Você está na página 1de 11

Em busca de uma

boa forma de descrever


o trabalho em Ce sta lt

Ten tar descrever o trabalho que se faz em psicoterapia é


das
uma incu mbê ncia difícil. Afinal, estamos lidando com uma
ltar
formas mais requ intad as de arte, das quais quero ressa
algumas características essenciais.
A Gestalt é prin cipa lmen te uma postura dian te da vida ,_que
,
implica um cont ato vivo com o mun do, com a pessoa do outro
na SUª-.filllgularidaqe, sem pré-concepção ci;qual,quer ordem . Ess~
cont ato apóia-se sobre a vivência, na experiência de primeira
mão, no aqui e agora, o que estimula uma presença cons tante
e
ea
aten ta, com ênfase na percepção sensorial; focaliza o fluxo
direção da energia corporal.
O objetivo desse traba lho é restaurar a qualidade do con~
tato c~m o mun do, busc ando a vivac idade, a fluídez, a J.!$po
ru.-
bilidade e a abertura, o ritmo e a discriminação nesse pn,"Lc
~ :.~,-

cont ínuo em que hom em e mun do se tralliton n..1n1.


Tem os com o prop osta inicial esrirnular o drer uc .i l'..L>t: u-~ -
rar a sala de terapia e o contato com o ntra pcuu ç._~,zio
',;J.'! •.
~1.i, ('•"!\ ,lUt' <,(, c riad as con d ições para a experi,
('\ , t , , )~ ,n uw1r,,:- de perceber o mundo , e também
. , 1 , 'lll-t F·t nnenf t' nnvas for mas d e diálogo.
Í-\ , ¾ ;,nv,.- ,.J.,tt<,lf ,,.s fronteiras pessoais, a partir de um su,
fl-, ·, \. Hn1 , h~P hc tn ava liado. Quando falo em suporte, que,
,. :-l, ,'\::i t ~ l.t t c1 que se tra ta tanto de condições pessoais do
, .l~ J o suporte pessoal do terapeuta. Esse suporte é
., .. ,~ii. 1n t.-i
• , ,n:--t !f I H-id J c uma n1ultiplicidade de fatores: a abertura para o
~, .. b.,Htt1, :i l.· n~rgia disponível para se lançar, a postura, o ritmo
ic-~r-11 :n<.')nu, J situação psicológica do momento, as vivências
.1ntenorcs e, principalmente, o grau de confiança estabelecida
Jc pane a parte .
A principal característica do terapeuta para executar bem
esse trabalho é a qualidade de suq_p_r~~~v..Ç.q~ uma atitude desÇQ!},

;:~::
1aquilo que foi,
ªi~n:~~1 i;~e~:ª~=~l~~~r~::?J~ª~,~~~ª;od~~°;'~
poderia ou deveria ser.
Poder permitir,se oscilar num contínuo ir e vir entre a per,
cepção da pessoa que lá está e, ao mesmo tempo, perceber em si
me smo como essa pessoa o mobiliza e impacta. Em o utras pala.-
vras, estar em contato com o outro mas, ainda assim, ce ntrado
n o seu próprio eixo.
Formamos um novo todo, que é maior do q ue a soma de
suas partes. Forma,se uma nova rede, um novo co n junto inter-
relacionado em que o movimento de um interfere no movimen-
to do outro.
A partir desses pressupostos, começamos o nosso u aba!h.o:
o foco do trabalho reside na estrutura da experiência, no ...:titfu,,
Ida interação em processo.
A atenção do terapeuta fica centrada não apt't~ ~ )f:-1.c ,_.
conteúdo do que é relatado, mas, principa1mr:r~tc, ~Jb:c,c - i.A .-!1;... :
o cliente se narra". Inicialmente, é bastante comçlc..t.;.à Jt ' .:H ··+-.:

