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O discurso
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em mosaico
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Instituto de Psiquiatria
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U·F·R·J
35
Gregory Bateson *
;mo presente pesquisa foi planejada e iniciada operar e de fato sempre opera em muitos ní-
•1.2,
ih uma hipótese de trabalho que conduzisse veis con trastran tes de abstração. Estes se distri-
io. ··ssas indagações, sendo tarefa dos investiga- buem em duas direções a partir do nível apa-
'm ..
•res a de coletar dados relevantes a nartir de
Hbservações e, no decorrer desse processo,
. rentemente simples da denotação ("o gato está
em cima do tapete"). Uma distribuição ou con-
lO ·,:mpliar e modificar a hipótese.~ junto desses níveis mais abstt·atos inclui aque-
A hipótese será aqui descrita da maneira las mensagens implícitas ou explícitas em que
;:como se desenvolveu em nosso pensamento. o assunto do discursei é a linguagem. Nós as
Trabalhos anteriores de fundamental impor- chamaremos de metalingüísticas (por exemplo,
tância realizados por Whitehead e Russel "a realização sonora de 'gato' representa qual-
(1910), Wittgenstein (1922), Carnap (1937), quer membro de tal ou tal classe de objetos" ou
Whorf (1940), entre outros, bem como minha "a palavra 'gato' não tem pêlo e não arranha").
própria tenta tiva de usar esses raciocínios como Ao outro cor0unto de níveis de abstração, cha-
uma base epistemológica para a teoria psiquiá- maremos de metacomunicativo (por exemplo,
trica, levaram a uma série de generalizações: "eu dizer onde encontrar o gato foi um ato
( 1) Que a comunicação verbal humana pode amistoso" ou "isto é brincádeira"). Nestas meta-
comunicações o assunto do discurso é a relação
entre os falantes.
*G1-egory Batesc>n, antn>pól<>g-<> norte-a1nerican<>, l<>rnou-se Note-se que a grande maioria das mensa-
conhecido no Brasil por sua teoria cio "duplo vínculo"', que ex- gens, tanto metalingüísticas como
plica a psicose como sendo caracterizada pela contradição e pela
amhi,·alência. Estudou inicialmente a natüreza cio paradoxo na meí.acomunicativas, permanece implícita; note-
co1nunicação hu1nana, estendendo posterionnente a sua inves-
tigação ao discurso da esquizofrenia.
se também que, especi_almente na entrevista
36 Cadernos IPUB/5
psiquiátrica, ocorre uma outra classe_de men- em seu lugar, a indústria cosmética oferece ao
sagens implícitas - sobre a maneira como men- indivíduo perfumes que não são indícios
sagens metacomunicativas de afeto e hostilida- involuntários, mas sinais voluntários e reconhe-
de devem ser interpretadas. cíveis como tal. Não são poucos os homens que
(2) Se especularmos sobre a evolução da ficam de cabeça virada com o apelo de algum
comunicação parece evidente que ocorre um perfume e, se acreditarmos nos publicitários,
estágio muito importante 11essaevolução, quan- parece que esses sinais usados de maneira vo-
do o organismo gradualmente pára de respon- luntária têm. às vezes, um efeito automático e
der de maneira "automática" aos indícios de auto-sugestivo até sobre quem os usa voluntari-
humor do outro e se torna capaz de reconhe- amente.
cer um indício como um sinal, isto é, de reco- Seja como for, essa breve digressão serve para
nhecer que os sinais emitidos pelo outro indi-
víduo e por ele mesmo são apenas sinai~ em
que se pode confiar, desconfiar, que se pode
falsear, negar, ampliar, corrigir, e assim por di-
ilustrar um estágio de evolução - o drama inici-
ado quando os organismos, tendo comido o
fruto da árvore do conhecimento, descobrem
que seus sinais são sinais. Segue-se não apenas
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1
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'guma idéia (cons~iente ou não~ de q~e denotam o que aquelas ações que elas represen-
ícios sobre os quais metacomumcam sao tam denotariam".
