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,

TEORIA DA PRÁTICA PSICANA LÍTICA 1


COORDE NADA POR JOEL BIRMAN
E CARLOS AUGUSTO NICÉAS

TRANSFERÊNCIA
E INTERPRETAÇÃO
JOEL BIRMAN • CARLOS AUGUSTO NICÉAS • CÉLIO
GARCIA• CLARA HELENA PORTELLA NUNES•
FÁBIO PEN NA LACOMBE • HORUS VITAL BRAZI L •
FRANÇOIS GANTHERE T

,/

EDITORA CAMPUS
SUM ÃR IO

APRE SENT AÇÃO , 9

CON STIT UIÇÃ O DO CAMP O TRAN SFER ENC IAL E O


LUGA R DA INTE RPRE TAÇÃ O PSIC ANAL fTICA -
Um Estudo sobre o Pensamento de Freud , 11
Joel Birma n
Carlos Augu sto Nicéa s

UM AMO R CHAM ADO PLAT ÔNIC O . . . , 61


Célia Garci a

TRAN SFER ÊNCI A E INTE RPRE TAÇÃ O, 77


Clara Helen a Porte l/a Nune s

O DRAM A DA TRAN SFER ÊNCI A, 91


Fábio Penna Lacom be

MOL DUR A, INTE RPRE TAÇÃ O E TRAN SFER ÊNCI A, 105


Horus Vital Brazi l

TRÊS MEM ÓRIA S 117 I

Franç ois Ganth eret


ER EN CIA L E O
CO NS TIT UIÇ ÃO DO CA MP O TR AN SF
NA LiT ICA
LU GA R DA INT ER PR ET AÇ ÃO PS ICA
Um Estudo sob re o Pen sam ent o de Freu~
J oe l Birman
CJ rlo s Au9us10 Nicéas
nrne , le cond a-
" L 'oe il en trop , c'es t ce q u i, en l'hor
t i on n 'cs t pas
mne à l 'i nt erpr é tat ion . . . L ' in t erpr éliJ
néccssité,
seule me nt cham p du µossibl e, mai s a uss1
o b liga t i on . .. La rela tion du suje t
à so n gc n i teur
1
rprét ative."
fond e le cham p de la co ntra inte inte

INT RO DU ÇÃ O
, no corp o dest e trab a-
In terp re taçã o e tr ansfe rênc ia con stitu iram
leitura dos text os freudianos,
lho, um pon to de apo io, a part ir de nossa
os elem ento s que nos pare -
q ue nos orie nto u nesta tentativa de dest acar
teor ia da prát ica psic ana lític a .
ct>ram fun d ame nta is à elab oraç ão de uma
in ho perc orri do por Fre ud
Art icula ndo os mom ent os fecundos do cam
a , buscamos ressaltar o perfil
na recons tru ção µcr mJn e nte de sua dou trin
com o ele foi se con figu rand o,
de um exe rc íc io cl ,·ni co da psicanálise, tal
reno vaçã o, os que stio nam en-
tend o sem pr e como su po rte de refl exã o e
ia form ula r, qua ndo em con -
tos que a prát ica tera pêu tica lhe perm it
do de suas curas . Ent re esses
fro nto com os obs tácu los vários eme rgin
ial foi aquela q ue perm itiu a
obst ácul os , a realidade do fato tran sfer enc
fo rma de prop osiç ões defini -
Freu d form ular , não pro pria men te sob a
ção das vicissitudes da tran sfe-
tivas, mas com o indicações valiosas , a rela
a atit ude do analista inte rpre -
rência e a incidência de seus efeitos sobre
cep ção espe cifi cam ente psi-
tant e, efei tos mut ativos tam bém sobre a con
cia do ato de psicanalisar: a
canal itica desse inst rum ento por excelên
inte rpre taçã o.
da tran sfer ênc ia e da teo-
Histor icam ente , no que con cern e ao tem a
freu dian o perc orre um longo
ria da prát ica psic ana lític a, o pen sam ento
até os trab alho s elab orad os
traj eto , desd e os Estudos sobre a histeria
ar, enc ontr amo s alguns bali -
por volta de 19 15. Neste perc urso não -line
pon tos de rup tura com o ante -
za men tos essenciais que assinalam vários
s refo rmu laçõ es con ceit uais
rio rme nte form ulad o e suas corr esp ond ente
ia psic ana lític a.
que vão se arti cula r com a tota l idade da teor

e d 'Oed ipe dar.s la tragédie. Paris,


GRE EN, A . Un oeil en trop . Le com p/ex
Min uit, 196 9.

11

w , .li.
Podemos consi derar os anos 1912d.-19 15d como os momentos rna,s.
. f
da elabo racão da teo ria reu 1ana a cura analítica · A Partir
fecun d o S · _ .
- 0 , a obra de Freud, tao meti cu losa em tantos o ut ros aspectos
d e en ta . .
ap resentar relativa ment e s1len c1osa sobre este tópico · A qu estao ~'
va .I se xto
da trans ferênci a vai ser trata da como um tema secun dário , no conte
cura
de outro s prob lemas. Da mesma form a, no que se refer e à teoria da
(que
e da transferência, a ques tão centr al da comp ulsão d e repetição
ada,
como sabem os, intro duz uma nova teoria pulsi2onal) já estava coloc
prin:
com toda a sua pert inência, no texto de 1914. Em Mais além do
que a
cipio do prazer, Freu d va i teorizar sobre o alcan ce e as muda~ças
descoberta vai prod uzir na estru tura da teori a, mas não altera o quadro
3
s
da for mulação anter iormente estab elecida. Em 1923 , em Observaçõe
rela-
sobre a teoria e a prática da in terpre tação on irica, Freu d retorna as
mu-
ções entre a t ransf erência e a com pulsão de ~epeti ção, sem qualquer
estru-
dança relevante. Da mesma fo rma, os efeit os d? nova concepção
4

ão
tural sobre a teoria da transferência não vão apare cer na sistematizaç
e do
de 1923 ,5 mas an tecipadame nte, em Psicologia das massas e a anális
cias
ego , e aqui a transferência relacionada com o supe rego e as instân
pai-
ideais não é tematizada no conte xto da cura psica nalít ica, mas na
6
xão amorosa , na hipnose e na vida socia l.
Assim , apesa r de Freu d ter prop osto, em 1922, para a comu nidade
práti-
ana lítica, como tema de elaboração, as relações entre a teoria e a
da
ca psicanalíticas, ele próprio não mais trato u diret amen te da teoria
inter-
cura . Da mesm a fo rma, pode mos consi derar Anál ise term ináve l e
7

o
minável, além de um últim o teste munh o sobre a t ragicidade do objet

2
). l n : La techni-
FREU D, S. Remé morat ion , répeti t ion et elabo rat ion (1914
~ue psych analy tique . 4 ed. Paris, PUF, 1972, p . 104- 115.
. .
FRE U D S. Beyon d th e P1easur e princi
' pie (1920 ) ln : The stand ard edition
of complete psych ologic a/ works of s·
.
v. XV 111, cap . i i :, 1978 _ igmun d Freud . Lond res, Hogar th Press,
4
F REUD , S. Rema r ks on the h
(1923 ). lb id., v. X I X , p . 118 t eory a n d pract ice o f d ream- interp retati on
s .
FREU D S T he e go ar:idth e id (192 3 ) lb ºd
, .
6
F REUD s G · 1 · , v. XIX .
7 ' . roup psych ology a n d th e .
Intern aciona l . · a na lys,s of t h e ego. fbid ., v. X VIII.
LAGACH Journ a/ of Psych oana/ ·
nos 1-2 P E~ D. le problé me du t r f ys,s, 1922. v. Ili, p. 52 1. C itado por
ans .
ert . ln . Revue F rança ,se I
. , a ri s v
' ·
XV
I. 1~ pa rte, 19 52 _ · de Psychana yse,
da psicanálise, uma confirmação da interpretação que estamos emp reen -
dendo. Com efeito, no contexto de plena euforia d9 Congresso de
Marienbad, real izado em 1936, que tratava especifi cam ente dos resulta-
dos terapêuticos da análise, e no qual os relatores discutiam precisamen -
8
te os mecanismos da cura, Freud formula, pouco depois, qu e não cabia
mais a preocupação com a teoria da cura, já que esta se encontrava
realizada e solucionada, mas sim discutir os fatores que se opõem à cura
psicanalítica, isto é, os seus obstáculos:

" . . , Em lugar de inqtJirir como se produz a cura pela análise (uma matéria
que, penso eu, já foi suficienteme nte elucidada), dever-se-ia colocar a questão
9
de quais são os obstáculos que se opõem ao caminho desta cura."