26
'\ ..\1 t e de teAti\ ur;u hi Mória.s

,.l- h:":~h;ar dnplnmct~ c, oscibndo entre a captação do conteú,


tiva é feita. ·
---e-a m~HlL'ira t l);nu essa ~arra .........-•- ...
\t, i1.1-111\a ~

:\ ;,tcnçf\r1 an n(vel e à qualidade do interesse que a pessoa


\'\X- ('íl1 ~ua narrativa traz índices reveladores do grau de inte,
~3Ç3 (' daquela. Quan to menor a energia colocada na expre
ssão
1

!
e no relatl), menor a integração ...
:\ eKuw interessada do terapeuta é curativa por si só, uma vez
que conse gue, por espelhamento, fazer emergir ~-_interesse da
_ a_,___ abr~ 9_q_~~spª ç_q___ par~
pe_s_so_a____p_o_r _s1_· _m_e_sm
=- _q~~.
s_uEi~~ _c~_rac~~'-
risticas que estavam escondidas ou negadas.
- ---~--·-- __ , ..... ·-=-··---'
- -- - - - - --
Mas, na prática, como isso funciona?
,-. . __ / Vamos começar do início: o cliente telefona, solicitando
J . um horário, dizendo por quem foi feito o encaminhamento.
1 Negociamos o dia e a hora convenientes para ambos. Nessa
fase, a partir do contato telefônico, posso fazer conjecturas e
1

fantasiar a respeito dele.


No dia e hora marcados, ele chega e toca a campainha.
(r1...\ Continua aqui a percepção da estrutura de seu comportamento.
~~ Como é esse toque: forte, insistente, ou tímido e quase inaudí,
.f vel? Chega antes da hora, pontualmente ou se atrasa?
\..}

,ê · Abro a porta, me apresento, convido,o a entrar. Chamo,o


,~; @/ pelo nome, fico atenta à sua expressão quando me vê, e à mi-
~ / nha própria reação ao vê, lo: agrado ou desagrado, aproximação
ou afastamento, afetividade ou indiferença. Reparo na sua pos,
tura, em como está vestido, em que cores está usando, na sua

~")1 movimentação ao andar, na maneira como se dirige a mim: Ao


chegar à minha sala, noto o lugar que escolhe para se sentar -
\J prefere as almofadas ou a poltr ona? -, a distância espacial que
coloca entre nós.
Até aqui, já coletei uma quantidade de informações não,
verbais.
1\ ,1rt é de r est .-1urar históri as - -- - - ----

( \ ,,n n decndificn~ lns e o que vou fazer delas ainda não sei.
fKarn ~11ard adas parn uso poste rior.
& pero a fala e noto seu tom, a expre ssão do rosto e o
c,"'nte{ido trazid o. Esper o que a nebu losid ade inicia l se dissipe e
un1 terna co1nece a etnergir. É muit o freqü ente que esse tema se
apresente nwis naquilo que não foi dito do que no que foi dito. Fico

1~
:itent a a discr epânc ias entre conte údo e form a, contr adiçõ es
,.-,en tre o que se diz e o tom de voz, entre a verba lizaç
ão e a
gestic ulaçã o, postu ra ou expre ssão facial ou entre o assun to e a
lingu agem usada .
1

! Fico ao mesm o temp o atent a a mim mesm a, ao meu própr io


fluxo perce ptual . O que sinto , o que penso , que imag ens brota m
em mim, reaçõ es corpo rais, a minh a postu ra ... Tent o disce rnir o
quan to dessas reaçõ es perte ncem a mim, ao meu própr io con,
texto , e quan to dessas reaçõ es vêm do novo sistem a const i,
ruído, da relaç ão com a pesso a que está na minh a frent e .
As minh as interv ençõe s são orien tadas em direç ão à focali,
zação da temá tica do mom ento, desen volve ndo, desdo brand o,
intensificando, atrav essan do esse tema emer gente . Procu ro não
confr ontar a dificu ldade que às vezes surge em salien tar um
tema a ser pesqu isado .
Tent o propiciar, no clien te e em mim, uma atitu de de co,
nhec er de perto essa dificu ldade , de torna rmo, nos íntim os dela.
Respe itamo ,la. Se ela surge, deve ter um senti do, mesm o que
este ainda não esteja claro .
Essa dificuldade prova velmente tem un1 senti do adapt ativo ,
ainda que anacrônico.
Delin eado o tema , surge o momento de propo rmos um ex,
perim ento. O experimento proposto tem sempre a finalidade de
afinar, sublinhar, focalizar, amplificar, clarear o tema emergente.
A ampl itude desse exper imen to vai varia r muit o de acord o com
0 mom ento
vivido, e com a fase em que se enco ntra o clien te.
28
t\ .ut e de restaurar hi stórias