Agora ponderemos sobre a expressão em
ksabia, é claro, que não havia probabilida- itálico "que elas npresentam". Dizemos que a pa-
':e_encontrar mensagens denotativas entre lavra "gato" representa qualquer membro de
;míferos não-humanos, mas eu ainda não uma dada classe. Isto é, a expressão "represen-
••que os dados sobre os animais iriam reque- ta" é quase sinônimo de "denota". Se agora
'ma revisão quase tot_al de minha maneira substituirmos "que elas denotam" pela expres-
·:'ensar. O que eu encontrei no zoológico foi são "que elas representam" na definição expan-
fenômeno b::istante conhecido de todos: vi dida de brincadeira, o resultado é: "Essas ações,
sjovens macacos lmncando, isto é, envolvidos nas quais estamos presentemente engajados,
'uma seqüência interativa na qual as ações não denotam o que seria denotado por aque-
';sinais, individualmente, eram semelhantes, las ações que essas ações denotam". A dentada
!is não idênticos, aos de um combate. Era de brincadeira denota a mordida, mas não
·dente, mesmo para um observador humano, denota o que seria denotado pela mordida.
tie a seqüência como um todo não era com- De acordo com a Teoria dos Tipos Lógicos,
hte e era evidente para o observador humano é claro que tal mensagem seria inadmissível,
ue, para os macacos participantes na ativida- porque a palavra "denota" está sendo usada em
·_e, aquilo era "não-combate". dois graus de abstração e esses dois usos são tra-
: Ora, este fenômeno, o da brincadeira, só tados como sinônimos. Mas tudo o que apren-
poderia ocorrer se os organismos participantes demos com esse tipo de crítica é que seria His-
fossem capazes de algum grau de tória Natural de má qualiàade esperar que os
;..mêtacomunicação, isto é, de trocarem sinais processos mentais e ~ábitos comnnicativos dos
~-que transmitissem a mensagem "isto é brinca- mamíferos se conformassem ao ideal do pen-
_·?deira".
...,,_ samento lógico. Na verdade, se o pensamento
(4) O próximo passo foi o exame da mensa- humano e a comunicação sempre se confor-
-~ gem "Isto é brincadeira" e a compreensão de massem ao ideal, Russell não teria - de fato não
- que essa mensagem contém elementos que ge- poderia - ter formulado o ideal.
ram necessariamente um paradoxo do tipo (5) Um problema relacionado ao anterior,
Russeliano ou de Epimênides - uma asserção na evolução da comunicação, diz respeito à
negativa contendo uma meta-asserção negati- origem daquiio que Korzybski (1941) chamou
va implícita. Expandida, a asserção "Isto é brin- de relação mapa-território: o fato de uma men-
cadeira" parece algo como: "Estas ações nas sagem, qualquer que seja seu tipo, não consis-
quais estamos presentemente engajados não tir nos objetos por ela denotados ("A palavra
38 Cadernos JPUB/5
'gato' não arranha"). Na verdade, a língua pos- (7) O comportamento histriônico e os arti-
sui urna relaç,i.o com os objetos que denota fícios eng:uwsos são outros exemplos de 11ma
comparável com aquela que um mapa tem com ocorrê11ci;i primiti,·a ela diferenciação rnapa-
um território. A comunicação denotativa corno território. H:1 e,·idências de que a dramatização
ocorre na linguagem humana só é possível de- ocorre entre p:1ssaros: a gralha pode imitar seus
pois da evolução de um conjunto complexo de próprios indícios de humor (Lorenz, 1952) e
'I
regras metalingüísticas (mas não verbalizadas)" artifícios enganosos foram observados entre os
que governam corno palavras e orações devem macacos guariba (Carpenter, 1934).
