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POEM AD ANÇ AN DO :

G il k a M a c h a d o e E ros V o lú sia

S o r a ia M a r ia S ilv a

EDITORA

B B
UnB
A o s que para além d o drama con seguem ser poesia!

Para C a r lo s A n tô n io e E lizab eth , p ela carn e e p e lo sangue

Para José e J a có , p e la esp ecial co n tem p la çã o ,


tam b ém aos livros e à cena

E m m e m ó ria de

E ro s V o lú sia
A lm ir B ru n e ti
D a n ilo L ô b o

A g ra d e c im e n to esp ecial para A m a u ry M enezes


Su m á r i o

A lg u m a s p a la v r a s p r e lim in a r e s 9

1 . P o e s i a e d a n ç a : l i n g u a g e m e m m o v i m e n t o 12

2 . T r a n s m u t a ç ã o s e m i ó t i c a 18

Delsarte e Laban: a semiótica da ação 22


Função poética do movimento 32

3 . O S PRIM EIROS PASSOS DOS VERSOS 40

Panorama de Gilka Machado 4"O


E rosV olúsia 4^2

4 . N ie tz s c h e e a fu n d a ç ã o da n ov a d a n ça 63

Gilka Machado e Nietzsche: a dança como m etodologia de criação


poética 75

5 . O TEX TO D O BA ILARIN O — A D AN SINTERSEM IÓTICA NA


LEITURA G i L K A /E r OS 92

Musicalidade no passo poético que dança IO 5


Licença poética para o olhar fem inino 123
A dança de Eros: ritm o fem inino na poesia 132
O espírito da palavra-carne que dança 1 5 3
Poesia e transe l6 8
6. A D AN ÇA DAS PALAVRAS - ASPECTOS DE U M A SIMBIOSE
ARTÍSTICA 207

Poemadançando — poema/dança, dança/poema 2H


Poemadançando: "Cascavelando” , de Eros Volúsia, e "Samba” , de
Gilka Machado 224

7 . O S ÚLTIM OS PASSOS PARA O IN ÍC IO 231

A nexo

E n tr e v ista r ea liza d a c o m E ros V o l ú sia 236

R eferên cias 245

Publicações de Eros Volúsia 2 45


Publicações sobre Eros Volúsia 2 45
Periódicos sem assinatura sobre Eros Volúsia 2 46
Publicações de Gilka Macbado 24 S
Publicações sobre Gilka Machado 24^
Periódicos sem assinatura sobre Gilka Machado 250
Referências sobre dança 2 5 0
Referências gerais 254
A l g u m a s p a l a v r a s p r e l im in a r e s

N o s ú ltim o s anos, os m o d e rn o s estudos in terd iscip lin ares


tro u x e ra m u m n o vo alen to às pesquisas literárias. E m b o ra d u ran te
várias décadas dos sécu los X IX e X X esses estudos ten h a m se lim ita ­
d o ao in te r -r e la c io n a m e n to da literatu ra co m a h istó ria e a so c io - •g •
lo g ia , n o ú ltim o q u a rtel do sécu lo X X , n o B rasil, d ep o is de um a
fase m a rcad a m en te fo rm a lista -estru tu ra lista , os estudos in te r d is ­
cip lin a re s v o ltara m a d o m in a r o espaço acad êm ico, mas agora com
m a io r lib e rd a d e e m ais o p çõ es, b u sca n d o estabelecer u m a via de
m ão d u p la en tre a lite ra tu ra e as dem ais artes e ciências.
C o n s e q ü e n te m e n te , estudos en tre a literatu ra e a p s ic o ­
lo g ia , a filo s o fia , a m ú sica e ou tras artes e ciências to rn a ra m -se ,
h o je , adm issíveis e desejáveis, n ão só n o que tange ao au tor, mas
ta m b é m n o q u e diz resp eito ao p e rso n a g e m e ao le ito r . T rata -se,
p o rta n to , de u m u n iv erso in fin ito e rep leto de p o ssib ilid ad es para
os q u e p o r ele se interessam .
N esse vasto u n iv erso , m u itas apro x im a çõ es ain d a estão p o r
ser feitas e a in d a causam certa surpresa. Esse é o caso da p ro fe sso ra
S o raia M a ria Silva, q u e, c o m u m livro deveras d esb ravad or, abre,
acred itam os sin ce ra m en te, u m n o vo ca m in h o para os p esq u isa d o ­
res in teressad os n a in te r -r e la ç ã o po esia—d ança. R e fe r im o -n o s ao
en saio Poemadartçando Gilka Machado e Eros Volúsia, o ra p u b lica d o pela
E d ito ra U n iv e rsid a d e de B rasília.
O o b jetiv o p r in c ip a l deste ensaio é a p ro x im a r, p rática e
te o ric a m e n te , a lite ra tu ra da dança e vice-v ersa. È im p o rta n te d i­
zer q u e a a u to ra n ão b u sca estu d ar as adaptações de textos p o ético s
à d an ça, as quais n ad a têm de n ovid ad e e têm sido feitas ao lo n g o
dos séculos, n em p e rc o rre r o cam in h o inverso. E xp lican d o m elh o r:
m u ito s co re ó g ra fo s escreveram balés in s p ira n d o -s e em textos lit e ­
rário s, assim co m o m u ito s poetas d eix a ra m -se in s p ira r p ela dança.
Esse não é o ca m in h o da au to ra. E la b u sca u m a a b o rd a gem que
cham arem os de "e stru tu ra l” , isto é, u m a a b o rd a gem de a p ro x im a ­
ção m ais co eren te, sólid a e c ie n tífic a das duas artes, u ltrap assan d o
o d o m ín io da cham ada " in sp ira ç ã o ” o u "ad a p taçã o ” .
E m seu en saio, Soraia M a ria Silva deixa b e m clara a n atu reza
desse in te r -r e la c io n a m e n to ao a p ro x im a r a d ança de E ro s V o lú sia
da p oesia de G ilk a M ach ad o . N o caso em pau ta, a ligação m ã e-
filh a u ltrap assou o espaço fa m ilia r para p r o je ta r -s e n o a rtístico .
P o r u m la d o , a dança sim b olista vo lu sian a, co m fo r te in flu ê n c ia
de Isad ora D u n c a n , p o d e ser ap ro x im a d a d os p o em as sim bolistas
g ilk ian o s, e p e lo o u tro é possível re c o n h e c e r, n o texto m o d e rn ista
de G ilk a M ach ad o , a p resen ça das pesquisas e d o gosto de E ro s V o ­
lúsia, so b retu d o n o s po em as gilk ian o s de tem ática m ais b ra sileira ,
n o s quais se evid en cia de fo rm a clara a p e rso n a lid a d e da b a ila rin a .
S ab e-se q u e, para c o m p o r suas d anças, E ro s V o lú sia p e rc o r re u o
país e p esq u iso u os ritm o s b ra sileiro s d e o r ig e m in d íg e n a e a fric a ­
na, o q u e lh e valeu o títu lo de C ria d o ra d o B alé B ra sile iro .
Grosso modo, p o d e -s e a firm a r q u e o en saio de S o raia M aria

Silva abord a q u atro aspectos fu n d a m en ta is:


O p r im e ir o , co m o j á se v iu , visa a ela b o ra r u m m é to d o de
análise para os estudos in te rd isc ip lin a re s q u e en volva a lite r a tu ­
ra e a dança; n ele, a a u tora apresen ta a p a rte m ais te ó ric a de sua
pesquisa, refa zen d o o p e rc u rso p o r ela p e r c o r r id o e d isc u tin d o a
o b ra d os p en sad ores e d os c o re ó g ra fo s q u e a o rie n ta ra m em sua
cam in h ad a, em p a rticu la r R u d o lf L ab an .
O segun do recu p era as danças e os textos vo lu sian o s, b u s ­
can d o r e u n ir to d o o m aterial que sob reviveu à b a ila rin a , falecid a
em 2 0 0 4 - E n tre esse m a terial, d estaca-se u m a seq ü ên cia d o f i l ­
m e h o lly w o o d ia n o Rio Rita (1 9 4 2 ), em q u e ela aparece d a n çan d o o
Tico-Tico no fubá, de Z e q u in h a de A b r e u . T e c n ic a m e n te , essas talvez

sejam as m elh o res im agens de E ro s V o lú sia d a n ça n d o . G raças a


elas p o d em o s, 6 í> an os m ais tard e, te r u m a p á lid a id éia de sua arte.
T o d o o m aterial c o leta d o p o r S o raia M a ria Silva d u ra n te a p e s­
quisa in tegra atu alm en te o acervo d o C e n tr o de D o c u m e n ta ç ã o e
Pesquisa em D an ça E ro s V o lú sia / C E N / Id A / U n B .
O te rceiro aspecto estudado, m esm o parcialm en te, é a p o e ­
sia de G ilk a M a ch ad o , im p o rta n te escrito ra b ra sileira , esquecida
d u ra n te alguns anos e qu e, n os dias atuais, vem sen do in te r m i­
te n te m e n te lem b ra d a p elo s estu d iosos da literatu ra fem in ista ou
da m u lh e r.
F in a lm en te, o q u arto aspecto é u m a tentativa de u n ir poesia
e d ança o u d ança e p o esia , u tiliz a n d o co m o corpus os poem as de
G ilk a M achad o e a d ança de E ro s V o lú sia , p o n d o em prática, p o r
co n seg u in te, a te o ria exposta na p rim e ira parte do en saio.
M e lh o r q u e n in g u é m , S oraia M aria Silva está arm ada para
d e fe n d e r suas id éias. P rofessora de d iscip lin a s ligadas à dança n o
D epartam ento de A rtes C ên icas da U n B , área em que tem graduação
e m estrad o, p o ssu i u m d o u to ra d o em T e o ria da literatu ra , títu los
que lhe p e rm ite m falar co m segu ran ça e a u to rid a d e sob re as duas
artes.
U m en saio co m o Poemadançando Gilka Machado e Eros Volúsia é u m
trab alh o p io n e ir o q u e exige de seu rea liza d o r corag em para d esa­
fia r, ou sar e p r o p o r o n o v o . S em dúvida, é u m a im p ortan tíssim a
c o n trib u içã o p ara o d esen v o lvim en to d os estudos in te rd is c ip lin a -
res e certa m e n te a b re as p o rta s para essa área quase in to cad a dos
estudos de lite ra tu ra e dança.

D a n ilo L ô b o
P o e s ia e d a n ç a : lin g u a g e m
I em m o v im e n to

Este livro desenvolve u m a le itu ra in te r d is c ip lin a r en tre


a p oesia sim b olista de G ilk a M achad o (1 8 9 3 - 1 9 8 0 ) e a d an ça de
E ro s V o lú sia ( l 9 I 4 _2004 )- A d ança de E ro s V o lú sia m a n té m , em
sua estética do m o v im e n to , m uitas re fe rê n cia s sim b olistas, exp res-
sionistas e m o d ern istas, que fo ra m esboçadas o u m esm o d e se n ­
volvidas n o s p oem as de G ilk a M a ch ad o . D esse m o d o , to r n o u - s e
fe c u n d o realizar u m estu d o a p r o fu n d a d o , in te r -r e la c io n a n d o as
obras dessas duas p erso n a lid a d es da lite ra tu ra e da d ança, as quais,
te n d o p ro d u ç õ e s in d e p e n d e n te s e reco n h e cid a s, cada u m a em
sua área de atuação estética, m a n tin h a m u m estreito d iá lo g o , para
além d os laços fa m ilia res, n o cam p o a rtístico.
U m a das p reo cu p açõ e s dessa a n a lo gia é v e rific a r a im ag em
m e ta fó ric a q u e se apresen ta co m o p o esia n o s passos e n o s textos de
E ro s V o lú sia e co m o dança nas palavras p o éticas de G ilk a M a ch ad o .
O estudo a q u i p ro p o sto só fo i possível m ed ia n te o acesso ao m a ­
te ria l de con su lta, co m o recortes de jo r n a is , revistas e en trevistas,
g en tilm e n te ced id os p ela b a ila rin a e seu s o b r in h o A m a u ry M e n e ­
zes. R esgatar o texto do b a ila rin o , tan to n a o b ra de E ro s V o lú s ia
co m o n os trab alh os lite rá rio s de sua m ãe, G ilk a M a ch ad o , é de
fu n d a m en ta l im p o rtâ n c ia para a co m p reen sã o e o d e se n v o lv im e n ­
to de m eto d o lo g ia s e estudos in te rd isc ip lin a re s e m u ltid is c ip lin a -
res, c o n ju g a n d o o e n c o n tro p o é tic o e n tre lite ra tu ra e d an ça. D a
trad u ção in te rse m ió tic a à d a n sin te rse m io tiza ç ã o ,1 passand o p ela
d a n sin term ed ia ç ã o ,2 surge a m ed iação en tre lin g u a g en s, u m filtr o
de in terp re ta çã o e tran sp o sição criativa. N esse c a m in h o , r o m p e n ­
do a in trad u zível p o esia 3 co m a tran sm u tação de valores, gestos de
criação p o é tic a , os q u ais já a b rira m c a m in h o p a ra in v estig a çõ e s
sob re a tra d u çã o , além d os lin g ü ís tic o s ,4 te m -s e aqu i o p o e m a d a n -
çado an alisad o p o r u m m éto d o h íb r id o .
Para S tép h a n e M a llarm é, a dança co m o arte em b lem ática
é u m a "escrita c o r p o r a l” em que a m u lh e r b a ila rin a plasm a em si
a p r ó p ria "m e tá fo ra ” , o " s ig n o ” . Para o p o eta , a b a ila rin a su ge­
re "c o m u m a escrita c o rp o r a l o q u e ex igiria parágrafos em prosa
tan to d ialog ad a q u an to d escritiva, para ser expresso p o r m eio da
red ação: p o e m a isen to de to d o o ap a relh o do escrib a ” .5
A ssim , co m o " in c o r p o r a ç ã o visu al da id é ia ” , os m o v im e n ­
tos da b a ila rin a , p ara M a lla rm é, são "a represen tação plástica, n o
p a lco , da p o e s ia ” , q u e é, ao m esm o te m p o , texto e c e n á rio , o u
seja, a fo rm a h u m a n a em sua m ais expressiva síntese p o ética da
m o b ilid a d e .
M a llarm é é, sem dú vid a, u m p o eta que a p lico u a d a n sin -
tersem io tizaçã o em sua o b ra , sen d o u m d os p rim e iro s te ó ric o s e
c rítico s d o b alé a p e n sa r a qu estão da c o re o g ra fia em relação à d is ­
p o siçã o das palavras em u m p o e m a . S eg u n d o M árcia R o d rigu e s
J u n q u e ira , n o liv ro Divagations (18 9 7) M allarm é c o m p õ e u m a esp é­
cie de " filo s o fia da d a n ça ” , in c o r p o ra d a p r in c ip a lm e n te n o p o em a
" Un coup de d és". 6
N ietszche tam bém fo i u m grande precu rsor do texto do dança­
r in o . P or m eio de sua filosofia, aproxim ava a poesia da palavra à ação
poética do d an çarin o . Sua filo so fia in flu e n cio u os criadores da nova
dança desenvolvida n o in ício do século X X em diversas m odalidades
denom inadas dança livre, de expressão, m od ern a, de con certo, pura,
absoluta, abstrata, natural. N as décadas de 192 0 e 19 3 0 , essas m an i­
festações, em oposição à estética clássica, culm inaram com a criação
da dança expressionista, estilo fu n dam en tal para os desdobram entos
estéticos da arte da dança na atualidade.7
P o d e -se observar a in flu ê n c ia m arcan te d o p e n sa m e n to de
N ietszche n a ob ra dos rev o lu cio n á rio s da n ova dança, co m o fu n d a ­
d o r da u to p ia na arte para a regeneração esp iritu al. O esp írito dos
n ovos tem pos faz-se presen te tanto em N ietzsch e c o m o em Isadora
D u n c a n ( l 877- I 927). con sid erad a a gran d e p recu rso ra da dança
m o d ern a . O s d ois u tilizara m o id ea l clássico grego para refa zer a
volta ao p rim itiv o elo fu n d a d o r d o vital e do b e lo esp iritu a lizad o .
Isadora proclam ava sua id éia de dança livre vin cu lad a aos estudos da
cu ltu ra grega, cujas figu ras da escu ltu ra, b a ix o s-relev o s e vasos são
dotadas de d elicad a p r o p o rc io n a lid a d e física e h a rm o n ia de m o ­
vim e n to s. Isso não seria possível a n ão ser q u e os artistas d a q u ele
■14 • tem p o estivessem acostum ados a ver sem p re ao seu r e d o r belas f o r ­
mas hu m an as. V im à G ré c ia estu d ar essas fo rça s da arte an tiga e,
so b retu d o , para viver n o país q u e p r o d u z iu esses m ilagres, e q u a n ­
d o d igo viver, q u ero d izer d a n ç a r.8
Já para o filó so fo alem ão, a dança co m o m etáfo ra de sua f i ­
lo so fia da ação, do trágico prazer, d o devir m o rrer/ren ascer ta m ­
b é m é inspirada na cu ltu ra clássica grega, de re c o n h e cim e n to das
qualidades dionisíacas e apolíneas co m o reco rren tes n o esp írito
h u m a n o .9 Essa eterna dança de con stru ção/d estru ição qu e deses-
trutura as bases fixas e rígidas do p en sam en to e da ação, presentes
na filo so fia nietzschiana, segundo Scarlett M a rto n , é com parável à
dança de Shiva, o B en evo len te, mas tam bém o T errív el, assim co m o
D io n iso , que ao m esm o tem po cria e d e s tró i.10 C o m u m a lin g u a ­
gem p lurívoca da m etáfora que dança sob o sign o d o m o v im e n to , a
im agem poética nietzschiana p o d e, co m o p r o p õ e C a lv in o , "sair da
perspectiva lim itad a do eu in d ivid u al, n ão só para e n trar em ou tro s
eus sem elhantes, mas para fazer falar o que n ão tem palavra” .11 Para
Scarlett M arton , N ietzsche tem na dança, b em m ais qu e na poesia,
sua p rin c ip a l aliad a.12A pesqu isad ora esclarece que p ela dança N ie t-
zsche/Zaratustra in sp ira -se para expressar sua selvagem sabed oria de
u m m u n d o d ion isíaco cujas forças cósm icas de criação e d estruição
estão refletidas em u m a dança das palavras, as quais d izem , c o n tra ­
d izem e desdizem , u m esp elham en to da dança desenfreada da vida,
que se m ove para além do b em e do m a l.13
A ssim , re la c io n a n d o literatu ra e dança, p ro c e d im e n to s
lin g ü ístico s, lite rá rio s e c o re o g rá fico s, fo i realizad a a "d an ça das
p alavras” en tre G ilk a M achad o e E ros V o lú sia , u m estu d o da c o n ti­
n u id a d e p o ética para d istin g u ir as estru tu ras estéticas c o m u n ic a n -
tes n a lin g u a g e m da d ança e da literatu ra . O estu d o com parativo
en tre lite ra tu ra e d ança n ão é in é d ito , existin d o já vários trabalh os
nessa área in te r d isc ip lin a r , co m o o estu d o realizad o p o r K a tia
G a n to n sob re os co n to s de fad a. N esse trab a lh o , G a n to n analisa os
c o n to s de fada n a sua trad ição o ra l e seus registros n o d e c o rre r dos
te m p o s em d iferen tes m eios expressivos c o n te m p o râ n e o s, co m o a
litera tu ra , o b alé clássico e a d ança/teatro, estu d an d o essas m a n i­
festações in serid a s n o c o n tex to das várias épocas e m eios em que se
m a n ife sta ra m .14
N o estu d o a q u i p r o p o sto , tam b ém fo ra m analisados o u tro s • 15 •
textos de d a n ç a rin o s, co m o os de Isad ora D u n c a n ( l 877_I927) 15 e
os de R u d o lf L ab an ( l 879 _I 958 ) , 16 represen tan tes da estética ex-
p ressio n ista da d ança d o in íc io d o sécu lo X X , co m o M ary W igm an
(1 8 8 9 - 1 9 7 3 ), cu ja d an ça tam b ém resgata o caráter e ru d ito n o p o ­
p u la r, e o de o u tro s d a n ça rin o s, co m vistas a traçar u m p aralelo do
co n tex to cria tivo desses artistas, da dança d o in íc io do sécu lo X X
e de suas in serçõ e s in te rd isc ip lin a re s co m a o b ra desenvolvida p o r
E ro s V o lú sia e G ilk a M ach ad o .
O u tr o s tem as, co m o a questão do fe m in ism o e d o n a c io n a ­
lism o , m u itas vezes presen tes n a p o esia de G ilk a e na dança de E ros,
ta m b é m fo ra m a b ord ad o s de fo rm a co latera l n o d esen volvim en to
d o tra b a lh o , assim co m o a in flu ê n c ia da filo so fia de N ietzsch e na
co n stru çã o da m etá fo ra do b a ila rin o n o texto p o é tic o . A s idéias
filo só fic a s n ietzsch ian as p a rticip a ra m n ão só da ap roxim ação do
texto p o é tic o co m p r in c íp io s da d ança, co m o tam bém in flu e n ­
ciaram a p rá tica artística e as idéias de d a n çarin o s com o Isadora
D u n c a n , n o rte a n d o a m e to d o lo g ia da nova dança, praticad a p o r
E ro s V o lú sia e tem atizad a n a p oesia de G ilk a M ach ad o . A lib eração
fe m in in a , a p resen ça da c u ltu ra dos cassinos co m seus artistas, o
n a c io n a lism o que visava à d e fin içã o de u m caráter b ra sileiro da
cu ltu ra e da litera tu ra são qu estões m uitas vezes con sid erad as com o
p r o d u to s da ép oca a ser analisada.
N o t a s d o c a p ít u l o ï

I Q u a n d o a cria ção n a dan ça está3 Para R o m a n Ja k o b so n : A p o e sia ,


re la cio n ad a a o u tras artes p e lo p r in c í­ p o r d e fin iç ã o , é in tra d u z ív e l. Só é
p io da a n alo gia e cu jo re su lta d o da po ssível a tra n sp o siçã o in tra lin g u a l de
tra n sp o siçã o p a rte d o p o n to de vista u m a fo r m a p o é tic a a o u tra,
da síntese d o b a ila rin o . Esse te rm o tra n sp o siçã o in te rlin g u a l,
fo i d esen vo lvid o n o liv ro Profetas em o u fin a lm e n te tra n sp o siçã o
movimento: dansintersemiotização ou metáfora in te rse m ió tic a — d e u m sistem a de
cênica dos Profetas do Aleijadinho . U t ili ­ sign os para o u tr o , p o r e x e m p lo , da
zan d o o m éto d o L a b an , p u b lic a d o arte v erb a l p ara a m ú sica, a d an ça , o
pela E d usp em 2 0 0 1 (SILVA-, 2 0 0 1 , c in e m a o u a p in t u r a ” ( J A K O B S O N ,
p. 19). 1 9 6 9 , P . 7 2 ).
2 A d a n sin te rm ed ia çã o p o d e ser
4 J u lio Plaza destaca q u e a tra d u çã o
e n te n d id a co m o a relação m a io r in te rse m ió tic a o u " tra n sm u ta çã o ” de
estab elecid a so b re a m e to d o lo g ia da valo res p o é tic o s j á f o i alvo d e te o ria s
criação n a dan ça e sua in se rçã o d ia ló - p ro d u z id a s so b re tu d o p o r artistas
gica e n tre os e le m e n to s co n stitu in te s pensadores co m o W alter B e n ja m in ,
da en cen a ção teatral. C o m o a c a racte ­ R o m a n J a k o b s o n , P a u lV a lé iy , E rza
rística básica da dan ça é a re u n ião P o u n d , O cta v io Paz e o u tro s (P L A Z A ,
p rim itiv a de to d o s os ele m e n to s 19 8 7, p . X I ).
n ecessários à expressão criativa, ela 5 MALLARMÉ, 1945» P- 3°4-
se to rn a "a m ãe das artes” , la b o ra tó ­ 6 J U N Q U E IR A , 19 9 8 , p . 1177.
r io cria tivo p r im o r d ia l das artes do 7 " D u a s co rr e n te s, n a estética da
te m p o e d o espaço . D esse m o d o , o d an ça m o d e rn a , d esta ca ra m -se com
se n tid o d e o rq u estra ção de diversos m ais in te n s id a d e n o sé cu lo X X : o
e le m e n to s c o m u n s a o u tras lin g u a ­ E x p re ssio n is m o da E u ro p a C e n tr a l
gen s, c o m o espaço, p eso , te m p o e e a neu> dance o u modem dance dos
flu ê n c ia , faz da d an ça, cu ja m atéria E U A . Essas duas c o rre n te s su rgem
expressiva é o p r ó p r io c o rp o em m o ­ p a ra le la m e n te , m as e n c o n tr a m -s e
v im e n to , o la b o ra tó r io p r im e ir o de e d ia lo g a m so b re a m esm a questão:
in te raçã o e d iálo go criativo n o estab e­ co m o levar o im p u lso c ria d o r a u m a
le c im e n to d a expressão cê n ica e seus c o n e x ã o o rg â n ica e im e d ia ta c o m o
ritu a is m u ltid im e n s io n a is. O u seja, o m o v im e n to , b u sca n d o a in te g ra çã o e
estu do e a c o m p re e n são d o p r in c íp io o a p rim o ra m e n to n a sua re a liza çã o ”
d o m o v im e n to in te ra tiv o e criativo (S IL V A , 2 0 0 2 , p . 2 8 7 ).
e n tre os co rp o s, o q u al rege d esde o 8 D U N C A N , 199 6 , p - 3 2 .
m a c ro c o sm o até o m ic ro c o sm o .
9 Nessa abordagem filosófica,
N ietzsche alerta para a necessidade do
estabelecim ento de u m eq u ilíb rio vital
en tre as energias hum anas e a natureza
pela em briaguez dionisíaca.
O filó so fo dizia: "C a n ta n d o e
d an çand o, m an ifesta-se o h o m em
co m o m em b ro de u m a com un id ad e
su perior: ele desaprend eu a a nd ar e a
falar e está a p o n to d e, d an çan d o, sair
vo an d o pelos ares. D e seus gestos fala o
en can tam en to. [...] O h o m e m n ão é
mais artista, to rn o u -s e ob ra de arte: a
força artística de toda a natureza, para a
d eliciosa satisfação d o U n o -p rim o rd ia l,
revela-se aqui sob o frêm ito da
em b riagu ez” (N I E T Z S C H E , 1992,
p- 31)
10 M A R T O N , 2 0 0 0 , p . 53 17
11 C A L V I N O , 1 9 9 0 , p . 138
12 Ib id ., p . 4 5
13 Ib id ., p . 5 4
14, C A N T O N , 19 9 4
15 C o n s id e ra d a a p r o fe tisa da n ova
d an ça, p ara q u e m o p r in c ip a l nessa
arte era a sin ce rid a d e d o m o v im e n to
ao exp ressar d e te rm in a d o estado
de alm a c o m lib e rd a d e d e ta len to e
cu ltu ra.
16 R u d o lf L a b a n lid e r o u o g ru p o
da Ausdruckstanz, a n o va te n d ê n cia
da d an ça exp ressiva, q u e propagava
a cre n ç a de q u e os fa to res do
m o v im e n to (p e so , espaço , te m p o e
flu ê n c ia ) p o r si só c o m p õ e m u m a
lin g u a g e m p a rtic u la r q u e p o d e
v e in c u la r u m a sig n ifica çã o sem
re c o r r e r às palavras; p o r m e io do uso
c o n sc ie n te da c o m b in a ç ã o d os fatores
d o m o v im e n to , p a ra u m a c o m p o siçã o
de m o v im e n to exp ressivo, p o d e -s e
d ize r o in d izív e l, o c o n h e c im e n to da
c o m b in a ç ã o d os fa to re s u tiliz a d o s, em
q u a lq u e r tip o de ação física, revela
ao in ic ia d o nas té cn icas d e an álise do
m o v im e n to exp ressivo as te n d ê n cias
pesso ais d o h o m e m q u e execu ta a
ação.
T r a n s m u t a ç ã o s e m ió t ic a

D isc u tir sem ió tica co m o in stru m e n to de p e rc e p çã o estética


é d iscu tir os sign os e seus p rocesso s de sig n ifica ção n o u n iv erso da
arte. E m o u tro s te rm o s, é fazer o d iá lo g o en tre duas lin g u ag en s,
• 18 • ora se d ista n cian d o ora se a p ro x im a n d o d o o b je to , a n a lis a d o -o ,
fa zen d o em e rg ir o p r in c íp io de c o m p le m e n ta rid a d e p ara p r o m o ­
ver a in teração d o in s tru m e n to de observação e da coisa observada,
co n fo rm e as p ro p o siçõ es de R o m a n J a k o b so n .1 A d em ais, a se m ió ­
tica co m o c o n h e c im e n to de có d ig o s e sistem as síg n ico s variados
é fru to de um a u n iã o de ciên cias tan to exatas co m o h u m an as e
p o ssib ilita u m a análise dos n íveis sin tático s, sem ân tico s e p ra g m á ­
ticos da lin g u a g em , c o m p o n d o so b retu d o o d iá lo g o e a a n a lo gia
na d iversid ade. A associação da análise estética e da sem ió tica só
p o d e ser fecu n d a , p o is am bas as ciên cias visam à expressão h u ­
m ana, ora a rq u iteta n d o , ora in te rp re ta n d o , o u a in d a o p e ra n d o
c o m o co n stru to re s das cam adas evolutivas d o p a n teã o da arte e da
lin gu agem .
A o b ra de arte con sid era d a co m o u m a m en sa gem am bígu a,
u m a p lu ralid a d e de sig n ifica d o s, é a rep rese n ta ção estética das
po ssib ilid ad es de um a estru tu ra am b iv alen te, c o m p a rtilh a d a p o r
u m a esp écie de p o lisse m ia p a n ó p tic a . Essa es tru tu ra a m b iv a len te
é fo rm a d a , n o â m b ito da a rte v e rb a l, p o r u m a o r g a n iz a ç ã o sistê­
m ica de sign os lin g ü ís tic o s d ife r e n c ia d o s em sig n ifica n te s e sig ­
n ific a d o s. E a p a rtir desse esp ectro c a le id o scó p ico de sign os qu e se
deve in ic ia r u m a discussão, fo c a liza n d o a fu n çã o p o é tic a , p r im e i­
ram en te sob o aspecto verb al e, em u m seg u n d o m o m e n to , mutatis
mutandis, a p ro x im a n d o estética e p o é tic a d o p o n to de vista e x tra li-

te rá rio com base n a in te rp e n e tra çã o d o sig n o verb al e n ã o verb a l e


sua "tra n sm u ta çã o ” , em outras palavras, sua trad u ção in te rse m ió -
tica em gesto e palavra p o é tic a , isto é, a "d a n sin tersem io tiza çã o ” .
N esse p ro c esso , o c o r re m ed iação an alítica, que surge q u an d o a
trad u çã o e n tre lin g u ag en s passa p e lo p rism a da in terp re ta çã o c ria ­
tiva, p o ssib ilita n d o u m a tran sm u tação de valores p o ético s.
A m en sa gem am b íg u a de u m a o b ra de arte tam bém p o d e
ser v islu m b ra d a a p a r tir da estética de H e ge l. Para esse filó so fo ,
a id é ia , rep resen ta d a n u m a fo rm a co n creta e sensível, c o n stitu i
o c o n te ú d o da arte, cu ja fu n çã o resid e em c o n c ilia r esses d o is as­
p e cto s (a id é ia e a rep resen ta ção sensível) em u m a livre totalid ad e,
to r n a n d o a p r im e ir a acessível à nossa c o n tem p la çã o . A p o ética da
d ança a q u i tratad a é a p o n te de h a rm o n iza çã o en tre c o n te ú d o e
rep rese n ta ção n a expressão das artistas analisadas. N o e n ta n to , e
n a m ed id a em q u e essa expressão n ão esco lh eu a dança p o r e n c o n -
tr á - la à d isp o siçã o e n ão o u tra , mas p o rq u e o p r ó p r io co n teú d o
de G ilk a e E ro s, o q u al u tiliza p r in c íp io s dessa lin g u ag em , in d i­
c o u o m o d o de alcan çar sua realização e x te rio r p le n a e sensível
p o r m e io da m e to d o lo g ia d o d a n ç a rin o . D esse m o d o , é possível,
e n tã o , p e n sa r em u m a lin h a de atualização qu e fu n c io n e co m o
u m sistem a para e q u a cio n a r a qu ele c o n te ú d o a u m a d eterm in ad a
expressão artística.
A fu n çã o p o é tic a da lin g u a g em , o rig in a lm e n te in e re n te à
litera tu ra , está ligad a à palavra co m o u m p o rta l q u e cria im a g in a ­
ria m e n te sua p r ó p r ia rea lid a d e, u m u n iv erso de ficçã o que n ão se
id e n tific a co m a rea lid a d e e m p íric a ,2 e será a q u i analisada tam bém
d o p o n to de vista e x tr a lite rá rio . Para R o m a n J ak ob son , o c rité ­
r io e m p íric o da fu n çã o p o é tic a , in e re n te a tod a ob ra p o ética, está
in tim a m en te rela cio n a d o aos d ois m o d o s de a rra n jo na lin g u a ­
gem verb al, a seleção e a combinação, estan do eles liga d o s, re sp e cti­
vam en te, aos eixos parad igm áticos e sin tagm áticos n a co n stru çã o
do texto p o é tic o . J ak o b so n exp lica qu e o em isso r da m en sagem
selecion a term os sem elhan tes, co m o as palavras g u ri(a ), g a ro to (a ),
m e n in o (a ), crian ça, e c o m b in a sua escolh a c o m u m v e rb o sem a n ­
ticam en te co gn a to , co m o d o rm e , d o rm ita , e tc., na ela b o ra çã o da
m ensagem . Para o lin g u ista r o m e n o , "a seleção é feita em base de
eq u ivalên cia, sem elhan ça e d essem elh an ça, s in o n ím ia e a n to n í-
m ia, ao passo que a co m b in a çã o , a co n stru çã o da seq ü ên cia , se
baseia n a co n tig ü id a d e ” .3
T ran slad an d o essas estruturas sin tagm ática e p a ra d ig m á ­
tica da fu n çã o po ética para a análise da co m p o siçã o c o re o g rá fica ,
p o d e -se a ferir que os arran jos de co m b in açã o e seleção tam b ém são
in eren tes à lin g u ag em n ão verb al. A ssim , o b a ila r in o -c o r e ó g r a fo
selecion a os gestos e os m ovim en tos expressivos seg u in d o u m e n c a ­
d eam en to, u m a com b in ação q u e c o m p õ e u m a frase de m o v im e n to ,
em m u itos aspectos p ró x im a da con stru ção p o ética lite rá ria .
M a r io n N o r th fala sob re as frases de m o v im e n to realizadas
n o n osso m o v im e n to in c o n sc ie n te e co m o o c o n te ú d o c o m u n i­
cativo p resen te na co m b in açã o de gestos, seq ü ên cias de esfo rço s
e partes do c o rp o que se m ovem p o d e ser an a lisad o . Para N o r th ,
as palavras p o d e m ser u tilizad as até p ara cam u fla r a verd a d e dos
sen tim en tos; já a lin g u ag em c o rp o r a l está m ais p ró x im a deles. S e ­
gu n d o a especialista do m o v im e n to expressivo:

