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ÕLVO BRUNO
PÉRSIO
Monografia de Mestrado
em L a t i m a p r e s e n t a d a ao De_
partamento de L e t r a s C l á s -
s i c a s e V e r n á c u l a s da F . F .
L.C.H. da U n i v e r s i d a d e de
São Paulo.
Orientador
Vfio^. Va.. Ax.Ã.ovaZdo Augu&to P<Ltn.nJLA.ni.
19 8 0
HAROLDO BRUNO
PÉRSIO
M o n o g r a f i a de Mestrado
em L a t i m a p r e s e n t a d a ao De-
partamento de L e t r a s Clássi-
c a s e Vernáculas da F a c u l d a -
de F i l o s o f i a , L e t r a s e Ciên-
c i a s Humanas da U n i v e r s i d a d e
de São P a u l o .
Orientador
P r o f . Dr. A r i o v a l d o Augusto P e t e r l i n i
São Paulo
- 1980 -
AGRADECIMENTOS
Mona Gn.ati.dao.
C O N S I D E R A Ç Õ E S
G E R A I S
- 1 -
Nossa M o n o g r a f i a de M e s t r a d o c o n s i s -
te, fundamentalmente, em uma tradução das sátiras de
Pérsio, a q u a l se f a z acompanhar de uma série de n o -
tas que têm a intenção de e s c l a r e c e r d u v i d a s f r e q u e n
temente suscitadas pelo t e x t o .
P r e c e d e ã tradução um e s t u d o preambu
lar que p r e t e n d e o f e r e c e r subsídios ã l e i t u r a das sá
tiras, com a discussão dos d o i s p r o b l e m a s de Pérsio:
a sua o b s c u r i d a d e e o seu v a l o r literário.
D e n t r e os p o e t a s satíricos latinos,
Lucílio, Horácio e J u v e n a l , Pérsio parece t e r sido
r e l e g a d o a uma posição q u e , a c r e d i t a m o s , não deve me
recer ( 0 1 ) . A preocupação em i n v e s t i g a r os m o t i v o s
d e t e r m i n a n t e s do juízo n e g a t i v o g e n e r a l i z a d o a c e r c a
da o b r a de Pérsio e s t i m u l o u - n o s a o p t a r p o r suas sá-
tiras como tema da p r e s e n t e M o n o g r a f i a .
Embora os p r i m e i r o s c o n t a t o s com o
t e x t o de Pérsio d e n u n c i a s s e m já os elementos condiL
c i o n a n t e s da situação de i n f e r i o r i d a d e das sátiras
de Pérsio em relação as de Horácio e J u v e n a l , o manu
s e i o c o n s t a n t e com o t e x t o do p o e t a de V o l t e r r a foi-
n o s , p a u l a t i n a m e n t e , d e s p e r t a n d o a atenção para as
q u a l i d a d e s que a sua própria o b s c u r i d a d e e n c o b r i a .
Esses a s p e c t o s literariamente positivos induziram-
nos a s u g e r i r , com e s t e t r a b a l h o , uma reavaliação da
o b r a de Pérsio no q u a d r o da p o e s i a satírica de Roma.
Consta a p r i m e i r a p a r t e d e s t e traba-
lho de q u a t r o capítulos .
No p r i m e i r o a p r e s e n t a m o s , sucintamen
te, as informações biográficas de Pérsio; justifica-
se a presença desse b r e v e e s t u d o p e l o f a t o de a l g u n s
p a s s o s das sátiras e s t a r e m d i r e t a m e n t e a s s o c i a d o s a
a acontecimentos da sua v i d a .
Apos t r a t a r m o s r a p i d a m e n t e das p r i -
- 2 -
No t e r c e i r o capítulo, procuramos, p r i _
meiramente, d o c u m e n t a r a opinião de historiógrafos da
Literatura L a t i n a , c o m e n t a d o r e s e críticos da o b r a de
Pérsio a c e r c a da o b s c u r i d a d e das sátiras, p a r a apresen
tar ou d i s c u t i r , sem q u e r e r esgotá-los, os p r i n c i p a i s
m o t i v o s da o b s c u r i d a d e .
No u l t i m o capítulo da p r i m e i r a parte,
buscamos t r a z e r ã discussão o p r o b l e m a do v a l o r 1itera
rio de Pérsio, com a apresentação dos a s p e c t o s em q u e ,
c r e m o s , e l e se m a n i f e s t a .
A segunda p a r t e c o n s t a da tradução c o -
mentada das sátiras.
S e r i a desnecessário t e c e r a q u i c o n -
siderações a r e s p e i t o da d i f i c u l d a d e de a c e s s o a u -
ina b i b l i o g r a f i a ao t r a b a l h o que nos p r o p u s e m o s , f a -
to, a l i a s , que e f r e q u e n t e , quando se p r e t e n d e ela-
b o r a r ura t r a b a l h o , mesmo que de r e l a t i v o fôlego na
área de L e t r a s Clássicas.
I N T R O D U Ç Ã O
- 6 -
B I O G R A F I A
7
Aos s e i s anos de i d a d e , p e r d e u o p a i ,
Flaccus;embora a Vita s i l e n c i e a r e s p e i t o , Dolç ( 0 6 ) e
Ramorino ( 0 7 ) r e g i s t r a m que Pérsio, n e s s a época, f o i i
n i c i a d o nos e s t u d o s p o r sua mae, F u l u i a S i s e n n i a , e
por uma t i a , "damas de uma sociedade impregnada das ve_
covdações do passado" (08), que l h e deram esmerada edu
cação de caráter estóico.
pérsio m o r r e u a 24 de novembro de 6 2 ,
em uma sua p r o p r i e d a d e na V i a Ápia, a o i t o m i l h a s de Ro
ma, v i t i m a d o p o r um m a l de estômago. C o n t r a r i a n d o o t e s
temunho de P r o b o , Herrmann a f i r m a que Pérsio t e r i a sido
e n v e n e n a d o , sem, c o n t u d o , d o c u m e n t a r a afirmação ( 1 7 ) .
0 5- Em a l g u n s códices c i s a d o s p o r J a h n , vêem-se
as f o r m a s Volaterris, Volterris ou V u l t e r r i s .
0 códice l a u r e n t i a n o 37 , 20 , t r a z a f o r m a Vul_
t u v v i s , que ê c o n s i d e r a d a p o r R a m o r i n o , opus
cit., p. V I , um s i m p l e s e r r o de e s c r i t a , em
l u g a r de V u l t e r r i s .
07- Opus c i t . , p. V I . i
09- Opus c i t . , p. 13 .
15- V i t a , V.
16- V i t a , V I .
O B R A S
- 12 -
Dada a f a l t a de informações m a i s p r e -
c i s a s a r e s p e i t o das o b r a s de Pérsio que f o r a m destru
i d a s , nada mais se pode a c r e s c e n t a r .
As sátiras
A tradição manuscrita
Os m a n u s c r i t o s do t e x t o de Pérsio são
m u i t o numerosos. Em sua edição de Pérsio de 184 3, J a h n
a r r o l a v a 6 7 m a n u s c r i t o s ; em 1 9 1 1 , C o n s o l i a p r e s e n t a v a
c e r c a de 140 ( 1 3 ) .
0 mais a n t i g o m a n u s c r i t o de Pérsio,
conservado na B i b l i o t e c a V a t i c a n a , é o códice palimp-
sesto de B o b b i o ( 1 4 ) , h o j e Vaticanus 5750, que contém
apenas um f r a g m e n t o da p r i m e i r a sátira, do v e r s o 53 ao
104 .
- .14 -
No i n i c i o do século V, em 4 0 2 , um c e r -
to riauiub l u l i u s Tryfonianus S a b i n u s , um p r o t e c t o r do_
mesticus, emendou, em B a r c e l o n a , um t e x t o de Pérsio,
sem p o s s u i r uma c o p i a p a r a c o n f r o n t o ( 1 5 ) .
A i n d a no século I X , s u r g i u o códice
Montepessul anus H125, denominado P, ex-Pithoeanus (17),
c o n s e r v a d o na B i b l i o t e c a Médica de M o n t p e l i i e r , o q u a l
foi emendado no século X I , s o f r e n d o , então, o acrêsci-
mo dos c o l i a m b o s , sendo d e s i g n a d o p e l a l e t r a p .
Segundo os t e s t e m u n h o s de C a r t a u l t ( 2 0 )
e de Dolç ( 2 1 ) , as f a l t a s de l e i t u r a de ambos os códi-
ces n o r m a l m e n t e nao são c o i n c i d e n t e s , f a t o que p o s s i b i
lita, pelo cotejamento de um e o u t r o , fáceis retifica-
ções. Quando os e r r o s c o i n c i d e m , provêm do original,
que c o m p o r t a v a c e r t o número de incorreções, embora fo_s
se s u f i c i e n t e m e n t e e x a t o ( 2 2 ) .
- 15 -
Em sua g r a n d e m a i o r i a , os manus-
critos secundários não f o r a m c l a s s i f i c a d o s ou s e q u e r
i n v e n t a r i a d o s . Há, c o n t u d o , um g r u p o de o i t o códi-
ces, geralmente provenientes de monasteriosalemães e
franceses, que p a r e c e m t e r derivação análoga aos có-
dices da recensão sabiniana.
Na B i b l i o t e c a de B e r n a , há o Bng. =
Bongarsianus 257 , que p e r t e n c e u p o r a l g u m tempo a J .
Bongars ( 1 5 5 4 - 1 6 1 2 ) , a que f a l t a m os v e r s o s de I , 96
a I I , 48.
Na B i b l i o t e c a de Trêveris, há o códi
ce Tr. - T r e v i r e n s i s 1089, também do século X, a que
f a l t a m os v e r s o s de I , 7 6 a I I I , 5 8 .
Na B i b l i o t e c a de L e i d e , há o Leiden-
sis 78, do século X ou X I I .
A recensão P i t e a n a , c o n t u d o , p o s s u i tí
t u l o s próprios: I , Thebaidorum P e r s i i Satura; I I , ad ,
Plotium Macrinum de bona mente; I I I , Increpatio desidi_
ae humanae; a I V e a continuação da t e r c e i r a ; V, ad ma
gistrum equitum (!) Cornutum; V I , ad Cestum Bassum ly-
aurium poetam (24).
Sátira ou Satura
Não e i n t e i r a m e n t e s i m p l e s o problema
da designação da p o e s i a satírica não sÕ de Pérsio, c o -
mo também dos o u t r o s p o e t a s satíricos romanos.
A f o r a a questão da o r i g e m do nome ( 2 5 ) ,
acresça-se que os satíricos p a r e c e r a m evitar designar,
com e s t e ou a q u e l e nome, de modo específico, as suas
peças.
Lucílio r e f e r i a - s e â sua o b r a , d e n o m i -
n a n d o - a i n d i s t i n t a m e n t e sermo , ioous ou ludus, como
nos informa Charpin ( 2 6 ) .
Horácio, p o r sua v e z , d e s i g n o u - a s , s e r
v i n d o - s e do s u b s t a n t i v o sermones, como se pode l e r em
Ep. I , I V , 1 ("Albi, nostrum sermonum oandide iudex.")
e em Ep. I I , I I , 59-60 (."carmine tu gaudes, hio delec-
tatur iambis / ille Bioneis sermonibus et s a l e nigro"),
quando d i s c o r r i a a r e s p e i t o da d i v e r s i d a d e dos g o s t o s
literários dos homens. J a no segundo l i v r o das sátiras,
p r i m e i r a m e n t e em I , 1-2 ("Sunt quibus i n satura uidear
nimis aoer et u l t r a / legem tenere opus.") e, d e p o i s ,
em V I , 16-17 {"ergo ubi me i n montis et i n arcem ex ur_
be remoui / quid prius inlustrem saturis musaque pedes_
tri?"), denomina-as satura.
t r a z e m sermones como t i t u l o ( 2 7 ) .
O u t r o p o e t a satírico, J u v e n a l , na p r i
me i r a das suas peças, nomeia-as com o s u b s t a n t i v o fav_
vago ("quidquid agunt homines, uotum, timor, ira, uo~
luptas, / gaudia, discursus, nostri farrago libelli
est." - v v . 85-86 ) .
Baseando-se em Q u i n t i l i a n o , que se
s e r v e de sátira p a r a d e s i g n a r a p o e s i a satírica n l o
só de Lucílio, como também de Horácio e do próprio
Pérsio ( 2 8 ) , pode-se c h e g a r â conclusão de que sátira
e satura f o r a m , , em t e r m o s de gênero literário, '.empre-
gados indistintamente.
A i n t e n ç ã o de P é r s i o
t a de V o l t e r r a é sábio na a r t e de a r r a n h a r os c o s t u
mes que f a z e m e m p a l i d e c e r , t r e s p a s s a n d o o vício com
uma b r i n c a d e i r a d i g n a de homem l i v r e ( 3 2 ) . Mencio-
nam-se, n e s s e s d o i s v e r s o s , os vocábulos mores e
culpam, q u e , a s s o c i a d o s aos v e r s o s 83-84 da p r i m e i -
r a sátira ("Nilne pudet c a p i t i non posse pericula
cano / Pellere'..."), demonstram, de modo inequívo-
c o , a função satírica da o b r a de Pérsio, a sua p r e o
cupação m o r a l i z a n t e .
Argumento das s á t i r a s
Sátira I
A p r i m e i r a das sátiras do l i v r o de
Pérsio contem duas l i n h a s de argumentação, d e s e n v o l
v i d a s p e l o diálogo e n t r e o p o e t a e um desconhecido.
Se, p o r um l a d o , o p o e t a i n v e s t e c o n t r a a p o e s i a da
moda, p o r o u t r o , d e f e n d e o seu d i r e i t o de e s c r e v e r
sátiras, embora s a i b a que terá poucos l e i t o r e s e
que os críticos preferirão a e l e q u a l q u e r p o e t a da
moda.
No v e r s o 63, Pérsio s i m u l a q u e r e r
instruir-se do g o s t o do p u b l i c o . 0 i n t e r l o c u t o r dis_
c o r r e a r e s p e i t o da perfeição métrica e g r a n d i l o -
qüência do e s t i l o , não p e r d e n d o a o p o r t u n i d a d e de
c e n s u r a r Pérsio p o r e s c r e v e r sátiras ( v v . 6 3 - 6 8 ) . 0
p o e t a a r r e m e t e c o n t r a a educação que i m p i n g e ã j u -
v e n t u d e , i n c a p a z das m a i s e l e m e n t a r e s lições da r e -
tórica, exercícios g r e g o s ( v v . 6 9 - 7 5 ) . Tomando a pa
lavra, o interlocutor e s p e z i n h a a p o e s i a de A c i o e
P a c u v i o , p o r considerá-las u l t r a p a s s a d a s ( v v . 75-
78); Pérsio i n c r i m i n a os p a i s de c o r r o m p e r e m os gos_
tos dos f i l h o s , considerando vergonhosa a sua a t i t u
de ( v v . 79-84 ) . Pondo em cena um c e r t o Pêdio,, que
Sátira I I
Pérsio f e l i c i t a a f e t i v a m e n t e o ami-
go p e l a passagem do seu aniversário, lembrando-lhe
a libação ao gênio t u t e l a r ( v v . 1 - 3 ) , louvando-o
p o r não d i r i g i r preces impiedosas aos d e u s e s ( v v .
3-4) .
Após t r a t a r da h i p o c r i s i a , apresenta
d i v e r s o s pequenos q u a d r o s em que i n v e s t e c o n t r a as p r e
ces i n s e n s a t a s , c u j o a t e n d i m e n t o ê impossível: no pri-
meiro quadro a p r e s e n t a - s e uma avo ou t i a m a t e r n a , q u e ,
nas cerimônias do d i e s lustriaus, suplica ã divindade,
p a r a o recém-nascido, v a s t a r i q u e z a , êxitos amorosos e
caminhos de r o s a ( v v . 3 1 - 4 0 ) ; em o u t r a c e n a , alguém pe
de força p a r a os músculos e um c o r p o f i r m e p a r a a v e -
l h i c e , mas e n t r e g a - s e a g r a n d e s p r a t o s e a comidas s u -
culentas ( v v . 4 1 - 4 3 ) ; o u t r o pede que o s e u r e b a n h o au-
m e n t e , s a c r i f i c a n d o as suas n o v i l h a s ( v v .44-46); f i -
n a l m e n t e , no u l t i m o dos q u a d r o s , vê-se alguém l e v a d o ã
miséria p e l o s sacrifícios a que p r o c e d e u (vv. 47-51).