ser relacionadas a objetos e eventos. É, portan- (8) Poderíamos esperar que ameaça, brinca-
to, apropriado procurar essas regras deira e comportamento histriônico fossem três
metalingüísticas e/ ou mctacomunicativas em fenômenos inclepenclentes, cada um contribu-
um nível p1·é-humano e pré-verbal. indo para :t discriminação entre mapa e terri-
Pelo que foi dito acima, parece que brinca- tório. l\fas tal não parece ser o caso, pelo me-
deira é um fenômeno em que as ações de "brin- nos no que cliz respeito à comunicação dos
cadeira" se relacionam a, ou denotam, outras mamíferos. Breve análise do comportamento
ações de "não-brincadeira". Encontramos, infantil mostra que combinações tais como brin-
portanto, na brincadeira uma instância de si- cadeira histriônica, blefe, ameaça em tom ele
nais que representam outros eventos, e deste brincadeira, brincadeira implicante em respos-
ponto de vista, parece que a evolução do fenô- ta à ameaça, ameaça histriônica, e assim por
meno brincadeira pode ter sido um passo im- diante, formam juntos um único e indivisível
portante na evolução da comunicação. complexo de fenômenos. AJém desses, fenôme-
(6) A ameaça é outro fenômeno que se asse- nos encontrados entre adultos, tais como jogos
melha a brincadeira, na medida em que certas de azar e certos jogos que envolvem risco têm
ações denotam, mas diferem de, outras ações. suas raízes na combinação de ameaça e brinca-
O punho cerrado de ameaça é diferente do deira. É igualmente óbvio que não apenas a
soco, mas refere-se a um possível futuro soco, ameaça, mas sua recíproca - o comportamento
inexistente no presente. Assim como a brinca- do indivíduo ameaçado - fazem parte desse
deira, também a ameaça é usualmente encon- complexo. E é provável que não apenas o
trada entre os mamíferos não-humanos. Na comporta1nento histriônico 1nas o de especta-
verdade, tem-se argumentado ultimamente q~e dor devam se1· incluídos neste domínio. Tam-
uma grande parte do que parece ser combate bém seria apropriado mencionar aqui a auto-
entre membros de uma única espécie deve ser piedade.
vista mais como ameaça (Tinbergen, 1953; (9) Uma extensão deste raciocínio leva-nos
Lorenz, 1952). a incluir o comportamento ritual dentro deste
Cma teo1ia soln·efantasia e brincadeim
campo geral, no qual se faz distinção, embora algo que não existe. No nível humano. isto leva
não inteiramente, entre a ação denotativa e a uma grande variedade de complict<Jies e in-
aquilo que deve ser denotado. Estudos antro- versões nos campos da brincadeira. L111L1sia e
poiógicos de cerimônias de tratados de paz, arte. Ilusionistas e pintores da chamada escola
para citar um só exemplo, reforçam essa ccm- trompe l'oeil se esforçam em adquirir uma
clusão. virtuosidade cuja única recompensa é
r--:asIlhas Andaman, o acordo de paz é con- alcançada depois que o espectador descobre
cluído depois que a cada lado é dada liberda- que foi enganado e é forçado a rir ou rnara\'i-
de cerimonial para golpear o outro. Este exem- lhar-se perante a habilidade do enganador. Os
plo, entretanto, também ilustra a natureza ins- cineastas de Hollywood gastam milhões de dó-
tável do enquadre "Isto é brincadeira" ou "Isto lares para aumentar o realismo de urna sombr;i.
é ritual". A discriminação entre mapa e terri- Outros artistas, talvez mais realisticamente, in-
tório é sempre passível de anular-se, e os golpes sistem que a arte seja não-figuralÍ\'il. Jogadores
rituais usados no restabelecimento da paz po- de pôquer conseguem um estranho e \Íciante
dem, a qualquer momento., ser confundidos realismo equiparando as fichas, com as quais
com os golpes "reais" de combate. Nestes casos, jogam, a dólares. No entanto, insistem que o
a cerimônia de paz se transforma em batalha perdedor aceite perder como parte do jogo.