P erd em os algum as de nossas antigas fo rm as de r e c o ­


n h e c im e n to de co m o através d o c o rp o a d q u irim o s a
lin g u ag em . A s crianças re sp o n d e m esp o n ta n ea m en te
ao m o v im e n to de o u tra pessoa — elas "vê em ” o u " se n ­
te m ” o u "e x p e rim e n ta m ” as pessoas co m o u m to d o ,
através desse ser total, co m o u m sen tid o c in e s té tic o ,
sem an alisar o u verb a liza r, e, assim , p o d e m o s d izer
que os povos p rim itivo s a in d a têm essa fa cu ld a d e f o r ­
tem en te d esenvolvid a. E tam b ém p o ssível p e rc e b e r
isso n o s e n c o n tro s de massas ("mass meetings” ) — co m o
u m a espécie de "effort contamination’’ . Este é u m estu d o
fascin an te d o h o m e m através de seus m ovim en tos, e
u m estud o da palavra do m o v im e n to n o qu al o h o ­
m em tem o seu ú n ic o lugar.*

A ssim , essa "palavra do m o v im e n to ” da qual nos fala N o rth


p o d e ser com parad a ao eixo sintagm ático na combinação de palavras
que fo rm a m frases, co n sid e ra n d o -se o eixo h o rizo n ta l o u sin crô -
n ico em qu e a palavra ad qu ire d im en sões plurissignificativas graças
às diversas relações con ceitu ais, im aginativas, rítm icas, entre outras,
que se articu lam com os ou tro s elem entos do seu contexto ve rb a l,5
e que aqu i p o d e ser analisado do p o n to de vista da dança com o o
gesto à p ro c u ra do seu sign ificad o. O u seja, o gesto o u m ovim ento
na dança, equivalen te à palavra, só ganha valor com o expressão de
dança o u de dança/teatro q u an d o se conecta com um a sucessão de
ou tro s gestos o u m ovim en tos, cria n d o um a u n id ad e estrutural, um a
frase c o re o g rá fica articu lad a n o tem p o , n o espaço, levan d o-se em
con ta o peso, a flu ê n cia e a in ten ção cên ica da expressão realizada.
M a rio n N o r th afirm ava qu e o m ovim en to expressivo p o d e ser c o m ­
parad o co m a m úsica, n a m ed id a em que esta é recon h ecid a não em
notas isoladas, m as p o r u m a sucessão de notas e pausas.6 N o caso da
dança, as frases de m o v im en to realizadas revelam , em seu encadea­
m en to , n ão só a perso n alid ad e característica e os cam in hos m entais
e em o cio n ais ativos n o b a ila rin o , mas as escolhas estéticas e poéticas
expressas n a com p o sição coreográfica em m ovim en to.
T a m b é m o eixo p a rad igm á tico , qu e o b rig a a u m a seleção de
te rm o s, c o n sid e ra d o ve rtica l o u d ia c r ô n ic o , p lu rissign ifica tivo na
vid a h istó ric a das palavras, "a p o lim o rfa riq u eza qu e o c o rr e r dos
te m p o s n elas d e p o s ito u ” ,7 tran spo sto co m o eixo de análise do ges­
to n a d ança, revela a evolu ção estilística e estética d os m ovim en tos,
a p rim o ra d o s seg u n d o o gosto do te m p o sob ríg id a o u livre técn ica
expressiva. A ssim , d e fin içõ e s co m o ações básicas, m o v im en to s v o ­
lu n tá rio s, in v o lu n tá rio s, ações q u o tid ian as, m o v im e n to estiliza­
d o , b alé clássico, d ança m o d e rn a , d ança livre, d ança fo lc ló ric a , de
salão, etc. são r e p e rtó rio de u m a gestu alidad e m ile n a r na c o m p o ­
sição de u m a ren d a de m o v im e n to s co rp o ra is, cuja m anifestação
d e p e n d e das vicissitu d es sem ânticas cinestéticas d o b a ila r in o - c o -
re ó g ra fo e de suas n ecessid ades de expressão. M uitas vezes, essa
expressão se m an ifesta p e lo h ib rid is m o em sua realização, aspecto
que será tratad o m ais a d ian te.
N ão apenas a p o esia apresen ta u m a seq ü ên cia fo n o ló g ic a
e de u n id a d es sem ânticas que te n d em a c o n s tru ir u m a eq u ação.
A n a lo g a m e n te , a d ança tam bém é u m a estru tu ra sin g u la r q u e a r ­
ticu la seq ü ên cias rítm icas em u n id a d es sem ân ticas sin estéticas em
con stan te tran sfo rm açã o , c o m p o n d o eq u ações visíveis em m o v i­
m en tos fugazes de u m e te rn o d evir. O texto do b a ila rin o h íb r id o e
p o lissêm ico p o r n atu reza, n o s seus aspectos de estru tu ra e c o m p o ­
sição co re o g rá fica , te m m u ito em c o m u m co m a c iê n c ia do verso,
cujas o rig e n s, segu n d o W olfgan g K ayser, "d eriva m da d an ça o u de
u m cam in h ar festivo em atos de c u lto ” .8

ÜELSARTE E L A B A N : A SE M IÓ TIC A DA A Ç ÃO

Para rea liza r u m a ap ro x im a ção da o rga n iza ção lin g ü ística à


ló g ica dos m o v im e n to s n a d ança, fa z-se n ecessário ex a m in a r duas
técn icas. A p r im e ir a m arcada p ela m ic ro e stru tu ra do m o v im e n to
p ro p o sta p o r F ran çois D elsarte (1 8 1 1 -1 8 7 1 ). E m D elsa rte e n c o n ­
tra-se o estu d ioso p io n e ir o na d e fin içã o d os p r in c íp io s d o m o v i­
m e n to expressivo, co n sid e ra d o s fu n d a m en ta is n a d an ça m o d e rn a .
A p esa r de sua fo rm açã o in ic ia l de can to r, ta m b ém se o c u p o u em
pesquisar a relação en tre a voz, o gesto e a em o çã o in t e r io r , e stu ­
d an d o os d iferen tes tip os h u m a n o s para estab elecer u m catálog o de
gestos que corresp on d essem a estados e m o cio n a is. Seu s p r in c íp io s
relacio n ad o s ao m o v im e n to expressivo r e fo r ç a m a id é ia de q u e a
in ten sid a d e do sen tim en to co m an d a a in te n sid a d e do g e s to .
D elsarte d etém u m m icro e stu d o d o gesto: to d o s p o r m e ­
n o res de in ten sid a d e o u de fo r ç a a g in d o de fo r m a o rd en a d a ou
m ed iatizad a p e lo m é to d o . N e le , o c o rp o é m o b iliza d o p ara a ex­
pressão, p rin c ip a lm e n te o to rso ; a expressão é o b tid a p e la c o n ­
tração e p e lo relaxam en to d os m ú scu los; a extensão d o c o rp o está
ligada ao sen tim en to de a u to -re a liza çã o , e o sen tim e n to de a n u ­
lação tra d u z-se p o r u m a flexão do c o rp o . T e d Shaw n, R u th S a in t-
D en is, Isad ora D u n c a n e R u d o lf L ab an d esen volveram trab alh os
em co n so n â n cia co m os p r in c íp io s de D elsa rte, q u e con sid era va o
c o rp o u m a estru tu ra trip a rtid a , com p o sta das partes in telectu ais,
e m o cio n a is e físicas.
A c iên cia de D elsarte, de análise d o gesto que p reced e a o r i ­
ge m da palavra e da vo z, é realizad a seg u n d o três aspectos: a estática
(p arte da ciên cia qu e regu la o e q u ilíb r io das fo rm as), a d in âm ica
(c iê n c ia da expressão dos m o v im e n to s, q u e estuda o ritm o , a in f le ­
xão e a h a rm o n ia ) e a sem ió tica (ciên cia que d ete rm in a o va lo r dos
tip o s e das fo rm as q u e afetam os agentes da expressão; é a análise da
fo r m a o rg â n ica , e seu sen tim en to c o rre sp o n d e n te in d ica para cada
sig n o u m sig n ifica d o ). S eg u n d o essa análise, a estática seria a vida
d o gesto, e a sem ió tica , o p r ó p r io e s p írito .9 Essa d u alid ad e, e n ­
treta n to , caracteriza a p a rticip açã o d o h o m e m n a tríp lice natureza
d ivin a (Pai, F ilh o e E sp írito S an to) co m seu c o rp o (sen sib ilid ad e,
sensações c o rp o ra is), alm a (m o ra lid a d e , sen tim en tos) e esp írito
(in te le c tu a lid a d e , p e n sa m en to s), que se expressam extern am en te,
p e la vo z, p e lo gesto e p ela p a lavra ,10 respectivam en te, c o n fo rm e o
q u ad ro a seguir:

T r íp lic e n atu re za d ivin a


(Pai, F ilh o , E s p ír ito S an to )
H O M E M — " O o b je to de a rte ”

(L e i d e c o rr e s p o n d ê n c ia : n o h o m e m as q u alid ad es esp iritu a is in visíveis t o r ­


n a m -s e visíveis)

N ív e is C o rp o A lm a E s p ír it o

E stad os in te rio re s E stado


E stado m o ra l E stado in te le ctu a l
(d e fin e as espécies de sensível
(sen tim en to s) (p en sam en to)
expressão) (sensações)

M o d a lid a d e expressiva
Voz G esto Palavra
e x te rio r

A expressão
A expressão de A expressão de
de d erivação
derivação a n ím ica d erivação esp iritu a l
v ital será
G ê n e r o da expressão será n o rm a l será c o n cê n trica
exc ên trica
(e q u ilíb r io en tre (voltada para o
(voltada para
e x te rio r e in te r io r ) in te rio r)
0 e x te rio r)

A in d a p o stu lan d o a id éia geral de um a sem iótica gestual, tem -


se de destacar R u d o lf L ab an (1 8 7 9 -1 9 5 8 ), cria d o r da Ausdruckstanz,11
q ue, ju n t o co m M ary W igm a n (1 8 8 6 -1 9 7 3 ) e K u r t Jo o ss (1 9 0 1 -
1 9 7 9 ), fo i responsável p ela d ifu são da d an ça m o d e r n a expressiva.
R u d o lf L ab an , h ú n g a ro , estu d o u na A le m a n h a e d ep o is e m ig ro u
para a In gla terra . L ab an p u b lic o u vários trab a lh o s em q u e d iscute
m éto d o s de análise da arte da d ança, d o m o v im e n to e das técn icas
c o rp o r a is .13
O co re ó g ra fo h ú n g a ro trabalhava a in teg ra çã o de lin g u a ­
gens cên icas, fa zen d o co m seus a lu n o s algu ns passeios n o s quais
dançavam palavras e frases p o éticas p o r eles com postas p ara fa v o ­
recer u m a re fe rê n cia in te rn a e pessoal. O u tr a p rá tica lab a n ia n a
era cria r danças sem a co m p a n h a m en to m u sical para, seg u n d o ele,
v a lo rizar a elab o ração d o m o v im e n to co m o lin g u a g e m in d e p e n ­
d en te, seg u in d o seus p r ó p rio s ritm o s n atu rais.
L ab an c o n trib u iu de m a n eira sig n ifica tiva p ara o e n te n ­
d im en to dos fatores fu n d a m en ta is p resen tes nas ações c o rp o ra is.
G raças às suas descob ertas, a b rira m -s e novas p o ssib ilid a d e s de r e ­
flexão sob re o p rocesso de criação e realização té cn ica e fic ie n te
para a criação de u m a frase de m o v im e n to expressivo n a arte da
co m p o siçã o c o re o g rá fica .13
A frase de m o v im e n to p o d e ser d e fin id a c o m o u m c o n ju n to
o rg â n ico de gestos q u e co m u n ic a m u m a ação c o rp o r a l estru tu rad a
em in íc io , m eio e fim respectivam en te, c o m p o n d o as fases de p r e ­
p aração , ação p ro p ria m e n te d ita e recu p era çã o q u e se d esen volvem
em p a d rõ es cíclico s, d ete rm in ad o s, p o r sua vez, p ela c o n te m p la ­
ção de ritm o s da n atu reza o u estru tu ras reais e v irtu a is plasm adas
na expressão co rp o ra l d o h o m e m . Para M a r io n N o r th , o ta m a n h o
das frases p o d e ser p e q u e n o o u lo n g o , c o m p o n d o seq ü ên cia s de
m o v im en to s de características sim p les (c o m o u m a sen te n ça sim ­
ples) o u co m p leta (com p lexa o u co m p o sta , co m frases e la b o ra ­
das co m pausas de lo n g a o u p e q u e n a d u r a ç ã o ).14 S o b re essa escrita
c o rp o ra l, L ab an postulava que:

P ro v av elm en te a d a n ça e a a rq u ite tu r a são duas artes


básicas h u m a n a s das q u ais as o u tra s d eriv a m . N ó s
p o d e m o s c o n s tr u ir m o d e lo s p lá stic o s t r id im e n ­
sio n ais de tr a ç o - fo r m a , n os q u ais o p a p e l da lin h a
d e m o v im e n to é p e r c e b id o , p la sm a d o , p o n to após
p o n to , n a tra n sp o siçã o d o tr a ç o - fo r m a co m o e n ti­
dade p lá stica . [ ...] A in ven çã o na a rq u itetu ra o u na
fo rm a plástica o u p ic tó ric a é n a realid ad e u m a frase
co rê u tic a . Essa frase é co n s tru íd a fo ra das trocas das
te n d ên cia s espaciais esp ecíficas. P od e ser fo rn e cid a
pela tro ca de d ireçã o q u a n d o algu ém desenha u m
sím b o lo b e m c o n h e c id o , sem elh an te à letra do a l­
fab eto o u a u m n ú m e ro . O p r ó p r io sím b o lo p o d e
ser d esen h a d o n ão só n o p a p el, m as fo rm a d o p las­
tica m e n te em três d im en sõ es espaciais. S ím b olos,
co n h e c im e n to e d esc o n h e c im e n to co n stitu em os
m o d e lo s espaciais da d a n ç a .15

N a d o u tr in a de L ab an e n c o n tra -se to d a u m a te o ria f i l o ­


só fica . Para ele, há d ois p r in c íp io s fu n d a n tes qu e regem o m o v i­
m e n to n o u n iv erso : a d im en são esp iritu a l, qu e está en cerrad a em
u m a te rra de ab so lu to silê n cio , e u m a d im en são m aterial, que se
abre para vasto te r r itó r io de aven tu ra. Essas d im en sões som en te
são u n ific a d a s p e lo m o v im e n to artístico p o r m eio das duas partes
d o sím b o lo : a alm a e o c o rp o expressivo. A gênese desse processo
é o q u e o a u to r cham a de T em p estu o sa In ten sid a d e, qu e abran ge o
c o n c e ito exp ression ista de in teg rid a d e do processo artístico, p r o ­
clam a a u n iv ersa lid a d e da d an ça e p o stu la u m a lib eração da dança
da d e p e n d ê n c ia da m ú sica, in tro d u z in d o , assim , danças m usicais,
cu jo in tu ito é lib e r á - la da recep çã o de vo ca b u lá rio s de m ovim en tos
c o d ifica d o s, a b rin d o espaço para a im p rovisação co m o u m r e c u r ­
so n o p ro cesso té cn ico de tre in a m e n to c o rp o r a l e de com po sição
c o re o g rá fica . Esse p e rc u rso co m o u m to d o te n d e a livrar a dança
da d e p e n d ê n c ia n arrativa, va lo riza n d o os m o v im en to s e as form as
abstratas e lo c a liza n d o , n o p la n o do m o v im e n to , o "ser esp acial” ,
quase d iv in o , p o r m e io d o uso de u m a ge o m etria espacial para a
c o n d u ç ã o do m o v im e n to . L ab an u tiliza co m o exem p lo os sólid os
p la tô n ico s co n v ertid o s em m óveis do q u ad ro espacial co n d u zid o s
p e lo s d a n ç a r in o s .16
N as teo ria s de L ab an , o m o v im e n to é e n te n d id o co m o um a
a rq u ite tu ra viva, n a m ed id a em q u e ele o c o r re n o espaço, c ria n ­
d o fo rm a s e cam in h o s, m u d an ças de relações e lugares. E m seu
m é to d o de estu d o , há u m a aguda observação das atitudes e dos
m ovim en tos do c o rp o h u m a n o , q u e são o rga n iza d o s de acordo
com as qualidades d os esforços realizad os. Esses esforços p o d e m ser
ainda, segu n d o a técn ica de L ab an , co m b in a d o s em variadas qua­
lidades, tais com o: peso (firm e —fo rte , leve—fra c o ), espaço (atitude
d ireta o u m u ltifo cad a ), tem p o (u rgên cia o u n ão d o m ovim en to)
e flu ên cia (a sensação de ligação o u c o n ten çã o d os m ovim en tos:
graus de c o n tro le ). F in alm en te, essas q ualidades tam b ém são fo c a ­
das de aco rd o co m as atitudes in tern a s, m en tais, extern as e e m o ­
cion ais do b a ila rin o .
A palavra " e s fo r ç o ” , seg u n d o L ab an , re fe r e -s e aos aspectos
q ualitativos do flu x o de en erg ia n o m o v im e n to . A te o ria do e s fo r-
ç o - fo r m a re ú n e o estu d o da " e u c in é tic a ” , te rm o d esen vo lvid o p o r
L ab an que se ocu pa d os aspectos qu alitativo s d o m o v im e n to , e da
• 26 • "c o rê u tic a ” , o u tro te rm o la b a n ia n o , o u d os aspectos fo rm a is de
organ ização n o espaço, os p r in c íp io s espaciais q u e rege m a f o r ­
m a d o m o v im e n to . A eu cin é tica en volve os aspectos exp ressivos d o
m o v im e n to n o estu d o das relações en tre a atitu d e in te r n a e e x te r­
n a do in d iv íd u o em d ete rm in a d a "a ç ã o ” q u e a rticu la u m a variação
de co m b in açã o das q u alid ad es d os fatores d o m o v im e n to . T o d a
"açã o ” passa a ser expressiva, d e p e n d e n d o da sua fin a lid a d e em
cen a, desde a ação m ecân ica p r o p ria m e n te d ita, o u seja, a fisic a -
lid a d e co m o p o ssib ilid ad e de articu laçã o d o m o v im e n to , até u m a
ação q u o tid ia n a o u u m a ação m eta fó rica , vin cu la d a , p o r ex em p lo ,
aos m o v im en to s da n atu reza.
S eg u n d o a te o ria de L ab an , p ara cada m o v im e n to ex tern o
o c o rre ria um m o v im e n to in te r n o associad o aos fatores d o m o ­
v im e n to — peso (in te n s ã o ),'7 espaço (a ten çã o ), te m p o (d ecisã o ),
fluên cia (precisão). Seguindo esse cam in h o, a ação resultaria rea l­
m en te expressiva, p a rtin d o de u m a série de c o m b in a ç õ e s en tre
esses fatores d o m o v im e n to e suas respectivas atitu d es in tern a s,
c o n fig u ra n d o assim a m o v im e n tação de u m a p e rso n a g e m esp ec í­
fica, o u u m a d ete rm in a d a q u alid ad e de m o v im e n to abstrato. Para
L ab an , a v a riab ilid a d e d o caráter h u m a n o d eriva da m u ltip lic id a ­
de de atitudes possíveis em face d os fa to res d o m o v im e n to , e é da
m a io r im p o rtâ n c ia q u e o a to r -d a n ç a r in o id e n tifiq u e as atitu d es
in te rio re s habitu ais, q u e são as in d ica çõ e s básicas d o caráter e do
te m p era m e n to do in d iv íd u o . Q u a n d o o in d iv íd u o d o m in a o fa to r
flu ên cia , d o m in a a precisã o : sua atitu d e de c o n tro le dos graus de
lib e rd a d e d o seu m o v im e n to resp o n d e p e lo ser p reciso ; d o m in a n ­
do o fa to r esp aço, ele d o m in a a aten ção: en fa tizan d o o fo co d ireto
o u m u ltifo c a d o , ele tem u m a atitu d e m ais alerta o u atenta; q u an d o
o in d iv íd u o d o m in a o fa to r p eso, d o m in a a in ten são do m o v im e n ­
to: o ser firm e o u d elicad o dá às atitu d es u m a in ten sid a d e m ais, ou
m en os, assertiva; fin a lm e n te , q u an d o o in d iv íd u o d o m in a o fa to r
tem p o , d o m in a a d ecisão: a m a io r o u a m e n o r u rg ên cia d o m o v i­
m en to faz q u e as atitu d es sejam m ais o u m en o s arrojad as o u im ­
pulsivas o u a in d a m ais o u m en o s am bivalen tes, afetan d o a d ecisão.
O q u ad ro a segu ir m ostra as atitu d es in tern a s associadas aos fatores
do m o v im e n to e suas respectivas d ire çõ es e d im en sõ es esp aciais:18

__________________________ ___________________ __________ -27-


F a t o r de P la n o D ir e ç ã o D ir e ç ã o D im e n s ã o das A t it u d e
m o v im e n t o e s p a c ia l p r in c ip a l s e c u n a á r ia d ir e ç õ e s 19 a sso cia d a

F lu ê n cia :
in te g ra ção ,
Precisão
sensação
(sen tim en to )
d e u n id a d e
A m p litu d e
c o rp o ra l. H o r iz o n ta l
L a d o —lad o F ren te—atrás (e x p a n d ir o u
E spaço: (m esa)
techar)
c o m u n ic a ­
A te n çã o
ção, in íc io do
(p en sam en to)
p r in c íp io de
re a lid ad e

Peso:
C o m p r im e n to
assertivi-
V e rtica l (e m e rg ir o u In ten são
d ade, A lt o —b aixo L a d o —lado
(p o rta ) a fu n d a r) (sensação)
estab ilid a d e

Tem po:
execu ção, P ro fu n d id a d e
o p e r a c io n a li­ Sagital F re n te — (avançar o u D ecisão
A lt o —b aixo
d ad e, (ro d a) atrás recu ar) (in tu içã o )
lo c o m o ç ã o ,
m o b ilid a d e

A m e to d o lo g ia de L ab an tam b ém in c lu i o trein a m en to da
h a b ilid a d e vo ca l seg u n d o o m esm o p r in c íp io de co m b in açã o dos
fatores flu ê n c ia , esp aço, peso e tem p o em p regad os n o d esen volvi­
m e n to da ação. D essa fo rm a , voz e m o v im e n to p a rticip a m de um a
ed u cação in tegra d a n a b usca do m o v im e n to expressivo. A s o ito
ações básicas de esforço (socar, flu tu a r, p o n tu a r, pressionar, talhar,
to rcer, sacud ir, deslizar) "rep resen ta m u m a o rd en a ç ã o d e n tre as
c o m b in açõ es possíveis dos elem en to s p eso, esp aço, te m p o , a qu al
é estabelecid a de a co rd o co m duas atitudes m en tais p r in c ip a is que
envolvem , p o r u m lad o , um a fu n çã o o b jetiva e, p o r o u tr o , a se n ­
sação d o m o v im e n to ” .20 Essas ações básicas são ta m b ém em p re g a ­
das ao m esm o te m p o n o d esen v o lvim en to da ação vo cal e física n os
exercícios de trein a m en to de atores e d a n ç a r in o s .21
S eg u n d o L ab an , p recisão, a ten ção, in ten são e d ecisão são
estágios de p rep aração in te r io r de u m a ação c o rp o r a l e x te rn a .22
Essa ação só se m an ifesta q u an d o o esfo rç o é ativado (m o tiv ad o ) de
d en tro para fo ra e e n c o n tra sua expressão c o n c reta n o m o v im e n ­
to do c o rp o . A c o m b in açã o desses q u a tro fa to res d o m o v im e n to
dão o rig e m ao re p e rtó rio in d iv id u a l23 de m o v im e n to , q u e é ú n ic o
p ara cada in d iv íd u o e tão esp ecífico qu e, q u a n d o é " c a p tu ra d o ” na
• 28 • escritu ra sim b ó lica , p e rm ite a análise da p e rso n a lid a d e . Essa es­
critu ra sim b ó lica do m o v im e n to p e rm ite o reg istro e a re p r o d u ç ã o
desse p o r pessoas qu e n u n ca vira m a c o re o g ra fia an tes. S eg u n d o
S olan ge A r ru d a , "a c o re o g ra fia M yfairla dy fo i c o n c e b id a e escrita
em L a b a n o ta tio n n os E U A p o r H a n ia H o lm e en viada para a I n ­
glaterra, o n d e fo i rea liza d a ” .24
A o d e fin ir as ações básicas d o m o v im e n to , s e le c io n a n d o
d e te rm in a d o s tip o s de ações e c o m b in a n d o - a s , le v a n d o -s e em
c o n ta o g ra u de in te n sid a d e d os e sfo rç o s , L a b a n te o riz a o m o v i­
m e n to c o m o u m a esp écie de o rg a n iz a ç ã o frá sica em q u e há u m a
c o m b in a ç ã o das q u alid ad es in te rn a s d o m o v im e n to d e a te n çã o ,
in te n sã o , p re c isã o , d ecisã o , q u e são c o n fig u ra d a s em u m a s e le ­
ção de in fo rm a ç õ e s lin g ü ística s q u e m u ita s vezes in d ic a m açõ es
extern as.
P o r e x e m p lo , c o m a m e t o d o lo g ia de L a b a n , a cim a d e s ­
c rita , é p o ssív e l fa ze r a d a n s in te r s e m io tiz a ç ã o de u m a fra se d e ­
te rm in a d a , tr a n s fo r m a n d o - s e , p o r e x e m p lo , em in te r p r e ta ç ã o
c o r p o r a l exp ressiva u m a o r a ç ã o im p e ra tiv a , c u ja e s tru tu ra é
m u ito p r ó x im a à ação b ásica so c a r, q u e a r tic u la o te m p o r á p id o
c o m o p e so fir m e e o esp a ço fo c a liz a d o . U m a e q u iv a lê n c ia da
ação so ca r (p e so fir m e — esp a ço d ir e to — te m p o r á p id o ) te m -s e
n a c o n s tru ç ã o v e rb a l "Pedro, corra e leve logo a sa co la !", p e r f e it a ­
m e n te p o ssív e l d e ser tra n sla d a d a p a ra as a çõ es d o m o v im e n to
e q u e já c o n té m a in d ic a ç ã o síg n ic a da a titu d e c o r p o r a l a ser
assum id a, c o n fo r m e os p o s tu la d o s a cim a q u e se e n c o n tr a m n a
labanotation,25

A n a lo g a m e n te , p o d e - s e avaliar, n a p o esia , os e sfo rç o s o u


as q u alid ad es in e re n te s ao m o v im e n to (c o m o o p e so , o esp aço, o
tem po e a flu ê n c ia ) tran sp o stas p ara a palavra. U m ex em p lo p o d e
ser ex tra íd o da p o e sia de J o ã o C a b r a l de M e lo N e to :

Poesia, te escrevo

agora: fezes, as

fezes vivas que és.


Sei que outras

palavras és, palavras

impossíveis de poema. • 29 •
Te escrevo, por isso,

fezes, palavra leve,

contando com sua

breve. Te escrevo

cuspe, cuspe, não

mais; [ . . . ] 26

N esses versos, a u n iã o d os eixos de seleção e co m b in açã o e


a tra n sc e n d ê n c ia e a p o n d e ra b ilid a d e das palavras e n co n tra m n o
peso firm e o u leve a tran sm u tação d o sen tid o de "feze s” (n a tu ra l­
m en te associada ao p e so ), cuja fisicalid ad e, em u m a reversão p a ra ­
d oxal, se tra n sfo rm a em im ag em sem p eso, etérea, ao se c o n fro n ta r
co m as so n o rid a d e s de "feze s” , "b rev e” , "leve” . A ssim , o fo n em a
/£/ p rese n te n o s vo cá b u lo s d esc o n stró i o sen tid o de "p e s o ” e, p o r
sua a b e rtu ra em o p o siçã o à fech ad a articu lação do /u/ de "cu sp e” ,
p o r ex em p lo , re tira to d a a p o n d e ra b ilid a d e d os versos, e c o n s id e ­
r a n d o -s e q u e as a p ro x im a çõ es de "feze s” , "lev e” e "b rev e” o r ie n ­
tam a le itu ra para o eixo da sim ilarid ad e, tem os u m a o c o rrê n c ia da
fu n çã o p o ética p e lo fato de o v e to r de o rien taçã o lin g ü ística estar
d ire c io n a d o p ara a so n o rid a d e das palavras.
A in d a seg u in d o a o rie n ta ç ã o da le itu ra lab an ian a, te m -se a
c o rê u tic a , o u seja, os p r in c íp io s de o rien ta çã o espacial p o r m eio
d os quais se p o d e analisar d escritivam en te o m o v im e n to h u m a n o .
C o m o d esen volvim en to da c o rê u tic a ,27 aspectos fo rm a is do m o v i­
m en to e suas relações espaciais passam a ser estu d ad os n a flu ê n c ia
da fo rm a do m o v im e n to n os p la n o s, n o s n íveis e nas d im en sõ es
espaciais. Essa característica está p rese n te n os fu n d a m e n to s te ó -
r ic o -p rá tic o s d esen volvid os p o r R u d o lf L ab an , em q u e o espaço
in te rn o se expan de n o espaço extern o e o espaço ex tern o e n co n tra
p a ralelo n o espaço in te r n o . A c in e s fe ra 28 é u m o u tro te rm o e m ­
p regad o p o r L ab an para d e fin ir o espaço vital o c u p a d o p e lo c o rp o ,
que tem um a característica elástica to talm en te vo ltad a para a " v i­
v ê n c ia ” in d iv id u a l desse espaço, vin cu la d a às ex p eriê n cias in tern a s
e em o cio n a is do in d iv íd u o . E la p o d e ser d e fin id a co m o a região
do espaço que tem p o ssib ilid ad e de ser alcançada co m q u a lq u er
ex trem id ad e d o c o rp o , sem sair d o lu g a r . A c in esfera tem u m a
característica de elasticidad e, q u e n a vid a q u o tid ia n a p o d e estar
rela cio n a d a aos aspectos e m o cio n a is, d e p e n d e n d o da p r e fe rê n c ia
ao se esco lh e r usar a cin esfera in te rn a em u m estado m ais in t r o s ­
pectivo o u o c u p a r a c in esfera m éd ia , social o u ex tern a, n o s estados
m ais extrovertid o s.
Para re la c io n a r litera tu ra e d an ça em u m a análise in te r d is -
c ip lin a r, r e c o rr e -se , em um a p r im e ir a in stân cia , aos elem e n to s
co m u n s em am bas as artes, o u seja, aos seus fatores in e re n te s, que
c o n stitu em as p e cu lia rid a d es expressivas de cada lin g u a g e m . A s ­
sim , fu n çã o p o ética (m ais da litera tu ra ) e fa to res d o m o v im e n to
(m ais da dança) serão in s tru m e n to s de análise d eslocad os de seu
am b ien te o r ig in a l e servirão co m o estím u lo s de le itu ra r e tr o a li-
m en tativa, isto é, estru tu ras da d a n ça q u e servem p a ra a lim e n ta r
o im a g in á rio e os p ro c e d im e n to s da criação lite rá ria e estru tu ras
da literatu ra que re p e rc u te m e ressoam n a cria çã o d o m o v im e n to
expressivo da d ança. P ensar d o p o n to de vista da análise d o m o v i­
m en to , segu n d o a m e to d o lo g ia lab a n ia n a , o q u e seria m estru tu ras
co m o cin esfera, o u p e so , esp aço, te m p o , flu ê n c ia , elem e n to s da
co rê u tica o u da eu cin é tica n a lin g u a g e m da p o esia é p e n sa r a aura
da palavra. Essa cin esfera da palavra p o d e ria ser e n te n d id a co m o
a p ro jeçã o e sp a ço -te m p o ra l, a q u an tid ad e de in fo rm a ç ã o c o n tid a
nos vo cáb u lo s — essa u n id a d e m ín im a co m so m e sig n ifica d o que
p o d e , sozin ha, c o n s titu ir e n u n c ia d o 29 — d o m ais sim p les ao m ais
com p lexo, do m ais restrito ao m ais a m p lo , assim co m o tam bém
estariam sen d o analisados os graus de esforços co n tid o s nas p a la ­
vras e suas co m b in a çõ e s frasais (ve rifica n d o a c o m b in açã o das q u a ­
lidades de a ten çã o /fo co d o su jeito , n arra ção , p recisã o /flu ên cia de
idéias e de elem e n to s lin g ü ístico s, inten são /p eso e fisicalid ad e das
im agens, d ecisã o /tem p o , p resen te, passado, fu tu r o ). Essas a n a lo ­
gias en tre estruturas da palavra e estru tu ras d o m o v im e n to exigem
um d eslo ca m en to de c o n c eito s e u m a b usca de id en tid ad es. G illo
D o rfle s exp lica m u ito b e m esse p rocesso para o c rític o das artes:

O fato de q u e o espaço, co m o te m p o , ven h a, p o r seu


tu r n o , a so fre r a subdivisão e a rep artição p r o p o r ­
c io n a l, em m in u to s frag m en tad o s, reco rren tes e h o ­
m ó lo g o s, p a re c e -m e u m a p rova d aqu ela id en tid ad e
to p o - c r o n o ló g ic a co n sid era d a com o u n ív o c o medium,
n o q u al se vão d esen volver os fe n ô m e n o s cad en ciais e
h a rm ô n ic o s q u e estão n a base de to d a arte, seja m u ­
sical o u visu al. C a d a divisão nas artes rítm icas (m ú si­
ca, p o esia , d a n ça), e nas artes plásticas (a rq u itetu ra,
p in tu r a , e scu ltu ra), vem , p o rta n to , a o b ed ecer estes
c o n c e ito s .30

Esse d iá lo g o m e to d o ló g ic o en tre a lin g u ag em visu al (arte do


esp a ço ), a im ag em p o étic a e a im ag em de dança (artes do tem p o ) é
tam bém d escrito em u m ex em p lo de L ab an , em qu e sua con cep ção
dos esfo rço s c o re o g rá fico s d esen volvid os em gru p o s de d a n ç a ri­
n os p o d e ser in sp ira d a em im agen s m etafóricas de elem en to s da
n atu reza q u e su g erem u m caráter m ais expressivo e m ais ric o de
in fo rm a çõ e s e de esfo rço s p o é tic o s. Para o cien tista da dança, os
m o v im e n to s g ru p a is n o p a lco lem b ra m de certo m o d o as m utáveis
n uven s, das quais ta n to se p o d e fo rm a r u m a tem pestade co m o i r ­
r o m p e r o s o l.31
A co n tam in açã o da lin g u a g em escrita co m a lin g u ag em do
m o v im e n to e a lin g u a g e m m u sical tam b ém já fo i realizad a em um a
o u tra te o ria d esen volvid a p o r R u d o lf S te in e r :32 a eu ritm ia (dança
em q u e to d o o c o rp o p a rticip a p ela m ovim en tação d e fin id a n a i n ­
terp retaçã o de u m in terv a lo m u sical). O s m o v im en to s co d ifica d o s
nessa te o ria c o n stitu em ve rd a d eira sem ân tica para a interpretação
de um a seq ü ên cia m ais m e ta fó r ic o —p o é tic a o u m ais m u sical. D o r-
fles esclarece essa m e to d o lo g ia , n a q u al os m o v im e n to s n ão sãc
m ecâ n icos o u a rb itrá rio s e sim se o rig in a m nas antigas figurações,
nas com plexas assim ilações co m as c o m p o n e n te s fo rm a is d o nosso
o u de o u tro s alfabetos, en q u a n to o u tro s m o v im e n to s particu lares
se in sp ira m em signos p la n e tá rio s o u z o d ía c o s.33
Se para S te in e r existiam aspirações p ráticas, d id áticas e te ­
rap êuticas, neste trab alh o as associações e n tre d ança e literatu ra
visam à co n stru çã o de u m a m e to d o lo g ia de in te rp re ta çã o h íb rid a
da ob ra de p o e ta s-d a n ç a rin o s, os quais fa zem da d an ça da vid a a
expressão m áxim a de suas lin g u ag en s artísticas.