Impossível não interpretar esta passagem e mesmo a totalidade da


obra como uma resposta ao simpósio sobre a cura e, mais do que isso,
sobre os novos caminhos que já começavam a ser trilhados pela psicaná-
lise. De qualquer forma, para Freud, a teoria da cura já se encontrava elu-
cidada, cabendo pesquisar o que se conJrapõe à sua realização . Enfim, to-
da a reformulação que se inicia nos anos vinte, com um novo dualismo
pulsional que engloba o primeiro em seu interior, atesta a tragicidade do
pensament o freudiano quanto à inevitabilidade do conflito psíquico e
quanto às dificuldades de remodelar o funcionamento do aparelho men-
tal. Se isto não significa, absolutamente, um atestado de fracasso de
quarenta anos de prática psicanalítica, corresponde certamente a um
testemunho critico quanto às ingenuidades, quanto à fácil extensão do
campo da análise e, sobretudo, quanto aos limites impostos à prática
psicana Iítica.
Contudo, o desenvolvimento da teoria da transferência e seu acaba-
mento por volta dos anos 1914-15 põem um ponto final na teoria freudia-
na da cura analítica. As aporias, os limites e o momento de sua chegada
a esta elaboração são significativos no percurso freudiano, de onde se

8
GLOVER, E .; FENICHEL, O.; STRACHEY , J .; BERGIER, E.; NUMBERG,
M. ; 81 BRING, E. Symposium on the theory of the therapeutic results of Psycho-
analysis . ln : lnternationa l journal of Psychoanalysis, n~s 2-3, v. XVII 1, p. 125-
189.
9
FREUD, S. Analys is terminable and interminable (1937). ln : The standard
edition of the complete psychologica l works of Sigmund Freud. Op. cit., v. XXI li,
p , 221 .