A r g u m e n t a n d o que o homem se d e i x a i n -
f l u e n c i a r pelo ouro ( v v . 5 2 - 5 4 ) , a c u s a - o de p r o j e t a r
t o d a s as suas ambições nas d i v i n d a d e s , c o r r o m p e n d o , a_s
sim, o c u l t o r e l i g i o s o ( v v . 5 5 - 6 7 ) , c o n c l u i n d o que o
o u r o nada r e p r e s e n t a p a r a os deuses ( v v . 68-70 ) .
Sátira I I I
A sátira I I I ê d i r i g i d a c o n t r a os j o -
vens presunçosos e i n s o l e n t e s q u e , t e n d o i n i c i a d o o
e s t u d o do e s t o i c i s m o , n e l e não p e r s i s t e m . Não conquis_
t a n d o i n t e i r a m e n t e a s a b e d o r i a , d e s c u r a m das enfermi.
dades do espírito e do d e s t i n o que a divindade lhes
a s s i n a l o u . A i d e i a d e f e n d i d a p e l o p o e t a n e s t a peça e
a de que se deve s e r c o n s t a n t e no e s t u d o da filosofia.
A sátira é a b e r t a p o r um diálogo: um
comes i n d i g n a - s e p o r e n c o n t r a r na cama, a a l t a s horas
da manhã, o seu p u p i l o , que c u r t e o v i n h o b e b i d o na
n o i t e a n t e r i o r , e acorda-o ( v v . 1 - 9 ) . 0 comes, ou o
p o e t a , d i r i g e - ] h e um sermão, m o s t r a n d o - l h e o d e s l e i x o
nos e s t u d o s ( v v . 1 0 - 1 8 ) . 0 j o v e m preguiçoso responde
evasivamente ã admoestação^ o que l h e v a l e uma adver-
tência i n c i s i v a : deverá m o l d a r o espírito e n q u a n t o e
jovem ( v v . 19-24); prossegue o p o e t a em seu d i s c u r s o
c o n t r a o preguiçoso, a r g u m e n t a n d o a g o r a que e l e se es
conde p o r trás de uma modesta f o r t u n a f a m i l i a r , orgu-
l h a n d o - s e , também, da sua a l t a linhagem toscana ( v v .
2 4 - 2 9 ) ; prevê o p o e t a que esse gênero de v i d a levará
o jovem r e l a p s o ao r e m o r s o ( v v . 30-43).
Em um q u a d r o de g r a n d e vivacidade, o
a u t o r c o n f e s s a q u e , quando criança, se v a l e u ' de arti-
manhas p a r a f u g i r ao e s t u d o , já que suas preocupações
eram o u t r a s ( v v . 4 4 - 5 1 ) ; o p o e t a a f i r m a que o j o v e m
presunçoso já e s u f i c i e n t e m e n t e e x p e r i e n t e p a r a com-
p r e e n d e r o r e a l v a l o r da f i l o s o f i a e para e s t a b e l e c e r
um o b j e t i v o p a r a a sua v i d a ( v v . 52-62).
Mo u l t i m o segmento da peça, o p o e t a
funde enfermidade física e paixão, c o n c l u i n d o e n f a t i
camente que quem f o g e ao e s t u d o da f i l o s o f i a ê verda
deiramente louco ( v v . 107-118).
S á t i r a IV
T e r m i n a d o o diálogo e n t r e Sócrates e
Alcebíades, ao i n i c i a r - s e a segunda p a r t e , a sátira
- 25 -
I n i c i a n d o a conclusão e i n c l u i n d o - s e
no número dos que possuem o vício, o p o e t a s i m u l a c a -
p i t u l a r d i a n t e d e l e ( v v . 4 2 - 4 3 ) ; a s e g u i r , porem, a c u
sando p r o v a v e l m e n t e o ouvinte de q u e r e r e s c o n d e r as
m a z e l a s da alma com v e s t i m e n t a s l u x u o s a s ( v v . 4 3-46),
a c r e s c e n t a que nao pode a c r e d i t a r na s i n c e r i d a d e dos
e l o g i o s , quem t e m a alma c a r r e g a d a de vícios ( v v . 4 6 -
5 0 ) . Como conclusão, a c o n s e l h a que o homem deve r e j e _ i
t a r o que não ê, p a r a p o d e r conhecer-se a s i próprio
(vv. 51-52).
Sátira V
A peça d i v i d e - s e em duas p a r t e s . No i
nício, o p o e t a e n s a i a p e d i r s o l e n e m e n t e p a r a a sua
p o e s i a cem v o z e s , cem b o c a s . e cem línguas ( v v . 1 - 4 ) .
B r u s c a m e n t e Pérsio ê i n t e r r o m p i d o p o r um interlocutor,
C o r n u t o , q u e , l o u v a n d o - l h e as q u a l i d a d e s poéticas, o
aconselha a d e d i c a r - s e apenas as sátiras ( v v . 5 - 1 8 ) .
Apôs a f i r m a r que não a s p i r a a uma p o e s i a inútil, o au
- 26 -
tor d i r i g e um l a r g o e l o g i o a C o r n u t o , d e c l a r a n d o q u e ,
se ousa e x i g i r cem g a r g a n t a s p a r a a sua p o e s i a , e p o r
que deseja demonstrar t o d a a afeição que l h e d i s p e n s a
(vv. 2 1 - 2 9 ) . P r o c e d e n d o a uma r e t r o s p e c t i v a autobio-
gráfica, o p o e t a r e v e l a q u e , desde a adolescência, se
e n t r e g o u ã sua orientação e q u e , sendo os s e n t i m e n -
tos de ambos tão recíprocos, e l e e C o r n u t o se p o d e -
r i a m j u l g a r n a s c i d o s sob um único a s t r o ( v v . 30-51).
Em um t r e c h o de transição, o p o e t a
d i s c o r r e s o b r e os d i f e r e n t e s t i p o s de homens e s o b r e
suas d i f e r e n t e s aspirações, sendo t o d o s igualmente
c o n s u m i d o s p e l a s paixões ( v v . 5 3 - 6 1 ) . Opondo, em um
último r a s g o de e l o g i o , Cornuto ao q u a d r o dos vicio-
sos, convida a t o d o s , j o v e n s e v e l h o s , que se e n t r e -
guem aos e n s i n a m e n t o s de C o r n u t o ( v v .62-65). Conclu-
i n d o a transição, o p o e t a r e t o m a a i d e i a de que não
se deve p o u p a r o tempo nc*%estudo da f i l o s o f i a ( v v .
66-72) .
A segunda p a r t e da peça e i n t e i r a m e n -
te d e d i c a d a ã exposição da t e o r i a a c e r c a da l i b e r d a d e
que, segundo o e s t o i c i s m o , não c o n s i s t e em se f a z e r o
que se q u e r ( v v . 7 3 - 9 0 ) . Não se consegue a v e r d a d e i r a
l i b e r d a d e através do p r e t o r , o q u a l não p o s s u i condi-
ções p a r a dá-la ( v v . 9 1 - 9 5 ) , opondo-se a. razão e a na
t u r e z a a que a s s i m seja ( v v . 96-104); a v e r d a d e i r a l i
berdade e alcançada somente através da f i l o s o f i a ( v v .
104-114) e c o n s i s t e na r e n u n c i a aos s e n h o r e s interio-
res ( v v . 115-131). Para p r o v a r que os p i o r e s tiranos
são os que e s c r a v i z a m o coração, o p o e t a a p r e s e n t a al-
guns q u a d r o s : no p r i m e i r o , põe em cena a A v a r e z a , que
ordena a uma personagem que se enriqueça ( v v . 1 3 2 -
141); no s e g u n d o , c on~t r a s t a n d o com a A v a r e z a , surge a
Luxúria, que p r o c u r a demover a mesma p e r s o n a g e m de en
t r e g a r - s e avidamente ao comércio, m o s t r a n d o - l h e os
percalços p o r que h a v e r i a de p a s s a r , p r o c u r a n d o sedu-
zi-lo p a r a uma v i d a de p r a z e r e s ( v v . 1 4 1 - 1 5 3 ) . Apôs
- 27 -
189-191).
Sátira VI
Na a b e r t u r a da peça, apos p e d i r n o -
tícias do s e u a m i g o , o p o e t a l o u v a - l h e o t a l e n t o
(vv. 1 - 6 ) , passando, d e p o i s , a f a l a r de s i , da v i d a
t r a n q u i l a que g o z a v a , i s e n t o de preocupações, l o n g e
da i n v e j a e da a v a r e z a , no l i t o r a l da Ligúria ( v v .
6-17).
- 28 -
Ao i n i c i a r a segunda p a r t e da sátira,
o poeta demonstra antever o descontentamento do s e u
possível h e r d e i r o q u e , c o n t r a r i a d o p o r v e r a herança
diminuída, procurará r e c u p e r a r o q u e , segundo e l e ,
foi desperdiçado, a m e s q u i n h a n d o - s e nos g a s t o s da c e r i
mônias fúnebres do seu b e n f e i t o r ( v v . 33-36); o poeta
põe em cena um c e r t o B e s t i u s que d e f e n d e a c o n d u t a do
herdeiro, incriminando a f i l o s o f i a de c o r r o m p e r os
c o s t u m e s r o m a n o s ; i n c i s i v a m e n t e c o n c l u i Pérsio e s t e
q u a d r o , a r g u m e n t a n d o que não se pode nada t e m e r , quan
do já se está m o r t o ( v v . 37-41).
B r u s c a m e n t e , o a u t o r c o n v o c a o seu
h e r d e i r o p a r a um d e s a f i o ( v v . 41-42): v a i - s e c e l e b r a r
um t r i u n f o em h o n r a de Cesar e o p o e t a p r e t e n d e parti,
c i p a r das homenagens, p a t r o c i n a n d o uma l u t a de cem
gladiadores ( v v . 43-49), i n s t i g a n d o - o a opor-se ais-
so ( v v . 4 9 - 5 0 ) ; como que p a r a provocá-lo a uma respo£
t a , c o m u n i c a ao h e r d e i r o que distribuirá ao povo o l e o
e pão com c a r n e , p e r g u n t a n d o - l h e se há, p o r p a r t e d e -
le, alguma objeção ( v v . 5 0 - 5 1 ) . D i a n t e dos g a s t o s que
o c o r r e r i a m , o h e r d e i r o r e c u s a a herança ( v v . 5 1 - 5 2 ) .
já que não p o s s u i p a r e n t e s a quem p o s s a d e i x a r os
b e n s , o p o e t a ameaça f a z e r h e r d e i r o a um " f i l h o da
terra q u a l q u e r " ( v v . 53-60 ) . Segundo Pérsio, não é d i .
reito do seu h e r d e i r o e x i g i r que se c o n t e n h a m os g a s -
tos p a r a que nao se d i m i n u a a herança; deve e l e s a t i s _
f a z e r - s e com o que l h e f o r d e i x a d o ( v v . 61-65). 0 h e r
d e i r o c o n t r a - a r g u m e n t a , s u g e r i n d o que o p o e t a aplique
- 29 -
Como conclusão, a c o n s e l h a o p o e t a
que o h e r d e i r o se d e d i q u e ao comércio, se p r e t e n d e
enriquecer-se ( v v . 75-79), f i n a l i z a n d o a sátira com
a idéia de que nunca o homem se s a t i s f a z com o que
tem (v. 80).
- 30 -
20- Opus c i t . , p. 6.
2 1 - Opus c i t . , p. 5 1 .
3 1 - C f . p.46-7. d e s t e trabalho.
A O B S C U R I D A D E
- 36 -
A a c r e d i t a r m o s na afirmação de B a y l e , regi£
trada por Perreau, t e r - s e - i a m São Jerônimo e S a n t o Ambró-
sio i n d i g n a d o com o l i v r o das Sátiras do p o e t a de Volterra
Tê-lo-ia o segundo a r r e m e s s a d o a um c a n t o , b r a d a n d o "Fica
ai, poio não queres ser entendido" ( 0 1 ) ; o p r i m e i r o tê-lo-
ia lançado ao f o g o , b r a d a n d o "Queimemo-lo, para torná-lo
mais claro" ( 0 2 ) . C o n f i r m a n d o a informação de B a y l e , ainda
que alterando-a ligeiramente, Ramorino r e l a t a que "enfada-
do por não entender a Pérsio, Santo Ambrósio atirou fora o
livro das Sátiras, vociferando 'si non u i s i n t e l l i g i , non
debes legi'" e que, p o r semelhante m o t i v o , "São Jerónimo o
botou no fogo para que as chamas iluminassem a escuridão"
(03) .
Ainda que h a j a c o n s e n s o em a p o n t a r a o b s c u -
r i d a d e na o b r a de Pérsio, as considerações a c e r c a das suas
causas são um pouco d i v e r g e n t e s . T r a t a n d o dos "Défauts du
style de Pevse", Perreau desenvolve a t e o r i a de que se de-
ve j u s t i f i c a r ou e x p l i c a r a o b s c u r i d a d e de Pérsio como de-
c o r r e n t e da n e c e s s i d a d e de c a m u f l a r "as verdades perigosas
que devia d i z e r aos poderosos" ( 0 6 ) e, i n t e r p r e t a n d o os
versos 119-21 da p r i m e i r a sátira ("Me muttire nefas? Nec
ciam, nec cum scvobe, nusquam? / Hic tamen infodiam... /..
Hoc ego opertum."), e x p l i c a que o próprio p o e t a "adverte
que f a l a com palavras veladas, com meias palavras, que f o i
obrigado a dissimular seus pensamentos nos seus versos"
( 0 7 ) . Há que se c o n s i d e r a r com m u i t a prudência o raciocí-
n i o de Perreau.
Cumpre, em p j r i m e i r o l u g a r , a t e n t a r p a r a a
situação c o n t e x t u a l em que Pérsio e x t e r i o r i z a , de modo i n -
t e n s a m e n t e irônico, p o r s i n a l , um seu d e s a b a f o ; o que v e r -
dadeiramente pretende o poeta do e s t o i c i s m o do v e r s o 114
ao v e r s o 121 d e s s a mesma sátira, c i t a n d o Lucílio e Horácio
- 37 -
Um g r a n d e r e p r e s e n t a n t e do e s t o i c i s m o roma-
n o , Marco Aurélio, e n s i n o u que "os homens foram feitos uns
para os outros", c o n c l u i n d o que se d e v e , p o r i s s o , ensiná-
l o s ou suportá-los ( 1 7 ) . Pérsio p a r e c e t e r p r e f e r i d o a p r i
m e i r a a l t e r n a t i v a e f o i a s s i m que e s c r e v e u as suas sátiras.
Segundo D ' O n o f r i o , o p o e t a de V o l t e r r a s e n t i u - s e e s t i m u l a -
do a s e r útil ã s o c i e d a d e , "pondo a serviço dela a sua i n -
teligência e entusiasmo" ( 1 8 ) , r e p u t a n d o a sátira o instru
- 38 -
As causas da o b s c u r i d a d e
Como se haverá de e n t e n d e r a o b s c u r i d a d e de
Pérsio?
o b s c u r i d a d e do p o e t a ao seu t e m p e r a m e n t o e as suas a m i z a
des ( 2 8 ) . Para B a r d o n , que c o n c o r d a com a c e n s u r a que se
faz a Pérsio p o r sua o b s c u r i d a d e , j u s t i f i c a n d o - a p e l a v i .
são que nosso p o e t a tem da r e a l i d a d e , dos s e r e s e de sua
complexidade ( 2 9 ) , a c a u s a p r i n c i p a l da sua o b s c u r i d a d e
d e c o r r e da sua concepção de v i d a ( 3 0 ) ; segundo Bardon,
Pérsio não é um e s p e c u l a t i v o i n d i f e r e n t e , "ele participa
da vida da rua; observa; dai, em sua obra, uma agitação
buliçosa..." ( 3 1 ) , a q u a l acarretará nas sátiras uma sen
sacão de r u p t u r a do p l a n o lógico.