(Radcliffe-Brown, 1922). Finalmente, na região obscura onde arte,
( l O) Isso nos leva ao reconhecimento de uma magia e religião se encontrnm e se sobrepôem,
forma mais complexa de brincadeira: o jogo desenvolveu-se a "metáfora que é [literalmen-
que é construído não sobre a premissa "Isto é te] significada", a bandeira pela qual homens
brincadeira", mas, sobretudo, em torno da per- dão sua vida e o sacramento que é \·isto como
gunta "Será isto brincadeira?". Esse tipo de 1Tiaisdo que "um indício externo e \'isível que
interação tem também suas formas rituais, por nos foi dado". Aqui podemos reconhecer uma
exemplo, 110 trote de iniciação. tentativa de negar a diferença entre mapa e
(11) O paradoxo está duplamente presente território e de voltar à inocência absoluta da
nos sinais trocados dentro do contexto de brin- comunicação por meio de puros indícios de
cadeira, fantasia, ameaça, etc. Não só a mordi- humor.
da de brincadeira não denota o que seria de- (12) Devemos encarar, eritão, duas peculia-
notado pela mordida a sério, por ela represen- ridades próprias da brincadeira: (a) as mensa-
tada, como tamb,;m a própria mordida é uma gens ou sinais trocados durante a brincadeira
ficção. Não só os animais, ao brincarem, nem são de algum modo não-verdadeiros, ou não-
sempre significam o que estão sinalizando, mas intencionados; e (b) aquilo que é denotado por
também estão geralmente comunicando sobre esses sinais é não-existente. Estas duas peculia-
40 Cadernos IPL'/!.'5
ricbcles às \·ezes se combinam de forma estra- idéias características sobre, por exemplo, a fal-
nha para re,·erter uma conclusão a que chega- Lt de perspectiva ria posição heterossexual
mos ;1cima. Foi dito ( 4) que uma dentada "de masculina face a certos tipos de mulheres, ou
brincadeira" denota uma mordida, mas não \·ai a certos tipos de autoridade masculina. Em
dt:norar aquilo que seria denotado pela niordi- suma, a pseudo homossexualidade da fanta-
da . .\Ias há outras instâncias em que um fenô- sia nao representa um verdadeiro
meno contráriu ocorre. Um homem experi- homossexualismo, mas representa e expressa
menta, com intensidade total, um terror de atitudes que podem acompanhar um verdadei-
natureza subjetiva quando uma lança é atirada ro homossexualismo, ou servir de base pzi.ra ~ua
contra ele de uma tela de cinema de três di- etiologia. Os símbolos em si não denotam ho-
mensões ou quando cai de cabeça de uma gran- mossexualidade, mas de fato denotam idéias
de al~ura criada por sua próp1·ia mente na in- para as quais um símbolo apropriado seria o
tensidade de um pesadelo. Durante o momen- homossexualismo. Evidentemente é necessário
to de terror, não se questionou a "realidade" reexaminar a exata validade semântica das in-
mas de fato não havia nem a lança projetada terpretações que o psiquiatra oferece a um
na tela do cinema, nem um rochedo no quar- paciente e, como passo preliminar para essa
to de dormir. As imagens não denotavam aqui- análise, será necessário examinar a natureza do
lo que elas aparentavam denotar, mas essas enquadre na qual essas interpretações são fei-
mesmas imagens evocaram o mesmo terror que tas.
teria sido evocado se se tratasse de uma verda- ( 13) O que foi dito anteriormente sobre
.... . deira lança ou de um verdadeiro precipício. brincadeira pode ser usado como um exemplo
Com um truque semelhante de auto-contradi- introdutório para a discussão de enquadres e
ções, os diretorf's de cinema de Hollywood po- contextos. Em suma, nossa hipótese é de que a
dem oferecer a um público puritano uma vas- mensagem "Isto é brincadeira" estabelece um
ta gama de fantasias pseudo-sexuais que de enquadre paradoxal comparável ao paradoxo
outra forma não seriam toleradas. Em Davi e de Epirnênides. O enquadre pode ser
Bate-Seba, Betsabá pode ser um elo perverso diagramado da seguinte forma:
enu-e Davi e Urias. E em Hans Christian Andersen,
o herói inicia sua jornada acompanhado por ToJas as afirmações neste quadro são falsas.
um rapaz. EIP tenta encontrar uma mulher, mas Eu te amo.
q\tando falha em sua tentativa, retorna para o Eu te odeio.