13
- - •> • - ..;;:- ~ i
....... \p, • .,_

~~~ :::,.; --

abrem as formu laco . ~es da segunda tópic a e os te xtos marcados pelo co n-


ceíto de pulsão de mo rte.
Por out ro lado , co mpleme ntando este aspecto sobre o espaço trági-
co e dramáti co no qual se desdobra a reflexão freudiana, devemos subli- tran ~
nhar a grande un iformidade de todo o pensamento_ de Freud ,. desde com
0 ceis
final do século XI X, que se tece em torn o da questao do que se opõe à
forr
anál ise. t uma obra sob re a resistência, sobre os obstáculos à revelação
pos·
da verdade. Com efeito, é surpreen dente como a questão da resistência
fro 1
ocupa um luga r essencial em seu pensam ento, desde os Estudos sobre
bili
a histeria, em que a Psicoterapia da histeria é a primeira sistematização 1i 111
da teoria da prática analítica. 10 Nesta pu blicação, são notáveis as for- est
mas variadas pelas quais Freud assinala as fo rças que se opõem ao traba- de
lho da cura, assim como a diversidade dos procedi mentos para superá- se,
las. Em Análise terminá vel e in terminável, é ainda com o que resiste, ve
com o que se opõe à mudança (ve r a imagem da rocha associada à
angústia de castração-limite infraqueável do trabalho analítico, 11 que
se preocupa Freud, se bem que os termos em qu e agora conside ra are-
sistência, isto é , os problemas colocad os para o an ali sta , sejam de natu-
reza diversa daqueles que eram postos em 1895.
Em Novas conferências sobre psicanálise, de 1933, Freud reconhe -
r
ce exatame nte isto:
f
" .. . Toda a teoria psi canalítica , vocês sabem, está const ruida sobre a percep-
ção da resistênci a que nos opõe o paciente , quando nós ten t amos tornar
conscient e o seu inco nsciente. " 12

Ora, essa identidade de problem ática , mudado s os termos da ques-


tão nas várias conjunt uras teóricas do seu pensam ento, revela o nde a
reflex~~ de Freud lan çava o seu agu ilhão. o que se opõe ao trabalho
da a~alise, à em~rgência da simboli zação, constitu i a grande fonte de
desafio
. para o psicanalista onde ele va·1 desdob · · ·d ad e t eo-
'
' rar a sua cnat1v1
nca e a sua intuição clín ica.

10
FREUD, S.; BREUER J ~t d ,
11 '· u essur/h ysté rie,3ed .P aris,PUF ,1911 .
FREUD, S. Analysis terminabl . .
edition of the complete ps chol . e ªnd mterm_mable (1937). ln: The Standard
cap . VIII. y og,cal works of Stgmund Freud. Op . ci t., v. X XIII ,
12
FREUD S N ·
X , . ew tntroduc tory lectures
XII, con fer ência XXXI, P- _ on Psych o-Analy sis (1 933). lbid., v.
68

14
n.
~ nestes te rmos qu e gostar íamos de esboçar uma di scuss
ão sobre a
1- • · e a interpret acão co nside rando essa tragicidade
transf erenc1a . ,
como um inst rumento crític o contra a ingenuidade te rapeu • . freud ia na ,
t1ca e as fa -
ceis ilusões teór icas . É neste espaço dramático, qu e visa a desnu
da r as
forca s em confl ito e reduzi -las à sua exp ressão mais pri má
ri a, com as
pos~ib il idades e limites à mudança qu e elas col oca m, qu e
se ~eve d~-
front ar O psica nalista, em sua prática clínica. É diante de su
a 1mpo ss1 -
bi lidad e relativa que se deve colocar o analista, inte rroga ndo
semp re os
limite s da psi canálise e, sobre tudo, da sua própri a anális e, co
nt inuan do
esta com cada novo anal isand o, condição ún ica de per mane
nt emen te
descobri r e reen contr ar o seu verdadeiro poder, que não
é um pode r
sem limites , dista nte da imagem de um analista todo -pode roso
que, na
verda de, é um ingênuo.

A TRA NSFE RÊN CIA COM O CON CEIT O PER IFÉR ICO
E
COM O INTE RFER ÊNC IA NA CUR A PSICANA LÍTI
CA - A
I NTER PRE TAÇ ÃO COM O MÉT ODO RAC I ONA L

Se a origi nalidade do pensa ment o freudiano está prese nte


em vá-
rias d imens õ es de sua obra, pode mos destacar que um dos seus
aspec tos
foi formul ar que o ma l-esta r psíquico apresentava uma lógic
a inter na,
que não se reduz ia a qua lquer pensa ment o causal, seja este
de orde m
biológica, seja de ordem soci al. Freud foi o prim eiro neuro logis
ta a con-
siderar seria ment e e a acred ita r nos sofrim entos comu nicad
os por seus
pacientes neuró ticos, nos term os por estes coloc ados, e a
postu lar que
os seus sinto mas não se cons titue m por acaso, mas são os
prod utos fi -
nais de um processo simból ico q ue cabe desvelar, para serem
apree ndi-
dos como objet o de uma inter preta ção. Neste aspec to, era
abso luta a
diferença entre ele e seus conte mpor âneo s, pois tanto os
adep tos da
terap êut ica mora l, quan to os da sugestão não dava m ao sinto
ma neur ó-
tico grand e impo rtânc ia, cons idera ndo -o como algo secun
dário , uma
prod ução paras ita desti tuída de qualq uer significação, que
cabia elimi -
nar pura e simp lesm ente . 13
Conf erir impo rtânc ia aos sinto mas implica em cons iderá
-los como
uma artic ulaçã o dota da de sentido., deve ndo sua arqu itetu
ra comp lexa
ser desve lada através de um minu cioso traba lho inter preta
tivo. Nesse

13 W
IOLO CHER , D . Freud er /e probl eme du chang emen
t. Pari s, PUF, 1970,
p _ 2 1-23.

15
F .

desvendame nto desco bre -se onde os sintomas estão ancor ados em
e I
que I

quad ro mental eles se insere m e o que revelam em sua sig nifi cação . Corn
este procedi mento , as dificuldades mentai s foram postuladas em termos
de represen tação p s/quica, situa ndo -se no interior de um aparelho psí-
quico, que funcio naria segundo certos princípios. ~eduzi r a quase infi-
nitude sintomática das psico neu roses, e mesmo das psicoses, às leis uni-
versais de um mesmo aparelho mental, considerando inicialmente esta
lógica do sintoma, implica, portanto, em postular que a enferm idade
psíquica apresenta uma _significação . Com isto, ele também ultrap assou
a rígida dicotomia normal/patológico , então do minante na tradicão
psiquiátrica do século XIX, ao formul ar que a loucura não é uma anti-
natureza ou uma monstruosidade humana, mas que se rege também
por princípios análogos aos do pensamento dito normal. Enfim, se a
neurose tem um sentido, este é detect ável e interpretável segundo os
mesmos pressupostos que regem qualquer funcio namento mental.
Em 1893, esta articulação dos sintomas no plano da representação
já se encontra formulada, assim como suas relacões de fundamen to com
o método catártico:
"Para ·nossa grande surpresa, descob rimos, com efeit o, q ue cada um dos
sin-
tomas histéricos desaparece imedia tamente e sem retorno , q uando se conse-
gue colocar em plena luz a lembrança do inciden te desencadeante, despertar
o afeto ligado a este último e quando, em seguida, o enferm o descre via o que
lhe tinha acontecido de forma muito detalhada e dando à sua em oção uma
expressão verbal. Uma lembrança destitu ída de carga afetiva é, quase se mpre,
totalme nte ineficaz. t necessário que o process o psíquic o o rigi nal se repita
com tanta intens idade quanto poss(vel, qu e seja recolocado in statum nascen
-
di, depois verbal mente traduzi do .. ." 14

Uma primeira observação:" ... colocar em plena lu z a lembr anca do


incidente desencadeante ... " é o que será objeto da interp retaçã o . ~ ne-
cessário reproduzi-la, inteira, no tratam ento, para isso o analista deve-
rá, apenas, dispensar seus esforços e usar de seus recu rsos técnicos, a
fim de remover e desfazer os bloqueios que soterram, à imagem de ca-
madas , a revelação do que está esquecido.
Uma segunda observação: " .. . dando à sua emoção uma expres são
verbal. .. " introduz, desde já, toda a questão sobre a eficácia interp reta -
tiva . Do lado do analista, também será através de um processo verba l __

14
BREU E R, J .; F REUO, S. Les mécanismes psychiq ues des h · , h
. . . •
nques. Commu n 1cat1on préliminaire. ln : BREUE R J . F R p eno menes yste-
l'hystérie. Op. cit. , cap. 1, o. 4. ' ·, EU D, S . Études sur

16
l
1
1
a interpretação - que ele tentará operar, no sentido de produzir trans· 1
1
formações mutativas na economia libidinal do paciente. Nos primórd ios
da atividade de Freud como psicanalista, são, portanto, as relações entre
a linguagem e o "vivenciado " que se anunciam e que a realidade transfe-
rencia l tornará, posteriorme nte, mais complexa, na medida em que 0
que será "vivenciado " no seio da relação analítica o será em relação a
um outro - o analista - que, por sua vez, deverá encontrar uma formu-
lação verbal para esse "vivenciado " do p?ciente a partir do seu próprio
"vi venci ado" contratransf erencial.
Voltemos à representaç ão. A constituição desta lógica da represen -
tação realiza-se pela opósição e crítica ao pensamento causal, e neste
contexto torna-se possível formular que o histérico sofre, sobretudo,
de reminiscências:

"Contrariame nte ao que diz o axioma : cessante causa, cessat effectus, nós