Fu n ç ã o p o é t ic a d o m o v im e n t o

O s in stru m e n to s de análise da lin g u a g e m c o rp o r a l d e se n ­


vo lvid os p o r D elsarte e L ab an p o d e m c o la b o ra r sig n ifica tiv a m e n ­
te n o r e p e rtó rio de p o ssib ilid ad es a ser exp lo rad as n a análise da
d an sin tersem io tiza ção p resen te nas ob ras de G ilk a M a ch ad o e de
E ros V o lú sia , n a m ed id a em que am bos os m éto d o s e x p lo ra m o
c o n h e c im e n to d o h o m e m n o sen tid o h o lístic o . Essa visão m ú ltip la
de aspectos físicos, p sic o ló g ico s e p s íq u ico s p o ssib ilita vá rio s níveis
de m o d u la çõ es, in terp re ta çõ es e associações m e to d o ló g ic a s en tre
p oesia e dança.
Para L ab an , a in teração e n tre as várias artes o r ig in a - s e de
um a u n id a d e sagrada e, m esm o c o m o p o s te r io r iso la m e n to das
lin gu agen s artísticas, p e rm a n e ce m nelas características d o p r im i­
tivo en trelaça m en to lin g ü ístic o . Para o cien tista d o m o v im e n to ,
"as palavras p o d e m estar repletas de m ú sica e m o v im e n to , ao passo
que a d ança e a m ú sica estão m uitas vezes carregadas co m as idéias
q u e as palavras tra d u z e m ” .34
T am bém G illo D o r fle s fala dessa m u ltip lic id a d e de lin g u a ­
gens presen te n a dança co m o a "sín tese h u m a n a ” d os d iversos c ó ­
d igos, co m o , p o r ex em p lo , o som , a palavra o u os elem e n to s da
p in tu ra e da escu ltu ra, os qu ais e n c o n tra m n o gesto d o b a ila rin o
sua re a fig u ra ç ã o .35 A ssim , na efetivação da leitu ra "d a n siterse m ió -
tic a ” de textos p o étic o s p ren h es de figu ras da lin g u a g em da dança
e de danças m otivadas p o r poesias, será usada u m a com b in ação
dos m éto d o s de L ab an e D elsarte co m o in s tru m e n to de análise
para d e fin ir e o r ie n ta r a in terp re ta çã o de co rrela çõ es en tre gesto
expressivo e lin g u ag em escrita.
A essência sim b ó lica , m ú ltip la e p o lissêm ica co m o c o n s e ­
q ü ên cia da su p erp o siçã o d o eixo p arad igm á tico ao sin tagm ático,
o u seja, da sim ila rid a d e su p erp osta à c o n tig u id a d e ,36 eleva tam bém
à d ança o caráter p o é tic o de su p eração e tran scen d ê n cia . A ssim , a
fu n çã o p o é tic a , q u e, seg u n d o J a k o b so n , " p ro je ta o p r in c íp io de
eq u ivalên cia d o eixo de seleção sob re o eixo de c o m b in a ç ã o ” 37 e
rea liza -se q u a n d o o artista co n segu e p re s c in d ir do p r ó p r io r e ­
p e r tó r io ta n to n a lite ra tu ra q u an to n a d ança n a expressão da sua
arte. Essa su p era ção , su p erp o sição de eixos, tran scen d e b arreiras
de lin g u a g en s, u n in d o a m u ltip lic id a d e sem ântica, e a expressão
atin ge o ser/p e rcep to r sensível co m o u m to d o , c o m p o n d o um a
p e rcep çã o d o p o é tic o em que n ão existem graduações de beleza,
em q u e a expressão m ais sim ples e a m ais com p lexa p ro v o cam um
ú n ic o e m esm o estado de co n tem p la çã o estética.
A p o é tic a d o d a n ç a r in o a q u i an alisad a c o m o c o n te ú d o
de exp ressões d a n sin te rse m io tiz a d a s e n tre lite ra tu ra , filo s o fia e
d an ça a b o rd a a p r o d u ç ã o im a g é tic a c o r p o r a l co m o c o n s ciê n c ia
se m ió tica e estética, p r o c u r a n d o a n a lisa r a ação d o sig n o ta n to na
sua q u a lid a d e q u a n to n a sua fu n ç ã o c o m u n ic a tiv a de p r o d u ç ã o
de se n tid o .
O sistem a de trocas " m o to - c o n tín u o ” n o d iálo g o en tre
lin g u a g en s diversas é u m a expressão da "sem io d iv ersid a d e” que
c o n d u z a evo lu ção d o p e n sa m en to a rtístico n a b usca de realização
de u m a ob ra q u e id ealm en te con ceb id a fo ra do self, co m o p ro p õ e
C a lv in o ,

n o s p e rm ite sair da perspectiva lim itad a do eu in d iv i­


d u al, n ão só para e n trar em ou tro s eus sem elhantes ao
n osso, m as para fa zer falar o q u e n ão tem palavra, o
pássaro q u e p o u sa n o b e ira l, a árvore n a p rim avera e
a árvore n o o u to n o , a p ed ra, o cim en to, o p lá stico .38
A lg u n s c ria d o re s em d an ça c o m p r e e n d e r a m u m a o u tra
p o ssib ilid a d e da " s e m io d iv e r sid a d e ” 39 q u a n d o d ese n v o lve ra m a
expressão h íb rid a , d a n d o in íc io a lin h a s de tra b a lh o q u e m u i­
to in flu e n c ia r a m várias ge ra çõ es de d a n ç a r in o s , c o m e ç a n d o p o r
Isad ora D u n c a n , R u d o lf L a b a n , K u r t J o o ss , P in a B a u sch , para
fa la r d os q u e in te g ra ra m a lin g u a g e m da d a n ça e d o te a tro . N o
B ra sil, E ro s V o lú sia , a c ria d o ra d o "b a lé b r a s ile ir o ” , c u ltiv o u
u m a m e m ó ria ética/estética q u a n d o , p o r m e io de suas d anças,
r e c r io u r itm o s p o p u la re s, co m o o fre v o , o sam ba e a c o n g a d a ,
sob fo rm a s h íb rid a s40 c o m o u tra s té cn ica s de d a n ç a , c o m o a clá s­
sica o u a ex p ressio n ista (ela fo i a p r im e ir a b a ila r in a q u e o u so u
sam bar co m sapatilhas de p o n ta ), fu n d in d o e le m e n to s de várias
lin g u a g e n s cên icas de seu te m p o c o m e le m e n to s lite r á r io s e m u ­
sicais, c ria n d o sua sin g u la r exp ressão.
Esse h ib rid ism o d a n sin tersem ió tic o de p r o d u ç ã o e tr a d u ­
ção de im agens p o éticas da d ança para a p o esia e da p o esia para a
d ança na relação de a n alogia estabelecid a, neste tra b a lh o , en tre a
d ança vo lu sian a e a p o esia gilk ian a caracteriza u m sistem a de r e ­
troalim en tação . O u seja, o im p o rta n te n ão é a questão d o que veio
p rim e iro , mas a necessidade in trín seca e básica de d iálo g o com o
con d ição p rim eira para a existência m ú tu a de ambas as expressões.
R en é W ellek e A u s tin W arren falam dessa associação s im b ió ­
tica de estru tu ras e n tre as artes p lá sticas, a lite r a tu ra e a m ú sica ,
in c lu in d o - s e a q u i a d a n ça. P ara esses a u to re s, as várias lin g u a ­
gen s, e m b o ra in d iv id u a is, c o m d ife r e n te s ev o lu ç õ e s de ca d ê n cia
e e stru tu ra in te r n a esp ecífica ,

devem ser co n ceb id as co m o u m esq u em a c o m p lex o


de relações d ialéticas q u e fu n c io n a m n o s d o is s e n ti­
dos, de u m a arte p ara a o u tra e vice-v ersa, e q u e p o ­
d em ser in te ira m e n te tran sfo rm ad a s d e n tro da arte
em que in g ressa m .41

D a n ilo L ô b o estab elece, em u m q u a d ro c o m p a ra tiv o , a in -


te r-re la ç ã o en tre literatu ra , p in tu r a , lín g u a e m ú sica, q u e, se g u n ­
do ele, o c o rre em d ois n íveis: o da c o n c re tu d e e o da abstração.
L ô b o argum en ta que:
O en re d o em literatu ra eq u a cio n a -se co m o fig u r a ­
tivo na p in tu ra e co m a m elo d ia na m ú sica. E g ra ­
ças a esse n ível m ais palpável, d igam os assim , que a
m en sagem ad q u ire co n sistên cia . D o p o n to de vista da
lín g u a, esse é o n ív el da d en o ta ção , do sen tid o p r i ­
m eiro dos vo cá b u lo s. N o segu n d o n ível, a p sico lo g ia
das p erso n agen s na n arrativa eq u ip a ra -se à abstração
na p in tu ra e à h a rm o n ia na m ú sica. N o p la n o lin g ü ­
ístico, estam os n a área da d e n o ta ç ã o .42

A c re sc e n ta n d o -s e a esse q u a d ro , ela b o ra d o p o r L ô b o , os
eixos sin tagm áticos e p a rad igm á tico s para a análise da po esia, cate­
gorias de Jak o b so n , e a b o rd a n d o tam b ém a dança e os m éto d o s de
Delsarte e L ab an , o b té m - se: -35-

L ite r a ­
L ín g u a P in t u r a M ú s ic a P o e sia D ança
tu ra

E ixo h o r i­ C o re o g ra fia
zo n ta l *L ab an:
E n re d o D e n o ta ç ã o F igurativa M e lo d ia sin tagm ático co rê u tica
(c o m b in a - *D elsarte:
ção) estática

G esto/
m o vim e n to
à p ro cu ra de
E ixo vertical
P sicologia sign ificad o
H arm o­ p a ra d ig m á ­
das p e r ­ C o n o ta ç ã o A b strata *L ab an:
n ia tico
son agens e u cin ética
(seleção)
*D elsarte:
d in âm ica e
sem iótica

Fonte: Danilo Lôbo

P a rtin d o d o q u ad ro antes tra n scrito , p o d e -s e ter u m a visão


g eral da in te r -r e la ç ã o d os d o is n íveis nas várias lin gu agen s analisa­
das, assim co m o se estabelece a p o ssib ilid ad e de d iálo g o an alógico
en tre as estruturas a ser analisadas.
C o m p lem e n ta n d o esse aspecto de um a analogia dialógica e n ­
tre dança e literatura tam bém devem ser levadas em consideração as
hip ó teses de L essin g, que n o seu Laocoonte descreve vários cam in h o s
d e análise na co n stru çã o expressiva da o b ra de arte q u e resu ltam do
h ib rid ism o en tre p in tu r a e p o esia . Para o filó s o fo , o fato de o a r ­
tista im ita r o p o eta n ão é d ep recia tivo ; o p r im e ir o po ssu ía u m m o ­
d elo , m as, u m a vez q u e ele teve de tra d u z ir esse m o d e lo de u m a arte
para o u tra , seus cam in h o s de elab o ração expressiva fo r a m m u ito
in d e p e n d e n te s .43A ssim , G ilk a M ach ad o e E ro s V o lú sia , apesar da
gra n d e sin to n ia e das afin id ad es artísticas e pessoais, fiz e ra m c a ­
m in h o s in d e p e n d e n te s, cada u m a c o n tr ib u in d o a seu m o d o para a
elab o ração criativa na evolu ção do texto d o d a n ç a rin o .
M ãe e filh a fo ra m ú n icas n a m estria sim b ó lica de suas artes,
c u m p rin d o o que E d m u n d W ilso n p r e g o u a resp e ito da p e r s o n a ­
lid ad e do p o eta n o S im b o lism o . A e s p ecificid a d e de suas obras é
• 36 • o resultad o de um a lin g u a g em capaz de expressar suas p e r s o n a li­
dades e p e rcep çõ es, a q u al, p o r sua vez, é plasm ada em sím b o lo s:
" O que é tão esp ecial, tão fu g id io e tão vago n ão p o d e ser expresso
p o r exp osição o u d escrição d ireta, mas so m e n te através de u m a
sucessão de palavras, de im agen s, que servirão para s u g e r i- lo ao
le ito r ” .44
A ssim , as im agen s po éticas, criadas p o r am bas as artistas na
dança e na literatu ra respectivam en te im b ricad a s, c o m p õ e m u m a
tecitu ra de n íveis e estruturas de d iálo g o s q u e d efla g ra m u m a m e ­
to d o lo g ia que p o d e ser d en o m in a d a de d a n sin te rse m ió tic a da l i n ­
gu agem verb al e c o rp o r a l e será analisada n o s cap ítu lo s: 5 e 6 .
N o t a s d o c a p ít u l o 2

i J A K O B S O N , 1 9 6 9 , p . 15. seus p r ó p r io s ritm o s n atu rais; d ep ois,


2 J A K O B S O N , 1 9 6 9 , p . 2 6r .e c o rr e u a in stru m e n to s de percussão
3 J A K O B S O N , 1962, p. 12 9 -13 0 . e, em segu id a, a m úsicas com postas
4 N O R T H , 19 7 8 , p . 6. e sp ecia lm en te p ara os m o vim en to s.
5 S IL V A , 1 9 6 9 , p . 3 2 , 3 3. 13 L A B A N , 19 7 6 , p . 115.
6 N O R T H , 19 7 8 , p . 2 2 . 14 N O R T H , 19 7 8 , p . 22-
7 J A K O B S O N , 19 6 9 , p . 31. 15 L A B A N , 1 9 7 6 , p . 115. • 37 ■
8 K A Y S E R , 1 9 6 7 , p . 118. 16 D U N L O P ; G E A R Y, 1998, p . 4 1-4 2 .
9 B A R IL , 198 7, p. 3 74. 17 T e r m o a q u i e m p regad o n o sen tid o
10 B O N F I T T O , 2 0 0 2 , p . 3. de grad uação da tensão c o rp o ra l.
II T e r m o alem ão u tiliz a d o para
18 S E R R A , 19 9 0 .
d esig n a r a dan ça m o d e rn a d e caráter 19 Para estu dar sistem aticam en te
exp ressivo. S e g u n d o A n t o n io José o espaço c o m a fin a lid a d e de
Faro e L u iz P a u lo S a m p a io , "m u ito s d esen vo lver seu sistem a de n otação
especialistas re je ita m essa d e fin iç ã o c o re o g rá fic a , L a b an o b serv o u a
p o r sua possível a m b ig ü id a d e co m flu ê n c ia da fo r m a (e x p a n d ir e
rela ção ao E x p re ssio n is m o , co m o c o n tra ir) e id e n tific o u n o s p la n o s as
W ig m a n , q u e p r e fe r iu o te rm o Neue d im e n sõ e s espaciais d e c o m p rim e n to ,
Kiinstlerische Tanz (n ova dan ça artística) a m p litu d e e p r o fu n d id a d e , as quais
e M illo ss o p to u p o r Freier Tanz (dan ça tê m o rig e m n o s seus respectivos
liv r e ) ’’ ( F A R O ; S A M P A I O , 198 9 , pla n o s espaciais: vertical (cim a—b a ix o ),
P- 23 ). h o r iz o n ta l (lad o —la d o ) e sagital
12 L a b a n p u b lic o u d iversos trabalh o s (fre n te —a trá s); e u tiliz o u u m a grafia
sob re a arte da d an ça, d o m o v im e n to em q u e d e fin iu os n íveis espaciais, n o
e das técn icas c o rp o ra is. P o r e xem p lo: q u al o m o v im e n to o c o rr e e o rie n to u
Dança educativa moderna, em 195O ; ra d ia lm e n te , a p a rtir de u m p o n to
Domínio do movimento, em c e n tra l, as 2 7 d ire çõ e s espaciais.
í9 5 4 ; e Princípios da dança e de notação 2 0 L A B A N , 19 7 8 , p . 1 1 7 - 1 2 0 .
do movimento, em I 954 -- E n tre suas 21 J e a n N ew love esclarece a
p r in c ip a is c o m p o siçõ e s estão Rosário, im p o rtâ n c ia para a expressividade
Prometheus, DonJuan, Cinderella, The d o m o v im e n to , da observação e
Enchanter, Titan, Agamemnom e LaN uit. d o tra b a lh o a rticu la d o das ações,
N o in íc io d o seu tra b a lh o , m o n to u ta n to c o rp o ra is co m o vocais: " Sounds
d an ças sem a co m p a n h a m e n to accompanying working actions are the audible
m u sical, ju sta m e n te p ara v alo riza r result o f an inner mood. Stenuous physical
a e la b o raçã o d o m o v im e n to c o m o activity such as logging or hauling nets is usually
lin g u a g e m in d e p e n d e n te , se gu in d o accompanied by sound. We are getting used to
tennis players accompairyng their efforts with leva à p e rc e p ç ã o e à in terp reta ção d<j
sound at Wimbledon. Extreme emotions such as traço s d o ca rá te r e da personalidade
great sadness orjoy normally give rise to sound” d e q u em execu ta o m o v im e n to ,
(N E W L O V E , 1 9 9 3 , p . 9 9 ). ao m esm o te m p o q u e p e rm ite sua
22 L A B A N , 19 7 8 , p . 131. re p r o d u ç ã o p recisa , g u a rd a n d o a
2 3 O m é to d o de an álise do ca racterística expressiva in e re n te,
m o v im e n to expressivo d esen vo lvid o n u m tra b a lh o d e ca ráte r cê n ico .
p o r L a b an , e m b o ra te n h a um a L a b a n fala da im p o rtâ n c ia do
m otivação n o estu d o da co n fig u ra çã o d o m ín io das su tilezas expressivas do
d o re p e rtó r io in d iv id u a l e in te r n o m o v im e n to para o p r o fis s io n a l dessa
para a ação extern a , tam b é m se arte q u e d evem n ão so m e n te deter o
re la c io n a c o m a dan ça co letiva, d o m ín io d e d e te rm in a d o s padrões de
d e n o m in a d a dan ça c o ra l, em que m o v im e n to c o r p o r a l, m as en ten d er
o ob jetivo é r e u n ir pessoas co m tam b ém seus sig n ifica d o s
m otivação p ara a realização de para o a p rim o ra m e n to da expressão e
m o vim e n to s livres em o p o sição aos da im a g in a çã o ( L A B A N , 19 7 8 ,
m o vim e n to s m ecâ n ico s d o c o tid ia n o , p. 146 - 147) .
p r o m o v e n d o assim u m clim a festivo 28 Para L a b an : " A cin e sfe ra é um a
' 38 ' d ç in te raçã o e d iálo go s c o rp o ra is esfera em v olta d o c o r p o , n a qual
(A R R U D A , 19 8 8 , p . 4 1). a p e r ife r ia p o d e ser a lcan çad a na
24 Ib id ., p . 4 4 . n a tu ra l exten são d os m em b ro s,
25 A Jabanotation é u m m é to d o dem a n te n d o -s e o p o n to d e a p o io fixo
n o tação d o m o v im e n to expressivo em u m d os pés, o q u a l n ó s p od em os
para registro de c o re o g rafias. ch am ar de stance” ( L A B A N , 1976»
A p reo cu p a çã o c o m o caráter p. 10).
edu cativo lev o u L a b a n a d esen vo lver 29 F E R R E IR A , 1 9 9 9 , p . 1 4 7 6 .
esse m éto d o em q u e o m o v im e n to 3 0 D O R F L E S [ca. 1 9 6 9 ], p . 8 3.
é registrad o n o p a p e l graças à 31 L A B A N , 19 7 8 , p . 2 1 - 2 2 .
co m b in a ç ã o de sím b o lo s grá fico s 32 Para G illo D o r fle s , a te o ria da
q u e são associados à d ire ção do e u ritm ia , d esen v o lv id a p o r R u d o lf
m o v im e n to n o espaço, aos níveis S te in e r , trata a arte d o m o v im e n to
(alto, m éd io e b a ix o ), ao te m p o m ais d o p o n to d e v ista h is tó ric o -
(le n to , m é d io e rá p id o ) e às partes in ic iá tic o q u e e sté tico o u filo só fic o
d o c o rp o q u e se m o vem . Para L ab an : ( D O R F L E S [ca. 1969]» p- 2 6 4 ).
" U m a lite ra tu ra da dan ça e da m úsica 3 3 I b id ., p . 2 6 4 .
escrita em sím b olos d e m o vim e n to 34 L A B A N , 1978 , p. 14 6 -14 7 .
é tão n ecessária e d esejável co m o 3 5 D O R F L E S [ca. 1 9 6 9 ], p . 251 .
os registro s h istó ric o s da p o esia , 3 6 J A K O B S O N , 1 9 6 9 , p . 14 9 .
n a escrita, e da m úsica, n a n o tação 3 7 I b id ., p . 1 3 0 .
m u sical” ( L A B A N , 19 7 8 , p . 53 )- 3 8 C A L V I N O , 1 9 9 0 , p . 138.
26 M E L O N E T O , 1 9 9 4 , 3 9 N o r b e r t W ie n e r fa la - n o s da
p. 1 0 1 - 1 0 2 . im p o rtâ n c ia , da m u ltip lic id a d e e
2 7 O c o n ju n to d o estu d o da co rê u tica da v aried ad e das p o ssib ilid ad e s de
e da e u cin ética p e rm ite re c o n h e c e r as d ese m p e n h o h u m a n o . Para ele, o
relaçõ es d o m o v im e n to c o m o espaço o rg a n ism o d e u m in se to , q u e n ão é
e x te rio r e as rela ções deste gra n d e m e n te m o d ific a d o n o seu
co m as atitu d es in te rn a s q u e m o tivam m o ld e , é c o n v e r tid o em "u m artigo
o m o v im e n to . Esse co n h e c im e n to b arato , p r o d u z id o em m assa, sem
tennis players accompanyng their ejforts with leva à p e rce p çã o e à in te rp re ta çã o de
sound at Wimbledon. Extreme emotions such as traços d o ca ráte r e da p e rs o n a lid a d e
great sadness orjoy normaljy give rise to sound ” de q u em execu ta o m o v im e n to ,
( N E W L O V E , 1 9 9 3 , p . 9 9 ). ao m esm o te m p o q u e p e rm ite sua
22 L A B A N , 19 7 8 , p . 131. re p r o d u ç ã o p recisa, g u a rd a n d o a
23 característica
O m é to d o de análise do expressiva in e re n te ,
m o v im e n to expressivo d esen vo lvid o n u m tra b a lh o de ca rá te r c ê n ic o .
p o r L a b an , e m b o ra te n h a u m a L a b a n fala da im p o rtâ n c ia do
m otivação n o estu do da c o n fig u ra ç ã o d o m ín io das su tilezas expressivas do
d o re p e rtó r io in d iv id u a l e in te rn o m o v im e n to p ara o p r o fis s io n a l dessa
para a ação extern a , tam b ém se arte q u e d evem n ão so m e n te d e te r o
re la c io n a c o m a dan ça coletiva, d o m ín io d e d e te rm in a d o s p a d rõ e s de
d e n o m in a d a d an ça c o ra l, em que m o v im e n to c o rp o ra l, m as e n te n d e r
o o b je tivo é re u n ir pessoas co m tam b é m seus sig n ifica d o s
m otivação para a realização de p ara o a p r im o ra m e n to da expressão e
m o vim e n to s livres em o p o siç ã o aos da im agin a ção ( L A B A N , 19 7 8 ,
m o vim e n to s m ecâ n ico s d o c o tid ia n o , p. 146-147).
p r o m o v e n d o assim u m clim a festivo 28 Para L a b an : " A cin e sfe ra é u m a
de in te raçã o e d iálo go s c o rp o ra is esfera em v olta d o c o r p o , n a q u al
(A R R U D A , 19 8 8 , p . 4 1). a p e r ife r ia p o d e ser alcan çada na
2 4 Ib id ., p . 44 - n a tu ra l exten são d os m e m b ro s,
25 A labanotation é u m m é to d o dem a n te n d o -s e o p o n to de a p o io fix o
n otaçã o d o m o v im e n to expressivo em u m d os pés, o q u a l n ó s p o d e m o s
para registro de c o re o g rafias. ch am ar de stance” ( L A B A N , 19 7 6 ,
A p reo cu p a çã o c o m o caráter p. 10).
edu cativo lev o u L a b an a d esen vo lver 2 9 F E R R E IR A , 1 9 9 9 , p . 1 4 7 6 .
esse m é to d o em q u e o m o v im e n to 3 0 D O R F L E S [ca. 1 9 6 9 ], p . 8 3.
é registrad o n o p a p e l graças à 31 L A B A N , 19 7 8 , p . 2 1 - 2 2 .
c o m b in a ç ã o de sím b o lo s grá fico s 32 Para G illo D o r fle s , a te o ria da
que são associados à d ire ção do e u ritm ia , d ese n v o lv id a p o r R u d o lf
m o v im e n to n o espaço, aos níveis S te in e r , trata a arte d o m o v im e n to
(alto, m é d io e b a ix o ), ao te m p o m ais d o p o n to d e vista h is t ó r ic o -
(le n to , m é d io e rá p id o ) e às partes in ic iá tic o q u e estético o u filo s ó fic o
d o c o rp o q u e se m o vem . Para L ab an : ( D O R F L E S [ca. 1 9 6 9 ], p . 2 6 4 ).
"U m a lite ra tu ra da dan ça e da m úsica 33 I b i d ., p . 264*
escrita em sím b o lo s d e m o v im e n to 3 4 L A B A N , 19 7 8 , p . 1 4 6 - 1 4 7 .
é tão n ecessária e d esejável co m o 35 D O R F L E S [ca. 1 9 6 9 ], p . 2 51.
os registros h istó ric o s da p o esia , 3 6 J A K O B S O N , 1 9 6 9 , p . 14 9 .
na escrita, e da m úsica, n a n o taçã o 3 7 I b id ., p . 1 3 0 .
m u sica l” ( L A B A N , 19 7 8 , p . 53 )- 38 C A L V I N O , 1 9 9 0 , p . 13 8 .
26 M E L O N E T O , 1994, 39 N o r b e r t W ie n e r fa la - n o s da
p. 1 0 1 - 1 0 2 . im p o rtâ n c ia , da m u ltip lic id a d e e
27 O c o n ju n to d o estu d o da c o rê u tic a da v aried ad e das p o ssib ilid a d e s de
e da e u cin ética p e rm ite re c o n h e c e r as d ese m p e n h o h u m a n o . Para ele, o
relações d o m o v im e n to c o m o espaço o rg a n ism o d e u m in se to , q u e n ão é
e x te rio r e as re la çõ e s deste g ra n d e m e n te m o d ific a d o n o seu
co m as atitu d es in te rn a s q u e m otivam m o ld e , é c o n v e r tid o em " u m a rtigo
o m o v im e n to . Esse c o n h e c im e n to b a ra to , p r o d u z id o em m assa, sem
m a io r v alo r in d iv id u a l q u e u m p rato
de p a p e l q u e se atira fo ra d ep o is de
u sa d o ” . Para W ie n e r , "a varied ad e
e a p o ssib ilid a d e são in e re n te s ao
sen sório h u m a n o — e se c o n stitu e m ,
de fa to, n a chave d os m ais n o b re s
a rro u b o s h u m a n o s —, p o r q u e a
variedade e a p o ssib ilid a d e p e rte n ce m
à p r ó p r ia estru tu ra d o n osso
o rg a n ism o ” (W IE N E R [s.d .] , p . 5 2 ).
4-0 M arsh a ll M c L u h a n fa la - n o s da
im p o rtâ n c ia expressiva d os m eio s
h íb rid o s co m o in te n s ifica ç ã o da
m ensagem p o é tic a , q u e se o b té m "n ã o
p o r algum a e n fatiza ção d ire ta da fo rça
p o é tica , m as p e la sim ples adaptação
de situ ações de u m a c u ltu ra a o u tra,
sob fo r m a h íb rid a . [ ...]
O m o m e n to d o e n c o n tr o d os m eio s é
um m o m e n to d e lib e rd a d e e lib e ra çã o
do e n to rp e c im e n to e d o tran se que
eles im p õ e m aos n ossos se n tid o s”
( M c L U H A N [s.d .] , p . 7 5 ).
4 1 W A R R E N W E L L E K , 19 7 1, p . 169.
4 2 L Ô B O , 1 9 9 9 , p . 129-
4 3 L E S S I N G , 1 9 9 8 , p . 12 9 .
4 4 W IL S O N , 19 6 7, p . 22.
^ OS PRIM EIROS PASSOS DOS VERSOS

Pa n o r a m a de G il k a M achado

A p o esia de G ilk a M ach ad o tem sid o resgatada p o r estudio-


• 40 • sos co m o u m a vo z fe m in in a de alta c a tego ria p o é tic a n o in íc io do
século X X , b e m co m o n os seus aspectos a n tin ô m ic o s da ousada
tem ática d o desejo e ró tic o e de u m a p r o fu n d a ânsia d e pureza.
O p r ó p r io n o m e de sua filh a , E ro s V o lú sia , é a rep rese n ta ção viva
desse sen tim en to p o é tic o , c o n tra d itó r io en tre o sagrado e o p r o fa ­
n o , que se m a n ifesto u n a vid a da d a n ç a rin a n a sua p r o fu n d a d e d i­
cação à arte da dança, n o seu resgate de danças sagradas e po pu lares
b rasileiras, estiliza n d o -a s em u m a le itu r a eru d ita .
G ilk a M ach ad o n asceu n o d ia 12 d e m a rç o d e 1 8 9 3 , n o Rio
de J a n e iro , e m o r re u em II de d e ze m b ro d e 19 8 0 , n a m esm a c id a ­
de. Era filh a de H o rtê n c io M e llo e de T h e r e z a C h is tin a M o n iz da
C o sta . E m 191O1 caso u -se co m o jo r n a lis ta e p o eta R o d o lfo M a­
ch ad o , co m q u em teve d ois filh o s: H e ro s (q u e tir o u o h d o n o m e,
assum in d o E ro s na sua ca rre ira artística) e H e lio s, te n d o ficad o
viúva em 1923- S eg u n d o E ro s V o lú sia , G ilk a M a ch ad o tin h a 13
anos q u an d o g a n h o u os p r ê m io s d e p r im e ir o , seg u n d o e te rceiro
lugares n o co n cu rso d e p o esia d o jo r n a l A Imprensa.1
A s o b ra s d e G ilk a M a c h a d o são Cristais partidos, 1915; -A reve­
lação dos perfumes, c o n fe r ê n c ia lite r á r ia , 19 16 ; Estados de alma, i g i y ;

Poesias (Cristaispartidos e Estados de a lm a ), 19 18 ; M ulher nua, 1 9 2 2 ; Meu


glorioso pecado, 19 2 8 ; 0 grande amor, 19 2 8 ; Carne e alm a : p o e m a s es­

c o lh id o s , 19 3 1; Sublimação, 19 3 8 ; 0 meu rosto, 1947,- Velha poesia,


19 6 5- E m 1932» f o i p u b lic a d a em C o c h a b a m b a , n a B o lív ia , a a n ­
to lo g ia Sonetosji poemas de Gilka M achado, c o m p r e fá c io de A n t o n io
C a p d e v ille . Suas Poesias completas fo r a m ed itad as em 19 7 8 , co m r e ­
ed ição em I9 9 I-
C o n fo r m e A n d ra d e M u ricy , em to d a a ob ra de G ilk a M a ­
chad o tran sp a rece a fo rm a ç ã o sim b olista, cu jos versos livres, assi­
m étrico s e p o lim ó r fic o s se " e n tr o n c a m d ire ta m e n te n o de H erm es
F o n te s” ,2 o q ual, seg u n d o A n tô n io S oares A m o ra , é u m "sim b o ­
lista c o m e d id o ” , o u p a rn a sian o q u e, "em flag ran te op o sição aos
an tigos cred o s realistas, a ce ito u d o S im b o lism o o esp iritu a lism o , o
n a c io n a lism o , o in tim is m o ” .3 G ilk a desde m u ito jo v e m d estacou -
se n a p o esia . C o n fo r m e M u ricy , "seu te m p eram e n to fo rte e seu
elevado vô o lí r i c o ” in teressaram o B rasil in te ir o . O crític o afirm a
q u e n a o b ra dessa p o e ta as características sim bolistas são u m a c o n s ­
tante: o uso d o verso livre, q u e nas suas poesias a d q u iriu "m a io r
fle x ib ilid a d e , m o v im e n to s m ais en volven tes, e co m o co lea n te s” ; o
uso d o v e rb o , "n ã o m ais elevado e h u m a n o , p o ré m de sabor m ais
fo r te e o d o r m ais d e n so ” ; a m u sicalid ad e " c o m b r ilh o s rep e n tin o s
e estran h os de delicad as h a rm ô n ic a s” . M u ricy afirm a que a g r a n ­
de lib e rd a d e n a o b ra de G ilk a , p ro v in d a do S im b o lism o , é um a
das características responsáveis p o r sua u n id a d e de expressão e de
co n c e p ç ã o e q u e: "E m tod a ela en co n tra m o s a flu id e z con q u istad a
p e lo S im b o lism o , a in d iv id u a ção p o r m eio das m aiúsculas carac­
terísticas, e te n d ê n c ia m u itas vezes m anifestad a para su g erir mais
d o q u e d e fin ir ” .4
O S im b o lis m o ,3 d o q u al faz p a rte a p ro d u ç ã o literá ria
g ilk ia n a , te n d o tr iu n fa d o sob re o R ealism o, p re p a ro u o advento
d o M o d e rn is m o , q u e n o B ra sil teve seu m arco in ic ia l n a Sem ana
de A r te M o d e rn a d e IQ 2 2 - C o n fo r m e A n tô n io Soares A m o ra , a
ép oca sim b olista, de 18 9 0 a 1 9 2 0 , f o i de g ra n d e revo lu çã o e s p ir i­
tu a l e m o ra l, d esen volven d o n ovos p arad igm as de co m p reen sã o do
U n iv e rso , da N atu reza e do H o m e m em v á rio s cam p os d o c o n h e ­
c im e n to : n a literatu ra , n a filo s o fia (c o m o id e a lis m o , o n e o - e s p i­
ritu a lism o , o n e o to m ism o , c o m a p s ic o lo g ia d o in c o n s c ie n te ), nas
ciên cias da n atu reza (co m o a n tim a te ria lism o ) e n a p o lític a (co m
o n a c io n a lis m o ).6
O cu lto ao esp írito , o a n tim a te ria lism o , n o B ra sil, d e u -s e
em duas co rren tes: u m a n o sen tid o e x c ê n tric o , cab alístico e ex o -
té ric o , co m a fu n d ação de várias igrejas e te m p lo s de in ic ia d o s,
cham ad o de S im b o lism o d ecad en tista, c o rr e n te n ã o m u ito r e p r e ­
sentativa; e a ou tra , c o rre n te do e sp iritu a lism o c a tó lic o , m ais f o r ­
te, cujos p r in c íp io s resgatavam as tra d iç õ es n a c io n a is " c o n se g u iu
im p o r -s e e p ro je ta r-se sobre a é p o ca c o n te m p o râ n e a ” .7 N esse se n ­
tid o , p o d e -se p e rceb er a in flu ê n c ia da seg u n d a c o r r e n te em vários
poem as de G ilka M ach ad o, em cu ja tem ática a p a re ce m a d escriçã o
de danças, ritm os, esp orte, m o ra d ia , costu m es e a d escriçã o física
de tip os p o p u la res. Esse p r o fu n d o se n tim e n to esp iritu a lista n a ­
cion alista apelava para o c o n h e c im e n to m ais ín tim o d o h o m e m
tip icam en te b ra sileiro , o u seja, o c u lto ao " p o te n c ia l h u m a n o p o s ­
to à m argem das cogitações, m al c o m p r e e n d id o p e lo R ealism o ,
cuja defesa e educação eram essen ciais ao r e e rg u im e n to d o P aís” .8
È n o con texto desse n a c io n a lism o q u e se in s e re m as obras de G ilk a
M achado e de E ro s V o lú sia .