rapaz. É claro que não há homossexualidade
em nada disso, mas a escolha desse tipo de sim- A primeira afirmação neste quadro contém
bolismo está associada nessas fantasias a certas
Uma te01ia sohre fantasia e hrincadefra ·11
palavra "premissa" tornou-se intransitiva. Em texto". Para corn:1-los claros é necessário insis-
geral, todas as relaçõf', assimétricas são transi- tir, em prirncirn lugar, que estamos tratando de
tivas. A relação "maior do que" é típica neste conceitos psicológicos. Usamos dois tipos de
sentido; é convencional argumentar-se que, se analogia para discutir esses conceitos: a analo-
A é maior do que B e B é maior do qw~ C, en- gia física da moldura de um quadro e a analo-
tão A é maior do que C. No entanto, nos pro- gia mais abstrata, embora ainda não psicológi-
cessos psicológicos nao se observa a ca, do conjumo matemático. Na têoria dos con-
transitividade das relações assimétricas. A pro- juntos, os matemáticos desenvolveram axiomas
posição P pode ser uma premissa para Q; Q e teoremas para poder discutir com rigor as
pode ser uma premissa para R; e R pode ser implicações lógicas de pertinência em catego-
uma premissa para P. Especificamente, no sis- rias ou conjuntos que se intersectam. As rela-
tema que estamos considerando, contrai-se ain- ções entre conjuntos são geralmente ilustradas
da mais o círculo. A mensagem "todas as afir- por diagramas nos quais os itens ou membros
mações dentro deste quadro são falsas" deve ela de um universo maior são representados por
própria ser entendida como uma premissa ao pontos e os conjuntos menores são delimitados
avaliarmos sua veracidade ou falsidade. (Cf. a por linhas imaginárias contendo os membros
imransitividade das preferências psicológicas de cada conjunto. Tais diagr.:,mas são ilustra-
discutida por McCulloch (1945). O paradigma ções de uma abordagem topológica à lógica de
para todos os paradoxos deste tipo geral é o classificações. O primeiro passo ao definirmos
"conjunto dos conjuntos que não são membros um enquadre psicoiógico seria o de dizermos
de si próprios" de Russel (l 91 O). Com isso, que é (ou delimita) urna classe ou conjunto de
Russell demonstra que o paradoxo é gerado ao mensagens ( ou de ações significativas). As ati-
se tratar a relação "ser um membro de" como vidades lúdicas Je dois indivíduos em uma dada 1
'Ili
intransitiva.) Com esta ressalva, de que a rela- ocasião seriam então definidas como o c01tjun-
ção "premissa" em psicologia é possivelmente to de todas as mensagens trocadas por eles em
intransitiva, usaremos a palavra "premissa" para um período delimitado de tempo e modifica-
denotar a dependência de uma idéia ou men- das pelo sistema de premissas paradoxais que
sagem em relação a outra, uso comparável à acabamos de descrever. Em termos de um dia-
relação de dependência usada em Lógica quan- grama da teoria de conjuntos, essas mensagens
do se diz que a proposição P é uma premissa poderiam ser representadas por pontos e o
de Q.
{17) Tudo isso, entretanto, deixa ainda obs-
curo o significado do conceito de "moldura" ou
"conjunto" seria circundado por uma linha que
separaria estes pontos de outros pontos repre-
sentando mensagens de "não-brincadeira" ou 1
"enquadre" e a noção a ele relacionada de "con- literais. A analogia matemática falha, no entan-
J
Uma teoria sobre fantasia e brincadeira 43
to, porque o enquadre psicológico não é repre- incluir certas mensagens ( m1 ações significati-
sentado satisfatoriamente por urna linha ima- vas) dentro de um enquadre, outras mensagens
ginária. Pressupomos que os enqu;idres psico- são excluídas. (b) Enquadres psicológicos são
lógicos possuem algum gnu de existência real. inclusivas, ou seja, ao excluir certas mensagens,
Em muitos casos o enquadre é reconhecido outras são incluídas. Do ponto de \lSta da teo-
conscientemente e até representado no vocabu- ria dos conjuntos matemáticos, estas duas fun-
lário ("brincadeira", "filme", "entrevista", "tare- ções são sinônimas, mas do ponto de vista da
fa", "linguagem", etc.). Em outros casos pode psicologia é necessário listá-las separadamente.