A língua ( 3 2 )
B a r d o n r e v e l a que a sensação de r u p t u r a ,
a que a l u d i m o s a c i m a , é também b u s c a d a p o r Pérsio p e l o
emprego do i n f i n i t i v o p e r f e i t o em l u g a r do p r e s e n t e , que
p a r e c e r i a mais o p o r t u n o ( 3 4 ) . Nota-se, de f a t o , nas sãt_i
ras de Pérsio g r a n d e incidência do emprego de infiniti-
v o s , os q u a i s aparecem em c e r c a de 22% dos v e r s o s ( 3 5 ) ,
e, e n t r e essas f o r m a s n o m i n a i s , devem-se c i t a r os infi-
nitivos substantivados (36).
Quanto ao emprego a c e n t u a d o do infiniti-
v o , Bardon d e f e n d e a t e s e de q u e , no tempo de Pérsio,
"com c e r t e z a , no f a l a r corrente, o sistema casual está
para reduzir-se e o infinitivo começa a ganhar muito ierre_
-HO-
Não se p r e t e n d e , nem se p o d e , d i s c o r d a r da
lição de B a r d o n a c e r c a de o i n f i n i t i v o r e s p o n d e r a uma
possível t e n t a t i v a de Pérsio a p r o x i m a r a língua, de que
se s e r v e nas suas sátiras, da língua p o p u l a r , já q u e , c o -
mo a f i r m a P a r a t o r e , p o s s u i e l e uma preferência p e l o sermo
vulgaris ( 4 0 ) ; ê, aliás, o que se lê em V, 1 4 , na imagem
"Verba togae s e q u e r i s . . ." com que C o r n u t o p r e t e n d e c a r a c -
t e r i z a r a língua u t i l i z a d a p o r Pérsio ( 4 1 ) . Não é", c o n t u -
do, e x a t o e x p l i c a r o emprego do i n f i n i t i v o em Pérsio, ape
nas r e l a c i o n a n d o - o com o l a t i m p o p u l a r ; f a z - s e necessário
examinar não so o i n s t r u m e n t o com que o p o e t a concretizou
sua o b r a , como também os e l e m e n t o s culturais condicionan-
tes do seu espírito.
a r r o j a d a m e n t e ao e m p r e g a r i n f i n i t i v o s s u b s t a n t i v a d o s , f u n
d i n d o em uma única p a l a v r a c o n c e i t o e a c o n t e c i m e n t o , como
•ocorre em I , 9 ("... et nostrum istud uiuere triste."),
p a r a c i t a r apenas um dos s e t e casos de substantivação do
infinitivo.
0 diálogo
«*»„
Um dos m o t i v o s que se c o s t u m a a p o n t a r no
e s t u d o da sua o b s c u r i d a d e é a e s t r u t u r a do d i a l o g o de
que se s e r v i u Pérsio ( 4 6 ) . Não se podem, em a l g u n s c a -
s o s , e s t a b e l e c e r os l i m i t e s e x a t o s das f a l a s dos i n t e r l o -
cutores ( 4 7 ) e, f r e q u e n t e m e n t e , i d e n t i f i c a r , na p r i m e i r a
leitura, os p a r t i c i p a n t e s do diálogo, p r i n c i p a l m e n t e quan
do há a intrusão i n e s p e r a d a de um i n t e r l o c u t o r . Podem-se
arrolar vários e x e m p l o s , dos q u a i s , a título de comprova-
ção, apresentamos a l g u n s .
Em I I , 1 7 , Pérsio p a s s a b r u s c a m e n t e a diri
g i r - s e a alguém em p a r t i c u l a r ("Heus age 3 responde..."),
que não pode s e r c l a r a m e n t e i d e n t i f i c a d o ; a quem se diri-
giria Pérsio? A M a c r i n o , a quem é endereçada a sátira?
C e r t a m e n t e que não, já que no v e r s o 5, com o emprego de
at, Pérsio opõe a M a c r i n o os hipócritas q u e , s u t i l m e n t e ,
murmuram suas p r e c e s no t e m p l o . P o d e r i a Pérsio e s t a r diri.
g i n d o - s e ao l e i t o r ? I s s o s e r i a possível, se um p r e t e n s o
interlocutor não tomasse a p a l a v r a p a r a d i z e r apenas "Cui_
nan?" ( I I , 1 9 ) . Nos v e r s o s 56-58 ("'Nam f r a t r e s i n t e r ae-
- 42 -
I n t r o d u z i d o p o r Quaesiueris, o c o r r e em
I V , 25-32, um diálogo e n t r e duas p e r s o n a g e n s ("'Nostin
V e t t i d i praedia?' - 'Cuius?' - Diues arat Curibus quan_
tum non miluus e r r a t . ' / 'Huno a i s , huno disiratis geni_
oque sinistro, / Qui, quandoque iugum pertusa ad compita
figit, / Seriolae ueterem metuens deradere limum / Inge-
mit: 'Hoc bene sit', tunicatum cum s a l e mordens / Caete
et, farratam p u e r i s plaudentibus ollam, / Pannosam fae-
cem morientis sorbet aceti?'"). A d u v i d a desse d i a l o g o
reside i g u a l m e n t e na identificação de seus participantes:
um d e l e s , o que d i s c o r r e sobre a extrema avareza de Vetí
dio, visto o teor c r i t i c o da sua f a l a , poderia ser iden-
tificado como o próprio Pérsio. 0 s e g u n d o , p o r sua v e z ,
a considerarmos o quaesiueris do v e r s o 2 5 , somente h a v e -
ria de s e r uma personagem p r e s e n t e à ação da sátira; i s -
- 43 -
Um i n t e r l o c u t o r , q u e , de i m e d i a t o , não e i -
dentifiçado, toma i n e s p e r a d a m e n t e a p a l a v r a em V, 5, c o n d u
z i n d o - a até o v e r s o 18. No v e r s o 1 9 , Pérsio i n i c i a a r e s -
p o s t a a f a l a do seu i n t e r l o c u t o r , que s e r a c o n h e c i d o somen
t e no v e r s o 23 ("Pars tua sit, Comute, animae, tibi, dul-
eis amiae"), quando Pérsio a e l e se r e f e r e através do v o c a
tivo Comute.
As imagens
A título de e x e m p l o , a r r o l a m o s abaixo as
construções mais signifíaativas.
As transladações
Não r a r a s v e z e s , e n c o n t r a m - s e em Pérsio
transladações de a t r i b u t o s q u e , embora n o r m a i s em lite-
r a t u r a , obrigam o l e i t o r a frequentes r e l e i t u r a s já q u e ,
à primeira vista, sugerem r u p t u r a do p l a n o lógico do e-
n u n c i a d o , f a t o q u e , i n e g a v e l m e n t e , é g e r a d o r de o b s c u r i -
t a r :
dade. D e n t r e e l a s , devem-se «4
m o r r e r i a , de d e s g o s t o certamente, p o r t e r de a d q u i r i r o u -
tro vinho.
As a i u s o e s
N o r m a l m e n t e , quando a l u d e a p e s s o a s , Pér-
s i o fã-lo a pessoas já m o r t a s ou imaginárias, quase sem-
p r e tomadas m e t o n i m i c a m e n t e ; encontram-se, assim, alu-
sões a P o l i d a m a n t e (I, 4 ) , Ácio, I , 5 0 ) , Quíntio ( I , 7 2 ) ,
Ãcio B r i s e u ( I , 7 5 ) , Pacúvio ( I , 7 5 ) , Pedio (I, 8 5 ) , Lu-
po (I, 115),Cratino (I, 1 2 3 ) , Eupõlide ( I , 123), Aristo
fanes ( I , 124),Estaio (II, 2 6 ) , Licínio ( I I , 3 6 ) , Cras-
so ( I I , 3 6 ) , Numa ( I I , 5 8 ) , Messalae propago ( I I , 71),
Nata (III, 3 1 ) , Crátero ( I I I , 6 5 ) , Marso ( I I I , 7 5 ) , Vetí
dio ( I V , 7 5 ) , Glicão ( V , 9 ) , C l e a n t o ( V , 6 4 ) , P u b l i u s
(V, 7 4 ) , B r u t o ( V , 8 5 ) , M a s u r i o (V, 9 0 ) , Bestius ( V I ,
3 7 ) , Calígula ( V I , 4 3 ) , Cesônia ( V I ^ 4 7 ) , T a d i u s ( V I ,
66) e a C r i s i p o (VI, 80).
E n t r e as alusões a c o s t u m e s e f a t o s , as
q u a i s a s i m p l e s l e i t u r a das sátiras não p e r m i t e e s c l a r e -
c e r , pode-se c o n t a r a alusão aos exercícios de retórica
(I, 7 0 - 7 1 ) , ao hábito r e l i g i o s o da purificação nas águas
do l i b r e (II, 1 5 - 1 6 ) , ã superstição do r a i o (II, 24-25),
ao b i d e n t a l (II, 2 7 ) , ao hábito de as moças o f e r e c e r e m
suas bonecas a Vénus, ao c a s a r - s e (II, 7 0 ) , ã c o r r i d a de
b i g a s no estádio ( I I I , 6 8 ) , ã cerimônia dos f u n e r a i s r o -
manos ( I I I , 10 3 - 1 0 6 ) , ãs a t i v i d a d e s no Campo de M a r t e
( V , 5 7 ) , â cerimônia da manurnissão ( V , 7 6 ) e ao f a l s o
t r i u n f o de Calígula ( V I , 4 3 ) .
so ou t o d a a composição p a r a p o d e r i n t e i r a r - s e da sequên-
(.'.i a das i de i a s .
A imaturidade
01- opus c i t . , p. X.
0 2- P e r r e a u , opus c i t . , locus c i t .
10- opus c i t . , p. 55 2.
12- Opus e t l o c u s c i t .
IM • opus c i t . , p. 4 9-50.
18- opus c i t . , p. 49 .
20- opus c i t ., p. 2 3 .
21- opus c i t ., p. 24 .
22- opus c i t ., p. X I I I .
2 3- opus c i t - ., p. XVI .
2 4- opus e i ! ., p. 3 9 .
0 1,- opus c i t ., p. 8 .
26- opus e i l - ., p. X X X I I
2 7 - Bignone, opus c i t . , P •
30- opus c i t . , p. 3 3 1 .
3 2- N e s t e capítulo s o b r e a o b s c u r i d a d e de Pérsio, t r a t a
remos apenas de a l g u n s a s p e c t o s do l a t i m que e l e u -
tiliza, j a que c o n s i d e r a m o s que a o b s c u r i d a d e do po
eta de V o l t e r r a não é p r o v e n i e n t e da língua, mas
s i m da expressão dos p e n s a m e n t o s .
3 3- opus c i t . , p. XXVI.
38- opus c i t . , p. 3 32 .
39- opus e t l o c u s c i t .
40- opus c i t . , p. 59 0.
4 5- E n c o n t r a - s e infinitivo p e r f e i t o em l u g a r do p r e s e n -
te em I , 24, 29, 4 2 , 8 6 , 91 e 1 3 2 ; em I I , 24 e 66;
em I V , 7 e 17; em V, 24, 33, 60 e 1 0 3 ; em V I , 4, 6,
17 e 77.
Em c i n c o desses c a s o s ( I , 29, 86; I I , 24; V, 60 e
103), o infinitivo p e r f e i t o vem empregado p r o p r i a -
mente, i s t o ê, com o r e a l v a l o r de p e r f e c t u m . Em I ,
24, I V , 17 e V, 24, podem-se e n t e n d e r os infiniti-
vos no seu a s p e c t o próprio ou como empregados em l u
g a r do i n f i n i t i v o p r e s e n t e , já que haverá somente
alteração de a s p e c t o v e r b a l que não prejudicará o
s e n t i d o , amalgamando-se, com i s s o , p a s s a d o e p r e s e n
te; embora, n e s s e s v e r s o s , se possam i n d i f e r e n t e m e n
te t e r essas duas nuanças, o emprego do p e r f e i t o
foi, sem dúvida, d i t a d o p o r conveniências métricas:
em I , 24, temos "Quo didi/cf-sse. . ." ; em I V , 17
0 ~ -j j - - — - - u u
" . . . u i / x i s s e p a / t e l l a " ; em V, 24, "Osten/disse iu/
uat..."\ se f o s s e m empregados, n e s s e s v e r s o s , I n f i -
nitivos p r e s e n t e s , t e r - s e - I a m as f o r m a s "Quo disoe-
<J - v c ü — — — — i/ v m J —
49- opus c i t . , p. 1 6 6 .
0 V A L O R L I T E R Á R I O
- 61 -
Pode p a r e c e r problemático d e d i c a r um c a -
pítulo d e s t e t r a b a l h o aos v a l o r e s literários de um p o e t a ,
que se c e l e b r i z o u p o r uma característica que se pode c o n
siderar diametralmente o p o s t a aos méritos: a o b s c u r i d a d e .
I n t e r e s s a - s e p e l o f u t u r o apenas ã m e d i d a
que n e l e vê a t o t a l aniquilação da m o r a l i d a d e , propondo,
então, os caminhos da salvação do homem.
Essa sensação de c o n t e m p o r a n e i d a d e , e s s a
constante focalização do p r e s e n t e , m a n i f e s t a - s e princi-
p a l m e n t e em uma série s i g n i f i c a t i v a de Imprecações, de
caráter genérico, como "0 ouras hominum, o qua.ntum e s t
in rebus inane!", I , 1 , "Aurículas a s i n i q u i s non ha~
bet?" , I , 1 2 1 , "0 curuae in t e r r i s animae et caelestium
inanes.", II, 6 1 , "0 miser inque dies ultra miser...",
III, 15, " D i s c i t e et, o misevi, causas cognoscite r e -
rurn.", III, 66, e "Vt nemo in sese temptat descendere.",
I V , 23.
Salvo r a r a s exceções, é e x a t a m e n t e n e s s a
sensação de r o n t e m p o i o n e i d a d e que se devem p r o c u r a r os
r e a i s v a l e r e s literários de Pérsio, que se m a n i f e s t a m de
diferentes maneiras.
A representação da v i d a
A representação da v i d a , a sensação de
vivacidade, manifesta-se, i n c l u s i v e , na fundamentação de
- 64 -
S e r i a desnecessário e e x a u s t i v o apresen
t a r , neste capítulo, t o d o s os c a s o s d e s s a s c e n a s , que
são riquíssimas de elementos c u l t u r a i s romanos; arrola-
remos, p o r i s s o , os mais significativos.
P a r a e x e m p l i f i c a r d i f e r e n t e s t i p o s de
homens e suas d i f e r e n t e s aspirações, o p o e t a p r o c e d e na
q u i n t a sátira, v v . 54-56, a uma enumeração de v i c i o s o s
("Mercibus hic I t a l i s mutat sub s o l e recenti / Rugosum
piper et p a l l e n t i s grana cumini / Hic s a t u r inriguo ma-
uult turgescere somno, / Hic campo indulget, huno alea
decoquit, ille / in uenerem putris.") em que se há de
n o t a r o emprego enfático do pronome d e m o n s t r a t i v o hic ,
que é substituído p o r i l l e somente quando o vício não
p o d e r i a s e r p r a t i c a d o p u b l i c a m e n t e , e o emprego de f o r -
- 66 -
Na q u i n t a sátira, há o q u a d r o da c e r i
mônia da manumissio per uindictam (" . . .quibus una Qui
ritem / Vertigo f a c i t . E i a dama est non t r e s i s agaso/
Vappa lippus et in t e n u i f a r r a g i n e mendax; / Verterit
huno dominus, momento turbinis e x i t / Marcus Dama..."
