROOMS.
O que torna o projeto peculiar é a relação que estabelece com uma metáfora
da vida amazônica: os rios, que lhe rendeu a denominação de “campus flutuante”,
somando 392.846 km navegados pelos rios da Amazônia (Guamá, Solimões, Tapajós,
Amazonas, Trombetas, Tocantins, Xingu, Itacaiunas, além de inúmeros braços de
rios e travessias da baia do Marajó). Os seminários embarcados6 ampliaram o caráter
de pesquisa do projeto, inserindo o ensino e a extensão universitárias nas rotinas
das viagens, com a participação dos alunos do ensino fundamental e médio da rede
pública. As viagens também incluíram as estradas da região, totalizando 144.580 km
percorridos por vias terrestres; e as reuniões de pesquisa somaram a participação de
cerca de 100 mil pessoas em espaços fechados.
Segundo Simões (2019, informação verbal)7, o acervo produzido pelo IFNOPAP
é, “em grande parte, vindo do interior; portanto, os encontros acadêmicos do projeto,
Narrativas de Viagem

tornaram-se muito mais legítimos com as visitas às populações ribeirinhas, tanto do


ponto de vista da paisagem quanto pela convivência com o homem dessas regiões”,
indo ao encontro do amazônida de Paes Loureiro (2007, p. 11) que “cria, renova,
interfere, transforma, reformula, sumariza ou alarga sua compreensão das coisas, suas
idéias, por meio do que vai dando sentido à sua existência”.
5 Entrevista concedida por SIMÕES, Maria do Socorro. Entrevista I. [abr. 2019]. Entrevistadora: Alda Cristina
Costa. Universidade Federal do Pará. Belém, 2019.
6 Foram encontros organizados e realizados dentro das embarcações entre comunidades e pesquisadores
7 Entrevistas concedidas às pesquisadoras nos dias 09 e 15 de abril 2019, na Universidade Federal do Pará.
536 Vozes que significam

Repetindo cenas da colonização, o projeto “Imaginário nas Formas Narrativas


Orais Populares da Amazônia Paraense” (IFNOPAP), surge em 1994, retomando as
grandes expedições, sob a idealização da pesquisadora Maria do Socorro Simões8.
Antes mesmo de se consolidar enquanto Programa de Pesquisa e ser implantado em
seis dos oito campi da Universidade Federal do Pará, o IFNOPAP surge como um
questionamento colocado à professora em uma de suas aulas de “Mito e Literatura”,
ministrada durante o ano de 1993, na UFPA. O curso era ofertado no período noturno
para atender professores e estudantes que não tinham disponibilidade nos outros
períodos do dia. Uma de suas alunas, professora Zélia Amador de Deus, que na época
era a então diretora do Centro de Letras, indagou Simões sobre a necessidade de
falar a respeito dos mitos amazônicos. A partir dessa voz amazônida, a pesquisadora
começou a elaborar o que viria ser, no ano seguinte, o projeto IFNOPAP.
Com apoio institucional da UFPA, o projeto inicia as suas atividades como
Programa de Pesquisa. Implantado nos campi da UFPA em Santarém, Castanhal,
Abaetetuba, Bragança, Marabá, Cametá e Belém, tinha como objetivo inicial a busca
pela preservação da memória da região por meio de mapeamentos “do que se conta”
nos municípios paraenses. O projeto foi tão bem aceito por professores, alunos e
pesquisadores que no ano seguinte, em 1995, se tornou Projeto Integrado proposto
pela própria instituição para que atendesse às atividades fins da universidade, ou seja,
que ampliasse as suas ações para atividades de ensino, pesquisa e extensão.
O processo de pesquisa no projeto tem dois momentos: de 1994 a 1998 as coletas
de narrativas eram trazidas dos municípios até Belém pelos pesquisadores inscritos
no IFNOPAP e apresentados nos encontros nacionais. Em 1999 o projeto passa a ter
como base de pesquisa um barco com viagens agendadas para coleta de narrativas. O
primeiro encontro nacional do projeto foi em 1997, com a presença de pesquisadores
de outros estados brasileiros para dialogar sobre a temática das narrativas, mitos e
imaginários. Já em 1998, o projeto se consolida, ganhando contornos maiores por
conta da visibilidade nacional e internacional.
No início, Simões (2019, informação verbal9) conta que percebeu palavras,
expressões e sentidos que não eram familiares ao seu repertório entre as inúmeras
histórias colhidas nas pesquisas, demonstrando a interferência de narradores na
intermediação. Destarte, a pesquisa in loco nas comunidades amazônicas se tornou
uma exigência com o passar dos anos para entender as vozes e suas expressões em
seus lugares de gênese, garantindo aos povos originários a sua enunciação. É nesse
Narrativas de Viagem

contexto que em 1999, pela primeira vez, o encontro do IFNOPAP foi realizado a
bordo de um navio, o Catamarã Pará10 – PA (ver figura 01), percorrendo de Belém
8 Nascida em Manaus, Socorro Simões ainda criança foi para a região Nordeste do país, depois de muitos anos
veio a Belém para passar apenas alguns dias e por aqui ficou. Graduou-se em 1969, em Licenciatura em Letras
(Português e Inglês) pela Universidade Federal do Pará, e depois concluiu seu mestrado (1978) e doutorado (1986),
ambos em Letras Vernáculas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
9 Entrevista concedida por SIMÕES, Maria do Socorro. Entrevista I. [abr. 2019]. Entrevistadora: Alda Cristina
Costa. Universidade Federal do Pará. Belém, 2019.
10 De acordo com relatório do IFNOPAP, o Catamarã foi projetado e construído para navegar nas condições
específicas da Amazônia, com moderno equipamento de navegação e sistema eletrônico de prevenção contra
incêndio. O Catamarã Pará oferece segurança e conforto aos 144 passageiros distribuídos em 65 cabines – todas
537 até a região do Marajó com o objetivo de “levar cada participante ao universo das
narrativas ou aos lugares onde estão os maiores repertórios de histórias amazônicas”
(SIMÕES, 2019, informação verbal11). A partir desta edição, os encontros realizados na
embarcação ficaram conhecidos como “Seminários Embarcados”, em que, durante o
trajeto, percorrendo o curso do rio até chegar ao município de destino, são realizadas
palestras, oficinas, minicursos, entre outras programações, envolvendo pesquisadores,
moradores, estudantes e professores.