podemos, sem dúvida, deduzir destas observações que o incidente determi -
nante continua , durante anos, a agir , e isto não indiretamente , com a ajuda
de elos intermediário s, mas diretamente , enquanto causa desencadeant e,
como um sofrimento moral que rememorado , pode, ainda tardiamente , no
1
estado de consciência clara, provocar uma secreção de lágrimas : é de reminis-
cências, sobretudo, que sofre o histérico ." 15

Formular que a enfermidade neurótica se situa no plano do sentido


equivale também a postular, imp licitamente, que o aparelho psíquico,
para se tornar autônomo em relação ao funcionamento orgânico, é pen-
sado em termos de linguagem, segundo a funcionalidade da fala, como
um apa relho de Iinguagem . Este a priori do pensamento de Freud ape-
nas pau latinamente va i se revelar em todo o seu alcance, quando uma
série de outros fenômenos mentais, até então pouco considerados e al-
guns deles mesmo desprezados como objetos para o saber teórico, fo-
ram também articulados no mesmo campo da representação psíquica e
reveladores do mesmo dinamismo do inconsciente: sonhos, lapsos, atos-
falhos etc. Entretanto , Freud-neurologista, anterio rmente, já rea lizara
uma cr(tica contunden te à concepção localizacionista das perturbações
neurológicas, fundada em bases mecanicistas no método anátomo-c_li'_ni-
co. Com efeito, em Sobre a afasia, trabalho elaborado em 1891, critica
o fundament o localizacionista cerebral da teoria de Wern ic ke sobre as
.
afasias, que era então academica mente d om1na
· nte e aproxima-se de uma

-IS
1bid., cap. 1, p. 5.

17
concep ção funcion al das mesmas, e cunhan do até conceit o de apare-
O

16 17
lho de linguagem. •
As implica ções present es na idéia de que as psicone uroses têm um
sentido são enorme s e diversificadas, e vão mesmo levar ao rompim ento
com o método catártic o . Em virtude mesmo da radical ização do postu-
lado da represe ntacão como base da estrutur a neuróti ca, que permiti rá
cada vez mais privilegiar O conceit o de defesa como seu contr-aponto
necessário, a ruptura com Breuer vai se consoli dar . Assim, além da ques-
tão da sexualid ade , a extensã o do conceit o de defesa como sempre pre-
sente na gênese e na manute nção dos process os psicone urótico s estará
na base da divergência entre ambos. Se em Psicone uroses de defesa
Freud ainda considerava que a histeria de defesa era apenas uma dentre
as várias formas de histeria - hipnóid e e de retençã o - compon do com
18
t oda uma concepç ão catártic a da cura, logo em seguida, em Psicotera -
pia da histeria , ele coloca em questão a existên cia destas outras19formas ,
passando a considerá-las como redutíve is à histeria de defesa. Desta
maneira, Freud toma duas direções comple mentare s, que rompem com
esse modelo inicial e que conduze m a uma concep ção propria mente
psi cana[ i'tica :
1. Homogeneização do campo das histeria s sob a dominâ ncia da
idéia de defesa . t a defesa psíquica erigida como um meio de evitar o
sofrime nto menta l, o desprazer, que vai ser colocad a como a respon -
sável pela criação dos "grupos psíquicos separad os", e não O acontec i -
mento que se tornou traumát ico porque ocorreu num estado especial
da consciência, como formulava Breuer : 0 estado hipnóid e .20 A parti r
de Estudos sobre a histeria , Freud não fala ra' mais · d e d ef esa,
· em hº1ster1a
.
mas, simplesmente , em histeria. 21

16
BINSWA NGER", L. Discours pa
189-190. ' rcours et Freud. Par is, Gall imard , 19 70 , p.
17
NASSI F, J . Freud. L 'inconsci .
18 F R EUD S ent. Pari s, G alilée ,. 19 7 7, pa rte Ili , p. 261-4 53.
, . The neuro -psychoses o f def
of the comple te psychologic I ense ( 1894 ) . 1n : The standard editíon
a works of Si
19 FR EUD S p , gmund Freud. O p . cit., v. Ili , p . 46- 47 .
, . sycho the rap ie d l 'h
Op. cit., p. 231 . e ysté ri e (1 8 9 5 ). l n : ttudes sur J'h ystérie.
20
BR EU E R J C .
2l , . on s1déra ti o ns thé .
' APL A N o ri q ues . lb id
Pa ris ~ U F 197C3H E, J. ; PO N T A LI S J B
' ' , P- 18 1 ' · · Vocab ulaire de la P~ychan alyse . 4 ed.,

18
'> Ext ensa- o do conceit o de me ca ni sm o ps íq ui co , fo rm ul
. - ·h. ado a par-
tir da 1st eri·a, para as ou tras psicone uroses , co m o a
ne urose obse ssi va ,
e mesmo pa ra O C ampo da psi cose Ev id en te m e nt e , .
tacado nestas últimas se rá · o ti po de de fesa des-
dif eren te do assi na lado . .
pa ra a h1 ste r_
1a'. ma ~ o
pnnc 1p10 orde nador qu e res tit u i um signific ad
· · ·
o pa ra o pa t olog1 co e o
mesmo .21 ,23
En fim, a conceitua ção da
s psico ne uros es co m o
sofrime nto mental vai se d efe sa co nt ra um
r o po nt o de pa rt ida qu
mente, à ru pt ura co m o e co nd u zirá , inevi t av el-
m ét od o ca tár tic o, in ici alm
dono dos proc.e di me nt os en te at rav és do ab an-
hi pn ót icos realizados no
Uma das genialidades de tra ta me nt o ca tá rti co .
Freu d é te r tid o a corage
formar os obstáculos qu m e o m ér ito de t rans-
e en co nt ra va em sua pr
rem resolv idas . Assim, na áti ca em qu es tõ es a se -
m ed id a em qu e gr an de
não era hipnotizável e m nú m er o de pa cie ntes
es m o se op un ha à hi pn
considerado co mo um sin os e, ao invés disso ser
al de im po tê nc ia e de fra
do de investigação, trans casso para seu m éto -
formava-se nu m pr ob le
por que tais pacientes nã m a a ser so lu ci on ad o:
o são hi pn ot izá ve is, o qu
bil ita a hipnose? A sua e é qu e neles impossi-
validade é qu es tio na da
deste pr oc ed im en to té cn até o limite da ut ili za çã
ic o, o qu e o levou à de o
colocada a partir de en tã sc ob er ta da resistência,
o co m o o gr an de ob stá
psicoterapia da histeria. 24 cu lo a ser su pe ra do na
Po ste rio rm en te , en co nt
rência desta de sc ob er ta , ra re m os , co m o de co r-
o fa to de co ns id er ar qu
lizava de forma simples e a rem em or aç ão se rea
nos pa cie nt es hi pn ot izá -
a resistência não era qu es ve is, ex at am en te po rq ue
tio na da :
" ... A ma ne ira ide al pe
la qu al as lem bra nç as
de vid a ao fat o de qu e su rge m po r me io da hip
a res ist ên cia es tá aí tot no se é
alm en te su pri mi da .. . " 25
Ex ata m en te ne ste co nt ex
to , em qu e se de sta ca
cia na cura, emerge a pr o papel da resistên-
ob le m át ic a da tra ns fe rê
nc ia . Esta já se en co nt ra
22
FR EU D, S . Th e ne uro
-ps yc ho ses of de fen ce
of the co mp let e ps yc ho (1894) . ln : The sta nd ard
logica l wo rks of Si gm ed itio n
e 111. un d Fr eu d. Op . cit ., v. Ili ,
tóp ico s li
23
l=R EU D, S. Fu rth er
rem ark s on th e ne ur
lbi d ., v. Il i, tóp ico s 11 o-p sy ch os es of de fen
e Ili . ce (18 96 ).
24
r:R EU D, S . Ps yc ho thé
rap ie de l'h ys tér ie . ln
p , 206, 215-218 . : Ét ud es su r /'h ys tér ie
. Op . cit .,
25
· FR EU D, S. Re mé mo
rat ion , rép éti tio n et
ch an ali tiq ue . Op . cit ., ela bo rat ion . l n: La tec
p. 10 9. hn iqu e ps y-

19
- .. ~~ . ~ _: .~.: - .: ; :'-.. H~: ::,,., _""'
....~~;- - . ~ ~ - ~ ...... . .' -

explic itam e nte fo rmu lada em Psico terapia da histeria , se bem que de
forma periférica, e mu itas d as consid eraçõ es de Freud ao lo ngo deste fica af irmar
texto são possíve is de sere m int erpretadas como elementos básicos de tências para 1
uma teori a d a tra nsfe rência e d a contra transfe rên cia , quando art icu ladas Desta m
aos conceit os formu lados poste rio rmente . Assim , para a real ização riorrne nte iri
do tratamento , se exige m a is d o m édico d o q ue se ex igiria deste para que ainda n
efetivar qu alque r cura na m edi cina somáti ca, sobretu do em termos q ue já naq u1
afetivos, pressupondo uma em patia básica em re lação ao paciente como gia do t rata r
condição fundamental. 26 Também para o pac iente certas co nd ições são no início, a
fazia, t inha
exigidas, int electuais e afetivas, sobretudo uma confiança básica na
27 con dição pe
figura do méd ico e no t ipo de traba lho a q ue se rá su b metido, po is a
d o t e xto, e r
resistência que sempre se coloca pode se t ornar int ranspo n íve l, levando
e ntre as vári
ao abandono do trat amento, desde q ue o paci e nte perceba para onde o
28 Freud i
trabalh o pretende conduzi -lo . Cont udo, e m rel ação aos pacie nt es que
e m q ue, ap,
permanecem, o médico é por eles colocado t e m po rar iamente nu ma
si lêncio ass,
cond ição ímpar, sendo que a influênci a afeti va qu e este exerce so b re o
Isso p o de e
paciente é uma cond ição básica para a cura, isto é , para a superação da o qua l se ir
resistência que a impossibil ita .29 Entreta nt(), preocu pado em que fosse t e, que ape