C1 exr,erhnt'nto polle ser tninúsculo, tal como o espelha,


....._ nlt'Ht\"' de urn ~esto, o esclarecimento de alguma fala, ou uma
"1 \ l-X'~unta sünples. A escolha do uso ou não do experimento vai
, ' · J'-'iX'fh.icr rnuitü da arte do terapeuta, de sua avaliação da fase
~ enl que \.'I cliente se encontra e de sua sensibilidade ao timing da O
'
;· rrüfX-"Sta. Ao propor un1 experimento, é importante sempre ne, ~
}.. ~ x iar con1 o cliente, para que ele veja um sentido no pedido, t
~ con1partilhando a finalidade da proposta, e para que não se
. sinta n1anipulado indevidamente. ~,
Resunündo: a minha busca, o meu ma:pa2~ i~~--q ~-~-2 -~~~.is.? ~~, ~.
rio, tem de se tornar a no~"ª-º1!.§._ç_a- u...nos.su. m.m2ª1-,§~Dão não .~ .Q
saímos do lugar. Precisamos estabelecer uma sinergia. .2~ ~ •.

O experimento é a pedra fundamental da aprendizagem , ,. A""-


4-.
"'

experiencial. Transforma o falar sobre em fazer, o recordar/'~ ~


inócuo e o teorizar em se tornar presente, com toda a imagina, t,~
ção, energia e excitação. O experimento proposto vai depender ~ o.;
do tema em questão e, principalmente, das áreas de competên, ~ ) í
,..
:-::. eia do terapeuta. ------···--·----------- - -- ~Y }
Z O experimento pode envolver muitas esferas do compor,
~ tarne-;-to humano, mas tem uma proposta comum: trazer para o
~ aqu.i e agora os mater:_t~J-~_g~_§J,IJgi,r_a.~ .4º.Ji.t~~n.t~.Q.,.J?T~~J:~P,lifi: ...
X cando, ene~gizando eLprincipa,lm.e nte, ..dando,J;;\Q.çliente a chan,
~ ce de tomar po~s;-de seus temah ._g_µ~ _ant.~§ ...es.t.aYa.Ilt.dJsp~rsos ~
3 muTrás'vezés-s_~~- P.?~~i~-~-~~4.~4~w 4~-~~-~l~~ J!fhnintgrª9Q~.

< - O experiment9 é qiferente do ex~r-~~cio pelo f~to de não ser
-------- ·-·---------·--. - ·- ... ..
'X programado ou fixo 1__ 1nas, _ao_ contrário, espontâneo, novo,
J eme:~~~? a partir da cotifig!,gação situacional _ú nica.
Nos trabalhos em Gestalt buscamos a tradução do vivido
em várias outras linguageiis. Para tanto, podemos nos valer da
linguagem simbólica, de ~etáforas, histórias infantis, contos de
fada, sonhos e fantasias. Podemos também usar recursos expres,

29
\ ,H i <" dr r !' '-t.\U r .-'H hi.c;róri ,1s

~ ' ,--.::.. t ,,1"'"'" llHwm wntt,, d nnnatiza ção, escritos - pró,


d :-HlÇ tl,
~-"-~ t "º"t~ h,, . , ptwsins, tr;ib~,lhos manuais.
\."' ,"lh\'tlY1 '1 tk tradu zir () vivido em diferent es linguage ns é

