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HÁR.

ÕLVO BRUNO

PÉRSIO

Introdução, tradução e notas.

Monografia de Mestrado
em L a t i m a p r e s e n t a d a ao De_
partamento de L e t r a s C l á s -
s i c a s e V e r n á c u l a s da F . F .
L.C.H. da U n i v e r s i d a d e de
São Paulo.

Orientador
Vfio^. Va.. Ax.Ã.ovaZdo Augu&to P<Ltn.nJLA.ni.

19 8 0
HAROLDO BRUNO

PÉRSIO

Introdução, tradução e notas.

M o n o g r a f i a de Mestrado
em L a t i m a p r e s e n t a d a ao De-
partamento de L e t r a s Clássi-
c a s e Vernáculas da F a c u l d a -
de F i l o s o f i a , L e t r a s e Ciên-
c i a s Humanas da U n i v e r s i d a d e
de São P a u l o .

Orientador
P r o f . Dr. A r i o v a l d o Augusto P e t e r l i n i

São Paulo

- 1980 -
AGRADECIMENTOS

Ao PAOf). Vn. Aulovaldo Augus-


to ?zto.fillnl, pzlo zmpznho dlò-
p2.naa.d0 a noò&a ofiX.tntaq.oio z pi-
ta con{jíança e.m no& d2.p0bi.tada;

à Vuo^a. Vfta. Alda Coita, pon


Quían-noí, 06 pKi.mzi.Koi paaoi
no* z&tudoò cie ?Õ&-Gn.adaaq.aoy

Aoi mzui paii z iKma, pulo


inczntivo;

à Rzgina, Jata, Vanizl z Ca-


iu, zipoia z lilkoò, pula zompKz
znião ai noaai conitantzi auizn
alai do Ian.

Mona Gn.ati.dao.
C O N S I D E R A Ç Õ E S

G E R A I S
- 1 -

Nossa M o n o g r a f i a de M e s t r a d o c o n s i s -
te, fundamentalmente, em uma tradução das sátiras de
Pérsio, a q u a l se f a z acompanhar de uma série de n o -
tas que têm a intenção de e s c l a r e c e r d u v i d a s f r e q u e n
temente suscitadas pelo t e x t o .

P r e c e d e ã tradução um e s t u d o preambu
lar que p r e t e n d e o f e r e c e r subsídios ã l e i t u r a das sá
tiras, com a discussão dos d o i s p r o b l e m a s de Pérsio:
a sua o b s c u r i d a d e e o seu v a l o r literário.

D e n t r e os p o e t a s satíricos latinos,
Lucílio, Horácio e J u v e n a l , Pérsio parece t e r sido
r e l e g a d o a uma posição q u e , a c r e d i t a m o s , não deve me
recer ( 0 1 ) . A preocupação em i n v e s t i g a r os m o t i v o s
d e t e r m i n a n t e s do juízo n e g a t i v o g e n e r a l i z a d o a c e r c a
da o b r a de Pérsio e s t i m u l o u - n o s a o p t a r p o r suas sá-
tiras como tema da p r e s e n t e M o n o g r a f i a .

Embora os p r i m e i r o s c o n t a t o s com o
t e x t o de Pérsio d e n u n c i a s s e m já os elementos condiL
c i o n a n t e s da situação de i n f e r i o r i d a d e das sátiras
de Pérsio em relação as de Horácio e J u v e n a l , o manu
s e i o c o n s t a n t e com o t e x t o do p o e t a de V o l t e r r a foi-
n o s , p a u l a t i n a m e n t e , d e s p e r t a n d o a atenção para as
q u a l i d a d e s que a sua própria o b s c u r i d a d e e n c o b r i a .
Esses a s p e c t o s literariamente positivos induziram-
nos a s u g e r i r , com e s t e t r a b a l h o , uma reavaliação da
o b r a de Pérsio no q u a d r o da p o e s i a satírica de Roma.

Consta a p r i m e i r a p a r t e d e s t e traba-
lho de q u a t r o capítulos .

No p r i m e i r o a p r e s e n t a m o s , sucintamen
te, as informações biográficas de Pérsio; justifica-
se a presença desse b r e v e e s t u d o p e l o f a t o de a l g u n s
p a s s o s das sátiras e s t a r e m d i r e t a m e n t e a s s o c i a d o s a
a acontecimentos da sua v i d a .

Apos t r a t a r m o s r a p i d a m e n t e das p r i -
- 2 -

me i r a s o b r a s de Pérsio, da tradição m a n u s c r i t a das sá-


tiras, e após tecermos considerações a c e r c a da i n t e n -
ção de Pérsio ao compor sãtix^as, a p r e s e n t a m o s os a r g u -
mentos de cada uma d e l a s . Se p r e c e d e s s e m a tradução
das r e s p e c t i v a s peças, os a r g u m e n t o s e s t a r i a m , ~pov c e r
to, mais bem c o l o c a d o s ; j u l g a m o s , e n t r e t a n t o , impres-
cindível a disposição, a que p r o c e d e m o s , p e l a n e c e s s i -
dade de f r e q u e n t e s remissões âs sátiras, n o s capítulos
seguintes.

No t e r c e i r o capítulo, procuramos, p r i _
meiramente, d o c u m e n t a r a opinião de historiógrafos da
Literatura L a t i n a , c o m e n t a d o r e s e críticos da o b r a de
Pérsio a c e r c a da o b s c u r i d a d e das sátiras, p a r a apresen
tar ou d i s c u t i r , sem q u e r e r esgotá-los, os p r i n c i p a i s
m o t i v o s da o b s c u r i d a d e .

No u l t i m o capítulo da p r i m e i r a parte,
buscamos t r a z e r ã discussão o p r o b l e m a do v a l o r 1itera
rio de Pérsio, com a apresentação dos a s p e c t o s em q u e ,
c r e m o s , e l e se m a n i f e s t a .

A segunda p a r t e c o n s t a da tradução c o -
mentada das sátiras.

Preocupamo-nos com uma tradução o quan


to possível f i e l ao t e x t o l a t i n o ; p r o p u s e m o - n o s , p o i s ,
uma tradução que b u s c a s s e s e r e x a t a ( 0 2 ) . 0 cuidado
com a exatidão l e v o u - n o s a, s i s t e m a t i c a m e n t e , c o n s e r -
var as mesmas imagens de Pérsio, mesmo quando o o r i g i -
nai pudesse v i r marcado p e l a s u a tão c e n s u r a d a obscuri
dade.

Devido as p e c u l i a r i d a d e s das sátiras,


ãs f r e q u e n t e s alusões a p e s s o a s , f a t o s e hábitos con-
temporâneos a Pérsio, e, p r i n c i p a l m e n t e , dada a o b s c u -
r i d a d e das sátiras, cumpre o b s e r v a r que se t o r n o u difí
cil e s t a b e l e c e r , quanto ãs n o t a s , cx^itérios que d e t e r -
minassem os l i m i t e s do indispensável e do prescindível.
- 3 -

S e r i a desnecessário t e c e r a q u i c o n -
siderações a r e s p e i t o da d i f i c u l d a d e de a c e s s o a u -
ina b i b l i o g r a f i a ao t r a b a l h o que nos p r o p u s e m o s , f a -
to, a l i a s , que e f r e q u e n t e , quando se p r e t e n d e ela-
b o r a r ura t r a b a l h o , mesmo que de r e l a t i v o fôlego na
área de L e t r a s Clássicas.

Nossa d i f i c u l d a d e acentuou-se ainda


mais p o r nossa M o n o g r a f i a t e r como tema a o b r a de
uni p o e t a satírico que não é" tão c e l e b r a d o q u a n t o Ho
rácio ou J u v e n a l . Conseguimos, c o n t u d o , a c e s s o a u -
ma b i b l i o g r a f i a s o b r e Pérsio s u b s t a n c i o s a , a i n d a
que restrita ( 0 3 ) , na B i b l i o t e c a da F a c u l d a d e de Le
t r a s da U S P , na B i b l i o t e c a M u n i c i p a l " M a r i o de An-
d r a d e " , em b i b l i o t e c a s de d i v e r s o s I n s t i t u t o s Parti,
c u l a r e s e j u n t o a amigos, aos q u a i s somos gratos.
- 4 -

NOTAS AS " C O N S I D E R A Ç Õ E S GERAIS"

0 1 - Enquanto E r n e s t o F a r i a {Introdução ã Didática do


Latim. R i o de J a n e i r o , Acadêmica, 19 59.) arrola
2 8 edições c r i t i c a s da o b r a de Horácio, a p r e s e n -
t a apenas 11 edições de Pérsio. Cumpre também no
t a r que não se t e m nenhuma tradução c o m e n t a d a ,
em português, das sátiras de Pérsio, o que não
ocorre com as de Horácio e de J u v e n a l .
Para o juízo n e g a t i v o da o b r a de Pérsio, v e j a m -
s e , p o r e x e m p l o , as a n e d o t a s de São Jerônimo e
S a n t o Ambrósio ( c f . p. 36 d e s t e t r a b a l h o ) e as a
firmações s o b r e a sua o b s c u r i d a d e ( c f . p. 34, no
ta 5) .

02- P r o c u r a m o s , na tradução, b a s e a r - n o s em Cartault


q u a n t o ao c o n c e i t o de exatidão: "A exatidão con_
siste em r e p r o d u z i r tãç f i e l m e n t e quanto possí-
vel em ama língua e s t r a n g e i r a , sem violentá-la,
o torneio do pensamento do autor, o movimento, a
cor do seu e s t i l o , tudo o que c o n s t i t u i o seu ca_
ráter específico e a sua o r i g i n a l i d a d e . " (Perse,
Satires, "Les B e l l e s L e t t r e s " , 1 9 2 9 , p . 7 ) .

0 3- Das s e i s edições das sátiras de Pérsio a que c o n


seguimos a c e s s o , consideramos fundamentais a de
Perreau (Satires. P a r i s , P a n c k o u c k e , 1 8 3 2 ) , de
Ramorino (Le S a t i r e . Torino, Giovanni Chiantore,
1 9 2 0 ) , de C a r t a u l t (Satires. P a r i s , "Les B e l l e s
L e t t r e s " , 1929) e a de Dolç (Sátiras. Barcelona,
C.S.I.C., 1949).
- 5 -

I N T R O D U Ç Ã O
- 6 -

B I O G R A F I A
7

Os r a r o s dados biográficos que se têm


de Pérsio foram, r e g i s t r a d o s p o r Probo ( 0 1 ) , c u j a Vita
Aulis Persi Flacoi ( 0 2 ) a p a r e c e nas edições de Pérsio
de J a h n , C a r t a u . l t , R a m o r i n o , Owen e V i l l e n e u v e ( 0 3 ) .

Aules Persius Flaccus ( 0 4 ) n a s c e u na


c i d a d e e t r u s c a de V o l t e r r a (05), a 4 de dezembro do a-
no 34 da nossa e r a , em uma família de c a v a l e i r o s roma-
nos .

Aos s e i s anos de i d a d e , p e r d e u o p a i ,
Flaccus;embora a Vita s i l e n c i e a r e s p e i t o , Dolç ( 0 6 ) e
Ramorino ( 0 7 ) r e g i s t r a m que Pérsio, n e s s a época, f o i i
n i c i a d o nos e s t u d o s p o r sua mae, F u l u i a S i s e n n i a , e
por uma t i a , "damas de uma sociedade impregnada das ve_
covdações do passado" (08), que l h e deram esmerada edu
cação de caráter estóico.

Sua mãe c a s o u - s e em segundas núpcias


com um c e r t o F u s i u s , também c a v a l e i r o romano, o q u a l
m o r r e u pouco tempo após o c a s a m e n t o . A p o i a n d o - s e em um
escólio a c e r c a do v e r s o 6 da s e x t a sátira ("Se ipsum
Persius significai seoessisse in L i g u r i a e f i n e s prop-
te r Fuluiam Sisenniam matrem suam, quae post mortem
prioris uiri i b i nupta erai."), Dolç a f i r m a que Pérsio
t e v e a o p o r t u n i d a d e de p a s s a r l o n g a s t e m p o r a d a s na c o s
ta da L i g u r i a , graças ao segundo c a s a m e n t o da mãe ( 0 9 ) ;
Pérsio, aliás, d e m o n s t r a t e r a p r e c i a d o s o b r e m a n e i r a as
p r a i a s da L i g a r i a , h a j a v i s t a ã descrição a p a i x o n a d a
; I
que d e l a s f a z em V I , 6-8. \
Pérsio permaneceu em V o l t e r r a , até o a-
no 4 6, quando sua mãe o l e v o u p a r a Roma, onde! p r o s s e -
g u i u os e s t u d o s com o gramático Remmius Palaemon ( 1 0 )
e com o r e t o r V e r g i n i u s F l a u u s ( 1 1 ) ; aos 16 anos de i -
dade conhece Annaeus C o r n u t u s ( 1 2 ) , com quem; I n i c i a v i -
ma amizade que p e r d u r a r i a até a sua m o r t e . El'e é quem
o a p r o f u n d a no e s t u d o do e s t o i c i s m o , moldando; d e f i n i t _ i
vãmente o s e u caráter ( 1 3 ) . Teve também p o r a m i g o s ,
desde a p r i m e i r a adolescência, a C a e s i u s B a s s u s , p o e t a
- 8 -

lírico, a quem Pérsio d e d i c a a s e x t a sátira, e a um c e r


t o C a l p u r n i u s S t a t u r a , a r e s p e i t o de quem não se p o s s u -
em o u t r a s informações; e s t i m o u como p a i a S e r u i i i u s No-
n i a n u s , o r a d o r e h i s t o r i a d o r e l o g i a d o p o r Tácito e Q u i n
t i l i a n o (14).
:>
! or meio de C o r n u t u s c o n h e c e a Annaeus
Lucanus c u j a admiração p e l o s poemas de Pérsio e r a t a n t a
que, ouvindo-os, e x c l a m a v a que a q u e l a era a verdadeira
p o e s i a . Mais t a r d e conhece também a Séneca; a c r e d i t a - s e
que Pérsio não c o n c o r d a s s e com o espírito estóico de Sê
neca, t a l v e z p o r c o n s i d e r i - l o superficial e inautênti-
c o , p o i s , corno se lê na V i t a , "non ut oaperetur e i u s in_
génio" ( 1 5 ) . Por quase dez anos manteve íntimo relacio-
namento de amizade cem P a e t u s T h r a s e a , com quem f a z uma
v i a g e m e de c u j a m u l h e r e r a p a r e n t e .

Segundo o que nos r e l a t a P r o b o , Pérsio


"fv.it morum leniusimorum*** uereoundiae uirginalis, famae
pulchrae, frugi, pudiaus" ( 1 6 ) , o que se d e v e ,
certamente, ac f a t o de v i v e r e t e r moldado o seu cará-
ter i n t e i r a m e n t e c o n f o r m e ã d o u t r i n a do Pórtico.

pérsio m o r r e u a 24 de novembro de 6 2 ,
em uma sua p r o p r i e d a d e na V i a Ápia, a o i t o m i l h a s de Ro
ma, v i t i m a d o p o r um m a l de estômago. C o n t r a r i a n d o o t e s
temunho de P r o b o , Herrmann a f i r m a que Pérsio t e r i a sido
e n v e n e n a d o , sem, c o n t u d o , d o c u m e n t a r a afirmação ( 1 7 ) .

Deixou para a mãe e p a r a a irmã c e r c a


de d o i s milhões de sestêreios e p a r a C o r n u t u s , p o r meio
de o o d i a i l l i escritos a mãe, cem m i l sestércios e t o d a
a sua b i b l i o t e c a ; segundo P r o b o , C o r n u t u s a c e i t o u os l i .
v r o s , mas r e c u s o u o dinheiro (18).
NOTAS AO CAPITULO "BIOGRAFIA"

01- V a l e r i u s Probus, que v i v e u no tempo dos Flá-


v i o s , f o i gramático e c o m e n t a d o r de Terêncio,
Lucrécio, Vergílio e Pérsio.

0 2- Segundo Dolç, opus cit., p. 1 1 , Probo c o s t u -


mava p r e c e d e r as suas recensões e comentários
de um esboço biográfico do a u t o r c u j a o b r a e-
r a p o r e l e e s t u d a d a ; a Vita parece pertencer
ao número desses esboços.

03- Apud Dolç, opus c i t . , p. 1 1 .

04- 0 praenomen Antes, de o r i g e m e t r u s c a , aparece


sob a f o r m a l a t i n i z a d a , Aulus, em Dolç, opus
cit., p. 1 1 .

0 5- Em a l g u n s códices c i s a d o s p o r J a h n , vêem-se
as f o r m a s Volaterris, Volterris ou V u l t e r r i s .
0 códice l a u r e n t i a n o 37 , 20 , t r a z a f o r m a Vul_
t u v v i s , que ê c o n s i d e r a d a p o r R a m o r i n o , opus
cit., p. V I , um s i m p l e s e r r o de e s c r i t a , em
l u g a r de V u l t e r r i s .

06- Opus c i t . , p. 12.

07- Opus c i t . , p. V I . i

08- Dolç, opus c i t . , p. 1 2 . !

09- Opus c i t . , p. 13 .

10- Quintus ou Caius Remmius Palaemon, n a s c i d o em


Vicenza, f i l h o de e s c r a v o , e n s i n o u em Roma
sob Tibério e Cláudio.

1 1 - Verginius Flauus, a u t o r de um t r a t a d o de Reto


rica, f o i d e s t e r r a d o em 65 da n o s s a e r a , j u n -
tamente com o filósofo Musonius Rufus, : devido
á influência que e x e r c i a m s o b r e a j u v e n t u d e .
Cf. Dolç, opus c i t . , p. 1 3 , e Ramorino,, opus
cit., p. V I I .
- 10 -

12- Lucius Annaeus Cornutus, filósofo estóico, nas


e i d o na L e p t i s Magna, chegou a Roma sob Cláu-
d i o , p r o v a v e l m e n t e como e s c r a v o ; manumisso, t o
mou o nome da gens Annaea, F o i a u t o r de várias
o b r a s de f i l o s o f i a , retórica e crítica literá-
ria. Cf. R a m o r i n o , opus c i t . , p. V I I , e Dolç,
opus c i t . , p . 14 .

13- Pérsio d e d i c o u a C o r n u t o um t e s t e m u n h o da mais


p r o f u n d a gratidão em V, 1 9 - 5 1 .

14- Tácito, D i a l . 23; Ann. X I V , 1 9 ; Q u i n t i l i a n o ,


X I , 1 , 109.

15- V i t a , V.

16- V i t a , V I .

17- HERRMANN, L. Nevon et la morte de Perse . Lato-


mus, X X I I 2 36 . N.Y^ - London, J o h n s o n R. C, 196 3.

18- Vita, VII.


- 11 -

O B R A S
- 12 -

O pouco que se sabe a r e s p e i t o da p r o -


dução literária de pérsio f o i - n o s d e i x a d o p o r Valério
P r o b o , no capítulo V I I I das notícias biográficas do po
eta de V o l t e r r a .

R e l a t a - n o s o célebre gramático que P e r


sio "escreveu rara e lentamente" ( 0 1 ) , o que nos permi-
te a n t e v e r que a sua o b r a não será q u a n t i t a t i v a m e n t e
signficativa. De f a t o , segundo P r o b o , Pérsio compôs, a
lern das sátiras, três o b r a s : uma praetexta intitulada
Veseio , um l i v r o de a v e n t u r a s ( 0 2 ) ou de v i a g e n s , ho -
doeporicon ( 0 3 ) , e alguns versos dedicados a Ârria M a i
oi', mulher de C e c i n a Peto ( 0 4 ) e s o g r a de Trãsea Peto
(05).

Outra informação que se t e m a c e r c a das


o b r a s de Pérsio, mais p a r t i c u l a r m e n t e q u a n t o ã praetex
ta que t e r i a c o m p o s t o , é-nos dada p e l o próprio p o e t a ,
na sátira V. A d m i t i n d o conto c e r t o que Pérsio r e p r o d u z a
f i e l m e n t e , nos v e r s o s 5-18, orientações e c o n s e l h o s do
seu m e s t r e e a m i g o , é lícito i n f e r i r não só que e l e ha
via composto ou se d e d i c a v a ã composição de uma tragé-
dia, mas também que C o r n u t o não a p r o v o u a incursão do
seu p u p i l o no t e r r e n o do gênero trágico: t e n d o aludido
ãs tragédias de T i e s t e e P r o c n e , recomenda a Pérsio,
nos v e r s o s 8 e 9, que ". . .mensasque r e l i n q u e Myaenis /
Cum c a p i t e et pedihus".

Lê-se, também, no capítulo V I I I da V i -


ta q u e , após a m o r r e do p o e t a , C o r n u t o a c o n s e l h o u â
sua mãe que destruísse t o d a s as suas o b r a s , ã exceção
das sátiras ( 0 6 ) ; a V i t a , c o n t u d o , não r e g i s t r a os mo-
tivos que t e r i a m l e v a d o o amigo e m e s t r e de Pérsio a
semelhante a t i t u d e . Quanto a i s s o , Ramorino e Dolç a-
v e n t a m a hipótese de que C o r n u t o não as t i v e s s e consi-
derado d i g n a s de publicação ( 0 7 ) . J u l g a n d o inconsisten
te t a l conjectura e procurando i n t e r p r e t a r o capítulo
X da V i t a , o q u a l nos r e f e r e que C o r n u t o substituiu o
v e r s o "Aurículas a s i n i Mida r e x habet" por "Aurículas
a s i n i q u i s non habet?", Herrmann a v e n t u r a - s e ã t e s e de
- 13 -

que as o b r a s de Pérsio f o r a m destruídas "porque pode-


riam parecer s u b v e r s i v a s ã autoridade imperial" (08).

Dada a f a l t a de informações m a i s p r e -
c i s a s a r e s p e i t o das o b r a s de Pérsio que f o r a m destru
i d a s , nada mais se pode a c r e s c e n t a r .

As sátiras

Segundo P r o b o , após t e r l i d o o décimo


livro de Lucílio, Pérsio f o i l e v a d o a, impetuosamente,
escrever saturas ( 0 9 ) , cujo l i v r o deixou inacabado
(10); f o r a m s u p r i m i d o s a l g u n s v e r s o s do f i n a l do livro
p a r a que se t i v e s s e a impressão de o b r a concluída. Cor
n u t o e n t r e g o u , d e p o i s , o m a n u s c r i t o ao amigo do p o e t a ,
C e s i o Basso, que e x i g i a s e r o seu e d i t o r ( 1 1 ) . As satu_
ras foram publicadas provavelmente no ano 63 d.C., a l -
cançando l o g o g r a n d e sucesso ( 1 2 ) .

0 livro das sátiras é contituído p o r


s e i s peças, num t o t a l de 650 v e r s o s .

A tradição manuscrita

Os m a n u s c r i t o s do t e x t o de Pérsio são
m u i t o numerosos. Em sua edição de Pérsio de 184 3, J a h n
a r r o l a v a 6 7 m a n u s c r i t o s ; em 1 9 1 1 , C o n s o l i a p r e s e n t a v a
c e r c a de 140 ( 1 3 ) .

0 mais a n t i g o m a n u s c r i t o de Pérsio,
conservado na B i b l i o t e c a V a t i c a n a , é o códice palimp-
sesto de B o b b i o ( 1 4 ) , h o j e Vaticanus 5750, que contém
apenas um f r a g m e n t o da p r i m e i r a sátira, do v e r s o 53 ao
104 .
- .14 -

No i n i c i o do século V, em 4 0 2 , um c e r -
to riauiub l u l i u s Tryfonianus S a b i n u s , um p r o t e c t o r do_
mesticus, emendou, em B a r c e l o n a , um t e x t o de Pérsio,
sem p o s s u i r uma c o p i a p a r a c o n f r o n t o ( 1 5 ) .

!\o século I X , a p a r e c e r a m d o i s códices,


o Montepessul anus 212, c o n s e r v a d o na B i b l i o t e c a Medica
de M o n t p e l i i e r , denominado p e l a l e t r a A, e o Vaticanus
tabularii basilicae H 36, i n d i c a d o p e l a l e t r a B, c o n -
servado, em Roma, no A r q u i v o C a p i t u l a r da Basílica de
São P e d r o . T a n t o A como B a p r e s e n t a m a s u b s c r i p t i o de
Tryfonianus S a b i n u s , o que p r o v a que provêm de um mes-
a
mo arquétipo, o q u a l serã i n d i c a d o p o r (horum codi-
cum consensus (16)).

A i n d a no século I X , s u r g i u o códice
Montepessul anus H125, denominado P, ex-Pithoeanus (17),
c o n s e r v a d o na B i b l i o t e c a Médica de M o n t p e l i i e r , o q u a l
foi emendado no século X I , s o f r e n d o , então, o acrêsci-
mo dos c o l i a m b o s , sendo d e s i g n a d o p e l a l e t r a p .

Os códices P e a (= AB) são as f o n t e s


fundamentais para o estabelecimento do t e x t o de pérsio.
Mão só segundo C a r t a u l t ( 1 8 ) , como também segundo Dolç
(19), ambos os códices são o b r a s de c o p i s t a s n e g l i g e n -
tes e i g n o r a n t e s que cometeram um g r a n d e numero de f a l -
tas de l e i t u r a ; m u i t a s p a l a v r a s que o c o p i s t a de P não
conseguiu d e c i f r a r com exatidão, a p a r e c e m f r e q u e n t e m e n
te d e s f i g u r a d a s , mas, como são equívocos involuntários,
são fáceis de c o r r i g i r e o t e x t o não f o i a l t e r a d o cons
cientemente. 0 t e x t o de et a p r e s e n t a faltas de leitura
em m a i o r numero que P.

Segundo os t e s t e m u n h o s de C a r t a u l t ( 2 0 )
e de Dolç ( 2 1 ) , as f a l t a s de l e i t u r a de ambos os códi-
ces n o r m a l m e n t e nao são c o i n c i d e n t e s , f a t o que p o s s i b i
lita, pelo cotejamento de um e o u t r o , fáceis retifica-
ções. Quando os e r r o s c o i n c i d e m , provêm do original,
que c o m p o r t a v a c e r t o número de incorreções, embora fo_s
se s u f i c i e n t e m e n t e e x a t o ( 2 2 ) .
- 15 -

A distinção básica e n t r e ct e P é que


o p r i m e i r o apresenta interpolações d e l i b e r a d a s , que
se poderiam c o n s i d e r a r legítimas, se não f o s s e poss_í
vel o c o n f r o n t o com P. D e s t e modo, a l e m de n e g l i g e n -
te, a ê um t e s t e m u n h o i n f i e l que s u s c i t a j u s t a s d e s -
confianças do leitor.

Em sua g r a n d e m a i o r i a , os manus-
critos secundários não f o r a m c l a s s i f i c a d o s ou s e q u e r
i n v e n t a r i a d o s . Há, c o n t u d o , um g r u p o de o i t o códi-
ces, geralmente provenientes de monasteriosalemães e
franceses, que p a r e c e m t e r derivação análoga aos có-
dices da recensão sabiniana.

Primeiramente, há três códices ingl£


ses do século X: o O=0xoniensis, da B i b l i o t e c a Bod-
l e i a n a , Auct. F. 15; o T - Cantabrigiensis, do Colé-
gio da T r i n d a d e , 0, I V , 1 0 ; o t e r c e i r o códice ê o do
British Museum, Reg. 1 5 , Bk-vXIX.

Na B i b l i o t e c a de B e r n a , há o Bng. =
Bongarsianus 257 , que p e r t e n c e u p o r a l g u m tempo a J .
Bongars ( 1 5 5 4 - 1 6 1 2 ) , a que f a l t a m os v e r s o s de I , 96
a I I , 48.

Na B i b l i o t e c a de Trêveris, há o códi
ce Tr. - T r e v i r e n s i s 1089, também do século X, a que
f a l t a m os v e r s o s de I , 7 6 a I I I , 5 8 .

Na B i b l i o t e c a de L e i d e , há o Leiden-
sis 78, do século X ou X I I .

Há, f i n a l m e n t e , d o i s códices italia-


nos, ambos do século X I , na B i b l i o t e c a L a u r e n t i n a de
Florença, d e n o m i n a d o s La - Laurentianus 37, 19, e
Lr. = Laurentianus 68, 24.

Estes o i t o códices a p r e s e n t a m as sá-


tiras com os mesmos títulos da recensão sabiniana:
I I , ad Macrinum de u i t a e honestate; I I I , ad desidio-
sos; I V , de h i s qui ambiunt honores; V, ad magistrum
suum; V I , Caesium Bassum lyriaum Persius adloquitur
(23).
- 16 -

A recensão P i t e a n a , c o n t u d o , p o s s u i tí
t u l o s próprios: I , Thebaidorum P e r s i i Satura; I I , ad ,
Plotium Macrinum de bona mente; I I I , Increpatio desidi_
ae humanae; a I V e a continuação da t e r c e i r a ; V, ad ma
gistrum equitum (!) Cornutum; V I , ad Cestum Bassum ly-
aurium poetam (24).

Sátira ou Satura

Não e i n t e i r a m e n t e s i m p l e s o problema
da designação da p o e s i a satírica não sÕ de Pérsio, c o -
mo também dos o u t r o s p o e t a s satíricos romanos.

A f o r a a questão da o r i g e m do nome ( 2 5 ) ,
acresça-se que os satíricos p a r e c e r a m evitar designar,
com e s t e ou a q u e l e nome, de modo específico, as suas
peças.

Lucílio r e f e r i a - s e â sua o b r a , d e n o m i -
n a n d o - a i n d i s t i n t a m e n t e sermo , ioous ou ludus, como
nos informa Charpin ( 2 6 ) .

Horácio, p o r sua v e z , d e s i g n o u - a s , s e r
v i n d o - s e do s u b s t a n t i v o sermones, como se pode l e r em
Ep. I , I V , 1 ("Albi, nostrum sermonum oandide iudex.")
e em Ep. I I , I I , 59-60 (."carmine tu gaudes, hio delec-
tatur iambis / ille Bioneis sermonibus et s a l e nigro"),
quando d i s c o r r i a a r e s p e i t o da d i v e r s i d a d e dos g o s t o s
literários dos homens. J a no segundo l i v r o das sátiras,
p r i m e i r a m e n t e em I , 1-2 ("Sunt quibus i n satura uidear
nimis aoer et u l t r a / legem tenere opus.") e, d e p o i s ,
em V I , 16-17 {"ergo ubi me i n montis et i n arcem ex ur_
be remoui / quid prius inlustrem saturis musaque pedes_
tri?"), denomina-as satura.

Os m a n u s c r i t o s das sátiras de Horácio


- 17 -

t r a z e m sermones como t i t u l o ( 2 7 ) .

O u t r o p o e t a satírico, J u v e n a l , na p r i
me i r a das suas peças, nomeia-as com o s u b s t a n t i v o fav_
vago ("quidquid agunt homines, uotum, timor, ira, uo~
luptas, / gaudia, discursus, nostri farrago libelli
est." - v v . 85-86 ) .

Nos parágrafos da V i t a , em que t r a t a


das o b r a s de Pérsio, Probo a l u d e ás sátiras, p r i m e i r a
mente de modo s u p e r f i c i a l {"Huno ipsum librum imper-
fectum reliquit." - VII); r e l a t a n d o , m a i s além, como
Pérsio s e n t i u - s e l e v a d o a e s s e gênero de p o e s i a , s e r -
ve-se o a u t o r da Vita do s u b s t a n t i v o s a t u r a , p a r a de
signâ-lo ("... leato Luaili libro decimo uehementer sa_
t u r a s componere instituit. " - X).

0 próprio Pérsio, porém, d e s i g n o u a


sua o b r a satírica, apenas vagamente e em um único pas_
s o ; em I , 1 2 0 , r e f e r e - s e a e l a através do v o c a t i v o li_
belle e, l o g o após, p o r meio dos s i n t a g m a s hoc oper-
tum, I , 1 2 1 , e hoc r i d e r e meum, I , 1 2 2 .

Baseando-se em Q u i n t i l i a n o , que se
s e r v e de sátira p a r a d e s i g n a r a p o e s i a satírica n l o
só de Lucílio, como também de Horácio e do próprio
Pérsio ( 2 8 ) , pode-se c h e g a r â conclusão de que sátira
e satura f o r a m , , em t e r m o s de gênero literário, '.empre-
gados indistintamente.

A i n t e n ç ã o de P é r s i o

Nos v e r s o s 67-68 da sátira I ( " S i t n e


opus in mores, in luxum, in prandia regum / Dicere,
res grandis n o s t r o dat Musa p o e t a e . " ) , no p a s s o em
que um i n t e r l o c u t o r anônimo p r o c u r a , i r o n i c a m e n t e p o r
s i n a l , o p o r a o b r a de Pérsio ã p o e s i a da moda ( 2 9 ) ,
- 18 -

encontra-se já o p r e n u n c i o do conteúdo crítico das


sátiras: ë necessário f a l a r c o n t r a os c o s t u m e s , c o n
t r a o l u x o , c o n t r a os b a n q u e t e s dos r e i s ( 3 0 ) .

Nos versos 45-46 da mesma sátira


("Non ego, cum scribo, s i forte quid aptius exit /
- Quando hoo? Rara auis est. - . . . " ) , t e m - s e , de a l
gum modo, a intenção de Pérsio: não p o s s u i e l e com-
promissos com a a r t e literária; e s s a intenção será
reafirmada em V, 19-20 ("Non equidem hoe studeo,
pullatis ut mihi nugis / Pagina turgesaat dare pon-
dus idónea fumo."). Nos v e r s o s 83-84 da p r i m e i r a sã
tira ("Nilne pudet a a p i t i non posse p e r i c u l a cano /
P e l l e r e . . . " ) , podemos v e r , m u i t o c l a r a m e n t e , q u a l
s e j a o v e r d a d e i r o c o m p r o m e t i m e n t o da s u a o b r a : pel-
lere pericula, ou s e j a , preocupação m o r a l i z a n t e , an
t e s de t u d o .

Em V, 10«?\16 ("Tu neque anhelanti,


coquitur dum massa camino / Folie premis uentos nec
clauso murmure raucus / Néscio quid tecum graue cor_
nicaris inepte / Nec scloppo intendis rumpere bue-
cas. / Verba togae sequeris iunctura callidus acri.
/ Ore t e r e s módico, pallentis radere mores / Doctus
et ingénuo culpam defigere l u d o . " ) , p o r b o c a de Cor
n u t o , Pérsio c a r a c t e r i z a a sua própria p o e s i a ; de _ i
nício, do v e r s o 10 ao 1 3 , tem-se a p o e s i a que Pér-
s i o não compõe ( 3 1 ) . No v e r s o 14, tem-se a c a r a c t e -
rização da língua u t i l i z a d a p o r Pérsio ("Verba t o -
gae sequeris...") e do seu e s t i l o ("...iunctura cal_
lidus acri"), A oração "ore t e r e s módico", v . 1 5 , so
mente pode t e r o seu s e n t i d o e s c l a r e c i d o , se f o r r e
l a c i o n a d a com os v e r s o s 323-324 da Arte Poética de
Horácio ("...Grais d e d i t ore rotundo / Musa lo-
qui..."), em que ore rotundo indica o estilo e a
versificação e l a b o r a d a sem afetação. Nos v e r s o s 1 5 -
16 ("...pallentis radere mores / Doctus et ingénuo
culpam defigere I n d o . " ) , tem-se a proposição do con
teüdo das sátiras de Pérsio; segundo C o r n u t o , o poe
- 19 -

t a de V o l t e r r a é sábio na a r t e de a r r a n h a r os c o s t u
mes que f a z e m e m p a l i d e c e r , t r e s p a s s a n d o o vício com
uma b r i n c a d e i r a d i g n a de homem l i v r e ( 3 2 ) . Mencio-
nam-se, n e s s e s d o i s v e r s o s , os vocábulos mores e
culpam, q u e , a s s o c i a d o s aos v e r s o s 83-84 da p r i m e i -
r a sátira ("Nilne pudet c a p i t i non posse pericula
cano / Pellere'..."), demonstram, de modo inequívo-
c o , a função satírica da o b r a de Pérsio, a sua p r e o
cupação m o r a l i z a n t e .

Argumento das s á t i r a s

Sátira I

A p r i m e i r a das sátiras do l i v r o de
Pérsio contem duas l i n h a s de argumentação, d e s e n v o l
v i d a s p e l o diálogo e n t r e o p o e t a e um desconhecido.
Se, p o r um l a d o , o p o e t a i n v e s t e c o n t r a a p o e s i a da
moda, p o r o u t r o , d e f e n d e o seu d i r e i t o de e s c r e v e r
sátiras, embora s a i b a que terá poucos l e i t o r e s e
que os críticos preferirão a e l e q u a l q u e r p o e t a da
moda.

A sátira e a b e r t a com um v e r s o ("0


curas hominum, o quantum est in rebus inanel) que
r e v e l a o seu arcabouço m o r a l ; a e l e sucede um diãlo
go em que o i n t e r l o c u t o r a d v e r t e Pérsio de que não
terá l e i t o r e s . Baseado no dogma estóico da a u t o - s u -
ficiência do sábio C" . ..nee te q u a e s i u e r i s extra.",
v. 7 ) , r e f u t a o p o e t a a admoestação do seu i n t e r l o -
c u t o r ( v v . 1-12 ) .

Em p i n c e l a d a s rápidas, mas incisi-


v a s , do v e r s o 13 ao 2 3 , Pérsio a p r e s e n t a a cena de
uma declamação p u b l i c a (33), em que se expõe uma
p o e s i a grandiloqüente e v a z i a , m o s t r a n d o suas conse
- 20 -

quências d a n o s a s . Nos v e r s o s 24-25, o interlocutor


p r e t e n d e j u s t i f i c a r - s e d i a n t e da c e n s u r a que l h e
foi d i r i g i d a . Nos v e r s o s 26-27 , Pérsio r e t o m a o dog_
ma da auto-suficiência do sábio, sendo contraditado
p e l o i n t e r l o c u t o r nos v e r s o s 28 e 30. Contrapondo-
se ao i n t e r l o c u t o r , o p o e t a a p r e s e n t a m a i s uma cena
de r e a i t a t i o , ridicularizando-a e concluindo, i r o -
n i c a m e n t e , que o p o e t a m o r t o não se poderá aprovei-
t a r da g l o r i a póstuma ( v v . 3 0 - 4 0 ) . 0 adversário de
Pérsio r e t o m a o d i s c u r s o a c e r c a da g l o r i a literá-
ria, i n s i n u a n d o a p o s s i b i l i d a d e de Pérsio também
preocupar-se com e l a ( v v . 4 0 - 4 3 ) . Respondendo a i n -
sinuação, Pérsio não se m o s t r a insensível â g l o r i a ,
p r e v e n i n d o , porém, o i n t e r l o c u t o r de que não admite
que os euge e beíle sejam o o b j e t i v o da sua o b r a
(vv. 4 4 - 4 9 ) , p o r considerá-los de mau g o s t o ( v v . 5 0 -
53); em s e g u i d a , d e n u n c i a a h i p o c r i s i a dos comen-
s a i s que, p e l a f r e n t e , a p l a u d e m a p o e s i a do anfi-
trião, d e l e caçoando, d e p o i s , p e l a s c o s t a s ( v v . 53-
62) .

No v e r s o 63, Pérsio s i m u l a q u e r e r
instruir-se do g o s t o do p u b l i c o . 0 i n t e r l o c u t o r dis_
c o r r e a r e s p e i t o da perfeição métrica e g r a n d i l o -
qüência do e s t i l o , não p e r d e n d o a o p o r t u n i d a d e de
c e n s u r a r Pérsio p o r e s c r e v e r sátiras ( v v . 6 3 - 6 8 ) . 0
p o e t a a r r e m e t e c o n t r a a educação que i m p i n g e ã j u -
v e n t u d e , i n c a p a z das m a i s e l e m e n t a r e s lições da r e -
tórica, exercícios g r e g o s ( v v . 6 9 - 7 5 ) . Tomando a pa
lavra, o interlocutor e s p e z i n h a a p o e s i a de A c i o e
P a c u v i o , p o r considerá-las u l t r a p a s s a d a s ( v v . 75-
78); Pérsio i n c r i m i n a os p a i s de c o r r o m p e r e m os gos_
tos dos f i l h o s , considerando vergonhosa a sua a t i t u
de ( v v . 79-84 ) . Pondo em cena um c e r t o Pêdio,, que

se d e f e n d e u da acusação de r o u b o , empregando antíte


ses e f i g u r a s e r u d i t a s , e um náufrago p e r a m b u l a n d o
com o q u a d r o do seu naufrágio, c o n c l u i Pérsio que
somente a v e r d a d e será capaz de comovê-lo ( v v . 85-
91) .
- 21 -

O interlocutor insiste sobre a per-


feição da forma da p o e s i a contemporânea, c i t a n d o al-
guns e x e m p l o s que opõe aos v e r s o s de Vergílio ( v v .
'j 2-10 2 ) . C o n t e s t a n d o - o , Pérsio l a m e n t a o d e s a p a r e c i ^
mento da v i r i l i d a d e dos romanos ( v v . 1 0 3 - 1 0 6 ) .

Retomando o tema da p o e s i a satírica,


o adversário admoesta Pérsio do p e r i g o que c o r r e r a ,
se p e r s i s t i r n e s s e gênero literário. A r g u m e n t a n d o
que, se não h o u v e r m o t i v o s p a r a t a n t o , não e s c r e v e -
rá sátiras ( v v . 1 1 0 - 1 1 4 ) , procurando autorizar-se
com Lucílio e Horácio, Pérsio a r r o g a - s e o d i r e i t o
de s e r p o e t a satírico ( v v . 1 1 4 - 1 2 0 ) . V o c i f e r a n d o que
t o d o s têm o r e l h a s de a s n o , a f i r m a não a b r i r mão da
sua p o e s i a , r e i v i n d i c a n d o - l h e s l e i t o r e s que a d m i r e m
C r a t i n o , E u p o l i d e e Aristófanes, mas não os que se
comprazam em zombar dos g r e g o s e dos sábios ( v v .
121- 1 3 4 ) .

Sátira I I

A sátira I I ê uma epístola endereça


da p o r Pérsio ao amigo Plõcio M a c r i n o , p o r ocasião
do seu aniversário; na r e a l i d a d e , porém, apenas os
quatro p r i m e i r o s versos dirigem-se efetivamente a
Macrino, já que a sátira p r o c u r a c o m b a t e r vícios de
que e l e nao ê p o r t a d o r .

Pérsio f e l i c i t a a f e t i v a m e n t e o ami-
go p e l a passagem do seu aniversário, lembrando-lhe
a libação ao gênio t u t e l a r ( v v . 1 - 3 ) , louvando-o
p o r não d i r i g i r preces impiedosas aos d e u s e s ( v v .
3-4) .

Abruptamente, inicia Pérsio a sua


- 22 -

i n v e s t i d a c o n t r a a h i p o c r i s i a daqueles que pedem "sabe


dória, fama e h o n r a " aos deuses de f o r m a que t o d o s os
que estão no t e m p l o possam o u v i r , e n q u a n t o , intimamen-
te, s u p l i c a m e n r i q u e c e r com a m o r t e de um t i o ou do
p r i m e i r o h e r d e i r o , tendo-se antes submetido a um rito
de purificação nas águas do T i b r e ( v v . 5 - 1 6 ) . Em segu_i
da, passa o p o e t a b r u s c a m e n t e a q u e s t i o n a r um p r e t e n s o
i n t e r l o c u t o r a r e s p e i t o das d i v i n d a d e s , a c u s a n d o - o de
q u e r e i ' c o m p r a r as graças d i v i n a s com as o f e r e n d a s ( v v .
17-30) .

Após t r a t a r da h i p o c r i s i a , apresenta
d i v e r s o s pequenos q u a d r o s em que i n v e s t e c o n t r a as p r e
ces i n s e n s a t a s , c u j o a t e n d i m e n t o ê impossível: no pri-
meiro quadro a p r e s e n t a - s e uma avo ou t i a m a t e r n a , q u e ,
nas cerimônias do d i e s lustriaus, suplica ã divindade,
p a r a o recém-nascido, v a s t a r i q u e z a , êxitos amorosos e
caminhos de r o s a ( v v . 3 1 - 4 0 ) ; em o u t r a c e n a , alguém pe
de força p a r a os músculos e um c o r p o f i r m e p a r a a v e -
l h i c e , mas e n t r e g a - s e a g r a n d e s p r a t o s e a comidas s u -
culentas ( v v . 4 1 - 4 3 ) ; o u t r o pede que o s e u r e b a n h o au-
m e n t e , s a c r i f i c a n d o as suas n o v i l h a s ( v v .44-46); f i -
n a l m e n t e , no u l t i m o dos q u a d r o s , vê-se alguém l e v a d o ã
miséria p e l o s sacrifícios a que p r o c e d e u (vv. 47-51).

A r g u m e n t a n d o que o homem se d e i x a i n -
f l u e n c i a r pelo ouro ( v v . 5 2 - 5 4 ) , a c u s a - o de p r o j e t a r
t o d a s as suas ambições nas d i v i n d a d e s , c o r r o m p e n d o , a_s
sim, o c u l t o r e l i g i o s o ( v v . 5 5 - 6 7 ) , c o n c l u i n d o que o
o u r o nada r e p r e s e n t a p a r a os deuses ( v v . 68-70 ) .

Nos últimos v e r s o s da peça, ã g u i s a de


peroração, o p o e t a propõe normas que devem r e g e r o e s -
pírito dos sacrifícios: pensamentos p u r o s e um coração
virtuoso. Com i s s o , um pouco de t r i g o bastará ao s a c r i .
fício ( v v . 71.-75).
- 23 -

Sátira I I I

A sátira I I I ê d i r i g i d a c o n t r a os j o -
vens presunçosos e i n s o l e n t e s q u e , t e n d o i n i c i a d o o
e s t u d o do e s t o i c i s m o , n e l e não p e r s i s t e m . Não conquis_
t a n d o i n t e i r a m e n t e a s a b e d o r i a , d e s c u r a m das enfermi.
dades do espírito e do d e s t i n o que a divindade lhes
a s s i n a l o u . A i d e i a d e f e n d i d a p e l o p o e t a n e s t a peça e
a de que se deve s e r c o n s t a n t e no e s t u d o da filosofia.

A sátira é a b e r t a p o r um diálogo: um
comes i n d i g n a - s e p o r e n c o n t r a r na cama, a a l t a s horas
da manhã, o seu p u p i l o , que c u r t e o v i n h o b e b i d o na
n o i t e a n t e r i o r , e acorda-o ( v v . 1 - 9 ) . 0 comes, ou o
p o e t a , d i r i g e - ] h e um sermão, m o s t r a n d o - l h e o d e s l e i x o
nos e s t u d o s ( v v . 1 0 - 1 8 ) . 0 j o v e m preguiçoso responde
evasivamente ã admoestação^ o que l h e v a l e uma adver-
tência i n c i s i v a : deverá m o l d a r o espírito e n q u a n t o e
jovem ( v v . 19-24); prossegue o p o e t a em seu d i s c u r s o
c o n t r a o preguiçoso, a r g u m e n t a n d o a g o r a que e l e se es
conde p o r trás de uma modesta f o r t u n a f a m i l i a r , orgu-
l h a n d o - s e , também, da sua a l t a linhagem toscana ( v v .
2 4 - 2 9 ) ; prevê o p o e t a que esse gênero de v i d a levará
o jovem r e l a p s o ao r e m o r s o ( v v . 30-43).

Em um q u a d r o de g r a n d e vivacidade, o
a u t o r c o n f e s s a q u e , quando criança, se v a l e u ' de arti-
manhas p a r a f u g i r ao e s t u d o , já que suas preocupações
eram o u t r a s ( v v . 4 4 - 5 1 ) ; o p o e t a a f i r m a que o j o v e m
presunçoso já e s u f i c i e n t e m e n t e e x p e r i e n t e p a r a com-
p r e e n d e r o r e a l v a l o r da f i l o s o f i a e para e s t a b e l e c e r
um o b j e t i v o p a r a a sua v i d a ( v v . 52-62).

Retomando a i d e i a de que se deve m o l -


d a r o espírito e n q u a n t o j o v e m , do mesmo modo que se
deve p r o c u r a r o auxílio do m e d i c o no início da doen-
ça ( v v . 6 3 - 6 5 ) , dando dimensão m a i s g e r a l ã sátira, o
p o e t a convoca a t o d o s p a r a a p r e n d e r os princípios f i -
losóficos, l i b e r t a n d o - s e , a s s i m , da i n v e j a ( v v . 66-76).
- 24 -

à sua conclamaçao ao e s t u d o , o a u t o r opoe o desprezo


que os centuriões e a j u v e n t u d e n u t r e m p e l a filoso-
fia ( v v . 77-87).

0 p o e t a põe em cena um e n f e r m o que


b u s c a s o c o r r o j u n t o a um m e d i c o , que l h e p r e s c r e v e
repouso ( v v . 88-90 ) ; j u l g a n d o - s e , porém, r e s t a b e l e c i ^
do, o d o e n t e f o g e aos c o n s e l h o s médicos, f a l e c e n d o
subitamente ( v v . 90-106).

Mo u l t i m o segmento da peça, o p o e t a
funde enfermidade física e paixão, c o n c l u i n d o e n f a t i
camente que quem f o g e ao e s t u d o da f i l o s o f i a ê verda
deiramente louco ( v v . 107-118).

S á t i r a IV

A sátira I V , peça m o r a l que p r e g a o


no soe te ipsum, d e s e n v o l v e duas i d e i a s : o homem não
deve lançar-se t e m e r a r i a m e n t e ã v i d a pública sem c o -
n h e c e r a sua própria c a p a c i d a d e , nem pode criticar
os vícios a l h e i o s , sem a n t e s a n a l i s a r conscientemen-
t e os s e u s .

A sátira é a b e r t a p o r um diálogo: Só-


crates d i r i g e um sermão 'ao j o v e m Alcebíades, censu-
r a n d o - l h e , de modo a g r e s s i v o , a ânsia com q u e , prema
t u r a m e n t e , p r e t e n d e e n t r a r nos negócios públicos,
nao p o s s u i n d o , p a r a t a n t o , a t i t u d e s e preparação n e -
cessárias ( v v . 1 - 1 3 ) ; Alcebíades v a n g l o r i a - s e da
sua b e l e z a física e a l t a l i n h a g e m , não t e n d o , porém,
consciência de que a sua s a b e d o r i a não é m a i o r que a
de uma v e n d e d o r a de basilicão ( v v . 1 4 - 2 2 ) .

T e r m i n a d o o diálogo e n t r e Sócrates e
Alcebíades, ao i n i c i a r - s e a segunda p a r t e , a sátira
- 25 -

ganha dimensões mais a b r a n g e n t e s ; o p o e t a p a s s a a t r a


t a r do nosce tc ipsum ( v v . 2 3 - 2 ' t ) . Surgem i n e s p e r a d a -
mente duas p e r s o n a g e n s q u e , f a l a n d o de um c e r t o Veti-
dio, c r i t i c a m a sua a v a r e z a ( v v . 2 5 - 3 2 ) . Em o u t r a c e -
n a , vê-se um d e s c o n h e c i d o q u e , t o c a n d o uma d a s p e r s o -
nagens com o c o t o v e l o , a p o n t a - l h e os vícios degradan-
tes ( v v . 3 2-41).

I n i c i a n d o a conclusão e i n c l u i n d o - s e
no número dos que possuem o vício, o p o e t a s i m u l a c a -
p i t u l a r d i a n t e d e l e ( v v . 4 2 - 4 3 ) ; a s e g u i r , porem, a c u
sando p r o v a v e l m e n t e o ouvinte de q u e r e r e s c o n d e r as
m a z e l a s da alma com v e s t i m e n t a s l u x u o s a s ( v v . 4 3-46),
a c r e s c e n t a que nao pode a c r e d i t a r na s i n c e r i d a d e dos
e l o g i o s , quem t e m a alma c a r r e g a d a de vícios ( v v . 4 6 -
5 0 ) . Como conclusão, a c o n s e l h a que o homem deve r e j e _ i
t a r o que não ê, p a r a p o d e r conhecer-se a s i próprio
(vv. 51-52).