atribu ído ao seu próp rio método d e investigação a c riação da res ist ên- c o ntraída <
c ia, como se esta foss e um artefato do mesmo e n ãÓ uma dimensão do do p sicote
seu objeto d e est udos, Freud afasta esta injunção , fo rmulando que a a presenta r :
resistência sempre se colocará , m esmo com o utros métodos, desde q ue
" .. . M
se estabeleça com o paci ente uma re lação q ue pretenda produzir u m a
i gual m ,
°
t ransformação psíq u ica .3 Finalmente, obse rvação n o tável, a insistên cia se proc
repetid a que o méd ico tem que exe rce r sobre o paciente para a conti - então ,
nu idad e do trabalho associat ivo, a cada mome nto em que se interpõe toda a,
um o bstácul o, permite formula r que : a energia psíquica gast a por ele E nt ãc
para se contrapor a este obstácu lo é eq uivale nte à força interna no p~- quer na re
ciente que se opun ha à tomada de consciência da representação pat ogê- do traball
nica , e qu e deve ria estar na gê nese da próp ri a en fermidad e . 31 Isto signi- que pode
mes mo q 1
26
FREUD , S. Psychoth érapie de l'hystérie. ln : Ftudes sur l'hystérie . Op. c it., do núcleo
p . 213 . Em~
27
lbid., p . 213-214 . sentam e
28
l b id ., p . 21 4 .
teoria da
29
l b id ., p . 2 14 , 229 . n LA G
30
lbid ., p . 2 14 . 33
FRE
31
lbid ., p _2 16-217 . p . 244 . (O

20
Je
te fica afi rm ar tam bém que o mé
dic o dev e sup era r as sua s pró p
tên cia s par a pod er con duz ir o pac rias res is-
Je ien te a ult rap ass ar as del e.
:lS De sta ma nei ra , já est ava m ent
ão col oca dos pro ble ma s qu e pos
() rio rm ent e iria m int egr ar um a teo te-
ria ma is am pla da tra nsf erê nci a,
que ain da não tra tad os por Fre se bem
a ud nes te sen tid o . Não res ta dúv
que já naq uel e mo me nto est ava ida de
for mu lad a gra nde par te da me tap
gia do tra tam ent o psi can alí tic o, sic olo -
com o ass ina lou Lag ach e . 32 En tre
no iní cio , a tra nsf erê nci a, seg und tan to,
o a con cei tua ção que Fre ud del
faz ia , tin ha um lug ar lim ita do a ent ão
e per ifé ric o na eco nom ia da cu
con diç ão per ifé ric a com pro va- se ra. A sua
até me sm o por ela ser tra tad a
do tex to, em sua s trê s últ ima s no final
pág ina s, com o o últ im o tóp ico
ent re as várias for ma s de res istê ass ina lad o
nci a.
Fre ud int rod uz a que stã o da tra
nsf erê nci a des tac and o as situ açõ
em que , ape sar da rep eti da ins es
istê nci a do mé dic o par a sup era
silê nci o ass oci ativ o, não se pro r um cer to
duz qua lqu er rem ini scê nci a no
Isso pod e oco rre r, seja por que pac ien te .
não há ma is o que em erg ir do lug
o qua l se ins iste , ou ent ão por ar sob re
que se cho ca com um núc leo tão
te, que ape nas pos ter ior me nte res iste n-
ser á sup era do. A fisi ono mia rel
con tra ída do pac ien te for nec e axa da ou
o sin al dis cri mi nat óri o par a a ori
do psicot era peu ta. Po rém , um ent açã o
a ter cei ra pos sib ilid ade tam bém
apr ese nta r : po de se

" . . . Mas um terc eiro cas o pod


e tam bém se apr ese nta r , um cas
igu alm ent e alg um obs tác ulo , não o rev ela ndo
inte rior , mas, des ta vez , ext erio
se pro duz qua ndo as rela çõe s do r . É o que
enf erm o com seu mé dic o são per
ent ão este últi mo se enc ont ra tur bad as e
dia nte do ma ior dos obs táculos
toda análise imp ort ant e, pode-se, a vencer. Em
ent ret ant o, esperar enc ont rá-l o." 33
En tão , o pro ble ma é int rod uzi
do por via de um a per tur baç ão
qu er na rel açã o do pac ien te com qua l -
o ter ape uta , que leva a um a par
do tra bal ho . E, ma is do qu e ai isa ção
isso , ess e obs tác ulo não ape nas
qu e po de oco rre r, com o tam é o ma ior
bém é enc on tra do em qua lqu
me sm o qu e já se ten ha ati ngi er aná lise ,
do um a gra nde pro fun did ade
do núc leo pat og êni co do pac ien na pes qui sa
te .
Em seg uid a, Fre ud int rod uz
dua s idé ias fun dam ent ais , qu e
sen tam com o du as situ açõ es se apr e-
par adi gm áti cas em qu e se vai
teo ria da téc nic a ana líti ca qu sus te nta r a
e ser á pos ter ior me nte des env olv
ida . Nu m
32
LA GA CH E, D. Le pro blê me du
tran sfe rt. ln : Op . cit. 1~ par te.
33
FR EU D, S. Psy cho thé rap ie de
l'hy stér ie. ln : ftu des sur l'hy ster
P . 244 . (O grif o é nos so .) ír. Op . cit. ,

21
dos pólos , o despr azer cr iado para o pacie nte, em virtu de
d
laçõe s, exige , para a conti nuaç ão do traba lho, uma certa e certas
com reve.
amor osa da parte d o me'd"1co, que viria . . d. Pensac
me ,ante a paciê ncia ben ã
· 0
34 , 1 . b ,
te . No outro po o, 1mpo e-se o o stacu 1o na relaç ão e se anulaevolen
~
~ . . d ·
colab oraça o, ex1gi .
n o -se neces saria toda a
ment e o traba lho sobre O obst,
aculo :
"Nos casos onde as relaçõ es entre médic o e pacien te .venha
m a ser P
das, a docili dade deste últim o cessa e, quand o o prátic o tenta erturba
se inform ar ·
bre a idéia patóg ena que vai surgir , a tomad a de consc iência
. pelo pac· so-
dos agravo s que ele acum ulou contra seu médic o se opõem 1en te
35
a suas revela-
ções . "

Esta dif icu Idade pode ser coloc ada em três situa ções: H)
Em fun -
ção de desco ntent amen to pesso al de qualq uer ordem , ou
quan do O pa-
cient e escut ou coisa s desfa vo ráveis do médi co ou do tipo
de tratam en-
to. É o obstá culo mais simpl es, que se super a por uma expli
cação , ape-
sar da susce ptibil idade espec ial dos pacie ntes. 36 2é!) Em
funçã o do te-
mor do pacie nte de se vincu lar inten same nte ao médi co, perde
ndo a sua
indep endên cia. Situa ção mais grave que a anter ior, na medi
da em que é
"me nos indiv idual ment e cond icion ada". Estam os aqui diant
e de algo
que se deve à estru tura mesm a do tratam ento, de uma resist
ência que
se levan ta semp re , como um bloco , quan do se quer pene
trar mais pro-
f u ndam ente no sujei to . 37 3é!) A mais notáv el, já que é nesta
situaç ão
que o termo trans ferên cia é utiliz ado, refere -se ·ao temo r de
revive r com
o méd ico a repre senta ção que dever ia ser reme mora da :
" Quan do o enferm o teme recolo car sobre a pe~soa do médic
o as repres enta-
ções penos as nascid as do conte údo da an álise . t um fato const
ante de certas
anális es . A transf erênci a ao médic o se rec1li za por uma falsa ligaçã
o . .. " 3 8
Apen as neste caso Freud fala de trans ferên cia , dentr e .os vá
rios obs-
tácul os desta cados que pode m 'surgi r na relaçã o médi co-pa
cient e . A si -
tuaçã o viven ciada com o terap euta subst itui algo que ocorr
e no ca m po
repre senta tivo do pacie nte, perm itindo , assim , o seu camu
fla ment o, a
sua não reme mora ção . Porta nto, os dois termo s são equiv
alent es, mas
n ão idênt icos ; daí a deno m inaçã o de "falsa ligaç ão" . Dian
te da dificu l -
34
lbid ., p . 244 .
35
lb id ., p . 244 ,
36
lbid., p . 244-2 45.
37
lbid., p . 245.
38
lbid ., p . 245.

22
J ade de re memorar a experiê ncia, ela é revivida, repe tida como ação,
na relação terapêut ica :
" .. . As coisas se desenvolv e ram da segu inte ma ne ira : o co nte údo d o desejo ti -
nha surgido no co nscien t e da e nfe r ma , mas se m ser acompan hado da le m -
brança das ci rc u nst â n c ias acessó rias cap;:izes de situ ar est e dese jo no passad o .
o dese jo a t ual se e n co ntra rea tad o , por uma co mp ul são associat iva , à m inha
pessoa , evid e nte mente passada ao primeiro p lano das p re oc upaçõ es da en fer-
ma. Nest a mésallian ce - à qu a l eu d ou o nome de ' fa lsa ligação ' - o afe t o
q u e e ntra e m jogo é id ê nt ico àqu e le qu e t inha o ut rora incit ad o m inh a pacie n-
te a repel ir um dese jo int e rdito . Desde que eu saiba d isso , posso , cada vez
q u e minha pessoa se e n contra assi m imp licada, postular a exis tênc ia d e urna
t ransfe rê ncia e d e u ma fa lsa li gação . Co isa b iza rra, o s enfer mos são sempre
e nga nados e m seme lhante caso. " 39

A "falsa ligação" revela de modo preciso a estrutur a da transferên-


cia-res istência, q·ue será por onde particul armente se desdobrará a teoria
freudiana da transfer ência. Assim, o campo representativo não se desve-
la em todas as suas particulariciades exatame nte pelo sofrim ento mental
que isto acar reta, sendo substitu ída a rememoração pela revivência, uma
cena por um ato, montan do, assim, o paciente a mesma cena fantasmá-
tica, como se ocorresse no presente . t estabelecida então uma equação
simbólic a entre a cena fantasm ática e a cena da relação médico-pacien -
te, estando no desvelam ento da segunda a condição da possibilidade de
explicitar a primeira, que pertence à história do paciente .
Conclusão significativa : para o efeito do trabalho analítico, importa