não haver referência verbal explícita aos enqua- A moldura em volta de uma granira, se a con-
dres e os sujeitos podem não ter consciência siderarmos como uma mensagem cuja intenção
deles. No entanto, o analista verifica que seu é a de ordenar ou organizar a percepção do
pensamento é simplista quando adota a noção observador, diz, "preste atenção no que está
de um enquadre inconsciente como princípio dentro e não preste atenção no que está fora."
explanatório; freqüentemente ele ou ela avan- Figura e fundo, no sentido em que estes termos
ça além desse ponto, inferindo a sua existência são usados pelos psicólogos da gestalt, não se
no inconsciente do sujeito. relacionam simetricamente como o são os con-
Mas se a analogia do conjunto matemático ceitos de conjunto e complemento da teoria
é, talvez, abstrata demais, a analogia da moldu- matemática dos conjuntos. A percepção de
ra de um quadro é excessivamente concreta. O fundo tem de ser positivamente inibida e a
conceito psicológico que estamos tentando percepção da figura (neste caso a gravura) tem
definir não é nem físico, nem lógico. Na verda- de ser positivamente intensificada.
de, a própria moldura física, acreditamos, é (c) Enquadres psicológicos estão relaciona-
acrescentada aos objetos físicos de arte pelas dos com o que estamos chamando de "premis-
pessoas porque estas operam mais facilmente sas". O enquadre da gravura sinaliza ao obser-
em um universo em que algumas de suas carac- vador que este não deve usar o mesmo tipo de
terísticas psicológicas são externalizadas. São raciocínio ao interpretar a gravura que pode-
essas características que estamos tentando dis- ria_t1sar ao interpretar o papel de parede fora
cutir, usando suas externalizações como meca- da moldura. Ou, em termos da analogia deri-
nismos ilustrativos. vada da teoria dos conjuntos, as mensagens
( 18) As funções e os usos dos enquadres psi- encerradas dentro da linha imaginária são de-
cológicos podem agora ser listados e ilustrados finidas como membros de uma classe em virtu-
com referência às analogias cujas limitações de de compartilharem premissas comuns ou de
foram indicadas no parágrafo anterior. (a) En- serem mutuamente relevantes. O próprio en-
quadres psicológicos são exclusivos, ou seja, ao quadre torna-se, então, parte do sistema de
j
açáo das mensagens nele contidas. Em outros representados têm seus conrf,111<,, c,h• ,ç1dos
casos, o enquadre é apenas um auxiliar no tr;t- em linhas. "Homens sábios c11,er!.!;;t1t1,·111con-
balho cognitivo de entender as mensagens nele tornos e, portanto, eles os clese11h;1111
•• \Lts. fora
contidas, servindo de lembrete ao pensador que dessas linhas, que delimitarn 11111;1 :;estalt
estas mensagens são mutuamente relevantes e perceptual ou "figura", existe u 111ca ll1 po \·isu-
que as mensagens do lado de fora do enquadre al ou "fundo" que, por sua \·ez. é delimitado
podem ser ignoradas. (d) No sentido do par:1- pela moldura do quadro. De fo1111;isenwlhan-
grafo anterior, um enquadre é te, em diagramas da teoria ele, 011juntos. o
metacomunicativo. Qualquer mens'.lgem que universo maior dentro do qu,d n, conjuntos
explícita ou implicitamente defina um enqua- menores são desenhados está, ele próprio. con-
dre, ipsofacto, fornece ao receptor instruções ou tido em uma moldura. Este duplo enquadre,
ajuda em sua tentativa de entender as mensa- acreditamos, não meramente é um:1 riuesc:io de
gens incluídas no enquadre.(e) O inverso ele "enquadres dentro de enquadres", mas uma
(d) também é verdadeiro. Toda mensagem indicação de que processos menuis se ;1sseme-