Sátira V

A sátira V, uma epístola d i r i g i d a p o r


Pérsio ao seu amigo e m e s t r e de e s t o c i s m o , Cornuto,
tem como tema a l i b e r d a d e ; não a l i b e r d a d e c i v i l , que
opõe cidadão a e s c r a v o , mas a l i b e r d a d e que somente a .
s a b e d o r i a pode o f e r e c e r , o autodomínio, próprio de
quem v e n c e u as paixões.

A peça d i v i d e - s e em duas p a r t e s . No i
nício, o p o e t a e n s a i a p e d i r s o l e n e m e n t e p a r a a sua
p o e s i a cem v o z e s , cem b o c a s . e cem línguas ( v v . 1 - 4 ) .
B r u s c a m e n t e Pérsio ê i n t e r r o m p i d o p o r um interlocutor,
C o r n u t o , q u e , l o u v a n d o - l h e as q u a l i d a d e s poéticas, o
aconselha a d e d i c a r - s e apenas as sátiras ( v v . 5 - 1 8 ) .
Apôs a f i r m a r que não a s p i r a a uma p o e s i a inútil, o au
- 26 -

tor d i r i g e um l a r g o e l o g i o a C o r n u t o , d e c l a r a n d o q u e ,
se ousa e x i g i r cem g a r g a n t a s p a r a a sua p o e s i a , e p o r
que deseja demonstrar t o d a a afeição que l h e d i s p e n s a
(vv. 2 1 - 2 9 ) . P r o c e d e n d o a uma r e t r o s p e c t i v a autobio-
gráfica, o p o e t a r e v e l a q u e , desde a adolescência, se
e n t r e g o u ã sua orientação e q u e , sendo os s e n t i m e n -
tos de ambos tão recíprocos, e l e e C o r n u t o se p o d e -
r i a m j u l g a r n a s c i d o s sob um único a s t r o ( v v . 30-51).

Em um t r e c h o de transição, o p o e t a
d i s c o r r e s o b r e os d i f e r e n t e s t i p o s de homens e s o b r e
suas d i f e r e n t e s aspirações, sendo t o d o s igualmente
c o n s u m i d o s p e l a s paixões ( v v . 5 3 - 6 1 ) . Opondo, em um
último r a s g o de e l o g i o , Cornuto ao q u a d r o dos vicio-
sos, convida a t o d o s , j o v e n s e v e l h o s , que se e n t r e -
guem aos e n s i n a m e n t o s de C o r n u t o ( v v .62-65). Conclu-
i n d o a transição, o p o e t a r e t o m a a i d e i a de que não
se deve p o u p a r o tempo nc*%estudo da f i l o s o f i a ( v v .
66-72) .

A segunda p a r t e da peça e i n t e i r a m e n -
te d e d i c a d a ã exposição da t e o r i a a c e r c a da l i b e r d a d e
que, segundo o e s t o i c i s m o , não c o n s i s t e em se f a z e r o
que se q u e r ( v v . 7 3 - 9 0 ) . Não se consegue a v e r d a d e i r a
l i b e r d a d e através do p r e t o r , o q u a l não p o s s u i condi-
ções p a r a dá-la ( v v . 9 1 - 9 5 ) , opondo-se a. razão e a na
t u r e z a a que a s s i m seja ( v v . 96-104); a v e r d a d e i r a l i
berdade e alcançada somente através da f i l o s o f i a ( v v .
104-114) e c o n s i s t e na r e n u n c i a aos s e n h o r e s interio-
res ( v v . 115-131). Para p r o v a r que os p i o r e s tiranos
são os que e s c r a v i z a m o coração, o p o e t a a p r e s e n t a al-
guns q u a d r o s : no p r i m e i r o , põe em cena a A v a r e z a , que
ordena a uma personagem que se enriqueça ( v v . 1 3 2 -
141); no s e g u n d o , c on~t r a s t a n d o com a A v a r e z a , surge a
Luxúria, que p r o c u r a demover a mesma p e r s o n a g e m de en
t r e g a r - s e avidamente ao comércio, m o s t r a n d o - l h e os
percalços p o r que h a v e r i a de p a s s a r , p r o c u r a n d o sedu-
zi-lo p a r a uma v i d a de p r a z e r e s ( v v . 1 4 1 - 1 5 3 ) . Apôs
- 27 -

r e t o m a r a i d e i a de que ha t i r a n o s i n t e r i o r e s que e_s


c r a v i z a m os homens ( v v . 1 5 4 - 1 5 5 ) , o p o e t a põe em ce
na o Amor, o u , mais p r o p r i a m e n t e , os p r a z e r e s que
se podem o b t e r j u n t o a uma m e r e t r i z ( v v . 156-174).
E n f a t i z a n d o que a v e r d a d e i r a l i b e r d a d e não se conse-
gue com o auxílio do p r e t o r ( v v . 174-175), apresen-
ta Pérsio a ambição política como um dos t i r a n o s do
homem ( v v . 176-179 ) ; f i n a l i z a n d o a apresentação dos
quadros, cita a superstição que a t e r r o r i z a o homem,
induzindo-o a r i t u a i s i n s e n s a t o s e estúpidos ( v v .
179-188).

Simulando reconhecer que a s u a expo


sição não e n c o n t r a r a a p o i o , p r i n c i p a l m e n t e e n t r e os
centuriões, c o n c l u i o p o e t a que os m i l i t a r e s se r i -
rão da sua t e o r i a a c e r c a da l i b e r d a d e , propondo-
se a c o m p r a r cem g r e g o s por^menos de cem a s s e s ( v y

189-191).

Sátira VI

A última das sátiras de Pérsio é


também uma epístola; d i r i g e - a o p o e t a ao seu a m i g o ,
o p o e t a lírico Césio Basso. Pode-se, c o n t u d o , afir-
mar que o espírito e p i s t o l a r e x i s t e apenas nos d e -
z e s s e t e p r i m e i r o s v e r s o s da peça; a p a r t i r do v e r s o
18, i n i c i a - s e o d e s e n v o l v i m e n t o a c e r c a do uso dos
bens m a t e r i a i s .

Na a b e r t u r a da peça, apos p e d i r n o -
tícias do s e u a m i g o , o p o e t a l o u v a - l h e o t a l e n t o
(vv. 1 - 6 ) , passando, d e p o i s , a f a l a r de s i , da v i d a
t r a n q u i l a que g o z a v a , i s e n t o de preocupações, l o n g e
da i n v e j a e da a v a r e z a , no l i t o r a l da Ligúria ( v v .
6-17).
- 28 -

Para introduzir mais c o n c r e t a m e n t e o


argumento m o r a l , o poeta d i s c o r r e s o b r e os d i f e r e n t e s
tipo.s de homens, c u j o e x e m p l o e a índole o p o s t a de
d o i s gêmeos, um a v a r o e o u t r o magnânimo ( v v . 1 8 - 2 2 ) .
S e r v i n d o - s e da oposição e s t a b e l e c i d a no q u a d r o ante-
rior, Pérsio d e c l a r a o p t a r p e l o meio t e r m o ; usará sua
f o r t u n a , sem m a g n a n i m i d a d e ( v v . 22-24) e, quando p r e -
c i s o , mesmo que s e j a o b r i g a d o a d i m i n u i r o c a p i t a l , a
judarã a um amigo n e c e s s i t a d o ( v v . 2 5 - 3 3 ) .

Ao i n i c i a r a segunda p a r t e da sátira,
o poeta demonstra antever o descontentamento do s e u
possível h e r d e i r o q u e , c o n t r a r i a d o p o r v e r a herança
diminuída, procurará r e c u p e r a r o q u e , segundo e l e ,
foi desperdiçado, a m e s q u i n h a n d o - s e nos g a s t o s da c e r i
mônias fúnebres do seu b e n f e i t o r ( v v . 33-36); o poeta
põe em cena um c e r t o B e s t i u s que d e f e n d e a c o n d u t a do
herdeiro, incriminando a f i l o s o f i a de c o r r o m p e r os
c o s t u m e s r o m a n o s ; i n c i s i v a m e n t e c o n c l u i Pérsio e s t e
q u a d r o , a r g u m e n t a n d o que não se pode nada t e m e r , quan
do já se está m o r t o ( v v . 37-41).

B r u s c a m e n t e , o a u t o r c o n v o c a o seu
h e r d e i r o p a r a um d e s a f i o ( v v . 41-42): v a i - s e c e l e b r a r
um t r i u n f o em h o n r a de Cesar e o p o e t a p r e t e n d e parti,
c i p a r das homenagens, p a t r o c i n a n d o uma l u t a de cem
gladiadores ( v v . 43-49), i n s t i g a n d o - o a opor-se ais-
so ( v v . 4 9 - 5 0 ) ; como que p a r a provocá-lo a uma respo£
t a , c o m u n i c a ao h e r d e i r o que distribuirá ao povo o l e o
e pão com c a r n e , p e r g u n t a n d o - l h e se há, p o r p a r t e d e -
le, alguma objeção ( v v . 5 0 - 5 1 ) . D i a n t e dos g a s t o s que
o c o r r e r i a m , o h e r d e i r o r e c u s a a herança ( v v . 5 1 - 5 2 ) .
já que não p o s s u i p a r e n t e s a quem p o s s a d e i x a r os
b e n s , o p o e t a ameaça f a z e r h e r d e i r o a um " f i l h o da
terra q u a l q u e r " ( v v . 53-60 ) . Segundo Pérsio, não é d i .
reito do seu h e r d e i r o e x i g i r que se c o n t e n h a m os g a s -
tos p a r a que nao se d i m i n u a a herança; deve e l e s a t i s _
f a z e r - s e com o que l h e f o r d e i x a d o ( v v . 61-65). 0 h e r
d e i r o c o n t r a - a r g u m e n t a , s u g e r i n d o que o p o e t a aplique
- 29 -

sua f o r t u n a para aumentar o c a p i t a l ( v v . 66-68); i n


d i g n a d o , Pérsio propõe-se a g a s t a r m a i s dos seus
bens ( v v . 6 8 - 7 4 ) .

Como conclusão, a c o n s e l h a o p o e t a
que o h e r d e i r o se d e d i q u e ao comércio, se p r e t e n d e
enriquecer-se ( v v . 75-79), f i n a l i z a n d o a sátira com
a idéia de que nunca o homem se s a t i s f a z com o que
tem (v. 80).
- 30 -

NOTAS AO CAPITULO " AS OBRAS DE P É R S I O "

01- Vita, VIII.

02- Dolç, opus c i t . , p . 17.

03- Dolç, opus c i t . , p. 1 7 , supõe que Pérsio t r a t a s _


s e , n e s s a o b r a , de uma v i a g e m que empreendeu
com s e u p a r e n t e e amigo T r a s e a P e t o .

04- C e c i n a P e t o f o i condenado à m o r t e p o r Cláudio.


Sua e s p o s a e n c o r a j o u - o ao suicídio, apunhalan-
do-se d i a n t e d e l e , d i z e n d o - l h e "Paetê, non do-
let.". C f . Plínio, Ep. I I I , 1 6 .

05- Lê-se na V i t a , V, que Pérsio "...deaem f e r e an-


uis summe d i l l e o t u s a Paeto Thrasea e s t , i t a ut
perigrinaretur quoque cwn eo aliquando oognatam
eius Arriara uxorem haímnte".

06- Vita, VIII.

07- R a m o r i n o , opus c i t . , p. I X ; Dolç, opus c i t . , p.


17.

08- Les premières oeuvres de Perse. Latomus, X I :


199. N.Y. - L o n d o n , J o h n s o n R. C , 1 9 5 2 .
09- Vita, X.

10- Vita, VIII.

11- Vita, VIII.

12- Vita, VIII.

13- Apud Dolç, opus c i t . , p . 4 8 .

14- Segundo Dolç, opus c i t . , p. 4 9 , o p a l i m p s e s t o


f o i e s c r i t o em f i n s do século I V ; p a r a Cartault,
opus c i t . , p. 5, o p a l i m p s e s t o deve d a t a r do I I I
ou I V século.

15- 0 códice a apresenta a seguinte subsariptio:


"Flauius Tryfonianus Sabinus u. a. p r o t e c t o r do-
mesticus temptauit emendare sine antigrapho meum
et adnotaui Baroellone coss. dd. nn. Arcádio et
- 31 -

Eonorvo 7". - apud C a r t a u l t , opus c i t . , p. 5.

16- C a r t a u l t , opus c i t . , p. 13.

17- 0 códice f o i denominado Pithoeanus p o r t e r es


t a d o em p o d e r do filólogo francês P i t h o u , con
forme r e l a t a m R a m o r i n o , opus c i t . , p. X X I , e
Dolç, opus c i t . , p. 49.

18- Opus c i t . , p. 5-6.

19- Opus c i t . , p. 50.

20- Opus c i t . , p. 6.

2 1 - Opus c i t . , p. 5 1 .

22- Dolç, opus c i t . , p. 5 1 .

23- Apud R a m o r i n o , opus c i t . , p, X X I I , e Dolç, o-


pus c i t . , p. 5 3.

24- Apud R a m o r i n o , opus " o i t . , p, X X I I , e Dolç, o-


pus c i t . , p. 5 3.

25- As e t i m o l o g i a s de satura (sátira, na época im


perial, segundo E r n o u t e M e i l l e t - Dictionnai-
e
re Etymologique de la Langue Latine. 3 édi-
tion, r e v u e e t corrigée. P a r i s , Klincksieck,
1951, v. satura) são varias.

- Satura pode d e r i v a r da expressão lex satu-


ra, uma l e i que c o m p r e e n d i a d i f e r e n t e s pro-
j e t o s e que e r a s u b m e t i d a ao Senado em um ú
nico p r o c e s s o de votação. Cf. F e s t u s , 314:
"Satura et c i b i genus... et lex m u l t i s a l i -
is l e g i b u s c o n f e r t a . Itaque in sanctione le_
gum a d s c r i b i t u r 'neue per saturam abrogato
aut derogato'. I s i d . , Orig. 5, 16: "Satura
uero lex de p l u r i b u s simul eloquitur 3 dieta
a copia rerum et quasi a saturitate unde et
satyras s c r i b e r e e s t poemata uaria conder>e
ut H o r a t i i , I u u e n a l i s et P e r s i i . " Paul.
F e s t . 315: "Satura et c i b i genus dicitur ex
uariis rebus conditum et lex m u l t i s aliis
- 32 -

oonferta l e g i b u s et genus carminis ubi de mul_


tis rebus d i s p u t a t u r . " Diomedes, G. L. K. 486,
10: " A l i i autem diatam putant a lege satura
quae uno rogatu multa simul oomprehendat quod
scilicet ez satura carmine multa simul poema-
ta comprehendatur."

Pode-se t e r como e t i m o l o g i a de satura a exprès


sao lance satura, um prato com as primícias o-
ferecidas a C e r e s . Cf. Diomedes, G. L. K. 48 5,
36: " . . .sine satura a lance quae referia uari-
is multisque primitiis in sacro apud priscos
diis i n f e r e b a t u r et a copia et saturitate res
satura uocabatur. Cuius generus lancium et Ver
gilius in G e o r g i c i s meminit, cum hoc modo di-
cit (2, 194) 'lancibus et panais fumantia red-
dimus e x t a ' ." E s c o i , l i o r . Sat. 1: "Plerique sa
Tyrurr, a lance quae plena diuersis frugibus in
templo Cereris infertur nomen a c c e p i s s e d i -
cunt; nam et ea hoc nomine appelatur. Ergo et
hoc carmen propterea satyram nominarunt quia i
ta m u l t i s et uariis rebus refertum e s t ut audi_
entes saturet."

D e v i d o ao caráter, ás vezes l i c e n c i o s o , da sa-


tura, outra etimologia que se a p r e s e n t a e saty
ri, que a p a r e c i a m nos c o r o s dramáticos. Cf. Di
omedes, G. L. K. I , 485 , 33: "Satura autem dic_
ta siue a s a t y r i s quod similiter in hoc carmi-
ne ridiculae r e s pudendaeque dicuntur 3 quae ue_
lut a saturis proferuntur et fiunt." Isid., 0-
r i g . 8 , 7, 7, :"..,aut s a t y r i s nomen dictum
qui i n u l t a habent ea quae per uiolentiam dicun
tur." E v a n t h i u s , De Com., p. 16 W: "et hino
deinde a l i u d genus fabulae id est satyra sump-
sit exordium ; quae a satyris quos innocis sem-
per ac petulantes deos scimus esse, uocitata
est, etsi aliud nomer, praue putant habere.
Haec satyra igitur eiusmodi fuit ut i n ea quam
- 33 -

u i s duro e t uelut agresti loco de u i t i i s c i -


uium s tamen siue u l l o p r o p r i i nominis titulo
carmen es s e t . Quod idem genus aomoediae of-
fuit poetis, cum in suspicionem polentibus
oiuium uenissent illorum facta descripsisse
in peius ac deformasse genus stilo carminis.
Quod primus Lucilius nouo conscripsit modo,
ut poesin inde fecisset } id e s t unius carmi-
n i s plurimos libros."

- Satura p o d e r i a p r o v i r do nome de uma iguaria


constituída de vários c o m p o n e n t e s . C f . Diome
des, G. L. K. I , 1 8 6 , 7: "Siue a quod geneve
farciminis quod m u l t i s rebus refertum satu-
ram dicit Varro uocitatum. E s t autem hoc po-
situm i n secundo libro Plautinarum quaestio-
num ''satura e s t una p&ssa e t polenta et nu-
clei pini ex mulso comparsi; ad haec alii di
cunt et de maio Púnico grana. '"

26- LUCILIUS. S a t i r e s . T e x t e établi, t r a d u i t e t


annoté p a r F. C h a r p i n . P a r i s , "Les B e l l e s Let-
t r e s " , 1 9 7 8 , t . 1 , p. 2 5 .

27- HORACE..Satires . T e x t e établi e t t r a d u i t par


F. V i l l e n e u v e . P a r i s , "Les B e l l e s Lettres",
1951, p. 8.

28- I n s t i t . ovat. X, 93-94,

29- P o r p o e s i a da moda, deve e n t e n d e r - s e a poesia


c o n t r a que se i n s u r g e Pérsio ("...o mores...",
v. 2 6 ) , os poemetos que c o n s i d e r a grandiloquen
tes ("Grande aliquid, quod pulmo animae prae-
l a r g u s anhelet.", v. 1 4 ) , vazios de conteúdo
. . .uanum et p l o r a b i l e siquid / Eliquat...",
vv. 33-34).

30- Não podemos c o n c o r d a r com o e s c o l i a s t a de Pér-


s i o , que e n t e n d e que mores e s t a empregado por
comédias, luxum p o r sátira c o n t r a o l u x o desme
d i d o e prandia regum p o r a r g u m e n t o s trágicos
- 34 -

como o de T i e s t e . - apud Dolç, opus c i t . , p. 9 3 .

3 1 - C f . p.46-7. d e s t e trabalho.

32- C f . p. 157, n o t a 12,

33- As vecitatione-s eram sessões públicas de l e i t u r a


de p o e s i a s b r e v e s que f u g i a m ao p e n s a m e n t o p r o -
f u n d o e buscavam a s u t i l e z a . Os o u v i n t e s eram
sensíveis a. erudição, às imitações, às alusões e
às perífrases, segundo B o r n e c q u e e M o r n e t (Roma
e os Romanos, Tradução p o r t u g u e s a de A l c e u Dias
L i m a . São P a u l o , E.P.U.-EDUSP, ( 1 9 7 7 ) , p. 4 2 .
- 35 -

A O B S C U R I D A D E
- 36 -

A a c r e d i t a r m o s na afirmação de B a y l e , regi£
trada por Perreau, t e r - s e - i a m São Jerônimo e S a n t o Ambró-
sio i n d i g n a d o com o l i v r o das Sátiras do p o e t a de Volterra
Tê-lo-ia o segundo a r r e m e s s a d o a um c a n t o , b r a d a n d o "Fica
ai, poio não queres ser entendido" ( 0 1 ) ; o p r i m e i r o tê-lo-
ia lançado ao f o g o , b r a d a n d o "Queimemo-lo, para torná-lo
mais claro" ( 0 2 ) . C o n f i r m a n d o a informação de B a y l e , ainda
que alterando-a ligeiramente, Ramorino r e l a t a que "enfada-
do por não entender a Pérsio, Santo Ambrósio atirou fora o
livro das Sátiras, vociferando 'si non u i s i n t e l l i g i , non
debes legi'" e que, p o r semelhante m o t i v o , "São Jerónimo o
botou no fogo para que as chamas iluminassem a escuridão"
(03) .

Verdadeiras ou não ( 0 4 ) , ê c e r t o que e s s a s


a n e d o t a s i l u s t r a m , e com m u i t o p r o p r i e d a d e , o m a i s grave
p r o b l e m a s que se e n c o n t r a em Pérsio; historiógrafos da l i -
teratura latina, c o m e n t a d o r e s § críticos da o b r a do satíri_
v

co de V o l t e r r a são c o n c o r d e s quanto ã sua o b s c u r i d a d e ( 0 5 )

Ainda que h a j a c o n s e n s o em a p o n t a r a o b s c u -
r i d a d e na o b r a de Pérsio, as considerações a c e r c a das suas
causas são um pouco d i v e r g e n t e s . T r a t a n d o dos "Défauts du
style de Pevse", Perreau desenvolve a t e o r i a de que se de-
ve j u s t i f i c a r ou e x p l i c a r a o b s c u r i d a d e de Pérsio como de-
c o r r e n t e da n e c e s s i d a d e de c a m u f l a r "as verdades perigosas
que devia d i z e r aos poderosos" ( 0 6 ) e, i n t e r p r e t a n d o os
versos 119-21 da p r i m e i r a sátira ("Me muttire nefas? Nec
ciam, nec cum scvobe, nusquam? / Hic tamen infodiam... /..
Hoc ego opertum."), e x p l i c a que o próprio p o e t a "adverte
que f a l a com palavras veladas, com meias palavras, que f o i
obrigado a dissimular seus pensamentos nos seus versos"
( 0 7 ) . Há que se c o n s i d e r a r com m u i t a prudência o raciocí-
n i o de Perreau.

Cumpre, em p j r i m e i r o l u g a r , a t e n t a r p a r a a
situação c o n t e x t u a l em que Pérsio e x t e r i o r i z a , de modo i n -
t e n s a m e n t e irônico, p o r s i n a l , um seu d e s a b a f o ; o que v e r -
dadeiramente pretende o poeta do e s t o i c i s m o do v e r s o 114
ao v e r s o 121 d e s s a mesma sátira, c i t a n d o Lucílio e Horácio
- 37 -

i e s t a b e l e c e r um c o n t r a s t e de " d i r e i t o s " : se a seus prede-


cessores se p e r m i t i r a m críticas c o n t u n d e n t e s a o s vícios do
seu tempo, p o r que a e l e , Pérsio, s e r i a m e l a s v e t a d a s ? Es-
se e, r e a l m e n t e , o raciocínio de Pérsio nesse passo.

Em segundo l u g a r , convém t e r m u i t o nítida a


função das suas sátiras. Segundo C o u s i n , Pérsio c o n c e b e u
m u i t o c l a r a m e n t e sua missão e o p t o u p o r uma a r t e sincera,
f r a n c a em sua exposição, máscula, d i s t a n t e dos v e r s i c u l i
dos e f e m i n a d o s ( 0 8 ) . Vismara c o n s i d e r a Pérsio não um filo-
s o f o e s p e c u l a t i v o , mas um m e s t r e da m o r a l , "um soldado de
uma reação, um c o n s e l h e i r o de consciência" ( 0 9 ) . P i c h o n vê
em Pérsio um m o r a l i s t a ( 1 0 ) . D ' 0 n o f r i o entende que o d e v e r
do e s c r i t o r de sátiras s e j a a p o n t a r vícios e d e f e i t o s da
s o c i e d a d e , m-smo que não se p r e o c u p e com suas c a u s a s nem
l h e s a p r e s e n t e m e i o s de correção ( 1 1 ) , a d m i t i n d o , porém,
l o g o a s e g u i r q u e , não poucas v e z e s , "o poeta satírico t o -
mas o lugar do moralista e insinua medicamentos que ele a-
%
cha idôneos para a cura do mal" ( 1 2 ) ; em o u t r o p a s s o , afir
ma D ' O n o f r i o que Pérsio f o i um " f i e l e f e r v o r o s o adepto do
estoicismo romano" ( 1 3 ) , c u j o s princípios m o r a i s procurou
d i v u l g a r , v i s a n d o com as suas sátiras a " i n c e n t i v a r os ho-
mens para que aceitassem e praticassem a doutrina do VÓrti_
co, considerada a única ancora de salvação no mar tempes tu
oso das prevenções sociais" ( 1 4 ) . Segundo P a r a t o r e , Pérsio
h a v i a v i s t o na sátira de Lucílio o modelo "para exprimir a
sua pretensão de pregador em v e r s o s " ( 1 5 ) , sentindo-se im-
p e l i d o p e l a formação estóica e intemperanças da i d a d e a i n
v e s t i r - s e da "missão de iluminar o mundo com a luz da sua
sabedoria" (16).

Um g r a n d e r e p r e s e n t a n t e do e s t o i c i s m o roma-
n o , Marco Aurélio, e n s i n o u que "os homens foram feitos uns
para os outros", c o n c l u i n d o que se d e v e , p o r i s s o , ensiná-
l o s ou suportá-los ( 1 7 ) . Pérsio p a r e c e t e r p r e f e r i d o a p r i
m e i r a a l t e r n a t i v a e f o i a s s i m que e s c r e v e u as suas sátiras.
Segundo D ' O n o f r i o , o p o e t a de V o l t e r r a s e n t i u - s e e s t i m u l a -
do a s e r útil ã s o c i e d a d e , "pondo a serviço dela a sua i n -
teligência e entusiasmo" ( 1 8 ) , r e p u t a n d o a sátira o instru
- 38 -

mento mais adequado p a r a a difusão da d o u t r i n a do e s t o i c i s


mo ( 1 9 ) . Para Dolç, Pérsio propôs-se a "anunciar o verda-
deiro caminho da v i r t u d e " ( 2 0 ) , pretendendo que os homens
fossem mais p e r f e i t o s , sem v e l e i d a d e s e misérias, acossan-
do c o v a r d e s , p o l i t i c a s t r o s , v i c i o s o s , "indicando-lhes o es
pelho da verdadeira l i b e r d a d e humana" ( 2 1 ) . Stano, final-
mente, c o n s i d e r a que Pérsio " d i t a v a com ardor de apostolo,
com a segurança de um v i d e n t e , normas rígidas do v i v e r s o -
cial" (22).

Ora, se Pérsio f o i um p o e t a que o p t o u p o r u


ma a r t e s i n c e r a e f r a n c a ; se f o i um m e s t r e da m o r a l e c o n -
s e l h e i r o de consciência; se m u i t a s v e z e s o p o e t a satírico
s u g e r e medicamentos p a r a os m a l e s ; se Pérsio f o i um divul-
gador do e s t o i c i s m o , i n c e n t i v a n d o os homens a que ' a c e i t a s -
sem e p r a t i c a s s e m a d o u t r i n a do Pórtico; se f o i um prega-
d o r em v e r s o s , i n v e s t i d o da missão de i l u m i n a r o mundo com
a sua s a b e d o r i a ; e se a função das suas sátiras é c o m b a t e r
o vício, a paixão que e s c r a v i z a o homem, v i s a n d o ã s u a l i -
bertação m o r a l , como h a v e r i a e l e de e n s i n a r , p r e g a r , p e r s u
a d i r , c o n v e r t e r , se o l e i t o r não o pudesse e n t e n d e r ? Ramo-
r i n o d e c l a r a p a r e c e r - l h e absurda a idéia de que Pérsio d e -
c i d i r a o b s c u r e c e r o pensamento ( 2 3 ) ; Dolç a d v e r t e que se
deve a f a s t a r a idéia de que Pérsio b u s c o u i n t e n c i o n a l m e n t e
a obscuridade ( 2 4 ) ; C a r t a u l t energicamente d e c l a r a que a
o b s c u r i d a d e do p o e t a não é voluntária ( 2 5 ) .

As causas da o b s c u r i d a d e

Como se haverá de e n t e n d e r a o b s c u r i d a d e de
Pérsio?

Após considerá-la i n t e n t a d a p e l o próprio au


tor, p r e t e n d e P e r r e a u creditá-la "â s i n g u l a r i d a d e e conci-
são p a r t i c u l a r e s da linguagem dos estóicos" ( 2 6 ) . Tendo
p r i m e i r a m e n t e c a r a c t e r i z a d o Pérsio como "poeta árduo 3 vo-
luntariamente áspero e difícil" (27), refletindo, ainda
que i n d i r e t a m e n t e , a lição de P e r r e a u , B i g n o n e subordina a
- 39 -

o b s c u r i d a d e do p o e t a ao seu t e m p e r a m e n t o e as suas a m i z a
des ( 2 8 ) . Para B a r d o n , que c o n c o r d a com a c e n s u r a que se
faz a Pérsio p o r sua o b s c u r i d a d e , j u s t i f i c a n d o - a p e l a v i .
são que nosso p o e t a tem da r e a l i d a d e , dos s e r e s e de sua
complexidade ( 2 9 ) , a c a u s a p r i n c i p a l da sua o b s c u r i d a d e
d e c o r r e da sua concepção de v i d a ( 3 0 ) ; segundo Bardon,
Pérsio não é um e s p e c u l a t i v o i n d i f e r e n t e , "ele participa
da vida da rua; observa; dai, em sua obra, uma agitação
buliçosa..." ( 3 1 ) , a q u a l acarretará nas sátiras uma sen
sacão de r u p t u r a do p l a n o lógico.

Embora não se p o s s a d u v i d a r das lições de


Bignone e Bardon, j u l g a m o s que e l a s r e f l e t e m d o i s m o t i v o s
da o b s c u r i d a d e de Pérsio de modo s u p e r f i c i a l , já que f i -
cam em um p l a n o a b s t r a t o p o r não p e n e t r a r e m na própria o
bra. £ m i s t e r , p a r a se a q u i l a t a r a o b s c u r i d a d e do p o e t a
e i n v e s t i g a r e m - s e as suas c a u s a s , p r e n d e r - s e aos e l e m e n -
tos em que e l a se m a n i f e s t a .

A língua ( 3 2 )

Para P e r r e a u , a língua empregada p o r Per


sio é c a u s a de o b s c u r i d a d e , p o r q u e é ele o escritor lat:L
no c u j a f r a s e m a i s se a p r e s e n t a c a r r e g a d a de helenismos
(33).

B a r d o n r e v e l a que a sensação de r u p t u r a ,
a que a l u d i m o s a c i m a , é também b u s c a d a p o r Pérsio p e l o
emprego do i n f i n i t i v o p e r f e i t o em l u g a r do p r e s e n t e , que
p a r e c e r i a mais o p o r t u n o ( 3 4 ) . Nota-se, de f a t o , nas sãt_i
ras de Pérsio g r a n d e incidência do emprego de infiniti-
v o s , os q u a i s aparecem em c e r c a de 22% dos v e r s o s ( 3 5 ) ,
e, e n t r e essas f o r m a s n o m i n a i s , devem-se c i t a r os infi-
nitivos substantivados (36).
Quanto ao emprego a c e n t u a d o do infiniti-
v o , Bardon d e f e n d e a t e s e de q u e , no tempo de Pérsio,
"com c e r t e z a , no f a l a r corrente, o sistema casual está
para reduzir-se e o infinitivo começa a ganhar muito ierre_
-HO-

no e o infinitivo substantivado responde a uma ten-


dência muito antiga da língua" ( 3 7 ) , c o n c l u i n d o que, para
Pérsio, d e n o t a n d o a ação v e r b a l no e s t a d o p u r o , o u s o do
i n f i n i t i v o , mesmo que s u b s t a n t i v a d o , c o n f e r e â sua pró-
pria significação a nuança de participação no a t o ( 3 8 ) ,
a d v e r t i n d o , p o r f i m , que "a obscuridade que r e s u l t a fre-
quentemente deste emprego provêm de um d e s e j o de conferir
ã visão, v a l e dizer, ã idéia, a mais forte intensidade
possível" (39).

Não se p r e t e n d e , nem se p o d e , d i s c o r d a r da
lição de B a r d o n a c e r c a de o i n f i n i t i v o r e s p o n d e r a uma
possível t e n t a t i v a de Pérsio a p r o x i m a r a língua, de que
se s e r v e nas suas sátiras, da língua p o p u l a r , já q u e , c o -
mo a f i r m a P a r a t o r e , p o s s u i e l e uma preferência p e l o sermo
vulgaris ( 4 0 ) ; ê, aliás, o que se lê em V, 1 4 , na imagem
"Verba togae s e q u e r i s . . ." com que C o r n u t o p r e t e n d e c a r a c -
t e r i z a r a língua u t i l i z a d a p o r Pérsio ( 4 1 ) . Não é", c o n t u -
do, e x a t o e x p l i c a r o emprego do i n f i n i t i v o em Pérsio, ape
nas r e l a c i o n a n d o - o com o l a t i m p o p u l a r ; f a z - s e necessário
examinar não so o i n s t r u m e n t o com que o p o e t a concretizou
sua o b r a , como também os e l e m e n t o s culturais condicionan-
tes do seu espírito.

Ê" p o r demais c o n h e c i d o que Pérsio f o i um


p o e t a c u j o caráter se m o l d o u c o n f o r m e ã d o u t r i n a do P o r t i _
co, a q u a l e l e pretendeu d i v u l g a r ( 4 2 ) . Segundo Bréhier,
procuravam os estóicos e x p r i m i r em um j u l g a m e n t o não uma
p r o p r i e d a d e do t i p o "um corpo está quente, mas um aconte-
cimento, como 'um corpo se esquenta'" ( 4 3 ) , o que também
é r e l a t a d o p o r B r u n , quando a f i r m a que a proposição estõ_i
ca a n u n c i a a c o n t e c i m e n t o s do t i p o "Ê d i a " e "Dion pas-
seia" ( 4 4 ) . Não é, p o i s , i n c o r r e t o s u b o r d i n a r o emprego
do i n f i n i t i v o em Pérsio ã propensão que t i n h a m os estói-
cos p e l a s proposições i n d i c a d o r a s de a c o n t e c i m e n t o s . Se o
infinitivo d e n u n c i a a ação v e r b a l em e s t a d o p u r o , e c e r t o
que e x p r e s s a um a c o n t e c i m e n t o . Tendo formação estóica,
s e r v i u - s e o p o e t a dessa f o r m a n o m i n a l também p a r a respon-
d e r a essa inclinação da retórica do Pórtico e fê-lo m a i s
- 41 -

a r r o j a d a m e n t e ao e m p r e g a r i n f i n i t i v o s s u b s t a n t i v a d o s , f u n
d i n d o em uma única p a l a v r a c o n c e i t o e a c o n t e c i m e n t o , como
•ocorre em I , 9 ("... et nostrum istud uiuere triste."),
p a r a c i t a r apenas um dos s e t e casos de substantivação do
infinitivo.

A afirmação de B a r d o n de que um dos m o t i -


vos da o b s c u r i d a d e de Pérsio r e s i d e no emprego do infini-
t i v o merece s e r v i s t a com c e r t a r e s e r v a ; o emprego do i n -
finitivo f o i uma e s t r u t u r a l i n g u i s t i c a n o r m a l em latim,
como bem a t e s t a m as orações i n f i n i t i v a s . A s u r p r e s a do
seu uso em Pérsio l i m i t a - s e a a l g u n s poucos casos em que
ele empregou o i n f i n i t i v o perfeito em l u g a r do p r e s e n t e ,
f a t o q u e , d e v i d o â sua s i n g u l a r i d a d e , p o d e r i a o b s c u r e c e r
o pensamento ( 4 5 ) .

0 diálogo
«*»„
Um dos m o t i v o s que se c o s t u m a a p o n t a r no
e s t u d o da sua o b s c u r i d a d e é a e s t r u t u r a do d i a l o g o de
que se s e r v i u Pérsio ( 4 6 ) . Não se podem, em a l g u n s c a -
s o s , e s t a b e l e c e r os l i m i t e s e x a t o s das f a l a s dos i n t e r l o -
cutores ( 4 7 ) e, f r e q u e n t e m e n t e , i d e n t i f i c a r , na p r i m e i r a
leitura, os p a r t i c i p a n t e s do diálogo, p r i n c i p a l m e n t e quan
do há a intrusão i n e s p e r a d a de um i n t e r l o c u t o r . Podem-se
arrolar vários e x e m p l o s , dos q u a i s , a título de comprova-
ção, apresentamos a l g u n s .

Em I I , 1 7 , Pérsio p a s s a b r u s c a m e n t e a diri
g i r - s e a alguém em p a r t i c u l a r ("Heus age 3 responde..."),
que não pode s e r c l a r a m e n t e i d e n t i f i c a d o ; a quem se diri-
giria Pérsio? A M a c r i n o , a quem é endereçada a sátira?
C e r t a m e n t e que não, já que no v e r s o 5, com o emprego de
at, Pérsio opõe a M a c r i n o os hipócritas q u e , s u t i l m e n t e ,
murmuram suas p r e c e s no t e m p l o . P o d e r i a Pérsio e s t a r diri.
g i n d o - s e ao l e i t o r ? I s s o s e r i a possível, se um p r e t e n s o
interlocutor não tomasse a p a l a v r a p a r a d i z e r apenas "Cui_
nan?" ( I I , 1 9 ) . Nos v e r s o s 56-58 ("'Nam f r a t r e s i n t e r ae-
- 42 -

nos / Somnia pituita qui purgatissima mittunt 3 / Praeci-


pui sunto sitque Ulis áurea barba. '"), o pretenso inter
l o c u t o r , ou um o u t r o t a l v e z , r e t o m a a p a l a v r a , permane-
cendo o p r o b l e m a da sua identificação. 0 que se pode d e -
preender des. es passos é uma estratégia de Pérsio : pôr
na boca de um i n t e r l o c u t o r imaginário um pensamento que
pretende r e f u t a r , c o n s t i t u i n d o - s e , a s s i m , a f a l a do i n -
t e r l o c u t o r em mero p r e t e x t o p a r a que e l e , Pérsio, possa
d e s e n v o l v e r a sua c r i t i c a ; d e s t a f o r m a , s e r v e - s e de "áu-
rea barba" p a r a , nos v e r s o s 29-60, m o s t r a r como o o u r o
c o r r o m p e u a tradição dos romanos.

A sátira I I I é a b e r t a p o r uma f a l a que se


p r o l o n g a até o v e r s o 5. Não se p o d e , de i m e d i a t o , i d e n t i c
ficar o interlocutor, o que v a i o c o r r e r somente no pri-
m e i r o hemistíquio do v e r s o 6 ("Vnus a i t comitum...") , o
q u a l , dado o p r o s s e g u i m e n t o do diálogo, p o d e r i a também,
em uma p r i m e i r a l e i t u r a , n e j f e r i r - s e à f a l a do j o v e m pre-
guiçoso ( v v . 6 - 8 ) . Nos v e r s o s 41-42 da mesma sátira, há
a colocação de uma f a l a ("'Imus, / Imus praeoipites...")
na boca de um c o r r u p t o , uma personagem p r e t e n s a m e n t e pre
s e n t e ; as suas p a l a v r a s têm p o r função t o r n a r mais vivo
o d i s c u r s o filosófico do p o e t a .

I n t r o d u z i d o p o r Quaesiueris, o c o r r e em
I V , 25-32, um diálogo e n t r e duas p e r s o n a g e n s ("'Nostin
V e t t i d i praedia?' - 'Cuius?' - Diues arat Curibus quan_
tum non miluus e r r a t . ' / 'Huno a i s , huno disiratis geni_
oque sinistro, / Qui, quandoque iugum pertusa ad compita
figit, / Seriolae ueterem metuens deradere limum / Inge-
mit: 'Hoc bene sit', tunicatum cum s a l e mordens / Caete
et, farratam p u e r i s plaudentibus ollam, / Pannosam fae-
cem morientis sorbet aceti?'"). A d u v i d a desse d i a l o g o
reside i g u a l m e n t e na identificação de seus participantes:
um d e l e s , o que d i s c o r r e sobre a extrema avareza de Vetí
dio, visto o teor c r i t i c o da sua f a l a , poderia ser iden-
tificado como o próprio Pérsio. 0 s e g u n d o , p o r sua v e z ,
a considerarmos o quaesiueris do v e r s o 2 5 , somente h a v e -
ria de s e r uma personagem p r e s e n t e à ação da sátira; i s -
- 43 -

s o , c o n t u d o , não o c o r r e , jã que o p o e t a f a z o d i a l o g o suce


d e r a uma sua imprecação, em t e r m o s e m i n e n t e m e n t e genéri-
c o s ; a s s i m , a personagem permanece desconhecida.

Um i n t e r l o c u t o r , q u e , de i m e d i a t o , não e i -
dentifiçado, toma i n e s p e r a d a m e n t e a p a l a v r a em V, 5, c o n d u
z i n d o - a até o v e r s o 18. No v e r s o 1 9 , Pérsio i n i c i a a r e s -
p o s t a a f a l a do seu i n t e r l o c u t o r , que s e r a c o n h e c i d o somen
t e no v e r s o 23 ("Pars tua sit, Comute, animae, tibi, dul-
eis amiae"), quando Pérsio a e l e se r e f e r e através do v o c a
tivo Comute.

Em V, 73, quando Pérsio p r i n c i p i a o segmen-


t o a c e r c a da l i b e r d a d e , segundo a d o u t r i n a do e s t o i c i s m o
("Libertate opus est"), h a b i l m e n t e , com o emprego de "non
haee", c r i a condições p a r a que alguém tome a p a l a v r a ("'Vt
q u i s que Velina / Publius emevuit, soabiosum tesserula f a r /
P o s s i d e t . "', v v . 7 3-7 5 ) . C o n s i d e r a n d o que o a u t o r t i r a p r o
v e i t o da f a l a d e s s a personagem p a r a d e i x a r bem assentado
que não p r e t e n d e t r a t a r da l i b e r d a d e c i v i l , física, pode-
mos entendê-la p r o c e d e n t e de alguém que ou c o n c o r d a com as
idéias do p o e t a , ou b u s c a e s c l a r e c e r - s e de que l i b e r d a d e
t r a t a r a e f e t i v a m e n t e o p o e t a , c i t a n d o um e x e m p l o p a r a que
s e j a c o n f i r m a d o ou negado.

Em V, 8 2-85 (."'Haee mera l i b e r t a s , hoo no-


bis p i l l e a donant. / An q u i s q u i s est a l i u s liber, n i s i du-
eere uitam / Cui lioet ut u o l u i t ? L i c e t ut uolo uiuere:
non sim l i b e r i o r B r u t o ? ' " ) , hã a f a l a de uma personagem a
c u j a identificação c o n c o r r e m duas interpretações: o d i s c u r
so p o d e r i a p r o v i r de Marcus Dama, i n t r o d u z i d o no v e r s o 76
p a r a s e r tomado como símbolo da l i b e r d a d e c i v i l , ou da mes
ma personagem que, p a r a e s c l a r e c e r - s e , tomou a p a l a v r a nos
v e r s o s 73-75; ê e v i d e n t e q u e , n e s t a segunda a l t e r n a t i v a , o
interlocutor m o s t r a a sua discordância em relação ã l i b e r -
dade d e f e n d i d a p o r Pérsio.

As imagens

Costuma-se a l e g a r como causa da o b s c u r i d a d e


-44 -

de Pérsio o emprego de numerosas metáforas, metonímias e


o u t r a s f i g u r a s de l i n g u a g e m q u e , em v i r t u d e de sua insó-
lita concepção, causam e s t r a n h e z a ao l e i t o r , dele exigin
do reflexão p r o f u n d a p a r a que s e j a possível p e n e t r a r no
mundo das suas idéias ( 4 8 ) .

A título de e x e m p l o , a r r o l a m o s abaixo as
construções mais signifíaativas.

Condenando a educação literária com que


os p a i s impõem exercícios g r e g o s aos f i l h o s incapazes de
s a i r - s e bem nos mais s i m p l e s r u d i m e n t o s literários, r e f e
r e - s e Pérsio a e s s a s práticas, ou ao s e u r e s u l t a d o , em
termos sarçasticamente irônicos, denominando-as "sartago
loquendi", I , 80, literalmente, frigideira de f a l a r . A
tradução que a d o t a m o s , e s t e f a l a r de f r i g i d e i r a , aproxi-
ma-se do v e r d a d e i r o s e n t i d o da expressão "sartago loquen_
di" , a q u a l , p o s s i v e l m e n t e dotada de intenção onomatopai.
c a , f o i c a l c a d a no som p r o d u z i d o p e l o óleo ao f e r v e r na
frigideira. ***-

Em um passo ( I I , 33-38) em que p r e t e n d e


mostrar a sandice de uma avó ou t i a m a t e r n a nas cerimô-
n i a s do d i e s l u s t r i a u s , d i a em que se p u r i f i c a v a m as c r i
ancas recém-nascidas, Pérsio d e s i g n a perifrasticamente o
mau o l h a d o com o s i n t a g m a urentis óculos (II, 3 4 ) , olhos
que queimam. P o r s i só, o emprego da sinédoque ooulos
não causa sensação de e s t r a n h e z a ; na r e a l i d a d e , e l a se
e n c o n t r a no epíteto u r e n t i s , que c o n f e r e à construção i n
t e n s a força e x p r e s s i v a .

V i s a n d o a d e n u n c i a r que o homem tomado pe


l o vício se e n c o n t r a i r r e m e d i a v e l m e n t e p e r d i d o , compara-
o o p o e t a , em I I I , 33-34 ("et a l t o / Demersus summa r u r -
sus non bui lit i n unda."), a um o b j e t o q u e , lançado ã ã-
gua, v a i ao f u n d o , não podendo r e t o r n a r à superfície. 0
a r r o j o d e s s a imagem l o c a l i z a - s e no emprego do v e r b o bul-
lire, oobrir-se de bolhas, para designar a i d e i a de su-
bir d superfície.

No v e r s o 39, a i n d a da sátira I I I ("...Si-


- 14 5 -

o u l i gemuerunt aera iuuenci"), o c o r r e a animização não do


t o u r o de Faiãride, como de d e v e r i a e s p e r a r , mas s i m do
bronze de que h a v i a s i d o construído. A imagem, na r e a l i d a
de, e p o r t a d o r a de g r a n d e complexidade. Com o emprego de
gemuerunt, Pérsio a l u d e não ao b r o n z e , mas às vítimas que
eram queimadas vivas; na boca do a n i m a l ; e s t a interpreta-
ção t o r n a - s e possível com o t e s t e m u n h o de Plínio: "Peril-
lum nerno laudet saeuiorem Phalaride tyranno, aui taurum
fecit, mugitus hominis polliotus igni súbdito..." - Hist.
nat. , XXXIV, 89.

Em I I I , 58 ("...laxumque oaput oonpage so-


luta"), p a r a c a r a c t e r i z a r a v i d a d e s r e g r a d a do p r e t e n s o
e s t u d a n t e , a p r e s e n t a - o Pérsio com a cabeça v a c i l a n t e , com
uma articulação s o l t a . ?a p r i m e i r a l e i t u r a , o sintagama
oonpage soluta g e r a no l e i t o r uma sensação de q u e b r a do
p l a n o lógico do d e s e n v o l v i m e n t o , dada a a p a r e n t e f a l t a de
nexo lógico e n t r e o s i n t a g m a e oaput.

0 v e r s o 91 da sátira I I I , ( "Tertia conposi_


tas uidit nox ourrere uenas") t r a z a personificação arro-
j a d a da t e r t i a nox. Segundo Dolç, j u s t i f i c a - s e o emprego
do n u m e r a l tertia p o r entenderem os a n t i g o s que a t e r c e i -
ra noite f o s s e o p o n t o crítico p a r a o diagnóstico da f e -
bre ( 4 9 ) .

Para d i z e r em I V , 17-18 ("...Vncta uixisse


patella / semper...") que Alcebíades n u n c a se d e d i c a r a ao
e s t u d o da f i l o s o f i a , s e r v e - s e Pérsio do s i n t a g m a unota pa_
t e l l a . Torna-se possível e s s a interpretação, r e l a c i o n a n -
do-se os v e r s o s 17-18 com os v e r s o s 54-55 da sátira III
(". . .insomnis quibus et detonsa iuuentus / Inuigilat sili
quis et grandi vasta polenta."), em que Pérsio m o s t r a a
privação a que se s u b m e t i a m os j o v e n s e s t u d a n t e s do esto:!
c i s m o ; t e m - s e , a s s i m , a oposição e n t r e uncta patella e si_
liquis et grandi polenta, o contraste entre dois sistemas
de vida.

Em I V , 48-49 ("...amarum / S i puteal multa


eautus uibice flagellas"), encontra-se, indubitavelmente,
uma das imagens mais a r r o j a d a s ; l i t e r a l m e n t e deve-se l e r
- 46 -

"...se, cauteloso, flagelas o puteal amargo com muitos


golpes". Sabe-se que o puteal e r a uma pequena marca c i r
cular que se punha en t o r n o das a r v o r e s s a g r a d a s ou
dos l u g a r e s que h a v i a m s i d o a t i n g i d o s p e l o r a i o , que e-
ram considerados s a g r a d o s e inacessíveis. Segundo Ramo-
rino, Pérsio d e s i g n a o puteal L i b o n i s , no Fórum, em r e -
d o r do q u a l se r e u n i a m b a n q u e i r o s , usurários e homens
de negócio em g e r a l ; a s s i m , f l a g e l l a r e puteal significa
açoitar os devedores; o sintagma multa uibice represen-
ta "as muitas c i c a t r i z e s da usura" ; o emprego de cautus
assinala 0 cuidado que se d e v e r i a t e r p a r a não incorrer
nas penalidades do Código P e n a l ( 5 0 ) . Tem-se, então, u -
ma perífrase q u e , p r o c u r a n d o d e s i g n a r a a v i d e z do u s u r a
rio, se t r a n s f o r m a em um v e r d a d e i r o e n i g m a .

Em V, 8-9, ("Siquibus aut Prognes aut si_


quibus olla Thyestae / Feruebit saepe inuiso cenanda
Gliconi."), Pérsio empregado t e r m o olla Prognes aut Thy_
estae p a r a m e n c i o n a r tragédias de a r g u m e n t o b a s e a d o nas
lendas de T e r e u e Tieste; olla alude, evidentemente, a
preparação do b a n q u e t e o f e r e c i d o a T e r e u e a Tieste; a
imagem p r o s s e g u e com o emprego irônico de cenare, com o
s e n t i d o de representar.

Em V, 1 0 - 1 1 ("Tu neque anhelanti, coqui-


tur dum massa camino, / Folie premis u e n t o s . . . " ) , a com
posição poética é, na f a l a de C o r n u t o , comparada ao t r a
b a l h o na f o r j a . Nessa imagem a p o e s i a ê massa, compô-la
é coquere . Sendo o uentus o que f o m e n t a o f o g o no cami-
nus, é lícito j u l g a r que uentus r e p r e s e n t e a inspiração
poética, que a l i m e n t a a p o e s i a . Nesse c o n t e x t o , premere
uentos somente p o d e r i a s i g n i f i c a r impedir o trabalho na
forja e, na comparação, o p o r - s e , p e l a contensão da ins-
piração, ã a t i v i d a d e poética. É necessário, c o n t u d o , as
s i n a l a r o t o m sarcástico desse p a s s o ; a imagem c o n t i d a
em f o l i e anhelantí aproxima-se, sem d u v i d a , da imagem
c o n t i d a em "...quod pulmo animae praelargus anhelet",
I, 4 1 , com q u e , m o r d a z m e n t e , Pérsio c a r a c t e r i z a a poe-
s i a grandiloqüente, a l t i s s o n a n t e , c u j a declamação e x i -
_ 14 7 -

g i a g r a n d e fôlego, embora o s e u conteúdo f o s s e desprezí-


v e l ; a aproximação f o l i e anhelanti / pulmo praelargus
t o r n a - s e a i n d a mais c o n s i s t e n t e , quando o uentus é a ins'
piração poética. Desse modo, a p o e s i a a que se r e f e r e o
mestre de Pérsio pode somente s e r a grandiloqüente, a l -
t i s s o n a n t e , embora v a z i a de conteúdo; p o e s i a que Pérsio
realmente não compõe. A m p l i a - s e o sarcasmo nos v e r s o s
11-13 ("...nec clauso murmure rauaus / Néscio quiã tecum
graue cornicaris inepte / Nec scloppo túmidas intendis
rumpere buccas .") em que o néscio de C o r n u t o equivale a
um non f a c i s ; assim, Pérsio não g r a s n a c o n s i g o mesmo nem
t e n c i o n a e s t o u r a r as b o c h e c h a s c h e i a s de a r com um " e s -
clopo" ( 5 1 ) . 0 " e s c l o p o " r e t o m a a idéia do uentus e do
folie anhelanti, reforçando a crítica â f u t i l i d a d e da po-
e s i a da moda.