pouco se a dificuld ade do paciente se apresenta no plano representativo
ou no plano da revivência, 40 isto porque, em termos ,simbólicos, esta-
mos diante de uma equação na qual, pelo segundo termo, atingiremos
inevitavelmente o primeiro . Além disso, no curso de uma análise , estas
situações se repetem com tal freqüên cia, que os pacientes também co-
meçam a se dar conta de uma rememo ração atuada. Entretan to, essa su-
peração tem que ser realizada sobre cada obst áculo transferencial que
se co loca, descobr indo -se a cena fantasm ática que se camufla nesta "fal-
sa ligação", po is, se assim não fosse, haveria a substitu ição do sintoma
origin ário por o utro, tran sfer encial, menos grave, porém, equivalente :
" . . . Os e nfermos , a li é'Js, a pre ndera m p ouco a pouco q ue seme lh a ntes t ransfe-
rê ncias à p essoa do m édico sig nifi cava m uma co m p ul são e u m erro q ue O fi m
da aná li se d iss ipa ri a . T odJvi a, e u p e n so q u e, se t ivesse o m it ido d e lhes fa zer

39
lbid ., p. 24 5-24 6 .
4{)
lbid ., p . 246 .

23
.
nã o su bs tit u1r f cr ên ci a, a
'o bs tá cu lo ', eu nã o te ria fe ito se
tu re za do .
. tro , ma is lev e , e. ci en te . Em
co mp re en d e1 a tena nt an ea m en te ap ar ec id o po r um ou
. h. ' ri co es po µs ic an al r'tic
um sin to ma 1s
41
com su bj et iv os r
ve rd ad e. "
um a ou tr a eq ui va lê nc ia si m bó lic a
fo rm ul a se nt av a ai n
En fim , co m isso se _s várias rela-
rm a a se co ns tr ui r um cí rc ul o na av en tu ra ar
de fo
a eq ua çã o an te rio r, co m pl ex o._C om ef ~1 to , se
a rela-
am en tr e si de m od o N a vl
ções qu e se ar tic ul fantas -
rn ar eq ui va le nt e a ce na
m o m éd ic o po de se to um a in te r
cã o do pa ci en te co ui va le n te ao si nt om a, e ag
o-
po st ul ad a co m o se nd o eq su a ge ni al i
~á tic a, es ta já er a ia l po de pr od uz ir
no vo s si nt om as
re la çã o tra ns fe re nc a de su a r
ra fo rm ~l a- se qu e a re la çõ es .
pr im ei ro , fe ch an do o cí rc ul o de co n- tó ri ca di si
eq ui va le nt es ao
ac ar m os , na Ps ic ot erapia da histeria, um çã o q ue s
st
Assim, ap es ar de de ol vi m en to s fu tu ro
s da te o-
õe s qu e an te ci pa m de se nv D or a. Co r
ju nt o de co ns id er aç -s e ain -
pa rc el a de st as fo rm ul aç õe s en co nt ra m en te pe
ca , um a
ria da té cn ic a an al (ti us se r,
42
nã o te nd o re ce bi do pl
en a
em qu e F
o, co m o di ria A lth
da em es ta do pr át ic di an te da s pr i-
, o qu e sig ni fic a di ze r qu e es ta m os pr oc es so
ai qu e ap en as
el ab or aç ão co nc e itu de te m as e de qu es tõ es da tra ns f•
de st ac am en to
me iras in tu iç õe s, no da te or ia . O
nt ra r o se u lu ga r pr ec is o no ca m po na l íti ca .
en co te rn a de st e
po st er io rm en te vão fe rê nc ia na ec on om ia in
ad o pe la tra ns
lugar periférico oc up O Ll
m en te isso .
te xt o revela pr ec isa , ap es ar de in ev itá ve l no
cu rs o de PSIC
tra ns fe rê nc ia
Mais do qu e isso, a sa lig aç ão ", co m o re si st
ên ci a ao I NTI
, co m o "f al
po rt an te am en -
qu al qu er an ál ise im do s se us in st ru m en to s fu nd
m po r iss o é um Ü Cé
pr oc es so da cu ra , ne rp re ta -
id er ad a o m ot or da cu ra , a in te
o ai nd a co ns s cu ra s em 18 99
tais, e, em nã o se nd od o ca tá rt ic o e da s pr im ei ra
es tá gi o do pe rí se re al iz
çã o, ta m bé m nesse un ic a-
Fr eu d, pe rm an ec e se nd o um a co m
uz id as po r pr o- Fr eu d se
psican ali'ticas co nd e é de sv en da do po r um si m pl es
on al , da qu ilo qu su a lh o asso ,
çã o co ns cien te , ra ci çã o ar qu eo ló gi ca . C om ba se em
o e re co ns tru tr at ad o ,
ce de r de in ve sti ga çã tra du zi da em se us
Es tu do s sob"'e a
pe riê nc ia cl in ic a co m o m
au to -a ná lis e e na ex ic an alisa r ca ra c-
h. . F er ec e um m od el o do of íc io de ps as as so ei
1s~ena, re ud no s of of un -
qu e já se en co nt ra , in ta ct o, na s pr
çã o de al go ~ ic
· a, as si· m ln di
t~ riz ad o pe la re ve la ci do " A re pr es en ta ça -0 pa t og en
pa ss ad o "e sq ue · ra o es t
di da de s de um . .


o a um a pu ra "e x P ic aç ao so br e a
~ ,,
pe la in te rp re ta
revelada-, se in te. gr a · dO tu ad a n;
fo rm aç ao do s si nt om as . A te or ia do fu nc io na m e n t ° ,
ap ar el ho m en ta l '
t te or i a d
retacã o dos sonhos , 43 f or ne ce ra a Fr eu d O s up·or e
e 1ab or ad a em lnterp , e pe r(0 d 0 . .. 1
an s -
ab an do r
. ir no ca m in ho de st rn ,c ,a , ap es ar da tr
m aio r pa ra pr os se gu
41 lb .1d ., p. 24 6. 44
FR I
. .
42 ur Marx . 2 ed ·, p ar is, Fr an ço is M as pe ro
19 66 ps yc ha m
AL THUSSER, L . Po , .
. ris PU F C
43 tio n de s rê ve s. Pa 19 76 .
FR EU D, S. L 'tn ter
préta ' , ap . VI I ,

24
ferê ncia, a sua tarefa de reconstituição do passado traumático do pa-
ciente. Em resumo , a interpretação nos primeiros tempos da disciplina
psicanal {t ica é uma arte e não uma produção gerada em termos inte r-
subjetivos no espaço de uma relação . A "partida de xadrez " não se ap re-
sentava ainda, para Freud, como uma imagem adequada à descrição da
aventura analítica.
Na verdade, a transferência surpreende Freud, aparecendo como
uma interferência no processo terapêutico, inte rferência esta da qual
sua genialidade retira a primeira elaboração, mas nem por isso retirando-
ª de sua periferia na economia interna da teoria da cura. E a prova his-
tórica disso nos é justamente fornecida pelo próprio Freud, na elabora-
ção que se viu obrigado a realizar, em virtude do fracasso da análise de
Dora. Com efeito, o abandono que Dora fez da análise se deveu exata-
mente pela não interpretação da resistência de transferência, na medida
em que F_reud não colocava esta como um dos instrumentos centrais do
processo psicanalítico . Apenas a partir deste ponto a análise minuciosa
da transferência-resistência vai ocupar um lugar básico na prática psica-
nal {tica.

O LUGAR ESTRATÉGICO DA TRANSFERÊl'JCIA NA PRÁTICA


PSICANALÍTICA - A TRANSFERÊNCIA COMO OBJET O DE
INTERPRETAÇÃO
'

O caso Dora foi publicado em 1905, mas o tratamento se realizou


em 1899. Nessa época, a técnica analítica já sofrera mudanças, não mais
se real izando como é relatado em Estudos sobre a histeria, em que
Freud sempre partia dos sintomas e empreendia, a partir destes, o traba-
lho associativo. Agora, o paciente escolhia, a cada sessão, o tema a ser
tratado dentre o que mais lhe preocupava, tomando o que lhe aparecia
como mais sens{vel na superHcie do seu inconsciente e realizando então
as associações livres.44
lndepende~te de outros aspectos relevantes que o caso qestaca pa-
ra estudo da histeria, sem dúvida, sua importância histórica está si-
O

tuada na discussão que se realiza sobre a transferêncÍa e o lugar desta na


teoria da técnica psicanalítica. O fracasso relativo da análise, devido ao
aba nd0 no Prematuro da paciente, leva Freud a querer transformar o

44
FREUD S F ,
' · ragment d une analyse d 'hystérie (Dora) (1905) . ln : Cinq
Psychana/ 7
yses . ed ., Par is, PUF , 1975, p . 5 .

25
seu revés num ganho . a construir a teoria do seu erro e com isto remode-
lar o campo da prática anal (tica . Assim, vejamos, primeiro, a constata-
ção do problema :
"É necessário falar da transferência , pois por este fator somente se podem
explicar as particularidades da análise de Do ra . O que constitui sua qual idade
e a torna adequada a uma publicação de introdução à Psicanálise, sua clareza
particular, está em relação íntima com sua grande falha, que foi a causa de
uma interrupção prematura. Eu não fui bem sucedido em me tornar a tempo
mestre da transferência .. . " 45

Decorreram seis anos entre a experiência clínica e sua publicacão


. '
tempo em que Freud elabora a sua falha, aprende com a experiência e
constrói a teoria do seu erro, podendo agora transmiti-lo pedagogica-
mente para os demais analistas. Pois bem, ao invés de poder ser restau-
rada no plano da representação, a pulsão se realiza como um ato na rela-
ção com o analista . Porém, é significativo que Freud tenha assinalado
um pequeno índice do processo transfe rencial , mas, diante do cuidado
com que a paciente oferecia outros materiais, considerou secundária a
premência da análise desta transferência:
" . .. o zelo com o qual Dora colocou à minha disposição uma parte do mate-
rial patógeno me fez esquecer de prestar atenção aos primeiros sinais da
tran sferência que ela preparava por meio de uma outra parte deste mesmo
material, parte que me perman eceu desconhecida . .. " 46

Assim , existiria um tempo, um ritmo próprio, na interpretação des-


ta transferência, que não poderia apenas fluir livremente. Mas, além des-