,,·\~nt :,t. 1,~l.tndth.k ~ mais elásticas , as estrutur as mais maleá,


,·,· . ,. ,'l, 1 '-{"la, fp h,grafor o mesmo fenômen o a partir de outro
...
:,4l~t d,,.
('ucn:m os, em síntese, vitalizar o fluxo p_~~<:,eptua l.
-~ tarefa da terapia é auxiliar o cliente a delinear as suas
!'lt''"'essidades e, con10 decorrên cia, formula r as suas pergunta s ...
- - - -- -- -- - -- - -- ------··- ---·---- - - --
A partir desse moment o ele poderá se adminis trar melhor,
buscand o respostas às suas indagaçõ es, sendo capaz de inter,
cfunbios criativos com o mundo.
Relatarei episódios de um atendim ento, tentand o dar conta
Jc' desc rever o material a que tive acesso, e, ao mesmo tempo,
renrando apresent ar a maneira pela qual essa percepç ão me
causa impacto .

Ch ristian, trinta anos de idade, chegou pontualm ente para nosso


e ncontro. Ele entrou dizendo que tinha vindo apenas porque
seu pai insistira muito. Seu caso, afirmava, era um caso médico;
tinha dores terríveis nas costas, acabara de ser operado da colu-
na, e estava tentando se recupera r. Portanto , não tinha nada a
ver com terapia ...
De qualquer modo, declarou que estava pronto para responde r
a todas as minhas pergunta s ... E enrijeceu ainda mais seu corpo
já tão tenso.

Conscie nte de sua reação, decidi ser muito cuidado sa com


minhas pergunta s e observaç ões, abrindo espaço para ele trazer
qualque r material de que pudesse dispor naquele moment o.

Ele desviava_ bastante os olhos enquant o eu lhe fazia pergunta s


sobre seus sintomas atuais. Depois me disse que estava sob me-
30
~,. ~· :-. ~·, m fld f-' Prf'.:.~ivos f-' tranqüiliza ntes à noite, e
~•' , 14 '"'
·~ •..._;, - .> pt•· 11•ii · \ndn ,u,, < dp<1ciddde d e trabalho.

• ,,! ~ ~ , . •·· -. ,,;f,1i1 il tr,,h,, lh,H. N ci n podi a sentar-se porque suas


• • ~ uH. • t"" rt"\:~.: dn1,Hn

._. ~. ,..,. , ,, t,-.,h1hd.,d(~\ de re lacionamento estavam bem limitadas.


~ -'' 11• ,d ,., d,ng,r <..eu carro por causa da dor, não podia viajar,
r t.;1• -. . . 11 ,r ., , 1 e ,nem a, visitar amigos porque tudo em que conse-
~ -11., p <~rh .11 to m dva a dor pior. Com essa realidade, isolou-se
,und,, rn.H-. .

l':tt ~·nJ qu~ toda a sua existência tinha~se estreitado a um


~l :..iu lOlJ..X)SSÍVcl.

QuJ.ndo uma pessoa apresenta queixas físicas, além de ouvir


:ucntan1cnte os sinton1as, acho útil explorar o início da doença,
u que estava acontecendo em sua vida, isto é, em que contexto
seus sintomas apareceram. Procuro por sincronicidad es.
T ambém busco focalizar o tipo de sintoma que o corpo
··escolheu" e, talvez, especular em silêncio sobre o sentido e a
direção da doença na vida do cliente. Em outras palavras, corno
ele lida com seus sintomas, que uso fãZ deles.

Quando começamos a explorar juntos o contexto em que os


sintomas apareceram, o que estava acontecendo em sua vida
pessoal, ele se levantou e começou a falar, postado atrás de sua
cadeira.

Eu -podia literalmente visualizar sua dificuldade! Perce bi


que era cédo demais para perguntas ...