0 sintagma pallentis grana cumini, V, 5 5 ,


é p o r t a d o r de c e r t o a r r o j o r e l a t i v a m e n t e ao emprego do
particípio p a l l e n t i s , c o n f e r i n d o a cuminum um s e n t i d o a-
g e n t e que se pode e x p l i c a r apenas com o c o n h e c i m e n t o das
suas p r o p r i e d a d e s ; -segundo Plínio, H i s t . Nat. , X I X , 1 6 0 ,
e XX, 1 5 9 , "omne cuminum pqllorem bibentibus gignit";
daí o epíteto de p a l l e n t i s que a e l e é atribuído.

Em V, 5 8 - 5 9 ("...set cum lapidosa chera-


gra / F e c e x i t artículos ueteris ramal ia f a g i " ) , p a r a mos
t r a r os e f e i t o s n e f a s t o s da g o t a , compara os dedos do go-
t o s o ãs ramagens de uma v e l h a faia.

Em V, 92 ("Dum u e t e r e s auias tibi de pul-


mone r e u e l l o " ) , Pérsio s e r v e - s e do t e r m o ueteres auias
p a r a d e s i g n a r os p r e c o n c e i t o s e mesmo os v o t o s t o l o s d a s
v e l h a s avôs; essa interpretação ganha em substância, se
se l e m b r a r e m os v o t o s f e i t o s p o r uma avó ou t i a m a t e r n a ,
os q u a i s são a p r e s e n t a d o s na sátira I I , 31-38.

Em V I , 1 0 - 1 1 ("Cor iubet hoc Enni, post-


quam d e s t e r t u i t esse / Maeonides, Quintus ex Pythagore-
o."), Pérsio a l u d e ao famoso sonho que Ênio r e l a t a no i -
nício dos seus Annales. Deve-se, nesse p a s s o , m e n c i o n a r
especialmente o termo "Quintus pauone ex Pythagoreo",
- 48 -

que somente se pode e x p l i c a r com a lição do e s c o l i a s t a de


Pérsio; segundo o e s c o l i a s t a ( 5 2 ) , Homero a p a r e c e u a Ênio
em um sonho e, t e n d o - l h e a p r e s e n t a d o a t e o r i a da m e t e m p s i
c o s e , d i s s e - l h e que a alma de Pitágoras h a v i a t r a n s m i g r a -
do p a r a um pavão r e a l , encarnando-se, d e p o i s , em E u f o r b o ,
passando p o s t e r i o r m e n t e para o seu c o r p o e, f i n a l m e n t e ,
para o do próprio Ênio. Deve-se o b s e r v a r a ambiguidade,
ou um r e a l t r o c a d i l h o , c o n t i d a no n u m e r a l Quintus, que, a
lêm de s e r o praenomen de Ênio, i n d i c a i r o n i c a m e n t e que e
l e f o i o q u i n t o da série das transmigrações.

Um dos p a s s o s mais o b s c u r o s de Pérsio e n -


contra-se, indubitavelmente, em V I , 38-39 ("'Ita fít;
postquam sapere urbi / Cum pipere et palmis uenit .../
... nostrum hoc maris expers.'") com que B e s t i u s condena
os sábios g r e g o s . A interpretação, que se c o n s i d e r a mais
plausível, f o i a p r e s e n t a d a p o r Turnêbe e d e f e n d i d a por
Villeneuve ( 5 3 ) ; subtende-se n e l a et sapere após uenit e
fit após expers. Dessa fcfrma, l e r - s e - i a "eis o que suce-
de, depois que a sabedoria chegou a Roma com a pimenta e
as tâmaras e a nossa sabedoria se tornou produto cismari-
no" ( 5 4 ) . R a m o r i n o , c o n t u d o , p r e f e r e a lição de Casaubon,
a u t o r de uma edição de Pérsio em 1 6 0 5 , na q u a l se vS em
maris o g e n i t i v o de mas; a s s i m , hoc nostrum maris expers
deve s e r t r a d u z i d o p o r " e s t a nossa sabedoria de efemina-
dos" (55'). Dolç, c o n t u d o , c o n s i d e r a e s t r a n h a t a l i n t e r p r e
tação ( 5 6 ) . Julgamos mais adequada a interpretação de T u r
nêbe, V i l l e n e u v e e Dolç, já que é possível h a v e r na fala
de B e s t i u s um c o n f r o n t o e n t r e a s a b e d o r i a e o p o d e r mili-
t a r dos r o m a n o s ; e n q u a n t o e s t e se e x p a n d i u p o r força das
armas, a q u e l a f o i i m p o r t a d a . De q u a l q u e r modo, d e v e - s e r e
g i s t r a r a sensação de e s t r a n h e z a g e r a d a p e l a insólita c a -
1
racterização da s a b e d o r i a e s t r a n g e i r a através do s i n t a g m a
cum pipere et palmis, mercadorias i m p o r t a d a s b o r Roma.

Para m o s t r a r a e x t r e m a miséria:em que pode


ria incidir, caso p r o c u r a s s e p o u p a r seus bens p a r a satis-
f a z e r a ambição do h e r d e i r o , s e r v e - s e Pér$io da oração
"Mihi trama figurae / s i t reliqua...", V I , 73-74, e s t a b e -
- 49 -

cendo c a u s t i c a m e n t e uma oposição e n t r e e l e e o h e r d e i r o


(" . . .ast i l l i tremat emento popa uenter?" - V I , 7 4 ) . Tra
ma, um vocábulo próprio da indústria têxtil p a r a d e s i g -
n a r o esboço da f i g u r a a s e r t e c i d a , c o n s t i t u i , nesse
v e r s o , uma metáfora que b u s c a i n d i c a r a a c e n t u a d a magre-
za de Pérsio, se acedesse aos d e s e j o s do h e r d e i r o .

As transladações

Não r a r a s v e z e s , e n c o n t r a m - s e em Pérsio
transladações de a t r i b u t o s q u e , embora n o r m a i s em lite-
r a t u r a , obrigam o l e i t o r a frequentes r e l e i t u r a s já q u e ,
à primeira vista, sugerem r u p t u r a do p l a n o lógico do e-
n u n c i a d o , f a t o q u e , i n e g a v e l m e n t e , é g e r a d o r de o b s c u r i -
t a r :
dade. D e n t r e e l a s , devem-se «4

"í/on tu prece poseis emaci" ( I I , 3 ) : para


c e n s u r a r a impiedade dos homens que querem " n e g o c i a r "
com os d e u s e s , buscando c o m p r a r suas graças com o f e r e n -
d a s , Pérsio t r a n s f e r e o a t r i b u t o emax, próprio do homem,
p a r a a oração, c o n f e r i n d o ã construção c a r g a irônica mui,
to acentuada.

"At bona pars procerum tacita libabit a-


cerra" ( I I , 5 ) : com r e c e i o de que seus p e d i d o s i m o r a i s
sejam o u v i d o s p o r a q u e l e s que se e n c o n t r a m no t e m p l o , os
hipócritas, s i l e n c i o s a m e n t e , d i r i g e m suas orações aos
d e u s e s ; em Pérsio, porem, não podendo c a r a c t e r i z a r bona
pars, já que ê a b l a t i v o , t a c i t a p r e n d e - s e a acerra; as-
s i m , não são s i l e n c i o s o s os hipócritas, mas s i m a acerra
em que se g u a r d a o i n c e n s o com que se p r o c e d e ao sacrifí
cio.

"...fundo s u s p i r e t nummus in immo" ( I I ,


51): e s t a imagem, a personificação de uma moeda que s u s -
p i r a no f u n d o de uma b o l s a , r e t o m a agressivamente a iro-
nia c o n t i d a nos v e r s o s 46-47 (."...Quo, pessime, pacto, /
Tot tibi cum in flammis iunicum omenta l i q u e s c a n t ? " ) com
que o p o e t a p r o c u r a m o s t r a r o d i s p a r a t e no procedimento
- 50 -

de quem pede aos deuses que l h e m u l t i p l i q u e m o r e b a n h o ,


s a c r i f i c a n d o - l h e s a.s n o v i l h a s , que p o d e r i a m g e r a r n o v a s
r e s e s . 0 v e r s o 51 d e n u n c i a a penúria a que c h e g o u o i n -
feliz, após t a n t o s sacrifícios. É e v i d e n t e que quem sus
pira p e l a moeda no f u n d o da b o l s a é o próprio infeliz;
com a personificação, Pérsio t r a n s f e r e p a r a a moeda o
que, logicamente, ê a t r i b u t o do homem, i n t e n s i f i c a n d o ,
a s s i m , a sua e x t r e m a miséria.

"...murmura et rabiosa silentia roãunt"


(III, 8 1 ) : o emprego de rabiosa como c a r a c t e r i z a d o r de
silentia constitui-se em uma das mais a r r o j a d a s transia
dações. Do v e r s o 78 ao 85, quem tem a p a l a v r a e um c e n -
t u r i a o , gens hircosa p a r a Pérsio. A f a l a do m i l i t a r , i n
t e i r a m e n t e v o l t a d o c o n t r a a f i l o s o f i a , p r o c u r a ridícula
r i z a r os filósofos; a s s i m , a r a b i e s do s o l d a d o projeta-
se c o n t r a os s i l e n t i a dos filósofos; daí o s i n t a g m a r a -
biosa silentia .

" . . .moalice sitiente lago ena / ... s i b i


... rogabit" (III, 9 2 - 9 3 ) : a c e n a , de onde se extraíram
esses v e r s o s , a p r e s e n t a um jovem d o e n t e q u e , c r e n d o - s e
r e s t a b e l e c i d o , pede um pouco de v i n h o , não atendendo
aos c o n s e l h o s médicos. P r e t e n d e n d o assinalar ironicamen
te a f a l s a prudência do e n f e r m o , s e r v e - s e Pérsio de uma
expressão ("modice sitiente lagoena") que t r a n s p o r t a pa
ra a lagoena a pouca sede do d o e n t e .

"Pannosam faecem morientis sorbet aoeti"


(IV, 3 2 ) : visanso a r e v e l a r a acentuada a v a r e z a de Vetí
dio, v a l e - s e Pérsio de uma expressão hiperbólica estru-
t u r a d a s o b r e o s i n t a g m a morientis aoeti; além de a n i m i -
zar o próprio v i n h o - aoetum, p a r a Pérsio -, o empre-
go do particípio morientis c o n f e r e â construção intensa
c a r g a irônica: o v i n h o , a n i m i z a d o , e s t a m o r r e n d o e Vetí
dio s o f r e com i s s o , f a t o que reforça sua a v a r e z a , já
que terã que substituí-lo p o r o u t r o . Não ê imprudência
ver em morientis a o e t i uma transladação de a t r i b u t o s :
embora f o r m a l m e n t e p r e s o a a o e t i , morientis p o d e r i a , pe
l a idéia, l i g a r - s e a Vetídio; a s s i m , o a v a r e n t o ê que
- 51 -

m o r r e r i a , de d e s g o s t o certamente, p o r t e r de a d q u i r i r o u -
tro vinho.

"...ília subter / Caecum uulnus habes, sed


lato balteus auvo / Praetegit." ( I V , 43-45): no c o n t e x t o
em que se s i t u a m esses v e r s o s , Pérsio opõe o e x t e r i o r ,
representado p o r lato balteus auvo, ao i n t e r i o r do homem,
s i m b o l i z a d o p o r caecum uulnus ,• em uma imagem s e m e l h a n t e ã
dos versos 113-114 da sátira I I I ("...tenevo ulcus in ove
p u t v e . . . " ) . T r a d u z - s e l i t e r a l m e n t e caecum uulnus por feri_
da cega; o c o r r e , nesse s i n t a g a m a , a transladação do s e n t i
do da visão: o caecum uulnus ê encoberto p e l o b a l t e u s la-
to auvo, de t a l modo que se t o r n a impossível vê-lo. As-
s i m , o homem ê que ê cego p o r não p o d e r ou não q u e r e r vê-
lo. Desse modo, a visão - ou a sua f a l t a -, f a c u l d a d e
própria do h.~>mem, e t r a s l a d a d a a uulnus.

" S t a t contra ratio et secretam g a r r i t in


aurem" ( V , 9 6 ) : no p a s s o em que s.e l o c a l i z a e s s e verso,
Pérsio, a l u d i n d o ao p r e c e i t o estóico de v i v e r c o n f o r m e â
razão, passa a e n u n c i a r uma série de a t o s a que se opõe a
razão. A construção et secretam garrit in aurem, além da
ousada personificação de r a t i o , ê p o r t a d o r a também de uma
transladação: f o r m a l m e n t e preso a aurem, o adjetivo secre^
tam ê, no p l a n o lógico, um m o d i f i c a d o r da ação verbal.

"...renque omnem surdaque uota / Condidit


Ionio..." ( V I , 2 8-29): ao n a r r a r as cenas de um naufrá-
g i o , emprega o p o e t a o sintagma surdaque uota, imagem anã
I o g a ã de caecum uulnus ( I V , 4 4 ) , procedendo à t r a n s l a d a -
ção da f a c u l d a d e da audição. 0 a d j e t i v o surda equivale à
locução non exaudita; assim, o que s e r i a p e r t i n e n t e aos
deuses (non exaudire uota) ê atribuído aos próprios uota,
f a t o que rompe o nexo lógico do v e r s o .

"...seu s p i r e n t cinnama surdum" (VI, 35):


d e s c r e v e n d o o d e s c a s o do h e r d e i r o nas cerimônias do f u n e -
ral do próprio p o e t a , Pérsio t r a n s l a d a o s e n t i d o de sur-
dum da audição p a r a o o l f a t o .
- 52 -

As a i u s o e s

O abuso de alusões não só a p e s s o a s , como


também a costumes e f a t o s históricos é um e l e m e n t o que
d i f i c u l t a o e n t e n d i m e n t o das sátiras de Pérsio ( 5 7 ) .

N o r m a l m e n t e , quando a l u d e a p e s s o a s , Pér-
s i o fã-lo a pessoas já m o r t a s ou imaginárias, quase sem-
p r e tomadas m e t o n i m i c a m e n t e ; encontram-se, assim, alu-
sões a P o l i d a m a n t e (I, 4 ) , Ácio, I , 5 0 ) , Quíntio ( I , 7 2 ) ,
Ãcio B r i s e u ( I , 7 5 ) , Pacúvio ( I , 7 5 ) , Pedio (I, 8 5 ) , Lu-
po (I, 115),Cratino (I, 1 2 3 ) , Eupõlide ( I , 123), Aristo
fanes ( I , 124),Estaio (II, 2 6 ) , Licínio ( I I , 3 6 ) , Cras-
so ( I I , 3 6 ) , Numa ( I I , 5 8 ) , Messalae propago ( I I , 71),
Nata (III, 3 1 ) , Crátero ( I I I , 6 5 ) , Marso ( I I I , 7 5 ) , Vetí
dio ( I V , 7 5 ) , Glicão ( V , 9 ) , C l e a n t o ( V , 6 4 ) , P u b l i u s
(V, 7 4 ) , B r u t o ( V , 8 5 ) , M a s u r i o (V, 9 0 ) , Bestius ( V I ,
3 7 ) , Calígula ( V I , 4 3 ) , Cesônia ( V I ^ 4 7 ) , T a d i u s ( V I ,
66) e a C r i s i p o (VI, 80).

E n t r e as alusões a c o s t u m e s e f a t o s , as
q u a i s a s i m p l e s l e i t u r a das sátiras não p e r m i t e e s c l a r e -
c e r , pode-se c o n t a r a alusão aos exercícios de retórica
(I, 7 0 - 7 1 ) , ao hábito r e l i g i o s o da purificação nas águas
do l i b r e (II, 1 5 - 1 6 ) , ã superstição do r a i o (II, 24-25),
ao b i d e n t a l (II, 2 7 ) , ao hábito de as moças o f e r e c e r e m
suas bonecas a Vénus, ao c a s a r - s e (II, 7 0 ) , ã c o r r i d a de
b i g a s no estádio ( I I I , 6 8 ) , ã cerimônia dos f u n e r a i s r o -
manos ( I I I , 10 3 - 1 0 6 ) , ãs a t i v i d a d e s no Campo de M a r t e
( V , 5 7 ) , â cerimônia da manurnissão ( V , 7 6 ) e ao f a l s o
t r i u n f o de Calígula ( V I , 4 3 ) .

A mudança b r u s c a das cenas

Os críticos da o b r a de Pérsio costumam


também a p o n t a r como c a u s a da o b s c u r i d a d e do p o e t a de V o l -
t e r r a as f r e q u e n t e s transições i m p r e v i s t a s de um t r e c h o a
outro ( 5 8 ) , as q u a i s o b r i g a m o l e i t o r a r e l e r todo o pas-
- 53 -

so ou t o d a a composição p a r a p o d e r i n t e i r a r - s e da sequên-
(.'.i a das i de i a s .

A imaturidade

Devem-se, sem dúvida, a t r i b u i r m u i t o s dos


problemas da o b s c u r i d a d e de pérsio à sua própria imaturi-
dade ( 5 9 ) e, p r i n c i p a l m e n t e , a sua própria inexperiência
poética, j a que Pérsio " s c r i p t i a u i t r a r o et tarde" (60),
e também p o r nao p o d e r p r o c e d e r a uma revisão das sátiras,
pois morreu a n t e s de concluí-las.

Não e, p o r i s s o , possível a q u i l a t a r até


que p o n t o as i m a g e n s , a e s t r u t u r a dos diálogos e o u t r o s
problemas apontados p e l a crítica r e f l e t e m r e a l m e n t e as
tendências artísticas de Pêrsis^ou o seu d e s e j o de que
as sátiras f o s s e m tais como se nos a p r e s e n t a m . Embora
nao s e j a lícito r a c i o c i n a r s o b r e hipóteses, ê inegável
que esse s e j a um p o n t o i m p o r t a n t e p a r a a explicação da
sua o b s c u r i d a d e .
- 54 -

NOTAS AO CAPÍTULO "OBSCURIDADE"

01- opus c i t . , p. X.

0 2- P e r r e a u , opus c i t . , locus c i t .

03- opus c i t . , p. XV.

04- Dolç, opus c i t . , p. 35, também r e g i s t r a as anedotas


de Sao Jerónimo e S a n t o Ambrósio, p r e t e n d e n d o nisto
ria-las; p a r e c e - l h e que o p r i m e i r o a d i v u l g a r tais
l e n d a s t e n h a s i d o Vigenêre ( T r a i t e ales c h i f f r e s ou
secrètes manières d'scrire. P a r i s , 1537), o q u a l ,
segundo Dolç, a f i r m a que Sao Jerônimo, "desdenhando
o livro, 'intellecturis ignibus ille dedit'". Le-se,
a i n d a em Dolç, q u e "E. Lubin (Ed. Pérsio, 1603)
transferiu a lenda para Santo AmbrSsio, atribuindo-
lhe a frase 'ei non u i s i n t e l l e g i non debes legi '" ;
a partir cie então, as l e n d a s f r e q u e n t e m e n t e se f u n -
dIram.

05- D e c l a r a Rair.orino que "...muito usou Pérsio... ...e


até abusou da obscuridade" (opus c i t . , p. X I I ) , a-
c r e s c e n t a n d o , mais além, que e l a "se estende como
névoa diante dos olhos do l e i t o r , impedindo-o de se_
guir o suceder-se e o concatenar-se das idéias" ( o -
pus, c i t . , p. X V ) . Embora reconheça em Pérsio "um
exponencial da época de Nero", B i g n o n e ( H i s t o r i a de
la Literatura Latina. Tradução c a s t e l h a n a de Grego-
rio Alperin. Buenos A i r e s , E d i t o r i a l Losada, 1952,
p. 3 7 7-78) nao se esquece de tachã-lo de "obscuro,
retorcido" (locus c i t . ) . P e r r e a u d e c l a r a que não é
sem razão que se l a m e n t a a o b s c u r i d a d e em Pérsio ( o
pus cit., p. X X X I ) . Para C a r t a u l t , "a obscuridade
em Pérsio é célebre" (opus c i t . , p. 8 ) . Segundo Ma-
g e o t t e , o p o e t a de V o l t e r r a é "um dos mais difíceis
autores" da l i t e r a t u r a latina (Précis d ' H i s t o i r e de
la Littérature Latine. P a r i s , H a c e t t e , s. d . , p.
378). P i c h o n c o n s i d e r a p r o v e r b i a l a o b s c u r i d a d e de
Pérsio ( H i s t o i r e de la Littérature Latine. Paris,
- 55 -

s. d . , p. 5 6 6 ) . Para B a y e t , as sátiras de Pérsio são


de "uma obscuridade legendaria" {Littérature Latine.
P a r i s , Armand C o l i n , ( 1 9 7 7 ) , p. 3 3 2 ) . S t a n o r e c o n h e -
ce a existência de. " c e r t a obscuridade" não só "nas
ligações das idéias, como também em muitas expres-
sões" ( A . PÉRSIO FALCCO. Le S a t i r e . T e s t o , versione
e note d i Giovani S t a n o . B o l o g n a , L. C a p e l l i E d i t o -
re, s. d . , p . X I I ) , embora d e c l a r e e x i s t i r m u i t o exa
g e r o a c e r c a da o b s c u r i d a d e do p o e t a de V o l t e r r a ( o -
pus c i t . , p. X I I I ) , c o n s i d e r a n d o "não digna de serie_
dade uma argumentação que pretende confirmar a exces_
siva obscuridade do poeta" (locus c i t . ) . Não negando
que "uma névoa, não invencível certamente, se e s t e n -
de diante dos olhos do l e i t o r " , i m p e d i n d o - o de acom-
p a n h a r o encadeamento das i d e i a s ( o p u s c i t . , p. 35),
a f i r m a Dolç que "Pérsio f o i sempre reputado o mais
obscuro autor de toda a latinidade" (opus c i t . , p.
39) e, embora reconheça que "proclamação milenar
da obscuridade de Pérsio não sega infundada" (locus
cit.), crê que "com esforço e vontade se pode apre-
c i a r a l e i t u r a de Pérsio, come o faziam seus contem-
porâneos" (locus cit.).

06- opus c i t . , p. XXXI.

07- Perreau, opus c i t . , l o c u s c i t .

08- COUSIN, J . Études sur la Poésie L a t i n e . Nature e t


Mission du P o e t e . P a r i s , g o i v i n & C i e • E d i t e u r e s ,
( 1 9 4 5 ) , p. 1 8 0 .

09- PÉRSIO e GIOVENALE. S a t i r e Scelte, con i n t r o d u z i o n e


e c o m e n t o d i F e l i c e Vismara. M i l a n o , Casa Editrice
D o t t o r Francesco V a l l a r d i , 1904, p. 3.

10- opus c i t . , p. 55 2.

1 1 - D'ONOFRIO, S. OR Motivos da Sátira L a t i n a . Marília,


F.F.C.L., 1968, p. 71.

12- Opus e t l o c u s c i t .

13- opus c i t . , p. 49.


- 56 -

IM • opus c i t . , p. 4 9-50.

15- PARATORE. S t o r i a delia Litteratura Latina. Firenze,


( 196 2 ) , p . 5 90.

16- opus c i t . , p. 591.

MARCO AURÉLIO. Meditações . Tradução e n o t a s de J a i -


me Bruna. Tn Os Pensadores. São P a u l o , A b r i l Cultu-
r a l , v . V, p. 3, VIII,

18- opus c i t . , p. 49 .

19- Opus e t locus cit.

20- opus c i t ., p. 2 3 .

21- opus c i t ., p. 24 .

22- opus c i t ., p. X I I I .

2 3- opus c i t - ., p. XVI .

2 4- opus e i ! ., p. 3 9 .

0 1,- opus c i t ., p. 8 .

26- opus e i l - ., p. X X X I I

2 7 - Bignone, opus c i t . , P •

28- Opus e t locus cit.

2 9- BARDON, 1:i. Perse et la


XXXIV (2 ):329 , 1975 ,

30- opus c i t . , p. 3 3 1 .

31- opus c i t . , p. 333.

3 2- N e s t e capítulo s o b r e a o b s c u r i d a d e de Pérsio, t r a t a
remos apenas de a l g u n s a s p e c t o s do l a t i m que e l e u -
tiliza, j a que c o n s i d e r a m o s que a o b s c u r i d a d e do po
eta de V o l t e r r a não é p r o v e n i e n t e da língua, mas
s i m da expressão dos p e n s a m e n t o s .

3 3- opus c i t . , p. XXVI.

34- BARDON, H. A propôs de Perse: Surrealisme ou C o l l a -


ge. Latomus, XXXIV(3): 6 9 1 , 1975.

35- Vêem-se i n f i n i t i v o s em I , 8, 9, 2 0 , 2 4 , 2 7 , 2 8 , 29,


- 57 -

3 6, 4 1 , 4 2 , 43, 4 4 , 4 7 , 48, 5 3 , 5 4 , 59, 6 1 , 6 4 , 6 5 ,


68, 6 9 , 70, 7 1 , 79, 83, 84, 86, 9 1 , 1 0 7 , 1 1 8 , 1 1 9 ,
122, 128, 132; em I I , 4, 7, 1 7 , 1 8 , 2 1 , 24, 28, 34,
43, 4 4 , 45, 4 8 , 54, 62, 6 3 , 6 6 , 7 1 ; em I I I , 3, 9,
17, 18, 2 1 , 27, 3 1 , 35, 4 6 , 4 9 , 5 0 , 5 1 , 52, 6 5 , 6 9 ,
71, 84, 90, 9 1 , 114, 118; em I V , 2, 7, 1 0 , 1 3 , 1 5 ,
16, 1 7 , 1 8 , 2 1 , 27, 36; em V, 1 , 2, 6, 7, 1 3 , 1 5 ,
16, 20, 24, 26, 33, 37, 39, 4 1 , 4 5 , 4 6 , 53, 5 6 , 6 0 ,
61, 62, 7 1 , 83, 84, 88, 9 3 , 94, 9 5 , 9 9 , 1 0 3 , 1 0 4 ,
1.05 , 111 , 112 , 122 , 123 , 138 , 139 , 15 8 , 161 , 170 ,
179 , 180 , 181 , 187 ; e em V I , 4, 5, 6, 1 6 , 1 7 , 23,
24 , 36 , 39 , 64 , 65 , 75 e 77.

36- I , 9, 27, 1 2 2 ; I I I , 1 7 , 18; V, 53 e V I , 38.

37- Perse et la réalité des choses, p. 3 3 1 .

38- opus c i t . , p. 3 32 .

39- opus e t l o c u s c i t .

40- opus c i t . , p. 59 0.

41- Sendo a toga o h a b i t o u s u a l dos r o m a n o s , o s i n t a g -


ma uerba togae, p o r extensão, d e s i g n a as p a l a v r a s
usuais aos romanos: a língua p o p u l a r .

42- Para P a r a t o r e , "a aspereza i n t r a n s i g e n t e da filoso-


fia estZica modelará seu espírito definitiva-
mente ( o p u s c i t . , p. 5 8 9 ) . Segundo B a r d o n , Pérsio,
além de estóico em sua prédica e o b j e t i v o m o r a l , f o i
estóico também em sua f o r m a de exposição ( P e r s e et
la réalité des choses, p. 3 2 9 ) . Lê-se em M a r m o r a l e
que a sátira de Pérsio f o i f o r m a d a "segundo a rigi-
dez da escola estóica" (História da L i t e r a t u r a Lati-
na. Tradução p o r t u g u e s a de João B a r t o l o m e u J u n i o r .
Lisboa, E d i t o r i a l Estúdio C o r , 1 9 7 4 , v . I I , p. 1 7 ) .
Einalmente, para D'Onofrio, a vida, a personalidade
e a obra de Pérsio estão p r o f u n d a m e n t e l i g a d a s aos
princípios do e s t o i c i s m o ( o p u s c i f . , p. 8 8 ) .

43- BRÉHIER, E. La théorie des i n c o r p o r e l s dans l'anci-


en stoicisme. Paris, Librairie Philosphiq'ue J . U r i n ,
1970, p. 2 1 .
- 58 -

44- BRUN, J . Le stoioisme. 1' e d i t i o n . (Paris), PUF,


( 1976) , p. 46 .

4 5- E n c o n t r a - s e infinitivo p e r f e i t o em l u g a r do p r e s e n -
te em I , 24, 29, 4 2 , 8 6 , 91 e 1 3 2 ; em I I , 24 e 66;
em I V , 7 e 17; em V, 24, 33, 60 e 1 0 3 ; em V I , 4, 6,
17 e 77.
Em c i n c o desses c a s o s ( I , 29, 86; I I , 24; V, 60 e
103), o infinitivo p e r f e i t o vem empregado p r o p r i a -
mente, i s t o ê, com o r e a l v a l o r de p e r f e c t u m . Em I ,
24, I V , 17 e V, 24, podem-se e n t e n d e r os infiniti-
vos no seu a s p e c t o próprio ou como empregados em l u
g a r do i n f i n i t i v o p r e s e n t e , já que haverá somente
alteração de a s p e c t o v e r b a l que não prejudicará o
s e n t i d o , amalgamando-se, com i s s o , p a s s a d o e p r e s e n
te; embora, n e s s e s v e r s o s , se possam i n d i f e r e n t e m e n
te t e r essas duas nuanças, o emprego do p e r f e i t o
foi, sem dúvida, d i t a d o p o r conveniências métricas:
em I , 24, temos "Quo didi/cf-sse. . ." ; em I V , 17
0 ~ -j j - - — - - u u
" . . . u i / x i s s e p a / t e l l a " ; em V, 24, "Osten/disse iu/
uat..."\ se f o s s e m empregados, n e s s e s v e r s o s , I n f i -
nitivos p r e s e n t e s , t e r - s e - I a m as f o r m a s "Quo disoe-
<J - v c ü — — — — i/ v m J —

re , uiuere patella e Ostendeve iuuat , q u e , como se


vê, não ' jt 'am f o r m a r hexâmetro.
0 emprego do i n f i n i t i v o perfeito em l u g a r do p r e s e n -
te r e s t r i n g e - s e , então, a nove c a s o s ( I , 42 e 1 3 2 ;
II, 66; I V , 7; V, 33; V I , 4, 6, 17 e 7 7 ) ; n e s s e s c a -
sos, j u s t i f i c a - s e o s e u emprego p o r m o t i v o s eminente
mente métricos, como se pode l e r em E r n o u t e Thomas
e
(Syntaxe L a t i n e . 2 e d i t i o n . Paris,Klincksieck» 1 9 6 4 ,
— c U ~ <J o —
p. 2 6 0 ) : em I , 42 "Os popu/li mevu/isse e t . . . " , em
ü v — 1/ O — — — í_>
IV, 7 " F e r t ani/mus eali/dae f e / e i s s e . . .", em V I , 4
— — ~ v U — — *~ O V — — T
" . . .inten/disse l a / t i n a e " , em V I , 6 "Egveg%/us lu/s%s_
yj — — — V i/ —

s e . . . " , em V I , 17 " . . . t e t i / g i s s e la/goena" e, f i n a l -


m e n t e , em V I , 77 " . . .piau/'sisse c a / t a s t a " , os infini.
t i v o s meveve, vadeve, faeere, spargere, mtendere,
ludere e plaudere sao irrealizáveis no hexâmetro de
Pérsio.
- 59 -

46- R a m o r i n o , opus c i t . , p. X V I - X V I I ; Dolç, opus cit.,


p. 4 0 ; S t a n o , opus c i t . , p. X I I ; B i g n o n e , opus
cit., p. 3 8 1 ; B a r d o n , A propôs de Verse, p . 677.

47- Como e x e m p l o , além do d i a l o g o que o c o r r e em I , 1-12


e n t r e Pérsio e um d e s c o n h e c i d o , podemos c i t a r V I ,
51-52; p a r a e s t e último c a s o , Dolç a d v e r t e que a f a
l a do h e r d e i r o pode s e r "Non adeo exossatus ager"
ou apenas "Non adeo", sendo "Exossatus ager" uma f a
l a de Pérsio.

48- R a m o r i n o , opus c i t . , p . X V I - X V I I ; S t a n o , opus cit.,


p. X I I ; Dolç, opus c i t . , p. 40.

49- opus c i t . , p. 1 6 6 .

50- R a m o r i n o , opus c i t . , p . 64.

5 1 - Soloppus é, p o s s i v e l m e n t e , uma onomatopéia c a l c a d a


no ruído p r o d u z i d o p e l o a r , ao s a i r da b o c a , q u a n ­
do se comprimem rápida e v i o l e n t a m e n t e as b o c h e -
chas .

52- Apud Dolç, opus c i t . , p. 243-44.

53- Apud Dolç, opus c i t . , p. 250.

54- Dolç , opus c i t . , l o c u s cit.

55- opus c i e , p . 9i. ,

56- Dolç , opus c i t . , p. 2 50 .

57- Dolç, opus c i t . , p. 4 0 ; R a m o r i n o , opus c i t . , p. X I .

58- Dolç , opus c i t . , p. 4 0 ; S t a n o , opus c i t . , p . X I V .

59- S t a n o , opus c i t . , p. XXI.

60- Como já se v i u na página 12 d e s t e trabalho.


- 60 -

0 V A L O R L I T E R Á R I O
- 61 -

Pode p a r e c e r problemático d e d i c a r um c a -
pítulo d e s t e t r a b a l h o aos v a l o r e s literários de um p o e t a ,
que se c e l e b r i z o u p o r uma característica que se pode c o n
siderar diametralmente o p o s t a aos méritos: a o b s c u r i d a d e .

Embora as suas sátiras tenham o que e l e


próprio c l a s s i f i c a como " g o s t o de unhas roídas" ( 0 1 ) , há
alguns aspectos que devem s e r e x a m i n a d o s , os q u a i s nos
p o d e r i o a j u d a r na b u s c a das q u a l i d a d e s l i t e r a r i a m e n t e po-
s i t i v a s das sátiras.

Primeiramente há que se c o n s i d e r a r que


Pérsio não possuía, em sua o b r a satírica, intenções es-
t r i t a m e n t e literárias, as q u a i s f o r a m a n u l a d a s p e l a sua
preocupação filosófica. Sua o b r a está i n t e i r a m e n t e v o l t a
da à "salvação" dos seus contemporâneos, â extirpação
dos vícios, â divulgação da m o r a l do Pórtico; é p o r i s s o
que e l e d e s e j a q u e , p a r a sua o b r a , "...uaporata lectov
...fevueat aure", I , 126.

De início, d e v e - s e r e g i s t r a r , como aliás


já se f e z , que a Pérsio f a l t o u experiência poética verda
d e i r a , v a l e d i z e r , não t e v e o p o r t u n i d a d e de a p r o f u n d a r -
se nos s e g r e d o s da a r t e da p a l a v r a . Não s e r i a imprudên-
c i a c o g i t a r que i -esmo t e n d o condições e o p o r t u n i d a d e pa
r a t a n t o , Pérsio não - p i r a s s e a um a p r o f u n d a m e n t o lite-
rário, d e v i d o ao s e u caráter g r a v e , a u s t e r o , i n t e i r a m e n -
t e m o l d a d o c o n f o r m e à d o u t r i n a do E s t o i c i s m o ; p o r o u t r o
l a d o , não s e r i a ilícito e s p e c u l a r q u e , dada a g r a n d e i n -
constância da alma humana, Pérsio p o d e r i a , se a sua v i -
da não f o s s e p r e m a t u r a m e n t e i n t e r r o m p i d a , e n v e r e d a r p o r
o u t r o s gêneros literários com m a i s empenho até do que o
f e z na adolescência, nas suas p r i m e i r a s o b r a s .

Embora o próprio p o e t a a f i r m a s s e suas i n


tenções práticas, não artísticas, ê c e r t o que a sua o b r a
não d e i x o u de a t r a i r p a r a s i a admiração dos seus coetâ-
neos e de alcançar r e l a t i v o s u c e s s o i m e d i a t o , m a i s de u -
ma vez t e s t e m u n h a d o p e l o s a n t i g o s .

Lê-se na Vita que " e d i c t u m librum oonti-


- 62 -

nuo rnirari homines et d e r i p e r e coeperunt" ( 0 2 ) . Na b r e -


ve história que r e l a t a a c e r c a da sátira, após o t e s t e m u
nho c a r r e g a d o de admiração e e n t u s i a s m o , p o r t r a t a r de
um gênero literário t o t a l m e n t e l a t i n o (03), Quintiliano
d e c l a r a que "embora com apenas um l i v r o . Pérsio mereceu
muito da verdadeira glória" (OU). 0 célebre e s c r i t o r de
epigramas, M a r c i a l , d i z que Pérsio "saepius in l i b r o me_
moratur uno" ( 0 5 ) .

Em segundo l u g a r , cumpre o b s e r v a r que o


v e r d a d e i r o v a l o r literário de Pérsio não será e n c o n t r a -
do no c o n j u n t o das suas sátiras, mas s i m em pequenos as
p e c t o s q u e , de a l g u m modo, e x i s t e m p a r a ajudá-lo a a t i n
g i r o seu o b j e t i v o m o r a l i z a n t e ; em v i r t u d e d e s s a preocu
pação, Pérsio pôs de l a d o as especulações filosóficas,
c o n f e r i n d o às sátiras um caráter e m i n e n t e m e n t e prático.
Não f o i um e s c r i t o r que d i s c u t i s s e t e o r i a s , permanecen-
do f o r m a l m e n t e no campo da abstração; f o i um p o e t a que
a p r e s e n t o u soluções, que aponte><u c a m i n h o s p o r que se pu
desse a t i n g i r a s a b e d o r i a , a l i b e r d a d e i n t e r i o r (."Peti-
te hino puerique senesque / Finem certum miserisque uia
tica canis." - V, 6 4 - 6 5 ) . Ê p o r i s s o que não p a r e c e ,
nas sátiras, p e r d e r de v i s t a a v i d a .

Sua o b r a está r e p l e t a de pequenas cenas,


pequenos q r a d r o s que p a r e c e r i a m c a b e r m e l h o r não nas sã
t i r a s , mas s i m no t e a t r o . Suas sátiras são uma o b r a de
ações; são, e n f i m , constituídas p e l a apresentação da v i
da, que e l e f r a g m e n t a â proporção que s e n t e necessidade
de p r o p o r c a m i n h o s , ou então de c o n c r e t i z a r a abstração
filosófica. Daí e n c o n t r a r m o s nas sátiras i n t e n s a sensa-
ção de contemporaneidade.

Nas poucas v e z e s em que Pérsio se r e f e -


r e ao p a s s a d o , a s s i m p r o c e d e p a r a c i t a r um f a t o louvá-
v e l , como o c o r r e em I , 73-75 ("Vnde Remus sulcoque te-
rens dentalia, Quinti, / Cum t r e p i d a ante boues dictato_
rem inâuit uxor / Et tua aratra domum l i c t o r tulit."),
ou p a r a p r o c u r a r a u t o r i z a r - s e em Lucílio e Horácio, c o -
mo o c o r r e em I , 114-117 ("Secuit Lucilius urbem /... e t
- 63 -

gemi num f r e g i t . . . ; / Omne uafev uitium r i d e n t i FlaoeuB a_


mico / Tangit..."), ou então p a r a m o s t r a r a p u r e z a dos
costumes p a s s a d o s , como o c o r r e em I I , 59-60 CMurum uasa
Numae Saturnaque i n p u l i t aeva / Vestalesque urnae et Tus_
aum f i c t i l e mutat."), opondo-os ao p r e s e n t e , que e l e j u l -
ga c o r r o m p i d o ("Tuna neque more probo uideas..." -I ,
19; "Haud t i b i inexpertum curuos deprendere mores." -
I I I , 52).

I n t e r e s s a - s e p e l o f u t u r o apenas ã m e d i d a
que n e l e vê a t o t a l aniquilação da m o r a l i d a d e , propondo,
então, os caminhos da salvação do homem.

Essa sensação de c o n t e m p o r a n e i d a d e , e s s a
constante focalização do p r e s e n t e , m a n i f e s t a - s e princi-
p a l m e n t e em uma série s i g n i f i c a t i v a de Imprecações, de
caráter genérico, como "0 ouras hominum, o qua.ntum e s t
in rebus inane!", I , 1 , "Aurículas a s i n i q u i s non ha~
bet?" , I , 1 2 1 , "0 curuae in t e r r i s animae et caelestium
inanes.", II, 6 1 , "0 miser inque dies ultra miser...",
III, 15, " D i s c i t e et, o misevi, causas cognoscite r e -
rurn.", III, 66, e "Vt nemo in sese temptat descendere.",
I V , 23.

Salvo r a r a s exceções, é e x a t a m e n t e n e s s a
sensação de r o n t e m p o i o n e i d a d e que se devem p r o c u r a r os
r e a i s v a l e r e s literários de Pérsio, que se m a n i f e s t a m de
diferentes maneiras.

A representação da v i d a

Ha nas sátiras de Pérsio a presença c o n s


t a n t e de pequenas c e n a s , que parecem c a p t a d a s diretamen-
t e da v i d a q u o t i d i a n a , as q u a i s c o n f e r e m à o b r a do poeta
de V o l t e r r a i n t e n s a sensação de v i v a c i d a d e .

A representação da v i d a , a sensação de
vivacidade, manifesta-se, i n c l u s i v e , na fundamentação de
- 64 -

algumas metáforas: há a q u e l a s que f o r a m c a l c a d a s em ati-


vidades a r t e s a n a i s , como em I , 64-65 (" . . ,ut per leue
seueros /' Effundat iunotura ungues?") e em V, 25 ("Quid
solidum crepet et p i a t a s teatoria linguae.") ; outras
têm p o r base atividades comerciais, como em I , 42-43
("...et cedro digna l o c u t u s / Linquere nec scombros me-
tuentia carmina nec t u s ? " ) e em V, 64-6 5 ( " P e t i t e hinc
puerique senesque / Finem animo certum miserisque uiati_
ca canis."); o u t r a s , como I , 24-25 (". . .nisi hoc fermen
tum et quae simul intus / Innata est rupto iecore exie~
rit caprificus?"), I V , 41 ("Non tamen ista filix ullo
mansuescit a r a t r o . " ) e V, 63-64 ("Cultor enim es iuue-
num, purgatas inseris aures / Fruge Cleanthea.") têm
por Inspiração a v i d a ou a t i v i d a d e s agrícolas.

Realiza-se também a representação da vi


da em d o i s p a s s o s , I , 70-72 (" . . .nec ponere lucum / Ar-
tificem nec r u s saturum laudare 3 ubi corbes / Et focus
et porei et fumosa P a r i l i a faeWv") e III, 45-46 ("Gran
dia si nollem morituro uerba Catoni / Dicere..."), em
que Pérsio a l u d e a. temas de exercícios que deveriam ser
frequentes nas escolas do seu tempo.

Fsparsos pelas sátiras, hã pequenos qua


d r o s , pequena cena.; . n o r m a l m e n t e construídas com inten
ção didática, que, além de c o r r o b o r a r a sensação de v i -
v a c i d a d e , p o s s i b i l i t a m ao p o e t a a b r a n d a r a a r i d e z da ex
posição, v a z a d a quase sempre em t e r m o s dogmáticos, ou
se comportam, em a l g u n s c a s o s , como se p a r t i c i p a s s e m do
próprio c o r p o do d e s e n v o l v i m e n t o da d o u t r i n a , ou são u-
t i l i z a d o s p e l o a u t o r como e l e m e n t o s v e t o r e s da própria
exposição.

S e r i a desnecessário e e x a u s t i v o apresen
t a r , neste capítulo, t o d o s os c a s o s d e s s a s c e n a s , que
são riquíssimas de elementos c u l t u r a i s romanos; arrola-
remos, p o r i s s o , os mais significativos.

Na p r i m e i r a sátira, v. 87-90 (" . . .Quip-


pe, et cantet si naufragus assem / Protulerim? Cantas,
- 65 -

aum f r a a t a te in trabe / Ex umero portas?"), encontra-


se uma c e n a , a que o p o e t a t o r n a a a l u d i r na s e x t a sãti
ra ("...ne p i o t u s oberret / Caerulea in tabula." - vv.
3 2 - 3 3 ) , que r e p r e s e n t a o costume de os náufragos carre-
garei!), p r e s o aos o m b r o s , um q u a d r o em que se h a v i a m p i n
t a d o cenas do naufrágio, a f i m de e x p o r - s e â p i e d a d e pu
b l i c a , o b j e t i v a n d o compensar-se de p a r t e do prejuízo so
frido.

Num passo em que Pérsio c o n f e s s a ter-se


s e r v i d o , na infância, de uma c o n d u t a condenável p a r a f u
gir ao e s t u d o ( 0 6 ) , vê-se uma s e r i e de e l e m e n t o s que,
de modo f e l i z , r e v e l a m algumas a t i v i d a d e s lúdicas da i n
fância romana, como o j o g o de dados com os seus l a n c e s
típicos (" . . .quid dexter senio ferret / ...damnosa cani_
aula quantum / raderet, angustae oollo non f a l l i e r or-
cae." - v v . 4 8 - 5 0 ) , como um j o g o s e m e l h a n t e ao do pião
(" . . .buxum torquere flagello." - v . 5 1 ) , a l e m de um a r -
tifício u t i l i z a d o p a r a que se pudesse p a r e c e r doente
("Saepe óculos tangebam... oliuo." - v. 4 4 ) , e v i -
t a n d o - s e , d e s s a f o r m a , os exercícios e s c o l a r e s .

A afirmação de que Pérsio se a p r o v e i t a


de cenas do q u o t i d i a n o e a t e s t a d a a i n d a p o r um pequeno
quadro da q u a r t a sátira; no v e r s o 2 5 ("Expecta, haud
a l i u d resvondeat haec anus. I nunc."), o poeta sarcasti
camente i n i c i a uma comparação, em que contrapõe Alcebía
des a uma v e l h a , v e n d e d o r a de basilicão, q u e , n a q u e l e
momento, a p r e g o a v a a sua m e r c a d o r i a .

P a r a e x e m p l i f i c a r d i f e r e n t e s t i p o s de
homens e suas d i f e r e n t e s aspirações, o p o e t a p r o c e d e na
q u i n t a sátira, v v . 54-56, a uma enumeração de v i c i o s o s
("Mercibus hic I t a l i s mutat sub s o l e recenti / Rugosum
piper et p a l l e n t i s grana cumini / Hic s a t u r inriguo ma-
uult turgescere somno, / Hic campo indulget, huno alea
decoquit, ille / in uenerem putris.") em que se há de
n o t a r o emprego enfático do pronome d e m o n s t r a t i v o hic ,
que é substituído p o r i l l e somente quando o vício não
p o d e r i a s e r p r a t i c a d o p u b l i c a m e n t e , e o emprego de f o r -
- 66 -

mas v e r b a i s do p r e s e n t e ; somados, esses d o i s empregos


c o r r o b o r a m i n t e n s a m e n t e a sugestão de contemporaneida
de da o b r a de Pérsio.

Na q u i n t a sátira, há o q u a d r o da c e r i
mônia da manumissio per uindictam (" . . .quibus una Qui
ritem / Vertigo f a c i t . E i a dama est non t r e s i s agaso/
Vappa lippus et in t e n u i f a r r a g i n e mendax; / Verterit
huno dominus, momento turbinis e x i t / Marcus Dama..."
- v v . 7 5 - 7 9 ) , em que se r e p e t e m os e l e m e n t o s já a p o n -
t a d o s : o emprego do d e m o n s t r a t i v o hic e as f o r m a s v e r
b a i s no p r e s e n t e .

Cari caturas

O u t r o a s p e c t o que se deve c o n s i d e r a r
em Pérsio é a sua g r a n d e h a b i l i d a d e em c a r i c a t u r a r as
pessoas, s e r v i n d o - s e normalmente de ações que e l a s
p r a t i c a m ; é r a r o e n c o n t r a r nas sátiras descrições de
pessoas. Pérsio p r o c u r a a p o i a r - s e em c o n d u t a s que pos_
sam d e n u n c i a r o mau caráter ou a p e r s o n a l i d a d e m a l
formada dos indivíduos a que se r e f e r e .

Na p r i m e i r a sátira, o p o e t a compraz-
se em a p r e s e n t a r o r e t r a t o p o r m e n o r i z a d o de um decla-
mator, f a t o de que se a p r o v e i t a p a r a pô-lo em ridícu-
l o . A descrição d i v i d e - s e em duas p a r t e s , e n t r e as
q u a i s se i n t e r c a l o u um segmento filosófico a c e r c a da
auto-suficiência. Na p r i m e i r a p a r t e ("Scilicet haec
populo pexusque togaque r e c e n t i / Et n a t a l i c i a tandem
cum sardonyche albus / Sede legens celsa, liquido cum
plasmate guttur / Mobile conlueris, patranti fractus
ocello." - vv. 15-18), o poeta mostra-se mais interes_
sado na apresentação física do amante da p o e s i a da mo
da. Já na segunda ("Hia a l i q u i s , c u i circum úmeros hy_
acinthina laena est, / Rancidulum quiddam balba de na_
- ü7

re looutus / Pliyllidas, Hypsipylas 3 uanum et plorabile


siquid / Eliquat ac tenero subplantat uerba palato." -
vv. 3 2 . 3 5 ) , como que v i s a n d o a c o m p l e t a r a descrição
anterior, embora m e n c i o n e também um a s p e c t o físico
("cui oivcum úmeros hyacinthina laena e s t " ) , o poeta
p r e n d e - s e m a i s a ação do declamator e ao conteúdo da
sua declamatio. Mesmo que e s s a s descrições pareçam t e r
por objeto indivíduos d i f e r e n t e s , ê inegável que ambas
se c o m p l e t a m . Pérsio c o n s e g u e , d e s s a f o r m a , f u n d i r i r o
nicamente p o e s i a e p o e t a , marcados os d o i s p e l a b a n a l _ i
dade .

Na segunda sátira, a p r e s e n t a - n o s o poe


ta uma c a r i c a t u r a m u i t o f e l i z de uma a v o ou t i a m a t e r -
n a , ao m o s t r a r - n o s as p r e c e s i n s e n s a t a s a que p r o c e d e m ,
a f i m de a s s e g u r a r p a r a o recém-nascido os m a i s diver-
sos êxitos ("Tunc manibus quatit et spem macram súpli-
ce uoto / Nuno Licini i n carripos, nunc Crassi i n aedis:
/ 'Huno optent generum r e x et regina, puellae / Hunc
rapiant, quidquid calcauerit hic rosa f i a t . '" - v v .
35-38) .

Na t e r c e i r a sátira, o p o e t a m o s t r a o
e x t r e m a d o d e s l e i x o de um presunçoso e s t u d a n t e de filo-
sofia, através de uma série de p e r g u n t a s irônicas às
q u a i s o preguiçoso não poderá d a r r e s p o s t a ("Tunc que-
rimur, crassus calamo quod pendeat umor; / Nigra set
infusa uanescit sépia lympha: / Dilutas querimur gemi-
net quod fistula guttas." - vv. 12-14).