Figura 01 – Campus Flutuante

Acervo do IFNOPAP

Essa nova dimensão do projeto, sua visibilidade nacional e a realização do


encontro em uma embarcação, projeta a Universidade para além dos espaços físicos
acadêmicos, aproximando-a do ambiente em que as narrativas orais amazônicas estão
localizadas e são reproduzidas, atraindo olhares sobre o que seja a própria região
amazônica, seus habitantes e suas culturas.
Segundo Simões (2014), esses encontros possibilitaram mapear parte dos
aspectos culturais característicos da região amazônica, entre eles as narrativas orais,
como garantia da história e da memória daquela comunidade, até então sem registros.

É de reconhecimento acadêmico que o projeto IFNOPAP, desde a sua


concepção, tem destacado cultura como elemento particular do seu interesse.
A origem da proposta teve como foco importante questões relacionadas com
a preservação da cultura local, daí a ideia de registros de depoimentos que
contivessem elementos relacionados a costumes e manifestações culturais
que dessem conta deste homem amazônida, conformado e definido como
legítimo representante de uma região pródiga de encantamento e de vivência
permeados de ícones prenhes de rio e floresta. Por conseguinte, sempre que
Narrativas de Viagem

é possível, inclui-se Cultura como uma das vertentes das propostas anuais
(SIMÕES, 2014, p. 12)

Os seminários embarcados se desdobram, a partir de então, para além das coletas


de narrativas orais, situando a comunidade acadêmica nos caminhos percorridos “entre
com ar condicionado central, música ambiente, telefone, banheiro privativo com água quente. Loja e enfermaria
com enfermeira habilitada, salão Mirante, em ambiente fechado – com visão panorâmica, para realização da maior
parte das atividades acadêmicas, tais como, palestras, mesa-redonda, exposições de painéis, entre outros.
11 Entrevista concedida por SIMÕES, Maria do Socorro. Entrevista I. [abr. 2019]. Entrevistadora: Alda Cristina
Costa. Universidade Federal do Pará. Belém, 2019.
538 os rios e a floresta”, metáfora que acompanha a trajetória do projeto. Assegurando
condições para coletas das narrativas, e também construindo outras narrativas,
dentre elas as narrativas de viagem dos próprios pesquisadores, professores e alunos
e outros participantes dos seminários embarcados. Essas narrativas e outros trabalhos
desenvolvidos durante as viagens estão dispostos em mais de 28 publicações feitas
pelo projeto ao longo de sua existência.
Um exemplo dessa narrativa de viagem está na pesquisa intitulada “Em busca
de póeticas marajoaras: Itinerários de viagens aos campos e às ilhas no século XXI”,
no qual a pesquisadora Josebel Akel Fares (2009) narra o itinerário da viagem de sua
pesquisa acadêmica na Amazônia marajoara.

O Marajó não é uma paisagem, mas muitas paisagens, não é uma ilha, mas
um arquipélago, não é uma civilização, mas civilizações sobrepostas umas às
outras. Viajar pelo Marajó é deparar-se com informações de todas as ordens:
com elementos naturais, com as intervenções do homem, com as misturas
interacionais, Porto alguns desses dados, apreendidos no diálogo permanente
com o romance de Dalcídio Jurandir, da (re)leitura de outros livros sobre a
região e das reminiscências de viajante-turista. Com esse conhecimento
preliminar, escrevo o projeto defino a pesquisa, e inicio meu roteiro por esta
vastidão do território amazônico. (FARES, 2009, p. 95)

O projeto apresenta assim uma vastidão de possibilidades a partir do encontro


do saber científico e com o saber popular das narrativas orais da Amazônia, ora contadas
pelos homens e mulheres amazônidas ora nas narrativas de viagem elaboradas por
professores, pesquisadores e alunos que saem de suas rotinas de sala de aula para ir ao
encontro dos rios e florestas, vivenciando novas experiências acadêmicas.

Um dos marcos do projeto foi registrado em 2003, com o lançamento do primeiro


dicionário de língua indígena publicado no Pará - Dicionário da Língua Assurini -
durante o VII Encontro Nacional IFNOPAP (ver Figura 02). Nesta edição, o tema foi
“Populações e tradições às margens do Tocantins”, num percurso entre os municípios
de Abaetetuba, Cametá e Tucuruí.

Figura 02 – Dicionário Assurini


Narrativas de Viagem

Acervo do IFNOPAP
539 Campus Flutuante

Em 2007, no XI Encontro Nacional do IFNOPAP, no município de Ponta de


Pedras, região do Marajó, o projeto incorpora novos objetivos, com a implantação
do Programa de Estudos Geo-Bio-Culturais da Amazônia/Campus Flutuante. Esse
programa reúne diversas áreas do conhecimento e oferece serviços e atendimentos
para as populações marajoaras; e na programação, ampliam-se as discussões e debates
sobre os aspectos socioeconômicos, históricos e geográficos.
Mesmo que o percurso do projeto tenha atingido com ações sociais os rios
Guamá, Solimões, Amazonas, Tapajós, Trombetas, Tocantins, Xingu e Itacaiúnas,
Simões (2014) destaca que a busca das narrativas orais é o que constitui a essência do
IFNOPAP.

Ainda que o Projeto se tenha espraiado da área de Letras para as demais, e se


convertido num Programa de Estudos Geo-Bio-Culturais da Amazônia, com
a nominação de Campus Flutuante, o objetivo primeiro, ligado às narrativas
da Amazônia, mantém certo encanto e magia que nos motiva a continuar
buscando esta região no que ela tem mais legitimamente representativo, quais
sejam: seus mitos e lendas. (SIMÕES, 2014, p.186)

Nesta perspectiva, o acervo de cada encontro acadêmico é legitimado pela


presença de populações originárias de cada município visitado, valorizando a
paisagem, a convivência, os repertórios a serem narrados. Simões (2019, informação
verbal12) esclarece o processo de coleta das narrativas populares. Inicialmente são
cadastrados os contadores locais, que são descritos como personagens da enunciação.
Essa descrição já se constitui numa primeira narrativa, em que são posicionados em
seus cenários de vivências/experiências. “Então são dois momentos dessa ligação do
pesquisador com o contador da história. Uma em que nós vamos atentar para o perfil
do contador e outra para a narrativa” (SIMÕES, 2019, informação verbal13).
A partir das pesquisas foram percebidos, com frequência, resquícios da fala
do colonizador português em expressões “confundidas com a maneira de falar da
população amazônica”, como é o caso de: “ilharga, enrascado, carecer, obra de”,
conforme relata Simões (2019, informação verbal14), ao apresentar as três coletâneas
da série “O Pará conta...”, onde encontram-se narrativas de cidades diferenciadas,
como: Belém, Abaetetuba e Santarém.