- v v . 7 5 - 7 9 ) , em que se r e p e t e m os e l e m e n t o s já a p o n -
t a d o s : o emprego do d e m o n s t r a t i v o hic e as f o r m a s v e r
b a i s no p r e s e n t e .
Cari caturas
O u t r o a s p e c t o que se deve c o n s i d e r a r
em Pérsio é a sua g r a n d e h a b i l i d a d e em c a r i c a t u r a r as
pessoas, s e r v i n d o - s e normalmente de ações que e l a s
p r a t i c a m ; é r a r o e n c o n t r a r nas sátiras descrições de
pessoas. Pérsio p r o c u r a a p o i a r - s e em c o n d u t a s que pos_
sam d e n u n c i a r o mau caráter ou a p e r s o n a l i d a d e m a l
formada dos indivíduos a que se r e f e r e .
Na p r i m e i r a sátira, o p o e t a compraz-
se em a p r e s e n t a r o r e t r a t o p o r m e n o r i z a d o de um decla-
mator, f a t o de que se a p r o v e i t a p a r a pô-lo em ridícu-
l o . A descrição d i v i d e - s e em duas p a r t e s , e n t r e as
q u a i s se i n t e r c a l o u um segmento filosófico a c e r c a da
auto-suficiência. Na p r i m e i r a p a r t e ("Scilicet haec
populo pexusque togaque r e c e n t i / Et n a t a l i c i a tandem
cum sardonyche albus / Sede legens celsa, liquido cum
plasmate guttur / Mobile conlueris, patranti fractus
ocello." - vv. 15-18), o poeta mostra-se mais interes_
sado na apresentação física do amante da p o e s i a da mo
da. Já na segunda ("Hia a l i q u i s , c u i circum úmeros hy_
acinthina laena est, / Rancidulum quiddam balba de na_
- ü7
Na t e r c e i r a sátira, o p o e t a m o s t r a o
e x t r e m a d o d e s l e i x o de um presunçoso e s t u d a n t e de filo-
sofia, através de uma série de p e r g u n t a s irônicas às
q u a i s o preguiçoso não poderá d a r r e s p o s t a ("Tunc que-
rimur, crassus calamo quod pendeat umor; / Nigra set
infusa uanescit sépia lympha: / Dilutas querimur gemi-
net quod fistula guttas." - vv. 12-14).
A i n d a na t e r c e i r a sátira, o c o r r e uma
das p o u c a s c a r i c a t u r a s que não se r e a l i z a p o r ações;
muito causticamente,.nos v e r s o s 37-38, o p o e t a investe
c o n t r a os s o l d a d o s , m a i s p a r t i c u l a r m e n t e c o n t r a um c e n
turião ("Hic a l i q u i s de gente h i r c o s a centurionum / Di_
cat..."). Se bem que não se p o s s a a f i r m a r categorica-
mente q u a l s e j a o m o t i v o , é c e r t o que Pérsio n u t r i u r e
lativa animosidade c o n t r a os m i l i t a r e s ; n e s s e p a s s o , o
centurião toma a p a l a v r a p a r a d e m o n s t r a r a sua i n d i s p o
sição com a f i l o s o f i a e filósofos. Sendo o p o e t a um i n
I.fl
c a n r . u v e l d i v u l g a d o r do e s t o i c i s m o , ê lógico que p r o c u -
rasse defender a f i l o s o f i a , a c o m e t e n d o os centuriões .
Nos i.res últimos v e r s o s da q u i n t a sátira, Pérsio reto-
ma a c a r g a c o n t r a os s o l d a d o s ("Dixeris haec inter ua~
riaosoa oenturiones: / Continuo crassum ridet Pulfeni-
us ingens / Et oentum Graeoos curto centusse licetur.")
r e f e r i n d o - s e a e l e s p o r m e i o de uma característica fí-
sica, u a r i c o s o s ; Pérsio, c o n t u d o , não está, n e s s e pas-
so, preocupado em caracterizá-los f i s i c a m e n t e , mas em
p r o p o r um r e t r a t o m o r a l dos s o l d a d o s . A p r e s e n t a n d o as
ações do centurião, o p o e t a p r o c u r a d e m o n s t r a r a aver-
são do m i l i t a r â t e o r i a estóica a c e r c a da liberdade;
P u l f e n i u s d e l a zombará e arrematará cem g r e g o s , vale
dizer, cem filósofos, p r e t e n d e n d o , com i s s o , afirmar
que a única e v e r d a d e i r a l i b e r d a d e e a civil.
A força d r a m á t i c a do d i a l o g o
Embora t e n h a m o s a r r o l a d o a e s t r u t u r a -
ção do diálogo como um dos f a t o r e s da o b s c u r i d a d e em
Pérsio, s e r i a i n j u s t o não r e c o n h e c e r , n e s t e capítulo,
- b9 -
A s e g u n d a passagem l o c a l i z a - s e na q u i n
ta sátira, a peça em que Pérsio p a r e c e t e r - s e m a i s em
p e n h a d o : as v o z e s da A v a r e z a e da Luxúria, que t e n t a m
s e d u z i r aos seus c a p r i c h o s o l i b e r t o Dama ( 0 9 ) . Cada
uma das f a l a s p o s s u i características próprias, p r o c u -
rando-se a d e q u a r as p e c u l i a r i d a d e s das paixões p e r s o n i
ficadas.
- 70 -
A s s i m , a da A v a r e z a apresenta-se carre-
gada de i m p e r a t i v o s : surge , que a p a r e c e três v e z e s , v v .
13 2 e 1 3 3 , aduehe, v . 13 4, t o l l e , v. 136, u e r t e e iura,
v . li 37 , a l e m de uma i m p e t u o s a enumeração de mercadorias
com que o l i b e r t o p o d e r i a n e g o c i a r , v v . 1 3 4 - 1 3 5 .
A f a l a da L u x u r i a j a e c o m e d i d a ; e l a
não i u s t a t como a A v a r e z a , apenas mone.l, procurando de-
movi r- o manumisso das l o n g a s v i a g e n s marítimas com que
buscitvi e n r i q u e c e r , as q u a i s l h e serão m o t i v o s de mui-
tas atribulações, s o f r i m e n t o s e d e s c o n f o r t o s , se se r e -
1
s o l v e r a seguir os i n c i t a m e n t o s da A v a r e z a . A fala da
L u x u r i a é, na r e a l i d a d e , insidiosa ("oarpamus duloia" ,
"indulge gênio", "fugit hora"), constituindo-se, desta
f o r m a , em c l a r a oposição à e n e r g i a da f a l a da Avareza.
Originalidade e 1ugares-comuns
No v e r s o 47 da q u a r t a sátira, e n c o n t r a -
se uma imagem, "Si f a o i s i n penem quidquid. tibi uenit" ,
que, nao o b s t a n t e c a l c a d a na expressão p r o v e r b i a l "in
- 71 -
Poder-se-iam a r r o l a r , a i n d a , o u t r o s pas_
sos não menos f e l i z e s , tais como I V , 52 ("Tecum habita:
noris quam sit tibi curta supellex."), onde o p o e t a com
para a sabedoria ã mobília da a l m a , o u V, 159-160 ("Nam
et luctata canis nodum abripit, at tamen illi 3 / Cum f u
git, a collo t r a h i t u r paro longa catenae.") em q u e , p a -
ra demonstrai' a d i f i c u l d a d e em l i b e r t a r - s e das paixões,
c o m p u r a - a s a uma pare longa catenae, que é a r r a s t a d a
7
p o r uma c a d e l a em f u g a .
Q u a n t o âs i m a g e n s i m p o r t a d a s de o u t r o s
p o e u : s , não se pode n e g a r a grande influência de Horá-
cio s o b r e Pérsio-, a presença d a q u e l e ê tão i n t e n s a nes_
te que Dolç c h e g a a v e r nas sátiras do p o e t a de Volter
ra "um mosaico de reminiscência de Horácio" (10); ja
em I s 5 0 , Casaubon f a z a s u a edição das sátiras de Pér-
sio icompanhar-se de um apêndice i n t i t u l a d o Persiana
Horalii i m i t a t i o , em que r e s u m i a , c o n f o r m e se lê em
Dole, "todas as derivações horacianas em Pérsio" (11).
Nos d o i s p r i m e i r o s v e r s o s da q u i n t a sã
tira ("Vatibus h i c mos e s t , centum sibi poscere uoces,
/ Centum ora e t línguas optare in carmina centum."),
Pérsio emprega uma imagem v e r g i l i a n a ("Non, mihi si
linguae centum sint orque centum, / férrea uox, omnis
8celerum comprendere formas, / omnia poenarum percurre
re passim." - Aen. V I , 6 2 5 - 6 2 7 ; "Non, mihi si linguae
centum sint, oraque centum / férrea uox." - Georg. I I ,
43-UU) , que h a v i a s i d o c a l c a d a em Homero, I I . I I , 4 8 9 ,
o q u a l p e d i a dez b o c a s e dez línguas. 0 p o e t a de V o l -
terra não f o i o único a d e i x a r - s e i m p r e s s i o n a r p e l a i -
magem de Vergílio; Ovídio, Met. VIII, 532 ("Non, mihi
si centum deus ora sonantia Unguis") e SÍlio Itálico,
Pun. I V , 526 ( " c e n t e n a s q u e pater det Phoebus fundere
uoc ") i m i t a r a m - n a também. D e v e - s e , c o n t u d o , regis-
t r a i ' que o próprio Pérsio c o n f e s s a estai- u t i l i z a n d o um
clichê ("Vatibus h i c mos e s t . . . " - V, 1 ) , j u s t i f i c a n -
do, inclusive, o seu emprego ("His ego centenas ausim
deposcere fauces, / Vt quantum mihi te sinuoso in pec-
tore fixi, / Voce traham pura totumque hoc uerba resig_
nent, / Quod latct arcana non e n a r r a b i l e fibra." - V,
26-. ')) .
Q u a n t o ãs imagens p e r t e n c e n t e s à retó-
rica filosófica, convêm d e s t a c a r p r i m e i r a m e n t e aquelas
em que o homem, c u j a p e r s o n a l i d,ide "se e n c o n t r a ainda
em formação, ê c o m p a r a d o ao b a r r o , que. d e v e r a s e r mol-
dado p e l o o l e i r o ; ê o que o c o r r e , p o r e x e m p l o , em III,
23-24 ( " Vdum e t rnolle luturn es, nunc nunc properandus
et acri / Fingendus sine fine rota."); Pérsio retomara
e s s a imagem na q u i n t a sátira, em um p a s s o em que d e -
monstra a g r a n d e influência de C o r n u t o em s u a formação
moral ("Tunc fallere sollers / Adposita intortos regu-
la mores / E t premitur ratione animus uincique laborat
/ Artificemque tuo d u c i t sub p o l l i c e uultum." - vv.37-
4 0 ) . Embora c a l c a d a sobre um l u g a r - c o m u m , ê inegável
que a Imagem r e p r e s e n t a uma recriação artística em que
o poeta se h o u v e com g r a n d e f e l i c i d a d e ; desta feita,
Pérsio não se r e f e r e propriamente ao b a r r o que o olei-
r o deve t r a b a l h a r , mas s i m ã o b r a que já f o i m o l d a d a .
na -.lo PÓrt i co c o m p a r a r a s a b e d o r i a a a r d e do a t o r ou
à >:<". dançarino, v i s t o que o f i m d e s s a s a r t e s se e n c o n -
tra nelas próprias, da mesma f o r m a que a s a b e d o r i a e s -
tá v o l t a d a p a r a e l a mesma ( 1 2 ) . l i Pérsio não f o g e a es
sa preferência; em V, 104-105 ( " T i b i r e c t o uiuere ta
lo / Ars d e d i i . . . " ) , com o emprego do s i n t a g m a recto
talo, modi f i c a d o r de uiuere, t e m - s e , de modo conciso,
a • •:;.|>uracao d.j v i d a a a r t e do teatro.
O u t r a imagem, l u g a r - c o m u m da retórica
filosófica, c o n s i s t i a na comparação da v i d a a d o i s c a -
m i n h o s , o do bem e o do m a l , p o r um d o s q u a i s devera
o p t a r ' o homem. K n t r e outros e s c r i t o r e s que, d i r e t a ou
indiretamente trataram de temas filosóficos, Cícero
serviu-se também d e s s a imagem ( 1 3 ) ; Pérsio utilizou-a
por duas v e z e s : p r i m e i r a m e n t e na sátira I I I ( " f f * tibi,
quaa Camios diduxit litera ramos / Surgentem dextro
mo nt ra u i t l imi t e ca l tem." - v v . 5 0 -57) , a l u d i n d o ao
upr. i Ion g r e g o de Pitágoras de 'òainio, como se poderá
ver n.i n o t a 2 5 d.t sãt i r a L I I ; já na q u i n t a sátira, o
p o e t a r e t o m a e s s a mesma imagem, s i m p l e s m e n t e sugerin-
do-u (." Cumque iter ambiguum e s t et u i t a e n e s c i u s e r -
ror / Deducit t r e p i d a s ramosa in compita mentes." -
vv. 34-35).
A comparação c o r p o / a l m a a d q u i r e espe
cia! ênfase nos v e r s o s f i n a i s da t e r c e i r a sátira, on
de, inequivocamente, Pérsio e s t a b e l e c e e s t r e i t a rela
ção e n t r e um e o u t r o , de modo a t o r n a - l o s indissolú-
veis ( 1 4 ) . De modo não menos enfático, porém m a i s i n
c i s i . v o , Pérsio a d v e r t e que cumpre o p o r - s e ã doença
a n t e s que e l a tome c o n t a do c o r p o , já q u e , d e p o i s ,
será d e m a s i a d a m e n t e t a r d e ("Elleborum frustra, cum
iam c u t i s aegra tumebit, / Poscentis uideas; uenien-
ti ocurrite morto / E t quid op^Ccs Crátero magnos pro-
mittere montis?" - I I I , 62-65), pretendendo dizer
que se deve c u i d a r da a l m a , e n q u a n t o há t e m p o .
A métrica
N e s t e capítulo a c e r c a dos v a l o r e s l i -
terários da Pérsio, não se pode s i l e n c i a r s o b r e os as
p e c t o s métricos da sua. p o e s i a satírica. P a r a t r a t a r -
mos d e l e s , f a z - s e necessário um b r e v e histórico do
v e r s o da p o e s i a satírica.
A preferência de Lucílio p e l o v e r s o he
xâmetro, que e o v e r s o de p e l o menos 22 dos s e u s 30 l i
vros, e interpretada por Charpin como s e n d o uma t e n t a -
tiva de o p o e t a c o n f e r i r âs sátiras a mesma nobreza
dos versos das d e s v e n t u r a s de U l i s s e s e da g r a n d e poe-
sia (20).
Horácio, Pérsio e J u v e n a l , os s u c e s s o -
res de Lucílio, m a n t i v e r a m - s e fiéis â preferência do
poeta de A u r u n c a , t o r n a n d o , a s s i m , o hexâmetro o v e r s o
oficial da sátira. E ê n e s t a p e r s p e c t i v a que se deve
e x a m i n a r a versificação em Pérsio; se e l e se s e r v i u do
h e x a m e t r o , f o i p o r q u e h a v i a uma tradição a s e r s e g u i d a
â q u a l não p o d e r i a f u g i r . 0 h e x a m e t r o em Pérsio não
foi opção, f o i uma convenção a que se d e v e r i a s u b m e t e r .
Embora, em s u a g e n e r a l i d a d e , o hexame-
tro de Pérsio não deva s o f r e r restrições, há a l g u m a s
COTi:; i > 11 • í '< i ç o e :; qiii/ 11. t c > :;e podem e v il.it'.