Eros V o l ú s ia

E m b o ra exista m u ita d o cu m en taçã o sob re E ro s V o lú sia,


ela se en c o n tra d ispersa. A b a ila rin a assim co m o G ilk a M ach ad o
têm sido o b je to de recen tes investigações, estan d o suas respectivas
obras ainda para ser resgatadas e analisadas sob persp ectivas c o n ­
tem p orân eas. C o n sta n o R G de E ro s V o lú sia a data de n ascim en to
n o dia I 2 de ju n h o de 1 9 1 4 ,9 na cid ad e d o R io de J a n e ir o , e é ta m ­
b ém nessa cidad e q u e o c o r re sua m o rte em I®de ja n e ir o de 2 0 0 4 -
A b aila rin a b ra sileira d esen volveu u m trab a lh o q u e lh e c o n fe re
p e rfe ita m e n te o ep íteto de a precursora de todas as precursoras, c o n fo rm e
apon tou M aria Stella O r s in i, em seu artigo p u b lica d o na revis­
ta Commicarte, em 19 8 7 , ressaltan do "a extrem a sen sib ilid ad e e a
m agnífica estética expressiva” dessa "b ra sile ira n otável, q u e fo i o
rep o sitório vivo da m ais alta sa b ed o ria n o cam p o da d a n ça ” .10
E n tre os antepassados da artista, e n c o n tra m -se exp oen tes
da cultura b ra sileira , co m o o rep en tista b aia n o F ran cisco M o ­
niz B arreto (1 8 0 4 - 1 8 6 8 ) , o v io lin ista F ran cisco M o n iz B arreto
Filho (1 8 3 6 - 1 9 0 0 ), a ra d io a triz T ereza G osta, o p o eta R o sen -
do M o n iz (18 4 5 -1:8 9 7), o v io lin ista p o rtu g u ês P ereira da G osta
(18 5 0 -18 9 0 ), seu avô m a tern o . A b ailarin a é filh a dos poetas G ilka
Machado (18 9 3 -1 9 8 0 ) e R o d o lfo M achado (18 8 5 -1 9 2 3 ), que co n s­
tam, am bos, do "P an oram a d o M o vim en to Sim bolista B ra sileiro ”
de A n d rad e M u ricy. O pai R o d o lfo M achado faleceu q u an d o E ros
ainda era b eb ê, em 19 2 3 , ten d o sido jo rn a lista de vários p erió d ico s • 43 •
do R io de J a n e iro : Mundo Brasileiro, A Cidade, Brasil Centenário, Jornal do
Comércio. A p ó s sua m o rte, sua esposa G ilka re u n iu suas poesias em

um livro, Divino inferno (19 2 4 ) >0 qu al p refa cio u com estranha e d o lo ­


rosa "in tro d u ç ã o ” . A n d ra d e M u ricy fala da valiosa poesia de R o d o l­
fo M achado, que, segu n do o crítico , tem u m a subjetividade fria, u m
sim bolism o req u in ta d o , avançado e com plexo, ten d o seus lon gos
poem as "fô leg o raro , e grand e riq u eza de m atizado expressional” .11
Essas qualidades p o d e m ser observadas n os poem as de Divino inferno,
"recobertos d u m cristal estranh o, lím p id o e lu zen te”.12
O fa to de E ro s, além de b a ila rin a , m o stra r-se u m a in te le c ­
tual da d ança, te n d o sid o u m a das p rim eira s b rasileiras a re fle tir
sobre a te o ria da arte do m o v im e n to , sem dúvida se deve a um a
gra n d e in flu ê n c ia das idéias in telectu a is dos pais. E ro s fo i p r e p a ­
rada p ara ser u m a artista, desde o n o m e qu e receb eu , que já é p r o ­
p íc io para o m e io a rtístico , até a con vivên cia co m artistas de todas
as áreas e o ex em p lo das práticas in telectu ais de realização de c o n ­
ferên cia s, con stan te em R o d o lfo e G ilk a . D esse m o d o , fo i possível
à b a ila rin a e n c o n tra r o a p o io n ecessário para o d esen volvim en to
de sua fam osa c o n fe rê n c ia realizad a n o s A rch ives In tern atio n a les
de la D a n c e de Paris, em 1 9 4 8 , sen d o u m even to ú n ic o n a h istó ria
da d an ça b ra sile ira , p o is até h o je n en h u m a o u tra c o n fe rê n c ia fo i
realizad a p o r d a n ça rin o s b ra sile iro s nesse "te m p lo in te le c tu a l” da
d ança m u n d ia l. Esse fato é sem d ú vid a u m a in flu ê n c ia dos pais.
Tan to G ilk a co m o R o d o lfo M ach ad o realizavam con ferên cias,
p rim e ira co m a R evelação d os P erfu m e s (c o n fe rê n c ia lite rá ria <
19 16 ). R o d o lfo M a ch ad o , seg u n d o M u ricy , fo i u m "con feren cis
b r ilh a n te ” . O c rític o afirm a q u e algum as d e suas palestras tinhal
gra n d e "riq u e za de in fo rm a çã o p s ic o ló g ic a ” e u m "p ito re sco poi
d er de evo caçã o ” e m ereciam d estin o d ife r e n te , p o is o a u to r "des
tru ía sistem aticam en te todas as suas c o n fe rê n c ia s ” .13
E ros V olú sia teve u m p ap el fu n d a m en ta l n a form ação dc
balé b ra sileiro . P o d e-se d izer que ela, além de ter a p rim o ra d o um;
técn ica h a b ilm en te praticada em várias coreografias e criativas ex­
pressões gestuais, tam bém se p r e o c u p o u — e nesse sen tid o fo i in ­
discutivelm ente u m a p io n e ira — co m os aspectos te ó rico s de suas
representações. Dessa fo rm a d eve-se analisar sua p ro d u çã o b ib lio -
• 44 • gráfica, que consta de u m livro, E u e a dança, de 19 8 3 , de u m artigo,
"Aspects o f B razilian E th n ic D a n c e ” , p u b lica d o na revista am ericana
Dance Magazine, em 1949 >e d 6 u m a co n fe rê n cia , A C ria çã o d o B ailado
B ra sileiro , realizada em 2 0 de ju lh o de 1939> n o T ea tro G in ástico
no R io de J a n e iro . N esses textos te ó rico s, a b aila rin a descreve sua
prop osta estética, c o m p o n d o u m a te o ria , fu n d am en tad a n a prática,
sobre as danças pop u lares brasileiras e sobre a arte d o m o v im e n to .
E ro s V o lú sia a lca n ço u gra n d e re n o m e nas décadas de 19 3 0
e 1 9 4 ° ’ sen d o co n sid era d a a sacerd otisa d os ritm o s n a c io n a is , a
cria d o ra do b aila d o b ra sile iro , cujas p rim e ira s a p resen ta çõ es, n o
T ea tro M u n icip a l d o R io de J a n e ir o , o c o r re ra m em 1937- E n tre
outras realizações, a b ailarin a fo i capa da revista Life, em 194 1, rea ­
lizo u um a c o n fe rê n c ia sob re a d an ça b ra sile ira n o s A rc h iv e s In -
te rn atio n a les de la D an ce de P aris, em 1 9 4 8 , p a r tic ip o u d o film e
Rio Rita, p r o d u z id o p ela M e tr o -G o ld w y n -M a y e r , d a n ça n d o T ico-

Tico no fu b á , em 1942. F o i aclam ada p o r vá rio s c rític o s n o B ra sil


e em o u tro s países, co m o M á rio de A n d r a d e , V ila - L o b o s , N e l­
son R o d rigu e s, R a q u el de Q u e ir o z , P ie rre T u g al, A lfo n s o Reyes
e José V ic e n te Payá.1'1 N o B ra sil, p a r tic ip o u de film e s p ro d u z id o s
p ela C in é d ia : Romance proibido (1 9 4 4 ), 0 samba da vida (19 3 7 ) e Cam i­
nho do céu (194 2)- A lg u m a s de suas cria çõ es co re o g rá fica s d os balés
b ra sileiro s o u de tem ática exp ression ista são " S in fo n ia das m ã o s”
0 . O ta vía n o ), "Â n sia de a zu l” (D ebussy), "U ltim a fo lh a de o u t o n o ”
(J. O ta v ia n o ), "B a tu q u e ” (N e p o m u c e n o ), "M a ra ca tu ” (C a p ib a ),
"C ateretê” (F ran cisco M ig n o n e ), " O ia o c o n g o ” (B e n e d ito L a c e r­
da), "D an ça In d íg e n a ” (C a r lo s G o m e s), T ico -tico no fu b á (Z e q u in h a
de A b reu ), "F revo ” (S ev erin o A r a ú jo ) , "C a sca v ela n d o ” (Sebastião
B arroso). Suas p rim e ira s co m p o siçõ e s co reo g rá fica s fo ra m " S e r ­
taneja” e "Iracem a ” , apresentadas n o T eatro J o ã o C ae ta n o n o R io
de Jan eiro em II de a b ril de 1931. N o m esm o a n o , em 6 de agos­
to, reco n stitu iu danças do B ra sil c o lo n ia l, ilu stran d o a palestra de
Luís E d m u n d o n a E sco la de B ela s-A rte s d o R io .
O s textos escritos p o r E ro s V o lú sia apresen tam m u ito s as­
pectos p o ético s, m o stra n d o um a p reo cu p açã o co m u m estilo lit e ­
rário d ese n v o lvid o p a ra n a r ra r suas teo ria s do b aila d o b ra sile iro .
A obra dessa b a ila rin a resgata elem e n to s p o p u la res de u m a m an eira
universal, seja d ivu lg an d o a arte n a c io n a l em p ro d u ç õ e s in te r n a ­
cionais, seja a rtic u la n d o os p r in c íp io s de sua arte essen cialm en te • 45 •
prática em teo ria s e p ro cesso s reflexivos de registro lite r á r io . Essa é
uma das p rin c ip a is características da arte da d ança na u n iversid ad e
com o in stau ração de u m a n ova área d o c o n h e c im e n to c ie n tífic o .
E ro s V o lú sia fo i u m a artista de g ê n io criativo e in d e p e n ­
dente, te n d o rea liza d o u m trab alh o ú n ic o n o p a n o ra m a da dança
b rasileira, m as n ão se p o d e n egar a im p o rta n te colab oração de seus
pais para q u e esse fato o co rre sse. A colab oração p r in c ip a l n a ob ra
de E ro s vem da m ãe; isso p o d e ser v e rific a d o q u an d o se a co m p a ­
nham os d e p o im e n to s da artista a resp e ito da g ra n d e im p o rtâ n cia
da m ãe n o d e c o r re r de sua c arre ira artística. A b aila rin a declara,
em seu liv ro E u e a dança, n o s seus " D e p o im e n to s ” :

M in h a atração p ela d ança p en so q u e fo i h ered itá ria ,


j á q u e m eus pais am bos n u tria m gra n d e a d m ira ­
ção p e lo b a ila d o . S en d o q u e m in h a m ãe tem vários
p o em as d ed icad o s a d an çarin as e c o n fe sso u -m e ter
so n h a d o ser b a ila rin a m as, n ão e n c o n tra n d o p o ssi­
b ilid a d es p ara isso, e n v e re d o u p ela p o esia qu e, a m eu
ver, é a d an ça das palavras!13

O trab a lh o a rtístico co m u n g a d o en tre as duas artistas ta m ­


b é m é m a rcan te em algum as d eclarações de E ro s, co m o em " M i­
n h a ú ltim a en trevista após a m o rte de m in h a m ã e” :
[ ...] E ra m in h a am iga, m in h a c o n s e lh e ira e in c e n -
tivad ora de todas as m in h a s rea liza çõ es artísticas.
A c o m p a n h a v a -m e em todas as m in h a s excu rsões.
N os m eus en saios era ela m in h a p r im e ir a crítica, p o r
sin al m u ito exigen te, m as sem ela, eu estou certa de
qu e n ad a que fiz p o d e ria te r sid o r e a liz a d o .16

E m um a o u tra d eclaração so b re a c o n fe c ç ã o de seus trajes de


dança, a b a ila rin a , declara:

Q u a n d o fu i con tratad a para d a n çar em cassin os, tive


que c ria r trajes p r ó p rio s para night-clubs. [ ...] C o m
o au xílio de m in h a m ãe, q u e tin h a je it o p ara tu d o ,
• 46 • co n segu im o s c o m p o r co m co rren tes e gu izo s u m a
p e iteira que co m p u n h a o m e u b u sto e com p letava a
vestim en ta. O efe ito f o i m a ra vilh o so . [ ...] C o n s e g u i
rea lm e n te o êxito a m b ic io n a d o , p o is, sem p e r d e r as
características n a cio n a is, eu co n se g u i ap resen tar u m a
ro u p a g e m de g ra n d e efe ito e q u e agrad o u ao g ra n d e
p ú b lic o , qu e n ão m e regateava aplausos d e lira n te s .17

E é em d eclarações d iretas q u e a b a ila rin a r e c o n h e c e , na


p o esia de sua m ãe, u m a fo n te in sp ira d o ra :

F o i in sp ira d a n o s versos de m in h a m ãe q u e c r ie i b a i­
lados co m o : "A n sia de a zu l” , " N o tu r n o ” , " A g o n ia da
sau d ad e” , "C a sc a v e la n d o ” , " M o v im e n to ” , " U ltim a
fo lh a de o u t o n o ” , " O r a ç ã o ” (em q u e p r o c u r e i r e ­
viver o so n h o de S an ta T e re z in h a , vestid a de fre ira ,
co m passos livres d o a ca d em icism o , e b u s q u e i todas
as atitudes d o estilo sacro, d esliza n d o su avem ente,
traçan d o lin h a s, p e q u e n o s m o v im e n to s de ascensão
e evocan d o u m a chuva de pétalas de rosas q u e c o n s e ­
g u i fazer ca ir n u m c e n á rio m a ra vilh o so ). T o d o s e s­
ses n ú m e ro s eu dançava sob re págin as m u sicais q u e
n u n c a haviam sid o ap roveitad as p ara a d a n ç a .18
O esp írito p o é tic o é o c o n d u to r n a b u sca d o m o v im en to
expressivo, em p re e n d id a p o r E ro s, m a rcan d o u m a de suas p r in c i­
pais características, e ch am o u a aten ção de vários crítico s da época.
A n d rad e M u ricy , em seu liv ro Caminho de música, co m en ta a respeito
dessa presença p o ética n a o b ra da b a ila rin a b ra sileira e da in flu ê n ­
cia atávica d os p a ren tes artistas:

E ros V o lú sia ex p rim e assim o m ilagre da tran sm u ta ­


ção da c o m o ç ã o em gesto, talvez a m ais antiga lin g u a ­
gem d o h o m e m . È da p o esia essa voz, e a p o esia é a
m ais sensível e p o d ero sa son d a, b aixan d o às p r o f u n ­
dezas abism ais, a lç a n d o -se , co m o a n ten a táctil e f r e ­
m en te, para o a bism o m ais p r o fu n d o d os céus. [...]
U m a ascen d ên cia de artistas notáveis (M o n iz B a r re ­
to , R o sen d o M o n iz , P ereira da G osta), u m a m ãe g e ­
n ia l (G ilk a M a ch ad o ), lo n g a m e n te p rep ara ra m esse
in s tru m e n to d e lic a d o , q u e sente a vida em po esia e
p le n itu d e .19

A in d a sob re essa h era n ça fa m ilia r da b aila rin a , escreve o


crítico Tasso da Silveira:

E ro s V o lú sia , a b a ila rin a ad olescen te e m o ren a , que


traz nas artérias os três sangues qu e en traram f u n ­
d a m e n ta lm en te n a fo rm açã o da raça n ova [ ...] d es­
c e n d e n te de d o is poetas: a qu ele estran h o R o d o lfo
M a ch ad o , q u e p r o c u r o u na eb rie z sim b olista o a m o r ­
te cim e n to de seu to rm e n to de arte, to rm e n to tão d o ­
lo r o s o e sensível nas estro fes esquisitas de seu Divino
inferno, e essa esp lên d id a G ilk a , a can tora gen ia l, h o je

talvez u m a das m ais son oras liras fe m in in a s d o u n i ­


v erso . S e r filh a desses pais ev id en tem en te nada e x p li­
ca a priori, co m relação à d ança da b a ila rin a m en in a .
M as d ian te da arte de E ro s V o lú sia co m p reen d em o s
q u e a an sied ad e de am bos se fu n d iu n a alm a deles
nascid a —, e n ão en c o n tra m o s o u tra e x p lic a ç ã o .20
E ro s tem , em sua gênese artística fa m ilia r, essa h era n ça dos
p r in c íp io s sim b olistas, q u e n ela e n g e n d r o u , c o m o p o d e ro s o a li­
m en to da po esia, seu ser físico p rep ara d o p ara a d a n ça, co n e cta ­
d o expressivam ente aos m eca n ism o s de p e rc e p çã o d o e s p iritu a l.21
Esse p r in c íp io g e ra d o r do m o v im e n to exp ressivo, d e c o n e x ã o dos
cen tro s vitais, em o cio n a is e esp iritu a is n o ato da d an ça rem ete
às técn icas desenvolvidas p e la b a ila rin a n o rte -a m e ric a n a Isadora
D uncan.
P ara a b a ila r in a b ra s ile ira , a a rte de Isa d o ra f o i fu n d a m e n ­
tal, p o is tro u x e à "d an ça u n iv e rsa l a h u m a n iz a ç ã o , a r e fle x ã o , a
m a d u reza , a lin g u a g e m c o m u n ic a tiv a d o m o v im e n to i n t e r io r ” ,22
m as ela d iv e rg ia d e Isa d o ra n o q u e d iz re sp e ito ao r e p ú d io da
b a ila rin a a m eric a n a ao b alé clá ssico . P ara E ro s , os e x e r c íc io s do
• 48 • b a lé era m u m a etapa a ser c u m p r id a n a a fin a çã o d o c o r p o p ara a
h a rm o n ia d os m o v im e n to s; ela e n c o n tra v a n essa lin g u a g e m u m
re fin a m e n to de m o v im e n to s q u e tiv era m u m a o r ig e m ec lé tic a e
p o p u la r . E p o r sua ca ra cte rística u n iv e rsa l, E ro s resp eitava os
en sin a m e n to s da escola clássica. C o m o o lh a r d e p e sq u isa d o ra , a
b a ila rin a afirm ava;

P ro d u to de u m lo n g o e la b o r io s o ecletism o de m o ­
vim e n to s in te rn a cio n a is , e n riq u e c id o grad ativa-
m en te co m criaçõ es e d escob ertas resu ltan tes de seus
p r ó p rio s exercícios, a cham ada escola clássica h o je
c o n s titu i u m m éto d o severo, m as n a seq ü ên cia desse
m éto d o se revelam p r e d o m in a n te s, fa cilm e n te r e c o ­
n h ecíveis, os elem e n to s fo lc ló r ic o s esp a n h ó is, ita lia ­
n os e h in d u s .23

D a p ro fu sã o de im agen s p o é tic a s , de u m B ra sil m e s tiç o , E ro s


recria n o m o v im e n to de seus o lh o s, de suas m ãos, de seu q u a d ril
e de sua b o c a , em e te rn o so rriso , a cad ên cia da d an ça b ra sileira .
A am pla vivên cia artística de E ro s, n o cin em a , n a p o esia de seus
pais e n a sua d ança, p r e p a r o u -a para essa atitu d e in o v a d o ra na
criação de u m a d an ça h íb rid a , alegre, u n iv ersa l e b ra sileira .
M á rio de A n d ra d e afirm ava que as danças de E ro s eram
" d e lic io sa s de e s p ír ito , ric a s de r itm o s p lá s tic o s in é d ito s n o
b aila d o teatral e de u m sabor b ra s ile iro m a rca n te” . O escrito r faz
um a d escrição crítica da performance da b a ila rin a b ra sileira , revela n ­
do a fo rça expressiva dessas in terp reta çõ es:

E n o s b atu q u es, n a in terp re ta çã o dos passos e m í­


m icas d o a n tig o m axixe o u d o atual frevo , nas m o ­
vim en ta çõ es m ím icas das m acum bas cariocas o u dos
m aracatus p e rn a m b u c a n o s q u e a artista se to rn a p o ­
sitivam en te de m a io r in teresse e de v e rd a d eiro esp í­
rito c ria d o r. O r a a vem os evocan d o o an tigo L u n d u ,
n u m a graça m estiça q u e lem b ra d elicad am en te os d e ­
sen h os de R u gen d as e D e b re t. O r a n o "T e r re iro de
U m b a n d a ” , aos cham ados d o p a i de santo, o esp írito
de X a n g ô , deus d o raio e d o fo g o , desce sob re ela, e • 49 •
E ro s d ança c o m ve rd a d e iro e sp le n d o r m u scu lar, em
p in c h o s e m e n e io s de u m fre n e si e n d e m o n in h a d o .
O r a ela se c o n v erte na D am a do Passo, d os m araca­
tus, carre g a n d o a C a lu n g a , a b o n e ca im p e ra triz, e o
r itm o le n to se m ove co m vo lú p ias de êxtase, in te r ­
r o m p id o p o r qu ed as bruscas de b ra ço s, n u m a p r i-
m a rid a d e tão n egra , tão im p ressio n a n te m en te grave,
q u e se d esd o b ram em b eleza aos n ossos o lh o s exp res­
sões q u e n os atiram para as form as larvares in iciais
da v id a .24

E m sua casa n o R io de J a n e ir o , em e n tr e v is ta re a liz a d a


em I I d e o u t u b r o d e 2 0 0 0 , 25 E r o s V o lú s ia d a n ç o u , fa lo u de
sua c a r r e ir a , da m ã e , d o p a i, da d a n ç a , de suas h a b ilid a d e s
co m o d a n ç a r in a . S e m p r e q u e m o stra v a u m a f o t o sua, fa zia
a lg u n s c o m e n tá r io s — " n in g u é m saltava c o m o e u ” — o u g e s ti­
culava c o m as m ã o s e os b r a ç o s , em m o v im e n to s r ít m ic o s , e n ­
q u a n to fa la v a , c o n s c ie n te de su a fa c ilid a d e e d o m ín io t é c n ic o
na dança.
E n tr e u m a p e rg u n ta e o u tra , rep e tia sem p re as r e c o rd a ­
ções m ais im p o r ta n te s de sua vid a e in sistia q u e "d a n ç a r é viver a
vid a em sua p le n itu d e de graça q u e é a saúde do c o rp o e da alm a,
e sp iritu a liza r a fo r m a d a n d o fo rm a s etern a s ao m o v im e n t o ” ,26
m o s tr a n d o q u e sua e lo q ü ê n c ia n a p r á tic a d a d a n ç a ta m b é m se
e s te n d ia aos m is té r io s f ilo s ó f ic o s de su a a r te . S e m fa lsa m o ­
d é s tia , e x c la m o u em d e te r m in a d o m o m e n to : " E m m a té r ia de
d a n ç a , e u m o r o n o a s s u n t o ! ” , m o s t r o u o seu á lb u m de r e ­
c o rte s d e j o r n a i s e, n o m e io das r e c o r d a ç õ e s , frisa v a a lg u n s
c o m e n tá r io s : "esse á lb u m te m to d a a m in h a v id a ” , " e u f u i a
e stre la d o C a s s in o d a U r c a ” , " e u f u i a ú n ic a a rtis ta s u l- a m e ­
r ic a n a q u e o c u p o u a cap a da rev ista L ife ” . A o m o s tr a r as fo to s ,
c o m e n ta v a s o b r e o f i g u r i n o p o r ela u t iliz a d o n o film e Rio Rita:
"E ssa saia pesava q u ase 15 q u il o s ” , d iz ia , c o n t a n d o d e ta lh e s de
a lg u n s fig u r in o s q u e se p e r d e r a m n o m a r, a fu n d a d o s j u n t o
c o m u m n a v io b o m b a r d e a d o n a é p o c a da S e g u n d a G u e r r a .
D e p o is de g e n tilm e n te te r r e s p o n d id o a ta n tas p e rg u n ta s ,
• 50 • de te r d e ix a d o à d isp o siç ã o seu p r e c io s o á lb u m p a ra as c o n s u lta s
n ecessá ria s a esta p e sq u isa , de te r d e m o n s tr a d o a lg u n s m o v i­
m e n to s de sua d a n ça " C a s c a v e la n d o ” e de te r tr a z id o à to n a t a n ­
tas r e c o rd a ç õ e s , ao fin a l d o e n c o n t r o ela d isse: " P u x a , v o c ê m e
t ir o u da to c a ! ” O r e e n c o n tr o c o m o passad o d e s p e r to u nessa
s e n h o r a a v e lh a ch am a q u e ta n to a in fla m o u n a ju v e n t u d e . E m
26 de fe v e r e ir o de 2 0 0 2 , f o i fe ita u m a h o m e n a g e m à b a ila r in a ,
co m a c ria çã o d o C e n t r o de D o c u m e n ta ç ã o e P esq u isa em D a n ­
ça E ro s V o lú s ia d o D e p a r ta m e n to de A r te s C ê n ic a s da U n B .
N essa o c a siã o , fo i a p resen ta d a u m a r e c o n s titu iç ã o d a c o r e o g r a ­
fia T ico-T ico no fu b á . M u ito fe liz c o m a h o m e n a g e m , E r o s V o lú s ia
c o m e n to u : "P a re c e q u e e s to u m e v e n d o d a n ç a n d o !”
• 5i •
Eros Volúsia e Soraia Silva
(Fotos de M anuel Torres)

Soraia Silva
iom en a gem à bailarina Eros Volúsia, realizada em 26 de fevereiro de 2 0 0 5 , n o campus da
• Universidade de Brasília, m ostrando a reconstituição da coreografia Tico-Tico nofubá, de
Eros Volúsia, pelo C D P D a n /C E N U nB

Eros Volúsia, Soraia Silva e D a nilo L ô b o


Coreógrafa Soraia Silva e as bailarinas Ana Vaz, Maíra, Maria Neves Garcia, Them is Loba
A lé m de sua c arre ira co m o b a ila rin a , E ro s V o lú sia fo i p r o ­
fessora do cu rso de ballet d o S erviço N a c io n a l de T e a tro ( S N T ) ,27
te n d o tid o vários a lu n o s nessa ép o ca, en tre eles H u g o B ianchy,
que, em sua h o m e n a g e m , fu n d o u u m a escola de d ança em F o rta ­
leza: a "A cad em ia E ro s V o lú s ia ” , em 19 6 8 . S e g u n d o B . de Paiva,
a p resen ça de H u g o n o C e a rá fo i fru to da c o m p reen sã o d o S N T ,
que o ced eu ao S ecre tá rio M u n ic ip a l de E d u ca çã o da P refeitu ra
d e F ortaleza p ara aju d ar "a p la n ta r u m a m en ta lid a d e nas coisas do
ballet, nesta p ro v ín cia de lu z e sol, e tam b ém — p o r tristes m en ta li-

dades — de algum as n u v en s” .28


E ros V o lú sia fo i c o n sid e ra d a a m e lh o r b a ila rin a d o B rasil j
em 1 9 4 o 1 co n q u ista n d o a m ed alh a de m é rito da A sso cia ção B ra ­
sileira de C rític o s T eatrais, co m suas co m p o siçõ e s c o re o g rá fic a s;
"R eco rd açõ es d o C o n g o ” , " L u n d u ” , fato q u e, seg u n d o M á rio de
T o le d o , fo i "a m a io r e m ais ju s ta h o m e n a g e m q u e se p o d e ria p res­
tar ao seu gra n d e ta len to , c u ltu ra artística e e sp írito c r ia d o r ” .29
A lé m de suas excursões fo ra d o B ra sil (F ran ça, A r g e n tin a , Estados
U n id o s), E ro s tin h a u m a vid a artística in ten sa, fa z e n d o film es na
C in é d ia e d a n çan d o em várias regiõ es d o B ra sil. A b a ila rin a d a n ­
ço u n o eixo São P au lo—R io de J a n e ir o e tam bém em ou tra s c id a ­
des, co m o B elém , B ra sília 30 e S a lv a d o r.31
E ros V o lú sia a tu o u em esp etácu los, en tre os quais as te m ­
p o rad as de b ailad o s o ficiais da p r e fe itu ra n o T ea tro M u n ic ip a l do
R io de J a n e ir o ,32 co m o a de I 943 -33 T a m b é m p a r tic ip o u de revistas
m usicais, en tre elas A borracha é nossa, de M ax N u n e s e S ilv in o N eto ,
tem p o rad a de I 949 >34 e Posso de girafa, de L u iz Iglezias, tem p orad a
de 1 9 4 9 ,35 in te g ra n d o tam b ém o ele n c o de shows em cassin os, com o
O strêsébrios, de 1949» n o cassin o da U rca , ao lad o de G ra n d e O te lo ,
L u ís O tá v io e de A lv aren g a e R a n c h in h o .
A p a rticip açã o de E ro s V o lú sia em revistas m u sicais e em
espetáculos de cassinos fo i m u ito p o lê m ica . A o ser in d agad a, em
um a rep o rta ge m , p o r q u e se d ed icara ao g ê n e ro revista, E ro s V o ­
lúsia resp o n d eu que con sid erava "o esp etácu lo elevado, p r ó p rio
p ara u m g ru p o , co m o a n titea tra l” , e a rg u m en to u :

O teatro restrito a u m d e te rm in a d o n ú m e ro de i n ­
d ivíd u os — literato s, c rítico s o u p ú b lic o de elite — n ão
é verd ad eiram en te u m te atro . T ea tro é divulgação.
Se u m teatro n ão é fre q ü e n ta d o p e lo p ú b lic o , de
nada valerá. E, so b retu d o , o artista é gra n d em en te
p reju d ica d o . N ão fica c o n h e c id o e sua arte to rn a -se
h erm ética, circu n scrita . N o caso, u m a b aila rin a que,
p rin c ip a lm e n te , usa m otivos n acion alistas, r e p r e ­
sentados em b ailad o s sim ples, qu e lh e valerá (sic) o
aplauso de u m p ú b lico d im in u to e se le cio n a d o ? E,
de u m m o d o geral, para que p o d e rá servir o teatro
com elevação q u e so m en te possa ser alcan çado p o r
in telectu a is? T ea tro , sen d o diversão, in stru çã o e es­
tética, n ão se p o d e lim ita r a u m p e q u e n o g ru p o de
assistentes.36
• 55 -
E m u m m o m e n to da entrevista, é possível p e rc e b e r o papel
de G ilka M ach ad o , q u e se p r o n u n c ia a respeito das in cu rsõ es a r ­
tísticas da filh a n o g ê n e ro revista. S eg u n d o a entrevista pu b licad a,
Gilka M a c h a d o :