Ele geralmente apresentava um rosto inexpressivo, quase imóvel,


exceto por algumas lágrimas que, lhe vinham aos olho~, tk
acordo çom o assunto abordiado.

Percebi que .ele contraía o peito e levantava o ombro ~-r -


querdo para ·c ima e para a frente. Eu estava con sciente Jc qtx:,
t\ .ute de. reM,1urar histórias - -- - - -- -

~('-b ptx-~~l~l\ dl' n,ntrniria o peito e a respiração se tornaria


\·hfidL ix-rdl'nd o o seu apoio.

A ~eguir, t>lc me disse que os sintomas haviam começado logo


' , .
depois de ter-se mudado para seu propno apartamento, dei-
x.ando a casa de seus pais; mas sempre insistindo que aquilo era
uma coincidência, uma coisa não tinha nada a ver com a outra.
He não estava nem um pouco satisfeito com o trabalho e me
disse que as coisas também não iam bem com sua namorada,
que o estava pressionando para casar e ter filhos.

Parecia que todo o seu ser estava dizendo , por meio daquela
contraç ão e da dor em seu corpo, que' ele não estava feliz. Mas
parecia claro que ele não estava prepara do para essa visão de
sua vida. Reunir toda aquela informação e dar algum feedback
era demais para aquele momen to.
Comecei a trabalha r com ele, pãsso a passo, median te expe,
rimentos bem pequenos de consciência corporal. Primeiro, pedi
que me descrevesse, com a maior exatidã o possível, a dor que
sentia nos piores momentos de crise. Negociei com ele peque,
nas mudanças em sua postura, /prestan do atenção às sensações
que acompanhavam tais mudanças, e, talvez, apenas talvez, que
sentimentos surgiam!

E quais eram suas sensações quando não estava sentindo
dor. Foi uma tarefa difícil. Ele só tinha consciência de si mesmo
quando seu corpo doía.
Seu modo de entrar em contato me levava a ter a fantasia
de que eu estava diante de um visitante de um outro planeta,
com uma cultura diferente e um idioma estranho. Ele, que ha,
via,se desenvolvido tanto na área racional, condizente com sua
formação em ciências exatas, tinha um repertório muito reduzido
de possibilidades para lidar e se relacionar com seres humanos.
32
1
\ .nt c d e ti:','<t ,,uri\r his t ó ri.1.c;

\ \1~t,,l\.,l ~t" p1..' rpkx( \ n fü) entendendo qualquer pergunta sobre


t.\ n_,),..-~~,~ l 'IU ~l'ntinH.' 1\h)S .

l\.--r~l1ntc1 -\hc ~obre a história de seu desenvolvimento,


~,"l't\."' ., ~ua adolescência: an1igos, namoradas, festas, esportes ...

Ele m e o lhou estupefato, como se eu estivesse fazendo uma


~rgunta absurda . Disse que sua vida era estudar e jogar xadrez
no~ m o m entos de folga. Não havia espaço para a socialização,
com o as outras pessoas fazem.

Perguntei: "E as garotas?".

Ele respondeu que nunca havia conseguido fazer com que ficas-
sem ao seu lado por algum tempo. Mas aquilo não tinha impor-
tância, já que ele estava sempre ocupado pensando em alguma
estratégia do xadrez; e a verdade era que ele não conseguia
entender mesmo sobre o que as garotas estavam falando ...
Quando ficou um pouquinho mais velho, começou a arquitetar
estratégias para levar as garotas para a cama ... Mas também não
teve sucesso nessas tentativas ...
Até que surgiu uma namorada! Nesse momento, passou a ter
problemas com seus pais, que argumentavam que ele passaria
por maus bocados porque ela sofria de uma doença degenerati-
va do sistema nervoso. Para ele, aquilo não tinha grande impor-
tância; sua única dificuldade era a vergonha de sair com ela
porque era obesa, e os outros cochichavam ...
Terminou esse relacionamento e começou a sair com outra garo-
ta. Admitiu que era muito crítico, e também tinha vergonha dela,
por sua falta de cultura, por ela não ler, não falar corretamente e
ser muito religiosa.