metacomunicativa ou metalingüística define, lham à lógica quanto a necessi/11/"/'lll de uma
explícita ou implicitamente, o conjunto ele moldura externa que delimite um fundo em
mensagens sobre o qual está comunicando, isto relação ao qual as figuras possam ser percebi-
é, toda mensagem metacomunicativa constitui das. Freqüentemente, esta necessidade náo é
ou define um enquadre psicológico. Isto, por satisfeita como, por exemplo. qll,111do \·emos
exemplo, é bastante evidente em relação a cer- uma escultura na vitrine de uma loja de qu:n-
tos sinais metacomunicativos tais como os de q11ilharias, o que é um,1 sen_;;açao
pontuação em uma mensagem impressa, rnas desconfortável. Sugerimos que a necessicbde
se aplica igualmente a mensagens desses limites externos ao fundo relaciona-se a
metacomunicativas mais complexas, como por uma preferência por evitar os paradoxos de
exemplo a definição que o psiquiatra faz de seu abstração. Quando uma classe lógica ou con-
p1·óprio papel no processo de cura.~É ern ter- junto de itens é definido - por exem pio, a clas-
mos dessa definição que as suas contribuições, se das caixas de fósforos - é necessário delimi-
que integram o total de mensagens que ocor- tar o conjunto de itens que de\'ern ser excluí-
rem em uma psicoterapia, devem ser dos, neste caso, todas aquelas coisas que não são
compreendidas. (f) A relação entre enquadre caixas de fósforos. Mas os itens que de\·em ser
psicológico e o gestalt perceptual deve ser con- incluídos no conjunto "fundo" devem se1· do
siderada e, neste ponto, é útil a analogia da mesmo grau de abstra_ção, cio mesmo "tipo ló-
Uma te01ia solr,-t:fantasia e h,in.:adeira 45
gíco" daqueles dentro do seu próprio conjun- nhar urna linha imaginária exatamente do tipo
to. Específicamente, se quisermos evitar opa- que ele próprio proíbe.)
radoxo, a "classe da caixa de fósforos" e "a clas- (19) Todo este assunto de enquadres e pa-
se de não-caixas de fósforos" ( embora ambos radoxos pode ser ilustrado em termos de com-
esses itens sejam claramente não caixas de fós- portamento animal, em que três tipos de men-
foros) não de\·em ser considerados como mem- sagens podem ser reconhecidas ou deduzidas:
bros da classe dos objetos não-caixa de fósforos. (a) mensagens do tipo que estamos chamando
Nenhuma classe pode ser um membro de si aqui de indícios de humor; (b) mensagens que
mesma. A moldura de um quadro, porque simulam indícios ele humor (em brincadeira,
delimita o fundo, é aqui considerada corno ameaça, comportamento histriônico, etc.); e
uma representação externa de um certo tipo (c) mensagens que permitem ao receptor dife-
especial e importante de enquadre psicológico renciar entre indícios ele humor e aqueles in-
- a saber, um enquadre cuja função é delimitar dícios que se assemelham a eles. A mensagem
um tipo lógico. Isto, r.a verdade, é o que foi "Isto é brincadeira:' é do terceiro tipo. Ela in-
indicado acima quando foi dito que a moldu- forma ao receptor que certas dentadas e outras
ra é uma instrução para o observador de que ações significativas não são mensagens do pri-
ele não deve estender as premissas que vigoram meiro tipo.
entre as figuras dentro do quadro para o pa- Portanto, a mensagem "Isto é uma brinca-
pel de parede atrás dele. deira" estabelece um enquadre do tipo que
,:•... Mas, isso é precisamente este tipo de enqua- pode facilmente precipitar um paradoxo: é
dre que gera o paradoxo. A regra para evitar uma tentativa de diferenciar, ou de traçar uma
paradoxos insiste que os itens fora de qualquer linha, entre categorias de tipos lógicos diferen-
iinha delimitadora s~jarn do mesmo tipo lógi- tes.