[ ...] D e in íc io r e lu to u u m p o u c o p ara q u e E ro s n ão
deixasse o p a lco das casas snobes de esp etácu los para
v ir r e p r e se n ta r nas rib a ltas in te n sa m e n te ilu m i­
nadas d os teatro s d o g ê n e ro revista. T o d a via , E ro s
c o n v e n c e u q u e desejava fa zer te a tro p ara o p ú b li­
co e e s tre o u -s e n a revista, fa z e n d o apen as b a ila ­
d o s. Isso se d eu n a p e ça Passo da girafa, q u e a lc a n ç o u
a b so lu to sucesso. A p e sa r d os pesares, E ro s V o lú sia
s o fr e u u m a v e rd a d e ira cam p an h a . T o d o s os seus a d ­
m ira d o re s e até a c rític a c o n sid e ra va m e rra d o o seu
p r o c e d im e n to , a b a n d o n a n d o o clássico p e lo g ê n e ro
sim p les e p o u c o resp o n sá vel da revista. C o m o te m ­
p o , tu d o f o i se tr a n s fo r m a n d o . E ro s, co m fa c ilid a ­
de e c o m o cartaz q u e p o ssu ía, n ão teve d ificu ld a d e
em a lca n ça r o e stre la to , e a tu a lm e n te é a p r in c ip a l
fig u r a da c o m p a n h ia F e rre ira da Silva, o ra a tu an d o
n o T e a tr o C a r lo s G o m e s, co m a revista "B a la n ça,
mas n ão c a i” .37
N as d eclarações a n te rio rm e n te expostas, fic a clara a n eces­
sidade de expressão artística q u e tin h a a b a ila rin a b ra sile ira ao não
c o n ta r co m recu rso s p r ó p rio s n ecessários e co m espaços ad eq u a ­
d os d isp o n íveis à sua dança, p o rq u a n to q u e ria d ivu lg ar os trab a­
lh os realizad os para u m m a io r n ú m e ro de pessoas. M as em um a
socied ad e p u rita n a , c o m o a da ép o ca, a escolh a da revista m usical
fo i u m passo a rriscad o n a c arre ira de E ro s. S u rg ira m críticas com o
a de V ie ir a de M e lo , que declara:

E claro q u e E ro s V o lú sia n ão p o d e dar ain d a a sua


m ed id a, p o r n ão d isp o r da p e cú n ia necessária a u m a
m on tagem de seus b ailados segu n d o as regras da sua
dança. C o n d e n a d a para viver as exib ições sem arte e
m eram en te passatem po dos cassinos, tem m esm o a r ­
riscad o a sua repu tação de b a ila rin a , p o r te im a r em
a trair o p ú b lico co m m iú d o s frag m en to s, de seus
tem as, que su rgem n os p rogram as dos grills, co m o
irru p çõ e s intem pestivas da favela n os a m bien tes a l-
m iscarados d o co sm o p o litism o blasé. D am os to d o o
nosso a p o io ao seu p ró x im o recital. Ela o m erece p o r
tod o s os títu los, in clu sive pela con vicção e d ig n id a d e
da sua vida artística, n ão ten d o n u n ca d escid o aos p a ­
péis tristes da m a io ria de suas pares; n ão te n d o n u n c a
figu ra d o com o entraíneuse das boites chics q u e a requ estam ,
fie l na m odéstia ao seu id eal para n ão tra ir a sua m is­
são, gran d e artista de v e rd a d e .38

A b eleza estética estava p rese n te n ã o só nas danças realizadas


p o r E ros, co m o tam bém n a sua a p a rê n cia, n o seu p r ó p r io c o rp o
físico , que, m uitas vezes exp osto pelas ro u p a s elab o rad as n o s seus
trabalh os cên ico s, escandalizava a so cied a d e. C o m esses a tr ib u ­
tos, a b aila rin a a n g a rio u u m a certa aversão do p ú b lic o fe m in in o ,
que via depravação n a figu ra da artista, e u m a su p erv a lo riza çã o do
p ú b lico m a scu lin o , m uitas vezes in e b r ia d o p e lo s d otes físico s da
d a n çarin a . Esse fato c o n tr ib u iu p o le m ica m e n te para o r e c o n h e ­
c im e n to da b a ila rin a , qu e ab u so u do d ire ito de ser festejad a, e,
co m o fo i d ito pela crítica, "ab u so u m e sm o !” 39
Salvian o C av alca n ti de Paiva fala desse aspecto p e rig o so na
beleza da b aila rin a :

E ro s é u m a m u lh e r b o n ita . [ ...] A verd ad e é qu e a


sua beleza, a b eleza de seu c o rp o p a rticu la rm e n te é
fatal. A tin g e e m lin h a reta os in telectu a is que se lh e
a p ro x im a m , q u e n ela se abism am irresistivelm en te.
T ragad os p ela vo ragem , p e lo m agn etism o da carne,
se extasiam , p e rd e m a n o çã o do que os cerca e , fa ta li­
dade atroz, p e rd e m , o u a d q u ire m n o sen tid o negativo
in s p ira ç ã o .40

O c rític o d isc o rre em seu a rtig o sob re as várias poesias que


são feitas para a b a ila rin a e sob re o m au gosto das p ro d u zid a s p o r
intelectuais q u e revelam , nesses textos, os "desvios glan d u lares,
recalques e co m p lex o s extravasados p o r in flu ê n c ia te rap êu tica d e ­
cisiva da b eleza h ip e rse x u al da m e n in a E r o s ” . Salviano cita vários
poem as d ed icad o s à b a ila rin a , co m p o sto s p o r in telectu a is da é p o ­
ca, en tre os quais cita u m fra g m e n to do p o em a B ailarina de ouro,41 de
O d ilo n Tavares.
S o b re esse p o em a , S alvian o a firm a ser "p a tético o ro g o , a
im ploração d o a u to r, visivelm en te apaixo n ad o p ela b aila rin a , ou
m elh or, p e lo c o rp o d esp id o da m esm a” .42 O fato é qu e na d o ­
cum en tação pesquisad a fo i en c o n tra d a u m a expressiva qu an tid ad e
desse tip o de m a terial, co m o cartas po éticas, poem as de fas g u a r­
dados co m os reco rtes de jo r n a l, que se avolum avam em n ú m e ro ,
ju n ta n d o -s e aos q u e fo ra m p u b lic a d o s .43
E n tre tantas ou tras cartas de fãs apaixo n ad os, en c o n tra -s e a
de P ie rre T u g al, d ire to r do M usée de la D an se e co n serv a d o r dos
A rchives In te rn a tio n a le s de la D an se de Paris, que se re fe ria e m o ­
cio n a d o à apresen tação feita p e la d a n çarin a na véspera:

C a ra am iga, caríssim a am iga, co m o seria feliz se d e ­


p o is da lin d a n o ite de o n te m , d o m a g n ífico sarau,
vo cê tivesse sen tid o , co m o eu a m esm a p le n itu d e de
sen tim en tos! V o c ê é u m a d a n çarin a d ign a deste n o m e
e o q u e lh e v o u d izer n ão é u m a lis o n ja — n ão sou p o r
n atu reza lis o n je ir o — e vo cê traz co n s ig o a G ra ça e
a B eleza de cada d ia. V o c ê é a sacerd otisa da b e le ­
za. T o d a a sua n atu reza h on esta e reta, to d o s os seus
so n h o s e essa m issão, ig n o ra d a p o r si m esm a talvez,
caem n o solo co m o fo lh a s de u m a rosa q u e m o rre .
A rosa d esapareceu , p o ré m as fo lh a s gu ard am a sua
c o r e o seu p e rfu m e . A sua d an ça d esapareceu , mas
você d e sfo lh o u sob re os q u e a v ira m d a n çar o q u e eles
n u n c a realizaram até agora. [ ...] V is to qu e n ão é uso
n o s archives o fe re c e r flo res, receb a a q u i, co m esta, as
flo res invisíveis e in d e stru tív e is.44

A lista de c rítico s e a d m irad o res da arte de V o lú sia é in


• 58 • fin d ável, in c lu in d o aqueles que apoiavam a criação de sua escola
desse n o vo estilo , o "balé b r a s ile ir o ” ,45 co m o M á rio de A n d rad e
Mas isso n ão ga ran tiu a c o n tin u id a d e de sua ca rre ira . Sua retiradi
do c en ário a rtístico fo i m u ito p re c o c e , ju sta m e n te n o m o m en ­
to em qu e p re te n d ia fo r m a r u m a escola, u m g r u p o de d an ça qui
desse c o n tin u id a d e às suas pesquisas. O m o m e n to era favorável ni
m ed id a em q u e, d ep o is da gu erra , chegavam n ovos co n tra to s pari
atuar n os Estados U n id o s e em o u tro s países. A lg u n s acontecia
m en tos pessoais, n o e n ta n to , a o b rig a ra m a u m a retira d a total dcj
cen ário artístico.
O g ra n d e legad o da b a ila rin a b ra sile ira talvez esteja n o s seui
escritos, já qu e sua ob ra em d ança n ão p ô d e ser registra d a, além
de algum as fo to s e p a rticip açõ es em film es. A ssim , m esm o qu e sua
expressão m a io r ten h a sid o p o r m e io da d a n ça, seu texto tam bém é
im p reg n a d o de u m a d escrição p o é tic a das im p ressõ es co lh id as em
suas pesquisas de cam p o das danças p o p u la re s. A n d ra d e M uricy
observa n o s seus escritos: "U m a sim p les en u m e ra ç ã o , m in u ciosa,
precisa, e en ta n to , eis u m q u a d ro de irresistível riq u e z a d e c o ra ti­
va, d o cu m en to que ro ça p e la o b ra de a rte ” .46
D estarte, co m o fo i co m en ta d o n o ca p ítu lo a n te rio r , relati­
vo à ob ra de G ilk a M a ch ad o , n ão é o b jetiv o deste trab a lh o esgotar
a análise das ob ras de E ro s V o lú sia o u de G ilk a M ach ad o em seus
aspectos totais e in d iv id u a is. O q u e se q u e r é o resgate dessas obras,
que o fe re ce m pistas d o fazer in te g ra d o en tre a lin g u a g em literária
e a lin g u ag em da d ança. P o rtan to , as obras escritas de E ros V o lú ­
sia po ssib ilitaram essas análises, sen d o sua p r in c ip a l lin g u ag em , a
dança, efêm era p o r excelên cia, n ão teve seu registro total, além de
algumas fo to s e frag m en to s de co reo g ra fias realizadas em film es.
Todo esse m a terial ju n t o co m d e p o im e n to s, artigos de jo r n a is e
revistas que co m en ta m a p ro d u ç ã o de am bas as artistas aju d aram
na elaboração dos estudos a q u i apresen tad os.

•59 •
N o ta s d o c a p ítu lo 3

I "E la g a n h o u to d o s os três p rêm io s: 10 O R S I N I , 1 9 8 7 , p . 10 8 .


u m co m o seu n o m e e co m o p oem a 11 M U R I C Y , 1 9 5 2 , p . 3 - 5 .
Falando à L u a e os o u tro s d o is co m 12 P o d e m o s o b serv ar os fatos
Rosa e S ândalo, sob p s e u d ô n im o " ap o n tad o s p e lo c rític o n o se gu in te
( V O L Ú S I A , E ro s. " A p re se n ta ç ã o ” . fra g m e n to d o p o e m a Plenilúnio, de
In: M A C H A D O , G ilk a . Poesias R o d o lfo M ach ad o:
• 60 • completas. R io d e J a n e iro : L é o Bizarra sensação vibra em toda minha alm a!
C h ris tia n o E d ito ria l, 1999 » p* 7 )- Lua — espelho de M ágoa — opala imensa e bela!
2 M U R I C Y , 1 9 5 2 , p . 14 9 . — bússola da Ilusão — cronômetro da Calm a!
3 A M O R A , 1 9 5 5 , p . 123 . — A g u ia m o rta n a paz da tra n sp are n te
4 M U R I C Y , 1 9 5 2 , p . 15 0 . u m b ela!
5 A m o ra esclarece q u e a palavra
D o éter na fr ia chuva 0 luar meu corpo banha
S im b o lism o su rgiu n o sécu lo IX "para e trôpego, absorto, entre arrepios ando...
d esign ar os poetas fran ceses q u e, p o r O lh o tudo em redor sob brancura estranha
volta d e 18 8 6 , em P aris (veja-se o N u m a alucinação fantástica, p a ira n do...
"M a n ife sto ” de M oréas, p u b lic a d o n o tonto de luzarranco
Figaro, em 18 de setem b ro de 1 8 8 6 ), se histéricas visões de um pesadelo branco!
o rg an izara m n a defesa d e u m a p oesia ( Ib id ., p. 3 - 5 ) .
an tip arn a sian a , o u m ais am p la m en te, 13 I b id ., p . 3.
an tirealista, a n tim ateria lista , 14 W A A . E ro s V o lú sia através da
an tip o sitivista ” ( A M O R A , 1955 * c rítica . R io d e ja n e ir o (fo lh e to
p . 110 ). c o r r o m p id o p e lo te m p o , sem dad os
6 I b id ., p . 110 . de p u b lica çã o , o r ig in a l em posse
7 I b i d ., p . 113* d o C e n t r o de D o cu m e n ta çã o e
8 I b id ., p . 115- Pesquisa em D a n ça E ro s V o lú s ia , do
9 Essa data é d uvid osa n a m ed id a D e p a rta m e n to d e A rte s C ê n ic a s da
em q u e a b a ila rin a teve de alterar U n iv e rsid a d e d e B ra sília ).
sua id ad e para re a lizar u m a v iagem 15 V O L Ú S I A , 1 9 8 3 , p . 35.
in te rn a c io n a l; em algu ns artigos 16 I b id ., p . i 7 g - i 8 o .
d e jo r n a l aparecem a data de Io de 17 I b id ., p . 10 7 .
ju n h o de 19 19 ( V O L Ú S I A , E ro s. 18 I b id ., p . 151.
S u p le m en to L ite r á r io d e A M anhã, 19 M U R I C Y , 1 9 4 6 , p. 2 3 2 .
2 0 / 10 / 19 4 3 , p . 2 2 4 ), o u ain d a l~ 2 0 V O L Ú S I A , 19 8 3 , p. 9 4 .
d e ju n h o de 19 17 co m o a data de 21 S e g u n d o as te o ria s q u e
n asc im e n to da b a ila rin a b ra sile ira in flu e n c ia v a m o S im b o lism o , a
( V O L Ú S I A , E ro s. Diário da Noite, co n exã o e n tre o e sp írito e a m atéria
1948). d ava-se p e la c o n sciê n cia , p e la
evolução na cadeia das 28 B . de Paiva, ao fa zer um a
co rresp o n d ê n cia s, c o n fo r m e a presen tação d o p ro g ra m a de estréia
pregada p o r E m e rso n : " A ciê n cia da A c a d e m ia E ro s V o lú sia, relem b ra
sem pre avança de p a r co m a ju sta a im p o rtâ n c ia p ara a dan ça b ra sileira
elevação do H o m e m , n o m esm o da b a ila rin a , p a ra b e n iza H u go
passo da R elig ião e da M etafísica; p o r B ia n ch y pela in icia tiva em F ortaleza
outras palavras, o estado da C iê n c ia e re c o m e n d a aos pais "q u e , n o ballet,
é um ín d ice de n osso c o n h e c im e n to existe u m a m issão m a io r q u e a de
de nós p ró p rio s. G o m o cada coisa fazer suas p r in ce z in h a s d esfila rem
na N atu reza co rre s p o n d e a um a ro u pas; o ballet é u m pro cesso de
facu ldad e m o ra l, se q u alq u e r vivên cia através do c o rp o e d o e sp írito
fe n ô m en o p e rm an e ce irr a c io n a l c o m o esp elh o da p r ó p ria vida, pela
e ig n o ra d o é p o r q u e a facu ld ad e dan ça e p e la m úsica, p e lo segredo
co rresp o n d e n te , n o o b servad or, d o ritm o e p e lo d esen v o lv im en to do
ainda n ão está ativa” (E M E R S O N , c o rp o ; m ais a in d a , é u m fe n ô m e n o
1 9 6 6 , p . 12 9 ). de tão gra n d e co m u n ica ção q u e,
22 V O L Ú S I A , 19 8 3 , p . 13 6. pela dan ça (gesto e ritm o ), deve
23 I b id ., p . 3 9 . D eu s (antes de c ria r o h o m e m e,
2 4 A N D R A D E , 19 3 9 . p o r ta n to , a palavra, a voz) ter fe ito o
25 V e r A n e x o . m u n d o e suas cria tu ra s” (P rogram a
26 Essa d e fin iç ã o d e E ro s V o lú sia da A c a d e m ia E ro s V o lú sia , d ireção
para a arte de d an ça r está p resen te de H u g o B ia n ch y, P r im e iro Festival
n o te rc e iro p a rá g ra fo da p . IO de de B a lle t, T e a tro Jo sé de A le n c a r,
seu liv ro Dança brasileira, assim com o F ortaleza, IO de d eze m b ro de 19 6 8 ).
aparece em várias d ec lara çõ es da 2 9 T O L E D O , M á rio . Suplemento do
bailarin a em re p o rta g e n s de jo r n a l e M e io -D ia , R io de J a n e iro , 3 0 ja n .
revista. 19 4 1.
27 E ros V o lú sia , em 1 9 4 0 , e x ib iu o 30 S e g u n d o M aria de S ou za D u a rte,
p rim e iro ballet b ra s ile iro , c o m p o sto E ro s V o lú sia a p re se n to u -se em
de ele m e n to s n a c io n a is, p r o d u to 10 /10 /19 58 n a capital fe d e ra l, n o
d o cu rso , co n q u ista n d o co m ele o B ra sília Palace H o te l, te n d o sido
p rim e iro p r ê m io m ed a lh a de o u ro , o p r im e ir o esp etácu lo de dança
con ced id o p e la A sso ciaçã o de C r ític o s rea lizad o nessa cid ad e (D U A R T E ,
Teatrais p ara a m e lh o r realização 19 8 3 , p . 5 6 ).
c o re o gráfica d o a n o , realização essa 31 L e o n e sy P on tes saúda a b ailarin a
levada a e fe ito n a te m p o ra d a o fic ia l ca rioca em c rô n ic a in titu la d a A Bahia
de o peretas, c o m a p eça M inas de prata. a Eros Volúsia: " A p resen te tem p o rad a
F oram três os b a ila d o s, em q u e ela de E ro s V o lú sia n o T e a tro G u a ra n i
tam b ém dançava, e se in titu lavam : c o n to u co m a prestim o sa co la b oração
Recordações do Congo, Taiferas e Fandango. do E x m o . D r . O ctá v io M an ga b eira D .
O ballet E ro s V o lú sia o u C ia . E ros D . G o v e rn a d o r d o E stado da B ahia,
V o lú sia d a n ç o u em cid ad es com o n u m p r e ito de re c o n h e cim e n to
Salvador, em 1956* e B e lo H o riz o n te , à m aravilhosa arte desta R ain h a
n o T ea tro F ra n cisco N u n e s, em 19 5 6 , d o B a ila d o . O talen to a rtístico da
ten d o estado tam b ém em te m p o rad a, fo rm o sa 'b ra silie n se ’ é u m atestado
em I 95 1 * n o R i ° de J a n e iro n o T ea tro in c o n te ste de seu êxito , ga ra n tin d o
C a rlo s G o m e s c o m "B ala n ça mas não ao B ra sil, n o c o n c e ito a rtístico dos
c a i” . p ovos, u m lu g a r c o n d ig n o , capaz de
p reservar as riq u ezas im en su ráveis 3 7 I b id ., p . 2 9 e 6 0 .
de nossas tra d içõ e s de c u ltu ra ” 38 M E L O , 1 9 4 4 , p . 15.
( P O N T E S [s.d .]). 3 9 V O L Ú S I A , E ro s. Piárioda.Wi[>it€,
32 M an ch etes de jo r n a l co m o esta: 19 4 8 .
"R e ceb e u o b atism o da m acu m b a 4 0 P A IV A , 1 9 4 5 , p . 3.
e d a n ço u c o m ín d io s d o A ra g u a ia ” 4 1 Poeta boêmio, artista miserável/diante de
d ivulgavam o fe ito da b a ila rin a teu fausto/diante dasjó ia s de teus olhos/de
b ra sile ira que levava o sam ba para teus lábios/de teus seios/de teu ventre/de tua
” 0 a m b ie n te re fin a d o d o T eatro arte [ ...] . O r ig in a lm e n te , este p o e m a
M u n ic ip a l” . "R e ce b e u o b atism o f o i p u b lic a d o n o Estado de M inas, em
da m acu m b a e d a n ç o u c o m ín d io s 25 / 0 2 / I 9 4 5 -
d o A ra g u a ia ” (D iário da Tarde. B e lo 42 P A IV A , 1 9 4 5 , p. 3.
H o r iz o n te , 8 d e ju n h o d e 194-4“) • 4 3 C o m o e x e m p lo , te m -s e este
33 D ire çã o e c o re o g ra fia de Vaslav fra g m e n to d o e lo g io de L e o n e sy
V eltch e k , te n d o c o m o destaques P o n tes: "H á n o s seus m o v im e n to s
M ad e le in e Rosay, M a rilia F ra n co , a ca rícia in e b ria n te de so n h o s n ão
L u iza C a r b o n e ll, L e d a Y u q u i, M aryla vivid os, e n q u a n to os n ossos o lh o s
G re m o e a " c ria d o ra d o b ailad o d eslu m b ra d o s saltitam , d aq u i p ara ali,
62 b r a s ile ir o ” E ro s V o lú sia d an ça n d o p o u sa n d o n o s seus ca b e lo s p re to s q u e
o q u a d ro " L e ilã o ” , co m co re o g ra fia a p r ó p ria b risa , n o afa
de V aslav V eltc h e k e m úsica de F. de u m d esejo n ã o rev elad o , in siste
M ig n o n e , n o p r im e ir o ato c o m o a teim o sa em a c a ric iá -lo s te rn a m e n te
p e rso n a g e m " A escrava” e n o te rc e iro le m b r a n d o o c o lib r i, a r o u b a r das
ato co m o a p e rso n a ge m flo re s, fa g u e iro c o m o ra io d e sol,
" O m o le q u e ” . sin ge lo co n ta to , e n to r n a n d o n o céu ,
3 4 P a tro cin ad o p e la E m p resa F erreira co m o se a grad ecem os 'c a lie n te s’
da Silva, a p resen tad o n o T e a tro b e ijo s, a fra g râ n cia in ig u a lá v e l”
C a rlo s G o m e s, R io d e ja n e ir o . ( P O N T E S , [ s .d .]) .
A p a rticip a ção de E ro s V o lú sia n o 4 4 Essa carta fo i p u b lic a d a n o a rtig o
p r im e ir o ato é d an ça n d o o qu ad ro E ro s V o lú sia con vid a d a p a ra u m a
Tico-Tico n o jiib á e n o segu n do ato o toum ée na E scan d in ávia, d o j o r n a l
qu ad ro "D o is ritm o s — Terpsycore” . Vanguarda, em IO / n / 1 9 4 8 .
N este espetáculo, en tre ou tros artistas, 45 O Diário de N otícias assim se
p articipam : S alúquia R e n tin i (atriz p r o n u n c ia em rela ção à dan ça
portu gu esa), W alter D ’Á vila, A rm a n d o vo lu sian a: "S e ria u tilíssim o p a ra as
N ascim en to , S ilvin o N e to , Z aira crian ças b ra sile ira s a sistem atização
Cavalcânti, Lydia Reis. d os estu dos das nossas dan ças,
35 E spetáculo da E m p resa F e rre ira da seria u m d esp e rtar d e a m o r à
Silva a p resen tad o tra d içã o , u m a p ro v e ita m e n to de
n o T e a tro C a rlo s G o m e s (R io de valores e u m a g ra n d e c o o p e ra çã o
J a n e iro ). A p a rticip a ção de E ro s n o a p u ro da e u g e n ia , n ó s q u e tan to
V o lú sia n o p r im e ir o ato é d an ça n d o n o s re ssen tim os d o d e fic ita rism o
o q u ad ro " C a c h ic h i” e, n o segu n d o ,
o rg â n ic o ” ( D A N Ç A B ra sile ira . Diário
"M a cu m b a ” . N esse e sp etá cu lo , e n tre
de Notícias, 25 m a io 195 ^)*
o u tro s artistas, p a rtic ip a ra m : M ara
46 M U R IC Y , 194 6, p. 2 37.
R u b ia, Z a ira C a valcâ n ti, S ilv in o
N e tto , W alter D Á v ila , Silva F ilh o .
3 6 D a n ç a n d o ... Carioca. R io de
J a n e iro , [s. d . ] Tp . 29 e 6 0 .
N ie t z s c h e e a f u n d a ç ã o d a n o v a d a n ç a

A questão da "o b ra a b erta ” ,1 do cham ad o à in terp reta çã o


criativa, à fisicalid ad e da ação p o ética pregada p ela filo s o fia n ie ­
tzschiana em Assim fa lo u Zpratustra, liv ro p u b lica d o em 188 8, passa­
ram a ser te rre n o fé r til para os d a n çarin o s do in íc io do sécu lo • 63 •
XX, que, in satisfeito s co m a estética p a d ro n iza d a d o balé clássico,
buscavam u m a expressão in te r io r que red efin isse e im pregnasse o
espaço ex te rn o n a tarefa de alcan çar o in fin ito . N esse processo,
necessitava-se de m u ita en erg ia vital; daí a b usca do p rim itiv o , da
energia p rim itiv a , do im p u lso vital, co m o a crian ça, que se e m ­
briaga de vid a e n a tu ra lm e n te cam in h a em d ireção ao a lto .2
Essa busca da p rim itiv a en ergia vital p o r m eio da arte res­
gatava a u to p ia do d esen v o lvim en to de u m n o vo ser em u m a nova
sociedade m ais ev o lu íd a. Id éia d e fe n d id a p e lo filó s o fo alem ão
quando sustenta, em 0 nascimento da tragédia (18 71), qu e a arte é a
atividade p r o p ria m e n te m etafísica da v id a .3
N ic o la u S evcen k o, em O rfeu extático na metrópole, fala a respeito
de "a m aré to rm e n to sa de e u fo ria de 1 9 1 9 ” ,4 q u an d o a socied ad e
em p len a tra n sfo rm a çã o dos seus valores b usca u m a fo rça coletiva
que ad q u ira u m a "c o rp o re id a d e e x tra -h u m a n a ” , te n d o o co rp o
com o peça fu n d a m e n ta l, resgatan do certo p agan ism o. O h is to ria ­
dor destaca o caráter p r im itiv o e a m oral da época:

"In c o n tin ê n c ia d os m o d o s e irrev erên cia de p e n sa ­


m e n to s” , o d iag n ó stico n ão p o d ia ser m ais p reciso .
" A plástica im pecável, a vitó ria da fo rm a e da ex te rio ­
rid a d e ” , "o id eal clássico” , são estocadas de m estre;
basta lem b rar a figu ra em blem ática de Isadora D u n can ,
len d a viva p elo s p alco s de to d o o m u n d o , cu ja a d o ­
ração atin gia as raias de u m c u lto . "P a g an ism o , p u r o
p a g an ism o ” , é o go lp e de m ise ricó rd ia . E rea lm e n te
d o que se trata. O u tr o s d eram o u tro s n o m e s a essa
atitu d e, a essa d isp o sição de â n im o : p rim itiv ism o ,
p u rism o , fa u v e [ . . . ] . 5

A co n sciên cia co m u m , pelas n orm as e pelas im p o siç õ e s m o ­


rais e de có d igo s de co n d u ta , insiste em d e lim ita r c o m o ab su rd os
e m argin ais e, p o rta n to , não aproveitáveis certos c o m p o rta m e n ­
tos. N u m o lh a r m ais c o n te m p o râ n e o , p o d e r - s e - ia d izer q u e a arte
de caráter ritu a lístico é a a co lh e d o ra de co n d u tas im p en sáveis n o
q u o tid ia n o , o espaço líc ito p ara a m an ifestação do ilíc ito . O a r-
• 64 ■ tista passa a ser o " tr a n s fo r m a d o r ” q u e re c o lh e e recicla as fo rm as
m argin ais, tra n sfo rm a n d o -a s e d e v o lv e n d o -a s à so cied a d e, n u m
ca m in h o de elevação em d ireção a u m a "n o va c u ltu ra trá g ica ” .6
Isadora D u n c a n q u eria reviver as danças gregas p e lo seu
aspecto esp o n tâ n eo e n atu ra l, n ã o reviver m eras danças f o lc ló r i­
cas o u n acio n a is, mas, sim , danças h u m an as q u e tran sb ord assem
en ergia vital e esp írito . N ietzsch e, nesse m esm o flu x o de r e to r n o às
fo n tes da beleza, insistia em q u e os estados d ep lo ráveis d o esp írito
p o d e ria m ter sua red en çã o desses m ales p o r m e io de u m r e to r n o
aos ritu ais teatrais gregos. Isso fica cla ro q u a n d o esse filó s o fo traça
u m p a ralelo en tre o h o m e m d io n isía c o e H a m let:

[ ...] O c o n h e c im e n to m ata a atu ação, para atu ar é


p reciso estar velado p ela ilu são . [ ...] A arte; só ela tem
o p o d e r de tra n sfo rm a r aqueles p e n sa m en to s e n o ­
ja d o s sobre o h o r r o r e o ab su rd o da existên cia em
rep resen tações co m as qu ais é possível viver: são elas
o su b lim e, e n q u a n to d om esticação artística d o h o r ­
rível, e o c ô m ico , en q u a n to descarga artística da n á u ­
sea d o a b s u rd o .7

Isadora, le ito r a de N ietzsch e, acreditava n o s u p e r-h o m e m ,


d esp re n d id o de to d o s os p ro d u to s de u m a c u ltu ra d eca d e n te c ris ­
tã, e na sua fo rça vital de realização e c ria çã o . P o d e -s e p e rc e b e r
essa crença em passagens de Fragmentos autobiográficos, em que a d a n ­
çarina declara:

[ ...] E essa a ed u cação cristã, q u e n ão sabe e n sin a r a


crianças a sob erb a frase de N ietzsch e: "S eja d u r o !”
Mas desde ced o algu m esp írito m e sussurrava: "Seja
dura! L e m b r o de te r e n c o n tra d o m in h a m ãe n a cam a,
certo dia, c h o ra n d o e so lu ça n d o sen tid a m en te. A o
seu lad o estavam todas as coisas que trico tara n u m a
sem ana de tra b a lh o , e que n ão co n segu ira v e n d e r nas
lojas. F u i d o m in a d a p o r u m a súbita revolta. D e c id i
eu m esm a v e n d e r aquelas coisas, e a b o m p r e ç o . [ ...]
E a qu ele p e q u e n o g o rr o v e rm e lh o qu e m in h a m ãe
trico tara era o g o rr o de u m b eb ê bolcheviqu e.8

A crença da bailarina na revolução russa, em u m socialism o


verdadeiro, m uitas vezes era inspirada em p rin cíp ios nietzschianos.
Em um artigo feito para u m diário de esquerda francês, L ’Humanité, na
primavera de 1921, Isadora in icia o texto citando o filó so fo alemão:

A m o 0 hom em que cria acima de si mesmo e nesse cam inho perece

(frase de N ietzsch e, Assim f a l o u /jira tu stra ). V ocês esp e­


ram q u e eu lh es dê m in h as im pressões de M o sco u .
N ão p o sso, d ep o is de H . G . W ells e o u tro s e sc rito ­
res q u e estiveram a q u i, d a r-lh e s im pressões p o lít i­
cas. A p e n a s posso lh es dar m in h as im pressões com o
artista, e estas são m ais sentidas do qu e raciocin ad as.
[ ...] V e jo a rea lid a d e esp iritu a l do qu e se passa aqu i
co m o u m a lu m in o sa visão do fu tu r o . A s p ro fe cia s de
B eeth o ve n , de N ietzsch e, de W alt W h itm a n estão se
co n c re tiza n d o . T o d o s os h o m e n s serão irm ãos, im ­
p e lid o s p e la gra n d e o n d a de lib era çã o qu e acaba de
n ascer a q u i n a R ú ssia .9

E m o u tro s m o m e n to s d os seus escritos, Isadora reafirm a


seu p a ren tesco c o m as id éias d ion isíacas d o filó s o fo alem ão:
A o s vin te anos eu amava os filó s o fo s alem ães. [ ...] E u
era u m a in telectu a l! A o s vin te e u m , o fe r e c i m in h a
escola à A le m a n h a . A Im p eratriz r e s p o n d e u q u e ela
era u m a escola im o ral! O Im p e ra d o r disse q u e era
revo lu cio n á ria ! E ntão o fe re c i m in h a escola à A m é r i ­
ca, mas disseram qu e ela d e fe n d ia o V in h o e D io n is o .
D io n is o é a vid a — é a T erra , e a A m é ric a é u m país
o n d e se b eb e lim o n a d a . C o m o se p o d e d a n çar b e ­
b e n d o lim o n a d a ?10

O u tra s p e rso n a lid a d es da dança tam b ém se in sp ira ra m na


filo so fia de N ietzsch e para c o m p o r suas ob ras. A am erica n a D o ris
H u m p h re y ( l 895 _I95 ^) sob re a im p o rtâ n c ia de suas teorias
para a co m p reen sã o da d im en são d ram ática da d ança, p o r ela d e ­
n o m in a d a co m o "o arco en tre duas m o rte s ”,11e q u e se fu n d a m e n ­
tava n o s seus trab alh os co re o g rá fico s p elo s p r in c íp io s de q u ed a e
recu p eração d o m o v im e n to :

O s tipos h u m an o s básicos, apon tad os p o r N ietszche,


o a p olín eo e o d io n isía co , sem p re op ostos e existentes
n o h o m em , são o sím b olo da lu ta para o progresso,
p o r u m lad o, e o seu desejo de estabilidade, p o r o u ­
tro . Essas não são só as bases da tragédia grega, com o
tam bém de to d o o m ovim en to d ram ático , p a rticu la r­
m en te da d a n ça .12