Narrativas de viagem
Narrativas de Viagem

Os relatos das experiências do IFNOPAP foram descritos em duas entrevistas


concedidas às pesquisadoras, nos dias 09 e 15 de abril de 2019, evidenciando a
interação verbal discursiva sobre os fatos vividos e narrados durante o projeto.
12 Entrevista concedida por SIMÕES, Maria do Socorro. Entrevista I. [abr. 2019]. Entrevistadora: Alda Cristina
Costa. Universidade Federal do Pará. Belém, 2019.
13 Entrevista concedida por SIMÕES, Maria do Socorro. Entrevista I. [abr. 2019]. Entrevistadora: Alda Cristina
Costa. Universidade Federal do Pará. Belém, 2019.
14 Entrevista concedida por SIMÕES, Maria do Socorro. Entrevista I. [abr. 2019]. Entrevistadora: Alda Cristina
Costa. Universidade Federal do Pará. Belém, 2019.
540 Também para interpretação do projeto como narrativas de viagem recorremos aos
materiais catalogados e produzidos, assim como aos vídeos, artigos, livros e outras
pesquisas subsidiárias do IFNOPAP .
Nas nossas conversas, Simões (2019, informação verbal15) inicia contabilizando
os resultados de 25 anos de projeto, assim como a descrição histórica de consolidação
da relação entre o conhecimento científico e o conhecimento popular. Ela aponta a
forma de organização do projeto, com uma codificação das viagens aos municípios,
que integram um banco de dados, com o registro de comunidades visitadas, dos
pesquisadores envolvidos e dos contadores de história. Do mesmo modo, sintetiza que
o projeto é a verdadeira expressão da multiplicidade do viver amazônico, envolvendo
os imaginários, as emoções, os sonhos, os devaneios, as aspirações, ideais, realizações
e frustrações, encantos e desencantos. Identificamos nas expressões da idealizadora,
um misto de orgulho, satisfação e compromisso ao materializar a sugestão da aluna,
na década de 1990, de falar sobre os mitos amazônicos, e proporcionar uma mediação
das pluralidades de vozes das regiões paraenses.
Sobre a oralidade, Simões (2019, informação verbal16) lembra que na Amazônia,
e especificamente na paraense, há uma forte tradição das narrativas orais, mas que
ainda há um número tímido de trabalhos de pesquisa tendo como temática essa
modalidade textual, o que destaca ainda mais a relevância do legado do IFNOPAP .
Essas narrativas orais proporcionam a conversão semiótica da cultura de Paes Loureiro
(2007, p. 11), “em que o homem vive a remoldar de significações a vida, a fazer emergir
sentidos do mundo em um processo de criação e reordenação continuada de símbolos
intercorrente com a cultura”.
Simões (2019, informação verbal17) detalha as orientações para a pesquisa de
campo, na coleta das narrativas, onde foram estabelecidos alguns critérios para o
comportamento do pesquisador para não comprometer o resultado ou criar embaraços
que possam invalidar os registros. Os entrevistadores devem obedecer as características
originais das falas dos contadores e ainda incluir observações percebidas durante os
encontros. A preocupação da equipe é preservar a espontaneidade da narrativa, com
a menor interferência possível do pesquisador.
Durante a coleta, Simões (2019, informação verbal18) ressalta as orientações
prévias de respeito às narrativas locais, sem correções gramaticais ou ortográficas,
preservando a voz originária. “Por exemplo, nada de corrigir a gramática do
informante, do contador. Se ele disse “nós foi”, a gente coloca “nós foi”. Embaixo, em
nota de rodapé, a gente explica que é equivalente a “nós fomos”.
Narrativas de Viagem

Sobre o informante não há orientações específicas, mas devem ser registrados


todo o evento que envolve o momento que cerca a narrativa e a transcrição deve
acompanhar as observações do narrador e do contador. Simões (2019, informação
15 Entrevista concedida por SIMÕES, Maria do Socorro. Entrevista I. [abr. 2019]. Entrevistadora: Alda Cristina
Costa. Universidade Federal do Pará. Belém, 2019.
16 Entrevista concedida por SIMÕES, Maria do Socorro. Entrevista I. [abr. 2019]. Entrevistadora: Alda Cristina
Costa. Universidade Federal do Pará. Belém, 2019.
17 Entrevista concedida por SIMÕES, Maria do Socorro. Entrevista I. [abr. 2019]. Entrevistadora: Alda Cristina
Costa. Universidade Federal do Pará. Belém, 2019.
18 Entrevista concedida por SIMÕES, Maria do Socorro. Entrevista I. [abr. 2019]. Entrevistadora: Alda Cristina
Costa. Universidade Federal do Pará. Belém, 2019.
541 verbal19) salienta que o importante é registrar “o que se conta e como se conta no Pará”.
Mesmo com as orientações de isenção, a construção dos relatos de viagem mostra a
interseção entre viajantes e residentes, como já falava Benjamin (1994, p. 198) ao
apontar a existência de dois grupos diferentes de narradores “que se interpenetram de
múltiplas maneiras”. Entrevistador e contador somam experiências no momento da
narrativa, se complementando, influenciando e demarcando novas narrativas.
Com relação à transcrição, Simões (2019, informação verbal20) afirma que os fatos
fonéticos são desconsiderados e os registros seguem a forma de um ditado escolar.
Respeitam-se os momentos de pausa, os modos de falar e a escrita recria a oscilação
da narrativa com símbolos de grafia. “Tudo para respeitar a voz do contador, os termos
por ele utilizado de modo muito particular, sem que seu significado seja reconhecido
fora da região, será explicado em forma de glossário”. Simões reafirma a importância
da fidelidade dos relatos no registro das narrativas, não só na forma da compreensão,
mas também na construção do cenário em que a narrativa foi constituída. “É muito
importante dar conta do “contar” e de como eles contam”.
Ainda sobre o registro das narrativas, a coordenadora destacou o aspecto
positivo do uso da tecnologia (na época fitas cassete na gravação de áudio e fitas
de vídeo), que desde o início permitiu analisar e arquivar fenômenos discursivos
só perceptíveis na observação direta, em que pesquisador e narrador estão frente
a frente. Assim, ela salienta que foi possível arquivar procedimentos linguísticos e
não línguísticos, como gestos, reações, hesitações, erros, silêncio; que compõem a
compreensão do cenário narrativo.
De posse de informações sobre o projeto e a partir da análise da entrevista
da coordenadora, constatamos que narrador e contador se apresentam sob um certo
equilíbrio, fazendo aflorar vozes diversas ou aquilo que Todorov (1999, p. 240) designa
“a seu modo a denominação de relato de viagem: relato, isto é, narração pessoal e
não descrição objetiva, mas também viagem, um marco, portanto, em circunstâncias
anteriores ao sujeito”.
Enquanto narradora dessa narrativa de viagem, Socorro Simões alerta que
o narrador, ao contar um mito, insere-se ele mesmo numa linhagem tradicional
e institucionalizada de “o contador de histórias” que, por sua vez, legitima a
performance. “Ao mesmo tempo, esse mesmo narrador introduz as marcas de sua
individualidade que é única e irrepetível. Na realidade, cada nova performance é
uma espécie de recontar/recriar, que traz os sinais do engenho artístico de cada
narrador” (2016, p. 16).
Narrativas de Viagem