co daqueles dentro da linha, mas a moldura de (20) Esta discussão sobre brincadeira e en-
um quadro, conforme foi analisado acima, é a quadres psicológicos estabelece um tipo de
linha que sep;ira itens de um dado tipo lógico constelação triádica ( ou sistemas de relações)
de ite-ris de outro tipo lógico. De passagem, é entre mensagens. Uma instância desta conste-
inte1·essante notar que a regra de Russell não lação é analisada no parágrafo 19, mas é eviden-
pode ser formulada sem que seja quebrada. te que constelações de~te tipo ocorrem não
Russell insiste que todos os itens do tipo lógico apenas no nível não-humano, mas também na
inapropriado sejam excluídos (isto é, por uma comunicação humana, muito mais complexa
linha imaginária) do complemento ou fundo do que a primeira. Fantasia ou mito podem si-
de qualquer classe (ou seja, ele insiste em 1ese- mular uma narrativa de natureza denotativa e,
para distinguir entre estes tipos de discurso, as
r
4fi Cadernús IPL.li/5
pessoas usam mensagens do tipo que definem esquizofrênico. Com a pnda da habilidade de
enquadres, e assim por diante. estabelecer enquadre~ metacomunicati\'os, há
(21) Em conclusão, chegamos à tarefa com- também uma perda <Lt habilidade de reaLzar
plexa de aplicar esta abordagem teórica aos a mensagem mais prirn:tria ou primiti\'a. A
fenôn1enos particulares de psicoterapia. Aqui metáfora é tratada diretamente como uma
as linhas de nosso pensamento podem ser o mensagem do tipo mais primário.
mais brevemente resumidas apresentando e (23) A dependência da psicoterapia na
parcialmente respondendo às seguintes manipulação dos enquadres se de\'e ao fato de
perguntas: (a) Há alguma indicação de que que a terapia é urna tentativa de modificar os
certas formas de psicopatologia são caracteri- hábitos metacomunicatiYos do paciente. Antes
zadas especificamente por anormalidades no da terapia, o pacit't1te pensa e atua em tennos
manejo de enquadres e paradoxos pelos de um certo conjunto ele regras para a constru-
pacientes?(b) Há alguma indicação de que as ção e compreensão ele mensagens. Depois de
técnicas de psicoterapia dependem necessari- uma te!-apia bem-sucedida. ele age em termos
amente da manipulação de enquadres e de um conjunto diferente de tais regras. (Re-
paradoxos? ( c) É possível descrever o processo gras deste tipo sào. em geral, não-verbalizadas
de uma dada psicoterapia em termos de e inconscientes tanto antes corno depois de
inte1-ação entre o uso irregular de enquadres uma terapia). Portanto, no processo da terapia,
pelo paciente e a manipulação destes pelo deve ter havido comunictçio em um ní\'el 111eia
terapeuta? em relação a essas regLlS. Deve ter havido co-
(22) Em resposta à primeira pergunta, pa- municação sobre uma 11111d(I nça ele regras.
rece que a "salada de palavras" na esquizofrenia Mas tal comunicação sobre mudança não
pode ser descrita em termos da incapacidad~ poderia possivelmente ocor:·er em mensagens
do paciente em reconhecer a naLureza metafó- do tipo das que são pern1itidas pelas 1·egras
rica de suas fantasias. Em lugar do que deveria metacomunicativas do paciente, tal como exis-
sei- uma constelação triádica de mensagens, a tiam tanto antes como depois da terapia.
mensagem que enquadra o discurso (por exem- Sugeriu-se acima que os paradoxos da b1·in-
plo, a locução "como se fosse") é omitida, e a cadeira são característicos de uma etapa de evo-
metáfora ou a fantasia são narradas ou realiza- lução. Sugerimos aqui que paradoxos similares
das de um modo que seria apropriado se a fan- são um ingrediente necessário neste processo
tasia fosse uma mensagem do tipo mais direto. de mudánça que denominamos psicote1-apia.
A ausência de enquadramento ou É profunda, de fato, a semelhança entre o
metacomunicação observada no caso de sonhos processo de terapia e o fenômeno brincadeira.
em (15) é característica das comunicações do Ambos ocorrem dentro ele um enquadre psi-
[)mo lí:<1 1ú: rnhnt fantasia e lnincadeira