A i n d a na t e r c e i r a sátira, o c o r r e uma
das p o u c a s c a r i c a t u r a s que não se r e a l i z a p o r ações;
muito causticamente,.nos v e r s o s 37-38, o p o e t a investe
c o n t r a os s o l d a d o s , m a i s p a r t i c u l a r m e n t e c o n t r a um c e n
turião ("Hic a l i q u i s de gente h i r c o s a centurionum / Di_
cat..."). Se bem que não se p o s s a a f i r m a r categorica-
mente q u a l s e j a o m o t i v o , é c e r t o que Pérsio n u t r i u r e
lativa animosidade c o n t r a os m i l i t a r e s ; n e s s e p a s s o , o
centurião toma a p a l a v r a p a r a d e m o n s t r a r a sua i n d i s p o
sição com a f i l o s o f i a e filósofos. Sendo o p o e t a um i n
I.fl

c a n r . u v e l d i v u l g a d o r do e s t o i c i s m o , ê lógico que p r o c u -
rasse defender a f i l o s o f i a , a c o m e t e n d o os centuriões .
Nos i.res últimos v e r s o s da q u i n t a sátira, Pérsio reto-
ma a c a r g a c o n t r a os s o l d a d o s ("Dixeris haec inter ua~
riaosoa oenturiones: / Continuo crassum ridet Pulfeni-
us ingens / Et oentum Graeoos curto centusse licetur.")
r e f e r i n d o - s e a e l e s p o r m e i o de uma característica fí-
sica, u a r i c o s o s ; Pérsio, c o n t u d o , não está, n e s s e pas-
so, preocupado em caracterizá-los f i s i c a m e n t e , mas em
p r o p o r um r e t r a t o m o r a l dos s o l d a d o s . A p r e s e n t a n d o as
ações do centurião, o p o e t a p r o c u r a d e m o n s t r a r a aver-
são do m i l i t a r â t e o r i a estóica a c e r c a da liberdade;
P u l f e n i u s d e l a zombará e arrematará cem g r e g o s , vale
dizer, cem filósofos, p r e t e n d e n d o , com i s s o , afirmar
que a única e v e r d a d e i r a l i b e r d a d e e a civil.

Na q u a r t a sátira e n c o n t r a - s e uma das


melhores caricaturas e l a b o r a d a s p o r Pérsio; nos v e r s o s
29-3V ("Seriolae ueterem metuens deradere limum / Inge
mit: 'Haec bene sit', tunicatum cum s a l e mordens / Cae
pe e t . . . / Pannosam faecem morientis sorbet aceti?"),
procedendo a caracterização da e x t r e m a a v a r e z a de um.
c e r t o Vetídio, c o m p r a z - s e com a apresentação dos porme
nores mais s i g n i f i c a t i v o s , demonstradores do caráter
do a v a r o , como metuens , ingemit, mordens tunicatum cum
sale. Na s e x t a sátira, p r o p o n d o - s e firmemente a jamais
se c u r v a r à a v a r e z a , Pérsio s e r v e - s e de uma construção
("Et signum in uapida naso tetigisse lagoena." - v.17),
análoga a a n t e r i o r q u a n t o a f o r m a , m a i s contundente,
porém, no que t a n g e ao conteúdo.

A força d r a m á t i c a do d i a l o g o

Embora t e n h a m o s a r r o l a d o a e s t r u t u r a -
ção do diálogo como um dos f a t o r e s da o b s c u r i d a d e em
Pérsio, s e r i a i n j u s t o não r e c o n h e c e r , n e s t e capítulo,
- b9 -

p o r p a r a d o x a l que p o s s a parecei.', que o s e u d i a l o g o a d -


q u i • , e m a 1 g u rn a s o p o r t u n i d a d e s , for' ç < \ i n t e n s a m e n t e
dramati ca.

Dessas p a s s a g e n s , que não são m u i t a s ,


devem-se m e n c i o n a r e s p e c i a l m e n t e d u a s : o c o r r e a prime:!
ra ( 0 7 ) , q u a n d o se vêem em c e n a um médico e um jovem
doeu i o, r e f r a t o r i o aos c o n s e l h o s médicos; a i n d a que es
sa p e q u e n a cena se i n i c i e a b r u p t ainen t e , como s o i a c o n -
teceu nas sátiras, não c a r e c e de introdução. 0 d i a l o g o
ê e n c e r r a d o p o r um s i g n i f i c a t i v o taoebo , p r o f e r i d o pe-
l o medico. A p a r t i r desse ponto ( 0 8 ) , o poeta assenho-
r a - s e da condução da ação, e n c a m i n h a n d o - a rapidamente
para o desfecho. A descrição da m o r t e do j o v e m impru-
dente ê f e i t a de t a l m a n e i r a que s u g e r e que o p o e t a
não só o b s e r v a a c e n a , como também d e l a p a r t i c i p a ; d e s
ta f o r m a , a descrição t r a n s f o r m a - s e em v e r d a d e i r o t e s -
temunho da d e s d i t a do i n f e l i z . A^>imensa f a c u l d a d e de
observação de que p a r e c e s e r p o r t a d o r Pérsio, fã-lo as
p i r a i ' as "sulpureas me f i t e s " , que e x a l a m da g a r g a n t a
do incauto, l e v a - o a o u v i r que os "dentes crepuere re-
teati" e a v e r que os "unata pulmentaria oadunt taxis
labrie," . Imediatamente, s e r v i n d o - s e apenas de hino c o -
mo vocábulo de transição, p a s s a o a u t o r a d e s c r e v e r o
cadáver do beatulus, jã p r e p a r a d o para o c o r t e j o fúne-
bre. Como no t r e c h o a n t e r i o r , Pérsio p a r e c e vivenciar
o que d e s c r e v e , p o r i s s o o s e u t e s t e m u n h o f a z - s e acom-
panhar de inegável c l i m a de r e a l i s m o , c o r r o b o r a n d o i n -
c o n t e s t a v e l m e n t e a sensação de contemporaneidade.

A s e g u n d a passagem l o c a l i z a - s e na q u i n
ta sátira, a peça em que Pérsio p a r e c e t e r - s e m a i s em
p e n h a d o : as v o z e s da A v a r e z a e da Luxúria, que t e n t a m
s e d u z i r aos seus c a p r i c h o s o l i b e r t o Dama ( 0 9 ) . Cada
uma das f a l a s p o s s u i características próprias, p r o c u -
rando-se a d e q u a r as p e c u l i a r i d a d e s das paixões p e r s o n i
ficadas.
- 70 -

A s s i m , a da A v a r e z a apresenta-se carre-
gada de i m p e r a t i v o s : surge , que a p a r e c e três v e z e s , v v .
13 2 e 1 3 3 , aduehe, v . 13 4, t o l l e , v. 136, u e r t e e iura,
v . li 37 , a l e m de uma i m p e t u o s a enumeração de mercadorias
com que o l i b e r t o p o d e r i a n e g o c i a r , v v . 1 3 4 - 1 3 5 .

A f a l a da L u x u r i a j a e c o m e d i d a ; e l a
não i u s t a t como a A v a r e z a , apenas mone.l, procurando de-
movi r- o manumisso das l o n g a s v i a g e n s marítimas com que
buscitvi e n r i q u e c e r , as q u a i s l h e serão m o t i v o s de mui-
tas atribulações, s o f r i m e n t o s e d e s c o n f o r t o s , se se r e -
1
s o l v e r a seguir os i n c i t a m e n t o s da A v a r e z a . A fala da
L u x u r i a é, na r e a l i d a d e , insidiosa ("oarpamus duloia" ,
"indulge gênio", "fugit hora"), constituindo-se, desta
f o r m a , em c l a r a oposição à e n e r g i a da f a l a da Avareza.

Originalidade e 1ugares-comuns

Embora as imagens de Pérsio n o r m a l m e n t e


não possam s e r c o n s i d e r a d a s o r i g i n a i s , por terem sido
i m p o r t a d a s de o u t r o s p o e t a s , ou p o r f a z e r e m p a r t e do e-
l e n o o das i m a g e n s da retórica filosófica, hã a l g u m a s
que, p o r sua o r i g i n a l i d a d e , d e n u n c i a m c e r t o pendão ar.-
tíst i c o .

Como o próprio Pérsio a f i r m o u na primeji


ra sátira ("...curn soribo, si f o r t e quid aptius exit /
- Quando hoo? Rara auis e s t - ..." - v v . 4 5 - 4 6 ) , são r a
ras as o p o r t u n i d a d e s em que se pode n o t a r , em t e r m o s pu
ramente literários, uma construção m a i s bem elaborada,
d e s v e n c i l h a d a da função persuasõria da sua o b r a , onde o
p o e t a pareça r e a l m e n t e t e r - s e e n t r e g u e a uma inspiração
poçtica.

No v e r s o 47 da q u a r t a sátira, e n c o n t r a -
se uma imagem, "Si f a o i s i n penem quidquid. tibi uenit" ,
que, nao o b s t a n t e c a l c a d a na expressão p r o v e r b i a l "in
- 71 -

ment>itn uenire" , n a o cíeixa de sei- o r i g i n a l ; a substitui-


ção de mentem p o r penem acresce a construção a idéia de
que o homem e s t a i n t e i r a m e n t e e n t r e g u e ã libidinagem.

Dentre essas o p o r t u n i d a d e s , deve-se c i -


tar também o l o n g o t r i b u t o de gratidão que Pérsio pres-
ta ao s e u m e s t r e Cornuto, na q u i n t a sátira, v v . 1 9 - 5 1 ;
l
ao l a d o do episódio a p r e s e n t a d o em 'ITT, Ml - 5 1 , e s t e é
igua.! mente uni e p i s o d i o que se pode c o n s i d e r a r a u t o b i o -
grã: i c o . A p a r cio p r o f u n d o sentimento de gratidão, a
passagem é m a r c a d a também poi> i n t e n s a s i n c e r i d a d e ; n e l a
Pérsio m o s t r a a grande i n f l u e n c i a que s e u m e s t r e exer-
ceu sobre a sua p e r s o n a l i d a d e .

Outro p a s s o , em que se m a n i f e s t a de mo-


do acentuado uma inspiração poética r e l a t i v a , locali-
za-se nos o i t o p r i m e i r o s versos da s e x t a sátira, especai
almente nos v e r s o s 6-8 ( " . . . M i h i nuna Ligus ora / I n t e -
pet J i i b e r n a t q u e me um mare, qua t a t u s ingens / Dant s c o -
puli ei multa litus se u a l l e receptat.") com que o p o e -
ta descreve liricamente o l i t o r a l da L i g u r i a , onde pas-
sava o i n v e r n o .

Ainda n a s e x t a sátira, p o d e - s e conside-


rar dotada de q u a l i d a d e s literárias a passagem em que
u
se a p r e s e n t a m as c e n a s de um naufrágio i . . .trabe rupta
Bruliia. saxa / Prendit amious inops,. remque omnem surda_
que uota / Condidit Ionio 3 iacet ipse in litore et una
/ Ingentes de puppe dei iamque obuia mergis / Costa r a -
tis lacerae..." - vv. 27-31), na q u a l se n o t a , m a i s uma
vez, a grande capacidade de observação do p o e t a .

Poder-se-iam a r r o l a r , a i n d a , o u t r o s pas_
sos não menos f e l i z e s , tais como I V , 52 ("Tecum habita:
noris quam sit tibi curta supellex."), onde o p o e t a com
para a sabedoria ã mobília da a l m a , o u V, 159-160 ("Nam
et luctata canis nodum abripit, at tamen illi 3 / Cum f u
git, a collo t r a h i t u r paro longa catenae.") em q u e , p a -
ra demonstrai' a d i f i c u l d a d e em l i b e r t a r - s e das paixões,
c o m p u r a - a s a uma pare longa catenae, que é a r r a s t a d a
7

p o r uma c a d e l a em f u g a .

Q u a n t o âs i m a g e n s i m p o r t a d a s de o u t r o s
p o e u : s , não se pode n e g a r a grande influência de Horá-
cio s o b r e Pérsio-, a presença d a q u e l e ê tão i n t e n s a nes_
te que Dolç c h e g a a v e r nas sátiras do p o e t a de Volter
ra "um mosaico de reminiscência de Horácio" (10); ja
em I s 5 0 , Casaubon f a z a s u a edição das sátiras de Pér-
sio icompanhar-se de um apêndice i n t i t u l a d o Persiana
Horalii i m i t a t i o , em que r e s u m i a , c o n f o r m e se lê em
Dole, "todas as derivações horacianas em Pérsio" (11).

Além da g r a n d e influência de Horácio,


Pérsio s o f r e u também a de o u t r o s p o e t a s . Em p e l o menos
três c a s o s , n o t a - s e a sensível i n f l u e n c i a de Vergílio;
o p r i m e i r o d e l e s o c o r r e na s e g u n d a sátira ("...et spem
maoram... / ...rnittit..." - v v . 3 5 - 3 6 ) , quando designa
Pérsio a um recém-nascido com o s i n t a g m a maoram svem .
Sem iuvida, Vergílio f o r n e c e u a Pérsio a inspiração pa
ra e s t e e m p r e g o , já que em Aen. I , 556 (".. .nec spes
iam ta ;• I u l i . " ) e Aen. X, 5?5-5?6 ("'Per pátrios ma_
nis et spes surgentis Iuli / te precor hanc animam s e -
rues gnatosque patrique'") h a v i a empregado o substanti
vo spes em situação análoga â de Pérsio.

Nos d o i s p r i m e i r o s v e r s o s da q u i n t a sã
tira ("Vatibus h i c mos e s t , centum sibi poscere uoces,
/ Centum ora e t línguas optare in carmina centum."),
Pérsio emprega uma imagem v e r g i l i a n a ("Non, mihi si
linguae centum sint orque centum, / férrea uox, omnis
8celerum comprendere formas, / omnia poenarum percurre
re passim." - Aen. V I , 6 2 5 - 6 2 7 ; "Non, mihi si linguae
centum sint, oraque centum / férrea uox." - Georg. I I ,
43-UU) , que h a v i a s i d o c a l c a d a em Homero, I I . I I , 4 8 9 ,
o q u a l p e d i a dez b o c a s e dez línguas. 0 p o e t a de V o l -
terra não f o i o único a d e i x a r - s e i m p r e s s i o n a r p e l a i -
magem de Vergílio; Ovídio, Met. VIII, 532 ("Non, mihi
si centum deus ora sonantia Unguis") e SÍlio Itálico,
Pun. I V , 526 ( " c e n t e n a s q u e pater det Phoebus fundere
uoc ") i m i t a r a m - n a também. D e v e - s e , c o n t u d o , regis-
t r a i ' que o próprio Pérsio c o n f e s s a estai- u t i l i z a n d o um
clichê ("Vatibus h i c mos e s t . . . " - V, 1 ) , j u s t i f i c a n -
do, inclusive, o seu emprego ("His ego centenas ausim
deposcere fauces, / Vt quantum mihi te sinuoso in pec-
tore fixi, / Voce traham pura totumque hoc uerba resig_
nent, / Quod latct arcana non e n a r r a b i l e fibra." - V,
26-. ')) .

0 verso 4 1 d e s s a mesma sátira ("Tecum


etenim longos consumere soles") lembra os v e r s o s 51-52
da nona Bucólica de Vergílio ("...saepe ego longos /
cantando puerum memini me aondere soles.").

Q u a n t o ãs imagens p e r t e n c e n t e s à retó-
rica filosófica, convêm d e s t a c a r p r i m e i r a m e n t e aquelas
em que o homem, c u j a p e r s o n a l i d,ide "se e n c o n t r a ainda
em formação, ê c o m p a r a d o ao b a r r o , que. d e v e r a s e r mol-
dado p e l o o l e i r o ; ê o que o c o r r e , p o r e x e m p l o , em III,
23-24 ( " Vdum e t rnolle luturn es, nunc nunc properandus
et acri / Fingendus sine fine rota."); Pérsio retomara
e s s a imagem na q u i n t a sátira, em um p a s s o em que d e -
monstra a g r a n d e influência de C o r n u t o em s u a formação
moral ("Tunc fallere sollers / Adposita intortos regu-
la mores / E t premitur ratione animus uincique laborat
/ Artificemque tuo d u c i t sub p o l l i c e uultum." - vv.37-
4 0 ) . Embora c a l c a d a sobre um l u g a r - c o m u m , ê inegável
que a Imagem r e p r e s e n t a uma recriação artística em que
o poeta se h o u v e com g r a n d e f e l i c i d a d e ; desta feita,
Pérsio não se r e f e r e propriamente ao b a r r o que o olei-
r o deve t r a b a l h a r , mas s i m ã o b r a que já f o i m o l d a d a .

Como se s a b e , os estóicos não c o m p a r a -


vam a s a b e d o r i a ã a r t e da navegação ou ã da m e d i c i n a ,
j a * que e s s a s a r t e s não têm um f i m n e l a s mesmas; são
m e i o s de se c o n s e g u i r a l g u m a c o i s a ; a p r i m e i r a é o
m e i o de se a t i n g i r o p o r t o e a s e g u n d a , o m e i o de se
curarem as doenças. P r e f e r i a m os s e g u i d o r e s da d o u t r i
/ fV

na -.lo PÓrt i co c o m p a r a r a s a b e d o r i a a a r d e do a t o r ou
à >:<". dançarino, v i s t o que o f i m d e s s a s a r t e s se e n c o n -
tra nelas próprias, da mesma f o r m a que a s a b e d o r i a e s -
tá v o l t a d a p a r a e l a mesma ( 1 2 ) . l i Pérsio não f o g e a es
sa preferência; em V, 104-105 ( " T i b i r e c t o uiuere ta
lo / Ars d e d i i . . . " ) , com o emprego do s i n t a g m a recto
talo, modi f i c a d o r de uiuere, t e m - s e , de modo conciso,
a • •:;.|>uracao d.j v i d a a a r t e do teatro.

O u t r a imagem, l u g a r - c o m u m da retórica
filosófica, c o n s i s t i a na comparação da v i d a a d o i s c a -
m i n h o s , o do bem e o do m a l , p o r um d o s q u a i s devera
o p t a r ' o homem. K n t r e outros e s c r i t o r e s que, d i r e t a ou
indiretamente trataram de temas filosóficos, Cícero
serviu-se também d e s s a imagem ( 1 3 ) ; Pérsio utilizou-a
por duas v e z e s : p r i m e i r a m e n t e na sátira I I I ( " f f * tibi,
quaa Camios diduxit litera ramos / Surgentem dextro
mo nt ra u i t l imi t e ca l tem." - v v . 5 0 -57) , a l u d i n d o ao
upr. i Ion g r e g o de Pitágoras de 'òainio, como se poderá
ver n.i n o t a 2 5 d.t sãt i r a L I I ; já na q u i n t a sátira, o
p o e t a r e t o m a e s s a mesma imagem, s i m p l e s m e n t e sugerin-
do-u (." Cumque iter ambiguum e s t et u i t a e n e s c i u s e r -
ror / Deducit t r e p i d a s ramosa in compita mentes." -
vv. 34-35).

Ainda dentre os clichês da imagética


filosófica, convêm c i t a r a comparação e n t r e a saúde do
c o r p o e a da a i ma, que v i s a a s u g e r i r que se deve cui-
dar d e s t a com a mesma diligência com que se c u i d a d a -
quela. P o r m a i s de urna v e z , a l u d e Pérsio a s i n t o m a s f1
s i c o s p a r a d e n u n c i a r o vício, a doença da a l m a ; é o
que se v ê , p o r e x e m p l o , em I , 23 ( " . . . e t dicas cute
perditus 'Ohe'.'"), I , 25 (" . . .rupto iecore caprifi-
11
cus?"), I , 26 ("En p a l l o r . . . ) , I , 79 ("Hos p u e r i s mo-
nitus p a t r e s infundere lippos."), II, 53-54 ( " . . . s u d e s
et^pectore laeuo / E x c u t i a t guttas laetari praetripi-
tum cor."), II, 72 ("Non p o s s i t magni Messallae lippa
propago"), III, 32-33 ( " B e d stupet hic uitio fibris in
creuit opimum / Pingue..."), Ill, 42-43 ( " . . . e t intus
- 7S -

/ Palleat infclix..."), I V , 16 ( " . . . A n t i a y r a s melior


sorhere meracas?") , I V , 43-45 ( " P l i a subter / Caecum
uulnus habes, sed lato balteus auro / Praetegit."),
IV, '( 7 ("Viso si p a l i e s , improbe, nummo. " ) , V, 76-77
("lire Dama e s t non t r e s i s agaso / Vappa lippus...")
e V, 184 ("Labra moues tacitus recutitaque sabbata
palies.").

A comparação c o r p o / a l m a a d q u i r e espe
cia! ênfase nos v e r s o s f i n a i s da t e r c e i r a sátira, on
de, inequivocamente, Pérsio e s t a b e l e c e e s t r e i t a rela
ção e n t r e um e o u t r o , de modo a t o r n a - l o s indissolú-
veis ( 1 4 ) . De modo não menos enfático, porém m a i s i n
c i s i . v o , Pérsio a d v e r t e que cumpre o p o r - s e ã doença
a n t e s que e l a tome c o n t a do c o r p o , já q u e , d e p o i s ,
será d e m a s i a d a m e n t e t a r d e ("Elleborum frustra, cum
iam c u t i s aegra tumebit, / Poscentis uideas; uenien-
ti ocurrite morto / E t quid op^Ccs Crátero magnos pro-
mittere montis?" - I I I , 62-65), pretendendo dizer
que se deve c u i d a r da a l m a , e n q u a n t o há t e m p o .

A métrica

N e s t e capítulo a c e r c a dos v a l o r e s l i -
terários da Pérsio, não se pode s i l e n c i a r s o b r e os as
p e c t o s métricos da sua. p o e s i a satírica. P a r a t r a t a r -
mos d e l e s , f a z - s e necessário um b r e v e histórico do
v e r s o da p o e s i a satírica.

Ênio compôs d e t e r m i n a d o tipo de o b r a ,


denominado s a t u r a , caracterizado pela diversidade de
assunto ( 1 5 ) , a b r a n g e n d o peças didáticas ou m o r a l i z a n
tes, peças satíricas em que o p o e t a criticava alguns
tipos da s o c i e d a d e e até peças autobiográficas ( 1 6 ) ,
expressas em m e t r o s v a r i a d o s : senãrios j a m b i c o s , s e p -
- 71,

tenarios t r o c a i cos e hexâmetros datílicos, c o n f o r m e de


c i a r a m Van Rooy ( 1 7 ) e C h a r p i n ( 1 8 ) .

Foi com Lucílio que a sátira começou a


ganhar corpo definitivo. Embora suas composições apre-
s e n t e m a i n d a d i v e r s i d a d e de a s s u n t o - o q u e , na r e a l i _
d a d o , não p o d e r i a d e i x a r de o c o r r e r na p o e s i a satíri-
ca -, p r o c u r o u e s t a b e l e c e r - l h e s um s i s t e m a métrico a-
d e q u a d o . 0 p r i m e i r o v o l u m e d a s suas sátiras, com os l i _
v r o s de 26 a 3 0 , d e m o n s t r o u a i n d a d i v e r s i d a d e métrica:
os livros 2 6 e 27 f o r a m c o m p o s t o s em s e p t e n a r i o s t r o -
c a i c o s ; os l i v r o s 28 e 2 9 , em s e p t e n a r i o s trocaicos,
senarios jâmbicos e hexâmetros; o l i v r o 30 f o i c o n s t i -
tuído apenas p o r hexâmetros. 0 s e g u n d o v o l u m e , com os
livros de 1 a 2 1 , c o n t i n h a s o m e n t e v e r s o s hexâmetros;
o terceiro v o l u m e , com os l i v r o s de 22 a 2 5 , f o i e s c r i -
to em v e r s o s elegíacos ( 1 9 ) .

A preferência de Lucílio p e l o v e r s o he
xâmetro, que e o v e r s o de p e l o menos 22 dos s e u s 30 l i
vros, e interpretada por Charpin como s e n d o uma t e n t a -
tiva de o p o e t a c o n f e r i r âs sátiras a mesma nobreza
dos versos das d e s v e n t u r a s de U l i s s e s e da g r a n d e poe-
sia (20).

Horácio, Pérsio e J u v e n a l , os s u c e s s o -
res de Lucílio, m a n t i v e r a m - s e fiéis â preferência do
poeta de A u r u n c a , t o r n a n d o , a s s i m , o hexâmetro o v e r s o
oficial da sátira. E ê n e s t a p e r s p e c t i v a que se deve
e x a m i n a r a versificação em Pérsio; se e l e se s e r v i u do
h e x a m e t r o , f o i p o r q u e h a v i a uma tradição a s e r s e g u i d a
â q u a l não p o d e r i a f u g i r . 0 h e x a m e t r o em Pérsio não
foi opção, f o i uma convenção a que se d e v e r i a s u b m e t e r .

Como v e r s i f i c a d o r , Pérsio não d e i x o u


muito a d e s e j a r ; Perreau c o n s i d e r a a métrica de Pérsio
m u i t o bem e l a b o r a d a , julgando-a i n f e r i o r apenas â de
Terêncio, Virgílio, Horácio e Estácio ( 2 1 ) .

Embora, em s u a g e n e r a l i d a d e , o hexame-
tro de Pérsio não deva s o f r e r restrições, há a l g u m a s
COTi:; i > 11 • í '< i ç o e :; qiii/ 11. t c > :;e podem e v il.it'.

P comum em l'ot'.'iio s e r constituído o pe


núl i imo metrum de um i n f i n i t i v o para possibilitar a e-
x i s s S u c i a do dãtilo c o n v e n c i o n a l ; este fato ocorre em
cere -a de 60 dos seus 6 50 v e r s o s (77).

Outro dado q u a n t i t a t i v a m e n t e significa


tivo <•• o numero a c e n t u a d o de verso:; c u p i u l t i m a p a l a -
L
vra e um monossílabo, como o c o r r e em I , 8 , 28 , 32 , t 3 ,
48, 6 1 , 8 1 , 1 1 1 , 1 3 4 ; I I , 0, 10 , 54 , 6 8 ; I I I , 5,
26, 72, 8 5 ; I V , 1.0; V, 6 8 , 74 , 8 4 , 0 3 , 151 , 15 3 , 174 ,
187; e V I , 1 0 , 2 5 , 2 6 , 48 e 64.

Embora P e r r e a u considere Pérsio o q u i n


to versificador em o r d e m de q u a l i d a d e , hã a l g u n s casos
em sue nao se deve d e i x a r de v e r c e r t a impropriedade.
Em a l g u n s versos, o acento rítmico do d a t i l o do penúl-
t i m o pé nao c o r r e s p o n d e ao a c e n t o tônico da p a l a v r a em
que i.a.i, q u e b r a n d o , a s s i m , a h a r m o n i a do v e r s o : e o
que sc n o t a em I , 76 ("i'at nünc / B v i s c / i quem / ueno/
sus líber / Ac o i " ) e em I , 106 ("Nec plute/um cae/dvt
nec / demor/auv, sapit / unguis."), para a p r e s e n t a r ape_
nas d o i s exemplos ( 2 3 ) .

Em o u t r o s v e r s o s , Pérsio v a i - s e servir
de Licenças poéticas, prosôdicas, p a r a que s e j a possí-
vel o f e c h a m e n t o do p ê ; e s s e r e c u r s o ocorre em I I , 55
- - - ,J o - _ _ _ u i y — -

("Hinc il/lud subi/it au/ro sa/cras quod o/uato") , on-


de o poeta p r o c e d e u ao a l o n g a m e n t o da sílaba f i n a l de
subiit, a que s e g u i a uma v o g a l ; o c o r r e também no penúlL
t i m o pe de I I I , 9 (".. . r u d e r e / credas") , em que se ma
nifesta o a l o n g a m e n t o da p r i m e i r a sílaba do infiniti-
vo .
Se a versificação de Pérsio não e p e r -
feiia, embora não s e j a p o r t a d o r a de p r o b l e m a s graves,
d e v e - s e t e r em mente que a sua preocupação c o n s t a n t e
foi a divulgação da d o u t r i n a do E s t o i c i s m o . P o r o u t r o
l a d o , não se deve e s q u e c e r q u e , não b u s c a n d o a elegân
cia do h e x a m e t r o grego, fugindo, i n c l u s i v e , ã elegân-
cia literária, o h e x a m e t r o da sátira "está bem próxi-
mo lo tom f a m i l i a r da conversação" ( 2 4 ) ; essa inten-
ção do m e t r o da sátira j u s t i f i c a r i a , sem dúvida, a l g u
mas imperfeições que p u d e s s e a p r e s e n t a r .

Antes de e n c e r r a r m o s e s t e capítulo a-
ce: : do v a l o r literário das sátiras de Pérsio, f a z -
se necessário T r a t a r , m a i s uma v e z , das suas imagens
a r r o j a d a s que, conforme já se v i u , p a r a a l g u n s histo-
riógrafos da l i t e r a t u r a latina, ciáticos e c o m e n t a d o -
res da o b r a do p o e t a de V o l t e r r a são c a u s a de o b s c u r i
d a d e , empecendo, p o r t a n t o , as suas q u a l i d a d e s literá-
rias .

Se acrescentássemos ao p r o b l e m a da
o b s c u r i d a d e a sua o r i g i n a l i d a d e relativa e os l u g a r e s
comuns de que se s e r v e , r e s t a r i a bem p o u c o do v a l o r
literário de Pérsio; c u m p r e , p o r e m , p r o c e d e r a a l g u -
mas considerações q u e , embora nao v i s e m a a t r i b u i r ao
poeta a l g o que não s e j a s e u , p e l o menos poderão fa-
zeis- l h e justiça.

Q u a n t o â tão c e n s u r a d a o b s c u r i d a d e de
Pérsio, j u l g a m o s lícito a c r e d i t a r que e l a não t e n h a e
x i s t i d o p a r a os seus coetâneos; a s s i m não f o s s e , suas
sátiras não p o s s u i r i a m condições de alcançar o suces-
so que o b t i v e r a m . I n s i s t i r na e x c e s s i v a o b s c u r i d a d e
das sátiras s e r i a , parece-nos, e x e r c e r um i n d e v i d o pa
t r n i h a m e n t o sobre o poder e liberdade criadores do po
et a .

Em s e u Traité de u t y l i s t i q u e Latine
(2s), M a r o u z e a u c o n s i d e r a que a correspondência entre
- VI -

palavra e ideia nao deve s e r nem r i g o r o s a nem necessá-


ria, embora p o s s a p a r e c e r "a y-omliçao e s s e n c i a l do c-
nuru.fado" ( 2 0 ) , c u j o a u t o r d e v e r a p r e o c u p a r - s e com e x -
p r i m i r as suas Idéias p o r uma f o r m a d i r e t a e simpJ.es;
reconhece, c o n t u d o , o próprio M a r o u z e a u que o escritor
se vô o b r i g a d o a s u b s t i t u i r a expressão que s e r i a espe
r a d . i , p o r uma o u t r a , e q u i v a l e n t e ou a p r o x i m a d a , nao só
em v I r t u d e de uma "insineeridade inata", como também
pela necessidade de "dar-se um ar s u p e r i o r " , ao não d i _
zer as c o i s a s "como seria natural que fossem ditas"
(27); conclui M a r o u z e a u que há c e r t o p r a z e r em ofere-
cer ao l e i t o r não o que se t e m r e a l m e n t e a d i z e r - l h e ,
mas "o que ê próprio para fazê-lo adivinhar" (28).

Tomando como c e r t a s as p a l a v r a s de Ma-


rouzeau a r e s p e i t o da i n s i n c e r i d a d e n a t u r a l do escri-
tor, o s e u g o s t o p e l a adivinhação, o s e u p r a z e r p e l o e
nigma, as construções a r r o j a d a s rTfe Pérsio nao poderão
ser tidas corno d e f e i t o s ; p e l o contrário, haverão de
ser' c o n s i d e r a d a s como r e c u r s o s e n r i q u e c e d o r e s do esti-
lo, p e l o menos até c e r t o ponto.

0 m o t i v o p e l o q u a l se têm e s s a s cons-
truções como o b s c u r e c e d o r a s das sátiras r e s i d e no fato
de que o l e i t o r nem sempre está c a p a c i t a d o p a r a compre
ender as a p a r e n t e s r u p t u r a s que se e s t a b e l e c e m entre o
p l a n o do e n u n c i a d o e o p l a n o lógico", e n t r e a q u i l o que
se t e m e a q u i l o que s e r i a esperado.

Se a l g u m excesso ou i m p r o p r i e d a d e se
d e p a r a m , as v e z e s , nas sátiras q u a n t o ao emprego des-
sas construções, dever-se-ã i s s o ao f a t o de q u e , s o b r e
ser jovem, v i v i a o p o e t a l i g a d o a um g r u p o culto para
quem, sem d u v i d a , os seus p e n s a m e n t o s eram bem m a i s ní
tidos; acresça-se também que nem o p r e o c u p a v a , como d_e
c l a r a na p r i m e i r a sátira, a aprovação pública. 0 empre
go, t a l v e z a b u s i v o , dessas formas forçará, p o r c e r t o ,
o leitor de h o j e a c o n s t a n t e s c o n s u l t a s e interrupções
da l e i t u r a , levando-o a i n d i s p o r - s e contra elas. Mas o
empenho empregado numa l e i t u r a p a c i e n t e dos v e r s o s de
- HO -

Pérsio poderá p n - . n i a r com i n e s p e r a d a s belezas o estud i


oso .

Se não ha o r i g i n a l i d a d e em Pérsio, ou
se i„-i p o u c a , e s s a questão t e m a sua g r a v i d a d e diminuí-
da d i a n t e do emprego das construções a r r o j a d a s . Se a
Pérsio f a l t o u originalidade em termos de i m a g e n s , e s -
sas construções r e p r e s e n t a m , sem d u v i d a , uma maneira
própria, p a r t i c u l a r , original, portanto, de se r e n o v a r
o que jã f o i g a s t o p e l o u s o .

Q u a n t o ao empregrj dos clichês próprios


da retórica filosófica, não se pode e s q u e c e r que a o-
bra de Pérsio está i n t e i r a m e n t e embasada na f i l o s o f i a
que e l e pregava, o q u e , p o r s i só, j u s t i f i c a o s e u em-
prego .
-Hl

NOTAS AO CAPITULO "O VALOR LITERÁRIO"

0 1 - < 'r i t i cando a p o e s i a banal", própria da r e c i t a t i o ,


pérsio d e c l a r a que e s s a p o e s i a "nec pluteum cae-
uit nec demorsos sapit unguis" , I , 106. Conside-
r a n d o que Pérsio c o n d e n a e s s a s manifestações poe
ticas, é l i c i t e ) j u l g a r que s u a p o e s i a pluteum
caedit et demorsos sapit unguis.

0 2- V i t a , VIII.

03- "Sátira quidem t o t a nostra est." - Instit. orat.


X, 9 3.

04- Instit. o r a t . X, 9 4 .

05- E p i g r . I V , 2 9 , 17.

06- I I I , 43-51.

0 7- I I I , 8 8-97.

08- I I I , 9 8-106.

09- V, 132-15 3.

10- Opus c i t . , p. 28.

1 1 - Opus c i t . , p. 2 8 .

12- Cicero d e c l a r a que "a sabedoria não se as semelha


d arte do p i l o t o ou a do médico, mas, antes, co-
mo acabo de d i z e r , a um papel de t e a t r o e a uma
dança; o ultimo grau da a r t e , a sua perfeição,
está nela mesma e nao busca nada que lhe s e j a ex
terior." - De F i n . I I I , V I I , 2 4-

13- de Off. I , 118.

14- "Nunc f a c e supposita feruescit sanguis et i r a


Scintillant oculi d i c i s q u e f a c i s q u e quod ipse
Non sani e s s e hominis non sanus iuret Orestes."
(III, 116-118) .

15- "...sed olim carmen quod ex u a r i i s poematibus


constabat satura uocabatur, quale scripserunt
Pacuuius et Ennius." - D i o m e d e s , Ars Grammatica,
- 82 -

16 - VAN ROOY, (\ A. Studien in Cl a a ai aal S a t i r e and


Related Thcory. N e i d e n , E. J . B r i l l , 1966 ,
p. 32.

17- Opus c i t . , "locus c i t .

18- Opus c i t . , p. 28.

19- Van Rooy, opus c i t . , p. 5 1 .

20- Opus c i t . , p. 26 .

21- Opus c i t . , p. XXVI.

22- Como e x e m p l o d e s s e r e c u r s o de Pérsio, podem-se


citar os v e r s o s I , 8, 9, 2 8 , >di, HO, 53, 6 1 ,
l>5, 70 , 79 , 97 , 107 , 119 , 127 , 1 28 ; 1 1 , 4, 7,
18, 2 1 , 2 8 , 48 , 62 , 63 , 6 6 ; I I I , 9 , 27 , 32 , 50 ,
52, 6 5 , 9 1 , 1 1 4 ; I V , 1 0 , 1 3 , 2 3 , 2 9 , 3 6 ; V, 1 ,
II'. , 15 , 16 , 24 , 26 , 37 , 4 1 , 4 2 , 56 , 62 , 83 , 84 ,
94, 1 0 0 , 1 0 1 , 1 0 5 , 1 1 , 1 7 0 , 1 7 7 ; V I , 2 3 , 3 8 .

23- i)á-se s e m e l h a n t e fenómeno ein 1, 1 1 1 ; I I , 5 4 ;


V, 14 3.

24- NOUGARET, E. T r a i t e de Métrique Latine Classi-


que. 2 édition. P a r i s , K l i n c s i e c k , 19 56, p.
5 3-54; Charpin, opus c i t . p. 2 6 -
- e —
25- Traite de S t y l i s t i q u e Latine. 2 édition. Pa­
ris, "Les B e l l e s L e t t r e s " , 1 9 4 6 , p . 253.

26- M a r o u z e a u , opus c i t . , l o c u s c i t .

27- M a r o u z e a u , opus c i t . , l o c u s c i t .

28- Opus c i t . , p. 25 3.
- 83 -

C O N C L U S A O
- 84 -

As sátiras de Pérsio nao apresentam


aspectos i n o v a d o r e s nem r e f cirmul a d o r e s ; o p o e t a de
Volterra f o i a p e n a s um c o n t i n u a d o r de um gênero l i -
terário de raízes p r o f u n d a m e n t e l a t i n a s , o qual pro
curou adequar, do m e l h o r modo possível, à s u a n e c e s
s i d a d e de p r e g a d o r , em v e r s o s , da d o u t r i n a do P o r t i _
d ) .

Pintora se possa c o n s i d e r a r Pérsio


UÍ entusiasmado admirador da o b r a de Horácio - f a -
t i i que e x p l i c a r i a as f r e q u e n t e s ressonâncias de Ho-
ruo.ío na o b r a de Pérsio -, as sátiras do p o e t a de
Ve]terra d i s t i n g u e m - s e em vários a s p e c t o s .

P r i m e i r a m e n t e ha que se a t e n t a r p a -
r a os m o t i v o s que l e v a r a m Horácio p e l o s c a m i n h o s da
sátira; e l e próprio e s c r e v e u que "neste gênero em
que, após as t e n t a t i v a s frustradas de Varra"o de Á-
tax e de alguns outros, eu poderia ter mais suces-
so, sem igualar-me ao c r i a d o r . . . " ( 0 1 ) ; apoiando-se
nesses v e r s o s , Lamarre c o n c l u i u que "...a sátira e-
ru o único, (gênero) que nao tinha o seu mestre, o
seu grande autor. Como o lugar estava vago, Horácio
resolveu ocupá-lo; a sátira pareceu-lhe o que mais
lhe prometia sucesso." (02)

0 raciocínio de L a m a r r e i n d u z - n o â
conclusão de que Horácio f o i l e v a d o a e s c r e v e r sãti
r a s p e l a ambição de s e r um g r a n d e autor, ocupar o
l u g a r de m e s t r e do único gênero literário que a i n d a
nao possuía um g r a n d e nome; somos, p o r i s s o , leva-
dos a a c r e d i t a r q u e , ao s e g u i r o c a m i n h o a b e r t o p o r
Lucílio, o o b j e t i v o de Horácio f o i m e r a m e n t e literã
rio.
Q u a n t o ao animus das suas sátiras,
o próprio Horácio d e c l a r a que a l i n g u a g e m que deve
s e r empregada há de s e r o r a áspera, o r a a l e g r e , p o s
suindo, conforme o momento, t o m oratório ou poéti-
c o , c o n c l u i n d o que o g r a c e j o c a b e m e l h o r e mais i n -
c i s i v a m e n t e ãs questões m a i s i m p o r t a n t e s ( 0 3 ) . É d i
fícii e n c o n t r a r , nas suas sátiras, a m e l a n c o l i a , o
amargor, o pessimismo q u e , s e g u n d o C o u r b a u d , são p r o
prios do gênero satírico ( 0 4 ) ;

Pode-se d i z e r , em suma, que a sáti-


ra de Horácio é construída s o b r e uma jovialidade
pré a i st de quem e s t a v a a f e i t o â v i d a da c o r t e .

Pérsio não f o i l e v a d o âs sátiras pe


lo i e s e j o da g l o r i a literária, a q u a l , corno j a v i -
mos, e l e a b o m i n a v a . 0 animus das suas sátiras não
contêm a mesma j o v i a l i d a d e d a s de Horácio.

Pérsio não f o i , c e r t a m e n t e , partida


rio da t e o r i a do ridendo castigat mores, já q u e , em
suas sátiras, ê visível um s e n t i m e n t o de m e l a n c o l i a
que, p o r vezes, se t r a n s f o r m a em p u r a indignação,
".. . u i d i , uidi ipse, libelle", I , 120. M a n i f e s t a - s e
a m e l a n c o l i a p r i n c i p a l m e n t e p o r uma série de i m p r e -
cações o u admoestações v a z a d a s em t o m l a m e n t o s o ,
frutos da constatação de uma r e a l i d a d e que o e n t r i s
tecia, fato, aliás, que e l e mesmo c o n f e s s a em I , 9-
10: "...et nostrum istud uiuere triste / Aspexi..."

0 p o e t a de V o l t e r r a não ê um satíri_
co q u e , como Horácio, p r e t e n d e f a z e r s o r r i r ; se h o u
ver s o r r i s o nas suas sátiras, será também um sorri-
so melancólico, m o t i v a d o p o r algum comportamento i n
s e n s a t o que e l e c r i t i c a . Pérsio ê um p o e t a que p r e -
t e n d e c o n s e r t a r o mundo e s a l v a r a s e u s semelhan-
tes, j u l g a n d o a sua p o e s i a o i n s t r u m e n t o mais ade-
quado ã s u a missão; daí a s u a e x c e s s i v a preocupação
moralizante.

Se Pérsio n a o ê, e n t r e os p o e t a s sa
tíricos, tão c e l e b r a d o q u a n t o Horácio, o u mesmo até
quanto J u v e n a l , ê porque s u a o b r a se f e z m a r c a r p o r
uma o b s c u r i d a d e que a crítica e x a g e r o u . É c e r t o que
Pérsio, de início, não ê agradável; p e l o contrário,
ê fatigante. Para se l e r a Pérsio, ê p r e c i s o não só
conhecer a e l e , como também ao e s t o i c i s m o . P a r a p o -
- íit» -

d e r a p r e c i a - l o , e m i s t e r t e r em mente que v i v e u em
um tempo c o n t u r b a d o , c o r r u p t o , que p r e n u n c i a v a jã
a decadência de uma c u l t u r a , a queda de um p o v o . Ê"
necessário não se e s q u e c e r de que v i v e u em um t e m -
po em que o homem romano e r a c o n d u z i d o , o u c o n d u -
z i a - s e , ã aniquilação. Pérsio opôs-se a e s s a situa
ção e d e c i d i u - s e a l u t a r c o n t r a e l a , f a z e n d o das
suas sátiras as a r m a s .

Pérsio, p o r f i m , não b u s c o u a a r -
te; v i s o u ao homem que e l e j u l g a v a p e r d e r - s e . Para
ele, a arte nao f o i um f i m ; f o i um m e i o que p r o c u -
rou utilizar, perfeita o u i m p e r f e i t a m e n t e , não i m -
p o s t a , p a r a alcançar o s e u o b j e t i v o , c l a r a m e n t e de
terminado.

Pérsio não f o i um gênio da litera-


tura, mas f o i , s e g u r a m e n t e , um p o e t a que se p r e o c u
pou com os d e s t i n o s da h u m a n i d a d e . P o i um p o e t a
que r e n u n c i o u à g l o r i a literária p o r não c o m p a c t u -
ar com a aquilação m o r a l do homem.
~j
Nao f o i e x c e l e n t e p o e t a , mas um es
merado p r e g a d o r . M a i s q u e a l i t e r a t u r a , amou o h o -
mem. I s t o l h e b a s t a v a .
- 87 -

NOTAS

01-- Sat. I , X, 4 6 - 4 8 .

02- H i s t o i r e de la Littératura Latine. Paris, Librai_


rie J u l e s L a m a r r e , 19 0 1 , t . V, p. 9 9 .

03- Sat. I , X, 1 1 - 1 5 .

04- COURBAUD, E. Horace: sa v i e et sa pensée à. I ' êpq_


que des Épitres. ( P a r i s , 1 9 1 4 ) , p. 2. - a p u d
HORACE. Odes et Êpodes. T e x t e établi e t t r a d u i t
p a r F. V i l l e n e u v e . Paris, "Les B e l l e s Lettres",
1 9 6 7 , p. X V I I .
- M H -

T R A D U Ç Ã O E N O T A S

V.,
S Ä T I R A

TRADUÇÃO
- 90 -

Oh! as preocupações dos homens! Oh!


quão g r a n d e v a z i o há nas c o i s a s ( 0 3 ) !

- "Quem l e r a isto?"

- fi a mim que f a l a s ? Ninguém, por


Hércules 1

- "Ninguém?"

- Talvez duas p e s s o a s , t a l v e z nenhuma.

- "Coisa v e r g o n h o s a e d i g n a de c o m p a i -
xão 1 "

- P o r quê? P o l i d a m a n t e e as Troianas
(0/) não preferirão, sem dúvida, Labeão ( 0 3 ) a mim? Ni-
nharias! Se a turbulenta Roma d e s m e r e c e a l g u m a obra,
não a p r o v e s nem c e n s u r e s o fiel viciado desta balança
e não t e p r o c u r e s f o r a de t i mesmo. De f a t o , ha em Ro-
ma quem p o r e s s a não..., se f o s ^ e l i c i t o dizer... Mas
é lícito; quando p e n s o nas n o s s a s c a s , n e s t e n o s s o v i -
ver triste ( 0 4 ) e em t u d o q u a n t o f a z e m o s , apôs a b a n d o -
n a r as n o z e s ( 0 5 ) , p a r t i c u l a r m e n t e . q u a n d o n o s asseme-
lhamos a n o s s o s c e n s o r e s , então, então... p e r d o a i - m e .

- "Não."

- Que f a z e r ? Mas e s t o u com o baço agi-


t a d o e r i o ãs gargalhadas.

Escrevemos e n c l a u s u r a d o s (06), aque-


le, em v e r s o s , e s t e , l i v r e da métrica, a l g o solene
que. um pulmão extremamente r i c o em fôlego há de e-
xaiar. Naturalmente, lendo estas coisas para o pú-
blico, bem penteado, com urna toga n o v a , e, e n f i m ,
com a sardónica do aniversário ( 0 7 ) , todo branco,
sentado em uma c a d e i r a a l t a , depois de t e r e s umede
eido a garganta ágil com f l u i d a declamação afetada
(08), com o olhinho inundado de g o z o , lânguido, e n -
tão poderás v e r agitarem-se, de modo i n d e c e n t e e com
a voz a l t e r a d a , os T i t o s colossais (09), quando os
poemas l h e s p e n e t r a m os g e n i t a i s e o verso tremulo
lhes f a z cócegas âs p a r t e s íntimas ( 1 0 ) . És t u , p o b r e
v e l h o , que c o l h e s e n g o d o para as o r e l h a s alheias, pa
ra • «relhas t a i s as q u a i s < as q u a i s > o,
COM: a p e l e a r r u i n a d a , t u dirás: " B a s i a ! " ?

- " P a r a que t e r a p r e n d i d o , se e s t e
f o) ai" a; l o , so o s t a figueira lanava, uma v e z b r o t a d a
deu i r o de n o s , não s a i r , a não s e r e s t o u r a n d o - n o s
o rígado ( 1 1 ) ? "

- Eis a palidez e a decrepitude! 6


co.: fumes! Teu s a b e r nada é, se o u t r o náo s o u b e r que
tu sabes?

- "Mas e b e l o s e r a p o n t a d o com o de
1
do >• o u v i r d i z e r ( 1 2 ) : "6 e l e . " Estimarás em nada
ter s i d o t e x t o de d i t a d o de cem j o v e n s de cabelos
crespos (13)?"

- De r e p e n t e , e n t r e os c o p o s , os
d e s c e n d e n t e s de Rómulo, f a r t o s , querem s a b e r o que
d i z e m os poemas d i v i n o s ; então alguém, com um m a n t o
da c o r do j a c i n t o aos o m b r o s , t e n d o declamado algo
rançoso, g a g u e j a n d o p e l o n a r i z , destila as EÍlidas
( l ' i ) e as H i p s i p i l a d a s ( 1 5 ) , a l g o v a z i o e l a m u r i o -
so, se m u i t o , e, com o p a l a t o m a c i o , e s t r o p i a as pa
lavras. Deram sua aprovação os varões: e a g o r a não
estarão f e l i z e s as i l u s t r e s c i n z a s do p o e t a ? A p e -
dra tumular não está a g o r a m a i s l e v e s o b r e os seus
o s s o s ? Louvam-no os c o n v i v a s : e agora daqueles ma-
nei.;, e a g o r a do t u m u l o e cinzas felizes não n a s c e -
rão v i o l e t a s ?

- "Tu t e r i s , d i z alguém, e t e com-


p r a z e s d e m a i s em t o r c e r o n a r i z ( 1 6 ) . Haverá alguém
que-, se r e c u s e a desejar ser digno da b o c a do povo e
tendo composto c o i s a s dignas do óleo de c e d r o (17).,
se recuse a d e i x a r poemas que não temam nem as c a v a
la; nem o i n c e n s o (18)?"

- Quem q u e r que s e j a s t u , a quem


fi/., há p o u c o , f a l a r c o n t r a mim, s e , q u a n d o escrevo
algum r a s g o me s a i r p o r acaso mais f e l i z - quando
isto? f] ave r a r a . -, mas, se a l g u m r a s g o me s a i r mais
f < • i 7,, não t e m e r e i s e r e l o g i a d o , p o i s nao t e n h o fibra
de chifre. Nego, c o n t u d o , que o t e u " M u i t o bem!" e o
teu " [.indo!" s e j a m nao só o f i m , v>>m<> também o ápice
da obra artística. E x a m i n a , p o i s , i n t e i r a m e n t e e s t e
1
"Lindo .": que não conterá e l e dentre/? Não estará aqui
a ilíada de Ácio, ébria de heléboro ( 1 9 ) ? Não estarão
a q u i as p e q u e n a s e l e g i a s que d i t a r a m os n o b r e s durante
a digestão? Não estará a q u i , em suma, t u d o o que se es
creve r e c l i n a d o sobre os l e i t o s de t u i a ( 2 0 ) ? Sabes
s e r v i r uma t e t a bem q u e n t e de p o r c a ; sabes presentear
um c o m p a n h e i r o t r a n s i d o de f r i o com a t u a c a p a já u s a -
da, dizendo-lhe: "Amo a v e r d a d e ! Dize-me a v e r d a d e s o -
b r e mim ( 2 1 ) ! " Corno s e r i a possível? Q u e r e s que eu d i -
ga? Tu g r a c e j a s , o c a r e c a , já que a t u a g r a n d e b a r r i g a
f o r m a uma proeminência de pê e m e i o . 6 J a n o , a quem j a
mais cegonha alguma b i c o u p e l a e c o s t a s , nem mãos ágeis
i m i t a r a m o r e l h a s b r a n c a s nem línguas tão c o m p r i d a s c o -
mo a de uma c a d e l a s e d e n t a da Apúlia ( 2 2 ) . 6 vós, san-
gue: patrício, que t e n d e s o d i r e i t o de v i v e r com o o c c i
píoio c e g o , s u r p r e e n d e i as c a r e t a s feitas p o r detrás!

Qual ê a linguagem do povo?

- " Q u a l , p o i s , senão que h o j e , final-


m e n t e , os poemas f l u e m em r i t m o s u a v e , de s o r t e que a
junção d e i x a c o r r e r unhas e x i g e n t e s p o r uma superfície
lisa ( 2 3 ) ? Sabe a l i n h a r o v e r s o como se t i r a s s e um t r a
ço com um o l h o sé. S e j a p r e c i s o f a l a r c o n t r a os c o s t u -
mes, c o n t r a o l u x o , c o n t r a os b a n q u e t e s dos r e i s , a Mu
sa o f e r e c e idéias s u b l i m e s ao n o s s o poeta."