Dessa maneira, observamos, conforme relato de Simões (2019, informação


verbal21), que essa experiência é de uma riqueza imensurável. E explica por que? “Antes
de ir às comunidades, de fazer as escutas embarcados em determinados locais, nós
íamos às comunidades. Íamos identificar, por exemplo, o que é o apelo da comunidade

19 Entrevista concedida por SIMÕES, Maria do Socorro. Entrevista I. [abr. 2019]. Entrevistadora: Alda Cristina
Costa. Universidade Federal do Pará. Belém, 2019.
20 Entrevista concedida por SIMÕES, Maria do Socorro. Entrevista I. [abr. 2019]. Entrevistadora: Alda Cristina
Costa. Universidade Federal do Pará. Belém, 2019.
21 Entrevista concedida por SIMÕES, Maria do Socorro. Entrevista I. [abr. 2019]. Entrevistadora: Alda Cristina
Costa. Universidade Federal do Pará. Belém, 2019.
542 em relação à vida, à cultura”, entre outros aspectos da relação desse amazônida com
seu lugar de vivência e experiência.
Em outros depoimentos, quando relata sua experiência com o IFNOPAP, Simões
(2016, p. 18) afirma que “o que se realiza em termos de pesquisa sobre a oralidade e
narrativa no Pará, não tem a pretensão de ser absoluto ou totalitário”, mas continua
suas afirmações, enfatizando que “deve marcar a continuidade de elementos da
tradição e da vida do homem amazônida entre um passado (que se faz, ainda, tão
presente) cheio de magia e encanto”, assim como pleno de vida.
Para finalizar, apontamos o IFNOPAP como um projeto de ensino, pesquisa e
extensão que estabelece uma relação comunicativa com os amazônidas a partir de
suas narrativas de viagem, dentro de uma perspectiva daqueles que nele se integram -
professores, pesquisadores e alunos - e mediam uma relação simbólica e de mobilidade
atrás das histórias, seja na perspectiva dos contadores locais, que constituem as vozes
polifônicas da Amazônia.

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temas para um debate. – São Paulo: Hucitec, 2013.

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Narrativas de Viagem
544 AMONG IMAGERY, RIVERS AND FORESTS
OF A FLOATING CAMPUS

Alda Cristina Silva da Costa1


Ivana Claudia Guimarães Oliveira2
Denise Cristina Salomão Corrêa3

Reverse Path

The Amazon makes it possible to construct a unique relationship system between


man and nature, with the imaginary as a mediator of both those who speak of it -
colonizers and travelers - as well as those who live in it and weave their relationships
or experiences with rivers, forests, cities and roads. From the travelers’ accounts, the
terms from the fantastic imaginary are born, as well as the idea of ​​superiority over the
place, “captured in expressions of weakness or strength, degeneracy or immaturity,
indolence or diligence, hell and paradise” (GONDIM, 2007, 50). ), among many others
that build the people imagination when reflecting about what the Amazon is.
On the other hand, the Amazonians will weave their experiences as a kind
of “symbolic expression of feeling” or in significant forms (PAES LOUREIRO, 2009),
thought and experienced, with the autoreferenced character. Paes Loureiro will explain
this scenario from the myth, in which it is narrated, not as an explanation of a reality,
but as a way of narrating, without the representation of an end. The myth is not read
by the intellect, “as a form of knowledge that seeks to comprehensively integrate a
reality, but rather as a gestural fact of language that is” re-evoked “permanently. [...]
verb in the choreography of oneself “(PAES LOUREIRO, 2009, p.154).
Our intention, thinking with Paes Loureiro (2002, p.147), is not to adjust the
Amazon to the universal concepts, but to reflect it in an inverse way. “Reflecting
through the Amazonian culture to understand the world”, instead of starting from
the world knowledge accumulation to understand the Amazon. Thus, in spelling out
the Amazon, we come to understand it in its multiple meanings, becoming, as Aragón
(2013) points out, a polysemic concept, positioned according to the interests of those
who use it, or as a living and dialogic, hybrid by nature, as Bakhtin (2000) teaches us.
In general, we understand the imaginary as the society representations or
constructions, the whole human experience, collective or individual; to the ways
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1 Professor of the Postgraduate Program in Communication, Culture and Amazonia of the Federal University of
Pará (UFPA). Group coordinator and research project Contemporary Narratives in the Amazon - Narramazônia.
E-mail: aldacristinacosta@gmail.com.
2 Professor of the Post-Graduate Program in Communication, Languages and Culture of the University of Ama-
zonia (UNAMA). Member of the group and research project Contemporary Narratives in the Amazon - Narrama-
zônia. E-mail: ivana.professora@gmail.com
3 Master of the Postgraduate Program in Communication, Culture and Amazonia of the Federal University of
Pará (UFPA). Member of the group and research project Contemporary Narratives in the Amazon - Narramazônia.
E-mail: denisessalomao@gmail.com.
545 of living and thinking (DURAND, 1998), as the instituting of senses to people. The
imaginary as a place where are the understandable images of the being.
In the Amazon, the imaginary is pluralized. To understand this plural daily
life of the region, researchers set out to search for the oral narratives, produced in
many parts of the Amazon region in Pará. From a communicative interaction in
the academic space, the project “The Imaginary in the Popular Oral Narratives of
the Amazon Paraense - IFNOPAP4”, also known as Floating Campus of the Federal
University of Pará was born in the 1990s, due to the displacements with the objective
about mapping the imaginary of the oral narratives from Pará regions. In its 25 years
of existence, more than five thousand three hundred narratives have been cataloged
in 38 cities from Pará state.
According to the arguments, we have identified these IFNOPAP travel narratives
as dialogical and polyphonic experiences (BAKHTIN, 2004), between traditional and
contemporary, memory and history, as well as communicative interpretations of
individuals with and over the world. That is, they differ from the travel narratives
produced by the colonizers - who forged representations of the region since their
occupation - and presented themselves in a superior condition, and the other,
Amazonian, a generic being reduced to ignorance, emptied of its essence and
individuality GONDIM, 1994; PAES LOUREIRO, 2001).
As interactive and analytical procedures, we used the narrative of experience
in the narrative relationships and in the exchange of knowledge between individuals
and Amazonia, as well as for inspiration in the enunciative approach, centered on the
project coordinator, Socorro Simões, trying to understand how IFNOPAP is established
as travel narratives.
We set travel narratives as a textual genre, as well as a kind of spatial and
symbolic mobility, in which people are transported physically and imaginatively in the
construction of their stories, creating a relationship of expression with the place, as
Tuan thought (1983, p. 83): “when space is entirely familiar, it becomes place.” Space
and place are related in three possibilities “the mythical, the pragmatic and the abstract”,
in the means that it is experienced and valued, which has meaning for people.
The IFNOPAP travel narratives move in two directions, not in opposition, but in
synergy: as an account of the coordinator and researchers experiences; and as accounts
of those, who share the oral narratives in their places. Here, we privilege the reports
from the coordinator, considering the first point of the project as a travel narrative,
characterized by an analysis of the “man who narrates”, that is, of an incarnate voice,
as Rabatel tells us ( 2016, p. 17), “through a logic of narration that gives this voice a
body, a tone, a style, an inscription in a story ... and that is profoundly modified and
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interrogated by this process creator, because of its radically dialogic dimension.”