te tópico, a importância reveladora desta passagem reside em destacar
que Freud foi enganado exatamente pelo peso maior que dava a uma
certa qualidade de materia, a representação verbalizada com uma certa
coerência , e não escutou jevidamente um outro n_ível representativo
mais fragmentário que se !Sboçava nos sonhos de Dora, e que aparecia _
também de forma velada na relação analítica . Aqu i se evidencia o alcan -
ce da ruptura deste momento com a Psicoterapia da histeria, em que
vem ao primeiro plano uma certa sutile za na configuração do represen -
tad o , uma certa economia do mesmo, como reve ladora do funciona-
me nto inconsciente. Será em torno desta representação momentânea,
que emerge e si lencia numa minúscula fração temporal , que aparece co-

45
lbid., p. 88 .
46
lbid.

26
.- r

mo f rag men t o , qu e se vai agora sus ten t ar a esc uta psica nal ític a . Po
. ste-
rio rmen te , O eco des ta rup t ura qu e des tac am os en tre doi.s mo
dua s qualidades de rep res ent açã me nto s e
o vai ser assina lad o po r Fre ud
:
" A evo caçã o de le mb ran ç as
, t a l co mo ela s se pro du zia
dar a imp res são de um a exp eriê m na hip nos e , dev ia
nci a d e lab o rat óri o . . . " 4 7
No pri meiro son ho , Dora indica
va qu e desejava ab an do na r o
me rito, co mo ou tro ra des ejo u tra ta·
ab an do na r a casa de M. K., co
vingan ça. Mas F reu d se dei xo u mo um a
sed u zir pela apr ese nta ção cui dad
material, pad rão de rel ato en tão osa do
privil egi ado , e não pô de ter ace
sentido qu e estava cam ufl ado sso ao
nes ta tra nsf erê nci a. Dessa for ma
sur pre end ido pela tra nsf erê nci a , ele fo i
:
" . . . Ma s eu neg lige nci ei est a
pri m eira a dve rtên cia , eu me
ta nte tem po , já que não se a dis se que teri a bas -
pre sen ta va m out ros sig nos d
e tr a ns fe rê nci a e que
0 ma teri a l de aná lise não esta va ain
da e sgo t ad o . Ass im, fui sur pre
tran sfe rên cia e é por cau sa end ido pel a
des te fa tor des con he c ido pel
d ava M . K . que ela se vin ga o qua l eu lhe rec or -
de mim , com o que ria se vin
don a , com o se acr edi tav a eng ga r d e le ; el a me aba n -
ana da e aba ndo n a da por ele
em ação um a par te im por tan te . Ass im, ela col oco u
de sua s rec ord aç ões e de seu
lug ar de rep rod uzi -l os na cur s fan tas m as , em
a ." 48
No vam ent e aqu i a "fa lsa lig açã
o", a tra nsf erê nci a-r esi stê nci a,
cada , mas ma nti da co mo per ifé des ta·
ric a no qu ad ro teó ric o de 18 95
de agora , a tra nsf erê nci a vai oc . A par tir
up ar um lugar cen tra l na teo ria
ofe rec end o um ou tro cam po rep da cur a,
res en tad o par a a esc uta do ana
se realiza a for mu laç ão pri nceps list a . E
de ste lug ar : o pap el am bíg uo
ferência, já qu e de ma ior ob stá da tra ns-
cu lo à cu ra ana líti ca, pois, sen
se co ntr ap õe à rem em ora ção do o qu e
, po de , co ntu do , se tra nsf orm
aux iliar mais po de ros o, des de ar no seu
qu e po ntu alm en te int erp ret ad a pel o
ana list a .4 9
Assim se tra nsf orm a o cam po
da esc uta do ana list a. Este vai
menos ate nç ão à lim pid ez do dar
dis cur so co ere nte , ao rep res en
tur ado , par a ate nta r não ap en as tad o est ru·
ao não dit o no pla no da fala, qu
ce co mo sil ênc io e vaz io na e apa re·
tra ma d isc u rsiva, mas, sob ret
dit o qu e se sub sti tui po r um a ud o, ao não
açã o qu alq ue r, vis and o o ana list
a e o qu a-

47
FR EU D , S . Ré me mo r a tio n
, rép étit ion e t é lab ora tio n
11 O. (19 14) . ln : Op . cit. , p .
48
FR EU D , S . Fra gm ent d'u ne
ana lys e d ' hys tér ie (Do ra) . ln
49 : Op . cit ., p . 89 .
lbi d ., p . 88 .

27
dro formal da cura. Com isso, o processo analítico torna-se mais lento e
mesmo confuso em alguns momentos, mas certamente melhor assegura-
50
do contra as resistências. Indubitavelmente, essa escuta é mais difícil.
o material que o paciente assim oferece ao analista é absolutamente di-
verso dos demais, pois, se nos outros, ele fornece sempre o texto, com
re lação a este material o analista deve adivinhar, intuir, captá-lo por le-
ves sinais como um pré-texto, e poder transformá-lo pela interpretação
à condição de texto. 51 Enfim, esta transferência não pode ser evitada,
não somente porque é utilizada pelo analisando para a criação de todos
os obstáculos que impedem a emergência do material, como também
porque é por sua análise, por sua interiorização e desligamento dessa
energia da figura do analista, que o paciente adquire a convicção da ve-
racidade das interpretações que recebe, 52 em que estas surgem como re-
velações.
Agora, Freud vai constituir uma outra dimensão desta problemáti-
ca, que vai distanciá-lo ainda mais das suas formulações em Estudos so-
bre a histeria . Assumida a inevitabilidade da transferência, deslocando-a
da perifer ia para o centro da teoria da prática psicanalítica, esta vai se
colocar no centro do ser da enfermidade, na estrutura mesmo das psi-
coneuroses, que produzem a transferência como uma de suas manifes-
~

tações. Nestes termos, o analista deve enfrentá-la como qualquer outra


expressão das psiconeuroses. 53 É, contudo, uma manifestação muito
especial e partícula~, pois, ao invés de ser o produto final de um proces-
so simbólico como os sintomas visíveis, ela indica a própria produtivi-
dade do processo neurótico, o campo dramático e dinâmico onde se ar-
t icula a formação do sintoma:
" .. . Pode-se dizer que, geralmente, a produção de novos sintomas cessa du-
rante a cura psicanalítica. Mas a produtividade da neurose não é de modo al -
gum a pagada; ela se exerce criando estados psíquicos particulares, na maior
parte inco nscientes , aos quais se pode dar o nome de transferências ." 54

Sublinhemos o eno rme espaço percorrido por Freud. De um pro-


cesso captado como uma interferência no trabalho de rememoracão,

:iO
lbid., p . 89.
Sl
'lbid., p, 87.
S2
lbid., p. 87 .
S3
lbid., p_ 87
S4
a
lbid., p, 6 .
\
. . d
fu nc1onJn o co mo um equivalente no aqui e agora da relaç ão anal ític
- ode ser rec ord ad o e ocupél . , . a,
do que nao P nd o um lug ar pe rde nc o na teo -
. ' ,
na da cura , a transferência, agora, ma nte m alguns destes atr ibu .
. tos ,
transcen d en do -os e passando a oc up ar um _lug ar es tra tég ico no qu ad ro
da cura . Ag ora , além de um substi tut o da sim bo liz açã o, co mo
- o qu e se
opoe ao sentido , ela é uma expressão est rut ura l do processo neu , .
enc arado evidentem en te numa . . ~ . rot1co ,
per spectiva dinam1ca. É nesse
precisamente, que Fre ud pôde co nte xto ,
sup era r int eir am en te um a _ap
neurose baseada no registro do ree nsã o _da
s sin tom as, tra ba lho real iza do
mente em Es tudos sobre a his ter parcial -
ia, sup era ção _esta qu e foi
pela formulação metapsicológic possibilitada
a em pre en did a em Interp ret
sonhos, em que foram postulad aç ão do s
as as leis universais qu e regula
cionamento do aparelho psí qu m o fun-
ico , est ab ele cen do de fin itiv am
gistro tópico do inconsciente. 5 en te o re-
s At ing ido este cam po de inv
que se constituiu inicialment isibilidade,
e a pa rti r da significação do
possi'vel ultrapassa r o cam po de sin tom a, é
visibilidade do sin tom a e ating
um novo limiar de esc uta da ir mesmo
est rut ura ne uró tic a. É em fun
mesmo que se justifica teo ric am ção disso
en te a cit ad a mu da nç a na téc nic
tica, em que as associações liv a anal í-
res não se realizam mais a pa rti
ma , mas a partir de qu alq ue r r do sin to-
tem a, na medida em qu e de sta
atinge de maneira mais art icu for ma se
lad a o cam po da invisibilidade
culam e se co nst itu em as rep res on de cir-
en tações . Assim, é possível est
aparente oposição en tre os sin ab ele cer a
tom as da ne urose e a pro du tiv
neurose, para assinalar a sua ide ida de da
nti da de pro fun da , sim bó lic a,
mesmo em qu e é de sta pro du na medida
tiv ida de qu e em erg em os sin
conjunto de ou tra s ma nif est açõ tom as e um
es. Nestes ter mo s, a pro du ção
sintomas pode cessar du ran te de novos
a análise, pois é su bs tit uíd a pel
vidade da neurose, co nd içã o de a pro du ti-
possibilidade do s me sm os e qu
como transferência no ca mp o e emerge
da cu ra .
Se a tra nsf erência sub sti tui os
sin tom as, a qu e ist o se deve?
por que esta pro du tiv ida de da Será
ne uro se, realizando-se agora
no mais fun da me nta l , po de se nu m pla -
ex pre ssa r po r ou tra s vias me no
do qu e os sin tom a,? Ou en tão s grosseiras
, co mo co mp lem en to a est a int
a transferência cura os sin tom err og açã o,
as?
Antes de avançar nestas respo
stas, vamos nos f ixar um po uc