- E i s q u e , a g o r a mesmo, e n s i n a m o s a e-
l a b o r a r p e n s a m e n t o s heróicos (2't) a a l u n o s habituados
a -fizer f r i v o l i d a d e s em g r e g o , incapazes de descrever
um bosque s a g r a d o e de c e l e b r a r o campo fértil ( 2 5 ) ,
onde h a j a c e s t o s , uma f o g u e i r a , p o r c o s e as Parílias
enfumaçadas p e l o feno ( 2 6 ) , de onde v e i o Remo e t u , ó
Quíntio ( 2 7 ) , que c o n s u m i a s o a r a d o no s u l c o , q u a n d o ,
diante dos b o i s , a t u a e s p o s a p r e s s u r o s a t e v e s t i u co-
mo d i t a d o r e um l i t o r l e v o u os t e u s a r a d o s para casa.

- " M u i t o bem, p o e t a ! Ha h o j e alguém a


quem d e l e i t e o livro de v e i a s s a l t a d a s do Ácio B r i s e u
(','sO ? Ha p e s s o a s a quem a t r a i a 1'acúvio o a sua v e r r u -
ços a Antíopa ( 2 9 ) , que s u s t e n t a com d e s g o s t o s seu c o -
r a oão d o l e n t e ? "

- Ao v e r e s p a i .«: de p o u c a visão infun-


dir semelhantes lições n o s f i l h o s , p e r g u n t a s de onde
v e i o âs línguas e s t e f a l a r de f r i g i d e i r a ( 3 0 ) , de o n -
'de vario e s t a v e r g o n h a p e l a q u a l um j a n o t a imberbe
(31) s a l t a de a l e g r i a p e l o s b a n c o s ? Nao envergonha
nao poder rechaçar de uma cabeça e n c a n e c i d a os peri-
go; , sem que d e s e j e s ouvir e s t e morno: " M u i t o bem d i -
te"? "íis ladrão", d i z - s e a P e d i o ( 3 2 ) . E P e d i o , que
f a z ? Pesa as acusações em antíteses p o l i d a s , conside-
r a d o que e p o r t e r empregado f i g u r a s eruditas.

- "Isto e lindo!"

- Lindo isto? Acaso s a c o d e s o trasei-


ro, o filho de Rómulo? E a mim, mover-me-ã" e l e ? E p o r
que', se e l e c a n t a s s e náufrago, es t e n d e r — l h e - i a eu um
asse? Cantas, quando t e t r a z e s ao o m b r o , p i n t a d o s o -
b r e um n a v i o soçobrado ( 3 3 ) ? Uma verdade que não t e -
nha sido preparada ã noite, é" o que deverá c h o r a r
quem me q u e i r a v e r c u r v a d o p e l o queixume.

- "Mas a o s v e r s o s rudes f o i acrescen-


t a d a b e l e z a e articulação. A p r e n d i a f e c h a r o v e r s o
assim: Átis Bereetntio (34) e 0 delfim que fendi?, o a
zul Nereu ( 3 5 ) ; ainda assim: Aos imensos Apeninos rou_
barnos um f l a n c o ( 3 6 ) . Arma uirum nao e, p o r a c a s o , a l _
guria c o i s a g r o s s e i r a e de c a s c a e s p e s s a como uma v e -
l h a ramagem r e s s e q u i d a p o r um s o b r e i r o anormal?"

- Q u a l e, p o i s , a passagem d e l i c a d a
que se d e v a l e r com a n u c a relaxada?

- "Encheram as trompas ferozes com


ressonâncias bãquicas e a Bassãrida y que carregará a
cabeça decepada de um novilho soberbo, e a Menade,
- 94 _

que dirigirá o lince com a guirlanda de hera, repelem


Evo o; ressoante lhes responde o eco."

- Aconteceriam e s t a s c o i s a s se v i v e s -
se cm n o s a l g u m a v e i a do testículo p a t e r n o ? Isto nada,
sem forças, nos lábios a superfície da s a l i v a , e a Me
nade e Átis estão na água; não m a r t e l a r a o divã nem sa
bem a u n h a s roídas ( 3 7 ) .

- "Mas q u a l e a n e c e s s i d a d e de a r r a -
1
nhar os o u v i d o s d e l i c a d o s com a v e r d a d e mordaz? Cuida
de que os u m b r a i s dos p o d e r o s o s não se t o r n e m p o r a c a
so . f r i o s p a r a t i ; rosna a q u i , pelo n a r i z , a l e t r a ca-
nina ( 3 8 ) ."

- P o r mim, n a v e r d a d e , que t o d a s as
coisas sejam imediatamente b r a n c a s ; não me i m p o r t o .
Bravo', t o d o s , bem! t o d o s , s e r e i s coisas maravilhosas.
Isto agrada. v, y

- "Não p e r m i t o , d i z e s , que alguém d e -


feoue a q u i (39)."

- P i n t a duas s e r p e n t e s : " M e n i n o s o l u
gai o sagrado, urinai l o n g e . " Pu me a f a s t o . Lucílio
dl.1 i c e r o u a c i d a d e , a t i , o Lupo e a t i , o Mucio ( 4 0 ) ,
e neles quebrou um m o l a r ; o s a g a z P l a c o t o c a t o d o v í -
cio do a m i g o que r i e, a d m i t i d o ao r e d o r do coração,
diverte-se, a s t u t o em s u s p e n d e r o p o v o com o s e u n a -
riz e s t i c a d o ( 4 1 ) . Ser^ã c r i m e p a r a mim s u s s u r a r ? Nem
em s e g r e d o , nem em um b u r a c o , em p a r t e a l g u m a ? A q u i ,
portanto, enterrarei - eu v i , eu mesmo v i , o livri-
nho -: " O r e l h a s de a s n o , quem não as t e m ( 4 2 ) ? " Este
segredo, e s t e meu r i r , tão nada que s e j a m , não os v e n
do a t i p o r nenhuma Ilíada ( 4 3 ) . Quem q u e r que s e j a s
tu, que s e n t i s t e o b a f e j o do a u d a z C r a t i n o , que empa-
lideces sobre o f u r i o s o EupÕlide e s o b r e o i l u s t r e v e
lho ( 4 4 ) , c o n s i d e r a também e s t a s c o i s a s , se o u v e s ,
por acaso, a l g o mais harmonioso; que f e r v a m , então,
p a r a mim l e i t o r e s com o r e l h a s l i m p a s ; que não s e j a a-
q u e l e que e x u l t a em g r a c e j a r d a s sandálias g r e g a s (45),-
i n u m d o , e que p o s s a chamar a um z a r o l h o de z a r o l h o , e
que, c r e n d o - s e alguém, a r r e b a t a d o p o r uma magistratu-
ra ir.ãlica, q u e b r o u , como e d i l em Arécio ( 4 6 ) , herni-
nas falsas ( 4 7 ) , nem o v e l h a c o que sabe zombar dos nu
meros no ãbaco e dos c o n e s d e s e n h a d o s na a r e i a , pron-
to para d i v e r i r - s e muito, se uma nonária ( 4 8 ) a t r e v i -
da tira a b a r b a de um cínico. P a r a e s t e s , o e d i t o p e -
l a manha; apos o almoço ofereço Calírroe ( 4 9 ) .
'Ill

NOTAS Ä SÄTIRA I

•in.
Como já se v i u , r e g i s I IM . I Vit-a, X, que Pérsio se
sentiu i m p e l i d o a e s c r e v e r sátiras, após t e r l i d o
o décimo l i v r o das sátiras de E u c í H o , c u j o iní-
c i o imitou.

0 emprego de Polydamas e Troiades e, sem d u v i d a ,


urna alusão aos v e r s o s de Homero ( I I . X X I I , 100 e
105) n o s q u a i s H e i t o r , tendo p e r d i d o a esperan-
ça, se nega a p e n e t r a r nas m u r a l h a s de Tróia, p o r
que teme as injúrias do sábio P o l i d a m a n t e e a p r e
sença dos t r o i a n o s e troianas; Polidamante tor-
nou-se p r o v e r b i a l corno c e n s o r implacável ( c f . C i e
Att. I I , 5, 1 ; V I I , 1 , 4 ; V i I I , 16 , 2 ) .

Com o nome Polydamas , Pérsio c e r t a m e n t e se r e f e r e


a algum crítico do tempo o u , t a l v e z , ao próprio
interlocutor; com o irônico Troiades , ressalte-se
o f e m i n i n o , d e s i g n a aos r o m a n o s , c o r r o m p i d o s e e-
feminados .

0 que se sabe d e s t e Labeâo, f o i - n o s deixado pelo


escoliasta de Pérsio: chamava-se Acoius ou A t t i u s
Labeo e f o i . o a u t o r de urna detestável tradução da
Ilíada; e s t a lição p a r e c e coadunar-se com o espí-
rito do v e r s o em que Pérsio a e l e se r e f e r e .

0 u s o do i n f i n i t i v o como s u b s t a n t i v o ("et nostrum


istud uiuere t r i s t e " , v . 9) é f r e q u e n t e em Pérsio
pode s e r v i s t o também em I , 2 7 , 1 2 2 ; I I I , 1 7 , 1 8 ;
IV, 1 7 ; V, 5 3 e V I , 38.
E s t e c a s o , c o n t u d o , merece consideração especial,
já que Pérsio, s e g u n d o Dolç, opus c i t . , p. 7 5 , pa
r e c e t e r s i d o o p r i m e i r o a u t o r que a t r i b u i ao i n -
finitivo um a d j e t i v o qualificativo.

A oração a d v e r b i a l após abandonar as nozes traduz


apenas l i t e r a l m e n t e o latim nuoibus relictís . Sa-
be-se que um dos j o g o s i n f a n t i s romanos e r a o j o -
go de n o z ; nuoes relinquere - a b a n d o n a r as n o z e s
s i g n i f i c a v a renunciar aos jogos da infância e,
consequentemente, não s e r mais criança.
Ma, n e s t e p a s s o , alusão ao hábil o de os r o m a n o s
b u s c a r e m a solidão, a c a l m a p a r a e s c r e v e r , con-
forme nos t e s t e m u n h a Horácio, t',p. I I , 2 , 7 7-78:
"Praeter c e t e r a me Romaene poema ta censés /
llcribere posse inter t o t curas totque labores'?"
e id.i i b i d . y 77-78: "Scriptorum chorus omni s
amat nemus et fugit urbem / rite cliens Bacchi
somno gaudentis et umbra."
Saribimus inclusi pode, p o r o u t r o lado, aludir
aos g a b i n e t e s de e s t u d o , comuns e n t r e os r o m a -
nos de p o s s e .

I' desnecessário a t e n t a r parva a descrição irôni-


ca que Pérsio f a z do declamator; vale, contudo,
observar c e r t o s pormenores: um d e l e s , natalícia
sardonix, o a n e l de a n i v e r s a r i o , foi, em parti-
cular, comentado e c r i t i c a d o também p o r o u t r o s
autores. Quintiliano (Instit. orat. I , 27-28:
"Manus non impleatur anulis, praecipue médios
artículos non transeuntibus.") e Juvenal ( I ,
27-2 8: ". . .uentilet aestiuum digitis sudanti-
bu:> aurum / nec. supove queat maioria pondere
gemmae...") m o s t r a r a m a afetação, o p e d a n t i s m o
do u s o dos anéis.

H também o que d i z Q u i n t i l i a n o , embora em o u -


tros termos: "Bit autem i n primis lectio uiri-
lis et cum s u a u i t a t e quadam grauis non
tamen in canticum dissoluta, nec plasmate 3 ut a
nunc plerisque fit 3 effeminata." - Instit. orat.
I, VIII, 2.

Segundo a lição de R a m o r i n o , opus c i t . , p. 1 1 ,


o sintagma i n g e n t i s Titos r e f e r e - s e aos n o b r e s
r o m a n o s , "pela frequência deste pronome nas f a -
mílias nobres".

Juvenal, VII, 8 2 - 9 0 , i g u a l m e n t e m o s t r o u o ridícu


lo dessas l e i t u r a s públicas:
"Curritur ad uocem iucundam et carmen amicae
Thebaidos, lactam cum f e c i t Statius urbem
promisitque diem: tanta dulcedine captos
adficit ille ânimos tantaque libidine uolgi
auditur; se.d cum f r e g i l subseLlia uersu,
esurit, intactam P a r i d i niisi uendit Agauen.
Ille et m i l i t i a e mulbis largitur honovem.
Demenstri digiios uatum c.incumliyat aurum.
Quod non dant próceres, dabit histrio..."

1 1 - O fígado ê tomado a q u i como a sedo; das paixões; o


emprego de rupto iecore c o r r e s p o n d e ao emprego de
iecur no v e r s o de Horácio "Non a n c i l l a tuum iecur
ulceret." - Ep. I , 1 8 , 7 2 .

12- Tornou-se impossível t r a d u z i r ' p a r a o português a


originalidade de Pérsio n e s t a passagem; o l a t i m a
presenta dicier, ser d i t o , um i n f i n i t i v o passivo
que e n f a t i z a , com m u i t a propriedade, o fato de o
-
i n t e r l o c u t o r ' do p o e t a p r e n d e r - s e as opiniões a l h e i a s .
Ppícteto, Conversações, LX, p a r e c e e s p e l h a r , com
muita f i d e l i d a d e , o p e n s a m e n t o de Pérsio n e s t e pas
so : "Meu amigo, por que andas empertigado como se
houvesses engolido uma arvore? - Quero s e r admirq_
do por todos que passam e ouvir dizer ã direita e
n esquerda: e i s um grande f i l o s o f o '. - Quem são a-
queles de quem queres atrair a admiração? Não são
os mesmos que chamas de loucos? Queres, pois, ser
admirado por loucos? Ah! grande louco!"

13- "': emprego de cirratorum funda-se provavelmente em


dois fatos:
Os j o v e n s das famílias n o b r e s d e i x a v a m c r e s c e r e
encaracolar os c a b e l o s , ao começar a f r e q u e n t a r as
riulas; Marcial chama-os de " C i r r a t a caterua magis-
tri" ( I X , 30, 7 ) .
A fala "Ten cirratorum centum dictata fuisse" pro-
cede do i n t e r l o c u t o r de Pérsio, o q u a l representa
o p o e t a da moda; e s t e p o e t a ê, p a r a Pérsio, insen-
s a t o , p o i s não ê sábio. Sabe-se que os j o v e n s que
se d e d i c a v a m ao e s t u d o do e s t o i c i s m o r a s p a v a m os
- .LUI) -

cabelos (" . . . insomnis qui lia; et dctonsa iuuen-


tus...", Pérsio, I I I , 54; "Rarus s ermo i l l i s mag_
na libido taoendi / Atque supercilio breuior co-
rna.", Juvenal, T I , 14-15). Pode, então, c i r r a t o -
rurn r e p r e s e n t a r f o r t e e irônica oposição e n t r e o
a l u n o v o l t a d o p a r a a s a b e d o r i a , detonsa iuuentus ,
e o v o l t a d o para a i n s e n s a t e z , o cirratus.

14- VIlide, filha de L i c u r g o , r e i da Trácia, f o i


transformada ern a m e n d o e i r a , p o r c a u s a do s e u a-
mor p o r üemofonte ( c f . Ov. , lier. II).

15- iiipsípila, f i l h a de T r o a s , r e i de Lemos, f o i s e -


d u z i d a e a b a n d o n a d a p o r Jasão, de quem t e v e um
filho. Suas d e s v e n t u r a s , bem como as de PÍlide,
eram a s s u n t o c o n s t a n t e dos p o e m e t o s elegíacos de
clamados ã hora da c e i a , s e g u n d o o que se pode
depreender da i r o n i a de Pérsico.
P a r a as d e s v e n t u r a s de Hipsípila, v e r Ov. Her. V I .

16- Nimis une is / Naribus indulges , vv. 40-41, é, se


guramente, a v a r i a n t e de a l g u m a f r a s e proverbial,
do campo semântico de zombar, ridicularizar, mo-
far, c u j o núcleo f o i , sem d u v i d a , na s um ou nares;
a exemplificação é v a s t a : além do próprio Pérsio
("Callidus excusso populum suspendere naso." , I ,
118; "Ingeminat trêmulos naso crispante cachin-
nos. III, 8 7 ; "sed i r a cadat naso rugosaque san-
na.", V, 9 1 ) , Horácio ( S a t . I , 4, 8: " e m u n e t a e
naris, durus componere uersus.", i d . 3, 2 9 - 3 0 :
"...minus aptus acutis / naribus horum hominem. ..",
id. 6, 5-6: "...naso suspendis adunco / igno-
tos...", Sat. II, 8, 6 4 : " . . . B a l a t r o , suspendens
omnis / naso." e, f i n a l m e n t e , Ep. I , 1 9 , 4 5 :
"...Ad haec ego naribus uti.") e Marcial ( I , 3,
41: "Non cuicumque e s t habere nasum.") serviram-se
de expressões e q u i v a l e n t e s , f a t o q u e , sem d u v i d a ,
mostra sua o r i g e m comum.

17- E r a c o s t u m e u n t a r ou i m p r e g n a r os m a n u s c r i t o s com

FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS • UNESP-CAr.


11) I

r e s i n a ou o l e o de -edro, para c o n s e r v a - l o s p o r l o n -
go t e m p o ; ê o que n o s a t e s t a Vitrúvio: "Ex caeáro o
leum, quod cedrinium dicunt, nascitur, quo reliquae
vos quum sunt unctae, ut etiarn libri, a tineis et a
corie non laeduntuv." - de Arch.it. II, 9, 1 3 .

18- Comparando o v e r s o 43 de Pérsio {"Linquere nec scom


bros metuentia carmina nec tus?") com os v e r s o s 7 e
8 do poema LCV de C a t u l o ("At Volusi Paduam morien-
tur ad ipsam / Et laxas scombris saepe dabunt túni-
cas.") e com os v e r s o s 269 e 270 da p r i m e i r a sátira
do segundo l i v r o de Horácio ("deferar i n uicum uen-
dentem t u s e t odores / et p i p e r et quicquid chartis
amicitur ineptis.") podemos p e r c e b e r que se e m b r u -
lhavam mercadorias diversas, p e i x e s , i n c e n s o , pimen
ta, com as chartae em que se e s c r e v e r a m obras lite-
rárias sem v a l o r ; é alisto que se r e f e r e Pérsio, ou
melhor, seu i n t e r l o c u t o r , corn a oração "Linquere
nec scombros metuentia carmina nec tus?".

19- M e n c i o n a - s e n e s s e p a s s o a Ilíada de Á c i o , a quem


Pérsio já se r e f e r i u no v e r s o 4. D i z Pérsio, ironi-
c a m e n t e , que a Ilíada está i m p r e g n a d a de heléboro,
já q u e , s e g u n d o R a m o r i n o , o p u s c i t . , p . 1 6 , "os an-
tigos, para excitar o engenho, tomavam emulsão de
heléboro, especialmente do negro porque o he-
léboro negro, mais forte que o outro, era t i d o como
originário da monte Helicão, o monte da poesia."

20- Sabe-se que os r o m a n o s compunham e e s c r e v i a m semi-


deitados; supõe-se q u e , p a r a os r i c o s , fossem os
leitos de m a d e i r a n o b r e , como a da tuia.

21- Parecendo, â p r i m e i r a v i s t a , ter-se i n s p i r a d o em Ho


rácio (Ep. I , 1 9 , 37-38: "Non ego uentosa plebis
suffragia uenor / inpensis cenarum et t r i t a e numere
uestis."), Pérsio r e t r a t a , com m a i s i r o n i a e realis_
mo, a h i p o c r i s i a dos l o u v o r e s e a p l a u s o s dos c o n v i -
vas .
Marcial (II, 27: "Laudantem" Selium cenae cum retia
- 10 2 -

tendit / accipe, siue legas siue patronus agas: /


'Effecte! grauiter! cito! nequiter! euge! beate!
/ 'Hoc u o l u i ! Facta est tibi cena, tace!'") e Pe-
trônio ( X : " ' Q u i d ego, homo stultissime, facere
debui, cum fame morerer? An u i d e l i c e t audirem sen_
tentias, id e s t u i t r e a f r a c t a et somniorum inter-
pretamenta? Multo me t u r p i o r es tu hercule, qui
ut foris cenares, poetam l a u d a s t i . . . '") denuncia-
ram, também, o a p l a u s o e l o u v o r dos c o n v i v a s , s a -
lientando seu aspecto interesseiro.

2 2- Jano f o i uma das d i v i n d a d e s m a i s a n t i g a s de Roma;


sua i c o n o g r a f i a apresenta-o com d o i s r o s t o s , ' um
na p a r t e p o s t e r i o r , o u t r o na p a r t e a n t e r i o r da c a
beça. Com i s s o , podia v e r , simultaneamente, a sua
frente e às suas c o s t a s . Baseando-se n e s s a singu-
l a r i d a d e , Pérsio a f i r m a que e r a impossível ridicu
l a r i z a r a J a n o com z o m b a r i a s traiçoeiras; o b i c o
da c e g o n h a , as o r e l h a s b r a n c a s e as línguas com-
pridas exemplificam as troças que se f a z i a m com
as mãos p o r detrás d a s p e s s o a s , sem que pudessem
vê-las ou percebê-las .

23- A metáfora "ut per leue seueros / Effundat iunctu


ra unguis", v v . 64-65, a p o i a - s e , sem d u v i d a , no o
fício dos marmorarii que, para v e r e m se duas p e -
dras e s t a v a m bem u n i d a s , passavam s o b r e elas o
dorso das unhas.

24- Como c o m p l e m e n t o de a d f e r r e , Pérsio emprega dois


s u b s t a n t i v o s , heroas sensus, exercendo o p r i m e i r o
deles função de a d j e t i v o .
Pato semelhante o c o r r e em V I , 5, no s i n t a g m a iuue
nes iocos, c o m p l e m e n t o de agi t a r e .

25- N e s t e p a s s o , Pérsio enumera temas e s c o l a r e s , obje


t o s do e n s i n o da retórica, t a i s como a d e s c r i p t i o
locorum (ponere luaum) e a l a u d a t i o (rus saturum
laudare).

26- Vartlias o u Pal-tlias e r a m f e s t a s d e d i c a d a s a Pa-


- 103 -

les, comemoradas no d i a 2 1 de a b r i l . A b r i a m - s e as
festividades com uma g r a n d e cerimônia de p u r i f i c a
ção, em que se e m p r e g a v a sangue de c a v a l o , de b e -
z e r r o n a t i r n o r t o e c a u l e s de f a v a s s e c a s . Aspei--
g i a - s e com agua l u s t r a l as o v e l h a s que e r a m , de-
p o i s , submetidas em seus estábulos a fumigações
com e n x o f r e . O f e r e c i a - s e a d e u s a l e i t e e b o l o s de
milho; implorava-se pelo rebanho, pelos pastores
e p e l o s cães. F a z i a m - s e , f i n a l m e n t e , f o g u e i r a s
com p a l h a ou f e n o , p e l a s q u a i s se p u l a v a p o r três
vezes, em um r i t u a l de purificação.

2 7- A p o s t r o f a n d o d i r e t a m e n t e a Quíntio C i n c i n a t o , t e n
do a n t e s a l u d i d o a Remo, o p o e t a pretende rememo-
r a r as o r i g e n s do p o v o r o m a n o , a s u a f e l i c i d a d e
rústica. v,,
Fmbora p o s s a p a r e c e r h a v e r falta de e l e m e n t o de
ligação e n t r e e s s e s v e r s o s , o n e x o lógico não
p e r t e n c e ao c o r p o do t e x t o : Roma f o i f u n d a d a no
dia 2 1 de a b r i l , d i a dedicado a P a l e s , e Quíntio
recebeu a notícia de h a v e r sido f e i t o d i t a d o r en
quanto e s t a v a no campo.

28- Lucius A t t i u s o u A c c i u s , um dos m a i s a n t i g o s t r a


gediôgrafos l a t i n o s . Nasceu p r o v a v e l m e n t e em 170
a. C., t e n d o m o r r i d o em 94 a.C.

29- Marcus P a c u v i u s , s o b r i n h o de E n i o , f o i um dos p r i _


meiros tragediografos latinos; Antiopa ê o título
de uma tragédia s u a , da q u a l r e s t a m apenas frag-
m e n t o s , num t o t a l de v i n t e v e r s o s ; s a b e - s e que
foi b a s e a d a em peça homônima de Eurípedes .

30- 0 sintagma sartago loquendi ê de difícil tradu-


ção; l i t e r a l m e n t e , teríamos f r i g i d e i r a de f a l a r ;
a tradução e s t e falar de f r i g i d e i r a não v e r t e pa
r a o português o v e r d a d e i r o s e n t i d o da expressão,
a q u a l , p o s s i v e l m e n t e , ê uma onomatopéia, b a s e a d a
no som p r o d u z i d o p e l o óleo ao f e r v e r na f r i g i d e i -
r a , para indicar f r a s e s empoladas, altissonantes.
- 1u

3 1 - O s i n t a g m a português um janota imberbe traduz o


latira Trossulus, forma derivada de Trossuli,
epíteto dado a o s c a v a l e i r o s romanos q u e , sem o
auxílio da i n f a n t a r i a , t o m a r a m de a s s a l t o , p r o -
v a v e l m e n t e em 30 8 a.C., a cidade de Trossulum.
Segundo Dolç, opus c i t . , p . 9 9 , o vocábulo a d -
quiriu, já na época de V a r r a o , sentido pejorat_i
vo.

3 2- Não se sabe com c e r t e z a quem t e n h a sido este Pe


dio; p e l o c o n t e x t o em que o nome f o i e m p r e g a d o ,
p o d e - s e d e d u z i r que t e n h a s i d o a l g u m célebre l a
drão. Tácito, Ann. V I , V, 1 8 , t r a t a de um t a l
Pedius Blesus, que p e r d e u a s e n a t o r i a , a c u s a d o
de t e rviolado o tesouro de Esculápio, f a t o o-
c o r r i d o em 5 9 d.C.

33- Para melhor poder e x c i t a r a piedade e lucrar


com a mendicância, o u então, a p e n a s como ex-uo-
t o , os nãufragos l e v a v a m p r e s o ao pescoço um
q u a d r o em que se p i n t a r a m as c e n a s do s e u n a u -
frágio .
Horácio ( A v t . poet. 20-21: "...quid hoo si,
fractis emanat exspes / nauibus, aere dato qui
pingitur.") e Juvenal ( X I V , 3 0 1 - 3 0 2 : "mersa ra-
re naufragus assem / dum rogat et p i c t a se tem-
u
pestade tuetur. ) também a l u d i r a m a e s s e c o s t u -
me .

34- Nos v e r s o s 9 2 - 9 5 , Pérsio a l u d e a fragmentos da


poesia da moda, c o n s i d e r a n d o a sua e s t r u t u r a .
Átis Bereointio traduz literalmente o latim Be-
reoyntius Attis q u e , como a f i r m a m R a m o r i n o , opus
cit., p. 2 3 , e Dolç, opus c i t . , p. 1 0 2 , ê um fi-
n a l de hexâmetro, s e m e l h a n t e ao f i n a l Cybeleius
Attis de Ovídio, Met. X, 10 5.
v
35- 0 verso 94 ( ...qui caeruleurn dirimebat Nerea
delphin") ê, s e g u n d o Dolç, opus c i t . , p. 1 0 2 ,
um datílico de c u n h o clássico, extraído, t a l v e z ,
de um poema que a l u d i a ao d e l f i m que s a l v o u o po
- 10 í) -

eta Arion, levando-o â praia.

3C-- v e r s o 94 ("...costam longo subduximus Appen-


nino") ê c o n s i d e r a d o p o r Dolç, opus c i t . , p. 1 0 2 ,
• •x 1 r a vagan t o e i n i nt e 1 i g ívc 1 .
Segundo R a r n o r i n o , o p u s c i t . , p. 2 3 , há três inter
pretações possíveis p a r a o v e r s o : p o d e r i a aludir
a Haníbal, â separação da Sicília do C o n t i n e n t e e
ã extração do mármore de C a r r a r a .
dm e s c o l i . a s t a de Pérsio a f i r m o u que o v e r s o se r e
feria â eliminação de uma sílaba no f i n a l do hexâ
m e t r o , p a r a que se t i v e s s e um f i n a l quadrissíla-
b o , como s u c e d e em Appennino (apud Rarnorino, l o -
cus c i t . , e Dolç, l o c u s cit.).

37- C r i t i c a n d o o e s t i l o de Lucíüio, d i s s e Horácio:


"...sed ille,
si fovet hoc nostrum fato delapsum i n aeuum,
detevet sibi multa, recideret omne quod ultra
perfectum t r a h e r e t u r , -et in uersu faoiendo
saepe oaput scaberet, uiuos et roderet unguis."
(Sat. 1 , 10, 67-71) .
A oração de Horácio, uiuos et roderet unguis, i n -
d i c a que a a t i v i d a d e literária p r a t i c a d a conscien
t e m e n t e e x i g e , s e g u n d o e l e , dedicação, esforço, a
p o n t o de o a u t o r rodere uiuos unguis.
A expressão de Pérsio, nec demorsos sapit unguis,
i m i t a d a , sem d u v i d a , de Horácio, ê a afirmação i -
nequívoca de que a o b r a literária, a que se r e f e -
re, não f o i c o m p o s t a c o n s c i e n t e m e n t e , não p o s s u i n
fio, p o i s , o v a l o r que se l h e p r e t e n d e a t r i b u i r . A
oração "nec pluteum cadit" indica a falta de dedi_
cação no t r a b a l h o poético, já que r e v e l a a inexis
t e n c i a de um s i n a l típico do esforço do p o e t a :
m a r t e l a r , p o r impaciência, o d i v a , o n d e compunha.
w
38 A litera canina, v v . 1 0 9 - 1 1 0 , construção de g r a n -
de c a r g a irónica, r e p r e s e n t a uma ameaça v e l a d a ,
t a l v e z com o mesmo v a l o r de caue canem, que diri-
ge a Pérsio o s e u i n t e r l o c u t o r .
A canina libera - littera, nas edições de P e r -
r e a u , Rarnorino e Dolç - ë interpretada como s e n
do a letra R que se pode i m a g i n a r no g r u -
n h i r ' do cão e n r a i v e c i d o , que o i n t e r l o c u t o r fin-
ge o u v i r r o s n a r c o n t r a Pérsio.

39- Os l o c a i s a t i n g i d o s p e l o s r a i o s e os s e p u l c r o s e
ram considerados sagrados. Para e v i t a r q u e , ne-
les, alguém s a t i s f i z e s s e as suas n e c e s s i d a d e s fí
si cas, e r a c o s t u m e p i n t a r duas s e r p e n t e s , gênios
do l u g a r , com uma inscrição ("Pueri, sacer est
locus, e x t r a / Meite." - v v . 1 1 3 - 1 1 4 ) , que a l e r -
t a s s e os i n c a u t o s .

40- Ao c i t a r Lupo e M a c i o , duas p e r s o n a l i d a d e s caus-


t i c a m e n t e c e n s u r a d a s p o r Lucílio, p r o c u r a Pérsio
justificar as suas sátiras, a p o i a n d o - s e em Lucí-
s
lio, como também fará ma is a d i a n t e com Horácio.
A r e s p e i t o de L u p o , d i s s e Lucílio no l i v r o I das
suas sátiras :
"Quae fácies, qui u u l t u s uiro?" (27)
"Vultus item ut faciès, mors cetera, morbus uene
num." ( 2 8 )
"Serpere ut grangaena maio atque hirpestica pos-
set." (29)
"Porro quaecumque et quioumque, ut diximus ante
obstiterit, primo hoc minuendi refert r e s . " (31)
"At muitos mensesque diesque
non tamen aetatem, tempestatem hanc sceleron
mirentur." (32)
"Occidunt, Lupe, saperdae te e t cura s i l u r i . " (33)

Em p o u c o s v e r s o s , no s e g u n d o l i v r o , disse Lucílio
de Mucio:
"Homo impur a t u s , e t inpuno e s t rapinator." (3)
"...uix uiuo homini ac monogramme" (7)

41- A expressão excusso populum suspendere naso é e-


q u i v a l e n t e a nimis uncis naribus indulges (v. 41),
de que já se t r a t o u na n o t a 16 d e s t a sátira.
- 107 -

42- Segundo a V i t a , X, o v e r s o 121 ("Auriculas asini


quis non habet?") t e r i a s i d o um s u b s t i t u t o encon
trado por Cornuto, para que Nero não se s e n t i s s e
atingido pelo verso p r i m i t i v o ("Auriculas asini
Mida r e x habet."). Ha, n e s t e verse;, uma alusão â
l e n d a do r e i M i d a s , o q u a l , p o r a d m i r a r a P ã ,
d i s c o r d o u da sentença p r o f e r i d a p o r Tmolo acerca
da supremacia da f l a u t a ou da l i r a , tachando-a
de injusta. 0 deus de D e l o s não a d m i t i u q u e . M i -
das tivesse o r e l h a s de homem, transformando-as
em o r e l h a s de a s n o .
Midas e n c o n d i a - a s com uma t i a r a ; mas foram p e r -
c e r b i d a s por' um e s c r a v o que, incapaz de c a l a r - s e ,
c a v o u um b u r a c o , c o n f i o u - l h e o segredo e c o b r i u - o
de t e r r a ; da c o v a n a s c e r a m c a n a s q u e , c h e g a n d o ã
maturidade, r e v e l a r a m o s e g r e d o ao s e r a g i t a d a s
pelo vento ( c f . Ov. M e t . " x i , 146-193).
A alusão a e s t a l e n d a j u s t i f i c a o emprego do s i n
tagma a d v e r b i a l cum scrobe , v.. 11.9, e da oração
"Hia tamen infodiam", v. 120.

43- A Ilíada, a que Pérsio se r e f e r e de modo d e p r e c i -


ativo, nao e a de Homero, mas s i m a tradução em-
preendida por Accius L a b e o , de quem jã se tratou
na nota 3 desta sátira.

44- N e s t a p a s s a g e m , Pérsio a l u d e aos três g r a n d e s no


mes da a n t i g a c o m e d i a g r e g a , Cratino, Eupolide e
Aristófanes. 0 p r i m e i r o ê c a r a c t e r i z a d o p e l o a d -
j e t i v o audax porque, s e g u n d o Dolç, opus c i t . ,
p. 1 1 0 , d i r i g i u s u a sátira a t e c o n t r a Péricles;
o s e g u n d o , p o r sua indignação satírica, é c a r a c -
t e r i z a d o p o r i r a t u s , s e g u n d o F a m o r i n o , opus c i t . ,
p. 2 8 ; f i n a l m e n t e , Aristófanes e d e n o m i n a d o peri-
f r a s t i c a m e n t e praegrandis senex, s e g u n d o Dolç, l o
cus c i t . , p o r sua l o n g e v i d a d e e não p o r sua a n t i -
guidade; para Ramorino, l o c u s c i t . , j u s t i f i c a - s e
a perífrase p e l a a n t i g u i d a d e de Aristófanes e não
p o r sua l o n g e v i d a d e pessoal.
Com este:; u g r a n d e s a u t o r e s , Pérsio p r o c u r a a u -
torizar as suas sátiras do mesmo modo que fizera
Horácio em Sat. I , 4, 1-5:
"Eupolis at Cratinus Ari'sbophanesque poetae
atque alii, quorum aomoedia prisca uirorum est,
siquis erat dignus descvibi, quod malus ac fur 3

quod moechus foret aut s i c a r i u s aut alioqui


famosus, multa cum libertate notabant."

45- Com a metonímia crepidae Graiorum , critica Pérsio


os que se punham c o n t r a a civilização e c u l t u r a
gregas, representadas pelas crepidae.

46- Arécio ( A r e z z o ) f o i uma pequena c i d a d e da E t r u r i a ;


a partir do c o n t e x t o {"Seque aliquem credens, Ita-
lo quod honore supinus / Fregerit heminas Arreti
aedilis iníquas" - v v . K?,9-130), p o d e - s e afirmar
que Pérsio s u g e r e que s e r e d i l em Arécio e q u i v a l e
a s e r um m a g i s t r a d o de ínfima importância.

47- A hemina e r a uma m e d i d a de c a p a c i d a d e p a r a os sóli-


dos, equivalendo a meio s e x t a r i u s , c e r c a de 0,27 1 .

48- As nonariae , as p r o s t i t u t a s , eram a s s i m denomina-


das, p o r q u e p o d i a m s a i r âs r u a s apenas â nona hora,
isto é, p o r v o l t a das q u i n z e horas.

49- 0 ultimo v e r s o da sátira ("His mane edictum, post


prandia Callirhoen do.") é de difícil interpreta-
ção .
Segundo P e r r e a u , opus c i t . , p. 5 4 , R a m o r i n o , o p u s ,
ci.t., p. 2 9 , e Dolç, opus c i t . , - p . 1 1 3 - 1 1 4 , os c o - •
mentadores dividem-se em três c o r r e n t e s :
Para a p r i m e i r a , edictum menciona o p r e t o r , cujo e
dito s i m b o l i z a a v i d a o c i o s a e ávida de emoções
mal.sãs dos f o r o s e t r i b u n a i s ; Callirhoe ê o título
de um poemeto da moda, r e c i t a d o apôs o almoço, a
hora da sobremesa.
A s e g u n d a c o r r e n t e e n t e n d e que C a l l i r h o e s e j a o tí-
tulo de a l g u m a comédia e o edictum, o c a r t a z que
anuncia a função; d e s t a f o r m a , os folgazões p a s s a - .
- 109 -

r i a m a manhã c o m e n t a n d o o anúncio da peça, fre-


quentando o t e a t r o ã tarde.
Finalmente, para a terceira corrente, Callirhoe
'.: o epônimo de q u a l q u e r m e r e t r i z e o edietum o
du pretor.
- 110 -

S Á T I R A l i

TRADUÇÃO
- Ill -

Marca, Macrino ( 0 1 ) , e s t e d i a corn a pe


qu^na p e d r a favorável q u e , b r a n c a (02), t e acrescenta-
rá os anos que f o g e m ; d e r r a m a v i n h o ao t e u Gênio ( 0 3 ) .
Não p e d e s , com urna p r e c e mercade j a n t e , o que não p o d e -
rias confiar aos d e u s e s , senão â parte. Mas boa p a r t e
dos próceres oferecerá i n c e n s o , t i r a n d o - o da c a i x i n h a ,
1
em silêncio; nao e s t a ao a l c a n c e de quem quer que s e j a
b a n i r ' dos t e m p i os nao so os murmúrios, como também os
sussurros i n c o m p r e e n s íveis e v i v e r sob uma p r o m e s s a de
conhecimento publico. " S a b e d o r i a , íama, h o n r a " , isto
c l a r a m e n t e e de t a l modo que um e s t r a n g e i r o ouça; mur-
murai, c o n t u d o , p a r a d e n t r o de s i mesmo e sob a língua:
1
"Oti . se m o r r e meu t i o , que f u n e r a l pomposo t e r i a ! " e.
" O l i ! se me t i n i s s e , p e l o H e r c u l e s propício, uma jarra
de prata sob a e n x a d a ! " ou então "Possa eu r i s c a r o pu
pilo, a quem, como h e r d e i r o m a i s p r o x i m o , a f a s t o , pois
já está s a r n e n t o e i n c h a com*'» bílis a c i d a . N e r i o ( 0 4 )
já s e p u l t a sua t e r c e i r a esposa (05)". P a r a que peças
piedosamente estas c o i s a s , mergulhas p e l a manhã d u a s
ou três v e z e s ai cabeça nas águas do T i b r e e p u r i f i c a s
a noite com o r i o ( 0 6 ) . Vamos, r e s p o n d e - ê m u i t o pou
co o que me esforço p o r s a b e r -: Que s e n t e s de Júpi-
ter? É f a t o que p r o c u r a s p r e f e r i - l o a...

- "A quem?"

A quem? A E s t a i o ( 0 7 ) , assim o queres?


Her. i t a s , p o r a c a s o ? Quem e m e l h o r j u i z o u quem e mais
c o n v e n i e n t e aos m e n i n o s órfãos? P o i s bem! Vamos! dize
a E s t a i o que e com i s t o que p r o c u r a s a l i c i a r a orelha
de Júpiter: "Oh! Júpiter! Õ bom Júpiter!", clamará e-
le. Mais o próprio J u p i t e r nao chamará p o r s i mesmo?
J u l cas que e l e t e p e r d o o u porque, quando t r o v e j a , uma
azinheira ê despedaçada m a i s r a p i d a m e n t e p e l a faísca
sagrada do que t u e a t u a casa? P o r q u e , a mando das
vísceras das o v e l h a s e de E r g e n a ( 0 8 ) , não j a z e s nos
b o s q u e s como um s i n i s t r o e vitando bidental ( 0 9 ) , por
i s s o Júpiter t e p e r m i t e e s t u p i d a m e n t e a r r a n c a r - l h e a
barba ( 1 0 ) ? Qual ê o preço com que c o m p r a s as o r e l h a s
- 112 -

dos d e u s e s ? Um pulmão e i n t e s t i n o s gordurentos?

E i s que uma a v o ou t i a m a t e r n a , temen-


do o d e u s , retira a criança do berço; com o dedo infa-
me (11) e a s a l i v a l u s t r a L purifica a n t e s a sua f r o n t e
e os. seus l a b i o z i n h o s u m e d e c i d o s , e x p e r i e n t e em escon-
j u r a r os o l h o s que queimam ( 1 2 ) ; s a c o d e , então, em
sua:; mãos a magra esperança ( 1 3 ) e, com v o t o suplican-
te, e n v i a - a o r a p a r a os campos de Licínio, o r a p a r a os
palácios de C r a s s o ( 1 4 ) : "Que o r e i e a r a i n h a o q u e i -
ram p o r g e n r o ! Que as moças o r a p t e m ! Que t u d o quanto
ele pisar, se t r a n s f o r m e em r o s a ! " Eu, porém, não dele
go os meus v o t o s a uma ama; n e g a - l h e isto, o Júpiter,
embora e l a t e peça v e s t i d a de b r a n c o ( 1 5 ) .

S u p l i c a s força p a r a os músculos e um
corpo seguro para a v e l h i c e . Assim seja! ânimo! Mas os
grandes p r a t o s e as c a r n e s g o r d a s i m p e d i r a m os d e u s e s
de a t e n d e r - t e e detêm Júpiter. Queres a c u m u l a r rique-
zas e, com s u a s e n t r a n h a s , f a z e s v i r Mercúrio: "Conce-
de que p r o s p e r e m meus p e n a t e s , dã gado e b e z e r r o p a r a
meus r e b a n h o s . " De que modo, 5 t o l o , queres tanto para
ti, quando se d e r r e t e m nas chamas as e n t r a n h a s das n o -
vilhas ( 1 6 ) ? E e s t e , c o n t u d o , esforça-se p o r v e n c e r
com as e n t r a n h a s e um b o l o esplêndido: "Ja o meu campo
au;. ::;.'.; já c r e s c e o meu r e b a n h o , jã me serã concedido,
ja, ]a...", até q u e , d e s i l u d i d o e sem esperanças, s u s -
pirara em vão p o r uma moeda no f u n d o da s u a b o l s a .

Se e u . t e t r o u x e r taças de p r a t a e p r e -
s e n t e s com incrustações em o u r o maciço, t u t r a n s p i r a -
ra;.; e do l a d o e s q u e r d o do p e i t o , excitado pela ale-
gria, t e u coração farã v e r t e r g o t a s . D a q u i ê que t e
v e i o â mente r e v e s t i r as f i g u r a s sagradas com o o u r o
da ovação ( 1 7 ) : " P o i s , e n t r e os irmãos de b r o n z e ( 1 8 ) ,
os que p r o p i c i a m sonhos o m a i s d e s p r o v i d o s de pituíta
s e j a m os p r i m e i r o s e que t e n h a m b a r b a de o u r o . " 0 o u r o
quebrou os v a s o s de Numa ( 1 9 ) e os b r o n z e s de S a t u r n o
(20) e s u b s t i t u i as u r n a s vestais e a argila tocana
(21) . õ almas curvadas sobre a t e r r a e v a z i a s das c o i -
- 113 -

1
sas c e l e s t e s , de que a d i a n t a l e v a r n o s s o s c o s t u m e s aos
templos e bens p a r a os d e u s e s , segundo e s t a nossa car-
ne c r i m i n o s a ? F o i e l a que d i s s o l v e u p a r a s i a canelei-
ra com o óleo e s t r a g a d o , que c o z e u a lã da Calábria
com o múrice que já a p o d r e c i a ; f o i e l a que mandou ras-
p a r a pérola da c o n c h a e e x t r a i r da t e r r a c r u a as
v e i a s da massa f e r v e n t e . E l a p e c a , e l a também, e l a p e -
ca, a p r o v e i t a n d o - s e da sua própria corrupção ( 2 2 ) ; mas
- o pontífices, d i z e i - m e vós - que f a z o o u r o na reli
gião? C e r t a m e n t e o mesmo que f a z e m a Vénus as b o n e c a s
o f e r e c i d a s p o r uma v i r g e m ( 2 3 ) . Não o f e r t a m o s aos deu-
ses o que não p o d e r i a o f e r t a r - l h e s em um g r a n d e p r a t o
a geração r e m e l e n t a do g r a n d e M e s s a l a ( 2 4 ) : os direi-
tos humano e d i v i n o , bem d i s p o s t o s na a l m a , os p e n s a -
mentos puros e um coração i m p r e g n a d o da magnânima vir-
t u d e . C o n c e d e i - m e que l e v e e s t a s c o i s a s aos t e m p l o s e,
com t r i g o , s a c r i f i c a r e i aos deuses.
- 114

NOTAS Ä S Ä T I RA
üb -

01- H i s t o r i c a m e n t e , s a b e - s e m u i t o pouco a r e s p e i t o de
M a c r i n o ; s e g u n d o s e u e s c o l i a s t a , Pérsio "dirige-se
'-: P l o t i u s Macrinus, homem muito instruído, a quem
amava ternamente; estudaram juntos corn S e r u i l i u s
flonianus" , a p u d P e r r e a u , opus c i t . , p. 6 8 .

02- p,i r a g r e g o s e r o m a n o s , a cot b r a n c a representava a


.felicidade, enquanto a c o r negra, a infelicidade,
s e g u n d o Plínio, H i s t , natur. VT I" , 1 8 1 , f o i dos t r a
c i o s que g r e g o s e romanos i m p o r t a r a m o c o s t u m e de
marcar os d i a s f e l i z e s com p e d r a s brancas e os de
dor, com p e d r a s negras. Villeneuve, comentando o
v e r s o 246 da t e r c e i r a safira do s e g u n d o l i v r o de
Horácio, e x p l i c a que a imagem do g i z ( b r a n c o ) e a
do carvão ( n e g r o ) f o r a m s u g e r i d a s p e l o c o s t u m e g r e
go de i n d i c a i ' as sentenças j u d i c i a r i a s p o r uma p e -
dra, branca p a r a a absolvição e Q f g r a p a r a a c o n d e
nação; e c e r t a m e n t e a e s t e costume grego que se r e
f e r e Ovídio quando d i z que "Mos e r a t antiquus ni-
ueis atrisque lapillis / His damnare 'reos, Ulis
absoluere culpa." - Met. XV, 41-42.

03- Na celebração do d i a natalício, o f e r e c i a - s e v i n h o ,


perfume e flores ao Gênio, e n t i d a d e t u t e l a r ligada
a c a d a indivíduo, a quem v i s i t a v a nesse d i a ( c f .
Ti bulo, I , 7; Horácio, Od. I l l , .17, 1 4 s s , e Ep.
1 I , 2, 18 7 ) .

04- E comum Pérsio s e r v i r - s e de nomes ou pseudônimos


empregados p o r Horácio, como o c o r r e em I I I , 65
(Crátero), V I , 37 ( B e s t i o ) e, n e s t e c a s o , com Ne-
r i o , que Horácio h a v i a u t i l i z a d o p a r a d e s i g n a r um
usurário ( c f . P e r r e a u , opus c i t . , p. 7 2 ; R a m o r i n o ,
opus c i t . , p . 32, e Dolç, opus c i t . . , p. 1 2 0 ) .
05- P a r e c e que o a v a r e n t o , que a p r e s e n t a a q u i seus d e -
s e j o s p o u c o nobres., i n v e j a a sorte de N e r i o que já
a m e a l h o u o d o t e da t e r c e i r a esposa.
Nestes d e s e j o s murmurados sob a língua, p a r e c e Per
sio imitar o espírito dos v e r s o s de Horácio:
"'lane pater!' clare, clare, cum d i x i t : 'Apollo!'
III. -

labra mouet, metuens aiidiri: 'Pulchra Lauerna


da mihi fallere, da iusto sanetôque uideri,
noatens peaoatis et fraudibus óbice nubem."
ÍEp. "I , 16 , 5 9-62 )

"O ai urnam argenti fort; quae mihi monstret ut illi


thesauro inuento qui mercennarius agrum
illum ipsurn mercatus arauit, dius amico
Hercule . . . "
(Sat. II, 6, 10-13).

"Sicui praeterea ualidus male filius in r e


praeclara sublatus aletur, ne manifestum
caelibis absequum midet te 3 leuiter in spem
advepe, officiosus, ut scvibave secundus
heres et } siquis casus puevum egerit Orço
in uacuom uenas..."
(Sat. II, 5, 45-50)

06- Pérsio "alude ao c o s t u m e das abluções que faziam pela


ma nhã no r i o o s que ho u v e s s e m p r a t i c a d o a l g o d i s s o1u
to à noite, maxime se q u i s e s s e m s u b i r aos altares
(cf. Horácio, Sat. II, 3 , 290-2 92: "...Mo / mane
die quo tu indices ieiunia, nudus / in Tiberi stah
bit."; J u v e n a l , V I , 5 2 3 - 5 2 3 : " t e r matutino Tiberi
mergetur et ipsis / uesticibus timidum caput ablu-
et.").
Nox i n d i c a t o d o s os ÀuuctTot n o t u r n o s , t a n t o de Vé-
nus como dos s o n h o s , já que os próprios s o n h o s eram
considerados como mancha, como se pode depreender
da l e i t u r a da n o t a de Sérvio ao v e r s o 69 do canto
VIII da E n e i d a ( "Nox dicitur etiarn solo somnos pol-
luer e."), apud Dolç, opus c i t . , p. 121.

07- Segundo a cáustica i r o n i a de Pérsio, e s t e E s t a i o pa


r e c e t e r s i d o um juiz p r e v a r i c a d o r , famoso p o r suas
iniquidades contra a orfandade. B a s e a n d o - s e no que
deixou o e s c o l i a s t a de Pérsio, R a m o r i n o , opus cit.,
p. 33, d i z t r a t a r - s e de um c e r t o C. A e l i u s Staienus
que, por v o l t a do ano 30 a.C., "recebeu uma grande •
soma para defender a causa de um pupilo que depois
- 1 .1 7 -

abandonou. "

08- Ergenna, como Porsenna, Perpenna, Sisenna, e um


nome de o r i g e m e t r u s c a , c e r t a m e n t e empregado pa
ra d e s i g n a r a l g u m célebre harúspice a r e s p e i t o
do q u a l nao ha r e f e r e n c i a s históricas.

09- o bidental e r a um pequeno monumento consagrado,


upos a queda de um r a i o , com o sacrifício de u -
ma o v e l h a de d o i s a n o s , bide.ns; apos a consagra
çao, o l o c a l não p o d e r i a ser' t o c a d o p o r nenhum
pe p r o f a n o , daí Pérsio denominá-lo euitandum.
Segundo a tradição, as p e s s o a s m o r t a s pelo raio
eram s e p u l t a d a s no próprio l o c a l do s i n i s t r o ,
no b i d e n t a l . Em Pérsio, p o r metonímia o próprio
cadáver, s e p u l t a d o l u a i s , é chamado bidental .