Ele contava pequenos fragmentos de histórias de sua vida e


eu ouvia, muito atenta à sua expressão.
Parecia que ele havia chegado a um beco sem saída em sua
vida. Não gostava do trabalho, tinha vergonha da nam9rada,
tinha um relacionamento muito pobre com seus pais ...

33
\ ..... ,,t.;, t h•·~ ..., , , J~),rf•< 1dn (' ~t'ntindo muita dor nas costas .
. . :i!"\t, , ' ~-- t,,-., ,rn~--ntt' (' foi fa lcl r cltrás da cadeira .

. ~;:...""' ill: ,;p \'11 p '-,1b1., que essa postura significava que está,
, .·•-.: ,· , ....1:-+':'•:-\,J , 1,um tc-mh.1rip 1nuito desconfortável. Fiquei muito
-:r-11~ ~. r--, lt'tt, l:t~-iç, todo o espaço para que ele se colocasse.

! 1, t1•1t,.1 Algf> dizer sobre como era sua vida na . ~asa de seus
J
:}.;i:-. di como se sentia só, de como eram as refeições ..~ A única
, ,)• ~ 1 qw. • Chri~ t ian conseguia descrever era um silêncio doloro-
:-,. . in~1::•rcalado pela fala grandiosa de seu pai, que ocupava todo
. ~spd ÇO dispo nível. Foi dessa forma que ele foi treinado a
~Jàrdar seus pensamentos e sentimentos para si mesmo.
Lem brou-se de que na única ocasião em que seu pai, tentando
~sta.belecer algum contato, foi falar sobre sua mãe. Ela havia
rentado o suicídio. Ambos estavam muito tristes. Como não ha-
viam notado algo diferente acontecendo com ela? Eles estavam
sempre tão ocupados com suas próprias vidas, que não notaram
as possíveis pistas ... Dessa vez ele se permitiu mostrar sua tristeza
e chorou ao lembrar o episódio.

Muito lentamente, dando todo o espaço possível, trabalhando


absolutamente no aqui e agora, principalmente pela experimenta,
ção da consciência corporal, começamos a dar nome à sensa,
ção, focalizando a necessidade atual e liberando a energia tão
presa naquele corpo, para dar sustentação à busca de contato.

Com freqüência ele perguntava se havia qualquer possibilidade


de se " curar "d e suas dores.

Comentei que a_ cura é uma questão muito controverrida1


mas que ele poderia aprender a administrar as sensações Jo ')CU
corpo, as quais poderiam lhe indicar~ que é tóxi~o ou esrimu-
Iante em cada situação. --- -- - -

34
1
\ .ut e de re-st.:\ur-,r his t6ri;t,c;

l\xletia '-k sl'nbrir R in1portância d a consciência, as preciosas


l-"'i~ta~ ~li(' p(.1d~,n ser in tegrad as pel as mensagens do corpo.
1
Ek n ~o pt-cds:1va ir ao extretno de deixa r seu corpo doer para
'--- '-""n tà() recebe r aten çflo .. .
~ tuitas ve:es eu tinha de lidar com ele como a mãe de uma
("riança que ainda n ão aprendeu a falar, trabalhando num es;
p3ço não~verbal, para poder compreender suas necessidades
pela en1.patia e por aquilo que eu via em seu corpo, em seus
n1úsculo s, en1 sua expressão facial. O experimento constituía;se
en1 trabalhar a partir do que via, tentando alimentá;lo com
eq uivalentes verbais daquilo que ele estava mostrando, sempre
redindo o seu feedback. Ele se sentia realmente percebido e
considerado quando eu fazia isso.
E começou a demonstrar alguma confiança em mim e no
p rocesso de terapia. Agora conseguia alinhavar pedaços de his;
tória, que aos poucos iam apresentando um sentido maior em
sua vida ...

35

Você também pode gostar