Em o u t r o s v e r s o s , Pérsio v a i - s e servir
de Licenças poéticas, prosôdicas, p a r a que s e j a possí-
vel o f e c h a m e n t o do p ê ; e s s e r e c u r s o ocorre em I I , 55
- - - ,J o - _ _ _ u i y — -
Antes de e n c e r r a r m o s e s t e capítulo a-
ce: : do v a l o r literário das sátiras de Pérsio, f a z -
se necessário T r a t a r , m a i s uma v e z , das suas imagens
a r r o j a d a s que, conforme já se v i u , p a r a a l g u n s histo-
riógrafos da l i t e r a t u r a latina, ciáticos e c o m e n t a d o -
res da o b r a do p o e t a de V o l t e r r a são c a u s a de o b s c u r i
d a d e , empecendo, p o r t a n t o , as suas q u a l i d a d e s literá-
rias .
Se acrescentássemos ao p r o b l e m a da
o b s c u r i d a d e a sua o r i g i n a l i d a d e relativa e os l u g a r e s
comuns de que se s e r v e , r e s t a r i a bem p o u c o do v a l o r
literário de Pérsio; c u m p r e , p o r e m , p r o c e d e r a a l g u -
mas considerações q u e , embora nao v i s e m a a t r i b u i r ao
poeta a l g o que não s e j a s e u , p e l o menos poderão fa-
zeis- l h e justiça.
Q u a n t o â tão c e n s u r a d a o b s c u r i d a d e de
Pérsio, j u l g a m o s lícito a c r e d i t a r que e l a não t e n h a e
x i s t i d o p a r a os seus coetâneos; a s s i m não f o s s e , suas
sátiras não p o s s u i r i a m condições de alcançar o suces-
so que o b t i v e r a m . I n s i s t i r na e x c e s s i v a o b s c u r i d a d e
das sátiras s e r i a , parece-nos, e x e r c e r um i n d e v i d o pa
t r n i h a m e n t o sobre o poder e liberdade criadores do po
et a .
Em s e u Traité de u t y l i s t i q u e Latine
(2s), M a r o u z e a u c o n s i d e r a que a correspondência entre
- VI -
0 m o t i v o p e l o q u a l se têm e s s a s cons-
truções como o b s c u r e c e d o r a s das sátiras r e s i d e no fato
de que o l e i t o r nem sempre está c a p a c i t a d o p a r a compre
ender as a p a r e n t e s r u p t u r a s que se e s t a b e l e c e m entre o
p l a n o do e n u n c i a d o e o p l a n o lógico", e n t r e a q u i l o que
se t e m e a q u i l o que s e r i a esperado.
Se a l g u m excesso ou i m p r o p r i e d a d e se
d e p a r a m , as v e z e s , nas sátiras q u a n t o ao emprego des-
sas construções, dever-se-ã i s s o ao f a t o de q u e , s o b r e
ser jovem, v i v i a o p o e t a l i g a d o a um g r u p o culto para
quem, sem d u v i d a , os seus p e n s a m e n t o s eram bem m a i s ní
tidos; acresça-se também que nem o p r e o c u p a v a , como d_e
c l a r a na p r i m e i r a sátira, a aprovação pública. 0 empre
go, t a l v e z a b u s i v o , dessas formas forçará, p o r c e r t o ,
o leitor de h o j e a c o n s t a n t e s c o n s u l t a s e interrupções
da l e i t u r a , levando-o a i n d i s p o r - s e contra elas. Mas o
empenho empregado numa l e i t u r a p a c i e n t e dos v e r s o s de
- HO -
Se não ha o r i g i n a l i d a d e em Pérsio, ou
se i„-i p o u c a , e s s a questão t e m a sua g r a v i d a d e diminuí-
da d i a n t e do emprego das construções a r r o j a d a s . Se a
Pérsio f a l t o u originalidade em termos de i m a g e n s , e s -
sas construções r e p r e s e n t a m , sem d u v i d a , uma maneira
própria, p a r t i c u l a r , original, portanto, de se r e n o v a r
o que jã f o i g a s t o p e l o u s o .
0 2- V i t a , VIII.
04- Instit. o r a t . X, 9 4 .
05- E p i g r . I V , 2 9 , 17.
06- I I I , 43-51.
0 7- I I I , 8 8-97.
08- I I I , 9 8-106.
09- V, 132-15 3.
1 1 - Opus c i t . , p. 2 8 .
20- Opus c i t . , p. 26 .
26- M a r o u z e a u , opus c i t . , l o c u s c i t .
27- M a r o u z e a u , opus c i t . , l o c u s c i t .
28- Opus c i t . , p. 25 3.
- 83 -
C O N C L U S A O
- 84 -
P r i m e i r a m e n t e ha que se a t e n t a r p a -
r a os m o t i v o s que l e v a r a m Horácio p e l o s c a m i n h o s da
sátira; e l e próprio e s c r e v e u que "neste gênero em
que, após as t e n t a t i v a s frustradas de Varra"o de Á-
tax e de alguns outros, eu poderia ter mais suces-
so, sem igualar-me ao c r i a d o r . . . " ( 0 1 ) ; apoiando-se
nesses v e r s o s , Lamarre c o n c l u i u que "...a sátira e-
ru o único, (gênero) que nao tinha o seu mestre, o
seu grande autor. Como o lugar estava vago, Horácio
resolveu ocupá-lo; a sátira pareceu-lhe o que mais
lhe prometia sucesso." (02)
0 raciocínio de L a m a r r e i n d u z - n o â
conclusão de que Horácio f o i l e v a d o a e s c r e v e r sãti
r a s p e l a ambição de s e r um g r a n d e autor, ocupar o
l u g a r de m e s t r e do único gênero literário que a i n d a
nao possuía um g r a n d e nome; somos, p o r i s s o , leva-
dos a a c r e d i t a r q u e , ao s e g u i r o c a m i n h o a b e r t o p o r
Lucílio, o o b j e t i v o de Horácio f o i m e r a m e n t e literã
rio.
Q u a n t o ao animus das suas sátiras,
o próprio Horácio d e c l a r a que a l i n g u a g e m que deve
s e r empregada há de s e r o r a áspera, o r a a l e g r e , p o s
suindo, conforme o momento, t o m oratório ou poéti-
c o , c o n c l u i n d o que o g r a c e j o c a b e m e l h o r e mais i n -
c i s i v a m e n t e ãs questões m a i s i m p o r t a n t e s ( 0 3 ) . É d i
fícii e n c o n t r a r , nas suas sátiras, a m e l a n c o l i a , o
amargor, o pessimismo q u e , s e g u n d o C o u r b a u d , são p r o
prios do gênero satírico ( 0 4 ) ;
0 p o e t a de V o l t e r r a não ê um satíri_
co q u e , como Horácio, p r e t e n d e f a z e r s o r r i r ; se h o u
ver s o r r i s o nas suas sátiras, será também um sorri-
so melancólico, m o t i v a d o p o r algum comportamento i n
s e n s a t o que e l e c r i t i c a . Pérsio ê um p o e t a que p r e -
t e n d e c o n s e r t a r o mundo e s a l v a r a s e u s semelhan-
tes, j u l g a n d o a sua p o e s i a o i n s t r u m e n t o mais ade-
quado ã s u a missão; daí a s u a e x c e s s i v a preocupação
moralizante.
Se Pérsio n a o ê, e n t r e os p o e t a s sa
tíricos, tão c e l e b r a d o q u a n t o Horácio, o u mesmo até
quanto J u v e n a l , ê porque s u a o b r a se f e z m a r c a r p o r
uma o b s c u r i d a d e que a crítica e x a g e r o u . É c e r t o que
Pérsio, de início, não ê agradável; p e l o contrário,
ê fatigante. Para se l e r a Pérsio, ê p r e c i s o não só
conhecer a e l e , como também ao e s t o i c i s m o . P a r a p o -
- íit» -
d e r a p r e c i a - l o , e m i s t e r t e r em mente que v i v e u em
um tempo c o n t u r b a d o , c o r r u p t o , que p r e n u n c i a v a jã
a decadência de uma c u l t u r a , a queda de um p o v o . Ê"
necessário não se e s q u e c e r de que v i v e u em um t e m -
po em que o homem romano e r a c o n d u z i d o , o u c o n d u -
z i a - s e , ã aniquilação. Pérsio opôs-se a e s s a situa
ção e d e c i d i u - s e a l u t a r c o n t r a e l a , f a z e n d o das
suas sátiras as a r m a s .
Pérsio, p o r f i m , não b u s c o u a a r -
te; v i s o u ao homem que e l e j u l g a v a p e r d e r - s e . Para
ele, a arte nao f o i um f i m ; f o i um m e i o que p r o c u -
rou utilizar, perfeita o u i m p e r f e i t a m e n t e , não i m -
p o s t a , p a r a alcançar o s e u o b j e t i v o , c l a r a m e n t e de
terminado.
NOTAS
01-- Sat. I , X, 4 6 - 4 8 .
03- Sat. I , X, 1 1 - 1 5 .
T R A D U Ç Ã O E N O T A S
V.,
S Ä T I R A
TRADUÇÃO
- 90 -
- "Quem l e r a isto?"
- "Ninguém?"
- "Coisa v e r g o n h o s a e d i g n a de c o m p a i -
xão 1 "
- P o r quê? P o l i d a m a n t e e as Troianas
(0/) não preferirão, sem dúvida, Labeão ( 0 3 ) a mim? Ni-
nharias! Se a turbulenta Roma d e s m e r e c e a l g u m a obra,
não a p r o v e s nem c e n s u r e s o fiel viciado desta balança
e não t e p r o c u r e s f o r a de t i mesmo. De f a t o , ha em Ro-
ma quem p o r e s s a não..., se f o s ^ e l i c i t o dizer... Mas
é lícito; quando p e n s o nas n o s s a s c a s , n e s t e n o s s o v i -
ver triste ( 0 4 ) e em t u d o q u a n t o f a z e m o s , apôs a b a n d o -
n a r as n o z e s ( 0 5 ) , p a r t i c u l a r m e n t e . q u a n d o n o s asseme-
lhamos a n o s s o s c e n s o r e s , então, então... p e r d o a i - m e .
- "Não."
- " P a r a que t e r a p r e n d i d o , se e s t e
f o) ai" a; l o , so o s t a figueira lanava, uma v e z b r o t a d a
deu i r o de n o s , não s a i r , a não s e r e s t o u r a n d o - n o s
o rígado ( 1 1 ) ? "
- "Mas e b e l o s e r a p o n t a d o com o de
1
do >• o u v i r d i z e r ( 1 2 ) : "6 e l e . " Estimarás em nada
ter s i d o t e x t o de d i t a d o de cem j o v e n s de cabelos
crespos (13)?"
- De r e p e n t e , e n t r e os c o p o s , os
d e s c e n d e n t e s de Rómulo, f a r t o s , querem s a b e r o que
d i z e m os poemas d i v i n o s ; então alguém, com um m a n t o
da c o r do j a c i n t o aos o m b r o s , t e n d o declamado algo
rançoso, g a g u e j a n d o p e l o n a r i z , destila as EÍlidas
( l ' i ) e as H i p s i p i l a d a s ( 1 5 ) , a l g o v a z i o e l a m u r i o -
so, se m u i t o , e, com o p a l a t o m a c i o , e s t r o p i a as pa
lavras. Deram sua aprovação os varões: e a g o r a não
estarão f e l i z e s as i l u s t r e s c i n z a s do p o e t a ? A p e -
dra tumular não está a g o r a m a i s l e v e s o b r e os seus
o s s o s ? Louvam-no os c o n v i v a s : e agora daqueles ma-
nei.;, e a g o r a do t u m u l o e cinzas felizes não n a s c e -
rão v i o l e t a s ?
- E i s q u e , a g o r a mesmo, e n s i n a m o s a e-
l a b o r a r p e n s a m e n t o s heróicos (2't) a a l u n o s habituados
a -fizer f r i v o l i d a d e s em g r e g o , incapazes de descrever
um bosque s a g r a d o e de c e l e b r a r o campo fértil ( 2 5 ) ,
onde h a j a c e s t o s , uma f o g u e i r a , p o r c o s e as Parílias
enfumaçadas p e l o feno ( 2 6 ) , de onde v e i o Remo e t u , ó
Quíntio ( 2 7 ) , que c o n s u m i a s o a r a d o no s u l c o , q u a n d o ,
diante dos b o i s , a t u a e s p o s a p r e s s u r o s a t e v e s t i u co-
mo d i t a d o r e um l i t o r l e v o u os t e u s a r a d o s para casa.
- "Isto e lindo!"
- Q u a l e, p o i s , a passagem d e l i c a d a
que se d e v a l e r com a n u c a relaxada?
- Aconteceriam e s t a s c o i s a s se v i v e s -
se cm n o s a l g u m a v e i a do testículo p a t e r n o ? Isto nada,
sem forças, nos lábios a superfície da s a l i v a , e a Me
nade e Átis estão na água; não m a r t e l a r a o divã nem sa
bem a u n h a s roídas ( 3 7 ) .
- "Mas q u a l e a n e c e s s i d a d e de a r r a -
1
nhar os o u v i d o s d e l i c a d o s com a v e r d a d e mordaz? Cuida
de que os u m b r a i s dos p o d e r o s o s não se t o r n e m p o r a c a
so . f r i o s p a r a t i ; rosna a q u i , pelo n a r i z , a l e t r a ca-
nina ( 3 8 ) ."
- P o r mim, n a v e r d a d e , que t o d a s as
coisas sejam imediatamente b r a n c a s ; não me i m p o r t o .
Bravo', t o d o s , bem! t o d o s , s e r e i s coisas maravilhosas.
Isto agrada. v, y
- P i n t a duas s e r p e n t e s : " M e n i n o s o l u
gai o sagrado, urinai l o n g e . " Pu me a f a s t o . Lucílio
dl.1 i c e r o u a c i d a d e , a t i , o Lupo e a t i , o Mucio ( 4 0 ) ,
e neles quebrou um m o l a r ; o s a g a z P l a c o t o c a t o d o v í -
cio do a m i g o que r i e, a d m i t i d o ao r e d o r do coração,
diverte-se, a s t u t o em s u s p e n d e r o p o v o com o s e u n a -
riz e s t i c a d o ( 4 1 ) . Ser^ã c r i m e p a r a mim s u s s u r a r ? Nem
em s e g r e d o , nem em um b u r a c o , em p a r t e a l g u m a ? A q u i ,
portanto, enterrarei - eu v i , eu mesmo v i , o livri-
nho -: " O r e l h a s de a s n o , quem não as t e m ( 4 2 ) ? " Este
segredo, e s t e meu r i r , tão nada que s e j a m , não os v e n
do a t i p o r nenhuma Ilíada ( 4 3 ) . Quem q u e r que s e j a s
tu, que s e n t i s t e o b a f e j o do a u d a z C r a t i n o , que empa-
lideces sobre o f u r i o s o EupÕlide e s o b r e o i l u s t r e v e
lho ( 4 4 ) , c o n s i d e r a também e s t a s c o i s a s , se o u v e s ,
por acaso, a l g o mais harmonioso; que f e r v a m , então,
p a r a mim l e i t o r e s com o r e l h a s l i m p a s ; que não s e j a a-
q u e l e que e x u l t a em g r a c e j a r d a s sandálias g r e g a s (45),-
i n u m d o , e que p o s s a chamar a um z a r o l h o de z a r o l h o , e
que, c r e n d o - s e alguém, a r r e b a t a d o p o r uma magistratu-
ra ir.ãlica, q u e b r o u , como e d i l em Arécio ( 4 6 ) , herni-
nas falsas ( 4 7 ) , nem o v e l h a c o que sabe zombar dos nu
meros no ãbaco e dos c o n e s d e s e n h a d o s na a r e i a , pron-
to para d i v e r i r - s e muito, se uma nonária ( 4 8 ) a t r e v i -
da tira a b a r b a de um cínico. P a r a e s t e s , o e d i t o p e -
l a manha; apos o almoço ofereço Calírroe ( 4 9 ) .
'Ill
NOTAS Ä SÄTIRA I
•in.