10- Ê" s a b i d o q u e , p a r a romanos e gregos, a barba


foi o símbolo não sé da g r a v i d a d e filosófica
(fato que o próprio Pérsio t e s t e m u n h a em, I ,
133: " S i ayniao barba..."'e em I I I , 1-2:
"...barbatum haec orede magistrum / dicere..."),
como também dai s a c e r d o t a l .
Ern v i r t u d e t a l v e z da associação barba/gravidade
filosófica e r e l i g i o s a , c r i o u - s e a expressão p r o
verbial barbam uellere ; litoralmente barbam u e l -
lere s i g n i f i c a arrancar a barba, o símbolo da
g r • a v i. d a d e , c o m a c onse q u oh t e i. d é i a de ofender,
desprezar, insultar; é o que se vê em Pérsio ( I ,
133: " S i cynico barbam petulans nonaria uellat."
e II, 28-29: ". . . I d c i r c o stolidam praebet tibi
uellere barbam / Iuppiter.") e em Horácio ( S a t .
I, 3, 1 3 3 - 1 3 4 : "...Vellunt tibi barbam / lasci-
ui pueri . .. " ) .
Há, p o r o u t r o l a d o , expressão idiomática, o p o s -
ta nos t e r m o s a uellere barbam, pertencente ao
campo semântico de v a n g l o r i a r - s e , s e r como um
deus: barbam auream habere; ê o que a p a r e c e , i -
rônica e f i g u r a t i v a r n e n t e , em Petrônio, L V I I I ,
6: " . . . l i c e t auream barbam habeas.", e em P e r -
- 118 -

sio, II, 58: " . . . s i t q u e i l l i s áurea barba." , em


t e r m o s irônicos, embora d e n o t a t i v o s .

1 1 - P a r e c e que os romanos a t r i b u l a m a cada um dos


dedos um nome e s p e c i a l .
Segundo P e r r e a u , opus c i t . , p. 74, que a r r o l a os
nomes a u r i c u l a r i u s , annularius , infamis, index e
pollex, f u n d a v a - s e essa atribuição nos usos m a i s
frequentes que d e l e s se faziam.
Para Dolç, opus c i t . , p. 125, que a p r e s e n t a os
nomes p o l l e x , s a l u t a r i s , infamis, medioinalis e
ultimus , o infamis digitus, também denominado im
pudicus p o r M a r c i a l , V I , 70, 5, a l e m de s e r sím-
bolo fálico e s i n a l de o f e n s a , possuía p o d e r e s
mágicos ( c f . Plínio, H. N. X V I I I , 3 9 ) .

12- A expressão u r e n t i s ooulos ê uma perífrase de


grande, p o d e r s u g e s t i v o , para designar o mau olha
do.

13- c f . p.72 deste t r a b a l h o .

14- Os nomes de C. L i o i n i u s S t o l o e de Crassus li-


gam-se, p o r metonímia, à r i q u e z a e ã opulência.
Pérsio, c o n t u d o , s e r v e - s e d e l e s para m o s t r a r a i g
norância da avô ou da t i a m a t e r n a , que f a z o v o -
to, já que t a n t o L i o i n i u s como Crassus inescrupu-
losamente acumularam riquezas.
Tito-Lívio, V I I , 1 6 , d i z de Licínio: "Eodem anno
C. L i o i n i u s S t o l o a M. P o p i l l i o Laenate sua lege
decem millibus aeris e s t damnatus 3 quod m i l l i iu_
gerum agrum cum f i l i o possideret } emancipando que
f i l i u m fraudem legi fecisset."
Plutarco c o n s i d e r a v a que a avareza fosse o maior
vício de Crasso (As Vidas dos Homens Ilustres. S.
P., Ed. Américas, 1962, v . V, p. 215.).

15- Pérsio c r i t i c a a opinião de que a c o r b r a n c a e r a


s o b r e m a n e i r a agradável aos deuses ("Color albus
praecipue carus deo e s t . " - Cícero, de Leg. II).
- 119 ~

16 - Nos s a c r j l l e i o s , queimavam-se um h o n r a as divin-


dades os exta , as e n t r a n h a s , os pulmões, e n f i m a
1
p i o r p a r t e das vítimas. Além de c o n d e n a i a hipo-
crisia de t.ais oferendas, Pérsio m o s t r a o a b s u r -
do de se p r e t e n d e r que o r e b a n l i o cresça, matan
d o - s e , pouco a p o u c o , as n o v i l h a s , m a t r i z e s dc^
rebanho.

17- A ouatio e r a a homenagem p r e s t a d a ao g e n e r a l v i -


torioso que não h a v i a s a t i s i e i t o as condições e-
xigidas para o triunfo.
Na ouatio o general desfilava s o l e n e m e n t e p o r Ro
ma, a pe ou a c a v a l o , d i r i g i n d o - s e ao Capitólio
1
para proceder a um sacrifício; o aurum ouatum, o
o u r o da ovação, é o tomado do i n i m i g o , com o
q u a l se f o l h a v a m as e s t a t u a s do«vdeuses, e s p e c i -
a l me n t e os, s eus r o s t o s .

18- 0 sintagma F r a t r e s aeni constitui uma perífrase


fie difícil interpretação.
Segundo o escoliasta de Pérsio, mencionam-se com
ela as estátuas dos f i l h o s de E g i t o q u e , com as
das D a n a i d e s , se e n c o n t r a v a m no pórtico de A p o l o
P a l a t i n o ; a c r e s c e n t a o próprio e s c o l i a s t a que a
expressão pode d e s i g n a r apenas as estátuas de
Castor e Pollux - apud R a m o r i n o , opus c i t . ,
p. 3 8-39.
P e r r e a u , opus c i t . , p. 7 6 - 7 7 , c o n s i d e r a que a pe
rífrase a d m i t e várias interpretações , podendo de
s i g n a r t o d o s os d e u s e s f i l h o s de C i b e l e ^
a Castor e Pollux, aos f i l h o s de
A p o l o no t e m p l o de Esculápio e aos d e u s e s pena-
tes de c a d a família. J u l g a , porém, m a i s provável
a lição do escoliasta.
R a m o r i n o , opus c i t . , p. 3 8 - 3 9 , e n t e n d e que Fra -
ires aeni m e n c i o n e os d e u s e s e m . g e r a l , esclare-
c e n d o que a l g u n s d e l e s s a o responsáveis p e l o s me
lhores s o n h o s ("somnia purgatissima pituita") ,
livres de c a t a r r o , já que a p i t u i t a e r a t i d a co-
- 120 -

mo s i n t o m a cie perturbações das junções r e g u l a r e s


do o r g a n i sino .
Dolç, opus c i t . , p. 1 3 2 - 1 3 3 , j u l g a satisfatória
a interpretação que vê em F r a t r e a aeni os d e u s e s
em g e r a l , a f i r m a n d o que Pérsio e s t a r i a investin-
do c o n t r a a superstição de h o n r a r m a i s a u n s d e u
ses que a o u t r o s .

19-- Numa Pompiliua f o i o s e g u n d o r e i de Roma, de 715


a 672 a. C. -, os Numae uaaa eram de t e r r a e usados
nas cerimônias r e l i g i o s a s mais antigas.

20- Segundo Casoubon ( a p u d P e r r e a u , opus c i t . , p .


7 7 ) , com o s i n t a g m a Satuvnia acra Pérsio designa
as a n t i g a s moedas romanas que eram f e i t a s de
b r o n z e ; s a b e - s e que as p r i m e i r a s moedas de p r a t a
a p a r e c e r a m somente em 26 9 a.C.; as de o u r o foram
c u n h a d a s r e g u l a r m e n t e apenas no Império.
Discordando da lição de C a s o u b o n , P e r r e a u (locus
cit.) d e c l a r a que Pérsio a l u d i u - a o s o b j e t o s de
bronze que se u t i l i z a v a m no c u l t o a n t i g o , os
q u a i s f o r a m substituídos p o r o b j e t o s de o u r o . Em
boram a d m i t a m a p o s s i b i l i d a d e de o s i n t a g m a s e r
uma perífrase p a r a i n d i c a r as moedas a n t i g a s , Ra
m o r i n o , opus c i t . , p . 3 9 , e Dolç, opus c i t . , p.
133, c o n c o r d a m com P e r r e a u , v e n d o em Saturnia ae_
ra alusão a o s o b j e t o s do a n t i g o culto.

21- A a r g i l a e t r u s c a , Tusoum fictile, era tradicional,


mente empregada nas e s t a t u a s e v a s o s , principal-
mente nos d e s t i n a d o s ao c u l t o ; gradativãmente, po
r e m , f o i substituída p e l o mármore, b r o n z e e, p o r
f i m , pelo ouro.

22- Com a oração " u i t i o tamen utitur", v . 6 8 , Pérsio


s i n t e t i z a , m e l a n c o l i c a m e n t e , a enumeração d o s e l e
m e n t o s com que o homem se c o r r o m p e u . Segundo o po
e t a , o homem p r o j e t a n a s d i v i n d a d e s as suas pró-
p r i a s ambições e f r i v o l i d a d e s , tais como o p e r f u -
me ( " . . . s i b i corrupto casiam dissoluit o l i u o . " v.
6<4), a púrpura ( " . . . C a l a b r u m c o x i t uitiato murice
ucllus.", v. 0 5 ) , as pérolas ("...haearn oonahae
rasi-sse. . . " , v . 6 5 ) e, f i n a l m e n t e , os m e t a i s ,
particularmente o ouro ("et s t r i n g e r e uenas /
fcruentin masvae arado da pulucre. ..", v v . 6 6 - 6 7 )
1
Ao mudai de condição de v i d a , c o s t u m a v a m os roma-
nos dedicar a alguma d i v i n d a d e oh}etos caracterís
ticos da condição que a b a n d o n a v a m ; a s s i m , as mo-
cas, ao alcançar a p u b e r d a d e ou ao c a s a r - s e , dedi_
cavam as suas b o n e c a s a Vénus.

R a m o r i n o , o p u s c i t . , p. 4 1 , e Dolç, o p u s c i t . , p.
137, e n t e n d e m que Pérsio t e n h a a l u d i d o , com o s i n
tagrna magni Messallae li-ppa propago, a L. Aurélio
( l o t a M e s s a l i n o , célebre o r a d o r e f i l h o do princi-
pal e m a i s n o b r e membro cia família M e s s a l i n a , Va-
lério C o r v i no Mes s a l a ; seguncJb P e r r e a u , o p u s c i t .
p. 8 0 , as v i r t u d e s da família, berço de g r a n d e s
políticos, o r a d o r e s e g u e r r e i r o s , f o r a m d a n d o l u -
gar ao vício, p a s s a n d o o nome M e s s a l a a sinônimo
de corrupção, devassidão. Segundo Plínio, H. /V. ,
X, 2 7 , C o t a M e s s a l i n o e q u i p a r a v a - s e em libertina-
gem a o s p i o r e s indivíduos.
Juvenal, V I , 1 1 4 - 1 3 1 , com m u i t a c a u s t i c i d a d e , r e -
fere-se a M e s s a l i n a , símbolo da devessidão em que
havia incidido a família Messala.
- 1/7 -

S Ä T I R A I I I

TRADUÇÃO
- 123 -

- "Será sempre a mesma c o i s a ? Ja a c i a


ra manhã e n t r a p e l a s j a n e l a s e e s t e n d e corn a sua luz
as 'endas estreitas ( 0 1 ) ; roncamos o suficiente para
lascar f o r a as espumas do indomável falerno ( 0 2 ) , en-
q u a n t o a sombra ê alcançada p e l a q u i n t a linha ( 0 3 ) . Va
mos! que f a z e s ? F u r i o s a caníeula já há m u i t o tempo c o -
z i n h a as s e a r a s s e c a s e t o d o o r e b a n h o e s t a sob o f r o n
doso o l m o . " F a l a um dos c o m p a n h e i r o s ( O U ) .

- "F v e r d a d e ? f. a s s i m ? Que v e n h a p a r a
cã alguém, r a p i d a m e n t e . Ninguém? I n t u m e s c e - m e a vítrea
bílis ( 0 5 ) . A r r e b e n t o - m e p a r a . . . "

P a r a que se c r e i a b e r r a r e m os r e b a n h o s
da Arcádia. Já o l i v r o e o p e r g a m i n h o b i c o l o r com os
p e l o s r a s p a d o s ( 0 6 ) e as f o l h a s de p a p i r o e a c a n a n o -
dosa vêm ãs m ã o s ; p e r g u n t a m o s , e n t a b , p o r que um líqui_
do " p e s s o pende
S do cãlamo; mas, m i s t u r a d a ã a g u a , e s -
v a n e c e u - s e a t i n g a n e g r a ; p e r g u n t a m o s p o r que a fístu-
la d u p l i c a as g o t a s diluídas ( 0 7 ) . Õ i n f e l i z e a cada
dia mais infeliz, f o i p a r a i s s o que v i e m o s â t e r r a ? Ou
por que s e m e l h a n t e ao pombo t e n r o e aos m e n i n o s d o s
reis ( 0 8 ) , não p e d e s , a n t e s , uma c o m i d i n h a d e l i c a d a e,
i r a d o , não r e c u s a s o lalã da mamãe?

- "Acaso poderei e s t u d a r com t a l cãla-


mo?"
Que r e s p o n d e s com e s t e s subterfúgios?
És t u quem está em j o g o . 6 d e m e n t e , t u t e perderás:
quando t o c a d o , soa d e f e i t u o s a m e n t e e r e s p o n d e f r a c a m e n
te o v a s o não c o z i d o , com o b a r r o a i n d a c r u . És a r g i l a
úmida e m o l e ( 0 9 ) ; a g o r a , a g o r a mesmo, d e v e s apressar-
te e modelar-te ininterruptamente em uma r o d a s e v e r a .
Mas, no campo do t e u p a i , há p a r a t i um p o u c o de t r i g o
e um s a l e i r o p u r o e sem d e f e i t o (10) - que t e m e s ? - e
o culto do l a r ê a s s e g u r a d o p o r um pequeno prato. Isso
ê o suficiente. Acaso convém e s t o u r a r o pulmão, p o r q u e
c o n d u z e s o milésimo ramo de uma árvore genealógica t o s
cana ( 1 1 ) ou p o r q u e , ' v e s t i n d o a trãbea ( 1 2 ) , saúdas, a
c a v a l o , o t e u c e n s o r ? Ao p o v o , os e n f e i t e s ! Eu t e c o -
- 124

rih ( . . • < . ; o p o r d e n t r o e p o r f o r a : na o e n v e r g o n h a v i v e r s e -
gundo o c o s t u m e do d i s s o l u t o N a t a ( 1 3 ) . Mas e s t e e n -
torpeceu-se pelo v i c i o e d e s e n v o l v e u - s e , em s u a s f i -
bra::, a b u n d a n t e camada de g o r d u r a , f i e c a r e c e de cul-
p a , não sabe o que p e r d e e, t e n d o m e r g u l h a d o n a s p r o -
f u n d e z a s , não b o r b u l h a r a n o v a m e n t e na onda m a i s alta.
Õ g r a n d e p a i dos d e u s e s , não q u e i r a s c a s t i g a r de o u -
tro modo os t i r a n o s cruéis, q u a n d o , i m p r e g n a d a de a r -
deu l e v e n e n o , a f u n e s t a paixão t i v e r t o c a d o o seu i.ns
tinto: que v e j a m a v i r t u d e e d e f i n h e m p o r tê-la aban-
d o n a d o ( 1 4 ) ! Os b r o n z e s do t o u r o da Sicília ( 1 5 ) geme
ram m a i s e a e s p a d a , que p e n d i a dos t e t o s dourados
( 1 6 ) , a m e d r o n t o u m a i s as cabeças e n g a l a n a d a s de púrpu
r a do que o i n f e l i z que d i s s e s s e a s i mesmo "Vamos!
Vamos! P r e c i p i t e m o - n o s . ' " e e m p a l i d e c e s s e p o r a l g u m a
coisa que s u a e s p o s a , que estã ao l a d o , desconheces-
se?

Quando e r a p e q u e n o , f r e q u e n t e m e n t e
lembro-me disso - f r i c c i o n a v a os o l h o s com azeite
( 1 7 ) , se não q u e r i a d i z e r a Catão ( 1 8 ) , que e s t a v a pa
r a m o r r e r , as p a l a v r a s grandiloqüentes que h a v e r i a m
de s e r m u i t o l o u v a d a s p o r um m e s t r e demente e ouvidas
p o r meu p a i , s u a n d o , acompanhado de a m i g o s . E, com r a
zão ( 1 9 ) , p o i s e s t a v a em meu v o t o s a b e r o que traria
a :ena favorável, o q u a n t o l e v a r i a a ruinosa cadela
(2f), não s e r enganado pelo gargalo e s t r e i t o do copo
( 2 1 ) e s e r o m a i s hábil em r o d a r o buxo ( 2 2 ) com o c h i
c o t e . Não és i n e x p e r i e n t e para compreender os c o s t u -
mes d e p r a v a d o s e o que e n s i n a o sábio Pórtico, ilus-
t r a d o com os medas v e s t i d o s de b r a g a ( 2 3 ) , c o i s a s p e -
l a s q u a i s v e l a uma j u v e n t u d e i n s o n e e c a l v a , que se
a l i m e n t a de l e g u m e s e farinha g r o s s a de c e v a d a ( 2 4 ) ;
a letra que traçou os ramos sâmios m o s t r o u - t e , com o
ramo d i r e i t o , o c a m i n h o que s u r g e ( 2 5 ) . Roncas até a-
g o r a , a t u a cabeça v a c i l a n t e , com uma articulação s o l
t a , b o c e j a os e x c e s s o s de o n t e m com os q u e i x o s caídos
p o r t o d a p a r t e . Há a l g u m a coisa para a qual t e i n c l i -
nas e c o n t r a a q u a l d i r i g e s o a r c o ? Ou, desregradamen
- 125 -

te, persegues c e r v o s com c a c o s e barro, confiante quan


t o a onde t e l e v a m os p e s , e v i v e s - i m p r o v i s a n d o ?

Verás os que i n u t i l m e n t e pedirão hele-


boro ( 2 6 ) , quando a p e l e d o e n t e jã e s t i v e r inchando; o
ponde-vos ã doença que se a p r o x i m a ; q u a l será, então,
a n e c e s s i d a d e de p r o m e t e r g r a n d e s m o n t e s a Crátero
(27)? Estudai e conhecei, 5 i n f e l i z e s , as c a u s a s das
coisas ( 2 8 ) : que somos ( 2 9 ) e p a r a que n a s c e m o s , qual
é ri o r d e m e s t a b e l e c i d a , ou p o r onde e de onde deve-se
fazer a volta suave ( 3 0 ) , q u a l e a utilidade do d i n h e _ i
r o , a que se pode a s p i r a r com a permissão dos d e u s e s ,
que a áspera moeda ( 3 1 ) t e m de útil, q u a n t o convém g e -
nerosamente distribuir ã pátria e a o s p a r e n t e s , quem
o r d e n o u deus que f o s s e s e que posição o c u p a s n a humanai
dade? E s t u d a e não terás i n v e j a de que m u i t a s jarras
c h e i r e m a g o r d u r a s u m b r i a s p r o t e g i d a s em uma d e s p e n s a o
p u l e n t a , da p i m e n t a , do p r e s u n t o , recordações de um
c l i e n t e Marso, nem de que a p r i m e i r a v a s i l h a t e n h a a i n
da peixe.

A q u i dirá alguém o r i u n d o da raça hirci_


na dos centuriões ( 3 2 ) : "0 que eu s e i , me é suficien-
te; p o i s não me p r e o c u p o em s e r o que s a o Arcêsilas e
os eélones ( 3 3 ) i n f e l i z e s , c a b i s b a i x o s , ' c r a v a n d o os o-
l h o s no chão, e n q u a n t o c o r r o e m c o n s i g o mesmos ( 3 4 ) mur
múrios e silêncios r a i v o s o s e pesam as p a l a v r a s , alon-
gando os lábios, m e d i t a n d o nos sonhos de um v e l h o doen
te: nada vem cio n a d a , nada pode v o l t a r ao n a d a . Ê" p o r
!
is o que e m p a l i d e c e s ? f, p o r i s t o que alguém d e i x a de
comer?" 0 povo r i com e s s a s c o i s a s e a j u v e n t u d e museu
losa ( 3 5 ) r e d o b r a as g a r g a l h a d a s a g i t a d a s , e n r u g a n d o o
nariz.

- "Examina-me; não s e i o que me f a z


palpitar o coração e de m i n h a garganta doente recende
um hálito f o r t e ; examina-rne, peço-te."

Ao que f a l a ao médico, f o i p r e s c r i t o
r e p o u s o ; após a t e r c e i r a noite t e rvisto as suas veias
c o r r e r e m recompostas, querendo i r ao b a n h o , rogará p a -
- 12b -

ra :; i a u n i a g r a n d e c a s a v i n h o s d o t a r ; de S u r r e n t o em
um ri pequena j a r r a .

- "Ah! bom r a p a z , tu empalideces."


- "Não ê n a d a . "
- "Vê, c o n t u d o , o que q u e r que seja;
incha-se silenciosamente a t u a pele amarela."
- "Mas empalideces mais; não me. s e -
ja:; t u t o r ( 3 6 ) ; ha m u i t o tempo jã o e n t e r r e i , mas
r e s i as-me t u . "
- "Continua, que me calarei."

Inturgecido p e l a c o m i d a , com o ven-


tre esbranquiçado, e l e se b a n h a ; de s u a g a r g a n t a es
capam l e n t a m e n t e emanações s u l f u r o s a s . Mas, com o
v i n h o , s o b r e v e m o t r e m o r que f a z c a i r das mãos o c o
po quente; os d e n t e s , â m o s t r a , e s t a l a r a m ; dos lábios
a b e r t o s caem, então, as i g u a r i a s gordurosas. Depois a
t r o m b e t a , os a r c h o t e s ( 3 7 ) e, f i n a l m e n t e , o v e n t u r o s i
nho acomodado no l e i t o alto, c o b e r t o de e s p e s s o amo-
mo, e s t e n d e os c a l c a n h a r e s rígidos em direção da p o r -
ta: carregaram-no, p o r e m , com a cabeça c o b e r t a , os
quii• i t e s de o n t e m ( 3 8 ) .

Toca, 5 i n f e l i z , o t e u p u l s o e põe a
mão d i r e i t a no p e i t o . Nada e s t a q u e n t e aí. T o c a a p o n
ta dos pes e das mãos. Não estão f r i o s . Se, p o r a c a -
so, v i r e s d i n h e i r o , o u se a b o n i t a filha do vizinho
te sorrir d o c e m e n t e , o t e u coração p u l s a r a regularmen
teV foi-te s e r v i d o l e g u m e áspero em um p r a t o f r i o e
farinha saída da p e n e i r a do p o v o ( 3 9 ) ; examinemos a
g a r g a n t a : na t u a t e n r a boca e s c o n d e - s e uma f e r i d a pú-
t r i d a , que não convêm a r r a n h a r com a c e l g a plebéia.
Tens f r i o , quando o pálido t e m o r eriça os p e l o s dos
t e u s membros; a g o r a o t e u sangue f e r v e como se esti-
vesse sobre uma t o c h a e os t e u s o l h o s faíscam de rai-
ve o d i z e s e f a z e s o que o próprio O r e s t e s , insano,
jUr.iria 1
ser dc: homem insano.
- 127 -

MOTAS Ä S Ä T I RA III
I 2H

01- O latim "Iam o lar um mane angus tas extendit


rimas", v v . 1-2, c o n s t i t u i uma hipãlage, a s s e n t a -
da na ilusão ótica; a manha a l t a , alarum mane,
não e s t e n d e as f e n d a s estreitas da j a n e l a ; as f e n
das ê que p a r e c e m e s t e n d e r - s e por d e i x a r passar
os raios do s o l . Pérsio p a r e c e t e r i m i t a d o o espí_
rito do v e r s o de Vergílio, Eneid. I I I , 152: " p l e -
na per insertas fundebat tuna fenestras".
0 s u b s t a n t i v o mane f o i empregado i n v a r i a v e l m e n t e ,
refletindo, t a l v e z , um hábito da língua coloqui-
al; o sintagma alarum mane parece também calcado
em Vergílio, G. I I I , 325: "dum mane nouum".

0 2- 0 Falernum e r a um v i n h o p r o d u z i d o no ager Faler-


nus, na. C a m p a n i a ; f o i um dos m a i s r e n o m a d o s v i -
n h o s , sendo c o n s t a n t e m e n t e celebrado pelos poe-
tas.
0 adjetivo indomitum e r a a p l i c a d o ao v i n h o forte;
aplicavam-se, também, os a d j e t i v o s seuerum (Hor.,
Od. I , 2 7 , 9 ) , ardens (Hor., O d . I I , 11, 19), f o r
te ( H o r . , Sat. I I , 4, 2 4 ) , acre (Juv.X I I I , 216)
e fumosum (Tib. I I , 1,27).

0 3- Ao a t i n g i r a q u i n t a l i n h a do q u a d r a n t e solar, a
sombra do gnomon m a r c a v a a q u i n t a h o r a , onze h o -
ras aproximadamente.

04- A f a l a b r u s c a que a b r e a sátira p o d e r i a parecer


p o s t a em b o c a de um comes, p e d a g o g o ou m e s t r e de
filosofia que acompanhava os j o v e n s s e n h o r e s e de.
les cuidava.
Aqui, contudo, p o d e - s e a f i r m a r que quem toma a pa
lavra s e j a um s i m p l e s c o m p a n h e i r o de e s t u d o ; em
Aen. V, 546 , o f i l h o de E p i t o é chamado c u s t o s co_
mesque Iuli; em Aen. X, 7 0 2 , M i m a n t e é d e n o m i n a d o
aequalis comesque Variais.

05- Na r e a l i d a d e , não e a bílis que i n t u m e s c e , mas


s i m o fígado que e r a c o n s i d e r a d o a sede das p a i -
xões, c f . n o t a 1 1 da p r i m e i r a sátira.
Segundo Doiç, opus c i t . , p. IH? , pérsio a l u d e a
bílis c o n d e n s a d a , que a d q u i r e um a s p e c t o brilhan
te, de c o r e s c u r a ; p a r a Vismara, opus c i t . , p . ' 2 l ,
uitrea bilis deve s e r e n t e n d i d o como índice do ca
rãter do homem: a bílis r e v e l a r i a o caráter do i n
divíduo do mesmo modo que um v a s o de v i d r o deixa
ã mostra o s e u conteúdo.

Ots- Como se s a b e , o p e r g a m i n h o , a membrana, era feito


de couro; o l a d o , cujos pelos haviam s i d o raspa-
dos, e r a um p o u c o m a i s e s c u r o que. o o u t r o ; daí
Pérsio denominá-lo " p o s i t i s bicolor membrana cap-
p i l l i s " , v . 10 .

07- 0 verso 14 ("Dilutas geminei quod fistula


guitas.") e uma d e n u n c i a irônica com que Pérsio a
ponta o d e s l e i x o do p r e t e n s o estudante da filoso-
fia; deve-se r e s s a l t a r ' a o r i g i n a l i d a d e da e x p r e s -
são, d e l a s e r v i u - s e o a u t o r para a f i r m a r que o c a
lamo d e i x a no p e r g a m i n h o d o i s traçc-s em l u g a r de
apenas um.

08- P a r a R a m o r i n o , opus c i t . , p . 4 4 , e Dolç, opus c i t . ,


p. 14 5, columbi e r a um a p e l a t i v o p a r a as crianças
mimadas ( c f . C a t . XXIX, 8: "ut albatus columbus");
pueri regum s a o os f i l h o s dos s e n h o r e s ( c f . Hor.
Od. I I , 1.8, 3 2 - 4 : "aequa tellus / pauperi recludi-
tur / regumque pueris,"). As duas expressões s a o
e m p r e g a d a s como sinônimas.,

0 0- A c e r a , o b a r r o e a a r g i l a ofereceram aos poeteis -


muitas imagens p a r a d e s i g n a r o caráter do homem
a i n d a em formação; c f . p . 7 3 deste trabalho.

10- P a r a os r o m a n o s , o s a l e i r o possuía v a l o r religio-


so; s a b e - s e que p a s s a v a de geração a geração e
que sempre d e v i a s e r c o n s e r v a d o p u r o , sem mancha.
Tendo a d q u i r i d o v a l o r metonímico, p a s s o u a s e r em
pregado para designar a baixela.

11- As famílias t r a d i c i o n a i s de Roma t i n h a m a p r e t e n -


são de s e r a n t e r i o r e s ã própria fundação de Roma,
- 130 -

remontando a T o s c a n a ; " L> iemmate quod Tuscum ramurn


milleoime duo e s " , v . 2 8 , e x p r e s s a ironicamente o
o r g u l h o do jovem e s t u d a n t e por p e r t e n c e r a uma
d e s t a s i anu 1 i a s .

A trabea f o i uma t o g a com f a i x a s h o r i z o n t a i s em


p u r p u r a , usada p e l o s c a v a l e i r o s nas grandes o c a -
s iões.

O r i orne Na L L a . r p a r e c o em I! o r a o i , > (/;« /; . I , 6 , 1 2 3 -


124: ". . .unguor oliuo, / non quo f v a u d a t i s inmun-
dus Natta lucernis.").
Tácito (Ann. IV, 3 4 ) t r a t a de um c e r t o Pinnário
Nata, c l i e n t e C i e Sejano e acusador Cremucio Cor-
eto. Segundo R a m o r i n o , opus c i t . , p. 4 7 , e Dolç,
opus c i t : . , p. 1 5 0 , e a esse Nata que se r e f e r e
Pérsio.
Nao h a v e n d o m a i o r e s iníorraacues históricas a s e u
respeito, nao e i n e x a t o a t i r m a r que: Natta seja o
nome de um c e l e b r e d e v a s s o que, p o r m e t o n i m i a ,
passou a d e s i g n a r os v e l h a c o s em geral.
D iooinctus , adjetivo c a r a c l e r i Y.Udor de Natta,
literalmente significava com o cinturão solto ou
com a toga curta; n e s t e passe;, p o r e m , f o i e m p r e -
gado no s e n t i d o m o r a l de depravado, dissoluto,
libertino .

Julgavam os estóicos que a m a i o r punição p a r a o


p e c a d o r e s i d i a no p r o p a d o pecado; para e l e s , o
s u p l i c i e ; e n c o n t r a v a - s e no próprio c r i m e : a c o n s -
ciência do p e c a d o constituía o s e u p r i m e i r o e
maior c a s t i g o ; e o que a f i r m a Séneca, Ep. 97:
".. .prima et máxima peccantium poena, pecasse.
Nec ullum scelus, licet illud fortuna exornet
muneribus suis, licet tueatur ac u i d i c e t , impuni_
tum est 3 quoniam sceleris in scelere suplicciurn
est."

Alusão ao t o u r o de b r o n z e f u n d i d o p o r P e r i l o pa-
ra Falareis (565-549 a.C), tirano de A g r i g e n t o .
Nesse t o u r o , q u e i m a v a m - s e vítimas humanas; daí
lil

"...Siculi gemuevunt aera, i u e n o i " , v . 3 9 , c o r r e s -


p o n d e r a uma a p a r e n t e aniinizaçao do t o u r o . Le-se
em Plínio, //. N. XXXIV, 8 9 , que "Perillurn nemo
íaudet saeuiorem Phalaride tyranno, c u i taurum fe_
ait 3 mugitus hominis pollictus igni súbdito et
pvi.rnus expertus orueiatum eum i u s t i o r e saeuitia."

16- Alusão a e s p a d a de Dâmocles.

17- Segundo R u m o r i n o , opus c i t . . , p. 4 8 , e Dolç, opus


cit., p. 1 5 3 , óculos oliuo tangere, v . 4 4 , f o i um
r e c u r s o de que se s e r v i a m os e s t u d a n t e s que p r o c u
cavam d e s p e r t a r a compaixão dos m e s t r e s , querendo
parecer doentes, f u g i n d o , assim, ao e s t u d o .

18- 0 Catão a que se r e f e r e Pérsio s o m e n t e pode s e r o


Catão de Ótica, q u e , p o u c o a n t e s de m o r r e r , p r o -
n u n c i o u um d i s c u r s o s o l e n e .
0 exercício, a que a l u d e o a u t o r , uma suasória,
tinha por o b j e t i v o forçar os a l u n o s a d i s c u t i r se
Catão d e v e r i a ou não morrer.

19- C n t e n d i a m os estóicos que as crianças f a z i a m o


que lhes convinha â i d a d e ; com o e m p r e g o de par-
uus , v . 4 4 , Pérsio j u s t i f i c a o a t o que praticara.

20- As expressões d e x t e r senio e damnosa canicula e-


ram típicas do ludus tessevalum ou tabulorum. Pa-
rva Dolç, o p u s c i t . , p. 1 5 4 , o m e l h o r l a n c e desse
j o g o e r a denominado Vénus ou i a c t u s Venereus e o-
corria q u a n d o as f a c e s dos dados apresen
liavam números d i f e r e n t e s ; o p i o r l a n c e , denomina-
do c a n i s , ocorria q u a n d o saíam os d a d o s com o mes
mo n u m e r o .

2 1 - Jogo i n f a n t i l que c o n s i s t i a em f a z e r com que as


n o z e s , lançadas de uma c e r t a distância, p a s s a s s e m
pelo e s t r e i t o g a r g a d o de uma orca, r e c e p i e n t e me-
n o r que uma ânfora. N o t e - s e a hipâlage angustae
collo orcae por- angusto collo orcae .

27- 0 buxum e r a uma espécie de pião de m a d e i r a de b u - •


- 132 -

xo, com f o r m a p i r a m i d a l . As crianças f a z i a m - n o gi_


rar ( t o r q u e r e ) , lançando-o ao chao com uma espé-
cie de c h i c o t e (flagello). Esse j o g o f o i chamado
cie turbo p o r Vergílio, que o d e s c r e v e em Aen. V I I
:•; 7 8-383:
"Ceu quondam torto u o l i t a n s sub u e r t e r e turbo,
quem pueri magno i n gyro uacua atria oiroum
intenti tudo exeroent (tile actus habena
eu rua tis f e v t u r spatiis; stupeb inseia supra
impubesque manus mira ta u o l u b i l e buxurn;
dant ânimos plagae) ..."

Zenão, o f u n d a d o r do e s t o i c i s m o , ensinava sob o


Zxoà TroixíÀn de A t e n a s , o pórtico i l u s t r a d o p o r
Polignoto e outros artistas com c e n a s referentes
âs g u e r r a s médicas.
De Exoct proveio o nome E s t o i c i s m o , designação
d a e s co 1 a f i. 1 o s o f i e a .
Pérsio a t r i b u i a Porticus valor voluntariamente
ambíguo: e m p r e g a - o na significação própria, daí
o sintagma b r a c a t i s inlita Medis, v. 5 3 , e como
s i n o n i m o de doutrina estóica, f a t o que justifica
o epíteto sapiens , v . 53.

C o n t r a p o n d o os v e r d a d e i r o s estudantes do estoi-
c i s m o ao j o v e m presunçoso, Pérsio a l u d e â severa
disciplina a que e r a m s u b m e t i d o s ; s e g u n d o Ramori_
no, opus c i f . , p. 5 0 , e Dolç, opus c i t . , p. 1 5 6 ,
o a d j e t i v o insomnis d e n o t a que a iuuentus se d e -
dicava a s s i d u a m e n t e ao e s t u d o , inclusive â noi-
te, e o a d j e t i v o detonsa r e v e l a que os a d e p t o s
do estoicismo c o r t a v a m os c a b e l o s , porque não
podiam p e r d e r t e m p o em c u i d a r d e l e s ; a comida'
grosseira, com que se a l i m e n t a v a a iuuentus, é
m e n c i o n a d a no s i n t a g m a s i l i q u i s et grandi polen-
1
ta, v . 55. S i l i q u i s e i a o nome dado aos l e g u m e s
em g e r a l ; grandis p o l l e n t a e r a a denominação da
farinha feita com grãos que não h a v i a m s i d o moí-
dos , mas apenas m a c e r a d o s .
- 13 3 -

Alusão a o u p s i l o n g r e g o , a eue Pitágoras cie Sa-


in i o h a v i a c o m p a r a d o a viSa hun.uii.i .

Sm unia n o t a ao v e r s o 163 11. VI i i vro da Eneida


("Noui mu s Py th a g oram S anti um ut iam humanam diuis_
fase in mo dum litte.rae Y; s a i ! i c e i quod prima
tio tas i n c e r t a s i t quippe qitae adhuc se nec u i -
l.i.i.s, nec u i v t u b i s dcd.it; 'í>iuium a u f. cm litterae
Y a iuucntu L<: i n c i p c r c , quo / C H / > C ri.- ln>mincs aui
ni tia, i. c . , partem aini n /.ITM, aui uirtutes
partem dextcvani, sequuntv.v. " - apud Perreau,
opus cit., p. '! 4 4 ) , Sérvio at u-rta que Pitágoras
d" Saini o a d o t o u o upsilon grego como o símbolo
de d o i s c a m i n h o s que se a p r e s e n t a m ao homem; o
ramo d i r e i t o do u p s i l o n r e p r e s e n t a o c a m i n h o da
e i r t u d e ; o esquerdo, inclinado, o do vício.
S a m o r i n o , opus c i t . , p. 5 0 , o bole, opus cit.,
p. 1 5 7 , a r g u m e n t a m que o símbolo s e r a mais exa-
t o e m a i s bem e n t e n d i d o , se se t i v e r em mente a
forma primitiva do u p s i l o n , com o traço da d i -
reita inteiramente reto.

" F.lleborum frustra... / Poacentis uideas" , vv.


64 -6 3 , ê uma expressão metaí Órica, significando
que é m u i t o t a r d e para se r e c o r r e r ã m e d i c i n a ,
quando a doença já t o m o u c o n t a do c o r p o .
0 heiéboro, e r v a m e d i c i n a l , e r a empregado como
laxante e como emético ; m i s t u r a d o a outras er-
v a s , e r a m u i t o u s a d o como remédio c o n t r a a lou-
cura .

Craterus f o i um médico célebre do tempo de Au-


g u s t o ; Pérsio s e r v e - s e do s e u nome metonimica-
mente, tendo-o, talvez, i m p o r t a d o de Horácio,
Bat. II, 3, 16: "Non e s t cardiacus (Craterum di_
xisse putato)".

Do v e r s o 6 3 ao 7 3 , Pérsio a p r e s e n t a um sumário
dos p r i n c i p a i s pontos da m o r a l estóica.
A contração causas cognoscite rerum, v. 66, r e
corda Virgílio em G. I I , 4 9 0 : "'Felix qui potuit
- 134 -

reinou co gnc s a ere causas " ) , embora o a u t o r das Ge -


orgicas aludisse a origem tísica da n a t u r e z a .

29- Leve-se n o t a r que quial sumus , v . 6 7 , não e s p e l h a


'•> p r e c e i t o do nosce te ipsum; r o f e r e - s e ao c o n h e -
cimento g e r a l da n a t u r e z a humana, o b j e t o p r i m o r -
dial da f i l o s o f i a estóica - c f . E p i c t . Conv. I I ,
16, 1 : "Examina quem ce. " ; P i c . F i n . TV, 25: " Ani_
maduertamus quin simus ipsi s ut nos quale oportet
..r,ce s e rue mu s . Sumus igituv homines} ex animo
constamus et corpore..."; Sen. Ep. 4 1 , 8: "Quae-
eis qui d Í; i t ? an i mu s et r a t i o in animo perfecto.
1-1 a t i on a l e e n i m a n ira a l e s t h omo . "

30- Para d i z e r ' que o homem deve p r o c u r a r bem a p o s i -


ção que l h e f o i a s s i n a l a d a na o r d e m cósmica, Pér-
sio compara a v i d a humana a uma c o r r i d a de b i g a s
no estádio, s e r v i n d o - s e , s i n t e t i c a m e n t e , da fermai
nologia própria de t a l d i s p u t a .
À partida, os c a r r o s d e v e r i a m sair do l u g a r (ordo)
1
que lhes havia sido designado. Ao c o r r e r , deveriam
a p r o x i m a r - s e o m a i s possível da spina, em c u j o s e x
tremos se e r g u i a m as c o l u n a s cónicas, d e n o m i n a d a s
metae; p a r a s e r bem s u c e d i d o s , o s aurigae buscavam
f a z e r uma c u r v a f e c h a d a e suave, mollis (=facilis)
flexus metae, contornando a meta; para t a n t o , de-
viam s a b e r em que p o n t o (qua) e de que p o n t o (un-
ie) convinha iniciar o contorno.

31- Nos v e r s o s 6 9 - 7 1 , Pérsio i n t e r r o g a ao j o v e m presun


c o s o a c e r c a do u s o dos b e n s .
o s i n t a g m a asper nummus d e s i g n a a moeda q u e , d e v i -
do a s u a p o u c a circulação, a i n d a c o n s e r v a o rele-
v o ; Séneca, Ep. X I X , 1 0 , s e r v e - s e da construção i n
áspero accipere com o s i g n i f i c a d o de receber em mo
eda nova; Suetônio, Ner. 44 ("exegitque num-
mum asperum."), emprega nummum aspe rum na mesma
acepção com que f o i empregado em Pérsio.

32- Como j a se v i u na p.67 d e s t e t r a b a l h o , Pérsio n u -


- 1.3 5 -

tre c e r t a animosidade contra os m i l i t a r e s .


Neste, p a s s o , o a u t o r atribui ao centurião o epíte-
to de gens hiroosa que, c o n f r o n t a d o com o v e r s o
"paatillos Rufillus oletj Gorgonius hiroum" , Horá-
cio, Sat. I , 2, 2 7 , nos p e r m i t e inferir que Pérsio
a l u d e ao mau c h e i r o que os c e n t u r l o e s , ou p e l o me-
nos este em p a r t i c u l a r , deveriam exalar.

33- Avaeai lar, e sôlones são e m p r e g a d o s r n e t o n i micamen-


ío, para designar os filósofos em g e r a l .

34- Deve-se; no t a r no v e r s o 81 ("Murmura cum seoum. . . " )


o emprego r e d u n d a n t e da preposição cum.

35- Pérsio opõe, sem d u v i d a , a torosa iuuentus, v. 86,


ã juventude que se d e d i c a v a ao e s t u d o do estoicis-
mo, "insomnis et detonsa iuuentus", v . 54.

36- As f r a s e s "ne s i s mihi patruuts" e "ne me s i s t u -


tor" eram p r o v e r b i a i s e n t r e os r o m a n o s , que a em-
p r e g a v a m na acepção de nao s e j a s muito severo comi_
go.

37- Nas exéquias, ã f r e n t e do e s q u i f e , i a m as tubas,


as c a r p i d e i r a s e as t o c a d o r a s de f l a u t a s ; primiti-
v a m e n t e , o c o r t e j o fúnebre e r a r e a l i z a d o ã n o i t e ,
â l u z dos a r c h o t e s . Já no f i m da república, o
cortejo fúnebre p a s s o u a o c o r r e r d u r a n t e o dia; a
tradição, c o n t u d o , c o n s e r v o u o u s o dos archotes.

38- 0 feretrum e r a conduzido pelos p a r e n t e s e amigos


do m o r t o , ou a i n d a p e l o s escravos cuja a l f o r r i a ha
via sido concedida pelo s e n h o r em s e u t e s t a m e n t o .
Os m a n u m i s s o s usavam o pitéus, símbolo da l i b e r d a -
de; os "Hesterni c a p i t e induto Q u i r i t e s ",v.
1.06, designam, p o i s , i r o n i c a m e n t e os e s c r a v o s que
haviam s i d o a l f o r r i a d o s , da n o i t e p a r a o d i a , com
1
a m o r t e do senhor .

39- Com a f a r i n h a que e r a p a s s a d a no populi oribum,


também d e n o m i n a d o farinavium, f a z i a - s e o panis se-
aundarius ou seaundus, indicado p o r "...populi c r i
- làb

decussa farina", no verso 122; com a farinha pas-


fiada no cribum pollinarium, fazia-se o pao de p r i
r u e i r a q u a l i d a d e ou pão branco.
- I A7

S Ä T I R A IV

TRADUÇÃO
139 -

- " C u i d a s dou negócios públicos" - ima


g i n a que o m e s t r e b a r b u d o ( 0 1 ) , a quem l e v o u o g o l e dai
cruel cicuta, d i z estas coisas - " a p o i a d o em quê? Di-
ze-o, p u p i l o do g r a n d e Péricles, f, e v i d e n t e que e n g e -
nho e rápida compreensão das c o i s a s a t i vieram antes
que a barba. És e x p e r i e n t e no que se d e v e d i z e r e no
que se deve c a i a r . Com e f e i t o , l o g o que a g e n t a l h a se
i n '"lama, m o v i d a p e l a bílis, a razão t e l e v a a i m p o r s i _
lêeoio ã multidão e x c i t a d a com a m a j e s t a d e de um ges-
to; que d i r a s depois?"

- "Quirite, por exemplo, i s t o não ê


j u s t o ; a q u i l o ê r u i m ; a q u i l o e mais justo."

- "Sabes e f e t i v a m e n t e suster o justo


no prato duplo de uma balança instável ( 0 3 ) ; d i s t i n -
gues o que ê r e t o ( 0 4 ) mesmo que e s t e j a m i s t u r a d o ao
que ê c u r v o , ou até mesmo quandr>.,a régua i n d u z ao e r r o
com um pe t o r t o ( 0 5 ) , ês c a p a z de c r a v a r o n e g r o teta
( 0 6 ) no vício? Por que t u , que t e n s i n u t i l m e n t e apenas
a beleza exterior, não d e i x a s de a b a n a r prematuramente
a c a u d a ( 0 7 ) d i a n t e do p o p u l a c h o a d u l a d o r ? Mao seria me
l h o r t o m a r antíciras p u r a s ( 0 8 ) ? Qual ê para t i o sobe-
rano bem? V i v e r sempre de boas i g u a r i a s e t r a t a r assidu
amente a t u a p e l e z i n h a ao s o l ( 0 9 ) ? E s p e r a , e s t a velha
não responderá o u t r a c o i s a ( 1 0 ) ! Vai agora!

- "Sou f i l h o de D i n o m a c a . "

- "Orgulha-te!"

- "Sou b e l o (11) . "

- "Que s e j a ! Embora a e s f a r r a p a d a Bãuci.


de ( 1 2 ) não s a i b a menos, quando a p r e g o a basilicão ( 1 3 )
a um e s c r a v o mal v e s t i d o . "

Como ninguém t e n t a d e s c e r em s i mesmo,


ninguém! Mas como se o l h a o a l f o r g e ãs c o s t a s do que
vai ã frente (14)! Pergunta!

- "Conheces os domínios de Vetídio (15)?"

- "De quem?"
- " O rico a r a em ( l u r e s ( 1 6 ) t a n t o quan
to um m i l h a n o não p e r c o r r e em um v o o . "

- "Falas d a q u e l e , d a q u e l e q u e , com os
deuses i r r i t a d o s e gênio s i n i s t r o ( 1 7 ) , quando f i x a um
jug,o na e n c r u z i l h a d a esburacada ( 1 8 ) , temendo r a s p a r o
limo velho de um p e q u e n o j a r r o , geme: 'Que i s t o me se
ja um bem', mordendo uma c e b o l a coberta de s a l , e, e n -
quanto os seus e s c r a v o s a p l a u d e m uma p a n e l a de farinha,
bebe o r e s t o da b o r r a de um v i n a g r e que se a c a b a ? "

Mas, se d e s c a n s a s e, c o b e r t o de óleo,
cravas o s o l na p e l e , hã p e r t o de t i um desconhecido
que t e t o c a com o c o t o v e l o e c o s p e a s p e r a m e n t e : "Estes
cos.fumes! E x i b i r p u b l i c a m e n t e o pênis d e p i l a d o , os s e -
g r e d o s do lombo d o r m e n t e , as v u l v a s ( 1 9 ) ! Enquanto pen
teias nas m a x i l a s a b a r b a p e r f u m a d a com bálsamo, p o r
que t e s a l t a da v i r i l h a uni, -gorgulho tosquiado? Permi-
t e - s e que c i n c o p a p e s t r i t a s ( 2 0 ) e s t i r p e m e s s a vegeta-
ção e sacudarn com uma pinça c u r v a as nádegas umedecidas;
esta floresta, c o n t u d o , não s e ' h a b i t u a a arado algum."

Nos a t a c a m o s e, p o r o u t r o l a d o , o f e r e -
cemos n o s s a s p e r n a s às f l e c h a s ( 2 1 ) ; v i v e - s e desse mo-
do; nós o sabemos. Tens sob a i l h a r g a uma ferida secre
ta, mas disfarça-a o boldrié com o s e u l a r g o o u r o . Se
p r e f e r e s , engana a nós e aos t e u s nervos, se p o d e s .

- "Quando a vizinhança d i s s e r que s o u


s u p e r i o r , não acreditarei?"

Se e m p a l i d e c e s , cá p e r v e r s o , por teres
v i s Lo d i n h e i r o , se f a z e s tudo o que t e vem ao pênis e
se, cauteloso, f l a g e l a s o amargo p u t e a l ( 2 2 ) com m u i -
tos golpes, em vão terás c o n f i a d o tua orelha ávidas
ao p o v o . R e p e l e o que não é s . Que o artesão f i q u e com
seus f a v o r e s . Mora c o n t i g o : conhecerás quão exígua t e
é at mobília.
Ml il

NOTAS Ä SÃTIRA
- 141 -

01- A sátira é a b e r t a p o r um d i s c u r s o que Sócrates d i _


rlge a Alcebíades; c o n t u d o , o v o c a t i v o Q u i r i t e s ,
v. 8, a p r e s e n t a um Sócrates e um Alcebíades roma-
nos. R a m o r i n o , opus c i t . , p. 5 8 , e Dolç, opus
cit., p. 1 7 4 , e n t e n d e m que Alcebíades s e j a , nesta
sátira, uma s i n e d o q u e p a r a d e s i g n a r os m u i t o s A l -
cebíades d i s s o l u t o s e a m b i c i o s o s existentes em
Roma; P e r r e a u , opus c i t . , p. 1 3 4 - 1 3 6 , a p o i a n d o - s e
em um escólio de C a s a u b o n , a r g u m e n t a que e s t a sá-
tira esta i n t e i r a m e n t e v o l t a d a c o n t r a Nero, o A l -
cebíades romano.
Sócrates e i n d i c a d o pela perífrase barbatum magis_
trum (já que a b a r b a f o i uma das insígnias da g r a
v i d a d e filosófica e r e l i g i o s a , como já se v i u na
nota 1 0 da sátira I I ) e, p r i n c i p a l m e n t e , p e l a o r a
ção " s o r b i t i o tollit quem dira c i c u t a e " , v. 2.
0 v o c a t i v o magni pupille F e r i o l i , v. 2 , e a o r a -
ção "Dinomaches ego sum" , v . 2 0 , p e r m i t e m - n o s i -
dentificar o interlocutor de Sócrates , Alcebía-
des, p u p i l o de Péricles, apjós a m o r t e do p a i na
batalha de Coronéia em 447 a . C , e filho de Dinô-
maca.

0 2 - No v e r s o 9 ("Hoc, puta, non iustum est, illud ma-


te, reotius illud."), e n c o n t r a m - s e d o i s advérbios,
mate e rectius, na função de p r e d i c a t i v o do s u j e i _
to; e s s e fenômeno o c o r r e também em I I I , 78 (satis
est), I V , 30 (bene sit), V, 69 ( e r i t ultra), V,
153 ( i n d e e s t ) e V I , 56 ( p r a e s t o e s t ) .

0 3- N e s t e p a s s o Pérsio p a r e c e r e t o m a r a imagem dos


v e r s o s 6-7 da p r i m e i r a sátira (". . .acoedas exa-
menue improbum in illa / Castigues trutina. . . " ) .
A libra anoeps e r a a balança em equilíbrio; o
s i n t a g m a gemina lance substitui, com r a r a elegân
cia, duabus lancibus , os d o i s pratos da libra.

04- Os v e r s o s de Pérsio /' . . . rectum discernis, ubi in_


ter / curua...", v v . 1 1 - 1 2 , parecem i m i t a r o v e r
so h o r a c i a n o "scilicet uellem curuo dignoscere
- 14 2 -

rectum" , i'.v. I I , 2, 4 4 .

05- A regula de t r a t a Pérsio no v e r s o 12 f o i a régua


u s a d a p e l o s f a b v i , p a r a traçar l i n h a s retas sobre
uma superfície p l a n a ; p e s , n e s t e p a s s o , d e s i g n a a
m e d i d a de l o n g i t u d e , mas o p o e t a a t r i b u i - l h e o e-
píteto de uarus (- i n t o r t u s ) .
A s s i m , a passagem d e v e s e r e n t e n d i d a como "até
mesmo quando a régua induz ao e r r o eom um pé tor-
to" ; Pérsio, c o n t u d o , não se p r e o c u p a com a s i g n i _
! icação c o n c r e t a , mas s i m com a m o r a l : "sabes dis_
Linguir o que é d i r e i t o , mesmo quando os critérios
que se devem seguir não são de todo seguros".