Martinez (2012, p.40) classifies the nature of the travel narrative into three
main types: “fictional, non-fictional narratives (written from real events, although
authors can use literary resources to make reading more engaging ) and mixed, fiction
products inspired by real events “. The author emphasizes that a classic travel narrative
4 IFNOPAP subsidizes research in the areas of Anthropology, Psychology, Methods and Techniques of Teaching,
Linguistics, Sociolinguistics, Brazilian Literature, Purchased Literature, Dialecology and Communication.
546 adequates to the latter category. In the IFNOPAP case, reports are identified in three
categories: daily narratives, imaginary narratives, narrative constructions based
on these narratives, considering the interests of this project and its characteristics
between Amazonian biodiversity and sociodiversity.
Different from the great expeditions stories, IFNOPAP does not inherit the
travel diary traditional form, but from the interview with Socorro Simões (2019, verbal
information)5 we observed that the productions resulted of the stories, agglutinates
different narratives formats throughout the trips made . These trips, according to the
coordinator, focus on two important axes: researchers and accountants, with multiple
Amazonian voices, contrasting in origin between travelers and residents, without
overlapping power relations between the narratives.
The size of IFNOPAP in more than two decades can be measured by the
involvement of hundreds of researchers throughout their existence and by the numbers
that demonstrate the breadth of reach of the activities produced: 38 counties visited
in the region; 22 events (local, national and international); 19 subsidized projects and
subprojects; 28 books published; 78 monographs; 34 master’s dissertations; 07 PhD
theses; 94 qualified articles; 357 workshops and mini courses; 10 documentaries; 04
short films; and 07 CD-ROOMS.
The project is peculiar because of the relationship it establishes with an Amazonian
life metaphor: the rivers, which gave it the name “floating campus”, totaling 392,846 km
navigated by the Amazonian rivers (Guamá, Solimões, Tapajós, Amazonas, Trombetas,
Tocantins, Xingu, Itacaiunas, besides numerous arms of rivers and crossings of the bay
of Marajó). The seminars, on board6, broadened the project research character, inserting
university teaching and extension into the routines of the trips, with the participation
of elementary and middle school students from the public network. The trips also
included the region’s roads, totaling 144,580 km traveled by land; and the research
meetings adding about 100,000 people in enclosed spaces.
According to Simões (2019, verbal information)7, the collection produced
by IFNOPAP is “largely from the countryside; therefore, the academic meetings
of the project have become much more legitimate with the visits to the riverside
populations, both from the point of view of the landscape and the coexistence with
the man of these regions”. According to the amazonian Paes Loureiro (2007, p. 11) this
“creates, renews, interferes, transforms, reformulates, summarizes or broadens their
understanding of things, their ideas, through what gives meaning to their existence.”.

Significant Voices
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Repeating scenes of colonization, the project “Imaginary in the Popular Oral


Narrative Forms of the Amazonian of Pará” (IFNOPAP), appears in 1994, resuming the
great expeditions, under the researcher idealization Maria do Socorro Simões. Before
5 Interview granted by SIMÕES, Maria do Socorro. Interview I. [abr. 2019]. Interviewer: Alda Cristina Costa.
Federal University of Pará, Belém, 2019.
6 Meetings were organized and conducted within the vessels between communities and researchers
7 Interviews given to researchers on April 9 and 15, 2019, at the Federal University of Pará.
547 consolidating itself as a Research Program and being deployed in six of the eight
Federal University of Pará campi, IFNOPAP appears as a question to Socorro Simões8
in one of her “Myth and Literature” classes, given during the year 1993 , at UFPA. The
course was offered at night to teachers and students, who were not available at other
periods. One of her students, teacher Zélia Amador de Deus, who was the director of
the Center for Letters and Literature, asked Simões about the need to talk about the
Amazonian myths. From this Amazonian voice, the researcher began to elaborate the
IFNOPAP Project, that would become a reality in the following year.
With institutional support from UFPA, the project begins its activities as
a Research Program. Implemented in the UFPA campi of Santarém, Castanhal,
Abaetetuba, Bragança, Marabá, Cametá and Belém, the initial objective was the
search about the memory preservation of the region through mappings of “what
is counted” in the cities of Para countryside. The project was so well accepted by
teachers, students and researchers that the following year, in 1995, it became an
Integrated Project proposed by the institution itself to attend to university activities,
that is, to expand its activities for teaching, research and extension.
The research process in the project ocuured in two moments: from 1994 to 1998
the narratives collections were brought from the cities to Belém by the researchers
enrolled in IFNOPAP and presented at the national meetings. In 1999 the project was
based on a research boat with scheduled trips to collect narratives. The first national
meeting of the project was in 1997, with the presence of researchers from other
Brazilian states to discuss the narratives, myths and imaginaries themes. Already in
1998, the project was consolidated, gaining greater contours due to the national and
international visibility.
In the beginning, Simões (2019, verbal information)9 told that he perceived words,
expressions and senses that were not familiar to her repertory among the numerous
stories collected in the researches, that demonstrates the narrators interference by
the intermediation. Thus, research in locco in the Amazonian communities became
a requirement over the years to understand the voices and their expressions in their
places of genesis, guaranteeing to the native peoples their enunciation.
In this context, in 1999, for the first time, the IFNOPAP meeting was held on
board of ship, the Catamaran Pará10 - PA (see figure 01), traveling from Belém to the
Marajó region with the objective of taking people” to the universe of narratives or
to the places where there are the largest repertories of Amazonian stories”(SIMÕES,
2019, verbal information)11. From this edition, the meetings held on the vessel became
8 Born in Manaus, Socorro Simões was still a child to the northeast region of the country, after many years came
to Bethlehem to spend only a few days and stayed here. He graduated in 1969 with a degree in Portuguese and
English from the Federal University of Pará, and then completed his master’s degree (1978) and PhD (1986), both
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in Vernacular Letters by the Federal University of Rio de Janeiro.