Como já se v i u , r e g i s I IM . I Vit-a, X, que Pérsio se
sentiu i m p e l i d o a e s c r e v e r sátiras, após t e r l i d o
o décimo l i v r o das sátiras de E u c í H o , c u j o iní-
c i o imitou.
17- E r a c o s t u m e u n t a r ou i m p r e g n a r os m a n u s c r i t o s com
r e s i n a ou o l e o de -edro, para c o n s e r v a - l o s p o r l o n -
go t e m p o ; ê o que n o s a t e s t a Vitrúvio: "Ex caeáro o
leum, quod cedrinium dicunt, nascitur, quo reliquae
vos quum sunt unctae, ut etiarn libri, a tineis et a
corie non laeduntuv." - de Arch.it. II, 9, 1 3 .
les, comemoradas no d i a 2 1 de a b r i l . A b r i a m - s e as
festividades com uma g r a n d e cerimônia de p u r i f i c a
ção, em que se e m p r e g a v a sangue de c a v a l o , de b e -
z e r r o n a t i r n o r t o e c a u l e s de f a v a s s e c a s . Aspei--
g i a - s e com agua l u s t r a l as o v e l h a s que e r a m , de-
p o i s , submetidas em seus estábulos a fumigações
com e n x o f r e . O f e r e c i a - s e a d e u s a l e i t e e b o l o s de
milho; implorava-se pelo rebanho, pelos pastores
e p e l o s cães. F a z i a m - s e , f i n a l m e n t e , f o g u e i r a s
com p a l h a ou f e n o , p e l a s q u a i s se p u l a v a p o r três
vezes, em um r i t u a l de purificação.
2 7- A p o s t r o f a n d o d i r e t a m e n t e a Quíntio C i n c i n a t o , t e n
do a n t e s a l u d i d o a Remo, o p o e t a pretende rememo-
r a r as o r i g e n s do p o v o r o m a n o , a s u a f e l i c i d a d e
rústica. v,,
Fmbora p o s s a p a r e c e r h a v e r falta de e l e m e n t o de
ligação e n t r e e s s e s v e r s o s , o n e x o lógico não
p e r t e n c e ao c o r p o do t e x t o : Roma f o i f u n d a d a no
dia 2 1 de a b r i l , d i a dedicado a P a l e s , e Quíntio
recebeu a notícia de h a v e r sido f e i t o d i t a d o r en
quanto e s t a v a no campo.
39- Os l o c a i s a t i n g i d o s p e l o s r a i o s e os s e p u l c r o s e
ram considerados sagrados. Para e v i t a r q u e , ne-
les, alguém s a t i s f i z e s s e as suas n e c e s s i d a d e s fí
si cas, e r a c o s t u m e p i n t a r duas s e r p e n t e s , gênios
do l u g a r , com uma inscrição ("Pueri, sacer est
locus, e x t r a / Meite." - v v . 1 1 3 - 1 1 4 ) , que a l e r -
t a s s e os i n c a u t o s .
Em p o u c o s v e r s o s , no s e g u n d o l i v r o , disse Lucílio
de Mucio:
"Homo impur a t u s , e t inpuno e s t rapinator." (3)
"...uix uiuo homini ac monogramme" (7)
S Á T I R A l i
TRADUÇÃO
- Ill -
- "A quem?"
S u p l i c a s força p a r a os músculos e um
corpo seguro para a v e l h i c e . Assim seja! ânimo! Mas os
grandes p r a t o s e as c a r n e s g o r d a s i m p e d i r a m os d e u s e s
de a t e n d e r - t e e detêm Júpiter. Queres a c u m u l a r rique-
zas e, com s u a s e n t r a n h a s , f a z e s v i r Mercúrio: "Conce-
de que p r o s p e r e m meus p e n a t e s , dã gado e b e z e r r o p a r a
meus r e b a n h o s . " De que modo, 5 t o l o , queres tanto para
ti, quando se d e r r e t e m nas chamas as e n t r a n h a s das n o -
vilhas ( 1 6 ) ? E e s t e , c o n t u d o , esforça-se p o r v e n c e r
com as e n t r a n h a s e um b o l o esplêndido: "Ja o meu campo
au;. ::;.'.; já c r e s c e o meu r e b a n h o , jã me serã concedido,
ja, ]a...", até q u e , d e s i l u d i d o e sem esperanças, s u s -
pirara em vão p o r uma moeda no f u n d o da s u a b o l s a .
Se e u . t e t r o u x e r taças de p r a t a e p r e -
s e n t e s com incrustações em o u r o maciço, t u t r a n s p i r a -
ra;.; e do l a d o e s q u e r d o do p e i t o , excitado pela ale-
gria, t e u coração farã v e r t e r g o t a s . D a q u i ê que t e
v e i o â mente r e v e s t i r as f i g u r a s sagradas com o o u r o
da ovação ( 1 7 ) : " P o i s , e n t r e os irmãos de b r o n z e ( 1 8 ) ,
os que p r o p i c i a m sonhos o m a i s d e s p r o v i d o s de pituíta
s e j a m os p r i m e i r o s e que t e n h a m b a r b a de o u r o . " 0 o u r o
quebrou os v a s o s de Numa ( 1 9 ) e os b r o n z e s de S a t u r n o
(20) e s u b s t i t u i as u r n a s vestais e a argila tocana
(21) . õ almas curvadas sobre a t e r r a e v a z i a s das c o i -
- 113 -
1
sas c e l e s t e s , de que a d i a n t a l e v a r n o s s o s c o s t u m e s aos
templos e bens p a r a os d e u s e s , segundo e s t a nossa car-
ne c r i m i n o s a ? F o i e l a que d i s s o l v e u p a r a s i a canelei-
ra com o óleo e s t r a g a d o , que c o z e u a lã da Calábria
com o múrice que já a p o d r e c i a ; f o i e l a que mandou ras-
p a r a pérola da c o n c h a e e x t r a i r da t e r r a c r u a as
v e i a s da massa f e r v e n t e . E l a p e c a , e l a também, e l a p e -
ca, a p r o v e i t a n d o - s e da sua própria corrupção ( 2 2 ) ; mas
- o pontífices, d i z e i - m e vós - que f a z o o u r o na reli
gião? C e r t a m e n t e o mesmo que f a z e m a Vénus as b o n e c a s
o f e r e c i d a s p o r uma v i r g e m ( 2 3 ) . Não o f e r t a m o s aos deu-
ses o que não p o d e r i a o f e r t a r - l h e s em um g r a n d e p r a t o
a geração r e m e l e n t a do g r a n d e M e s s a l a ( 2 4 ) : os direi-
tos humano e d i v i n o , bem d i s p o s t o s na a l m a , os p e n s a -
mentos puros e um coração i m p r e g n a d o da magnânima vir-
t u d e . C o n c e d e i - m e que l e v e e s t a s c o i s a s aos t e m p l o s e,
com t r i g o , s a c r i f i c a r e i aos deuses.
- 114
NOTAS Ä S Ä T I RA
üb -
01- H i s t o r i c a m e n t e , s a b e - s e m u i t o pouco a r e s p e i t o de
M a c r i n o ; s e g u n d o s e u e s c o l i a s t a , Pérsio "dirige-se
'-: P l o t i u s Macrinus, homem muito instruído, a quem
amava ternamente; estudaram juntos corn S e r u i l i u s
flonianus" , a p u d P e r r e a u , opus c i t . , p. 6 8 .
abandonou. "
R a m o r i n o , o p u s c i t . , p. 4 1 , e Dolç, o p u s c i t . , p.
137, e n t e n d e m que Pérsio t e n h a a l u d i d o , com o s i n
tagrna magni Messallae li-ppa propago, a L. Aurélio
( l o t a M e s s a l i n o , célebre o r a d o r e f i l h o do princi-
pal e m a i s n o b r e membro cia família M e s s a l i n a , Va-
lério C o r v i no Mes s a l a ; seguncJb P e r r e a u , o p u s c i t .
p. 8 0 , as v i r t u d e s da família, berço de g r a n d e s
políticos, o r a d o r e s e g u e r r e i r o s , f o r a m d a n d o l u -
gar ao vício, p a s s a n d o o nome M e s s a l a a sinônimo
de corrupção, devassidão. Segundo Plínio, H. /V. ,
X, 2 7 , C o t a M e s s a l i n o e q u i p a r a v a - s e em libertina-
gem a o s p i o r e s indivíduos.
Juvenal, V I , 1 1 4 - 1 3 1 , com m u i t a c a u s t i c i d a d e , r e -
fere-se a M e s s a l i n a , símbolo da devessidão em que
havia incidido a família Messala.
- 1/7 -
S Ä T I R A I I I
TRADUÇÃO
- 123 -
- "F v e r d a d e ? f. a s s i m ? Que v e n h a p a r a
cã alguém, r a p i d a m e n t e . Ninguém? I n t u m e s c e - m e a vítrea
bílis ( 0 5 ) . A r r e b e n t o - m e p a r a . . . "
P a r a que se c r e i a b e r r a r e m os r e b a n h o s
da Arcádia. Já o l i v r o e o p e r g a m i n h o b i c o l o r com os
p e l o s r a s p a d o s ( 0 6 ) e as f o l h a s de p a p i r o e a c a n a n o -
dosa vêm ãs m ã o s ; p e r g u n t a m o s , e n t a b , p o r que um líqui_
do " p e s s o pende
S do cãlamo; mas, m i s t u r a d a ã a g u a , e s -
v a n e c e u - s e a t i n g a n e g r a ; p e r g u n t a m o s p o r que a fístu-
la d u p l i c a as g o t a s diluídas ( 0 7 ) . Õ i n f e l i z e a cada
dia mais infeliz, f o i p a r a i s s o que v i e m o s â t e r r a ? Ou
por que s e m e l h a n t e ao pombo t e n r o e aos m e n i n o s d o s
reis ( 0 8 ) , não p e d e s , a n t e s , uma c o m i d i n h a d e l i c a d a e,
i r a d o , não r e c u s a s o lalã da mamãe?
rih ( . . • < . ; o p o r d e n t r o e p o r f o r a : na o e n v e r g o n h a v i v e r s e -
gundo o c o s t u m e do d i s s o l u t o N a t a ( 1 3 ) . Mas e s t e e n -
torpeceu-se pelo v i c i o e d e s e n v o l v e u - s e , em s u a s f i -
bra::, a b u n d a n t e camada de g o r d u r a , f i e c a r e c e de cul-
p a , não sabe o que p e r d e e, t e n d o m e r g u l h a d o n a s p r o -
f u n d e z a s , não b o r b u l h a r a n o v a m e n t e na onda m a i s alta.
Õ g r a n d e p a i dos d e u s e s , não q u e i r a s c a s t i g a r de o u -
tro modo os t i r a n o s cruéis, q u a n d o , i m p r e g n a d a de a r -
deu l e v e n e n o , a f u n e s t a paixão t i v e r t o c a d o o seu i.ns
tinto: que v e j a m a v i r t u d e e d e f i n h e m p o r tê-la aban-
d o n a d o ( 1 4 ) ! Os b r o n z e s do t o u r o da Sicília ( 1 5 ) geme
ram m a i s e a e s p a d a , que p e n d i a dos t e t o s dourados
( 1 6 ) , a m e d r o n t o u m a i s as cabeças e n g a l a n a d a s de púrpu
r a do que o i n f e l i z que d i s s e s s e a s i mesmo "Vamos!
Vamos! P r e c i p i t e m o - n o s . ' " e e m p a l i d e c e s s e p o r a l g u m a
coisa que s u a e s p o s a , que estã ao l a d o , desconheces-
se?
Quando e r a p e q u e n o , f r e q u e n t e m e n t e
lembro-me disso - f r i c c i o n a v a os o l h o s com azeite
( 1 7 ) , se não q u e r i a d i z e r a Catão ( 1 8 ) , que e s t a v a pa
r a m o r r e r , as p a l a v r a s grandiloqüentes que h a v e r i a m
de s e r m u i t o l o u v a d a s p o r um m e s t r e demente e ouvidas
p o r meu p a i , s u a n d o , acompanhado de a m i g o s . E, com r a
zão ( 1 9 ) , p o i s e s t a v a em meu v o t o s a b e r o que traria
a :ena favorável, o q u a n t o l e v a r i a a ruinosa cadela
(2f), não s e r enganado pelo gargalo e s t r e i t o do copo
( 2 1 ) e s e r o m a i s hábil em r o d a r o buxo ( 2 2 ) com o c h i
c o t e . Não és i n e x p e r i e n t e para compreender os c o s t u -
mes d e p r a v a d o s e o que e n s i n a o sábio Pórtico, ilus-
t r a d o com os medas v e s t i d o s de b r a g a ( 2 3 ) , c o i s a s p e -
l a s q u a i s v e l a uma j u v e n t u d e i n s o n e e c a l v a , que se
a l i m e n t a de l e g u m e s e farinha g r o s s a de c e v a d a ( 2 4 ) ;
a letra que traçou os ramos sâmios m o s t r o u - t e , com o
ramo d i r e i t o , o c a m i n h o que s u r g e ( 2 5 ) . Roncas até a-
g o r a , a t u a cabeça v a c i l a n t e , com uma articulação s o l
t a , b o c e j a os e x c e s s o s de o n t e m com os q u e i x o s caídos
p o r t o d a p a r t e . Há a l g u m a coisa para a qual t e i n c l i -
nas e c o n t r a a q u a l d i r i g e s o a r c o ? Ou, desregradamen
- 125 -
Ao que f a l a ao médico, f o i p r e s c r i t o
r e p o u s o ; após a t e r c e i r a noite t e rvisto as suas veias
c o r r e r e m recompostas, querendo i r ao b a n h o , rogará p a -
- 12b -
ra :; i a u n i a g r a n d e c a s a v i n h o s d o t a r ; de S u r r e n t o em
um ri pequena j a r r a .
Toca, 5 i n f e l i z , o t e u p u l s o e põe a
mão d i r e i t a no p e i t o . Nada e s t a q u e n t e aí. T o c a a p o n
ta dos pes e das mãos. Não estão f r i o s . Se, p o r a c a -
so, v i r e s d i n h e i r o , o u se a b o n i t a filha do vizinho
te sorrir d o c e m e n t e , o t e u coração p u l s a r a regularmen
teV foi-te s e r v i d o l e g u m e áspero em um p r a t o f r i o e
farinha saída da p e n e i r a do p o v o ( 3 9 ) ; examinemos a
g a r g a n t a : na t u a t e n r a boca e s c o n d e - s e uma f e r i d a pú-
t r i d a , que não convêm a r r a n h a r com a c e l g a plebéia.
Tens f r i o , quando o pálido t e m o r eriça os p e l o s dos
t e u s membros; a g o r a o t e u sangue f e r v e como se esti-
vesse sobre uma t o c h a e os t e u s o l h o s faíscam de rai-
ve o d i z e s e f a z e s o que o próprio O r e s t e s , insano,
jUr.iria 1
ser dc: homem insano.
- 127 -
MOTAS Ä S Ä T I RA III
I 2H
0 3- Ao a t i n g i r a q u i n t a l i n h a do q u a d r a n t e solar, a
sombra do gnomon m a r c a v a a q u i n t a h o r a , onze h o -
ras aproximadamente.
Alusão ao t o u r o de b r o n z e f u n d i d o p o r P e r i l o pa-
ra Falareis (565-549 a.C), tirano de A g r i g e n t o .
Nesse t o u r o , q u e i m a v a m - s e vítimas humanas; daí
lil
C o n t r a p o n d o os v e r d a d e i r o s estudantes do estoi-
c i s m o ao j o v e m presunçoso, Pérsio a l u d e â severa
disciplina a que e r a m s u b m e t i d o s ; s e g u n d o Ramori_
no, opus c i f . , p. 5 0 , e Dolç, opus c i t . , p. 1 5 6 ,
o a d j e t i v o insomnis d e n o t a que a iuuentus se d e -
dicava a s s i d u a m e n t e ao e s t u d o , inclusive â noi-
te, e o a d j e t i v o detonsa r e v e l a que os a d e p t o s
do estoicismo c o r t a v a m os c a b e l o s , porque não
podiam p e r d e r t e m p o em c u i d a r d e l e s ; a comida'
grosseira, com que se a l i m e n t a v a a iuuentus, é
m e n c i o n a d a no s i n t a g m a s i l i q u i s et grandi polen-
1
ta, v . 55. S i l i q u i s e i a o nome dado aos l e g u m e s
em g e r a l ; grandis p o l l e n t a e r a a denominação da
farinha feita com grãos que não h a v i a m s i d o moí-
dos , mas apenas m a c e r a d o s .