06- Segundo c o s t u m e g r e g o , o t h e t a , primeira letra de


eávaxoc, , e r a u t i l i z a d o p e l o s juízes, ao proferir
a sentença c a p i t a l ; o theta e r a também a p o s t o , n a s
listas militares, ao l a d o dçj nome d o s s o l d a d o s mor
tos. Em Roma, no t e m p o de Cícero, u s a v a - s e , para
1
assinalar a condenação â m o r t e , a l e t r a C, primei-
ra l e t r a de condemno.
Dolç, o p u s c i t . , p. 1 7 7 , a v e n t a a p o s s i b i l i d a d e de
que, no t e m p o de Pérsio, a língua c o l o q u i a l empre-
g a v a theta para s i g n i f i c a r morte.

07- A imagem e x p r e s s a p o r "caudam iactare popello", v.


15, f o i s u g e r i d a , segundo R a m o r i n o , opus c i t . , p.
60, p e l o f a t o de o cão a b a n a r a c a u d a em s i n a l de
contentamento. P e r r e a u , opus c i t . , p. 1 4 1 , e Dolç,
opus c i t . , p. 1 7 8 , e n t e n d e m que a imagem s u g e r e o
a t o de o pavão e x i b i r a s u a plumagem.

08- A n t i c y r a s meracas, v . 1 6 , ê uma metonímia p a r a d e -


s i g n a r o heléboro; na m a i s r i c a região p r o d u t o r a
cie heléboro, h a v i a três c i d a d e s chamadas Anticyra:
uma na F o c i d a , o u t r a na Tessália e a t e r c e i r a na
I .ocrida.
Como já se v i u n a n o t a 26 da sátira I I I , misturado
a o u t r a s e r v a s , o heléboro e r a c o n s i d e r a d o remédio
c o n t r a a l o u c u r a . Ao e m p r e g a r A n t i c y r a s meracas,
Pérsio a f i r m a , irônica e h i p e r b o l i c a m e n t e - res-
- 143 -

salte-se o plural -, que o p u p i l o do g r a n d e Péri-


c l e s p r e c i s a v a de m u i t o heléboro p a r a c u r a r - s e da
l o u c u r a . 0 espírito não só da hipérbole, como t a m -
bém da i r o n i a , parece t e r sido importado de Horá-
cio (Sat. I I , 3, 82-83: "Danda est ellebori multo
pars maxima auaris; / néscio an Anticyram ratio
destinet omnem"; i d . i b i d . , 165 -166: "...Verum am-
bitiosus et audax / naviget Anticyram...").

09- 0 banho de s o l , a a p r i c a t i o ou i n s o l a t i o , f o i tido


não so como higiênico, mas também como m e d i c i n a l ;
com o t e m p o , s e u o b j e t i v o f o i sendo gradativamente
d e t u r p a d o , passando a s e r p r o c u r a d o por ociosida-
de, p o r f a t u i d a d e ; é a e s s a deterioração que se r e
fere Pérsio. M a r c i a l ( X , 12: "I, precor; et totós
auida cute combile soles: / Quam formosus eris.")
e Juvenal ( X I , 2 0 3 - 2 0 4 : "Nostra bibat uernum con-
tracta cuticula solem / effugiatque togam...") tam
bém c r i t i c a r a m a sua decomposição.

10- Pérsio não p e r m i t e que o j o v e m governante respon-


da, p e d i n d o - l h e que a g u a r d e e ouça uma v e l h a , que
devera a p r e s e n t a r uma r e s p o s t a s e m e l h a n t e ã dele
("haud aliud respondeat...", v. 1 9 ) . 0 surgimento
dessa personagem i n e s p e r a d a obscurece a passagem.
Pérsio contrapõe a v e l h a ao j o v e m governante, pri-
m e i r a m e n t e em t e r m o s de b e l e z a física, p a r a que o
presunçoso saísse v i t o r i o s o do c o n f r o n t o : " . . . I
nunc, / 'Dinomaches ego sum' s u f f l a 'sum Candi-
dus '...", v . 19-20 .

1 1 - Com o v e r s o "...'Dinomaches ego sum' 'sum


Candidus'...", v . 2 0 , Pérsio m e n c i o n a a b e l e z a de
Alcebíades, f i l h o de Dinômaca. P l u t a r c o , opus cit.,
v. 2, p. 310 e 3 1 4 , a s s i m descreve Alcebíades:
"Quanto à sua beleza, já não ê necessário d i z e r na_
da. Direi somente de passagem que e l a se manteve
sempre florescente, na sua infância e adolescên-
cia, conservando-se perfeita em sua maturidade. Al_
cebt-ades se manteve assim, atraente e agradável,
- 144 _

em todas as estações de sua. vida. (...) Houve bem


cedo, cm torno de Alcebíades, muita gente de qua-
lidade e importância, para acariciá-lo, esforçan-
do-se por c a i r em suas boa:; graças. Davam todos a
entender, assaz evidentemente, que o seguiam pela
sua extraordinária beleza."

12- Bóucide é o nome da v e l h a c o n t r a p o s t a ao j o v e m go


vernante; confrontando-a com o j o v e m , Pérsio pro-
p i c i o u a e l e rápido momento de arrebatamento
( " . . . s u f f l a . ..", v . 2 0 ) ; com a caracterização de
Bãucide, pannucia, v . 2 1 , o t r i u n f o do preseunço-
so ê e n f a t i z a d o . C a u s t i c a m e n t e , porém, n i v e l a - o s
Pérsio ("...ne d e t e r i u s s a p i a t " , v . 2 1 ) , em ter-
mos de sabedoria.

13- 0 basilicão, ocimum, e r a uma p l a n t a odorífera e


m e d i c i n a l , com p o d e r e s afrodisíacos.

14- Catulo ("Sed non uidemus manticae quod in t e r g o


est.", X X I I , 2 1 ) , Horácio ("Dixerit insanum qui
me, totidem audiet atque / respicere ignoto dis-
cet pendentia tergo." Sat. I I , 3, 2 9 8 - 2 9 9 ) e Sene
ca ("...aliena uitia in oculis habemus, a tergo
nostra sunt." - de I r a I I , 28, 8 ) , a n t e s de Pér-
sio, já h a v i a m a l u d i d o ã v e l h a fábula e s o p i c a , r e
escrita, mais t a r d e , p o r Pedro (IV, 10).

15- Não se sabe quem s e j a e s t e Vettidius; supõe-se


s e r um nome que r e p r e s e n t e a extrema avareza das
p e s s o a s , dado o c o n t e x t o em que a p a r e c e .

16- C i d a d e dos S a b i n o s , c u j a ; ; t e r r a s eram famosas p o r


sua f e r t i 1 i dade.

17- As expressões d i s i r a t i s e gênio s i n i s t r o , v. 27,


ablativos de q u a l i d a d e , c a r a c t e r i z a m a p e s s o a n a s
cida s o b condições a s t r a i s e horóscopo desfavorã-
ve i s .
A construção d i s i r a t i s é uma abreviação de d i s i_
ratis natus que Pérsio, c e r t a m e n t e , i m i t o u de
Horácio (". . . inmevitua 'laborai / iralis na tu st pa_
rios d i s a i que p o e t i s . " Hat. I I ' , 3, 7-8).

IH- o verso "Qúandoque iugum pertusa. ad compita fi-


./i t " , v . ?R) a l u d e ãs f e s t a s deriomi nadas Compita_
lia.
Os Compitalia eram c e l e b r a d o s em f i n s de dezem-
b r o ou p r i n c i p i o de j a n e i r o ( a p r i m e i r o de maio
e p r i m e i . r o de a g o s t o , sob A u g u s t o ) , em honra
dos Lares Campi t a l e s , que eram v e n e r a d o s nas e n -
cruzilhadas (compita - ubi uiae competunt) ; ne-
l a s , os camponeses tomavam uma refeição e, como
sinal de d e s c a n s o , p r e n d i a m os j u g o s e o u t r a s
f e r r a m e n t a s de t r a b a l h o nas p e q u e n a s aediculae ,
nas próprias e n c r u z i l h a d a s .
Pérsio emprega compita COVA a significação de ae-
diculae, uma metonímia que Dolç, opus c i f . , p.
182, c o n s i d e r a , de o r i g e m popular.

10- Pm s u a visão c r u a m e n t e r e a l i s t a e f u l c r a d a na mo
ral estóica, p o r b o c a de um 1 n t e r l o c u t o r desco-
nhecido, atacando a d e p r a v a d a c l a s s e d o s pãticos,
Pérsio a p r e s e n t a um q u a d r o da a p r i c a t i o corrompi,
da, s e r v i n d o - s e de t e r m o s intensamente disfêmi-
cos .
N e s t e p a s s o , merecem consideração e s p e c i a l os
termos arcana lumbi e uuluas.
0 sintagma arcana lumbi nao pode d e s i g n a r o mem-
bro v i r i l , c u j a repetição, j a que é d e s i g n a d o p o r
-
penem, permaneceria inexplicável. Segundo Cartel-
le (Aspectos Léxicos y Literários dei L a t i n Eroti_
ao. S a n t i a g o de C o m p o s t e l a , Uni v e r s i d a d de S a n t i -
ago, 1 9 7 3 , p . 1 2 0 ) , pérsio f o . i ? e n t r e os p o e t a s
satíricos, o que m a i s a g r e s s i v a m e n t e empregou o
substantivo lumbum que, neste passo, designa a re
gião c o m p r e e n d i d a p e l a c i n t u r a e ânus.
Vulua não p o d e r i a i n d i c a r o órgão g e n i t a l femini-
no, jã que a p e r s o n a g e m é m a s c u l i n a ; n e s t e caso,
tem-se a i n u s i t a d a aplicação de uulua a um homem.
- I'll.

A.Inda s e g u n d o C a r t e l i e , uulua e aqui um t e r m o :i.n_


íurioso por anus.
Pérsio, a l i a s , não f o i o único p o e t a satírico a
investir contra a corrupção da a p r i c a t i o ; também
em t e r m o s enérgicos e a g r e s s i v o s , Juvenal ("His-
pida membra quidem et durae per bracchia saetae/
promittunt atroeem animum, sed p o l i c e leui / cae
duntur tumidae midico r i d e n t e mariscae.", I I ,
1 1 - 1 3 ; e " s i tenerum attritus Catinensi pumice
lumbum.", VIII, 16) e M a r c i a l ("Quod pectus, quod
cruras tibi, quod bracchia uellis, / quod cincta
est breuibus mentula pilis, / hoc praestas, Labi_
ene, tuae - quis nescit? - amicae. / Cui praes_
ta3, culum quod, Labiene, pilas?", I I , 62) a t a -
cam-no igualmente.

20- Palestritae, o mesmo que dv&pacistae , eram os de


p i l a d o r e s ou b a r b e i r o s .

2 1 - P r o c u r a n d o e s c l a r e c e - l a , d i z o e s c o l i a s t a de Pêr
sio a c e r c a d e s t a passagem: " A l l e g o r i a a sagitta-
riis, qui a l i e n a crura sagittis ferium, et sua
ferienda aliis praebent; et ad s u p e r i o r em sensum
pertinet quod dixit: sed p r a e c e d e y i t i s p e c t a t u r
mantica t e r g o . I t a non uitam obiurgamus aliorum
et alii nostrum." , apud P e r r e a u , opus c i t . , p.
14 6 .
Pérsio p a r e c e i m i t a r o espírito do v e r s o de H o r a
cio, em Ep. I I , 2, 9 7 : "Caedimur e t totidem pla-
gis consumimus hostem."

22- 0 puteal e r a uma p e q u e n a m a r c a r c i r c u l a r que se


punha em t o r n o das a r v o r e s s a g r a d a s ou dos luga
res a t i n g i d o s pelo raio. Em sua. vizinhança, r e u
n i a m - s e c a m b i s t a s e usurários. C f . p 4 5 - 6 d e s t e
trabalho.
- LM 7

S Ã T I R A V

TRADUÇÃO
J4H -

E s t e é o c o s t u m e dos p o e t a s , exigir
p.. • ! s i cem v o z e s e d e s e j a r - p a r a a s u a p o e s i a cem bo
1
o, o cem línguas ( 0 1 ) , p a r a compor uma f a b u l a que
se pi d e c l a m a d a p o r um trágico a t o r s i n i s t r o ( 0 2 ) , ou
p a r a as f e r i d a s do p a r t a que r e t i r a a e s p a d a da v i r i -
lha (0 3) .

- "A que v i s a isto? Proferes tantos


b o l i n h o s de um c a n t o r o b u s t o ( 0 4 ) p a r a que s e j a c o n -
veai ente teres cem g a r g a n t a s ? Os que q u e r e m c a n t a r o
suldi.me r e c o l h a m as névoas do H e l i c a o ( 0 5 ) , com as
quais f e r v e r a a p a n e l a de P r o c r i e ou de T i e s t e ( 0 6 ) ,
que m u i t a s v e z e s deverá j a n t a r o o d i o s o Glicão ( 0 7 ) .
E n q u a n t o se f u n d e a massa na f o r j a , não c o m p r i m e s os
v e n t o s no f o l e o f e g a n t e ( 0 8 ) nem, e n r o u q u e c i d o p o r
um murmúrio s e c r e t o , e s t u p i d a m e n t e crocitas contigo
mesmo não s e i que de g r a v e ( 0 9 ) , nem t e n c i o n a s e s t o u
rar com um e s c l o p o as b o c h e c h a s túrgidas ( 1 0 ) . Bus-
cas as p a l a v r a s da t o g a ( 1 1 ) ; és hábil n a s alianças
enérgicas, a r r e d o n d a n d o m o d e r a d a m e n t e a b o c a , sábio
em a r r a n h a r c o m p o r t a m e n t o s d o e n t i o s ( 1 2 ) e em tres-
passar a f a l t a com um d i v e r t i m e n t o d i g n o de homem l i -
vre. T i r a d a i o que d i z e s ; d e i x a a M i e e n a s as suas
mesas e conhecerás o almoço p l e b e u (13)."

Não me esforço, na v e r d a d e , p a r a e n -
f u n a r com f u t i l i d a d e s lúgubres uma página c a p a z de
d a r peso â fumaça ( 1 4 ) . Falamos em s e g r e d o . Exortado
p e r Camoena, d o u - t e a g o r a o meu coração que d e v e s
perscrutar; agrada-me m o s t r a r a t i . , 5 Cornuto, doce
a m i g o , quão g r a n d e parte da m i n h a a l m a é t u a . B a t e ,
s e g u r o em r e c o n h e c e r o que s o a s o l i d a m e n t e e os r e -
v e s t i m e n t o s da l i n g u a g e m f i g u r a d a ( 1 5 ) . Se ouso e x i .
gir cem g a r g a n t a s , é p a r a que p o s s a e x t e r n a r com
voz p u r a o q u a n t o de t i g r a v e i n a s s i n u o s i d a d e s do
meu coração e p a r a que as p a l a v r a s r e v e l e m e s t e t o -
do que se e s c o n d e , inexprimível, em m i n h a s fibras
secretas.

Quando, p e l a p r i m e i r a v e z , amedron-
ta.'O, depus a -purpura guardiã ( 1 6 ) e, c o n s a g r a d a aos
L a o - s , com a toga c u r t a ( 1 7 ) , a minha b u l a ( 1 8 ) f o i
sua.pensa, quando os c o m p a n h e i r o s c o m p l a c e n t e s e a to
ga, já b r a n c a ( 1 9 ) , me p e r m i t i r a m e s p a l h a r impunemen
te os o l h o s p o r t o d a a S u b u r r a ( 2 0 ) e quando o cami-
nho se b i f u r c a e a inexperiência e n g a n o s a da v i d a
c o n d u z os espíritos inquietos i s e n c r u z i l h a d a s ramo-
sas ( 2 1 ) , reservei-me para t i . A c o l h e s t e meus t e n r o s
anos no t e u coração socrático ( 2 2 ) , o C o r n u t o . Então,
habilidosa em d i s s i m u l a r , a régua a d e q u a d a e s t e n d e a
m o i u l s i n u o s a e minha alma e p r e s s i o n a d a p e l a razão,
esiorçando-se p a r a s e r v e n c i d a e t o m a n d o , s o b o t e u
d e d o , uma f i s i o n o m i a artística ( 2 3 ) . Lembro-me, com
efeito, de t e r p a s s a d o c o n t i g o l o n g o s dias (24) e
de t e r r e s e r v a d o p a r a a c e i a o início da n o i t e . Am-
v
bos estabelecemos juntamente um s o t r a b a l h o e d e s c a n
so e m i t i g a m o - n o s das c o i s a s sérias em uma mesa mo-
d e s t a . Não d u v i d e s de q u e , c e r t a m e n t e , . n o s s o s dias
se a j u s t a m p o r uma aliança c o n s t a n t e e são r e g i d o s
p o r um único a s t r o : ou a P a r c a , fiel ã verdade, sus-
pende n o s s o s tempos na Balança em.equilíbrio, ou a
hora natal, que p r e s i d e as a m i z a d e s fiéis, d i s t r i b u i
e n t r e os Gêmeos n o s s o s d e s t i n o s c o n c o r d e s ; graças ao
n o s s o Júpiter, q u e b r a m o s j u n t a m e n t e a hostilidade de
Saturno ( 2 5 ) ; não s e i q u a l , mas s e g u r a m e n t e existe
um a s t r o que me une a t i .

Há m i l t i p o s de homens e diferentes
ma.' i i a : ; de v i d a ; c a d a um t e m o seu q u e r e r e não se
vive: sob um único d e s e j o . Ao n a s c e r do s o l , há quem
troque pimenta e n r u g a d a e grãos de c o m i n h o empalecen
te ( 2 6 ) p o r p r o d u t o s da Itália; há quem, empaturra-
do, prefira i n c h a r - s e com um sono r e s t a u r a d o r ; e s t e
entrega-se ao campo ( 2 7 ) ; os dados consomem aquele;
a q u e l o u t r o se d e t e r i o r a com os p r a z e r e s de Vénus.
Mas, quando a q u i r a g r a p e d r e g o s a t i v e r f e i t o de s u a s
articulações ramagens de uma v e l h a f a i a , já terão v i
v i d o os seus d i a s g o r d o s e p a s s a d o a v i d a â l u z do
pântano (2 8) e, j a t a r d i a m e n t e , haverão de l a m e n t a r -
- 150 -

se ca v i d a que nao v i v e r a m ( 2 9 ) . A t i , porem, apraz em


pai i d e c e r s o b r e os p a p i r o s n o t u r n o s ( 3 0 ) : e s , p o i s ,
c u l t i v a d o r dos j o v e n s e s e m e i a s em suas o r e l h a s l i m p a s
o ' l e i g o de C l e a n t o ( 3 1 ) . P r o c u r a i aqui, jovens e ve-
lho, s, urn o b j e t i v o d e t e r m i n a d o p a r a a a l m a e provisões
p a r a as c l s i n f e l i z e s .

- "Amanhã se farã isso!"

- Amanhã o c o r r e r a o mesmo.

- "Quê? C e r t a m e n t e ê muito concederes-


me urn d i a ? " ( 32 ) .

Mas, quando vem o o u t r o d i a , já consu-


mimos o amanhã de o n t e m ; e i s que e s t e o u t r o amanhã t e -
rá d e v o r a d o os anos e sempre estará um p o u c o a l e m . P e r
seguirás i n u t i l m e n t e a r o d a que g i r a s o b r e s i mesma,
mesmo que e s t e j a p e r t o de t i e sob único timão, q u a n d o
correres como r o d a p o s t e r i o r e no s e g u n d o eixo.

N e c e s s i t a - s e de l i b e r d a d e . Não d e s t a :

- "Que urn P u b l i o q u a l q u e r o b t e v e em Ve_


linu, t e r m i n a n d o o s e u serviço, p a r a t o r n a r - s e , com a
tessera, senhor de t r i g o enrugado."

Ala! despojados da v e r d a d e , a o s q u a i s u
sõ p i r u e t a faz quirite ( 3 3 ) . E s t e Dama ( 3 4 ) e um cava-
lariço, que não v a l e t r e s a s s e s , homem insignificante,
m e n t i r o s o a t e na magra ração do c a v a l o , Que o s e u s e -
nhor o g i r e ! Do m o v i m e n t o da rotação s a i Marco Dama
(35). Oh! r e c u s a s - t e a e m p r e s t a r d i n h e i r o a M a r c o , que
te promete pagar? Empalideces d i a n t e do j u i z Marco?
Marco d i s s e , a s s i m ê. Põe, M a r c o , o t e u s e l o n e s t a s t a
bu i nhãs !

- " E s t a ê a v e r d a d e i r a l i b e r d a d e , os
píleos ( 3 6 ) n o - l a dão. Acaso não ê l i v r e somente aque-
le a quem se p e r m i t e l e v a r a v i d a como q u e r ? Ê* lícito
viver como q u e r o : não s o u m a i s l i v r e que B r u t o (37)?"

- "Concluis erradamente", fala o estói.


- 11> 1

co que l a v o u a o r e l h a com v i n a g r e p i c a n t e , " a c e i t o o


restante; suprime aquele 'é lícito' e o 'como quero'."

- " D e p o i s q u e , graças ã v a r i n h a , me
tornei meu p e l o p r e t o r , p o r que nao me ê lícito tudo
quanto a vontade ordena, exceto o que proíbe a rubri-
ca de Masúrio ( 3 8 ) ? "

A p r e n d e ! Mas que c a i a do t e u n a r i z a
ira e a c a r e t a f r a n z i d a , enquanto t e arranco do p u l -
mão as v e l h a s avós ( 3 9 ) . Não c a i r i a ao p r e t o r conceder
aos i g n o r a n t e s os d e v e r e s d e l i c a d o s das c o i s a s e p e r -
1
m i l i r - l h e o exercício da célere v i d a ; m a i s rapidamen-
te terias a j u s t a d o uma sambuca a vim g r a n d e v a d i o ( 4 0 ) .
Falando secretamente â o r e l h a , a razão se opõe a que
se p e r m i t a f a z e r o que alguém, ao f a z e r , corromperá.
A l e i p u b l i c a dos homens e a n a t u r e z a contem e s t e p r e
ceito sagrado, para que a ignorância t e n h a por proibi_
dos os a t o s d e l i c a d o s . D i s s o l v e s h e l e b o r o , não s a b e n -
do parar o f i e l da balança no p o n t o certo: a natureza
do c u r a r proíbe i s t o . Se, calçando as s u a s b o t a s a l -
tas, um l a v r a d o r e x i g e p a r a s i um n a v i o , desconhecen-
do as e s t r e l a s ( 4 1 ) , M e l i c e r t o ( 4 2 ) exclamará que o
p u d o r d e s a p a r e c e u do mundo (43). A arte (44) deu-te
um v i v e r s e g u r o ( 4 5 ) e és e x p e r i e n t e em d i s t i n g u i r a
v e r d a d e d a q u i l o que t e m apenas a sua aparência, para
que nada p o s s a t i n i r falsamente como o c o b r e folhado
a o u r o ? 0 que se d e v e p e r s e g u i r e o q u e , p o r sua v e z ,
se deve e v i t a r , já m a r c a s t e , aquele com g i z e e s t e
com carvão ( 4 6 ) ? íís m o d e r a d o em t e u s d e s e j o s . Tens c a
sa m o d e s t a ? f.a c o r d i a l com os a m i g o s ? Fechas e abres
convenientemente os t e u s c e l e i r o s ? Podes p a s s a r p o r
:
sol i uma moeda p r e s a na lama e não e n g o l i r p e l a gar-
ganta adentro a saliva de Mercúrio ( 4 7 ) ? Quando d i s s e
res honestamente: "Essas c o i s a s são m i n h a s , eu as t e -
nho", que s e j a s l i v r e e sábio, não só p e l o s p r e t o r e s ,
como também p e l o Júpiter propício. Se, p e l o contrário,
tu, que há p o u c o e r a s da mesma f a r i n h a que e u , manténs
a t u a v e l h a p e l e e, t e n d o lavado apenas a f r o n t e , c o n -
Iv.

servas no p e i t o c o r r u p t o a raposa astuta, retiro o que


concedera acima e reduzo a corda. Nada t e c o n c e d e u a
razão; m o s t r a o dedo ( 4 8 ) , e r r a s ; e o que ê tão p e q u e -
no':' Has não sacrifiçaras com i n c e n s o a l g u m , p a r a que u
ma pequena p a r c e l a da v e r d a d e e s t e j a com os i n s e n s a t o s .
1
Misturar estas c o i s a s e impiedade ( 4 9 ) e, jã que é s , a
lias, cavador, não dançaras nem três p a s s o s do sátiro
Batilo (50) .

- "Nu s o u 1 i v r e . "

De onde v e i o o que t e i m p u t a s , t u que


és s u b m i s s o a t a n t a s c o i s a s ? Apenas d e s c o n h e c e senhor
quem f o i a l f o r r i a d o pela varinha? Se e l e g r i t a " V a i ,
escravo, l e v a as almofaças a o s b a n h o s de C r i s p i n o (51)",
ficas p a r a d o como um p a l e r m a . A escravidão não t e a b a -
la e não hã nada que p e n e t r a em t i e a g i t a os t e u s n e r
vos ( 5 2 ) ; mas, se d e n t r o - d e t i e e?n t e u fígado d o e n t e ( 5 3 )
nascem s e n h o r e s , em que s a i r i a s m a i s i m p u n e m e n t e que a
q u e l e a quem o a z o r r a g u e e o medo do s e n h o r i m p e l e m pa
ra as almofaças?

P e l a manha, r o n c a s preguiçoso.

- "Levanta-te I " , d i z a Avareza. " E i a !


L e v a n t a - t e 1"
Tu negas e e l a i n s i s t e :

- "Levanta-te!"
- "Não p o s s o . "
- "E que farei?"
- "E e l e p e r g u n t a ! Vamos! T r a z e do Pon-
to p e i x e s , castóreo, e s t o p a , ébano, i n c e n s o , v i n h o s l u
briPicantes de Cos. Sê o p r i m e i r o a t i r a r a pimenta,
ch'. seda hã p o u c o , do c a m e l o s e d e n t o . Troca alguma coi-
sa! Jura!"
- "Mas Júpiter ouvirá?"
- "Ah! estúpido, passarás a v i d a satis_
feito em f u r a r com o dedo um s a l e i r o ( 5 4 ) jã m u i t o u s a
do, se p r e t e n d e s v i v e r com Júpiter."

Com a túnica arregaçada (55), encarre-


- I5,i -

gas os e s c r a v o s da p e l e e do v a s o de v i n h o . Depressa pa
r a o n a v i o . Nada se opõe a q u e , em um grande n a v i o , jjer
corras rapidamente o Egeu, a não s e r que, antes, a sa-
gaz Luxúria não t e aconselhe a parte:

- " P a r a onde t e p r e c i p i t a s , demente? Pa


r a onde? Que queres p a r a t i ? Sob teu peito ardente, i n -
flamou-se a máscula bílis, que uma u r n a de cicuta (56)
não p o d e r i a a r r e f e c e r ? Transporás o mar? Cearás, a p o i a n
d o - t e no cânhamo r e t o r c i d o , no b a n c o do r e m a d o r , e um
v a s o de l a r g a base recenderá o v i n h o r o s e de Veios es-
t r a g a d o p e l a pez? Que procuras? Que o capital que ali-
m e n t a v a s a q u i , ai m o d e s t o q u i c u n q u e , t e r e n d a , com esfor-
ço, ávidos d e u n c e s ( 5 7 ) ? Sê i n d u l g e n t e com o Gênio; a-
proveitemos as doçuras da v i d a ; é n o s s o o que vives;
tornar-te-ãs c i n z a , manes e a s s u n t o de conversas. Vive
lembrando-te sempre da m o r t e . 0 tempo f o g e , o que eu fa
lo j a p e r t e n c e ao passado."
»(,
Vamos'. Que fazes? És atraído p a r a senti,
dos opostos p o r d o i s anzóis. Segues a e s t e ou aquele?
Convém que t e submetas a l t e r n a d a m e n t e aos senhores por
obediência d u p l a e q u e , a l t e r n a d a m e n t e , e r r e s de um pa-
ra outro.
E, quando r e s i s t i r e s uma s5 vez e t e re
cusares a o b e d e c e r â o r d e m i n i m e n t e , não dirás: "Rompi
os laços"; p o i s a c a d e l a q u e , l u t a n d o , a r r a n c a o laço,
quando f o g e , g r a n d e p a r t e da correia ê a r r a s t a d a por
seu pescoço ( 5 8 ) .

- "Davo, d e p r e s s a , ordeno que creias


nisto; p r e t e n d o a b a n d o n a r as dores do passado", d i z Que
restrato ( 5 9 ) , roendo as u n h a s a t e o s a n g u e . "Acaso se-
rei uma desonra a meus p a r e n t e s sóbrios? Acaso destrui-
rei o patrimônio do meu p a i com barulhos s i n i s t r o s e em
frente de uma casa obscena, enquanto, embriagado e com
a, t o c h a a p a g a d a , c a n t o d i a n t e das p o r t a s molhadas de
r
Cr s ide?"

- " M u i t o bem, r a p a z ! Cs sábio; sacrifi-


ca • una o v e l h a aos d e u s e s l i b e r a d o r e s (60)."

- "Mas, Davo, j u l g a s que e l a chorará,


ao s e r a b a n d o n a d a ? "

- "Dizes t o l i c e s , r a p a z , serás casti-


gado p o r uma sandália v e r m e l h a . Não t e q u e i r a s agitar
nem r o e r as m a l h a s e s t r e i t a s , a g o r a que estás furioso
e violento. Mas, se e l a t e c h a m a r , dirás sem demora:
'Que-, f a r e i , então? E a g o r a que e l a me p r o c u r a e a t e
mesmo i m p l o r a , eu nao i r e i ? ' Se saíste de l a i n t e i r o
e i n t a c t o , nem mesmo a g o r a . "

A q u i ; a q u i está o que p r o c u r a m o s e
não na v a r i n h a , que b r a n d e um l i t o r i n s e n s a t o . Tem po-
der' s o b r e s i mesmo o a d u l a d o r a q u e , b o q u i a b e r t o , a r -
r a s t a a b r a n c a Ambição ( 6 1 ) ?

- "Não durmas e o f e r e c e l i b e r a l m e n t e
g r a o - d e - b i c o ao povo que o disputará, p a r a que os v e -
lhos h e l i o f i l o s possam l e m b r a r - s e d o s n o s s o s jogos
florais (62)".

Que há de m a i s b e l o ? Mas, q u a n d o c h e -
gam os d i a s de H e r o d e s e q u a n d o , d i s p o s t a s na j a n e l a
engordurada e ornadas com v i o l e t a , as l a n t e r n a s vomi-
tam uma e s p e s s a névoa, q u a n d o n a d a a c a u d a do a t u m , a
brangendo a t r a v e s s a v e r m e l h a , quando a j a r r a branca
e s t a c h e i a de v i n h o , moves os lábios, c a l a d o , e empa-
lideces d i a n t e dos sábados c i r c u n c i s o s ( 6 3 ) . Vêm, e n -
tão, os n e g r o s lêmures ( 6 4 ) e os p e r i g o s do o v o q u e -
brado ( 6 5 ) ; d e p o i s os g r a n d e s galos (66) e a sacerdo-
tisa vesga com o s i s t r o ( 6 7 ) ameaçam-te com os d e u s e s
que i n f l a m os c o r p o s , se não c o m e r e s , três v e z e s pela
manhã, a cabeça de a l h o q u e f o i p r e s c r i t a .

Se t r a t a r e s destas coisas entre centu


rioes v a r i c o s o s , o enorme Pulfênio, sem d e m o r a , rira
estrondosamente e, q u e r e n d o comprar cem g r e g o s , ofere
c e r a cem a s s e s inconrpletos .
- 1!.).

NOTAS Ä S Ä T I RA V
- L S I . -

01- C f . p. 72-3 deste trabalho.

02- N.io f o i possível t r a d u z i r a imagem c o n t i d a em f a -


bula hianda, v . 3, com que Pérsio p r o c u r a sugerir
a visualização nao so da m a s c a r a trágica, como
lambem do próprio desempenho do ator.

0 3-- A g u e r r a e n t r e r o m a n o s e p a r t a s p a r e c e t e rsido
lema f r e q u e n t e de p e q u e n o s poemetos épicos ou des_
critivos. Horácio r e f e r i u - s e a e l a p o r duas v e z e s
(Od. I I , 1 3 , 17-18: "miles sagittas e t celerem fu_
gam P a r t h i . . . " e Sat. I I , 1 , 15: " . . .aut labentis
aquo describit uulnera Parthi.").

04- '"; s u b s t a n t i v o o f f a s , v . 5, r e f l e t e , sem d u v i d a , o


desprezo de C o r n u t o pela poesia grandiloquente
1
que Pérsio s i m u l a compor nos v e r s o s 1-4.
Segundo F e s t o ( 282 , 13 L i n d s a y **> a p u d Dolç, opus
cit., p. 1 9 3 ) o f f a e r a "absaissum g l o b i forma, ut
manu glomerata puis", ou s e j a , uma espécie de a l -
môndega (!) o u b o l i n h o de farinha.

05- 0 He lia on,montanha da Beócia, e r a c o n s a g r a d o a A-


p o l o e âs musas.
As suas nebulae representam mais uma investida i -
rônica de Pérsio c o n t r a os e s c r i t o r e s que a s p i r a -
vam ao s u b l i m e . Nebula e r a , metaforicamente, em-
p r e g a d o em d i v e r s a s expressões p r o v e r b i a i s , como
se pode 1 e r em P l a u t o (Pseud. 4 6 3 , Capt. 1023,
Cas. 8 4 7 ) e Horácio (A. P. 2 3 0 ) .

06- A expressão "...aut Prognes aut o l l a Thyes_


tae", v . 8, v a z a d a em t e r m o s irônicos, d e s i g n a
perifrasticamente as tragédias c u j o a r g u m e n t o
f o s s e m as d e s v e n t u r a s de T e r e u e Tieste. C f . p".
deste trabalho.
1
07- Segundo o que se pode d e p r e e n d e i do t e x t o , G l i -
cão f o i um péssimo a t o r trágico, que se c o m p r a -
zia com as representações dos b a n q u e t e s de T i e s -
te e Tereu. 0 e s c o l i a s t a de Pérsio a p r e s e n t a uma
descrição p o r m e n o r i z a d a de Glicão: " . . . f u i t s t a -
- 157 -

lura longae, fusci corporislábio infeviori de-


misso, antequam subornaretur , deformis, nescius
iocari, propter quod ewn insulsum Versius dixit.",
i'.pud P e r r e a u , opus c i t . , p. 178.

08- Pin "Tu neque anhelanti. .. / Folie premis uentos",


v. 1 0 - 1 1 , parece haver uma imitação do espirito
dos versos horacianos "At tu conclusas hirquinis
follibus auras / usque laborantis dum ferrum mol-
liat ignis...", Sat. I , 4, 19-20.

0 9- üá, a p a r e n t e m e n t e , contradição e n t r e clauso


murmure, v . 1 1 , tecum graue, v. 12, e c o r n i c a r i s ,
v. 1 2 , que é, a l i a s , um v e r b o c r i a d o p o r Pérsio
p a r a d e s i g n a r o g r a s n a r da c o r n i x .
0 poeta, contudo, fala do murmúrio "cheio de enfa
se que deixam ouvir os poetas trágicos" , q u a n d o
r e c i t a m p a r a s i mesmos o que acabam de c o m p o r .
(Dolç, opus c i t . , p. 19 5 ) .

10- M a n t i v e m o s na tradução a onomatopéia • do latim


scloppus, apenas t r a n s l i t e r a n d o - a para o p o r t u -
guês, j a cjue em n o s s a língua nao e n c o n t r a m o s e x -
pressão e q u i v a l e n t e .
Pérsio p r e t e n d e u v e r b a l i z a r o ruído p r o d u z i d o pe_
ar que s a i da b o c a , quando as b o c h e c h a s sao com-
p r i m i d a s rápida e v i o l e n t a m e n t e .

11- C f . p. 40 d e s t e trabalho.

12- Segundo o e s c o l i a s t a de Pérsio, p a l l e n t i s radere


mores ê uma metáfora c a l c a d a na m e d i c i n a : "ut me-
diei radere dicuntur carnem de uulneribus, dum ad
ui eum perueniant, quo f a c i l i u s curent" , apud
Dolç, opus c i t . , p. 1 9 6 . Assim,- p a r a Pérsio, òs
maus c o s t u m e s , c o n s i d e r a d o s enfermidades da a l m a ,
podem s e r r e c o n h e c i d o s através de s i n t o m a s físi-
t c o s , p e l a l i v i d e z , r e p r e s e n t a d a , neste passo, pe-
l o particípio p a l l e n t i s . Cf. p.74-5deste trabalho.

13- A l u d i n d o i n e s p e r a d a m e n t e â c o m i d a da p l e b e , Pérsio
- 15 8 -

e s t a b e l e c e nítida oposição, já s u g e r i d a p o r uer-


ba togae , v. m , e n t r e os a r g u m e n t o s trágicos e
a p o e s i a que e l e compõe.

14- Com a oração "pagina dare pondus idônea fumo",


v , 2 0 , Pérsio r e f l e t e o espírito do v e r s o de Ho-
rácio em Ep. I , 1 9 , 41-42: " S p i s s i s indigna thea
tris / scripta pudet recitare et nugis addere
pondus." .

15- Pictae teotovia linguae , v . 2 5, ê uma metáfora


s u g e r i d a p e l o hábito de se g o l p e a r e m , com os nós
dos dedos, paredes ou c o l u n a s para verificar-se o
material de que são consfruídas.
Tectoriurn ê o r e v e s t i m e n t o de e s t u q u e , imitando
pedra; pictae linguae alude aos e"n"feites da lín-
gua, ã linguagem figurada.

16- Até os d e z e s s e t e : a n o s , o puer trajava a toga prae-


texta, t o d a b r a n c a , c o m uma faixa de p u r p u r a . Cha
ma-a Pérsio de c u s t o s purpura, v. 30, porque ao
puer, a quem, p o i s , t r a j a v a a toga praetexta, e-
ram vedadas d e t e r m i n a d a s ações, como dirigir-se
ã Suburra, p o r e x e m p l o . A praetexta era substitu
ída p e l a toga uirilis nas f e s t a s chamadas L i b e r a
lia, celebradas a 17 de março.

17- A caracterização de Laribus p e l o epíteto subcin-


tis, v . 3 1 , é e x p l i c a d a p e l a própria iconografia
dos Lares: eram e l e s r e p r e s e n t a d o s com a t o g a l i _
geiramente r e c o l h i d a s sobre o ombro esquerdo,
deixando nu o d i r e i t o , ou com túnica c u r t a . A in
terpretação m a i s plausível r e m e t e - n o s a s e g u n d a
das possibilidades expressas.

18- Na cerimônia com que o f i c i a l m e n t e ingressava na


p u b e r d a d e , o puer, já adolescens, consagrava aos
L a r e s , além d a própria praetexta, também a b u l i a ,
p e q u e n a jõia-amuleto que os pueri levavam presa
ao pescoço; e r a , em g e r a l , f o r m a d a p o r duas pla-
cas côncavas j u s t a p o s t a s , de f o r m a arredondada
- 168 -

e s t a b e l e c e nítida oposição, j a s u g e r i d a p o r uer-


ba togae, v. 1 4 , e n t r e os a r g u m e n t o s trágicos e
a p o e s i a que e l e compõe.

14- Com a oração "pagina dave pondus idônea fumo",


v , 2 0 , Pérsio r e f l e t e o espírito do v e r s o de Ho-
rácio em Ep. I , 1 9 , 41-42: "Spissis indigna thea
tris / scripta pudet recitare et nugis addere
pondus.".

15- Pictae tectoria linguae , v . ?5, ê uma metáfora


s u g e r i d a p e l o hábito de se g o l p e a r e m , com os n o s
dos dedos, paredes ou c o l u n a s pax^a v e r i f i c a r - s e o
material de que sao construídas.
Teatoriurn c o r e v e s t i m e n t o de e s t u q u e , imitando
pedra; pictae linguae alude aos e n f e i t e s da lín-
gua, á linguagem figurada.

16- Até os d e z e s s e t e a n o s , o puer trajava a toga prae-


texta, t o d a b r a n c a , c o m uma faixa de p u r p u r a . Cha
raa-a Pérsio de c u s t o s purpura, v. 30, p o r q u e ao
puer, a quem, p o i s , t r a j a v a a toga praetexta, e-
ram vedadas d e t e r m i n a d a s ações , como dirigir-se
à Suburra, p o r e x e m p l o . A praetexta era substitu
i d a p e l a toga uirilis nas f e s t a s chamadas L i b e r a
lia, celebradas a 17 de março.

17- A caracterização de Laribus p e l o epíteto subcin-


tis, v . 3 1 , é e x p l i c a d a p e l a própria iconografia
dos Lares: eram e l e s r e p r e s e n t a d o s com a t o g a l i
geiramente r e c o l h i d a s sobre o ombro esquerdo,
deixando nu o d i r e i t o , ou com túnica c u r t a . A in
terpretação m a i s plausível r e m e t e - n o s á s e g u n d a
das possibilidades expressas.

18- Ma cerimônia com que o f i c i a l m e n t e ingi^essava na


p u b e r d a d e , o puer, já adolescens, consagrava aos
L a r e s , além d a própria praetexta, também a b u l i a ,
p e q u e n a jóia-amuleto que os pueri levavam presa
ao pescoço; e r a , em g e r a l , f o r m a d a p o r duas pla-
cas côncavas j u s t a p o s t a s , de f o r m a arredondada
ou de um coração; s e u i n t e r i o r e r a oco p a r a que
n e l e se pudessem g u a r d a r filacterios ou f o r m u l a s
magicas.

19- A toga uirilis e designada peia sinedoque candidus


ambo, empregada em c l a r a oposição à toga praetexta
que possuía t a r j a s vermelhas. Na s u a acepção pró-
pria, umbo e r a a protuberância c e n t r a l do e s c u d o ;
empregado m e t a f o r i c a m e n t e , designava o nó que se
i a z i a com as d o b r a s dai t o g a , ã a l t u r a do p e i . t o .

20- Suburra f o i um b a i r r o p o p u l o s o e m a l a f a m a d o , ao
pe do Q u i r i n a l , V i m i n a l e E s q u i l i . n o ; em suas r u a s ,
e n c o n t r a v a m - s e as p r o s t i t u t a s . Os jovens podiam
frequentá-los s o m e n t e ap)õs t e r r e c e b i d o a toga u i -
rilis.

2 1 - Alusão ao símbolo c r i a d o p o r Pitágoras de Sâmio,


de que já se t r a t o u n a n o t a 25 da Sátira III.

2 2- N e s t e p a s s o , coração socrático equivale a coração


estóico. Todo o p e n s a m e n t o de Sócrates v o l t o u - s e
ao esforço p a r a atingir a autonomia, o domínio i n
t.erior, objetivo que também f o i b u s c a d o p e l o s e s -
tóicos; p a r a e s t e s , p o d e - s e d i z e r , Sócrates f o i o
símbolo do homem sábio; e o que t e s t e m u n h a , por e
x e m p l o , Epícteto, Manual, XLVI e L I : "...Lembra-
te de que Sócrates em tudo rejeitou também toda a
ostentação e fausto." "Ê assim que Sócrates che-
gou à per f eição 3 servindo-se de todas as coisas
para o seu progresso, seguindo sempre somente a
razão."

23- C f . p. 73 deste trabalho.

2 4 - C f. p.7 3 des t e t r a b a l h o .

25- Com o v e r s o 50 ( " S n t u r n u m q u e grauem nostro Ioue


frangimus una"), Pérsio r e n d e graças a Júpiter
por conservar a s u a união com C o r n u t o , a despei-
t o de Saturno.
Júpiter é o p a i dos d e u s e s , dos homens e o cria-
d o r da n a t u r e z a ; S a t u r n o , associado a C r o n o s , é,
- 11,1) -

por oposição, o t e m p o , a i d a d e , a que n a d a resis-


te. Pérsio pode e s t a r - s e r e f e r i n d o , também ao a s -
tro S a t u r n o , que e r a p o r t a d o r do mau a g o u r o , con-
f o r m e se pode l e r em Horácio, Od. T I , 1 7 , 22-2H:
"...te louis impio / tutela Saturno refulgens /
eripuit uolucrisque Fati." e em J u v e n a l , V I , 5 6 9 -
570: "Haec tamen ignorant quid sidus triste mine-
tur / Saturni. . . " .

26- Segundo Plínio, H. N. X I I , 2 6 , o rugosum piper,


ou s e j a , a p i m e n t a da índia, e r a m a i s precioso
que o italiano; e r a d e n o m i n a d o rugosum, porque
era d e i x a d o ao s o l p a r a e n r u g a r - s e e a d q u i r i r c o r
escura. Dos p a l l e n t i s grana oumini f a z i a - s e um me
dicamento que, a i n d a s e g u n d o Plínio, H. N. XX,
159, e r a e m p r e g a d o c o n t r a os m a l e s do estômago.
B e b i d o com agua e v i n h o , p r o d u z i a a p a l i d e z ; daí
Pérsio c h a m a - l o pallentis.

2 7- 0 p r i m e i r o hemistíquio do v e r s o 57 ("Hic campo


indulget...") é de i n t e n s a o b s c u r i d a d e ; o nome
campus d e s i g n a não só a planície em g e r a l (cf.
Cães., G. V I I , 7 9 , 3: " . . . e r a t ex oppido despec-
tus in campurn."), mas também a planície cultiva-
da (cf. Vergílio. , Sue. I V , 28: ". . .molli flaues_
cet campus arista."). A primeira interpretação
possível a s s o c i a campus a agricultura; esta asso
ciação, c o n t u d o , não p a r e c e bem f u n d a m e n t a d a : a
posição de Pérsio n e s t e s v e r s o s é l a m e n t o s a ; a a
gricultura é atividade util; l o g o , não p o d e r i a e
le l a m e n t a r - s e p o r alguém e n t r e g a r - s e a e l a .
A s e g u n d a interpretação a s s e n t a - s e no f a t o de que
campus, e m p r e g a d o a b s o l u t a m e n t e , pode d e s i g n a r o
campus Martius ; s a b e - s e que no campo de M a r t e se
f a z i a m os comícios, p a s s a v a m - s e as t r o p a s em r e -
vista, os cônsules p r o c e d i a m ao r e c e n s e a m e n t o , os
generais v i t o r i o s o s aguardavam o t r i u n f o à frente
de s u a t r o p a e se e n t r e g a v a m os r o m a n o s aos j o g o s
ao ar l i v r e ; n e s t e c a s o , campo indulget, v. 57,
- l b l-

1
deve s e i lido como entrega-se ao Campo de Marte,
ou como entrega-se às a t i v i d a d e s do Campo de Mar_
te. P e r r e a u , opus c i t . , p. 1 9 1 , vê, n e s t e v e r s o ,
uma s i m p l e s menção "aos jogos brilhantes e vãos
do Campo de Marte, os combates dos gladiadores,
a corrida a pé ou em c a r r o s , etc.".
y
7. - Segundo Dolç, opus c i t . , p. 707 , Pérsio se s e r v e
dos termos c r a s s o s dies e lucem palustrem, v. 60,
para d i z e r "vida malbaratada no v i c i o " . 0 empre-
go d e s s a s expressões ê e x p l i c a d o p o r Dolç como
sendo uma alusão "à obesidade proverbial dos beó_
cios, devida, segundo se acreditava, ã atmosfera
do seu p a i s pantanoso" , locus cit.

29- 0 v e r s o 6 1 ("Et s i b i iam s e r i uitam ingemuere re_


lictam") sintetiza o p e n s a m e n t o estóico a c e r c a
da punição que p o d e r i a m a c a r r e t a r os p e c a d o s , co
mo já se v i u na n o t a 14 da sátira III.

30- Com o t e r m o n o c t u r n i s chartis, v . 6 2 , Pérsio c o n


trapõe C o r n u t o a t o d o o q u a d r o a n t e r i o r . Ê des-
necessário o b s e r v a r que n o c t u r n i s chartis está
empregado metonlmicamente.
Pérsio p a r e c e t e r i m i t a d o a q u i o espírito do v e r
so "nocturna uersate rnanu. . . ", Horácio, A.P. 2 6 9 .

33- 0 s i n t a g m a fruge Cleanthea, v. 6 4 , c o n s t i t u i uma


metáfora d e s i g n a t i v a dos e n s i n a m e n t o s estóicos mi_
nistrados p o r Cornuto;. C l e a n t o f o i o mais celebre
dos discípulos de Zenão, sendo s e u p r i m e i r o suces .
s o r e m e s t r e de Crisipo.

32- Vale r e g i s t r a r a q u i o epigrama V, L V I I I , de Mar-


cial, que p a r e c e basear-se no p e n s a m e n t o de P e r -
sio :
"Cras te uicturum, eras dicis, Postume, semper:
dic mihi, cras istud, Postume, quando uenit?
Quam longe cras istud! ubi e s t ? aut unde petendum?
nunquid apud Parthos Armeniosque latet?
Iam cras istud habet Priami uel N e s t o r i s aino's.
1
- 16 2 -

Cras istud quanti, dia mihi, possit emi?


Cras uiues? hodie uiuere } Postume, serum est:
ille sapit quisquisj Pooiume, uixit heri."

33- Alusão ao r i t u a l da manumissio per uindiatam.


Senhor e e s c r a v o d i r i g i a m - s e a urn j u i z revestido
do imperium. O u t r o cidadão r e i v i n d i c a v a a liber-
dade p a r a o e s c r a v o , t o c a n d o - l h e a cabeça com a
uindicta, d i z e n d o : huno hominem liberum esse a i o .
0 senhor concordava e o magistrado pronunciava a
f o r m u l a hunc hominem liberum esse uolo; dava-lhe,
d e p o i s , um l i g e i r o s o p r o e o f a z i a d a r uma volta,
a uertigo, s o b r e s i mesmo.
l
3 f- Dama p a r e c e s e r um nome de vale>r genérico que Pér
sio i m p o r t o u de Horácio ("'Tuna Syri Damae aut
Dionysi filius 3 audes...'", Sat. I , «4, 3 8 ) . Segun
do n o t a de V i l l e n e u v e , a p e n s a a e s t e mesmo v e r s o
de Horácio, "os escravos strios eram pouco estima^
dos". Acrescentando-se â lição de V i l l e n e u v e a
situação c o n t e x t u a l em que o nome a p a r e c e em Pér-
s i o , não é i n e x a t o a f i r m a r que Dama d e s i g n a um e£
c r a v o desprezível.

35- f f a t o s a b i d o que os l i b e r t o s tomavam o nome e o


prenome de seus s e n h o r e s , t e n d o como cognomen o
nome de e s c r a v o .
Tiro, e s c r a v o de C i c e r o , p a s s o u a c h a m a r - s e , uma
vez liberto, M. T u l l i u s Tiro.
Com fina ironia, p e l a anteposição de Marcus a Da '
ma, m o s t r a Pérsio que o e s c r a v o jã se h a v i a tor-
nado cidadão r o m a n o .

36- 0 pitéus e a toga branca eram privilégios dos c i -


dadãos ; com a a l f o r r i a o novo q u i r i t e adquiria o
direito de u s a r o píleo, espécie de chapéu, símbo
l o da l i b e r d a d e .

37- Afirmação hiperbólica do homem que se j u l g a mais


livre que B r u t o , p o r q u e havia sido a l f o r r i a d o , em <

b o r a não s a b e n d o o que f o s s e liberdade.


Pérsio t a l v e z se r e f i r a a L. Junius Brutus, p r i -
- 163 -

m e l r o cônsul de Roma, que e l i m i n o u os Tarquínios


e, segundo Dolç, opus c i t . , p . 213, se c o n v e r t e u
em sImb o1o p r o v e r b i a1 de i n de p e ndência.