9 Interview granted by SIMÕES, Maria do Socorro. Interview I. [abr. 2019]. Interviewer: Alda Cristina Costa.
Federal University of Pará, Belém, 2019.
10 According to an IFNOPAP report, the Catamaran was designed and built to navigate the specific conditions of the
Amazon, with modern navigation equipment and electronic fire prevention system. The Catamaran Pará offers safety
and comfort to 144 passengers in 65 cabins - all with central air conditioning, piped music, telephone, private bathroom
with hot water. Shop and infirmary with nurse-enabled, Mirante hall, in a closed environment - with panoramic view,
to carry out most of the academic activities, such as lectures, round table, panel exhibitions, among others.
11 Interview granted by SIMÕES, Maria do Socorro. Interview I. [abr. 2019]. Interviewer: Alda Cristina Costa.
Federal University of Pará, Belém, 2019.
548 known as “Embarked Seminars”, where, lectures, workshops, mini-courses among
researchers, residents, students and teachers occurs along to the river route until
arriving to the destination.

Figure 01 – Floating Campus

Source: IFNOPAP , 2017.

This new dimension of the project, its national visibility and the accomplishment
of the meeting in a boat, projects the University beyond academic physical spaces,
bringing it closer to the environment in which the Amazon oral narratives are located
and are reproduced, attracting glances on what be it the Amazon region itself, its
inhabitants and its cultures.
According to Simões (2014), these meetings made it possible to map part of the
cultural aspects characteristic of the Amazon region, including oral narratives, as a
guarantee of the community history and memory, until then without registers.

It is an academic recognition that the IFNOPAP project, from its conception,


has highlighted culture as a particular element of its interest. The origin
of the proposal was focused on issues related to the preservation of the
local culture, hence the idea of records of testimonies containing elements
related to customs and cultural manifestations that gave account of this
Amazonian man, conformed and defined as a legitimate representative of a
prodigal region of enchantment and of experience permeated by pregnant
icons of river and forest. Therefore, whenever possible, Culture is included
as one of the strands of annual proposals (SIMÕES, 2014, p. 12)12

The seminars, on board, then unfold beyond the collection of oral narratives,
situating the academic community on the paths traveled “between the rivers and the
forest”, a metaphor that accompanies the trajectory of the project. Ensuring conditions for
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collecting the narratives, and also constructing other narratives, among them, the travel
narratives of the researchers themselves, teachers and students and other participants
12 É de reconhecimento acadêmico que o projeto IFNOPAP, desde a sua concepção, tem destacado cultura como
elemento particular do seu interesse. A origem da proposta teve como foco importante questões relacionadas com
a preservação da cultura local, daí a ideia de registros de depoimentos que contivessem elementos relacionados
a costumes e manifestações culturais que dessem conta deste homem amazônida, conformado e definido como
legítimo representante de uma região pródiga de encantamento e de vivência permeados de ícones prenhes de rio
e floresta. Por conseguinte, sempre que é possível, inclui-se Cultura como uma das vertentes das propostas anuais
(SIMÕES, 2014, p. 12 – Tradução: Vera Pimentel)
549 of the seminars embarked. These narratives and other works developed during the trips
are arranged in more than 28 productions made by the project throughout its existence.
An example of this travel narrative is the research entitled “In Search of
Marajoara Powers: Field Trips to Islands and Islands in the 21st Century”, in which
the researcher Josebel Akel Fares (2009) tells the itinerary of her academic research
trip in Amazon marajoara.

The Marajó is not a landscape, but many landscapes, not an island, but
an archipelago, is not a civilization, but civilizations superimposed one to
another. To travel through the Marajó is to encounter information of all orders:
with natural elements, with the interventions of man, with the interactional
mixtures, put some of these data, seized in the permanent dialogue with the
novel of Dalcídio Jurandir, (re) reading of other books about the region and
the reminiscences of traveler-tourist. With this preliminary knowledge, I
write the project I define the research, and start my script for this vast area of
the Amazonian territory. (FARES, 2009, p.95)13

The project, thus, presents a vast range of possibilities based on the meeting
of scientific knowledge and popular knowledge of the Amazon oral narratives,
sometimes told by Amazonian men and women, sometimes in the travel narratives
elaborated by teachers, researchers and students, who leave their routines from
classroom to meet rivers and forests, taking part in new academic experiences.
One of the main project was registered in 2003, with the launch of the first
indigenous language dictionary published in Pará - Dictionary of the Assurini
Language - during the VII National Meeting IFNOPAP (see Figure 02). In this edition,
the theme was “ Populations and traditions on Tocantins margins “, in a route
among Abaetetuba, Cametá and Tucuruí cities.

Figure 02 – Assurini Dictionary


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Source: IFNOPAP , 2003.