- 13 3 -
Do v e r s o 6 3 ao 7 3 , Pérsio a p r e s e n t a um sumário
dos p r i n c i p a i s pontos da m o r a l estóica.
A contração causas cognoscite rerum, v. 66, r e
corda Virgílio em G. I I , 4 9 0 : "'Felix qui potuit
- 134 -
S Ä T I R A IV
TRADUÇÃO
139 -
- "Sou f i l h o de D i n o m a c a . "
- "Orgulha-te!"
- "De quem?"
- " O rico a r a em ( l u r e s ( 1 6 ) t a n t o quan
to um m i l h a n o não p e r c o r r e em um v o o . "
- "Falas d a q u e l e , d a q u e l e q u e , com os
deuses i r r i t a d o s e gênio s i n i s t r o ( 1 7 ) , quando f i x a um
jug,o na e n c r u z i l h a d a esburacada ( 1 8 ) , temendo r a s p a r o
limo velho de um p e q u e n o j a r r o , geme: 'Que i s t o me se
ja um bem', mordendo uma c e b o l a coberta de s a l , e, e n -
quanto os seus e s c r a v o s a p l a u d e m uma p a n e l a de farinha,
bebe o r e s t o da b o r r a de um v i n a g r e que se a c a b a ? "
Mas, se d e s c a n s a s e, c o b e r t o de óleo,
cravas o s o l na p e l e , hã p e r t o de t i um desconhecido
que t e t o c a com o c o t o v e l o e c o s p e a s p e r a m e n t e : "Estes
cos.fumes! E x i b i r p u b l i c a m e n t e o pênis d e p i l a d o , os s e -
g r e d o s do lombo d o r m e n t e , as v u l v a s ( 1 9 ) ! Enquanto pen
teias nas m a x i l a s a b a r b a p e r f u m a d a com bálsamo, p o r
que t e s a l t a da v i r i l h a uni, -gorgulho tosquiado? Permi-
t e - s e que c i n c o p a p e s t r i t a s ( 2 0 ) e s t i r p e m e s s a vegeta-
ção e sacudarn com uma pinça c u r v a as nádegas umedecidas;
esta floresta, c o n t u d o , não s e ' h a b i t u a a arado algum."
Nos a t a c a m o s e, p o r o u t r o l a d o , o f e r e -
cemos n o s s a s p e r n a s às f l e c h a s ( 2 1 ) ; v i v e - s e desse mo-
do; nós o sabemos. Tens sob a i l h a r g a uma ferida secre
ta, mas disfarça-a o boldrié com o s e u l a r g o o u r o . Se
p r e f e r e s , engana a nós e aos t e u s nervos, se p o d e s .
Se e m p a l i d e c e s , cá p e r v e r s o , por teres
v i s Lo d i n h e i r o , se f a z e s tudo o que t e vem ao pênis e
se, cauteloso, f l a g e l a s o amargo p u t e a l ( 2 2 ) com m u i -
tos golpes, em vão terás c o n f i a d o tua orelha ávidas
ao p o v o . R e p e l e o que não é s . Que o artesão f i q u e com
seus f a v o r e s . Mora c o n t i g o : conhecerás quão exígua t e
é at mobília.
Ml il
NOTAS Ä SÃTIRA
- 141 -
rectum" , i'.v. I I , 2, 4 4 .
10- Pm s u a visão c r u a m e n t e r e a l i s t a e f u l c r a d a na mo
ral estóica, p o r b o c a de um 1 n t e r l o c u t o r desco-
nhecido, atacando a d e p r a v a d a c l a s s e d o s pãticos,
Pérsio a p r e s e n t a um q u a d r o da a p r i c a t i o corrompi,
da, s e r v i n d o - s e de t e r m o s intensamente disfêmi-
cos .
N e s t e p a s s o , merecem consideração e s p e c i a l os
termos arcana lumbi e uuluas.
0 sintagma arcana lumbi nao pode d e s i g n a r o mem-
bro v i r i l , c u j a repetição, j a que é d e s i g n a d o p o r
-
penem, permaneceria inexplicável. Segundo Cartel-
le (Aspectos Léxicos y Literários dei L a t i n Eroti_
ao. S a n t i a g o de C o m p o s t e l a , Uni v e r s i d a d de S a n t i -
ago, 1 9 7 3 , p . 1 2 0 ) , pérsio f o . i ? e n t r e os p o e t a s
satíricos, o que m a i s a g r e s s i v a m e n t e empregou o
substantivo lumbum que, neste passo, designa a re
gião c o m p r e e n d i d a p e l a c i n t u r a e ânus.
Vulua não p o d e r i a i n d i c a r o órgão g e n i t a l femini-
no, jã que a p e r s o n a g e m é m a s c u l i n a ; n e s t e caso,
tem-se a i n u s i t a d a aplicação de uulua a um homem.
- I'll.
2 1 - P r o c u r a n d o e s c l a r e c e - l a , d i z o e s c o l i a s t a de Pêr
sio a c e r c a d e s t a passagem: " A l l e g o r i a a sagitta-
riis, qui a l i e n a crura sagittis ferium, et sua
ferienda aliis praebent; et ad s u p e r i o r em sensum
pertinet quod dixit: sed p r a e c e d e y i t i s p e c t a t u r
mantica t e r g o . I t a non uitam obiurgamus aliorum
et alii nostrum." , apud P e r r e a u , opus c i t . , p.
14 6 .
Pérsio p a r e c e i m i t a r o espírito do v e r s o de H o r a
cio, em Ep. I I , 2, 9 7 : "Caedimur e t totidem pla-
gis consumimus hostem."
S Ã T I R A V
TRADUÇÃO
J4H -
E s t e é o c o s t u m e dos p o e t a s , exigir
p.. • ! s i cem v o z e s e d e s e j a r - p a r a a s u a p o e s i a cem bo
1
o, o cem línguas ( 0 1 ) , p a r a compor uma f a b u l a que
se pi d e c l a m a d a p o r um trágico a t o r s i n i s t r o ( 0 2 ) , ou
p a r a as f e r i d a s do p a r t a que r e t i r a a e s p a d a da v i r i -
lha (0 3) .
Não me esforço, na v e r d a d e , p a r a e n -
f u n a r com f u t i l i d a d e s lúgubres uma página c a p a z de
d a r peso â fumaça ( 1 4 ) . Falamos em s e g r e d o . Exortado
p e r Camoena, d o u - t e a g o r a o meu coração que d e v e s
perscrutar; agrada-me m o s t r a r a t i . , 5 Cornuto, doce
a m i g o , quão g r a n d e parte da m i n h a a l m a é t u a . B a t e ,
s e g u r o em r e c o n h e c e r o que s o a s o l i d a m e n t e e os r e -
v e s t i m e n t o s da l i n g u a g e m f i g u r a d a ( 1 5 ) . Se ouso e x i .
gir cem g a r g a n t a s , é p a r a que p o s s a e x t e r n a r com
voz p u r a o q u a n t o de t i g r a v e i n a s s i n u o s i d a d e s do
meu coração e p a r a que as p a l a v r a s r e v e l e m e s t e t o -
do que se e s c o n d e , inexprimível, em m i n h a s fibras
secretas.
Quando, p e l a p r i m e i r a v e z , amedron-
ta.'O, depus a -purpura guardiã ( 1 6 ) e, c o n s a g r a d a aos
L a o - s , com a toga c u r t a ( 1 7 ) , a minha b u l a ( 1 8 ) f o i
sua.pensa, quando os c o m p a n h e i r o s c o m p l a c e n t e s e a to
ga, já b r a n c a ( 1 9 ) , me p e r m i t i r a m e s p a l h a r impunemen
te os o l h o s p o r t o d a a S u b u r r a ( 2 0 ) e quando o cami-
nho se b i f u r c a e a inexperiência e n g a n o s a da v i d a
c o n d u z os espíritos inquietos i s e n c r u z i l h a d a s ramo-
sas ( 2 1 ) , reservei-me para t i . A c o l h e s t e meus t e n r o s
anos no t e u coração socrático ( 2 2 ) , o C o r n u t o . Então,
habilidosa em d i s s i m u l a r , a régua a d e q u a d a e s t e n d e a
m o i u l s i n u o s a e minha alma e p r e s s i o n a d a p e l a razão,
esiorçando-se p a r a s e r v e n c i d a e t o m a n d o , s o b o t e u
d e d o , uma f i s i o n o m i a artística ( 2 3 ) . Lembro-me, com
efeito, de t e r p a s s a d o c o n t i g o l o n g o s dias (24) e
de t e r r e s e r v a d o p a r a a c e i a o início da n o i t e . Am-
v
bos estabelecemos juntamente um s o t r a b a l h o e d e s c a n
so e m i t i g a m o - n o s das c o i s a s sérias em uma mesa mo-
d e s t a . Não d u v i d e s de q u e , c e r t a m e n t e , . n o s s o s dias
se a j u s t a m p o r uma aliança c o n s t a n t e e são r e g i d o s
p o r um único a s t r o : ou a P a r c a , fiel ã verdade, sus-
pende n o s s o s tempos na Balança em.equilíbrio, ou a
hora natal, que p r e s i d e as a m i z a d e s fiéis, d i s t r i b u i
e n t r e os Gêmeos n o s s o s d e s t i n o s c o n c o r d e s ; graças ao
n o s s o Júpiter, q u e b r a m o s j u n t a m e n t e a hostilidade de
Saturno ( 2 5 ) ; não s e i q u a l , mas s e g u r a m e n t e existe
um a s t r o que me une a t i .
Há m i l t i p o s de homens e diferentes
ma.' i i a : ; de v i d a ; c a d a um t e m o seu q u e r e r e não se
vive: sob um único d e s e j o . Ao n a s c e r do s o l , há quem
troque pimenta e n r u g a d a e grãos de c o m i n h o empalecen
te ( 2 6 ) p o r p r o d u t o s da Itália; há quem, empaturra-
do, prefira i n c h a r - s e com um sono r e s t a u r a d o r ; e s t e
entrega-se ao campo ( 2 7 ) ; os dados consomem aquele;
a q u e l o u t r o se d e t e r i o r a com os p r a z e r e s de Vénus.
Mas, quando a q u i r a g r a p e d r e g o s a t i v e r f e i t o de s u a s
articulações ramagens de uma v e l h a f a i a , já terão v i
v i d o os seus d i a s g o r d o s e p a s s a d o a v i d a â l u z do
pântano (2 8) e, j a t a r d i a m e n t e , haverão de l a m e n t a r -
- 150 -
- Amanhã o c o r r e r a o mesmo.
N e c e s s i t a - s e de l i b e r d a d e . Não d e s t a :
Ala! despojados da v e r d a d e , a o s q u a i s u
sõ p i r u e t a faz quirite ( 3 3 ) . E s t e Dama ( 3 4 ) e um cava-
lariço, que não v a l e t r e s a s s e s , homem insignificante,
m e n t i r o s o a t e na magra ração do c a v a l o , Que o s e u s e -
nhor o g i r e ! Do m o v i m e n t o da rotação s a i Marco Dama
(35). Oh! r e c u s a s - t e a e m p r e s t a r d i n h e i r o a M a r c o , que
te promete pagar? Empalideces d i a n t e do j u i z Marco?
Marco d i s s e , a s s i m ê. Põe, M a r c o , o t e u s e l o n e s t a s t a
bu i nhãs !
- " E s t a ê a v e r d a d e i r a l i b e r d a d e , os
píleos ( 3 6 ) n o - l a dão. Acaso não ê l i v r e somente aque-
le a quem se p e r m i t e l e v a r a v i d a como q u e r ? Ê* lícito
viver como q u e r o : não s o u m a i s l i v r e que B r u t o (37)?"
- " D e p o i s q u e , graças ã v a r i n h a , me
tornei meu p e l o p r e t o r , p o r que nao me ê lícito tudo
quanto a vontade ordena, exceto o que proíbe a rubri-
ca de Masúrio ( 3 8 ) ? "
A p r e n d e ! Mas que c a i a do t e u n a r i z a
ira e a c a r e t a f r a n z i d a , enquanto t e arranco do p u l -
mão as v e l h a s avós ( 3 9 ) . Não c a i r i a ao p r e t o r conceder
aos i g n o r a n t e s os d e v e r e s d e l i c a d o s das c o i s a s e p e r -
1
m i l i r - l h e o exercício da célere v i d a ; m a i s rapidamen-
te terias a j u s t a d o uma sambuca a vim g r a n d e v a d i o ( 4 0 ) .
Falando secretamente â o r e l h a , a razão se opõe a que
se p e r m i t a f a z e r o que alguém, ao f a z e r , corromperá.
A l e i p u b l i c a dos homens e a n a t u r e z a contem e s t e p r e
ceito sagrado, para que a ignorância t e n h a por proibi_
dos os a t o s d e l i c a d o s . D i s s o l v e s h e l e b o r o , não s a b e n -
do parar o f i e l da balança no p o n t o certo: a natureza
do c u r a r proíbe i s t o . Se, calçando as s u a s b o t a s a l -
tas, um l a v r a d o r e x i g e p a r a s i um n a v i o , desconhecen-
do as e s t r e l a s ( 4 1 ) , M e l i c e r t o ( 4 2 ) exclamará que o
p u d o r d e s a p a r e c e u do mundo (43). A arte (44) deu-te
um v i v e r s e g u r o ( 4 5 ) e és e x p e r i e n t e em d i s t i n g u i r a
v e r d a d e d a q u i l o que t e m apenas a sua aparência, para
que nada p o s s a t i n i r falsamente como o c o b r e folhado
a o u r o ? 0 que se d e v e p e r s e g u i r e o q u e , p o r sua v e z ,
se deve e v i t a r , já m a r c a s t e , aquele com g i z e e s t e
com carvão ( 4 6 ) ? íís m o d e r a d o em t e u s d e s e j o s . Tens c a
sa m o d e s t a ? f.a c o r d i a l com os a m i g o s ? Fechas e abres
convenientemente os t e u s c e l e i r o s ? Podes p a s s a r p o r
:
sol i uma moeda p r e s a na lama e não e n g o l i r p e l a gar-
ganta adentro a saliva de Mercúrio ( 4 7 ) ? Quando d i s s e
res honestamente: "Essas c o i s a s são m i n h a s , eu as t e -
nho", que s e j a s l i v r e e sábio, não só p e l o s p r e t o r e s ,
como também p e l o Júpiter propício. Se, p e l o contrário,
tu, que há p o u c o e r a s da mesma f a r i n h a que e u , manténs
a t u a v e l h a p e l e e, t e n d o lavado apenas a f r o n t e , c o n -
Iv.
- "Nu s o u 1 i v r e . "
P e l a manha, r o n c a s preguiçoso.
- "Levanta-te!"
- "Não p o s s o . "
- "E que farei?"
- "E e l e p e r g u n t a ! Vamos! T r a z e do Pon-
to p e i x e s , castóreo, e s t o p a , ébano, i n c e n s o , v i n h o s l u
briPicantes de Cos. Sê o p r i m e i r o a t i r a r a pimenta,
ch'. seda hã p o u c o , do c a m e l o s e d e n t o . Troca alguma coi-
sa! Jura!"
- "Mas Júpiter ouvirá?"