no que seria , nes te mo me nto o mais
, est a t ran sfe rên cia . Ela é có pia
cias e de fantasmas qu e o de de ten dê n -
senvolvime nto da análi se dev
e ria tra zer à
ss
FR EU D, S. L 'interp ré tat ion
des ré ves . Op . cit ., Cap. V li .

'29
mas em raza- 0 deste s fant asm as nao sere . . m reme mor ados
do terap euta passa a subs t 1t u1r uma personagerne
• A •

consc1encia, '
. lizados, a pessoa
sim rea, . . do paciente. Ela é gera lme nte u ma reed .1çao ~
estereo-
do cenarto interno . . 'd
'quicos ante riorm ente cons t1tu I os, pode ndo tarn.
ti ada de esta d os ps 1 ~
P t r com alteracoes no mod e lo ante ri.or da ex pene . A

bém se apresen ª ·. . ~
ncia
• ~ 56 . '
como se f osse Um a edicã . o corrigida e, nao , u, ma r~1m p. ressa o. Enfirn ,
_ ex1s
nao • t e q ualquer inovacão quan to ao que e t ransferi do em relac
· ,
momento anterior . Evid ente men te, as únic as mud ança s dize · ão ao
m respeito
à extensão do processo, à est rut ura neur ót ica e ao seu novo
lugar no
processo terapêutico .
·
Redimensionado o camp o do t raba lho ana lític o, pode r-se-
ia argüi r
. que, com esse alargamento do luga r da tran sferê ncia , esta
seria prejudi-
cial ao paciente, que fica ria assim expo sto a esta expe r iênci
a desagrad á-
vel. A aná lise, cont udo, não impõe nada aos pac iente s, já que
esses enla-
ces t ransferencia is são produzidos pelos anal isan dos e pela
prod ut ivida-
de da neurose, existindo em q ualque r cura que não util ize
a psicanálise.
Aqui se coloca algo de novo na refl exão de Freu d, já que
pass a a inter -
pretar que certas manifestações curativas , certa s Iigaçõ
es intensas
dos pacientes com seus méd icos devem-se exat ame nte
ao fe nôme-
no da transferência. Então, esta se situa ria na base de
certa s curas
que não se explicam, ou se racionali zam , nas quai s a trans
ferê ncia é o
fundamento :
"Se as neuro ses se curam tam bé m nas casas d e sa úde
onde nenh u m mé to do
psica nalíti co é empr egado , se se po de dizer qu e a histe
ria é curad a, não pel o ~
méto do, mas pelo médi co , se u ma espéc ie de depe ndên
cia cega e de ligaçã o
t
perpé tua se mani festa de ordin ário do enfer mo ao méd
ico q ue o libert o u de t
1
seus sinto mas pela suges tão hipnó tica, a expli ca ção cie
nt ífica disso reside nas
transf erênc ias que O pacie nte efetu a regul arme nte so bre
a pesso a d o méd ico.
A cura psica na/( tica não cria a trans fe rên cia ; e la não
faz sen ão desm ascará-la
como os outro s fenôm enos psíqu icos ocul to s." s1

E5t a que stão vai se r levantada inú mera s veze s por Freu d, que
pro-
cura sempre assinalar, como aqui, que a tran sferência não é
da psicanálise mas um artefato
A
· ·
que se origina da estru tura mesm a d a neurose. e:~ u m
,

f~nomeno universal e não um atrib uto criad o no espa ço anal


ítico ; rela-
ciona-se, porta nto, com a estru tura libidinal do suje ito . Por
ele volta a formul " isso mesmo,
· . . ,, ~o
ar que estas parti cula ridad es da trans ferên cia nao sa

FREU D S F ,
' · ragm ent d une analy se d'hys térie (Dor a). ln : Op. cit., 7
57 p. 8 6 · 8 ·
lbid ., p. 87-88 . (O grifo é nosso .)

30
imputáveis à psica nális e, mas à próp ria neur ose " .58
Ou então , no mesmo
tido ele vai afirmar que " é fa lso que a tr ansf erên cia
sen , se ja, num a aná li -
se ma is intensa, mais excessiva , do que fora dela ". 59
Da mesma man ei-
ra,, fo rmul ando o conc eito da trans ferência negat iva, ele vai pode r assi -
na lar a sua extensão extr a-ana lít ica, com o na res ist
ênc ia à cura entr e os
internado s, que é um a man ifestação privilegiada
da transferê ncia eró-
. 60
t,ca .
Assim, nos aprox imamos das inter rogações anteriore
s . Pelo fenô me-
no da t ransferê ncia os sintomas desaparecem , send
o a ligaç ão com o te-
rapeuta o cenário onde se art icul a esta subs titui ção
. Entã o , a t ransf erên -
cia vai ter um efeit o curati vo sobre os sintomas ,
na medid a em que os
substitui , mas, par.adoxa lmente , ela condensa o
esse ncial do processo
neu rót ico , pois impe de a rem emoração, e é pa ra ond
e se canaliza a pro-
dut ivid ade da neurose .
Porém , se a tra nsferê ncia está na base dos efeitos
curativos das vá-
rias terapias real izad as com ne urót icos e se ocup
a um lugar básico na
teoria da técnica analítica , qual a diferença entr e
a psicanálise para os
demais métodos de trat ame nto? Este enco ntro
de iden tidad es e esta
ma rcação das dife renças vão se torn ar uma preo cupa
ção freq üent e de
Freud , em boa parte de sua obra, parti cula rmen te
nest e perí odo em que
elabora a teoria da t rans fe rência e da cura . Ass im,
se nos demais trata -
mentos os enfermos se curam, isto se deve às t rans
ferê ncias amorosas
que estabelece m com o méd ico e, quan do esta não
se dá, eles abando-
nam o trata men to, t rocando geralmente de méd
ico . Aqui se articula
o efe ito curat ivo da transferência , no plano sinto
máti co, já que, como
vimos, ela cana liza a produtividade da neurose ,
que substitui ass im o
sinto ma. Porém , di-fe renteme nte dos de mais mét odos
, a psicanálise pre-
tend e ir além da tran sferê ncia, qu er ex atamente supe
rá-la, para descobrir
exat ame nte o que se rea liza através dela, já que ela
é tamb ém uma resis -
tência. Med iant e su a análise, os pontos nuc lea res da
estru tura neur ót ica se
abre m para o ana list a e para o anal isando . Por isso
mesm o , a formula -
ção prin ceps sobre o seu lugar amb íguo : a transferên
cia, que é o maio r
obstácul o à psica nál ise , se t ransforma no seu mais
pode roso auxi liar. 6 1
58
FRE UD, S. La dyna miqu e du uans fert ( 1912
) . l n : La techn iq ue p sychanali-
tique . Op. cit ., p. 53.
59
lbid. , p. 53.
(J)
l bi d. , p. 58 .
61
FR EUD , S. Fragrnen t d 'une anJly se d'hys té
rie (D oral. . ln : Op. ci t ., p. 88.

11
ise dos de rna1s.
, se essa discussão ' que visa. a diferenciar a anál ,
Porem, l , num cert o ntvel,- para ma rcar a.
. tos terapêuticos ' é essencia. , .
proce d ,men nível ' ela re-
. . i·dad e do em preendimento ps1c anal 1t1co, em. out ro
origina 1 l seJa , a possível confu.
vela outro t ipo de preocup ação de Fre ud, qua
mo. Em que med ida a
são ent re a psicaná lise e a suge stão e o hipn otis
quais são seus pontos de
psicanálise se ro mpe mesmo com ta is práticas ;
dúv idas mais profundas
contato e de rompimento? Estas parecem ser as
essa d iscussão sobre a
que obsedam Freud. E não há dúv ida de que
ações.
transferê.ncia se encaixa neste espaço de interrog
Senão vejamos. O itinerário freudian o, de Psic
oterapia da histeria
ação se centrava num
até Dora, é significativo. Antes, toda a preocup
a, a cena representada,
método racional, que visava a explorar o t raum
e se ancora ria a base
quase como um procedimento experimental , ond
, i'ndice na relação tera -
da neurose. Existiam resistências a este processo
neurose num momento
pêutica do processo de recalque que prod uziu a
que já é destacada co-
mítico. A transferência é uma dessas resis tências,
Mas, neste mom ento ,
mo algo que substitui o desvelamento do sentido.
urba um processo que
ela é uma interferência, exatam.ente porque pert
rente. Em Dora, Freud
deveria se realizar no plano da representação coe
tro da pro duti vida de
rende-se à transferência, deslocando-a para o cen
que tran sfor ma a es-
neuróti ca, ainda como obstáculo, mas como aquilo
campo psicana lític o '
cuta do anal ista e reconstitui as coordenadas do
. privilegiados . de acesso
que vai, porem, lhe fornecer um dos caminhos
,

de uma teoria sobre a


ao material inconsciente . Contudo, os elementos
uma rigorosa articu-
na\ureza _do tr_abalho interpretativo, ainda que sem
to q ue Fre ud nos dá
laçao, _e_v1denc1am-se, no entanto, a partir do rela .
de Dor62a, assim como ' pouco d epois, . , . feita em
da analise d na anal ise
u
ni0 mem os ratos.
. ~.
A partir do lugar que a transferên c,a pass a enta o a ocu par na cena
ana/ i'tica a noção de d I
, es ocamento dos investim en os 1·b·t
' 1dinais do pa-
ciente já está introdu z,•d a no quadro de co ~
sao da resolução dos
sintomas. Haverá pois , para que a cura se pmpreen
' ~ rocesse, _necessidade de uma
troca de obJ"eto e dom 0 d o d e sat,s .
façao p 1 · • 1
tar que, man tend o aind A • u s1ona . Pod ería mos interpre ·
a a transferenc,a ap enas com o uma resistência a
ser afas tada do cam inh d
às
expressões de s o a cura, Freud resistia, inco nsc ient eme nte,
ua contratransferência.
62
FREUD , S. Remarques sur un cas d é
rats) (190 9l. ln : Cinq s h e n vrose obsessionnelle (L'h omm e au)(
P yc ana/yses . Op. cit., p. 199-261

32

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