3 8- Masúrio S a b i n o f o i um célebre j u r i s c o n s u l t o do
tempo de Tibério. F o i a u t o r de o b r a s de D i r e i t o
Civil, nas q u a i s c o m e n t a v a disposições l e g a i s an
tigas e contemporâneas ( c f . R a m o r i n o , opus c i t . ,
p. 7 7", e Dolç, opus c i t . , p . 214).
E x p l i c a - s e o emprego de r u b r i c a p e l o f a t o de se
escreverem em v e r m e l h o os títulos ou as p r i m e i -
ras p a l a v r a s de cada l e i ; a s s i m , p o r sinédoque,
rubrica p a s s o u a d e s i g n a r os t e x t o s ou p a g i n a s
das disposições legais.

39- c f . p. 4 7 d e s t e trabalho.

40- A sambuca e r a uma l i r a semelhante â harpa.


Com e s t a comparação, p r e t e n d e Persico a p r o x i m a r a
a r t e da v i d a â da música; p a r a um bom desempenho
com a sambuca, é p r e c i s o conhecê-la, estudã-la.
Do mesmo modo, p a r a bem v i v e r , o h o m e m - p r e c i s a
-1
estudar, i s t o é, conhecei o estoicismo.

41- Pérsio r e f l e t e , n e s t e p a s s o , o espírito dos v e r -


sos de Horácio em Ep. I I , 1 , 114-116: "Nauim age_
re ignarus nauis timet; habrotonum aegro / non
audet nisi qui d i d i c i t dare; quod medicorum est/
promittunt mediei, tractant fabrilia fabri."

42- Herói da m i t o l o g i a g r e g a , f i l h o de Atamas e de J_


n o , h o n r a d o como d i v i n d a d e m a r i n h a .

43- A oração p e r i s s e frontem de rebus, v . 103-104,


parece espelhar o v e r s o de Horácio "...clament
periisse pudorem" , Ep. I , 2, 80.

44- Séneca, Ep. C X V I I , 1 2 , e s c r e v e u que " s a p i e n t i a


est mens p e r f e c t a , uel ad summum optimumque per-
ductaj a r s enin u i t a e .est." 0 pensamento de Sêne
ca e s c l a r e c e o s e n t i d o de a r s , v . 105: Pérsio em
p r e g o u - o em l u g a r de f i l o s o f i a , s a b e d o r i a .
- 164 -

4 5- A tradução que demos a ti-bi recto uiuere talo ars


dedit, a arte deu-te um v i v e r seguro, não apresen
t a a imagem do o r i g i n a l . Alem de p r o v a r a compara
çao da v i d a a uma representação t e a t r a l , como ja
se v i u na p. d e s t e t r a b a l h o , e também uma imita
çao do v e r s o h o r a c i a n o "securus, eadat an r e c t o
st et fabula talo." - Ep. I I , 1 , 176.
L
- 6 - Da mesma f o r m a que se marcam com p e d r a s brancas
os d i a s f e l i z e s e, com n e g r a s , os i n f e l i z e s , c f .
n o t a 2 da sátira I I , deve o f i l o s o f o assinalar
com a c o r b r a n c a os a t o s que convém e m p r e e n d e r e
com a n e g r a as ações que é necessário evitar.

4 7- Segundo o e s c o l i a s t a , com o v e r s o 1 1 1 ("Inque fi-


xum p o s s i o transeendere nummum") Pérsio a l u d e ao
costume de as crianças c o l a r e m , com chumbo, uma
moeda no chão e o b s e r v a r e m os t r a n s e u n t e s que se
abaixavam p a r a , i n u t i l m e n t e , t e n t a r p e g a - l a , o
que p r o d u z i a h i l a r i d a d e - apud R a m o r i n o , opus
cit., p. 79.
A expressão saliuam Mercurialem, v. 1 1 2 , t e m o c a -
sionado interpretações d i s p a r e s .
Mercúrio, que r e c e b e u os epítetos de Negotiator,
Nundimator, Luari Conseruator, e r a , essencialmen-
t e , o deus do l u c r o , do ganho. P e r r e a u , opus cit.,
p. 199, a f i r m a que "os antigos representavam o ou
ro e as pérolas na boca do deus da eloquência, do
comércio e dos ladrões, Mercúrio. Assim, a saliva
de Mercúrio é o ouro e as pérolas que lhe saem da
boca." Vismara, opus c i t . , p. 38, e Dolç, opus
cit., p. 219, sugerem s e r e s t a uma expressão idio
m a t i c a do campo semântico de " f a z e r vir água â bo_
ca" ou " e s t a r com água na boca".

48- A oração digitum exserere, v . 1 1 9 , e, sem d u v i d a ,


uma construção v a r i a n t e de digitum proferre ou
porrigere q u e , segundo R a m o r i n o , opus c i t . , p. 8 1 ,
e Dolç, opus c i t . , p. 2 2 1 , f o i uma f r a s e u s u a l en
t r e os estóicos p a r a d e s i g n a r uma ação sem valor.
- 165 -

49- A p r i m e i r a p a r t e do v e r s o 122 ("Raec miscere ne_


/as...") consubstancia o dogma estóico, segundo
o q u a l não se f u n d i r s a b e d o r i a e ignorância,
v i r t u d e e vício.

50- B a t i l o , liberto de Mecenas, f o i um c e l e b r e dan-


çarino do tempo de Augusto-, "juntamente com Pila
de gozou da g l o r i a do t e a t r o romano nos tempos
de A u g u s t o ( c f . Séneca, Contr. I I I , 1 0 ; Phaedr.
V, 7, 1 5 y Juvenal, V I , 63.).

51- C r i s p i n o é um nome que não d e s i g n a ninguém em


particular.
0 v e r s o 126 ( " I , puer , et s t r i g i l e s Crispini aã
balnea ãefer") reproduz abruptamente a ordem da
da a um escravo.
A strigilis e r a uma espécie de almofaça de me-
tal ou de c o u r o , com que o a l i p t e s friccionava a
p e l e do seu s e n h o r ; p a r a s u a v i z a r a fricção, as
bordas da s t r i g i l i s eram u n t a d a s com azeite.

52- Os v e r s o s 1.2 8-129 (". . .nec quicquam extrinsicus


intrat, / Quod neruos a g i t e t . . . " ) a l u d e m ao neu_
ropaston, bonecos m o v i d o s p o r meio de fios.

53- 0 fígado, como j a se v i u na n o t a 1 1 da sátira I ,


era considerado a sede das paixões.

54- 0 v e r s o 138 ( " . . . r e g u s t a t u m digito terebrare sa-


linum") foi, segundo Dolç, opus c i t . , p. 225,
calcado s o b r e o provérbio t e r e b r a r e s a l i num que
significaria fazer tolices, coisas sem p r o v e i t o .
Em Pérsio, a construção a d q u i r e configuração e s -
pecial, i r o n i c a m e n t e hiperbólica, com o emprego
de regustatum ( = etiam et etiam gustatum) e pe-
lo uso do s u b s t a n t i v o d i g i t o , j a que os pobres
1
não d e v e r i a m u s a r uma c o l h e r e x c l u s i v a p a r a o
sal. J a se v i u que salinum f o i o símbolo da me-
sa f r u g a l ( c f . I I I , 25).

55- 0 a d j e t i v o s u c c i n c t u s , v . 140, r e t o m a a imagem


sugerida por s u b c i n c t i s Laribus , v. 30, p o i s , du
r a n t e as v i a g e n s , os romanos t r a j a v a m uma toga
- 166 -

mais c u r t a que as u s u a i s .

56- Para os a n t i g o s ( c f . Séneca, Ep. XCIV, 17: " s a i -


licet bilis nigra cuvanda est et i p s a f u v o v i s cau_
sa remouenda." ) , a bílis e r a c o n s i d e r a d a a causa
da l o u c u r a ; d e s t e modo, a oração "cálido sub pec-
tove máscula bilis / Intumuit...", v v . 144-145, é
uma perífrase que r e t o m a a idéia do insane, v.14 3
Vvna c i c u t a e , v. 14 5, c o n s t i t u i uma hipérbole, v a
zada em t e r m o s i irónicos; a urna, m e d i d a de c a p a c i .
dade, e r a p r o p r i a m e n t e meia ânfora, c e r c a de tre-
ze l i t r o s . Segundo Plínio (H. N. XXV, 12: " c i c u -
tae semini et f o l i i s v e f v i g e v a t o v i a u i s ; f i t ex
eo aã vefvigevandum stomachum malagma; f o l i a tumo_
rem omnem doloremque sedant."), das sementes e f o
l h a s . da c i c u t a f a z i a - s e uma poção m e d i c a m e n t o s a u
tilizada p a r a p r o b l e m a s do estômagos e como seda-
tivo p a r a as d o r e s em g e r a l , além de a m e n i z a r as
inflamações biliares.

5 7- 0 quicunx e q u i v a l i a a 5/12 de um t o d o q u a l q u e r ; o
deunx a 11/12. C o n s i d e r a n d o o período "Vt nummi..
quos ... nutvievas...peragunt auidos sudore deun-
ces", v v . 149 e 1 5 0 , vê-se uma referência direta
ã usura.
Para Vismara, opus c i t . , p. 4 0 , o quicunx corres-
p o n d i a a um ganho de c a p i t a l de c e r c a de 4 1 % ; o
deunx praticamente duplicava o c a p i t a l com um lu
cro de c e r c a de 9 1 % . Para R a m o r i n o , opus c i t . , p .
84, e Dolç, opus c i t . , p. 228, o quicunx equiva-
lia a um l u c r o de 5%, e n q u a n t o o deunx a um lucro
de 1 1 % .

58- A imagem e x p r e s s a pelos versos 159-160 ("Nam et


luatata canis nodum a b v i p i t } at tamen illi 3 / Cum
fugit, a collo t v a h i t u v pav.s longa aatenae.") pa-
r e c e t e r s i d o f r e q u e n t e e n t r e os p o e t a s q u e , mes-
mo que r a p i d a m e n t e , t r a t a r a m de p r o b l e m a s morais,
como Horácio (". . .Quqe belua vuptis / oum semel
effugit, vedãit se pvaua catenis?", Sat. I I , 7,
- 167 -

70-71) e Séneca ("...laxam catenam trahit nondum


liber, iam tamen pro l i b e r o . " - de V i t a beata
XVI.).

59- Nos v e r s o s 161-174, Pérsio a p r e s e n t a um exemplo


de .escravidão i n t e r i o r , a tirania da paixão amo-
rosa.
Neste quadro, o jovem senhor Querestrato d i r i g e -
se ao e s c r a v o Davo, m a n i f e s t a n d o - l h e o d e s e j o de
r o m p e r as relações amorosas com Crisis.
0 e s c o l i a s t a de Pérsio a t e s t a que e s t a cena é u -
ma imitação de uma passagem do Eunuahus de Menan
d r o ("Huna looum de Menandri Eunucho traxit, in
quo Dauum seruum Chaerestratus adolescens allo-
quitur, tanquam amore Chrysidis meretrieis dire-
liotus; idemque tamen ea reuocatus, ad i l l a m r e -
dit." - apud P e r r e a u , opus c i t . , p.^208.).

60- Dava-se o epíteto d e p e l l e n t e s a Castor e Pollux,


aos q u a i s se o f e r e c i a um sacrifício, quando se
p r e t e n d i a f u g i r a um g r a n d e m a l .
Os deuses a que Pérsio denomina d e p e l l e n t e s , e-
ram o r d i n a r i a m e n t e invocados sob o nome de auer-
runci.

6 1 - Além de d e s i g n a r a própria Ambição, Ambitio era


o nome dado às negociações a que p r o c e d i a m os
candidatos a cargos e l e t i v o s para solicitar vo-
t o s ; o a j e t i v o aretata i n d i c a claramente essas
negociações já q u e , como se s a b e , os c a n d i d a t o s
usavam na campanha e l e i t o r a l a toga cândida. De-
ve r e g i s t r a r a personificação da Ambitio, que a-
parece em l u g a r do próprio c a n d i d a t o .

62- Nos v e r s o s 177-179 a Cretata Ambitio dirige-se a


um c a n d i d a t o , a c o n s e l h a n d o - o a distribuir legu-
mes ao povo e a e n c a r r e g a r - s e dos j o g o s Florais,
que eram c e l e b r a d o s em h o n r a de F l o r a , de 2 8 de
abril a 3 de m a i o . Neste passo, c o n t u d o , Florá-
lia c o m p o r t a - s e como uma metonímia p o r q u a l q u e r
i - 1G8 -

tipo de espetáculo em que se p e d i a m v o t o s ao p o v o .

63- R a m o r i n o , opus c i t . , p. 8 7 - 8 8 , e Dolç, opus cit.,


p. 234-235 , e n t e n d e m que a expressão Herodis dies,
v. 1 8 0 , m e n c i o n a o genetlíaco de H e r o d e s , solene-
mente c e l e b r a d o p e l o s herodianos.
Provavelmente, porém, o s i n t a g m a Hevodis dies f o i
utilizado p o r Pérsio como uma expressão perifrãstri
ca p a r a as f e s t a s dos j u d e u s , r e o c u t i ta sabbata,
v. 1 8 7 .
Os v e r s o s 180-184 a p r e s e n t a m uma descrição irônica,
a i n d a que c o n c i s a , de a l g u n s aspectos dessas sole-
nidades: Vnata fenestra sugere dupla interpretação:
a j a n e l a poderia e s t a r engordurada por efeito da
pinguis nebula, v . 1 8 1 , ou então, da sua própria
sujeira ( c f . Dolç, l o c u s cit.).
Quanto a " d i s p o s i t a e lucernae / Povtantes ui_
olas", v . 1 8 1 - 1 8 2 , os h e b r e u s c o s t u m a v a m pôr, nos
dias de f e s t a , lâmpadas a c e s a s nas j a n e l a s , enfei-
tando-as com f l o r e s ; e s s a s lâmpadas lançavam uma
pinguem nebulam d e v i d o â fumaça p r o d u z i d a p e l a com
bustão do a z e i t e . Séneca (Ep. XCV, 47: "Quomodo
sint dei colendi s o l e t pvaeoipi. Aaaendere aliquem
luoevnas sabbatis pvohibeamus 3 quoniam nea lumine
dii egent et ne homines quidem dcleatantur fuligi-
ne") já h a v i a c o n d e n a d o t a l c o s t u m e .

64- Os n i g v i lemures , v . 1 8 0 , eram as sombras dos mor-


t o s , que v o l t a v a m â t e r r a p a r a a t o r m e n t a r os seus
descendentes. C o n j u r a v a m - s e seus i n f l u x o s maléfi-
cos mediante a cerimônia d e n o m i n a d a Lemuria.

65- A segunda p a r t e do v e r s o 185 ( " . . . ouoque perie-ula


rupto") a l u d e a uma v a r i a n t e da p i r o m a n c i a .
I n t e r p r e t a n d o a lição do e s c o l i a s t a de Pérsio, P e r
r e a u , opus c i t . , p. 2 1 2 , R a m o r i n o , o p u s c i t . , p.
88, e Dolç, opus c i t . , p. 2 30, afirmam que os sa-
c e r d o t e s , que p r o c e d i a m aos sacrifícios p a r a conju
r a r os p e r i g o s , f a z i a m c o z e r um o v o d i r e t a m e n t e so
b r e o f o g o . 0 p i o r presságio e r a a q u e b r a do o v o ;
1

- 169 -

se o o v o se m a n t i v e s s e inteiro, os sacerdotes,
para poder apresentar o presságio, d e v e r i a m
observar p o r que l a d o ele transpirava.

66- Os grandes Galli eram os c o r i b a n t e s ou s a c e r d o


tes de C i b e l e . R a m o r i n o , opus c i t . , p. 8 8 , e
Dolç, opus c i t . , p. 2 3 0 , e x p l i c a m o epíteto
grandes, a r g u m e n t a n d o q u e , n o r m a l m e n t e , os s a -
cerdotes de C i b e l e eram de e l e v a d a e s t a t u r a ;
eram d e n o m i n a d o s G a l l i em v i r t u d e de Cibele
ser p a r t i c u l a r m e n t e cultuada na F r i g i a , região
do r i o Gallus.

67- A lusaa sacerdos, v . 1 8 6 , a que se r e f e r e Pér-


sio, e, sem d u v i d a , uma s a c e r d o t i s a da d e u s a í
sis, indicada muito c l a r a m e n t e p o r um dos seus
atributos, o sistro.
0 a d j e t i v o lusaa tem levado os c o m e n t a d o r e s de
Pérsio a interpretações d i s t i n t a s : Perreau,
opus c i t . , p. 2 1 2 , e V i s m a r a , opus c i t . , p. 4 2 ,
a p o i a m - s e na lição do e s c o l i a s t a , a t r i b u i n d o a
caracterização lusaa a " n u b i l e s deformes, oum
maritos non inueniant, ad minis teria deorum se
oonferant.".
Dolç, opus c i t . , p. 2 30, a f i r m a que o f a t o de
a sacerdotisa s e r lusaa se deve a um castigo
infligido p e l a deusa, p o i s "acreditava-se que
Isis tirava a vista aos que excitavam o seu en_
fado"; é a e s s e c a s t i g o que p a r e c e J u v e n a l r e -
ferir-se em X I I I , 93: " I s i s et i r a t o feriat
mea lumina sistro" .
1711

S A I I K A V i

TRAHI) C A O
- 171 -

Õ Basso ( 0 1 ) , o i n v e r n o j a t e l e v o u ao
refugio s a b i n o ( 0 2 ) ? Tua l i r a e as suas c o r d a s auste-
ras j a se r e a n i m a m sob o t e u p l e c t r o , o admirável a r -
t i s t a , que p r o l o n g a s com os v e r s o s os s o n s a n t i g o s e os
vigorosos acentos do alaúde l a t i n o e, l o g o apos , agi-
tas os amores j o v e n s , e d i v e r t e s - t e com dedo h o n e s t o , o
notável v e l h o ( 0 3 ) ? A q u e c e - s e p a r a mim o l i t o r a l da L i
g u r i a e i n v e r n a o meu m a r , p o r onde os r o c h e d o s formam
imensa parede e as p r a i a s se r e c o l h e m em m u i t o s vales.
Ê a ocasião, cidadãos, c o n h e c e i o p o r t o de L u n a ! - É o
que ordena o coração de E n i o , d e p o i s que d e i x o u de s o -
nhar s e r da M e o n i a , o Q u i n t o que p r o v e i o do p a v i o pita
gorico ( 0 4 ) . A q u i , e s t o u i s e n t o das preocupações do p o -
vo e do que o i n f e l i z A u s t r o ( 0 5 ) p o s s a p r e p a r a r ao
meu r e b a n h o , sem me i n q u i e t a r de que a t e r r a do vizi-
nho s e j a m a i s fértil que a m i n h a ( 0 6 ) . A i n d a que se en
riqueçam t o d o s os que n a s c e r a m de p a i s ^ i n f e r i o r e s , r e -
cusar-me-ei a, a r q u e a d o p o r i s s o , ser torturado pela
s e n i l i d a d e ou a c e a r com e x c e s s i v a f r u g a l i d a d e (07) e
a t o c a r com o n a r i z o s e l o de uma j a r r a azedada ( 0 8 ) .
Alguém poderá d i s c o r d a r d i s t o . Õ Horóscopo, g e r a s ge
me os de índole o p o s t a : um h a q u e , na solidão do d i a do
seu a n i v e r s a r i o ( 0 9 ) , m a t r e i r o , molhara o legume seco
na salmoura c o m p r a d a de um c o p o , e s p a l h a n d o e l e mesmo,
sobre o p r a t o , a pimenta sagrada; o o u t r o , m e n i n o mag-
nânimo, consome com o d e n t e a i m e n s a f o r t u n a . Eu usu-
fruirei, usufruirei, nem f a u s t o s o , a p o n t o de servir
r o d o v a l h o s aos meus l i b e r t o s , nem hãbil p a r a r e c o n h e - .
cer o g o s t o d e l i c a d o do t o r d o fêmea ( 1 0 ) . V i v e somente
da t u a própria messe e m o i i n t e i r a m e n t e o t e u c e l e i r o ;
ê o r d e m dos d e u s e s . Que temes? E s t e r r o a e o u t r a colhei
ta e s t a em e r v a . Mas o d e v e r chama: soçobrado o seu
n a v i o , a g a r r a - s e um a m i g o n e c e s s i t a d o a o s r o c h e d o s de
Brutio ( 1 1 ) ; s e p u l t o u t o d o s os seus b e n s e os v o t o s
surdos ( 1 2 ) no mar J o n i o e e l e próprio j a z n a p r a i a ,
j u n t a m e n t e com os enormes d e u s e s da p o p a ( 1 3 ) ; o madei-
rame do n a v i o estraçalhado jã se o f e r e c e aos mergu- ,
l h o e s . Quebra a g o r a a l g u m a c o i s a da t e r r a fértil e a j u
da ao n e c e s s i t a d o p a r a que e l e não p e r a m b u l e pintado
- 17 2 -

em um q u a d r o a z u l ( 1 4 ) . 0 h e r d e i r o , porem, n e g l i g e n c i a
rã na c e i a fúnebre ( 1 5 ) ; i r r i t a d o p o r q u e diminuíste a
f o r t u n a , d e p o s i t a r a os t e u s o s s o s i n o d o r o s na u r n a , de
t e r m i n a d o a não s a b e r se as c a n e l e i r a s e x a l a m impercep_
t i v e ] , m e n t e ou se se a d u l t e r a r a m as cássias com c e r e j ei.
ra (16).
- "Diminuirás, então, os bens de quem
está vivo?"

E Bestio (17) insiste com os mestres


gregos:
- "Faz-se a s s i m ; depois que o saber
c h e g o u ã c i d a d e com a p i m e n t a e as tâmaras < >
e s t e n o s s o d e s p r o v i d o de mar, os c e i f e i r o s corromperam
seus m i n g a u s ( 1 8 ) com g o r d u r a espessa."

Quando e s t i v e r e s além d a s c i n z a s , teme


rãs e s t a s c o i s a s ? Mas t u , meu h e r d e i r o , quem q u e r que
s e j a s , o u v e , um pouco m a i s a f a s t a d o da multidão: 6 c a -
ro, p o r v e n t u r a não sabes? F o i e n v i a d o p o r César um l o u
ro, p o r c a u s a da extraordinária d e r r o t a da j u v e n t u d e
germana; fazem-se c a i r dos a l t a r e s as cinzas'já frias,
já as armas estão nos m o n t a n t e s das p o r t a s , já as clâ-
m i d e s dos r e i s , já as p e r u c a s amarelas p a r a os prisio-
n e i r o s ; Cesônia a l u g a os c a r r o s e os r e n o s c o l o s s a i s
(19). Então, p o r e s t e s a l t o s feitos a p r e s e n t o , com h o n
ra, a o s d e u s e s e ao gênio do g e n e r a l cem p a r e s ( 2 0 ) .
Quem impede? Ousai A i de t i , se não f e c h a s os o l h o s !
D i s t r i b u o ao p o p u l a c h o óleo e pão e c a r n e . A c a s o t e o-
pões? D i z e claramente!

- "Não a c e i t o " , d i z e s , "o campo está


estéril."

Está m u i t o p e r t o ; vamos! Se não me f i -


cou nenhuma das t i a s p a t e r n a s , nenhuma das p r i m a s ma-
t e r n a s , se não me r e s t a nenuma b i s n e t a do t i o p a t e r n o ,
se m i n h a t i a m a t e r n a v i v e u estéril e se de m i n h a a v o
nada s o b r e v i v e , v o u a B o v i l a s e â c o l i n a de VÍrbio ( 2 1 )
Está â m i n h a disposição o h e r d e i r o Mânio ( 2 2 ) .
IV.! -

- "Um filho da t e r r a (23)?"

P e r g u n t a - m e q u a l é meu trisavô ( 2 4 ) ;
direi, mas não p r o n t a m e n t e . Acrescenta também um e
m a i s um também; jã é f i l h o da t e r r a e, s e g u n d o o c o s
tume genealógico, e s t e Mânio a p r e s e n t a - s e - m e como i r
mão da m i n h a bisavó m a t e r n a . Em que és o p r i m e i r o ?
Por que me pedes a t o c h a e n q u a n t o eu c o r r o ( 2 5 ) ? Sou
Mercúrio p a r a ti, venho p a r a cá como d e u s , como ele
é p i n t a d o . Recusas? Queres c o n t e n t a r - t e com o que
resta?

- " F a l t a a l g u m a c o i s a ao total."

Diminuí-o p a r a mim; p a r a t i , porém,


é um t o d o ; q u a l q u e r que s e j a . Foge de me p e r g u n t a r o
que o u t r o r a me l e g a r a T a d i o ( 2 6 ) e não d i g a s : "Empre
ga o patrimônio; a c r e s c e n t e - s e o ganho do j u r o ; su-
p r i m a m - s e as d e s p e s a s . Q u a l é o r e s t a n t e ? " R e s t a n t e ?
Agora, u n t a agora mais energicamente, unta, escravo,
as c o u v e s ( 2 7 ) . Ser-me-ã c o z i d a , em d i a de f e s t a , u r
tiga e m e i a cabeça de p o r c o com a o r e l h a perfurada
(28), para que e s t e t e u n e t o ( 2 9 ) , um d i a q u a l q u e r ,
e m p a n t u r r a d o de fígado de g a n s o , e n q u a n t o sua veia
rabujenta saltita de p r a z e r n a v i r i l h a inconstante,
se satisfaça com uma patrícia ( 3 0 ) ? Que me r e s t e a-
penas o e s q u e l e t o , mas que l h e t r e m a p o r c a u s a da
gordura a b a r r i g a de s a c r i f i c a d o r ( 3 1 ) ?

Vende t u a a l m a p e l o lucro; negocia


e, e s p e r t o , a g i t a todas as p a r t e s do mundo p a r a que
não h a j a o u t r o m a i s e f i c a z em a p a l p a r os g o r d o s c a -
padócios no rígido e s t r a d o (32). Duplica a fortuna.

- "Já o f i z ! Já é o t r i p l o ; retor-'
na-me p e l a q u a r t a v e z ; dez v e z e s jã. I n d i c a onde de
vo parar!"

Encontrou-se, ó C r i s i p o , quem ponha


t e r m o ao t e u s o r i t e s ( 3 3 ) ?
- 174 -

NOTAS A" S Ä T I R A
- 17 b -

01- Para Q u i n t i l i a n o , I n s t i t . orat. X, I , 9 6 , Bassus


foi o maior lírico l a t i n o , após Horácio: "At ly-
ricorum idem Horatius fere solus legi dignus.
Nam et -insurgit aliquando et plenus est iucundi-
tatis et g r a t i a e et u a r i i s figuris et u e r b i s f e -
liaissime audax. Si quem a d i i a e r e uelis, is erit
Caesius Bassus quem nuper uidimus, sed eum longe
praeoedunt ingénia uiuentium."

02- Sabe-se que os romanos p o d e r o s o s e a m a n t e s da


tranquilidade preferiam retirar-se de Roma não
só no verão e no o u t o n o , como também em d e z e m b r o ,
para f u g i r à agitação das Saturnales .
Segundo Dolç, opus c i t . , p. 240 , o emprego de fo_
aus "evoca os costumes patriarcais e a simplici-
dade característicos dos sabinos" .

03- Nos v e r s o s 2-6, em que se e n c o n t r a ^ u m largo elo-


gio a Basso, cumpre s a l i e n t a r a animização d a s
cordas da l i r a pelo plectro de B a s s o ; o a d j e t i v o
t e t r i c u s , c a r a c t e r i z a d o r de p e c t i n e , deve aludir
à poesia grave ou melancólica de B a s s o .
D e v e - s e , também, n o t a r o emprego de ludus na a-
cepçao de p o e s i a a m o r o s a , p o i s , como d e c l a r a
Dolç, "ludere era verbo empregado para falar da
poesia amorosa" - o p u s c i t . , p. 242.

04- Cf. p.47-8 deste trabalho.

05- Deve-se v e r nos v e r s o s 11-12 (",..quid praeperet


Auster / Infelix...") uma alusão à p o s s i b i l i d a d e
de o v e n t o a u s t r a l poder difundir peste e n t r e o
rebanho, já que o v e n t o s u l era considerado f u -
n e s t o não só p a r a o r e b a n h o , como também p a r a ás
plantas ( c f . Dolç, opus c i t . , p. 2 4 4 ) .
Estes versos são uma ressonância de Virgílio, G.
I, 462: " . . . q u i d c o g i t e i humidus auster."

06- Mo v e r s o 13 ( " . . . angu lu s Me"), Pérsio reproduz


a expressão de Horácio em Sat. I I , 6, 8 ("...o
si angulus Me").
- 176 -=

07- A oração cenare sine une t o , v. 16, l i t e r a l m e n t e


cear sem gordura, foi, e n t r e os r o m a n o s , um idi-
o t i s m o p e r t e n c e n t e ao campo semântico de comer
com e x c e s s i v a grugalidade, avaramente.
Como expressão antônima, e n c o n t r a - s e no próprio
Pérsio a oração uneta uixisse patella, I V , 17.

08- 0 v e r s o 17 ("Et signum i n uapida naso tetigisse


lagoena") parece refletir Horácio em Ep. II, 2,
134: "Et signo l a e s o non i n s a n i r e lagoena." Am-
bos os v e r s o s d e m o n s t r a m h i p e r b o l i c a m e n t e a e x -
trema avareza dos s e n h o r e s que l a c r a v a m as s u a s
jarras de v i n h o p a r a que os e s c r a v o s não p u d e s -
sem bebê-lo.

09- 0 s i n t a g m a solis natalibus, v. 19, ê imitação


da construção de Virgílio s o l a sub nocte, En.
V I , 28.

10- 0 t o r d o e r a um p e i x e c a r o e m u i t o a p r e c i a d o p e -
l o s glutões, os q u a i s , s e g u n d o o e s c o l i a s t a de
Pérsio, s a b i a m d i s t i n g u i r se o t o r d o e r a '"acina_
rius an c e l a r i u s aut u i u a r i u s masculus...
...an femina", apud Dolç, opus c i t . , p. 240.

11- 0 e s t r e i t o de Mes s a n a , e n t r e a Sicília e Brü-


tio, t o r n o u - s e célebre p e l o s naufrágios que n e -
le ocorriam.

.12- C f . p 51 deste trabalho.

13- Sabe-se que os a n t i g o s e s c u l p i a m o u pintavam,na


popa do n a v i o e no l a d o e s q u e r d o do l e m e , as i -
magens das d i v i n d a d e s que davam nome ao n a v i o .
£ a e s s a s estátuas ou p i n t u r a s , t i d a s como gê-
n i o s t u t e l a r e s , que se r e f e r e Pérsio.
Segundo P e r r e a u , opus c i t . , p. 2 3 5 , p a r e c e t e r
s i d o c o s t u m e a g a r r a r - s e a e s s a s i m a g e n s como a
mais segura forma de salvação n o s naufrágios.

14- C f . p. 64-5 deste trabalho.

15- A cena funeris, v . 3 3 , a que a l u d e Pérsio, é a


- 177 -

que se r e a l i z a v a após a incineração do cadáver;


s e g u n d o a tradição, e r a c o m p o s t a de o v o s , s a l ,
l e g u m e s , g a l i n h a e pão. E r a s e r v i d a aos p a r e n -
tes e a m i g o s do m o r t o .
R a m o r i n o , opus c i t . , p . 9 5 , a d v e r t e que a oena
funeris não d e v e s e r c o n f u n d i d a com o silioer-
nium ou f e r a l i s oena, iguarias postas sobre as
p i r a s p a r a as sombras dos m o r t o s .

16- Após a incineração, dos o s s o s m a i s ou menos cal-


c i n a d o s r e c o l h i a - s e um, g e r a l m e n t e um d e d o , que
i e r a o o b j e t o da inumação p r o p r i a m e n t e dita.
Guardavam-se os o s s o s r e s t a n t e s em uma u r n a f u -
nerária que e r a d e p o s i t a d a na t u r b a o u no colum_
harium.
Irritado d i a n t e do que c o n s i d e r a dilapidação da
fortuna, o herdeiro f e c h a r a os o l h o s âs p o s s i -
veis f r a u d e s dos f o r n e c e d o r e s das p l a n t a s odorí
feras e m p r e g a d a s nas exéquias, jã que e r a o e n -
carregado de t o d a s as d e s p e s a s d e c o r r e n t e s das
cerimônias fúnebres.

17- P o s s i v e l m e n t e i n s p i r a d o no oorveatus Bestius de


Horácio (£'p. I , XV, 3 7 ) , c o n v e r t i d o em censor
proverbial dos pródigos, Pérsio põe em c e n a uma
p e r s o n a g e m que i n v e s t e contra a f i l o l o f i a , con
tra os dootores Graios , v . 38.

18- Cf. p.48 deste trabalho.

19- Nos v e r s o s 43-44 (" . . .misa e s t a Caesare larus/


Insignem ob oladem Germanae púbis..."), Pérsio
emprega laurus por l i t t e r a e laureatae, a carta
ornada com l o u r o que o g e n e r a l v i t o r i o s o reme-'
tia ao Senado, c o m u n i c a n d o - l h e a vitória. Embo-
ra Pérsio não o n o m e i e d i r e t a m e n t e , o Caesar a
que se r e f e r e e, sem dúvida, Calígula, claramen
te i n d i c a d o p e l o nome da e s p o s a , Caesonia, v.
47 .
Todo o p a s s o c o m p r e e n d i d o p e l o s v e r s o s 4 3-4 7, e
- 178 -

uma descrição irônica e e x t r e m a m e n t e c o n c i s a do


triunfo dedicado a Calígula, p o r v o l t a do a n o
4 0 d.C., ude de suas campanhas ridículas
c o n t r a germânicos e britânicos.
Nos v e r s o s 4-4-45 ( " e t a r i s / Frigidus excutitur
cinis"), Pérsio a l u d e aos sacrifícios a que se
procediam p a r a a g r a d e c e r aos d e u s e s as vitorias
c o n q u i s t a d a s . 0 emprego do a d j e t i v o frigidus,
c a r a c t e r i z a d o r de c i n i s , c o n o t a q u e , jã há t e m -
po, não se c e l e b r a v a m tais cerimônias.
Deve-se r e s s a l t a r o t o m e n f a t i c a m e n t e irônico
dos v e r s o s 45-47 ("...ae iam p o s t i b u s arma, /
Iam chlamydas regum, iam l u t e a gausapa captis /
Essedaque ingestesque loaat Caesonia Rhenos."),
em que o p o e t a d e n u n c i a o z e l o de Cesônia na o r
ganização do t r i u n f o , ao a l u g a r os o b j e t o s i n -
dispensáveis ao c o r t e j o , jã q u e , não h a v e n d o v i _
tória, não p o d e r i a e x i s t i r o b o t i m . É nesse sen
tido que se d e v e e n t e n d e r a presença de armas
postibus, v . 4 5 ( a s armas que se punham n a s p o r
t a s do t e m p l o s e das c a s a s dos s o l d a d o s vitori-
o s o s ) , de ohlamydas regum, v . 46 ( a s clâmides
reais, que d e v e r i a m v e s t i r os que r e p r e s e n t a -
r i a m o p a p e l dos m o n a r c a s p r i s i o n e i r o s ) , de lu-
tea gausapa, v . 46 ( p e r u c a s a m a r e l a s p a r a os s u
postos p r i s i o n e i r o s germanos), de esseáa, v . 47
( o s c a r r o s de duas r o d a s , u s a d o s p o r britânicos
e g a u l e s e s ) , e, p o r f i m , de ingentes Rhenos, v.
47 (estátuas o u p i n t u r a s g i g a n t e s c a s do R e n o ) .
Cf. R a m o r i n o , opus c i t . , p. 9 6 - 9 7 , e Dolç, opus
cit., p . 252 .

0 t e x t o de Pérsio t r a z apenas aentum paria, v.


48. C a r t a u l t e Perreau, contudo, tranduziram
"cent paires de g l a d i a t e u r s " ; Perreau justifica
o emprego de "de g l a d i a t e u r s " , argumentando
que "nessa época os combates de c i r c o agradavam
bem mais ao povo que os sacrifícios, e os gladi_
adores eram mais comuns que as hecatombes" (opus
- 179 -

cit., p. 2 4 1 ) , apos t e r l e v a n t a d o a p o s s i b i l i d a d e
de aentum paria poder significar-' dupla hecatombe.
R a m o r i n o , opus c i t . , p . 9 7 , e Dolç, opus c i t . , p .
253, apoiando-se em Horácio, Sat. I I , 3, 85-86
("...gladiatorum dare aentum / damnati populo pa-
ria..."), e n t e n d e m que h a j a a e l i p s e de g l a d i a t o _
rum.

21- B o v i l a s f o i uma p e q u e n a a l d e i a , a c e r c a de o n z e
.milhas de Roma, j u n t o a q u a l se e n c o n t r a v a o o l i -
uus Aricinus, colina famosa na a n t i g u i d a d e , dado
o grande numero de m e n d i g o s que a p r o c u r a v a m ( c f .
Marcial, I I , 1 9 , 3; V i r g . Aen. V I I , 7 6 1 ; J u v e n a l
IV, 1 1 7 ) .

22- Manius, v . 5 6 , e uma p e r s o n a g e m h i s t o r i c a m e n t e


desconhecida. Deve-se, c o n t u d o , supor que, e n t r e
os inúmeros m e n d i g o s e x i s t e n t e s em B o v i l a s , P e r -
sio escolherá um p a r a h e r d e i r o , d e s l i g a d o de t o -
do e q u a l q u e r laço de p a r e n t e s c o .
Houve, c o n t u d o , um provérbio ("Mutti Manii Ari-
aiae") q u e , segundo F e s t o ( 1 2 8 , 15, L i n d s a y ) , su
g e r e que h a v i a m e x i s t i d o m u i t o s r i c o s em B o v i -
las, os q u a i s , t e n d o s o b r e v i n d o a decadência, em
p o b r e c e r a m de t a l modo que se v i r a m o b r i g a d o s a
mendigar - a p u d R a m o r i n o , opus c i t . , p. 9 8 , e
Dolç, opus c i t . , p . 2 55.

2 3- A expressão progénies terrae, v. 56, f o i , sem d u


v i d a c a l c a d a em f i l i u s terrae, sintagma consagra
do p a r a . i n d i c a r os indivíduos de ascendência des_
conhecida o u não m u i t o bem c o n h e c i d a . Cícero
(Att. I , 1 3 , 14: "huic terrae filio néscio oui
aommittere epistulam tantis de rebus non audeo")
serviu-se de f i l i u s terrae para r e f e r i r - s e a um
m e n s a g e i r o que e l e não c o n h e c i a bem. Sérvio, em
uma n o t a ao v e r s o 9 do p r i m e i r o livro das Georgi,
c a s , a f i r m a que "Aahelous terrae filius fuisse
dicitur, ut s o l e t de h i s d i c i quorum per antiqui_
tatem l a t e n t parentes" (apud Dolç, opus c i t . , p .
- 1H0 -

2 5 5 ) ; T e r t u l i a n o , Apologet. 20, expõe a lição de


que "terrae filios uulgus uocat quorum genus in-
certum e s t " (apud. R a m o r i n o , opus c i t . , p. 98, e
Dolç, opus c i t . , p. 255).

24- L i t e r a l m e n t e quartus pater, v. 58, deveria ser


t r a d u z i d o p o r quarto pai. Segundo o c o s t u m e , a
ordem genealógica d i r e t a e r a pater ov mater, auus
proauus, abauus, atauus , tritauus; pela lado pa-
t e r n o , t i n h a - s e patruus, magnus patruus, maior
patruus, maximus patruus; pelo materno, auuncu-
lus s magnus auunoulus, maior auunculus , maximus
auunaulus.

25- No verso 68 da sátira I I I , Pérsio c o m p a r a a v i d a


a uma corrida de b i g a s no estádio ou no circo;
nesta sátira, no verso 61 ("...cur me in decur-
sum tampada poscas?"), pérsio c o m p a r a - a a uma
c o r r i d a em que os atletas passavam uma tocha pa-
ra aqueles que deveriam substituí-los no percur-
so; e s t a c o r r i d a era conhecida como lampadodro-
mia .
N e s t a metáfora, a t r o c a dos archotes significa
a sucessão de gerações, c o n f o r m e se pode l e r em
Lucrécio, I I , 77-78: "Inque breui spatio mutan-
tur saecla animantum / Et, quasi cursores, uitae
u
tampada tradunt. ).

26- Segundo R a m o r i n o , o p u s c i t . , p. 99, e Dolç, o p u s


cit., p. 25 7, o nome Tadius, f r e q u e n t e em inseri
ções, r e p r e s e n t a a l g u m p a r e n t e ou a m i g o , c u j a he
rança h a v i a r e c e b i d o o poeta.

27- Vngere caules é, s e g u n d o Dolç, opus c i t . , p. 2-58,


uma expressão p r o v e r b i a l do campo semântico de
gastar sem poupar despesas; e s s a idéia é enfati-
zada p e l a repetição de nunc, v. 6 8 , e da própria
f o r m a v e r b a l ungue, vv. 68-69 , com o emprego con
comitante do advérbio impensius, v. 68, fato que
v a i c o n f e r i r â passagem i n t e n s a i r o n i a , jã que o
- 181 -

herdeiro do p o e t a se m o s t r a a v e s s o a q u a l q u e r des_
pesa que i m p l i c a s s e a diminuição da s u a herança.

2 8-0 sintagma f i s s a aure, v . 70, s o m e n t e pode s e r en


t e n d i d o se se t i v e r em mente o c o s t u m e de se p e n -
durarem, para a defumação, as cabeças de porcos,
p r e s a s a um g a n c h o p e l a s orelhas ( c f . Ramorino,
opus c i t . , p. 1 0 0 , e Dolç, opus c i t . , p. 2 5 8 ) .

29- deve-se r e s s a l t a r o emprego do p o s s e s s i v o tuus,


v. 7 1 , no l u g a r de meus , que s e r i a e s p e r a d o ; o u
so da f o r m a p r o n o m i n a l da segunda p e s s o a indi.ca,
p o r s i só, que Pérsio está, na r e a l i d a d e , d i r i g i n
d o - s e a s i mesmo.

30- Os v e r s o s 72-7 3 ("Cum morosa uago singultiet i n -


guine, / Fatrioiae inmeiat uuluae?" ) são de inten
sa agressividade.
Primeiramente ha que se e n t e n d e i ' uena por penis
(cf. M a r c i a l V I , 4 9 , 2; X I , 1G, 5; I V , 6 6 , 1 2 ) e
inmeiere por futuere ( c f . Horácio, Sat. II, 7,
5 2 ) ; p o d e - s e , d e s s e modo, c o m p r e e n d e r a oposição
que Pérsio e s t a b e l e c e e n t r e uago inguine, v . 72
(amante v u l g a r ) e p a t r i c i a e uuluae, v . 72 ( a m a n t e
de a l t a linhagem). C f . C a r t e l l e , opus c i t . , p. 2 06

3 1 - Apos a imolação da uiotima ou hóstia, o corpo do


animal e r a a b e r t o e s e p a r a v a m - s e os e x t a , o c o r a -
ção, o fígado, os pulmões, o baço e. os r i n s ; as
carnes, porém, eram distribuídas e n t r e os a s s i s -
t e n t e s . Após o exame dos h a r u s p i c e s , os exta eram
q u e i m a d o s no a l t a r , em h o n r a das d i v i n d a d e s .
No v e r s o 74 ("...ast illi tremat omento popa uen-
t e r ? " ) , d e v e - s e s a l i e n t a r o emprego do substanti-
vo popa em. nítida função de a d j e t i v o , caracteri-
zando uenter. Pérsio jã se h a v i a v a l i d o d e s s e r e -
curso em I , 9 6 , no s i n t a g m a heroas sensus , em que
o s u b s t a n t i v o heroas é m o d i f i c a d o r de sensus.

32- Segundo R a m o r i n o , opus c i t . , p. 1.01, e Dolç, o p u s


cit., 2 6 0 , os e s c r a v o s da Capadócia eram de e s t a -
- iH2 -

tura elevada e robustos, sendo n e g o c i a d o s a alto


preço.
Eram p o s t o s à v e n d a em um e s t r a d o , p a r a que p u -
dessem s e r examinados cuidadosamente p e l o s com-
p r a d o r e s ; é d e s s a f o r m a que se e x p l i c a a p r e s e n -
cio de p l a u s i s s e e oatasta, v. 77.

33- 0 aoeruns, v. 80, c u j a a u t o r i a Pérsio a t r i b u i a


C r i s i p o , é o s o f i s m a denominado s o r i t e s ou o a r -
gumento dos m o n t e s ; c o n s i s t i a em se a f i r m a r que,
se de um monte de t r i g o se t i r a um, não se tira
nada e o monte permanece o mesmo. A s s i m , se um a
um, fossem t i r a d o s t o d o s os grãos, o monte não
deveria diminuir, jã que a soma de t a n t o s "nadas"
somente pode s e r n a d a . C f . Dolç, opus c i t . , p.
261.
1
Pérsio quer d i z e r que, analogamente, o avaro não
encontrara l i m i t e à sua ambição ae riquezas.
Crisipo, filosofo estóico, f o i discípulo de C l e a n
to e d i r i g i u a e s c o l a estóica na s e g u n d a metade
do século I I I a.C.
- 183 -

B I B L I O G R A F I A
- 184 -

I- Obras de r e f e r ê n c i a

ALI, M. S. Acentuação e Versificação Latinas. R i o de


Janeiro, Simões - Ed., 1 9 5 6 .

COMMELIN, P. Nova Mitologia Grega e Romana. Tradução


de Tohomaz L o p e z . São P a u l o , T e c n o p r i n t , 196 5.

ERN0UT, A. e t MEILLET, A. D i c t i o n n a i r e Etymologique


e -*
de la Langue Lattne. 3 édition, r e v u e e t c o r r i -
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e
ERNOUT, A. e t THOMAZ, F. Syntaxe Latine. 2 édition.
P a r i s , K l i n c k s i e c k , 1964.
GR1MAL, P. D i c t i o n n a i r e de la Mythologie Grecque et
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Pequeno Dicionário de L i t e r a t u r a Latina.


São P a u l o , C u l t r i x , 1 9 6 8 .

II- Textos de P é r s i o

PERSE. S a t i r e s . Suivies d'un f r a g m e n t de T u r n u s e t


de l asatire de S u l p i c i a . T r a d u c t i o n nouvelle
p a r A. P e r r e a u . P a r i s , P a n c k o u c k e , 18 32.
PER:-.; J O e GIOVENALE. S a t i r e Scelte. Con i n t r o d u z i o n e
o comment o d a F e l i c e V i s m a r a . M i l a n o , Francesco
Va H a r d i , 190'+.

PESSIO. Le S a t i r e . Seconda e d i z i o n e rifatta. Illus­


t r a t e con note I t a l i a n e da F e l i c e R a m o r i n o . T o r i
no, G i o v a n n i C h i a n t o r e , 1920.

Satires. T e x t e établi e t t r a d u i t p a r A. C a r -
lault. P a r i s , "Les B e l l e s Lettres", 1929.

' Sátiras. Edicion, i n t r o d u c c i o n y comentário


p o r M i g u e l Dolç. B a r c e l o n a , C.S.I.C., 1 9 4 9 .

— Le S a t i r e . Testo; versione e note d i Giovan


ni S t a n o . B o l o g n a , L. C a p e l l i , s . d .

III- Estudos e a r t i g o s sobre Pérsio

BARDON, H. Perse e t la réalité des choses. Latomus.


N . Y. - L o n d o n , X X X I V ( 2 ) , 1 9 7 5 .

A propos de Perse: Surréalisme .ou C o l l a ­


ge. L a t o m u s . N. Y. - L o n d o n , X X X I V O ) , 1 9 7 5 .

HERRMANN, L. L e s Premieres de Perse. Lato­


mus. N.Y. - L o n d o n , X I , 1 9 5 2 .

— Néron et la morte de Perse. Latomus.


N. Y. - L o n d o n , X X I I , 196 3.

NISBET, R. G. M. P e r s i u s . I n : C r i t i c a l Essays on
Roman L i t e r a t u r . L o n d o n , R o u t l e g e d & Kegan Paul,
(1963).

I V - T e x t o s de o u t r o s autores latinos
e gregos.

CÍCERO. Les Devoirs. T e x t e établi e t t r a d u i t p a r


Maurice Testard. Paris, "Les B e l l e s Lettres",
19 74, t . I .
- |HI. ~

CÎGERO. Les Devoirs. Texte établi e t t r a d u i t p a r


Maurice Testard. Paris, "Les B e l l e s Lettres",
J ') 7 0 , t . . 11 .

Les Paradoxes des Stoïciens. Texte éta-


bli et traduit par J. Malager. Paris, "Les Bel_
les L e t t r e s " , 1971.

CA'iJLO. Poésies. T e x t e établi, e t t r a d u i t p a r Geor


ge L a f a y e . P a r i s , "Les B e l l e s L e t t r e s " , 1966.

FEDRO. Fabulae. Con i n t r o d u z i o n e d i A v a n c i n i o A-


vancini. Milano, Antonio V a l l a r d i , s.d.

H0PÄCI0. Odes e t Ëpodes. Texte établi e t t r a d u i t


p a r F. V i l l e n e u v e . Paris, "Les B e l l e s Lettres",
196 7 .

_ Êpitres. T e x t e établi e t t r a d u i t p a r F.
Villeneuve. Paris, "Les B e l l e s L e t t r e s " , 1955.

Satires. T e x t e établi e t t r a d u i t p a r F.
Villeneuve. Paris, "Les B e l l e s L e t t r e s " , 1951.

HOMERO. I l i a d e . T e x t e établi e t t r a d u i t p a r R.
Mazon e t a l i i . Paris, "Les B e l l e s Lettres",
1926 .

JUVENAL. S a t i r e s . T e x t e établi p a r P i e r r e de L a -
briolle et traduit p a r F. V i l l e n e u v e . Paris,
"Les B e l l e s L e t t r e s " , 1974.

LV.i ]• flC ' 0. De la. Nature. I n t r o d u c t i o n e t notes


par H e n r i Clouard. P a r i s , G a r n i e r , s.d., 2 v.

LUffLIO. Satires. F r a g m e n t s r e v u s , augmentés,


traduits e t annotés p a r . E.-F Corpet. Paris,
P a n c k o u c k e , 184 5. ,

Satires. T e x t e établi, t r a d u i t e t anno-


té p a r F. C h a r p i n . P a r i s , "Les B e l l e s Lettres",
• 197 8, t . I .
e
MARCIAL. Epigrammes. 3 édition. T e x t e établi e t
traduit p a r H. J . I z a a c . P a r i s , "Les Belles
Lettres", 1969, t . I .
- 187 -

MARCIAL. Epigramme s. 3 e d i t i o n . T e x t e établi e t t r a


duit p a r H. J . I z a a e . Paris, "Les B e l l e s Lettres",
197 3, t . I I .

MAPCO-AURËLIO. Meditações. Tradução e n o t a s de J a i m e


B r u n a . I n : Os P e n s a d o r e s . São P a u l o , A b r i l Cultu-
ral, 197 3, v . V.

OVÍDIO, llêroides. T e x t e établi pair H e n r i Bornecque


et traduit pai' M a r c e l Prévost. P a r i s, "Les Belles
Lettres", 192 8.

Les Métamorphoses . T e x t e établi e t t r a d u i t


par Georges L a f a y e . P a r i s , "Les B e l l e s Lettres",
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- 191 -

I N D I C E
- 192 -

Considerações gerais 1

I- Introdução 5
Biografia 6
Obras H
A tradição manuscrita 13
Sátira ou satura 16
A i n t e n ç ã o de P é r s i o 17
Argumento das s á t i r a s 19
Sátira I 19
Sátira II 21
Sátira III 23
Sátira IV 24
Sátira V 25
Sátira VI 27

Obscuridade 35
Causas da o b s c u r i d a d e 38
A lTngua 39
N
0 diálogo .. 41
As imagens 43
As t r a n s l a d a ç õ e s 49
As al u s õ e s .. . . 52
A mudança brusca das cenas 52
A imaturidade 53

0 Valor Literário 60
A r e p r e s e n t a ç ã o da v i d a 63
Caricaturas 66
A força dramática do d i a l o g o 68
Originalidade e 1ugares-comuns 70

A métrica 75

Conclusão 83

II- Tradução e notas 88

Sátira I
Tradução 89
Notas 96
Sátira I I

Tradução

Notas

Sátira I I I

Tradução

Notas

Sátira I V

Tradução

Notas

Sátira V

Tradução

Notas

Sátira V I

Tradução

Notas

Bibliografia

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