D o r is H u m p h re y p a r tic ip o u d o g ru p o D enishaw n ,13 de 1917


a 19 2 8 , m as, co m o G rah a m , reiv in d ica u m a d ança c o m raízes na
cu ltu ra da n ação am erican a. E la acreditava que a té cn ica de d a n ­
ça devia b asear-se nas leis n atu rais d o c o rp o , p r in c ip a lm e n te n o
p r in c íp io do e q u ilíb r io e d o d ese q u ilíb rio das estru turas c o rp o ra is
d u ran te o m o v im e n to .
A m u ltip lic id a d e de sen tid os n a le itu ra n ie tzsch ia n a da dança
e o resgate de u m a u n id a d e o r ig in a l de c o n c e ito e im ag em p o s s ib i­
litaram qu e a b a ila rin a b ra sileira E ro s V o lú sia , ta m b ém p re c u rso ra
de u m n ovo estilo , o "balé b ra s ile ir o ” , fizesse sua p e c u lia r le itu ­
ra de N ietzsche em seu livro Eu e a dança. E ro s assim a n te ce d eu o
capítulo sobre a "D an ça clássica e d ança m o d e r n a ” , exclam and o:
"E dançando que eu sei d izer os sím b o lo s das coisas m ais su b li­
mes” , um a frase de Z aratu stra em " O can to do tú m u lo ” .14 N esse
m esm o c a p ítu lo , E ro s fa la so b re o c a rá te r r e v o lu c io n á r io do
bailado b ra sile iro , co m u m a in sp ira ção m u ito p ró x im a do que
pode ser in terp re ta d o co m o a "vo n tad e de p o tên cia do s u p e r - h o -
mem n ie tzsch ia n o ” , d even d o aq u ele cam inhar com a energia indispensável
aos desbravadores dos novos horizontes geográficos e marcha agora, celeremente, para

um grande concerto universal .IS

Talvez p e lo fato de sua o b ra c o n te r a p resen ça da filo so fia


essencialm ente trágica, d ilacerad a, p re n h e de d ico to m ia s, irre v e ­
rente e p o ética de N ietzsch e é que se possa e n te n d e r p o r qu e E ros
Volúsia desenvolveu n o B ra sil o qu e c o rre sp o n d e às in ovações r e ­
alizadas nessa arte p o r b a ila rin o s in te rn a c io n a lm e n te r e c o n h e c i- • 67 •
dos, com o Isad ora D u n c a n o u M ary W igm a n .
Filha de poetas, E ros traz n o p ró p rio n om e a m arca do D eus
grego do am or e a m arca das "três coisas mais am aldiçoadas” , anali­
sadas p o r Zaratustra — volú pia (do seu p ró p rio n om e), am bição de
domínio (sua força inovad ora), egoísm o (do seu corp o vito rio so ).16
H u g o A u le r destacava o lad o exp ressionista de E ros V olú sia
tentando classificar sua d an ça co m o u m a arte p rim itiva e nova,
"fazendo de m otivos velh o s cria çõ es in éd itas e m aravilhosas que
a torn am a m aga da d ança ex p ressio n ista ” .17 A b a ila rin a b ra s ile i­
ra cultivava u m a m e m ó ria ética/estética q u an d o p o r m eio de suas
danças recriava ritm o s p o p u la res co m o o frevo , o sam ba e a c o n -
gada sob fo rm as h íb rid a s co m ou tras técn icas de dança, co m o a
clássica o u a exp ression ista.
C o m suas im agen s tam b ém h íb rid a s de d an ça/p o esia /filo -
sofia, o p o e ta / d a n ç a rin o / filó so fo N ietzsch e é tam b ém u m p r o fe s ­
sor de d an ça. Esse aspecto já fo i ap o n ta d o p o r A n to n io C â n d id o
quando a firm a q u e n a ob ra n ietzsch ian a os livros "q u e en sin am a
dançar n ão em a n a m de u m filó s o fo p ro fiss io n a l, mas de alguém
bastante a cim a ” . C o n fo r m e o c rític o , N ietzsch e é dos p o u co s p e n ­
sadores de n osso te m p o "p o rta d o r de valores graças aos quais o
co n h ecim e n to se e n carn a e flu i n o gesto da v id a ” .18
A ssim , os livros de N ietzsch e "en sin a m a d a n ç a r” co m leveza
a dança da vid a. N a leveza, íta lo C a lv in o via "u m sím b o lo votivo
para saudar o n o vo m ilê n io ” ,19 n o passo de d an ça d o deus ágil e
m ed ia d o r M e r c ú r io ,20 e é desse m o d o q u e N ietzsch e escolh e "o
salto ágil e im p revisto d o po eta filó s o fo q u e sob releva o p eso do
m u n d o , d e m o n s tr a n d o q u e sua g ra v id a d e d e té m o s e g re d o da
leveza” .21 L ab an associa o fa to r do m o v im e n to p eso ao p la n o v e r ­
tical e à atitu d e in te rn a de in ten são , n o sen tid o de grad u ação de
tensão c o rp o r a l (ver q u ad ro n o ite m D elsa rte e L a b a n — a s e m ió ­
tica da ação). N essa associação, os op osto s de leveza e firm e z a c o n ­
vivem co m o o x ím o ro s b a rro co s n a p in tu r a expressiva da dança,
c o n ju g a n d o o m ais esp iritu a l, o m ais leve ao m ais m a teria l, m ais
d en so . N essa m e to d o lo g ia de q u alid ad es p o larizad as em o p o siçõ es
(peso/leve, peso/firm e, tem p o/len to, tem p o/ráp id o, flu ên cia/livre,
flu ên cia /co n tid a , esp aço/fo cad o, e sp a ço / m u ltifo ca d o ), d ese n v o l-
• 68 • vid a p o r L ab an , só se p o d e d o m in a r c o rp o ra lm e n te d ete rm in ad a
qualid ad e q u an d o se tem a co m p reen sã o total d o fa to r n a sua d u a ­
lid ad e b ásica .22 P o rta n to , na b usca da p recisão e da d ete rm in açã o
em op o sição ao qu e é vago e a le a tó rio , N ietzsch e im e rg e n a v e r ­
tig em vertical, apon tad a p o r L ab an , e m erg u lh a n a d en sid ad e do
caos in te r io r para dar à lu z u m a "estrela b a ila r in a ” .23 E le d eclara a
im p o rtâ n c ia de se ser so m e n te p esado — de m u ito s q u ilos! E cair,
cair sem p a rar, "e e n fim ch egar ao f u n d o ! ”24
N ietzsch e descreve sua b u sca abissal do eu em Assim fa lo u Z p -
ratustra:

V ó s olh ais para cim a, q u a n d o aspirais a elevar-vo s.


E eu o lh o para b aixo, p o rq u e já m e elevei. [ ...] E u
a cred itaria som en te n u m D eu s q u e soubesse d a n çar.
E q u an d o vi o m eu d iab o , a c h e i-o sério , m e tó d ic o ,
p r o fu n d o , so len e: era o esp írito de gravid ad e — a
causa p ela q u al todas as coisas caem . N ã o é c o m a ira
que se m ata, mas co m o riso . E ia, p o is , vam os m atar
o esp írito de gravidade! A p r e n d i a ca m in h a r; desde
en tão, go sto de c o rr e r . A p r e n d i a vo ar; desde en tã o ,
n ão p reciso de q u e m e e m p u rre m , para sair d o lu ga r.
A g o ra estou leve; agora, vô o ; agora, v e jo - m e d e b a i­
xo de m im m esm o ; agora, u m deus d an ça d e n tro de
m im .23 [ ...] Q u e m deseja to r n a r -s e leve e ave deve
am ar-se a si m esm o: assim eu e n sin o . [ ...] D eve o
h o m e m a p re n d e r a am ar a si m esm o — assim eu e n ­
sino — de u m a m o r sadio e saudável: para resistir n o
in te r io r de si m esm o e n ão vaguear p o r a í.86

Essa ve rtica lid a d e m etafísica carn al tam bém está p resen te n o


conceito da "N o va d a n ça ” p regad o p o r K a n d in sk y (18 6 6 -1 9 4 4 )1 0
qual deverá d esen volver "in teg ra lm e n te o sen tid o in te r n o d o m o ­
vim ento n o tempo e n o espaço .27 K a n d in sk y observa ain d a que:

O h o m e m n ão gosta m u ito de a p ro fu n d a r. M a n ­
té m -se à su p erfície; isso exige m en o s esfo rço . "N a
verd ad e, n ad a é m ais p r o fu n d o do q u e a q u ilo que
é s u p e rfic ia l” — p r o fu n d o co m o o lo d o d o p â n tan o .
[ ...] O m o v im e n to sim ples q u e nada de e x te rio r p a ­
rece m o tiv ar esco n d e u m te so u ro im en so de p o ssi­
b ilid a d e s .28

P erc eb e-se a q u i o va lo r m ed iá tico da dança para C a lv in o ,


N ietzsche, L ab an e K a n d in sk y , q u e fazem dessa arte a m e tá fo ­
ra restaurad ora de u m d evir na co n stru çã o artística. O " c o r p o -
escritura” ,29 d estacado p o r S a n d ro K o b o l F o rn a zari n a ob ra de
N ietzsche, serve co m o exem p lo para a co m p reen sã o dos valores
(da leveza, da rap id e z, da exatid ão, da visib ilid a d e e da m u ltip lic i­
dade) atualizad os p o r C a lv in o em sua reflexão sob re a in fo rm a çã o
estética n a m o d e rn id a d e . E co m a co n sciên cia dessas qualidades,
as profetizas da n ova d ança, co m o Isadora D u n c a n , M ary W igm an ,
Eros V o lú sia e tam b ém a p o e ta G ilk a M ach ad o , sou b eram d ese n ­
volver em suas artes os parad igm as desse n ovo "c o rp o escritu ra ”
que dança.
A can ção de N ietzsch e, ju n ta m -s e várias vozes de d a n ç a ri­
nos que têm n o esp írito esse anseio de etern id ad e:

[ ...] Se a m in h a v irtu d e é v irtu d e de d a n ça rin o e,


m uitas vezes, saltei a pés ju n to s para êxtases de ou ro e
esm eralda — Se a m in h a m ald ad e é u m a m ald ad e r i ­
sonha, feita aos roseirais e às sebes de lírio s — P orq u e,
n o riso, tu d o o qu e é m al ach a-se r e u n id o , m as sa n ­
tific a d o e ab so lvid o p e la sua p r ó p r ia b e m -a v e n tu r a n -
ça — E se é m eu alfa e ôm ega que tu d o q u e é pesad o se
to r n e leve, to d o o c o rp o , d a n ç a rin o , to d o o esp írito ,
ave.30

A s realid ad es físicas, a le i da gravid ad e, a u to p ia da tr a n s fo r ­


m ação e da co n q u ista passam a ser o p a rad igm a da n ova d an ça, que
d e rru b a n d o to d o s os cárcere da expressão c o rp o r a l, c o m a c o n s ­
c iên cia do caráter fu g id io e te m p o r á r io dessa n ova era, fazem da
tran sform ação e da exp erim entação co n tín u a o fo c o do m ovim en to.
A ssim , os m éto d o s e as técn icas da nova d ança su c ed em -se com
v e rtig in o sa va riab ilid a d e, co m o se os c ria d o re s nessa arte tivessem
• 70 • em m en te o co n selh o de N ietzsch e: "A q u e le q u e co m b a te m o n s ­
tros deve p re v e n ir-se para n ão se to r n a r ele p r ó p r io u m m o n stro .
Se tu olhas lo n g a m en te u m a b ism o, o ab ism o ta m b ém o lh a em
t i” .3' E sbo ça-se aqu i o p r in c íp io da d a n sin te rse m io tiza ç ã o , a ser
tratad o n o p ró x im o cap ítu lo , n o q u al há a in tera çã o e n tre o m eio ,
o o b jeto observado e o o b servad or d a n ç a rin o .
A lição da abertura de interpretação e realização n a dança da
vida, dada p o r N ietzsche, fo i absorvida p o r d an çarin o s do in íc io do
século, que aplicaram em suas práticas artísticas a liberd ad e individual
de interpretação, prática defend id a p e lo filó so fo qu e afirm ava:

In terp retação — Se m e e x p lico , m e im p lic o : N ã o p o s ­


so a m im m esm o in te rp re ta r. M as q u em seg u ir sem ­
p re o seu p r ó p r io c a m in h o , m in h a im ag em a u m a lu z
m ais clara tam b ém le v a rá .32

A n ecessidade de in te r io riz a ç ã o , a busca d o m o v im e n to i n ­


te r io r para a ex terio rizaçã o d o gesto, a "re sso n ân cia in t e r io r ” ,33
tam bém está p rese n te n o s p r in c íp io s da té cn ica de dança de Isa-
d ora. A b aila rin a cultivava a revo lu ção das m ãos n o co ra ção com o
m o to r p r o p u ls o r da alm a n o m o v im e n to .34
N a dança, sob esses m o ld es, os estados de alm a, d esp erta ­
d os pela "resso n ân cia in t e r io r ” , o scilam e n tre a p u reza in fa n til
— exem p lificad a em Isad ora p e lo caráter im a cu la d o d o " c o ra ç ã o ”
— e os ou tros m o vim en to s qu e b e ira m os estados fr o n te iriç o s e
convulsos de expressão c o rp o ra l (se b em que estes ú ltim o s estejam
mais presentes n o trab alh o de M ary W ig m a n ). T al u tilização de es­
forços corp orais extrem os é resu ltan te de u m o lh a r in te r io r , c o n -
ceitualizado p o r m e io da co m u n ica çã o dessa ex p eriê n cia in tern a .
Essa busca do estado p rim itiv o de expressão p ela resson ân cia in t e ­
rior fez que os n ovos b a ila rin o s incen tivassem essa prática, n ão a
lim itando a especialistas e p ro fissio n a is.
A dança p u ra , d ivulgada p o r L ab an , passa a ser u m p r iv ilé ­
gio coletivo. E le p ro p ag a q u e to d o ser h u m a n o p o d e ser u m d a n ­
çarino, va lo rizan d o q u alid ad es de m o v im e n to para os d iferen tes
tipos físicos (alto, m é d io e b a ix o ), co m o tam bém , estim u la n d o as
form ações d os "co ro s d ra m á tico s” (Bewegurtgschor) , com p o stos p o r
bailarinos n ão p ro fissio n a is, na b usca de expressar as em o ções do
"hom em in t e r io r ” , co m d o m ín io das variações de tensões e dos
ritmos em todas as partes d o c o rp o . C o m tem pestu osa in te n s i­
dade, os d a n ç a rin o s exp ressionistas falam sob re esse co n c e ito de
integridade do p ro cesso artístico e p ro cla m a m a "u n iversalid ade
da d ança” .35 P aralela m en te, K a n d in sk y pregava qu e essa fo rça i n ­
terior está p rese n te em to d o s os lugares e n ão é p rivilég io só do
puro v irtu o sism o té cn ico : " Q u a n d o u m in d iv íd u o sem form ação
artística, p o rta n to d esp ro vid o de co n h e c im e n to s artísticos o b je ­
tivos, p in ta algum a coisa, o resu ltad o n u n ca é a rtificia l. T em o s aí
um exem p lo da ação da fo rça in t e r io r ” .36
P arece evid en te, p o rta n to , a filiação fid eísta — dança com o
gesto/oração — e u tó p ica da lin h a isa d o ria n a . Essa p ro p o sta da d a n ­
ça do fu tu r o , q u e ela acreditava ser o esp írito livre q u e h abitaria
o co rp o desse n o vo h o m e m — m ais g lo rio so q u e q u a lq u er h o m e m
que ten h a ex istid o , "a m ais alta in te lig ê n c ia em u m co rp o liv re ” ,37
bem aos m o ld es d o su p e r-h o m e m n ietzsch ian o — se to rn a ria m ais
tarde fo n te de in sp ira ção para V assili K a n d in sk y . O p in to r julgava
que a "n o va d a n ça ” deveria desen volver in teg ra lm e n te o sen tid o
in tern o d o m o v im e n to n o te m p o e n o espaço. Para ele, a lin g u a ­
gem do b alé só é acessível a u m a m in o ria e to r n a -s e cada vez m en os
com preen sível: " O fu tu r o , aliás, a c o n sid e ra rá in g ên u a d em ais” .
Ele destaca, n o trab alh o de Isad ora D u n c a n , u m esfo rço de se
b uscar u m a lin g u a g e m q u e con siga tra n sm itir "vib rações psíquicas
m ais su tis” ,38 vislu m b ra n d o , nas perform ances da b a ila rin a n o r t e -
a m erican a, a p o ssib ilid a d e de estab elecer a passagem d o passado
para o fu tu r o n a d ança. N esse sen tid o , suas palavras são claras:
"V im o s Isad ora estab elecer o v ín c u lo q u e liga a d ança grega à d ança
de am an h ã” .39 K a n d in sk y acreditava n o d ese n v o lvim en to d e u m a
d ança cu jo va lo r in te r io r de cada m o v im e n to pu d esse su p era r a
b eleza e x te rio r da fo rm a . Para o artista, ao a tin g ir esse o b je tiv o , "a
dança do fu tu ro alçará v ô o ” .40
M ary W ig m a n (1 8 8 6 -1 9 7 3 ) tam b ém co m p a rtilh a as m esm as
idéias de Isadora e N ietzsch e, m as co m u m a lib e rd a d e estética e
té cn ica de m ovim en tação in sp ira d a n a Ausdruckstanz, Essa artista é
co n sid era d a a m a io r rep rese n ta n te selvagem da d ança ex p ressio -
nista, livre de q u alq u er con ven ção q u e n eg u e a expressão in d iv i-
• 72 • d u al. E la b u sco u n o s m éto d o s de J a q u e s -D a lc r o z e ( 1 8 6 5 - 1 9 5 ° ) e
R u d o lf L ab an os m eios de d esen volver o in s tr u m e n to - c o r p o na
realização de u m E xp ression ism o ex trem a d o . C o m seu esp írito
sensível, a b a ila rin a alem ã fo i p r o fu n d a m e n te afetada p e la situação
social e e c o n ô m ic a da A le m a n h a após a P rim e ira G u e r r a M u n d ia l.
Sua obra reflete o desespero e a revolta provenientes dessas ex p eriê n ­
cias.41 E n tre suas c o m p o siçõ e s co reo g rá fica s consta u m a c o r e o g r a ­
fia com po sta em h o m e n a g e m a N ietzsch e, A lso sprach Zprathustra.
W igm an c rio u solos co re o g rá fico s de extrem a b eleza exp res­
siva, com o H exentanz (D an ça da b ru xa) de I 9 I 3 > que, seg u n d o ela,
representava u m an im al e u m a m u lh e r ao m esm o te m p o . E m 19 3 0 ,
m on ta a coreo g ra fia de visão coral Totenmal (M o n u m e n to aos m o r ­
tos), um a h o m en a gem aos tom b ad os na P rim eira G u e r ra M u n d ia l.
N esse m o m en to , recebe m u itas críticas, algum as das quais d izem
ser sua dança p u ra m anifestação kítsch. U m d os aspectos fu n d a m e n ­
tais da arte de W igm an é q u e, para ela, a dança n ão resulta de u m
processo de ra c io c ín io artístico, su rg in d o , p e lo c o n trá rio , n u m
m o m en to em qu e a ex p eriê n cia de vid a se realiza n o m o v im e n to .
São várias as a fin id ad e s en tre os p r in c íp io s d esen volvid os
p elo s d a n çarin o s responsáveis p e la tran sfo rm açã o da d an ça nas
três p rim eira s décadas d o sécu lo X X e a arte de G ilk a M ach ad o e
E ro s V o lú s ia .42 A sp ecto s co m o a tra n scen d ê n cia de si m esm o na
criação de n ovos estilos de m an ifestação d o m o v im e n to expressivo
em fu n çã o de u m co letiv o m a io r, revificad o p e la saúde d o c o rp o ,
exercido em sua arte p o r u m esp írito m ais e lev a d o ; a p articip ação
na elaboração de u m a m e to d o lo g ia c o re o g rá fica que c o n ju g u e os
espíritos a p o lín ic o s e d io n is ía co s n o d o m ín io da técn ica e na v i­
vência do êxtase m ístico , o transe; a c o m u n h ã o com as fo rm as da
natureza; u m a visão h u m an ista; a recriação p e lo silên cio fu n d a d o r
do olhar pessoal, q u e recicla as in fo rm a çõ e s externas d an d o o r i­
gem a um estilo pessoal, são todas características qu e fo rm a m u m
elo significativo de c o m u n h ã o das artistas b rasileiras co m as tra n s­
form ações estéticas o c o rrid a s em sua ép oca e em o u tro s países.
V ie ira de M e lo fala da co m p e tê n cia de E ros V o lú sia n ão só
como perform er, c o m o a b a ila rin a n ú m e ro u m , a top dancer do B ra ­
sil, mas co m o a "teo rista da d an ça n o va ” n o país. Para o c rític o ,
Eros, ao viver em sua arte " o d ilem a de c o n tin u a r as velhas e b e ­
líssimas fo rm as d o ballet fran cês o u ap licar liçõ es da escola antiga, • 73 •
como estavam fa zen d o os b a ila rin o s dos o u tro s povos, d ep o is da
revolução estética de Isad ora D u n c a n , V o n L ab an , M ary W igm an ,
Vera S k o ro n e l, Jo o ss e tan tos o u tro s, a serviço d o E xp ression ism o
coreográfico característico da n ova d a n ça ” ,43 cria n ovos cam in h os
m etod ológicos n a estru tu ração d o b alé b ra s ile iro .
O c rític o r e c o n h e ce a p ro x im id a d e en tre a estética da nova
dança d esen volvid a p e lo s gran d es n o m es da dança m o d ern a n a E u ­
ropa e n o s E stados U n id o s e os trab alh os desenvolvid os p o r E ros:

E stu d iosa d os gran d es m estres, E ros V o lú sia anda


rig o ro sa m e n te in fo rm a d a das exp eriên cias e te n ta ­
tivas d os ú ltim o s trin ta an os para d esco n ge stio n ar a
d ança d os gâ n glio s que com eçavam a e n c o u ra ç á -la .
N in g u é m a fin a l p e rc o r re u m ais a rd en te m e n te os es­
tu d o s de V o n L ab an , o teorista a u to rizad o da dança
n ova, a q u e ele serviu co m in co m p aráv el en tusiasm o
e c o m p e tê n cia ím p a r, in flu in d o n a lib e rta ção dos
p rocesso s co re o g rá fico s e n o m o v im e n to m usical
c o n te m p o râ n e o , c ria n d o a escrita do m o v im e n to e
a te o ria d o "g ru p o de a m ad o res” , r e v o lu c io n a n d o a
in d u m e n tá ria e o jo g o de lu z, a b rin d o c am in h o para
a revo lu ção de q u e su rgiram D ussia B ereska, M ary
W igm an, com sua "D an ça da Feiticeira” , V era Sko ro n el,
co m seus gru p o s de câm ara, e a q u ele q u e é o íd o lo
m a io r de E ro s V o lú sia K u r t J o o ss, g ê n io c o re o g rá ­
fico rea lm en te ex tra o rd in á rio , p r im e ir o p r ê m io do
C o n c u r s o In te rn a c io n a l de D a n ça de 19 3 2 , d ire to r
da escola de D a rtin g h to n h a ll n a In g la terra , e a u to r
dos fam osos balés "L a T ab le V e r te ” e "D a n c e S acra ­
l e ” . U tiliz a n d o as liçõ es e su gestões da escola n ova,
q ue p reten d e fazer d o d in a m ism o c o re o g rá fic o não
u m cam in h o para o a p e rfe iç o a m e n to já p aralisad o
pelas po ssib ilid ad es relativas ao c o rp o h u m a n o mas
u m in stru m e n to para a expressão da m u ltifá ria c o ­
m éd ia hu m an a, E ros V o lú sia p r o c u r o u u m fim para
os seus m eios, u m o b jetivo de artista p a ra a sua té c n i­
ca de a rtífice — e o n d e o p o d e ria a ch a r sen ão d e n tro
de si m esm a? D e n tro de si m esm a ela e n c o n tr o u o
seu cam in h o: — m estiça d o B ra sil [ . . . ] . 44

E ros V o lú sia d em o n stra o c o n h e c im e n to das n ovas te n d ê n ­


cias da dança em seu texto te ó ric o , m o stra n d o suas p reo cu p a çõ e s
de p esqu isad ora n ão só n o p ro cesso de cria çã o e estilização de n o ­
vos m ovim en tos baseados na d ança p o p u la r, co m o ta m b ém n o seu
registro c o re o g rá fico . A b a ila rin a p e sq u isa d o ra r e fle te h is to ric a ­
m en te sob re o tem a:

N ão há en tre n ó s registro c o re o g rá fic o : ju lg o m es­


m o seja in te ira m e n te d esc o n h e c id a em n osso m e io a
grafia da d an ça. A s p r im e ir a s a n o taçõ es o u , m e lh o r,
as p rim e ira s tentativas dessa escrita fo ra m d e s c o b e r ­
tas em frag m en to s h ie r ó g lifo s q u e atu a lm en te p o d e m
ser e n c o n tra d o s n o m u seu de T u r im . N o sécu lo X V I,
n ovos en saios de gra n d e v a lo r h istó ric o fica ra m assi­
n alado s n o m a n u sc rito : Livre sur la dance de M a rg u erite
d A u t r ic h e . E m 15 8 8 , T h o in o t A r b a u , abade je su íta
cu jo ve rd a d e iro n o m e era J e h a n T a b o u ro t, m e lh o ­
ro u a d escob erta da escrita d o m o v im e n to e em 1 7 0 0 ,
L e fe u ille t, em seu liv ro Choréographie, a p e r fe iç o o u a
m esm a. M as só em 19 2 6 é qu e R u d o lf v o n L ab an ,
baseado ain d a n o m éto d o de L e fe u ille t, c o n segu iu
a p e rfe ita grafia do m o v im e n to , p o is a sim pleza dos
m étod os a n te rio res já n ão p o d ia assinalar os passos e
gestos da d ança que e n riq u e c e ra . O gra n d e c o re ó g ra ­
fo h ú n g a ro , c o n tin u a d o r da escola de Isad ora e fix a ­
d o r das regras da dança nova, trazend o ao século X X a
solução do p ro b lem a do registro autoral coreográfico ,
im ortalizou a criação efêm era do m o v im e n to .43

Para E ros, é clara a n ecessid ade de d o m ín io da grafia da


dança que "n ão só p r o p o r c io n a ao fu tu r o a reco n stitu içã o da
coreografia m o d e rn a , c o m o a in d a fa cilita a to d o s os b aila rin o s,
dentro de suas pátrias, o c o n h e c im e n to in teg ra l das danças carac­
terísticas e das criaçõ es co reo g rá fica s do u n iv e rso ” .46 Mas a b a ila - • 75 •
rina b ra sileira re c o n h e ce as d ificu ld a d es de tal m ister n o B rasil.
As p ró p ria s cria çõ es volu sian as, tão com en tadas e aclam adas p e ­
los críticos da ép o ca, p e rd e ra m -s e n o te m p o , sem registro , com
exceção das danças registrad as n os film es realizad os p ela artista,
que sem dúvid a o p tara co m fe rv o r p ela atuação p rática e só escre­
veu para d eixar registradas as c o n trib u iç õ e s im p rescin d íveis de sua
arte, cuja n o ta çã o c o re o g rá fica n ão passava de u m so n h o n o B rasil.
Esse reg istro , d ig a -se de passagem , ain d a h o je é m arcad o p ela falta
de p ro fissio n a is q u alifica d o s para a atuação nessa área. N a m ed id a
em que sua expressão m ais e fic ie n te era essen cialm en te p rática,
Eros V o lú sia m o stra sua m a tu rid a d e de p e sq u isad ora ao ju stific a r
suas in cu rsõ es teó rica s m esm o q u an d o lh e faltavam "as q ualidades
indispen sáveis à o r a tó r ia ” .47

G il k a M a c h a d o e N ie t z s c h e : a d a n ç a c o m o

M E T O D O L O G IA D E C R IA Ç Ã O P O É T IC A

A o se a n a lis a r o te xto g ilk ia n o , te n d o em m e n te o flu x o


m e t o d o ló g ic o d o te x to d o d a n ç a r in o , p o d e m - s e e n c o n tr a r v á ­
rias c a ra c te rístic a s c o m u n s à filo s o fia n ie tz s c h ia n a . N ie tz sc h e ,
em a lg u n s m o m e n to s de seus d e v a n e io s filo s ó fic o s , age c o m o
u m e d u c a d o r c o r p o r a l q u a n d o p r e p a r a seus le ito r e s s e g u in d o
u m a m e t o d o lo g ia d e r e la x a m e n to c o r p o r a l. A s s im e le vai e n ­
sin a n d o os d a n ç a r in o s da v id a , seu s l e i t o r e s ,48 os passo s a ser
re a liza d o s, as p a rte s d o c o r p o q u e se d e v e m m o v e r e q u a is es­
fo r ç o s d ev erã o ser e m p re g a d o s. A lg u m a s dessas liç õ e s de dança
dadas p e lo filó s o f o a le m ã o p o d e m ser v is lu m b ra d a s n a p o esia
de G ilk a .
N a o b r a n ie tz s c h ia n a , p o d e - s e e n c o n t r a r u m a m u lt i ­
p lic id a d e b a r r o c a n a u tiliz a ç ã o d e o x ím o r o s : c la r o e e s c u r o ,
b e m e m a l, d e o p o s iç õ e s c íc lic a s , q u e c a r a c te r iz a m u m e te rn o
m o v im e n t o . Esse flu x o c o n t ín u o a p o n ta p a r a u m a o b r a i d e a l­
m e n te c o n c e b id a e p u r if ic a d a f o r a d o s e lf. N ie tz s c h e fa la desse
s u p e r a r a si m e sm o n o a to da c r ia ç ã o , a lé m d o b e m e d o m al;
p a r a e le :
• 76-
[ ...] T o d o viven te é u m o b e d ie n te . E , em seg u n d o
lu gar: m a n d a -s e n a q u ele q u e n ão sabe o b e d e c e r a si
m esm o . [ ...] O n d e e n c o n tre i vida, e n c o n tre i v o n ta ­
de de p o d e r; e ain d a n a v o n ta d e d o servo e n c o n tre i a
vo n tad e de ser se n h o r. [ ...] E m v e rd a d e e u vos d igo :
u m b em e u m m al q u e fossem im p e recíve is — isso n ão
existe! C u m p r e -lh e s sem p re su p era r a si m esm o s.
[ ...] E aq u ele que deva ser u m c ria d o r n o b e m e n o
m al: em verd ad e, p r im e ir o deverá ser u m d e s tru id o r
e d estroçar v a lo re s.49 [ ...] O q u e é fe ito p o r a m o r se
realiza sem p re além d o b e m e d o m a l.50

A té o ato da criação, para o filó s o fo , p articip ava da d u a ­


lid ad e básica, p ro v o ca d o ra do m o v im e n to . D o r , p ra zer, pu reza,
im p u reza c o n ju g a m -s e na in stau ração d o n o v o . Para ele a d o r da
criação f a z cacarejar galinhas e po eta s .51 F u g id io , N ietzsch e d esp re n d ia -
se de q u a lq u er tentativa de e n q u a d ra m e n to e m o d e lo ; até da sua
p r ó p ria som b ra ele se d esp ren d ia , s u p o rta n d o -a apenas n o m o v i­
m en to tra n sfo rm a d o r da dança:

M in h a p o b r e vagan te, erra d ia, cansada b o rb o le ta !


Q u e re s, esta n o ite , u m a trégu a e u m a p o u sa d a ? S o b e
para a m in h a caverna! A l i em cim a, o ca m in h o leva
à m in h a caverna. E, agora, v o u depressa fu g ir n o v a ­
m ente de ti. S in to já co m o q u e um a som b ra esten -
d er-se sob re m im . P reciso cam in h ar so zin h o , a fim
de que tu d o , a m eu re d o r, vo lte a ser cla ro . Para isso,
devo c o n tin u a r a c am in h ar lep id a m en te a in d a p o r
m uito te m p o . A n o ite , p o ré m , lá na m in h a m o rad ia
— vai d a n ç a r -se !52

Essa ca ra cte rística m a rca n te de u m e te rn o d evir p o d e ser


observada ta m b é m na o b ra de G ilk a , cu ja g ra n d e flu ê n c ia de
imagens a to r n a u m a p o e ta de c o n s tru ç õ e s abstratas e tr a n s c e n ­
dentes. D id a tic a m e n te , em seu p o e m a 0 retrato f ie l, p u b lic a d o em
Velha poesia, a p o e ta d escreve a sua p o e sia re v e la n d o -s e n o n ão r e ­
velado :

1— N ão creias nos meus retratos,

2— nenhum deles me revela,

2 — ai, não me ju lgu es assim!

4 — M in ha cara verdadeira

5 —/líglu às penas do corpo,

6 — fic o u isenta de vida.

7 — Toda minha faceirice


8— e minha vaidade toda

9 — estão na sonora face;

10 — naquela que não f o i vista

11 — e que paira, levitando,

12 — em m eio a um m undo de cegos.

1 3 — O s meus retratos são vários

1 4 — e neles não terás nunca

1$ — 0 meu rosto de poesia.