13 O Marajó não é uma paisagem, mas muitas paisagens, não é uma ilha, mas um arquipélago, não é uma civilização,
mas civilizações sobrepostas umas às outras. Viajar pelo Marajó é deparar-se com informações de todas as ordens:
com elementos naturais, com as intervenções do homem, com as misturas interacionais, posto alguns desses dados,
apreendidos no diálogo permanente com o romance de Dalcídio Jurandir, da (re)leitura de outros livros sobre a região e
das reminiscências de viajante-turista. Com esse conhecimento preliminar, escrevo o projeto defino a pesquisa, e inicio
meu roteiro por esta vastidão do território amazônico. (FARES, 2009, p. 95 – Translation: Vera Pimentel)
550 Floating Campus

In 2007, during the XI National Meeting of IFNOPAP, in Ponta de Pedras city,


from Marajó region, the project incorporates new objectives, with the implementation
of Geo-Bio-Cultural Studies of the Amazon / Floating Campus Program. This program
brings together several areas of knowledge and offers services for the Marajoara
populations; and during the activities, discussions and debates on socioeconomic,
historical and geographical aspects are broadened.
Even though the course of the project has reached social actions by the Guamá,
Solimões, Amazonas, Tapajós, Trombetas, Tocantins, Xingu and Itacaiúnas rivers,
Simões (2014) emphasizes that the search for oral narratives is what constitutes the
IFNOPAP essence.

Although the Project has spread from the Literature area to the others, and
converted into a Program of Geo-Bio-Cultural Studies of the Amazon, named
as Floating Campus, the first objective, linked to the narratives of the Amazon,
maintains a certain charm and magic that motivates us to continue searching
for this region in what it has more legitimately representative, namely: its
myths and legends. (SIMÕES, 2014, p.186).14

In this perspective, the collection of each academic meeting is legitimized by


the presence of populations, originated from each city visited, valuing the landscape,
the coexistence, the repertories to be narrated. Simões (2019, verbal information)15,
thus, clarifies the process of collecting popular narratives. Initially the local counters
are registered, which are described as characters of enunciation. This description
already constitutes a first narrative, in which they are positioned in their scenarios of
experiences / experiences. “So there are two moments in this researcher’s connection
with the storyteller. One in which we are going to look at the profile of the accountant
and another for the narrative “(SIMÕES, 2019, verbal information)16.
From the researches, remnants of the Portuguese colonizer’s speech were often
perceived in expressions “confused with the way of speaking of the Amazonian
population”, as the cases of “ilharga, enrascado, carecer, obra de”17, “as reported by
Simões (2019, verbal information)18, when presenting the three collections of the series
“ Pará tells ...”, where narratives from different cities, such as: Belém, Abaetetuba and
Santarém are found.

14 Ainda que o Projeto se tenha espraiado da área de Letras para as demais, e se convertido num Programa de
Estudos Geo-Bio-Culturais da Amazônia, com a nominação de Campus Flutuante, o objetivo primeiro, ligado às
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narrativas da Amazônia, mantém certo encanto e magia que nos motiva a continuar buscando esta região no que
ela tem mais legitimamente representativo, quais sejam: seus mitos e lendas. (SIMÕES, 2014, p.186 – Translation:
Vera Pimentel)
15 Interview granted by SIMÕES, Maria do Socorro. Interview I. [abr. 2019]. Interviewer: Alda Cristina Costa.
Federal University of Pará, Belém, 2019.
16 Interview granted by SIMÕES, Maria do Socorro. Interview I. [abr. 2019]. Interviewer: Alda Cristina Costa.
Federal University of Pará, Belém, 2019.
17 Ilharga means “to sit on the edge of the chair”; enrascado means “to be in a difficult situation”; carecer means
“necessity of...”; obra de means “work of...”.(Translation: Vera Pimentel)
18 Interview granted by SIMÕES, Maria do Socorro. Interview I. [abr. 2019]. Interviewer: Alda Cristina Costa.
Federal University of Pará, Belém, 2019.
551 Travel Narratives