- "Ah! estúpido, passarás a v i d a satis_
feito em f u r a r com o dedo um s a l e i r o ( 5 4 ) jã m u i t o u s a
do, se p r e t e n d e s v i v e r com Júpiter."
gas os e s c r a v o s da p e l e e do v a s o de v i n h o . Depressa pa
r a o n a v i o . Nada se opõe a q u e , em um grande n a v i o , jjer
corras rapidamente o Egeu, a não s e r que, antes, a sa-
gaz Luxúria não t e aconselhe a parte:
A q u i ; a q u i está o que p r o c u r a m o s e
não na v a r i n h a , que b r a n d e um l i t o r i n s e n s a t o . Tem po-
der' s o b r e s i mesmo o a d u l a d o r a q u e , b o q u i a b e r t o , a r -
r a s t a a b r a n c a Ambição ( 6 1 ) ?
- "Não durmas e o f e r e c e l i b e r a l m e n t e
g r a o - d e - b i c o ao povo que o disputará, p a r a que os v e -
lhos h e l i o f i l o s possam l e m b r a r - s e d o s n o s s o s jogos
florais (62)".
Que há de m a i s b e l o ? Mas, q u a n d o c h e -
gam os d i a s de H e r o d e s e q u a n d o , d i s p o s t a s na j a n e l a
engordurada e ornadas com v i o l e t a , as l a n t e r n a s vomi-
tam uma e s p e s s a névoa, q u a n d o n a d a a c a u d a do a t u m , a
brangendo a t r a v e s s a v e r m e l h a , quando a j a r r a branca
e s t a c h e i a de v i n h o , moves os lábios, c a l a d o , e empa-
lideces d i a n t e dos sábados c i r c u n c i s o s ( 6 3 ) . Vêm, e n -
tão, os n e g r o s lêmures ( 6 4 ) e os p e r i g o s do o v o q u e -
brado ( 6 5 ) ; d e p o i s os g r a n d e s galos (66) e a sacerdo-
tisa vesga com o s i s t r o ( 6 7 ) ameaçam-te com os d e u s e s
que i n f l a m os c o r p o s , se não c o m e r e s , três v e z e s pela
manhã, a cabeça de a l h o q u e f o i p r e s c r i t a .
NOTAS Ä S Ä T I RA V
- L S I . -
0 3-- A g u e r r a e n t r e r o m a n o s e p a r t a s p a r e c e t e rsido
lema f r e q u e n t e de p e q u e n o s poemetos épicos ou des_
critivos. Horácio r e f e r i u - s e a e l a p o r duas v e z e s
(Od. I I , 1 3 , 17-18: "miles sagittas e t celerem fu_
gam P a r t h i . . . " e Sat. I I , 1 , 15: " . . .aut labentis
aquo describit uulnera Parthi.").
11- C f . p. 40 d e s t e trabalho.
13- A l u d i n d o i n e s p e r a d a m e n t e â c o m i d a da p l e b e , Pérsio
- 15 8 -
20- Suburra f o i um b a i r r o p o p u l o s o e m a l a f a m a d o , ao
pe do Q u i r i n a l , V i m i n a l e E s q u i l i . n o ; em suas r u a s ,
e n c o n t r a v a m - s e as p r o s t i t u t a s . Os jovens podiam
frequentá-los s o m e n t e ap)õs t e r r e c e b i d o a toga u i -
rilis.
2 4 - C f. p.7 3 des t e t r a b a l h o .
1
deve s e i lido como entrega-se ao Campo de Marte,
ou como entrega-se às a t i v i d a d e s do Campo de Mar_
te. P e r r e a u , opus c i t . , p. 1 9 1 , vê, n e s t e v e r s o ,
uma s i m p l e s menção "aos jogos brilhantes e vãos
do Campo de Marte, os combates dos gladiadores,
a corrida a pé ou em c a r r o s , etc.".
y
7. - Segundo Dolç, opus c i t . , p. 707 , Pérsio se s e r v e
dos termos c r a s s o s dies e lucem palustrem, v. 60,
para d i z e r "vida malbaratada no v i c i o " . 0 empre-
go d e s s a s expressões ê e x p l i c a d o p o r Dolç como
sendo uma alusão "à obesidade proverbial dos beó_
cios, devida, segundo se acreditava, ã atmosfera
do seu p a i s pantanoso" , locus cit.
3 8- Masúrio S a b i n o f o i um célebre j u r i s c o n s u l t o do
tempo de Tibério. F o i a u t o r de o b r a s de D i r e i t o
Civil, nas q u a i s c o m e n t a v a disposições l e g a i s an
tigas e contemporâneas ( c f . R a m o r i n o , opus c i t . ,
p. 7 7", e Dolç, opus c i t . , p . 214).
E x p l i c a - s e o emprego de r u b r i c a p e l o f a t o de se
escreverem em v e r m e l h o os títulos ou as p r i m e i -
ras p a l a v r a s de cada l e i ; a s s i m , p o r sinédoque,
rubrica p a s s o u a d e s i g n a r os t e x t o s ou p a g i n a s
das disposições legais.
39- c f . p. 4 7 d e s t e trabalho.
mais c u r t a que as u s u a i s .
5 7- 0 quicunx e q u i v a l i a a 5/12 de um t o d o q u a l q u e r ; o
deunx a 11/12. C o n s i d e r a n d o o período "Vt nummi..
quos ... nutvievas...peragunt auidos sudore deun-
ces", v v . 149 e 1 5 0 , vê-se uma referência direta
ã usura.
Para Vismara, opus c i t . , p. 4 0 , o quicunx corres-
p o n d i a a um ganho de c a p i t a l de c e r c a de 4 1 % ; o
deunx praticamente duplicava o c a p i t a l com um lu
cro de c e r c a de 9 1 % . Para R a m o r i n o , opus c i t . , p .
84, e Dolç, opus c i t . , p. 228, o quicunx equiva-
lia a um l u c r o de 5%, e n q u a n t o o deunx a um lucro
de 1 1 % .
- 169 -
se o o v o se m a n t i v e s s e inteiro, os sacerdotes,
para poder apresentar o presságio, d e v e r i a m
observar p o r que l a d o ele transpirava.
S A I I K A V i
TRAHI) C A O
- 171 -
Õ Basso ( 0 1 ) , o i n v e r n o j a t e l e v o u ao
refugio s a b i n o ( 0 2 ) ? Tua l i r a e as suas c o r d a s auste-
ras j a se r e a n i m a m sob o t e u p l e c t r o , o admirável a r -
t i s t a , que p r o l o n g a s com os v e r s o s os s o n s a n t i g o s e os
vigorosos acentos do alaúde l a t i n o e, l o g o apos , agi-
tas os amores j o v e n s , e d i v e r t e s - t e com dedo h o n e s t o , o
notável v e l h o ( 0 3 ) ? A q u e c e - s e p a r a mim o l i t o r a l da L i
g u r i a e i n v e r n a o meu m a r , p o r onde os r o c h e d o s formam
imensa parede e as p r a i a s se r e c o l h e m em m u i t o s vales.
Ê a ocasião, cidadãos, c o n h e c e i o p o r t o de L u n a ! - É o
que ordena o coração de E n i o , d e p o i s que d e i x o u de s o -
nhar s e r da M e o n i a , o Q u i n t o que p r o v e i o do p a v i o pita
gorico ( 0 4 ) . A q u i , e s t o u i s e n t o das preocupações do p o -
vo e do que o i n f e l i z A u s t r o ( 0 5 ) p o s s a p r e p a r a r ao
meu r e b a n h o , sem me i n q u i e t a r de que a t e r r a do vizi-
nho s e j a m a i s fértil que a m i n h a ( 0 6 ) . A i n d a que se en
riqueçam t o d o s os que n a s c e r a m de p a i s ^ i n f e r i o r e s , r e -
cusar-me-ei a, a r q u e a d o p o r i s s o , ser torturado pela
s e n i l i d a d e ou a c e a r com e x c e s s i v a f r u g a l i d a d e (07) e
a t o c a r com o n a r i z o s e l o de uma j a r r a azedada ( 0 8 ) .
Alguém poderá d i s c o r d a r d i s t o . Õ Horóscopo, g e r a s ge
me os de índole o p o s t a : um h a q u e , na solidão do d i a do
seu a n i v e r s a r i o ( 0 9 ) , m a t r e i r o , molhara o legume seco
na salmoura c o m p r a d a de um c o p o , e s p a l h a n d o e l e mesmo,
sobre o p r a t o , a pimenta sagrada; o o u t r o , m e n i n o mag-
nânimo, consome com o d e n t e a i m e n s a f o r t u n a . Eu usu-
fruirei, usufruirei, nem f a u s t o s o , a p o n t o de servir
r o d o v a l h o s aos meus l i b e r t o s , nem hãbil p a r a r e c o n h e - .
cer o g o s t o d e l i c a d o do t o r d o fêmea ( 1 0 ) . V i v e somente
da t u a própria messe e m o i i n t e i r a m e n t e o t e u c e l e i r o ;
ê o r d e m dos d e u s e s . Que temes? E s t e r r o a e o u t r a colhei
ta e s t a em e r v a . Mas o d e v e r chama: soçobrado o seu
n a v i o , a g a r r a - s e um a m i g o n e c e s s i t a d o a o s r o c h e d o s de
Brutio ( 1 1 ) ; s e p u l t o u t o d o s os seus b e n s e os v o t o s
surdos ( 1 2 ) no mar J o n i o e e l e próprio j a z n a p r a i a ,
j u n t a m e n t e com os enormes d e u s e s da p o p a ( 1 3 ) ; o madei-
rame do n a v i o estraçalhado jã se o f e r e c e aos mergu- ,
l h o e s . Quebra a g o r a a l g u m a c o i s a da t e r r a fértil e a j u
da ao n e c e s s i t a d o p a r a que e l e não p e r a m b u l e pintado
- 17 2 -
em um q u a d r o a z u l ( 1 4 ) . 0 h e r d e i r o , porem, n e g l i g e n c i a
rã na c e i a fúnebre ( 1 5 ) ; i r r i t a d o p o r q u e diminuíste a
f o r t u n a , d e p o s i t a r a os t e u s o s s o s i n o d o r o s na u r n a , de
t e r m i n a d o a não s a b e r se as c a n e l e i r a s e x a l a m impercep_
t i v e ] , m e n t e ou se se a d u l t e r a r a m as cássias com c e r e j ei.
ra (16).
- "Diminuirás, então, os bens de quem
está vivo?"
P e r g u n t a - m e q u a l é meu trisavô ( 2 4 ) ;
direi, mas não p r o n t a m e n t e . Acrescenta também um e
m a i s um também; jã é f i l h o da t e r r a e, s e g u n d o o c o s
tume genealógico, e s t e Mânio a p r e s e n t a - s e - m e como i r
mão da m i n h a bisavó m a t e r n a . Em que és o p r i m e i r o ?
Por que me pedes a t o c h a e n q u a n t o eu c o r r o ( 2 5 ) ? Sou
Mercúrio p a r a ti, venho p a r a cá como d e u s , como ele
é p i n t a d o . Recusas? Queres c o n t e n t a r - t e com o que
resta?
- " F a l t a a l g u m a c o i s a ao total."
- "Já o f i z ! Já é o t r i p l o ; retor-'
na-me p e l a q u a r t a v e z ; dez v e z e s jã. I n d i c a onde de
vo parar!"
NOTAS A" S Ä T I R A
- 17 b -
10- 0 t o r d o e r a um p e i x e c a r o e m u i t o a p r e c i a d o p e -
l o s glutões, os q u a i s , s e g u n d o o e s c o l i a s t a de
Pérsio, s a b i a m d i s t i n g u i r se o t o r d o e r a '"acina_
rius an c e l a r i u s aut u i u a r i u s masculus...
...an femina", apud Dolç, opus c i t . , p. 240.
cit., p. 2 4 1 ) , apos t e r l e v a n t a d o a p o s s i b i l i d a d e
de aentum paria poder significar-' dupla hecatombe.
R a m o r i n o , opus c i t . , p . 9 7 , e Dolç, opus c i t . , p .
253, apoiando-se em Horácio, Sat. I I , 3, 85-86
("...gladiatorum dare aentum / damnati populo pa-
ria..."), e n t e n d e m que h a j a a e l i p s e de g l a d i a t o _
rum.
21- B o v i l a s f o i uma p e q u e n a a l d e i a , a c e r c a de o n z e
.milhas de Roma, j u n t o a q u a l se e n c o n t r a v a o o l i -
uus Aricinus, colina famosa na a n t i g u i d a d e , dado
o grande numero de m e n d i g o s que a p r o c u r a v a m ( c f .
Marcial, I I , 1 9 , 3; V i r g . Aen. V I I , 7 6 1 ; J u v e n a l
IV, 1 1 7 ) .
herdeiro do p o e t a se m o s t r a a v e s s o a q u a l q u e r des_
pesa que i m p l i c a s s e a diminuição da s u a herança.
B I B L I O G R A F I A
- 184 -
I- Obras de r e f e r ê n c i a
II- Textos de P é r s i o
Satires. T e x t e établi e t t r a d u i t p a r A. C a r -
lault. P a r i s , "Les B e l l e s Lettres", 1929.
NISBET, R. G. M. P e r s i u s . I n : C r i t i c a l Essays on
Roman L i t e r a t u r . L o n d o n , R o u t l e g e d & Kegan Paul,
(1963).
I V - T e x t o s de o u t r o s autores latinos
e gregos.
_ Êpitres. T e x t e établi e t t r a d u i t p a r F.
Villeneuve. Paris, "Les B e l l e s L e t t r e s " , 1955.
Satires. T e x t e établi e t t r a d u i t p a r F.
Villeneuve. Paris, "Les B e l l e s L e t t r e s " , 1951.
HOMERO. I l i a d e . T e x t e établi e t t r a d u i t p a r R.
Mazon e t a l i i . Paris, "Les B e l l e s Lettres",
1926 .
JUVENAL. S a t i r e s . T e x t e établi p a r P i e r r e de L a -
briolle et traduit p a r F. V i l l e n e u v e . Paris,
"Les B e l l e s L e t t r e s " , 1974.
PETRÔNIO. Le S a t i r i c o n . T e x t e établi e t t r a d u i t p a r
A. E r n o u t . P a r i s , "Les B e l l e s L e t t r e s " , 1974.
_ Géologiques. T e x t e établi e t t r a d u i t p a r
P. de S a i n t - D e n i s . P a r i s , "Les B e l l e s Lettres",
1.9 66 .
. Buaoliqus. T e x t e établi e t t r a d u i t p a r E.
de S a i n t - D e n i s . Paris, "Les B e l l e s Lettres",
1'! 67 .
V- H i s t ó r i a da L i t e r a t u r a Latina
B.'sLER, L. H i s t o r i a de la L i t e r a t u r a Romana. G r e -
dos, Madri, (1968).
e
BCTSSIER, G. T a a i t e . 3 édition. P a r i s , H a c h e t t e , 1 9 0 8 .
VII- H i s t ó r i a de Roma
V111 - Filosofia
I N D I C E
- 192 -
Considerações gerais 1
I- Introdução 5
Biografia 6
Obras H
A tradição manuscrita 13
Sátira ou satura 16
A i n t e n ç ã o de P é r s i o 17
Argumento das s á t i r a s 19
Sátira I 19
Sátira II 21
Sátira III 23
Sátira IV 24
Sátira V 25
Sátira VI 27
Obscuridade 35
Causas da o b s c u r i d a d e 38
A lTngua 39
N
0 diálogo .. 41
As imagens 43
As t r a n s l a d a ç õ e s 49
As al u s õ e s .. . . 52
A mudança brusca das cenas 52
A imaturidade 53
0 Valor Literário 60
A r e p r e s e n t a ç ã o da v i d a 63
Caricaturas 66
A força dramática do d i a l o g o 68
Originalidade e 1ugares-comuns 70
A métrica 75
Conclusão 83
Sátira I
Tradução 89
Notas 96
Sátira I I
Tradução
Notas
Sátira I I I
Tradução
Notas
Sátira I V
Tradução
Notas
Sátira V
Tradução
Notas
Sátira V I
Tradução
Notas
Bibliografia