1 6 — N ã o olhes os meus retratos,


Nesses versos, G ilk a M ach ad o d eclara a im p o ssib ilid a d e de
plasm ar em u m estilo fix o sua im ag em de p o eta , sem p re m u ta n ­
te. Essa p e cu lia rid a d e p o ética, do e te rn o m o v im e n to , a p ro x im a a
o b ra gilk ian a ao flu x o da dança, q u e, efê m era sem p re, é a síntese
p r o fu n d a da p rese n tid a d e, c o n tín u o d ev ir. Essa tra n sc e n d ê n c ia
p ela m u ltip lic id a d e , do n ão estático, é ta m b ém a característica da
ação cria d o ra , qu e en c o n tra eco n a filo so fia n ie tzsch ia n a . E m Assim
fa lo u Z p ra tu stra , em que a "m etá fo ra da d a n ça ” se faz p re se n te , o f i l ó ­
sofo alem ão deixa clara sua p re d ile ç ã o p e la ação cria d o ra :

[ ...] Mas d eixai que eu vos abra to talm en te m e u c o ­


ração, am igos: se houvesse deuses, co m o to le ra ria eu
n ão ser u m d eu s? L o g o , n ão há deuses. S im , eu t i ­
r e i a co n clu sã o ; m as, agora ela m e tira . [ ...] M ás e
a n ti-h u m a n a s ch am o todas essas d o u trin a s d o u n o e
p e rfe ito e im ó v el e sácio e im p e recív e l. T o d o o im ­
p erecív el é apenas u m a im ag em p o ética! E os poetas
m en tem dem ais. M as d o te m p o e do d evir, devem
falar as m elh o res im agen s: u m lo u v o r, d evem ser,
e u m a ju stific a ç ã o de tod a a tra n sito ried a d e! C r ia r
— essa é a gra n d e red en çã o d o s o fr im e n to , é o q u e
to rn a a vid a m ais le v e .54 [ ...] O q u e re r lib e rta , p o is
o q u ere r é cria r: assim en sin o e u . E so m e n te a c ria r
deveis a p re n d e r!55

A p a rtir daí é possível p e rc e b e r a a b e rtu ra n a in terp re ta çã o


d o p en sam en to n ie tzsch ian o , fixad os em textos m u itas vezes p o é t i­
cos, a forísticos, p ro fé tico s, líric o s , cáu sticos, d id ático s, re tó rico s.
A inovação de N ietzsch e n a filo s o fia m o d e r n a , p e la sua a b o rd a gem
p o é tic o -filo s ó fic a , p r o p ic ia a p lu ra lid a d e de in terp re ta çã o e ava­
lia ç ã o .56
A ssim as "m áscaras” , as várias "fa ce s” o u " re tr a to s ” , citad o s
p o r G ilk a em seu p o e m a , e n c o n tra m eco n a filo s o fia em q u e há
u m estado essen cial d o v e rd a d e iro "a rtista ” (to d o a q u e le q u e faz
o ca m in h o d o artista), q u e se in te g ra co m a essên cia m e ta fís i­
ca n o ato da c ria çã o . N esse estad o, o artista aparece c o m o " m é ­
d iu m ” , co m o v e ícu lo de u m a expressão tra n sc e n d e n te , estad o,
aliás, m uito u tiliza d o p e lo s artistas exp ression istas. D essa fo rm a ,
ele transpõe a lin h a da n o rm a lid a d e h u m a n a e passa a d ialog a r
com seu destino, do p o n to de vista do ser "cria d o r” , do ser "atuante” ,
do ser "o b serva d o r” . Esse d esp erta r do o b serva d o r ativo, tão f u n ­
damental n o c ria d o r m o d e r n o , qu e tran sp õ e sua rea lid a d e q u o ti­
diana para o p a lco , é u m e x e rc ício de d esd o b ra m e n to : " O h o m e m
criado à im agem e sem elh an ça de D e u s ” , u m e te rn o reflex o : "Só
como fen ôm en o estético p o d e m a existên cia e o m u n d o ju stifica r-se
eternam ente” .57 Q u a n d o N ietzsch e diz que "n o sso saber a rtístico
é ilu só rio ” e que n ecessita de u m ato de u n iã o co m o ser p r i ­
m ordial para se c o n c re tiz a r, está d a n d o as bases para a q u ilo que
Isadora d e fin ia c o m o d an ça, q u a n d o d eclara qu e sua arte era u m
tipo de m ed itação (n o sen tid o da in d iv id u a lid a d e co n c e n tra d a e
integrada n o t o d o ) .58 Esse p e n sa m en to fica evid en te n o m o m e n - • 79 •
to em que o filó s o fo d e fe n d e q u e o g ê n io , n o ato da p ro c ria ç ã o
artística, se fu n d e c o m o artista p r im o r d ia l d o m u n d o , to r n a n d o -
se ao m esm o te m p o su jeito e o b je to , ao m esm o te m p o p o eta , ator
e esp ecta d o r.59
O u tra característica nietzschiana presente na ob ra de G ilka
M achado, ta m b ém o r iu n d a da m e táfo ra ligada ao m o v im e n to da
dança — c o m suas in fin ita s n u an ças e possib ilid ad es de d izer e c o n ­
tradizer ao m esm o te m p o , m a rcan d o u m estilo fu g id io , in stigante
e p o ético — é o cu lto à coragem , à b ravu ra, ao vig o r, à en ergia e
ao m é rito , fu n d a n d o e in c en tiv a n d o u m a c u ltu ra da "açã o ” , da
"alegria” e de certo "p a g a n ism o ” (em c o n tra p o n to ao que o p r ó ­
p rio N ietzsch e con sid erava co m o " m o n ó to n o - te ís m o ” ,6° o u c o n ­
fo rm ism o ). Essas características p o d e m ser observadas na ap ologia
dos "d a n ç a r in o s ” do fu te b o l b ra s ile iro . N o p o em a "A o s h e ró is do
fu te b o l b r a s ile ir o ” , p u b lica d o n o liv ro Sublim ação, de G ilk a M ach a­
do, a b ravu ra, a co ra g em e a destreza desses jo g a d o re s, que sem pre
fizeram p a rte da alegria da alm a n acio n a lista , são exaltadas:

1 — Eu vos saúdo

2 — heróis do dia
2 — que vos fizestes compreender

4 — num a linguagem muda,

5 — escrevendo com os pés


6 — magnéticos e alados

7 — uma epopéia internacional!

8 — As almas dos brasileiros


9 — distantes
10 — vencem os espaços,

11 — m isturam -se com as vossas,

12 — caminham nos vossos passos

1 3 — para o arremesso da pelota

1 4 — para o chute decisivo

15 — da glória da Pátria.

1 6 — Q u e obra de arte ou de ciência,

• 80 • 1 / — de sentimento ou de imaginação

1 8 — teve a penetração dos gois de Leónidas

1 9 — que, transpondo balizps

2 0 — e antipatias,

2 1 — souberam se insinuar

2 2 — no coração

23 ~~do M u n d o !

2 4 ~~ Qy& obras de arte ou ciência


2 5 — conteve a idéia e a em otividade

2 6 - d e vossos improvisos

2*] — em vôos e saltos,

2 8 — â bailarinos espontâneos

2 9 ~ ó p o eta s repentistas

3 0 — que sorrindo oferecestes vosso sangue

3 1 — à sede de glória

3 2 — de um p o v o

3 3 — novo ?

3 4 — H á milhões de pensam entos

3 5 — im pulsionando vossos movimentos.

3 6 — N a esportiva expressão

37 ~ que qualquer raça entende


3 8 — longe de nossa decantada natureza
39 — os Leônídas e os Dom ingos
4 0 —fixaram na retina do estrangeiro

4 .1 — a milagrosa realidade

42 — que é 0 homem do Brasil

4 3 - E ia

44 — atletas franzinos
4 5 — gigantes débeis

4 6 — que com astúcia e audácia,

47 — tenacidade e energia
4 8 — transfigurai-vos,

49 — traçando aos olhos surpresos


50 — da Europa
5 1 — um debuxo maravilhoso

52 — do nosso desconhecido país.

53 — A vante
54 — astros escuros,
55 — sóis morenos,
56 — continuai deslumbrando
5 7 ~ as louras multidões

$ 8 — com vossos malabarismos

5 9 - e fulgores

6 0 — de relâmpagos

6 1 — hum anos!

6 2 — Em vossos pés poderosos

6 3 — neste momento

6 4 — paira

6 5 — 0 destino da Pátria.

66 — Aos vossos pés geniais


67 — curvam -se, reverentes,
6 8 — os cérebros do Universo.

6 9 — Em vossos p és heróicos

70 — depõe um beijo
71 — a alm a do B ra sil!Sl
Esse p o em a , de e n fo q u e p r o fu n d a m e n te n a cio n a lista , deixa
tran sp arecer a exaltação gilk ian a d os fe ito s em p o lg a n tes d os jo g a ­
d ores do fu te b o l b ra sileiro , suas a rtim an h as c o rp o r a is , q u e e m ­
p o lg a m n ão só os b ra sileiro s, mas o u tro s ob serva d o res em terras
estrangeiras. O esp írito n acio n a l fa z-se resp e ita d o co m seus atletas
fra n zin o s, os quais escrevem com os pés u m a e p o p é ia in te r n a c io ­
n al. O to m do p o em a é de lo u v o r aos b a ila rin o s, aos poetas, aos
esp on tân eo s e aos repentistas n a q u arta estro fe, m e tá fo ra que r e ­
m ete m ais u m a vez à dança e à po esia aliadas n o ato ú n ic o de o f e ­
recer o sangue à sede de g ló ria de u m p o vo n o vo .
O u tra s características nietzschian as, a d an ça c o n tín u a da
virilid a d e, da fe rtilid a d e e da alegria, da dança q u e n ã o e n c o n tra
b arreiras, que dança com os lim ites do sen tim en to h u m a n o , u m
• 82 • inesgotável d o m para a tran scen d ê n cia , estão m u ito p rese n tes na
p o esia de G ilk a , co m o em " O m u n d o necessita de p o e sia ” , d o livro
Su blim açã o:

1 — 0 m undo necessita de poesia,

2 — cantemos, poetas, para a humanidade;

3 — que nossa voz suba aos arranha-céus,


4 ~ e desça aos subterrâneos,

5 — acom panhando ricos e pobres

6 — nos atropelos

7 — das carreiras
8 — de ambição

g - e n a luta p elo p ã o.

1 0 — L a v em o-n os das máscaras histriónicas,

11 — tenham os a coragem

1 2 — de propa lar a existência eterna

1 3 — do sentim ento;

1 4 — ponham os termo

1 5 — o esses malabarismos

1 6 — de palhaços

1 7 —falsos

1 8 — da modernidade,

39 — perm anecendo diferentes,


20 — diante da multidão
21 — insensibilizada,

2 2 — enferma.

23 — A hum anidade quer rir de tudo,


2 4 — porém é alvar sua gargalhada;

25 —fo ge das tristezas,


2 6 — mas paira ausente

27 — em meio aosprazeres,
2 8 — desligada em toda parte,

2Q — perdida em si mesma.

3 0 — 0 hom em anda esquecido

3 1 — do cam inho da f é

3 2 — que a poesia sempre lhe ensinou.

3 3 — 0 homem está inquieto

3 4 — porqu e lhe fa lta ap osse das distâncias

25 — que só a poesia proporciona.


3 6 — 0 hom em se sente miserável

37 — porque a poesia j á não lhe enche a alma


3 8 — daquele ouro inesgotável

3 9 — do sonho.

4 0 — 0 m undo necessita de poesia,

4 1 — (não importem assuadas)

4 2 — cantemos alto, poetas, cantem os!

4 3 — Q u e seja nossa voz

4 4 — um sino de cristal,

45 — um sin o -g u ia de perdidos rumos,


4 6 — vibrando do nevoeiro da inconsciência

4 7 — do m om ento angustioso!

4 8 — N osso destino, poetas, é 0 destino

4 9 ~ das cigarras e dos pássaros:

5 0 cantar diante da vida,

51 — cantar
5 2 — para animar

5 3 — 0 labor do Universo,
54 — cantar para acordar,
5 5 — idéias emoções:
$ 6 — porque no nosso canto

5 7 — há um trigo louro,
5 8 — um p ã o estranho que impulsiona

59 — 0 braço humano,
6 0 — e o s cérebros orienta,

6 1 — uma hóstia

62 — em que os espíritos encontram,


63 — na com unhão da beleza,

6 4 — a sublimação da existência.

6 5 — 0 m undo necessita de poesia,

6 6 — cantemos alto, poetas, cantem os!6*

• 84 •
Esse p o em a , can to de lo u v o r à p o esia , ao fazer p o ético ,
m arca a c o n sciên cia gilk ian a da n ecessid ade visceral da arte com o
recu rso fu n d a m en ta l na o rien ta çã o estética e e m o c io n a l das p es­
soas. N a sexta estro fe, G ilk a estabelece o d estin o d os poetas com o
o d estin o das cigarras e d os pássaros: /ca n ta r/p a ra an im a r/ o labor do
Universo/. N a m esm a d ireçã o , p ara N ietzsch e to d o s devem ser p o e-
ta s-d a n ça rin o s em suas vidas. E le p ro p ag a q u e o h o m e m deve ser
capaz para a gu erra e a m u lh e r para a p r o c ria ç ã o , m as am bos devem
"d an çar com cabeça e p e rn a s” .63 O filó s o fo ju lg a , ain d a, p e rd id o
"o dia em qu e n ão se d a n ço u n em uma v e z l” 64
C a n ta r e d an çar, n o c am in h o da fé da p o esia , essa é a lin ­
gu agem que G ilk a e N ietzsch e in d ic a m p ara a tra n scen d ê n cia de
si m esm os, para o d esp ertar do in d iv íd u o n a m u ltid ã o in s e n s ib i­
lizada e en ferm a . N ietzsch e fala das cap acid ad es qu e o d an çarin o
tem para e n fre n ta r exp eriên cias e tra n sc e n d e r as lim itaçõ e s do c o ­
m u m . S eg u n d o ele, "ge lo liso é paraíso p ara q u em sabe d a n ç a r” .65
G ilka, na segu n da estro fe de " O m u n d o n ecessita de p o e sia ” , diz:
/ponham os term o/ a esses malabarism os/ de p a lh a ço s/fa lso s/ da m o d er n id a d e,/ em

um a alusão crítica aos n ovos p ro c e d im e n to s p o é tic o s vazios desse


com p ro m isso h u m a n o . N ietzsch e tam bém tem sua crítica aos " h o ­
m ens absolu tos, q u e têm pés pesados e co ra ção m o rm a c e n to e que
não sabem d a n ç a r” .66 N ietzsch e p ro clam a :
[...] G o m o p o d e ria a terra ser leve para tal g e n te?
[...] O passo revela se algu ém já m arch a n o seu ca­
m inho: o lh a i o m eu m o d o de andar! Mas q u em se
aproxim a de sua fin a lid a d e , esse, dança. E, em v e r ­
dade, não m e tra n sfo rm e i em estátua n em a q u i estou
entesado, em b o ta d o , p é treo , co m o co lu n a ; gosto de
cam inhar depressa. E, m esm o se na terra há tam bém
brejos e espessa angústia, q u em tem pé leve passa
tam bém p o r cim a da lam a d an çan d o co m o em gelo
lim p o . Levan tai vossos corações, m eus irm ã os, b em
alto, mais alto! E sem esq u ecer-vo s das pernas! L e ­
vantai tam bém as p ern as, ó exím ios d a n çarin o s; e,
ainda m elh o r: p o n d e -v o s de p ern as para o ar! [ ...]
M elh or ain d a é estar lo u c o de felicid a d e do que de • 85 ■
in fe licid ad e , m e lh o r d an çar co m pés de ch u m b o do
que cam in h ar ca p en g a n d o . [ ...] T am bém a p io r das
coisas tem b oas p ern as p ara d ançar; a p ren d e i, p o r ­
tanto, vós m esm o s, ó h o m e n s su p erio res, a a p o ia r-
vos firm e m e n te nas vossas pern as! [ ...] E é isso o que
tendes de p io r , ó h o m e n s su p erio res: que n en h u m
de vós a p re n d e u a d an çar co m o con vém — a d ançar
para além de vós m esm os! Q u e im p o rtâ n cia tem , se
vos m alograstes! Q u a n ta s coisas ain d a são possíveis!
A p re n d e i, p o rta n to , a r ir para além de vós m esm os!
L evantai vossos corações, ó exím ios d a n çarin o s, b em
alto, m ais a lto !67

A sen so rialid a d e , característica fu n d a m en ta l em G ilk a M a ­


chado, que m arcá seu can tar p o é tic o , está m etalin g ü isticam en te
tratada em seu p o em a " L ín g u a ” , n o q u al o ó rgão tátil de im p re s­
sões volu ptuosas é in s tru m e n to da fala, de carícias literárias n a p á ­
gina poética:

1 — Lépida e leve
2 — em teu labor que, de expressões à míngua,

3 — 0 verso não descreve...

4 — Lépida e leve,
5 —guardas, ó língua, em teu labor,
6 — gostos de afagos e afagos de sabor,

y — Es tão mansa e macia,

8 — que teu nome a ti mesma acaricia,

9 — que teu nome p o r ti roça, flexuosam ente,


1 0 — como rítmica serpente,

11 — e se f a z m enos rudo,

1 2 — 0 vocábulo, ao teu contato de veludo.

1 3 — Dom inadora do desejo hum ano,

1 4 — estatuária da palavra,

15 — ódio, paixão, mentira, desengano,


1 6 — p o r t i que incêndio no Universo la vra !...

• 86 • 1 7 — Es o réptil que voa,

1 8 — 0 divino pecado

1 9 — que as asas musicais às vezes solta, atoa,


20 — e que a Terra p ovoa e despovoa,

2 1 — quando é de seu agrado.

2 2 — S o l dos ouvidos, sabiá do tato,

2 3 — ó líng u a-id éia , ó língua-sensação,

2 4 — em que olvido insensato,

2 5 — em que tolo recato,

2 6 — te hão deixado 0 louvor, a exaltação!

2 7 — tu que irradiar pudeste os mais form osos p o em a s!

2 8 — tu que orquestrar soubeste as carícias suprem as!

29 — D ás corpo ao beijo, dás antera ã boca,

3 0 — és tateio do coração,

3 1 — és 0 elastério da a lm a ... 0 minha louca

3 2 — língua, do meu A m o r pen etra a boca,

3 3 - p a s s a - lh e em todo senso tua mão,

3 4 — en c h e-o de mim, d eixa -m e oca!

3 5 tenho certeza, minha louca,

3 6 — de lhe dar a morder em ti meu co ra çã o !...

37 — Língua de meu A m or, velosa e doce,


38 — que me contornas, que me vestes quase,
39 ~ 9ue me convences de que sou frase,
4 0 — com o se o corpo meu de ti vindo me fo sse!

41 — Língua que me cativas, que me enleias


42 — os surtos de ave estranha,
43 — em linhas longas de invisíveis teias,
44 — de que és, há tanto, habilidosa aranha...

45 — L ín gu a-lâ m in a , língua-labareda,

4 6 — lín g u a -lin fa , coleando, em deslizes de seda...


4 7 - Força inféria ou divina
4 8 — f a z com que 0 bem e o mal resumas,

4 9 — língua-cáustica, língua cocaína,

50 — língua de mel, língua de plu m a s...

5 1 — A m o -te as sugestões gloriosas efunestas,


52 — a m o -te com o todas as mulheres
53 — te amam, ó líng u a-lam a, ó língua-resplendor,
54 — p ela carne de som que à idéia emprestas

55 — e p ela s frases mudas que proferes


5 6 — nos silêncios de A m o r ! .. .6S

Esse p o em a , realizad o p o r im pressões de analogias da l i n ­


guagem escrita e falada co m a lín g u a in stru m e n to de prazer ou
d or do aparelh o b ucal, parte do m esm o p rin c íp io n ietzsch ian o o
qual vê em todas as partes do co rp o esforços de u m fazer p o ético .
O filó so fo alem ão, em seu texto filo s ó fic o -p o é tic o , afirm a escrever
com o p é , n ão escreven d o som en te co m a m ão, e qu e o pé tam bém
dá sua c o n trib u iç ã o : "F irm e, livre e valen te ele vai p elo s cam pos e
pela p á g in a ” .69
N a p r im e ir a estro fe d o p o em a g ilk ian o acim a tran scrito , a
m etalin g u ag em fa z-se já n a u tilização da co n so an te lateral alveolar
em lép id a , leve, lín g u a , la b o r, p ara m arcar a so n o rid a d e de um a
sem ân tica in ic ia lm e n te sem expressão ap ro p riad a : / o verso não des­
cr e v e .../ . N a segu n da estro fe , é a in d a p ela so n o rid a d e que a lín gu a
flexu osa e rítm ic a serp e n te m ostra sua q u alid ad e de rép til, a qual,
na te rceira estro fe, cria asas m u sicais de gran d es p o d ere s ressal­
tados p ela p o eta . A q u arta, q u in ta e sexta estro fes são de lo u v o r
e exaltação às evolu ções da lín g u a -id é ia , da lín g u a -se n sa ç ã o . N a
sétim a estro fe, a fu n çã o m etalin g ü ística, d u p licad a p r o p ria m e n te
dita, co m p le ta -se , q u an d o a a u tora faz sua a u to -im a g e m ao r e ­
verso, à im agem da lín g u a sen sor qu e a c o rp o r ific a : /Língua de meu
A m or velosa e d o ce,/ que me convences de que sou fr a s e ,/ q u e me contornas, que me

vestes qu a se,/ com o se o corpo meu de ti vindo me fo sse / . N a oitava estro fe,
são várias as q u alid ad es da lín g u a q u e na sín tese d o b em e do m al
co leia sem p re, em deslizes de sed a ... N a n o n a estro fe, a a u to ra exalta a
lín g u a, d o p o n to de vista fe m in in o , n a sua lin g u a g e m n ão verb al,
mas se n so ria l-a m o ro sa , co m o p o d e ser ob servad o n o s versos: /e
pelas frases mudas que proferes/ nos silêncios de A m o r !.../ .

• 88 ■ T o d a a ob ra de G ilk a M ach ad o é rica em in te rp re ta çõ e s e


p re n h e de sig n ifica d o s, e vários são os p o n to s em c o m u m co m a f i ­
lo so fia n ietzsch ian a , m as n o trab a lh o a q u i rea liza d o esses aspectos
só estarão d im en sio n a d o s na m ed id a do e n c o n tro en tre litera tu ra
e d ança, n ão sen d o , p o rta n to , u m a p reo cu p a ç ã o p r in c ip a l a de es­
go ta r a q u i todas as n u an ces literárias p resen tes n a p o esia gilk ian a .
N o ta s d o c a p ítu lo 4

I é a três
U m b e r to E co destaca tarefa su p rem a e a atividade
aspectos q u e d e fin e m a Obra aberta: p ro p ria m e n te m etafísica desta v id a ”
" i — as ob ras 'a b erta s’ e n q u a n to ( N I E T Z S C H E , 19 9 2 , p . 2 6 ).
e m m o v im e n to se caracterizam 4 S E V C E N K O , 19 9 2 , p- 26.
p e lo c o n v ite a fa ze r a o b ra co m o 5 I b id ., p . 3 5 .
a u to r; 2 — n u m n íve l m ais am p lo 6 Jacó G u in s b u rg n o p o sfácio
(co m o g ê n e ro da esp écie ’ o b ra em ’'N ietzsch e n o te a tro ” analisa essa • 89 *
m o v im e n to ’)» existem aquelas obras q uestão a p a rtir do p e n sa m e n to do
q u e, j á co m p letad as fisicam e n te , filó s o fo alem ão, q u a n d o argu m en ta
p e rm a n e c e m c o n tu d o abertas a um a q u e das "p rofu n d ezas h e d io n d as
g e rm in a ç ã o c o n tín u a de relações d o so frim e n to e da m o rte , v o ltaria
in te rn as q u e o fr u id o r deve d e s c o b rir a jo r r a r , em im agen s radian tes
e e sc o lh e r n o ato de p e rc e p ç ã o da e su b lim es ilu sões, a trágica
to ta lid a d e d os e stím u lo s; 3 — cada m u sicalid a d e d o h o m e m às voltas
o b ra de arte, a in d a q u e p ro d u z id a co m seu fa d o e, n a co n te m p laçã o
em c o n fo r m id a d e c o m u m a exp lícita p raze ro sa e na co n cilia ção
o u im p líc ita p o é tic a da n ecessid ad e, c o n so la d o ra , ele re c o b ra ria o
é su b stan cia lm e n te aberta a u m a p o d e r de v ive n cia r-se e m ira r-se
série v irtu a lm e n te in fin ita de leitu ras na p le n itu d e de seu ser e seu d e v ir”
possíveis, cada u m a das qu ais leva ( N I E T Z S C H E , 1 9 9 2 , p . 17 0 ).
a o b ra a reviver, se g u n d o u m a 7 I b id ., p. 56.
p e rsp e ctiva , u m go sto , u m a execução 8 D U N C A N , 19 9 6 , p . 2 5 - 2 6 .
p esso al ( E C O , 19881 p . 6 2 ). 9 I b i d ., p . 6 0 - 6 1 .
2 K a n d in sk y , n a in tro d u ç ã o Do
10 I b id ., p . 53.
espiritual na arte, a b o rd a essa questão 11 L O V E , 1 9 6 4 , p. 12.
da evo lu çã o d o c o n h e c im e n to em 12 I b id ., p . 12.
d ire çã o ao alto : " A v id a e sp iritu a l, a 13 "P aralela m en te ao g ru p o
q u e a arte ta m b é m p e rte n c e e de que exp ression ista da Ausciruc/rsían^ e das
é u m d os m ais p o d e ro so s agentes, exp eriên cias cên icas da Bauhaus na
tra d u z -s e n u m m o v im e n to para A le m a n h a , d esen volvia-se o g ru p o
a fr e n te e p ara o a lto , co m p le x o , co n stitu íd o pela escola D en ish aw n ,
m as n ítid o , e q u e p o d e r e d u z ir -s e a criad a em 1915« em L ° s A n g e le s, nos
u m e le m e n to sim p les. E o p r ó p r io E stados U n id o s . Esta escola, fu n d ad a
m o v im e n to d o c o n h e c im e n to ” p o r R u th St. D e n is ( 1 8 7 8 9 -1 9 6 8 ) e
( K A N D I N S K Y , 1 9 9 0 , p . 3 1). T e d Shaw m (1 8 9 1 -1 9 7 2 ), de fo rm a
3 N o p re fá c io d e d ic a d o a R ich a rd eclética in c lu ía em seus cursos dança
W agn er, N ie tzsch e registra: " A arte o rie n ta l, e sp an h o la, in d o -a m e ric a n a
e balé clássico, assim c o m o as exp ressão, c o m p o r co m ele u m a nova
técn icas dos gra n d es in flu e n cia d o re s m u ltip lic id a d e ” ( O c o r p o -e s c r itu r a
da m e to d o lo g ia c o r p o r a l n a dan ça de N ie tzsch e , de S a n d ro K o b o l
exp ression ista: F ra n ço is D elsarte F o rn a za ri. Cadernos N iet& ch e, São
( 1 8 1 1 -1 8 7 1 ) e J a q u e s - D a lc r o z e P a u lo , D e p a rta m e n to de F ilo so fia da
( 1 8 6 5 - 1 9 5 0 ) ” (S IL V A , S o ra ia , U n iv e rsid a d e d e S ão P a u lo , g ru p o
2 0 0 2 , p . 2 9 3 ). G E N , n . II, p . II, 2 0 0 1 ).
14 N I E T Z S C H E , [s .d .], p . 12 5 . 3 0 " O s sete selos o u A canção d o sim e
15 V O L Ú S I A , 19 8 3 , p . 1 4 5 - 1 4 7 . a m ém ” ( N I E T Z S C H E , [ s.d .],
16 N I E T Z S C H E , [ s .d .], p . 1 9 4 -1 9 6 . p- 237 )-
17 A U L E R , 19 3 1. 31 N I E T Z S C H E . Breviário de citações,
18 N I E T Z S C H E , 19 8 3 , p . 4 15 . 2 0 0 1, p. 80.
19 C A L V I N O , 19 9 0 , p. 31. 32 N I E T Z S C H E , A gaia ciência , p . 2 7 -
2 0 I b id ., p . 31* 33 C o n c e ito e la b o ra d o p o r W assili
21 I b id ., p . 2 4 - K a n d in sk y , u m d os p a rticip a n te s
2 2 G a sto n B a ch e la rd exe m p lifica, d o g ru p o D e r B la u e r R ite r ( O
c o m u m texto de L e o n a rd o da C a v a le iro A z u l) , K a n d in sk y d efe n d ia
V in c i, a d ialética e n tre a ascensão e o " p r in c íp io da n ecessid ad e in t e r io r ”
a q u ed a p resen tes n o p r in c íp io da d ese n v o lv id o c o m base n o co n tato
•go- v erticalid a d e . Para D a V in c i: " A leveza e fica z d o o b se rv a d o r c o m a o b ra
nasce d o p eso, e re c ip ro c a m e n te , observada. A p a rtir daí a alm a h um an a
p agan d o im ed ia ta m en te o fa vo r de é "tocad a em seu p o n to m ais sen sível”
sua cria ção , am bos a u m e n ta m em ( K A N D I N S K Y , 19 9 0 , p . 6 6 ).
fo rç a na p r o p o rç ã o q u e a u m e n ta m 3 4 D U N C A N , 1 9 9 6 , p . 51.
em vid a e têm tan to m ais vida q u an to 35 M A R K A R D , A rm a ; M A R K A R D ,
m ais m o v im e n to têm . E les tam b ém H e rm a n n , 1 9 8 5 , p- 13 -
se d estro e m m u tu am e n te n o m esm o 36 K A N D I N S K Y , 1 9 9 0 , p . 14 3 .
in stan te, n a c o m u m v en d e ta de sua 37 D U N C A N , 1 9 7 7 , p . 6 3 .
m o rte . P ois assim é feita a p rova , 38 K A N D I N S K Y , 1 9 9 0 , p . 10 8 .
a leveza só é criad a se estiver em 39 I b i d ., p . 10 8 .
c o n ju n ç ã o co m o p eso, e o peso só 4 0 K a n d in sk y a in d a n o s fala,
se p r o d u z se se p r o lo n g a r n a leveza” nessa etapa d e seu d iscu rso , da
( B A C H E L A R D , 2 0 0 1 , p . 2 7 2 ). c o n cre tiza çã o da arte m o n u m e n ta l,
23 N I E T Z S C H E , [ s.d .], p . 3 4 .
q u e teria c o m o p r im e ir a realização
24 A fo ris m o 4 4 ( N I E T Z S C H E ,
a "c o m p o s içã o c ê n ic a ” , c o n fig u ra d a
2 0 0 1 , p . 3 9 ).
p o r três m o v im e n to s : I — o
2 5 N I E T Z S C H E , [ s.d .], p . 5 8 .
m o v im e n to m u sical; 2 — o m o v im e n to
26 I b id ., p . 19 9 .
2 7 K A N D I N S K Y , 1 9 9 0 , p . 10 7. p ic tó r ic o ; 3 — 0 m o v im e n to da
28 I b id ., p . 1 0 6 - 1 0 7 . d an ça c o n v e r tid o e m a rte. Esses três
29 S e g u n d o S a n d ro aKspectos
o b o l da co m p o siçã o cê n ica
F o rn a za ri, " 1e r o u escrever so b re g e ra m o q u e K a n d in sk y d e fin iu
N ietzsch e é certas vezes m ais q u e o c o m o " tr íp lic e e fe ito d o m o v im e n to
c o m p re e n d e r, é p e r m itir q u e c o m ele in t e r io r ” ( ib id ., p . 1 0 8 ).
se c o m p o n h a m fo rm a s novas, estilo s, 4 1 A lib e rd a d e de expressão pregad a
é en sejar q u e c o m ele n ovo s m u n d o s p o r W ig m a n t o r n a r - s e - á m o tivo de
(h ierarq u ias) se exp ressem . A le itu ra
p e rs e g u içã o , p o is , d u ra n te o regim e
que a filo so fia de N ietzsch e co n vid a a
nazista, sua escola, em D re s d e n ,
que se faça de si exige a in te rfe rê n c ia
f o i classificad a de "ce n tro de arte
d aq u ele que lê co m a q u ilo q u e está
d eg en era d a ” e fech ad a e m 1 9 4 o -
e sc rito , to car e d e ix a r-se to c a r p e lo
c o rp o -e s c r itu r a q u e a li se fez A p e sa r desse fato, ela co n segu iu fica r
n a A le m a n h a , o n d e passou a e n sin ar
na A ca d e m ia de M úsica de L eip zíg . 51 Id em , [ s.d .], p . 292-
A o fim da S egu n d a G u e rra M u n d ia l 5 2 I b id ., p . 2 76 .
foi para B e rlim O c id e n ta l e re to m o u 53 M A C H A D O , 1 9 9 9 , p . 3 9 3 - 4 0 5 -
suas atividades core o gráficas. 5 4 ( N I E T Z S C H E , [ s.d .], p . 1 0 0 -
4-2 P o d e -se v e rific a r a sem elhan ça 10 1).
estética da o b ra de E ro s V o lú sia co m 55 I b id ., p . 2 12 .
outras co reó grafas im p o rta n te s p ara a 56 Para F lávio K o th e , N ietzsch e é
dança n o sécu lo X X , em u m a a n alogia o "a to r m a ra vilh o so ” n a en cen ação
de danças de E ro s V o lú sia c o m as de da n ova crítica fic c io n a l m o d e rn a .
outras d an çarin as. N a c o re o g ra fia S e g u n d o o c rític o , na Origem da
"J o n g o ” , de E ro s V o lú sia , e na tragédia, N ietzsch e "c o n s tr ó i u m a

coreografia " O p a vã o ” , de R u th St. visão da h istó ria da cu ltu ra grega