The reports about the experiences in IFNOPAP were described in two


interviews given to the researchers, on April 9 and 15, 2019, evidencing the verbal
discursive interaction about the facts lived and narrated during the project. Also for
interpretation of the project as travel narratives, we use the cataloged and produced
materials, as well as videos, articles, books and other subsidiary research of IFNOPAP.
In our conversations, Simões (2019, verbal information) begins by counting
the 25 years Project results, as well as the historical description of the relationship
consolidation between scientific and popular knowledge It points out the form of the
Project organization, with the trips codification to the cities that integrate a database,
with the register of communities visited, the researchers involved and the storytellers.
In the same way, she synthesizes that the project is the true expression about the
multiplicity of Amazonian living, involving imaginaries, emotions, dreams, reveries,
aspirations, ideals, achievements and frustrations, charms and disappointments. We
identified in the expressions of the idealizer, a mixture of pride, satisfaction and commitment
in materializing the suggestion from the student in the 1990s to talk about the Amazonian
myths and to provide a mediation of the voices pluralities from Pará regions.
About orality, Simões (2019, verbal information)19 reminds us that in the
Amazon, and specifically in Pará region, there is a strong tradition of oral narratives,
but there is still a timid number of researches as a theme of this textual modality,
which highlights the legacy of IFNOPAP . These oral narratives provide the semiotic
conversion of Paes Loureiro’s culture (2007, p.11), “in which man lives to remold
the meanings of life, to make sense of the world emerge in a process of creation and
continuous reordering of intercurrent symbols with culture.”20
Simões (2019, verbal information)21 details the guidelines for the field research
in the narratives collection, where some criteria were established for the researcher’s
behavior, in order not to compromise the result or to create embarrassments that could
invalidate the registers. Interviewers should obey the original features of speeches and
also include observations made during meetings. The concern of the team is to preserve
the spontaneity of the narrative, with the least possible interference of the researcher.
During the collection, Simões (2019, verbal information)22 emphasizes the
previous orientations about respect to the local narratives, without grammatical
or orthographic corrections, preserving the original voice. “For example, nothing
corrects the grammar of the interviewee, the accountant. If he said “nós foi”, we put
“nós foi”23. Below, in a footnote, we explain that it is equivalent to “nós fomos.”
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19 Interview granted by SIMÕES, Maria do Socorro. Interview I. [abr. 2019]. Interviewer: Alda Cristina Costa.
Federal University of Pará, Belém, 2019.
20 Paes Loureiro (2007, p. 11 – Translation: Vera Pimentel): “em que o homem vive a remoldar de significações
a vida, a fazer emergir sentidos do mundo em um processo de criação e reordenação continuada de símbolos in-
tercorrente com a cultura”.
21 Interview granted by SIMÕES, Maria do Socorro. Interview I. [abr. 2019]. Interviewer: Alda Cristina Costa.
Federal University of Pará, Belém, 2019.
22 Interview granted by SIMÕES, Maria do Socorro. Interview I. [abr. 2019]. Interviewer: Alda Cristina Costa.
Federal University of Pará, Belém, 2019.
23 “nós foi”, is an inadequated way of saying “we went” in portuguese, according to agreement. The correct
agreement is “nós fomos”, according to portuguese grammatical rule.
552  About the infterviewee, there are no specific guidelines but must be recorded the
whole event that involves the moment surrounding the narrative and the transcript
must accompany the remarks of the narrator and the accountant. Simões (2019, verbal
information)24 points out that the important thing is to record «what is counted and
how it is told in Pará». Even with the exemption guidelines, the construction of
travel accounts shows the intersection between travelers and residents, as Benjamin
(1994, p. 198) already pointed out the existence of two different groups of narrators
«interpenetrating in multiple ways». Interviewer and accountant add experiences in
the moment of the narrative, complementing each other, influencing and demarcating
new narratives.
Regarding transcription, Simões (2019, verbal information)25 states that phonetic
facts are disregarded and records follow the form of a school dictation. Respecting the
moments of pause, the ways of speaking and writing recreates the oscillation of the
narrative with symbols of spelling. “Everything is needed to respect the accountant’s
voice, the terms he uses in a very particular way, without its meaning being recognized
outside the region, will be explained in the form of a glossary.” 26Simões reaffirms the
importance about the fidelity of the narratives in the register of the stories, not only
in the form of the understanding, but also in the construction of the scenario, in
which the narrative was constituted. “It is very important to retell the accounts” and
“how they count”.27
About the register of the narratives, the coordinator highlighted the positive
aspect about the technology use (at that time cassette tapes in audio recording and
video tapes), which from the beginning, allowed to analyze and archive discursive
phenomena only perceptible in direct observation, in which researcher and narrator
are face to face. Thus, she stressed that it was possible to file linguistic and non-
linguistic procedures, such as gestures, reactions, hesitations, mistakes, silence; that
make up the understanding of the narrative scenario.
Based on the project information and from the the coordinator’s interview
analysis, we find that the narrator and the accountant present themselves under a
certain balance, bringing out diverse voices or what Todorov (1999, 240) designates
“in his own way the name of a travel report: a narrative, that is, personal narration
and not an objective description, but also a journey, a milestone, therefore, in
circumstances precedent to the subject”28.
As a teller of this travel narrative, Socorro Simões warns that the narrator,
in telling a myth, inserts himself into a traditional and institutionalized lineage of
“storyteller”, which in turn legitimizes performance. “At the same time, this same
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24 Interview granted by SIMÕES, Maria do Socorro. Interview I. [abr. 2019]. Interviewer: Alda Cristina Costa.
Federal University of Pará, Belém, 2019.
25 Interview granted by SIMÕES, Maria do Socorro. Interview I. [abr. 2019]. Interviewer: Alda Cristina Costa.
Federal University of Pará, Belém, 2019.
26 “Tudo para respeitar a voz do contador, os termos por ele utilizado de modo muito particular, sem que seu
significado seja reconhecido fora da região, será explicado em forma de glossário” (SIMÕES, 2019. Tradução: Vera
Pimentel.),
27 “É muito importante dar conta do “contar” e de “como eles contam”(SIMÕES, 2019 – Tradução: Vera Pimentel).
28 Todorov (1999, p. 240 – Tradução: Vera Pimentel) designa “a seu modo a denominação de relato de viagem:
relato, isto é, narração pessoal e não descrição objetiva, mas também viagem, um marco, portanto, em circunstân-
cias anteriores ao sujeito”.
553 narrator introduces the marks of his individuality that is unique and unrepeatable.
In reality, each new performance is a kind of retelling / re-creating, which bears the
marks of the artistic ingenuity of each narrator “(2016, p.16).29
Thus, we observe, as reported by Simões (2019, verbal information)30, that this
experience is an immeasurable wealth. And it explains why? “Before going to the
communities, to make the tapping on certain places, we went to the communities. We
were to identify, for example, what is the community’s appeal about life and culture,”
among other aspects about the relationship of this Amazon being with his place of
living and experience.
In other testimonies, Simões (2016, p.18), reporting on her experience with
IFNOPAP, states that “what is done in terms of research on orality and narrative in
Pará does not intend to be absolute or totalitarian,” but continues her statements,
emphasizing that “it should mark the continuity of elements about the tradition and
the life of the Amazonian man between a past (which is still so present) full of magic
and charm”, as well as full of life.
Finally, we point out IFNOPAP as a teaching, research and extension project that
establishes a communicative relationship with the Amazonians based on their travel
narratives, from a perspective of those who integrate them - teachers, researchers and
students. It also mediates a symbolic relationship and mobility behind the stories, or
from the perspective of local accountants, who constitute the polyphonic voices of
the Amazon.

REFERENCES

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temas para um debate. – São Paulo: Hucitec, 2013.
BENJAMIN, Walter. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov.
Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São
Paulo: Brasiliense, 1994.
DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário: introdução à
arquetipologia geral; tradução Hélder Godinho. – 3ª. Edição. – São Paulo: Martins
Fontes, 2002.
FARES, Josebel Akel. Em Busca de Poéticas Marajoaras: itinerários de viagens aos
campos e às ilhas no século XXI. In: SIMÕES, Maria do Socorro. Encontro Nacional
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arquipélago do Marajó. Belém: IFNOPAP/UFPA, 2009.
Travel Narratives

GONDIM, Neide. A invenção da Amazônia. 2ª. Edição. – Manaus: Editora Valer,


2007.

29 “Ao mesmo tempo, esse mesmo narrador introduz as marcas de sua individualidade que é única e irrepetível.
Na realidade, cada nova performance é uma espécie de recontar/recriar, que traz os sinais do engenho artístico de
cada narrador” (SIMÕES, 2016, p. 16 – Tradução: Vera Pimentel).
30 Interview granted by SIMÕES, Maria do Socorro. Interview I. [abr. 2019]. Interviewer: Alda Cristina Costa.
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554 MARTINEZ, Mônica. Narrativas de viagem: escritos autorais que transcendem o
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Travel Narratives
555

Formato: A4
Tipografia: Linux Libertine
Número de páginas: 556
Ano: 2019
Narrativas de Viagem
Narrativas de Viagem 556

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