D en is, v ê-se a in flu ê n c ia sim b olista c o m o d ec ad ên cia após H o m e r o , visão
do exo tism o, d o orien talism o-, na op o sta à o fic ia l (qu e co n te m p la u m
coreografia " C a b o c lin h o s d o R e c ife ” , p ro gresso c o n t ín u o ) ” . K o th e analisa
de E ro s V o lú sia , e n a c o re o g ra fia o fa zer n ie tzsc h ia n o q u e "através de
"A m e ric a n D o c u m e n t — In d ia n u m a c o n stru çã o h ip o té tica p r o c u r a
E p iso d e” , de M arth a G ra h a m , v ê-se m o stra r a n atu reza fic c io n a l de um a
o n a c io n a lism o , a bu sca de raízes; c o n stru çã o id e o ló g ica q u e p rete n d e
na co re o g ra fia " N o te rre iro de ser a p r ó p r ia re a lid a d e ” ( K O T H E ,
u m b a n d a ” , de E ro s V o lú sia , e na 19 8 1, p . 2 2 6 ).
co re o grafia " C a n t o d o d e s tin o ” , de 57 N I E T Z S C H E , 19 9 2 , p . 4 7 - 4 8 .
M ary W ig m a n , v ê -se a p reo c u p a çã o 58 C H E N E Y , 19 7 7 , p . 6 4 - 6 5 .
co m as q u estões d o u ltra m u n d o , 5 9 N I E T Z S C H E , 19 9 2 , p . 4 7 - 4 8 .
repen sadas n o u n iv e rso c ê n ic o , 6 0 O te rm o aparece em
assim co m o a in flu ê n c ia visível dos 0 crepúsculo dos ídolos e em 0 anticristo.
con ceito s de lib e rd a d e e sen su alid ad e 6 1 M A C H A D O , 19 9 1, p . 3 3 2 .
isa d o rian o s na m an ife sta ção estética 62 Id em , ib id e m , 1999 » P* 3 I 5 *
de E ro s V o lú sia . 6 3 N I E T Z S C H E , [ s .d .L p- 2 17.
4 3 M E L O , 1 9 4 4 . p- 15 - 6 4 I b id ., p . 217 -
4 4 Ibid., p . 1 5 . 6 5 Id e m , 2 0 0 1 , p . 2 3.
45 V O L Ú S IA , 1939, p. 20. 6 6 Para N ie tzsch e , o a n d ar revela o
4 6 I b id ., p . 2 0 . e sp írito : "H á m an eira s do esp írito
47 I b id ., p . 2 3 - q u e levam m esm o gran des espíritos
4 8 N o p r ó lo g o de Oanticristo, a tra ir sua o rig e m p leb éia ou
N ietzsch e fala de seus le ito re s, q u e sem iplebéia.- — é o a n d ar e o passo dos
e ra m "d a q u e le s q u e talvez n e m seus p e n sa m e n to s q u e os tra em ; eles
se q u er vive u m , e, se existem , serão, n ão sabem a n d ar. [ . . . ] — T e m o s do
q u içá, d os q u e c o m p re e n d e m o m eu que rir , ao v er esses autores q u e fazem
Z a ratu stra . C o m o m e atreveria r u m o re ja r ao seu re d o r as
eu a c o n fu n d ir - m e c o m aqu eles a vestes pregueadas das frases: assim eles
q u em h o je se p resta m o u v id o s? Só o p re te n d e m o c u lta r os p é s” ( ib id .,
passado am an h ã m e p e rte n c e . A lg u n s p . 191).
n ascem p ó s tu m o s” ( N I E T Z S C H E , 6 7 Id em , [ s.d .], p . 2 8 8 - 2 9 7 -
2 0 0 0 , p . II). 6 8 M A C H A D O , 19 9 1, p . 3 0 1.
4 9 " D o su p e ra r si m esm o ” 69 N I E T Z S C H E , 2 0 0 1, p . 4 3 .
( N I E T Z S C H E , [ s .d .], p . 1 2 7 -1 2 8 ) .
50 Id e m , 2 0 0 1 , p . 81.
5
0 TEXTO DO BAILARINO - A DANSINTERSE-
M IÓ TICA NA LEITURA G i L K A /E r OS

Salve quem novas

(lanças cria !1

• 92 • N este trab a lh o , a p ro p o sta de rea liza r a le itu ra "d a n sin te rse -


m ió tic a ” de textos p o ético s p ren h es da m e to d o lo g ia do d a n ç a rin o
em G ilk a M ach ad o e de danças de E ro s V o lú sia gestadas nas m e tá ­
foras da p o esia leva a um a a p roxim ação das estru tu ras da lin g u a g em
c o rp o ra l e verb al. Essa "d a n sin te rse m ió tic a ” p o d e ser co n sid era d a
u m a etapa a ser c u m p rid a na "d a n sin te rm e d ia ç ã o ” — te rm o m ais
ab ran gen te re la c io n a d o às ex p eriê n cias da d an ça m o d e r n a e sua
relação co m as diversas artes — a qu al ap o n ta para u m a te n d ê n c ia
n o p rocesso de criação, relacio n ad a ao c o n c e ito c o n h e c id o co m o
"arte to ta l” , tese d e fe n d id a p elo s artistas da B au h a u s2 em seus tr a ­
b alh os te ó rico s e p r á tic o s .3
Essas exp eriên cias buscavam o d esen v o lvim en to de u m a nova
fo rm a de expressão c o rp o r a l to tal. A "n o va d a n ça ” re q u e ria u m a
aliança estreita de c o rp o , alm a, esp írito , m ú sica, p in tu r a , e sc u ltu ­
ra, cen á rio , fig u r in o , m atem ática, a rq u itetu ra , to d o s em u n ís s o ­
n o p ro c la m a n d o u m a só expressão. T e m -s e , p o is, a d esco n stru çã o
daquele u n iverso atrelad o à ló g ica previsível d o te m p o e d o espaço
co m o p o n te p ara as novas ex p eriên cias in d iv id u a lizad a s da d ança
m o d ern a de caráter expressivo, que in a u g u ra m u m a série de novos
p ro c e d im e n to s e id eo lo g ia s. A ssim , a tran sp o siçã o in te rse m ió tic a ,
o abstrato co m o u n id a d e esp iritu a l (co n stru çã o o cu lta ), a im p r o ­
visação, a in serção d o acaso são p ro c e d im e n to s in stau ra d o s a p a r ­
tir do gesto in ic ia l de Isad ora, os quais p e rm a n e ce m in s e rid o s n os
p r in c íp io s de elabo ração d os trab alh os da dança expressiva atual.
O p rocesso da d a n sin tersem io tiza ção , neste trab alh o a n a li­
sado sob o p o n to de vista da litera tu ra e da dança, teve sua o rige m
basicam ente rela cio n a d a com o a p a recim en to da dança/teatro na
A lem an h a, su rgid a a p a r tir d os estudos de L ab an (in íc io do sécu - • 93 •
lo X X ) e de outras gran d es p erso n a lid a d es da dança e do teatro ,
com o Isad ora D u n c a n , Stanislávski, M ary W igm am , K u r t Jooss,
N ijinsky, O sc a r S ch le m e r e o u tro s . N a n ova estética, a organização
cênica e sp a ç o -te m p o r a l p o r m e io d o m o v im e n to passou a p r io r i­
zar a te atralid ad e c o rp o r a l. Essa teatralid ad e c o rp o ra l p ro c u ra evi­
d en ciar o gesto expressivo q u e busca, na fig u ra m etafó rica cên ica
criada, u m a resposta c o rp o r a l (m ais co n creta o u abstrata, ligada à
sensação, ao sen tim en to o u à em o çã o ) p rovocad a p ela in teração
im agética co m outras lin g u ag en s.
S eg u n d o V a lerie P r e s to n -D u n lo p e A n g e la G eary, o S im ­
b o lism o aparece n a d ança alem ã p rin c ip a lm e n te n o s trab alh os d e ­
senvolvidos p o r R u d o lf L ab an e M ary W igm a n , en tre 19 2 0 e 193° -
Essas p esqu isad oras a firm a m que a dança re to m o u o E xp ressio n is-
m o c o m o m o d e lo de rep resen tação , lo g o d ep o is de os artistas se
terem m o v id o em d ireção à abstração e ao co n stru tivism o , r e to ­
m an d o os valores sim b o listas.4
O m é to d o de análise d o m o v im e n to c ria d o p o r L ab an ,
co m o já f o i visto , a u x ilio u e n o r m e m e n te n o d e se n v o lv im e n ­
to dessa te a tra lid a d e c o r p o r a l, na m ed id a em q u e, p o r m e io de
u m q u a d ro te ó r ic o e de u m a p rá tica c o rp o r a l c o e re n te c o m esse
q u a d ro , in d ic a c a m in h o s de tra n sp o siçã o cê n ic a das atitu d es i n ­
tern as, as q u ais se expressam n a gestu a lid a d e de u m d e te rm in a d o
p e rso n a g e m .
Isadora D u n c a n , a g ra n d e p re c u rso ra d o E xp re ssio n ism o na
dança, é u m exem p lo b rilh a n te de b usca de su b stitu ição de signos
n o seu fazer a rtístico . E la cria sua m e to d o lo g ia de m ovim en tação
a p a rtir da observação de elem en tos de fo rm a e c o n te ú d o de obras
da A n tig ü id a d e clássica grega (vasos o rn a m en ta is, a rq u itetu ra ,
p in tu ras, esculturas) e de elem en to s da n atu reza . Isad ora buscava a
expressão de u m a arte total (um a esp écie de m etá fo ra in te g ra d o ra
de signos das diversas áreas). Nessa busca acreditava ser possível
d e p re e n d e r essa totalid ad e, p o r m eio de u m o lh a r tra d u to r, para
fo m e n ta r u m a visão u n ific a d o ra e e n riq u e c e d o r a de co n teú d o s
e processos n o d esen v o lvim en to dos seus estu d os c o re o g rá fico s.
P o d e -se p e rc e b e r isso n o fato de ela te r sid o u m a assídua fr e q ü e n ­
tad ora de m useus, le ito ra de obras im p o rta n te s de lite ra tu ra , f ilo -
• 94 • sofia, a n tro p o lo g ia e de ter sid o u m a g ra n d e a p recia d o ra de m ú sica
clássica, assu m in d o fo rm a lm e n te a relação d ireta dessas pesquisas
co m sua c ria ç ã o .5
Essa m e táfo ra in te g ra d o ra está p rese n te n a a firm a çã o de
R o ger C a r d in a l q u a n d o sussurra ao o u v id o d o le ito r "o q u e é a
d ança exp ressionista, se n ão u m a p in tu ra n o ar q u e n ão deixa m a r­
ca visív e l? ”6 O u q u an d o Isad ora p ro fe tiz a q u e a arte da d ança deve
ser para a m u lh e r u m a gra n d e fo n te de n ova vid a para escu ltu ra,
p in tu ra e a rq u itetu ra n o d esen v o lvim en to da p r o p o rç ã o e da h a r ­
m o n ia de lin h a s e curvas.''
O s artistas n o in íc io do sécu lo X X , p e la n ecessid ad e i n ­
trín seca de tran sb o rd a m en to da expressão, p r o c u ra r a m a m p lia r
sua p o ssib ilid ad e de co m u n ica çã o co m o esp ecta d o r, u tiliz a n d o
recursos de c o m u n ica çã o o r iu n d o s de o u tras áreas d o c o n h e c i­
m en to . A ssim a in flu ê n c ia dos p e n sa m en to s va ticin a d o s p o r E d gar
A lla n P oe, e q u e tan to in flu e n c ia ra m os sim b olistas, so b re o a la r­
gam en to do sen tid o p o é tic o qu e c o n ta m in a o u tras áreas a lém da
po esia passa a ser u m a rea lid a d e. Para P o e o "se n tid o p o é tic o p o d e
ser desenvolvid o em vários m o d o s n a P in tu ra , n a E scu ltu ra , na
A rq u ite tu ra , na D an ça — m u ito esp ecialm en te na M ú sic a ” .8
Esse p arad igm a sim b olista de p o etiza çã o das artes, p r in c i­
p a lm en te p o r m eio da m ú sica, é u m p r o c e d im e n to de trad u ção
in tersem ió tica q u e co n ta m in a a m an ifestação nas novas estéticas
m o d ern a s. D estarte, a nova visão de d an ça v ig en te nas décadas
de 1920 e 1 9 3 ° tam b ém u tiliza p ro c e d im e n to s in terd iscip lin ares
no d esenvolvim en to de suas abord agen s co reo g rá fica s. Para E ros
Volúsia, que p a rticip a dos novos parad igm as artísticos, a m úsica
educa o m o v im e n to d o d a n ç a rin o , e é p o r m eio dela que se dá a
gênese da expressão c o rp o r a l refin a d a . C o n secu tiva m en te p e n sa n ­
do, a b aila rin a prossegu e:

T o d a c ria tu ra que sen tir que a m úsica p ro je ta im a ­


gens em seu esp írito e aco rd a anseios de m ovim en tos
em seus m ú scu los deve su b m eter o c o rp o à co rreçã o
dos d efe ito s e ao a p e rfe iç o a m e n to das qualid ad es,
para que se lh e to rn e m m ais fáceis as grandes realiza­
ções coreográficas. [...] D an çar é en carn ar a m úsica,
e essa carne em suas linhas m óveis e im óveis, reais e • 95 •
subjetivas, deve ser h a rm ô n ica, deve parecer p e rfe ita .9

E ro s V o lú sia , ao d a n sin tersem io tiza r os poem as de G ilka


M achad o, tam bém u tiliza p r in c íp io s claram en te in flu e n c ia d o s
pela estética sim b o lista. O b se rv a n d o -s e a po esia de G ilka , e n c o n ­
tram -se , em vários m o m e n to s, algu ns p r in c íp io s de expressões
que p o d e m ser p e rc e b id o s n a p o esia em m o v im e n to da dança de
E ros.
D essa fo rm a , a c o n cep çã o de d ança e de poesia, tanto da b a i­
la rin a co m o da p o eta , deixa tran sp a recer em seus tem as e processos
alguns d os p r in c íp io s sim bolistas: a cap acid ad e sugestiva, a m u si­
calid ad e de expressão, o id ea lism o de o rig e m p la tô n ica ; a presença
das c o rre sp o n d ê n c ia s, o m u n d o n atu ra l in teg ra d o ao esp iritu al,
c o rp o e alm a in teg ra d o s na expressão qu e p reten d e "re cu p e ra r a
u n id a d e de u m m u n d o a rtific ia lm e n te d iv id id o ” , a sinestesia, a
in tegra çã o de tod as as p e rcep çõ es dos sen tid os para a expressão do
m o v im e n to , síntese p o ética; estado m e d iú n ic o , transe; e a p re se n ­
ça d o fe m in in o n o a rq u é tip o de S alom é (co m o m u lh e r castradora)
o u c o m o a "m u lh e r id ealizad a ao p o n to da o b scu rid a d e , fazen do
dela u m ser quase im a te r ia l” .10
E streitas e p r o fu n d a s são as relações en tre m ãe e filh a . Para
além d o u n iv erso fa m ilia r, o d iálo g o fa z-se ativo na m eto d o lo g ia
d o d a n ç a r in o . Isso fica evid en te nas relações estabelecidas en tre
as duas artistas, fato que p o d e ser ob servad o p e la análise da crítica
jo rn a lístic a qu e se refere a algum as viagens realizadas pelas a rtis­
tas. E m sua p rim e ira viagem a B u e n o s A ir e s , a co m p a n h a d a de sua
mãe G ilka M ach ad o, E ros V o lú sia dá u m recita l de suas danças na
B ib lio te ca dei C o n s e jo de M u jeres, n o dia 2 de agosto de I9 3 6 -11
A crítica p o rte n h a reg istro u a passagem das artistas b ra sileira s p o i
B u en os A ire s. Nas declarações feitas aos jo r n a is , G ilk a d em on stra
um a atitu d e a rre d ia 12 para con sig o m esm a ao te n ta r ch am a r a a te n ­
ção da im p ren sa para a filha:

G ilk a M ach ad o , a c o n h ec id a in telec tu a l b ra s ile ira que


ch eg o u n o Eastern Prince a B u e n o s A ire s, fo i su m a m e n ­
te parca em suas d eclarações. O b serv a -se n ela o afã
• 96 • de fazer c o n h e c e r sua filh a , a b a ila rin a E ro s V o lú sia ,
e os jo rn a lista s que a en trevistaram a b o r d o tiveram
que lu ta r com o h erm etism o n o q u e se re la c io n a com
os seus tra b a lh o s.13

La Pvetixa firasilenn G ilka Machado


Trae. Lxprttsa, el Mejor Poema: nu Uija

El D iário de B uenos Aires


Mas a atitude da poeta parece mais clara quando o repórter
aprofunda a questão. E m ostrado então o verdadeiro sentim ento que
move Gilka além do m aternal: sua paixão pela dança, que ela co n si­
dera a "m anifestação sem igual da arte” . A poeta declara não crer mais
nas conferências literárias, nas quais reconhecia com o ú n ico m érito
aborrecer o p ú b lico . Para ela existem m uitas m aneiras de expressar-
se, mas o ritm o m o d ern o exigia síntese: " O n d e senão na dança, m a­
nifestação sem igual da arte, po d erá en con trar-se essa síntese? M inha
filha ocupa com sua arte toda m inha vida. M uitos dos m eus versos re­
citados e bailados p o r ela adquirem nova vida” .14' G ilka considera sua
filha sua m elh o r obra, em declarações com o esta: "Por am or, e p o r
com preender que na m in h a pequ en a filha havia um a artista nascen­
do, m e d ed iq u ei a ela, c o n sid e ro -a h oje m inha m elh or obra, p o rq u e
a literatura atual saiu dos livros e é m ovim ento e vida” .IS • 97 •
P o d e -se m esm o p e rc e b e r a o rien taçã o dos o lh o s do p ú b lico
realizada p e la p o eta em relação à co rreta p ercep çã o da arte da filh a.
Na ocasião dessa viagem à A r g e n tin a , a p o eta a rg en tin a A lfo n s in a
S to rn i, ao ver u m en saio geral das co reo g ra fias de E ro s, su g eriu às
artistas b ra sileira s q u e u m m a io r b r ilh o c e n o g rá fico seria in te re s­
sante para o tra b a lh o , e G ilk a resp o n d eu :

[ ...] T u d o isso custa d in h e ir o ... N ão tem os d in h e i­


r o . A s coisas são m ais d ifíce is em B u en o s A ire s do
q u e cría m o s. M as n ós co n fia m o s q u e o re fin a d o p ú ­
b lic o desta cid ad e e sua h ab itu ad a crítica saltarão com
sua im ag in a ção p o r sob re o fo c o qu e falte o u o valor
m a terial de u m a tú n ica para a d m irar, lim p o de to d o
efe ito , o B ra sil que dança p o r seu ram o m ais f i n o .16

A lfo n s in a S to r n i, em seu d e p o im e n to , tam bém n ão deixa


de re la c io n a r a p o esia de G ilk a à d ança de E ros:

[ ...] E u m a artista excep cion al e o B rasil p o d e o r g u ­


lh a r-se , na presença de G ilka M achado, com pan h eira
em p en ú rias e angústias de todas as escritoras rebeldes.
[...] a seu p o em a h u m a n o , só falta a pátin a d o tem p o
qu e dá c o lo r id o esp ecial ao o u r o a u tê n tic o .17
M ário de A n d ra d e fala d o elo "E ro s” entre Gilka e a filha:

0 caso da b aila rin a E ros V o lú sia é de e n o r m e in t e ­


resse. F ilha de G ilk a M ach ad o , E ro s V o lú sia traz n os
m ú sculos e n o sangue aq u ele m esm o g r ito , aqu ele
m esm o ím p eto de u m E ros sin gu larm en te d io n isía co ,
que d eu à p o eta os m ais ard en tes versos fe m in in o s de
nossa lín g u a .18

G o n d in da Fonseca estreita as relações en tre poesia e dança


na ob ra de E ros V olú sia e com en ta a fo rça expressiva desta ú ltim a:

E ro s u tiliza os m o v im en to s co m o G ilk a u tiliza as p a ­


lavras, c o m p o n d o p oem as co re o g rá fico s q u e seriam ,
em versos, líricas estro fes de A n a c r e o n te . A s suas es-
tilizações de b ailad o s b ra sile iro s são resu m os p e r fe i­
tos de to d o o co m p lex o sen tim en ta l da nossa r a ç a .19

N esse m esm o a rtig o , em qu e c o m en ta o trab a lh o de E ro s,


G o n d in da Fonseca revela que G ilk a consid erava o p o rtu g u ê s A n -
to n io C o r r ê a de O liv e ir a , co m Tentações de S ão Frei G il, " o p r im e ir o
poeta p o rtu g u ês de to d o s os tem p o s, m esm o acim a de G a rre tt e
de C a m õ e s” .20 E in teressan te n o ta r q u e, ao ser in te rro g a d a s o ­
b re literatu ra e os livros que gostava de le r, em entrevista realizad a
d u ran te as pesquisas para este tr a b a lh o ,21 E ro s V o lú sia re sp o n d e u
q ue, além dos livros d os pais, ela gostava de Tentações de São Frei G il, do
p o eta p o rtu g u ês su p racitad o. N a en trevista c o n c e d id a a G o n d in da
Fonseca, G ilk a cita os segu intes versos de Tentações:

1 — E curva a linha extrema do horizonte.

2 — Curvas as longas órbitas dos mundos,


3 ~ e as órbitas dos olhos pensativos,

4 — e a s órbitas frem entes dos abraços

5 — que se fech a m em torno do corpo amado.


6 — Curva, o contorno lânguido das névoas,

7 — curva a fu n d u ra côncava das sombras,


8 — e a s vagas en ro lan d o -se em tum ulto,
g — e a s chamas, ondulando e crepitando.

10 — Curva o jo r r o translúcido das fontes,

11 — e a vela, entumecida p elo s ventos,

1 2 — e as raízes, fin c a n d o -se na terra

12 — com o as garras fin c a n d o -se na presa,

1 4 e curva a mão do homem, quando lança

15 — as sementes à leiva criadora.


16 — Todos os sons são curvos. H á palavras
1 7 — redondas e luzentes como estrelas.

1 8 — E são curvas os fru to s saborosos,

i g — e todo grão fecu n d o de semente

2 0 — e o s ovos da serpente, ou águia, ou pom ba.


2 1 — Curvas, as fo lh a s de uma rosa abrin do-se,

2 2 — e a ascensão ondulante dos perfum es! •99 ■


2 3 — Curva, a linha dos lábios que se beijam,

2 4 ~ e a do seio materno, e o ventre grávido,

2 5 — e curva, a larga fo n te cismadora,

2 6 — e a linha musical do pensam ento

O s aspectos c o m u m à p o esia gilk ian a e à de A n to n io C o r r ê a


de O liv e ir a estão n o a m o r p r o fu n d o à n atu reza. N o s versos su ­
pracitad os do p o eta p o rtu g u ês, destacados p o r G ilk a n a re p o rta ­
gem , p o d e - s e p e rc e b e r a essência p r im e ir a da dança que é o arco,
a curva, o u seja, o m o v im e n to c irc u la r. A p ercep çã o do p o eta é a
m esm a p e rc e p çã o da d a n çarin a Isadora D u n c a n q u an d o d esco b riu
a v erd a d eira m otivação de sua d ança. E m sua m e to d o lo g ia de d a n -
sin tersem io tiza ção das fo rm as da n atu reza e das fo rm as artísticas
p o r ela co n sid era d as h a rm ô n icas e belas, a fam osa d a n çarin a p ô s-
se a estu d ar p o r vários dias as colu n as do P a rten o n , e "nessa atitude
co n tem p la tiv a ” d e ix o u q u e as fo rm as das colu n as se m ostrassem na
sua sin g u la r p ersp ectiva. Isadora o b servo u q u e essas "cu rvavam -se
g e n tilm e n te da base ao t o p o ” em u m flu x o c o n tín u o e h a rm ô n ic o ;
nesse m o m e n to , seus b ra ço s tam b ém co m eçara m a se m ovim en tar
para p a rtic ip a r dessa h a rm o n ia das fo rm as do te m p lo ,23 isto é, a
d a n ç a rin a p e rc e b e u sua in d iv id u a lid a d e co n cen trad a e integrada
ao to d o p e lo p r in c íp io m o to r do m o v im e n to circ u la r. A ssim , Isa­
d o ra d e sc o b riu sua d ança, qu e, seg u n d o ela, "era um a o ra ç ã o ” .24
Isadora b eb ia em outras fo n tes estéticas para e n riq u e c e r
sua expressão, b u sca n d o u m d iálo g o co m as fo rm as essenciais das
obras observadas para a realização de sua arte, cu ja p r o fu n d a id e n ­
tid ade e co m p reen sã o estética do p r in c íp io g e ra d o r do m o v im e n ­
to expressivo se d esp ren d ia d o o b jeto ob servad o. Esse p rocesso ,
m uitas vezes in tu itiv o (co m o n o caso de Isad ora, assim c o m o n o de
G ilka M achad o e de E ros V o lú sia ), passa p o r etapas investigativas,
p a rtin d o da análise do o b jeto observado em n íveis de a p ro x im a ­
ção: ic ô n ic o , de análise da estru tu ra e co m p o siçã o da o b ra o b s e r ­
vada; in d ic ia i, de apreen são d o seu c o n tex to h is tó ric o , referên cia s
a n te rio res; e o s im b ó lic o , n ível in terp re ta tivo fu n d a m e n ta l q u e
p reced e o ato da d a n sin tersem io tiza ção , o u , em ou tras palavras, a
q uarta etap a.23
D esse m o d o , existe u m g ra u de a p r o fu n d a m e n to n a o b ­
servação da o b ra d a n sin te rse m io tiz a d a p o r Isa d o ra q u a n d o , p o r
ex e m p lo , em p resta seu c o rp o ao e x e rc ício d os m o v im e n to s n a ­
tu ra is associad os aos m o v im e n to s de o n d a s, c irc u la re s — q u e se
p ro p a g a m n o u n iv e rso físic o —, p rese n tes n o s e le m e n to s da n a ­
tu reza: água, te rra , fo g o e a r ” . 26 N a o b ra de Isa d o ra D u n c a n , na
de G ilk a M a ch ad o e na de E ro s V o lú sia , e n c o n tr a - s e a m esm a
p re o cu p a ç ã o c o m esse p ro c esso d a n s in te r s e m ió tic o de le itu r a
do o b je to o b servad o n a n atu reza , o q u a l p a rte d o m o v im e n to
c irc u la r . Esse p r in c íp io de tra n sp o siçã o m o to ra su rge da pau sa
a b so lu ta, da c o n c e n tra d a ob servação fe c u n d a , d o gesto i n t e r io r
p ro je ta d o n a ação em in te ra ç ã o co m o m e io , quase c o m o e x p re s­
são de u m a o raçã o .
0 cultivo do silên cio in te r io r para a ação c ria d o ra p arece
su rgir nas im agens m ísticas, lu m in osas e aladas de algu n s d os v e r ­
sos de C o r r ê a de O liv e ir a n a " G ê n e s e ” de Tentações de S ã o Frei Gil: /
— A ld e ia , concebida em pu ro espírito/ E i- la , enfim ! Encarnada em corpo v iv o / D e

palavras e símbolos fa la n te s ./ .27 G ilka , c o m o o p o eta lu sita n o , tam bém


extrai d o silên cio a "m ú sica m a go a d a ” de sua p o esia . A p o e ta b r a ­
sileira d ed ica ao vate p o rtu g u ê s o p o e m a S ilên cio , de Cristais partidos:

1 — M isteriosa expressão da alm a das coisas mudas,

2 — Silêncio — p á lio imenso aos enigmas aberto

3 — espelho onde a tristeza universal se estampa.


4 — Silên cio — gestação das dores cruéis, agudas,

5 — solene im perador da Treva e do Deserto,


6 — estagnação dos sons, berço, refúgio e campa.

7 — Silên cio — tenebroso e insondável oceano,


8 — tudo quanto nos teus abismos vive imerso,
g — tem a secreta voz dos rochedos, das lousas.

1 0 — Es a concentração do ser pensante, hum ano,

11 — a vida espiritual e oculta do universo,

1 2 — a com unicação invisível das coisas.

1 3 — Um íntim o pesar toda a tua alma invade,

14 — ó meu velho erem ita! 0 monge amargurado!


1 5 - dentro da catedral da verde natureza, • 101 •

1 6 — o u ç o -te celebrar a missa da Saudade

l j — e invocar a remota efígie do Passado,

1 8 — d a n d o -m e a com unhão sublim e da tristeza.

19 — Seja engano, talvez, do meu cérebro enfermo,


2 0 — mas eu com preendo os teus sentimentos profundos,

2 1 — eu te sinto cantar olentes m elopéias...

2 2 — Foste o início de tudo e de tudo és 0 termo.

2 3 — Silên cio — concepção prim itiva dos mundos,

2 4 — cosmopéia eteral de todas as idéias.

25 — Silêncio — solidão de sintom as medonhos,

2 6 — p â n ta n o onde do mal desenvolvem -se os vermes,

2 ? — fo n te da inspiração, rio do esquecimento,

2 8 — lagoa em cujo fu n d o os sapos dos meus sonhos,

2 9 — postos alheiam ente, inânimes, inermes,

3 0 — fita m de estranho ideal 0 fu lg o r opulento.

31 — 0 silêncio! 0 visão subjetiva da M orte!

3 2 — refúgio passional que eu sempre busco e anseio,

33 — g°Z0 de recordar... Torturas e confortas,

3 4 — p o is fa zes com que eu ao teu influxo me transporte

3 5 — ao seio da Saudade, a esse fun esto seio


3 6 — esquife onde revejo as ilusões j á mortas.

27 — D a cisma na minha alma o triste cunho imprimes,

2 8 — é s o sono, 0 desmaio, o natural mistério,

39 — tra z-m e a sensação dos gélidos tormentos;


4 0 — e s e nesse teu ventre hão germ inado os crimes,

4-1 — no teu cérebro enorme, universal, etéreo,

4 2 — têm -se desenvolvido os grandes pen sam en tos .28

T am b ém essa expressão d o silê n cio c o m o m o la p ro p u ls o ra


da ação físic o -e sp iritu a l, observada n o p o e m a acim a tra n sc rito , é
u m legad o isa d o ria n o , na m ed id a em q u e a b a ila rin a a m erican a
p e rc e b e u o p rocesso m o to r d esen cad ead o pelas n ecessid ad es de
co m u n ica çã o da expressão n a d ança, te n ta n d o d e fin ir essa "pausa
a bso lu ta ” , o u seja, u m a certa fo rm a de pressão da alm a q u e causa a
explosão d o "ser in t e r io r ” . Para Isad ora, a pausa absolu ta o c o r ria
p o r m eio da u n iã o en tre o "ser in t e r io r ” e o "m e io fís ic o ” , p r o ­
d u zin d o u m a c o m u n ica çã o fin a l en tre essas duas esferas. A g in d o
assim , o artista atin gia sua essen cialid ad e expressiva p o r m e io de
u m im p u lso c o rp o r a l p r im o r d ia l q u e, m u itas vezes, tin h a co m o
clím ax um a catarse convulsiva.
0 " S ilê n c io ” é u m tem a re c o rre n te em G ilk a . E la tem u m
o u tro p o em a in titu la d o " S ilê n c io ” , do livro Estados de alm a, d e d i­
cado a J u lia D u q u e E strada. N esse texto, são as vozes da alm a que
falam e n ele paira u m a atm osfera de co n c e n tra ç ã o fe c u n d a e p le n a
de sig n ificad os expressivos, co m o p o d e ser ob servad o n o segu in te
frag m en to :

1 — 0 silêncio é a expressão

2 — mais alta da emoção.

3 — A m o 0 silêncio largo e lento

4 — p orqu e ele é a voz mais verdadeira,

5 ~ é a voz do sentimento.

6 — A m o 0 silêncio a que me entrego inteira,


7 — p o r que a minha audição, a cada instante, fir a

8 — a sonora mentira.
9 — A m o o silêncio evangelizador;
1 0 — no silêncio absoluto

1 1 — é que eu me escuto,

1 2 — é que eu percebo a voz da minha dor.29

Isadora e G ilka tin h am a com preensão do silêncio com o m ola


propulsora para suas práticas expressivas, pois ele possibilita a co n cen ­
tração e um a percepção mais direta de todas as inform ações sensoriais,
culm inando, p o r m eio de u m desbloqueio do encadeam ento racional
quotidiano, em um a expressão mais viva e pren he de "alm a” .
Essa p ro p u lsã o do m o v im e n to criativo v in d o do re c o n h e c i­
m en to ín tim o n o silên cio fu n d a d o r, q u e p e rm e ia o esp írito para a
p ercep ção extern a, fa cilita n d o o d iálo g o criativo e a com p reen são
p ro fu n d a d os o b jeto s observados, tem u m a sim ilarid ad e co m a v i­ ■103 •
são de K a n d in sk y sob re a "resso n ân cia in t e r io r ” , tem a d iscu tid o
n o ca p ítu lo a n te rio r , 4 — N ietzsch e e a fu n d ação da nova dança.
P o d e-se ob servar a b usca desse aspecto da p e rcep çã o , da resso n â n ­
cia in te r io r n o ato da criação p o ética, n o p r im e ir o p o em a de G ilka
M ach ad o , " N o tó r c u lo da fo r m a ” , de Cristais partidos:

1 — N o tórculo30 da fo rm a o alvo cristal do Sonho,

2 — 0 M usa, vamos p o lir, em fa in a singular:

3 ~ os versos que compões, os versos que com ponho,

4 — virão estrofes de ouro após emoldurar.

5 — Para sempre abandona esse teu ar bisonho,

6 — esse teu taciturno, esse teu simples ar;


7 ~ a perfeição de que dispões e de que disponho,

8 — nesta artística empresa, é mister empregar.

9 — Seja espelho 0 cristal e , em seu todo, reflita


1 0 — a trágica feiç ã o que o m al consigo traz

1 1 — e o infinito esplendor da beleza infinita.

1 2 — E, quando a rima soar, vaidosa sentirás

1 3 — percutir no teu ser, que p ela A rte palpita,

1 4 — 0 sonoro rumor do choque dos cristais.31


O b serva -se nesse p o em a a g ra n d e p reo cu p a çã o g ilk ian a q u e
u n e fo rm a e esp írito , o u seja, a c o m u n h ã o sin tática e sem ân tica
n o p o em a, co m o fe ito fu n d a m en ta l da " rim a q u e soa va id o sa ” e
p e rcu te n a sua excelên cia co m o n o " s o n o r o r u m o r d o c h o q u e d os
cristais” .32 G a sto n B ach ela rd a n a liso u ex ten sivam en te, d ed ica n d o
algum as ob ras ao tem a da im agin ação da m a téria, "à im ag in ação
d os q u atro elem en to s m ateriais que a filo so fia e as ciên cia s antigas,
seguidas pela alq u im ia, co lo ca ra m n a base de tod as as co isa s” .33 S e ­
g u n d o o filó s o fo , o fo g o , a água, a terra, o p r ó p r io ar vêm so n h a r
n a p ed ra c rista lin a .34
D esse m o d o , a im agem do cristal u tilizad a p o r G ilk a para
alu d ir ao refin a m en to de seu lab o r p o ético toca em um a das p o la r i­
dades dos interesses pancalistas,33 com o apon ta B ach elard , em que
• 104 • as im agens poéticas rem etem a um a beleza im en sa, "so b re tu d o p o r
um a beleza fam iliar, p elo céu anil, p e lo m ar in fin ito , pela floresta
p ro fu n d a — p o r u m a floresta abstrata tão gran d e, tão in co rp a d a na
un id ad e m isteriosa do seu ser que já não se vêem os astros” .36 Essas
im agens exatas são recorren tes na literatu ra p o ética gilkian a.
O filó s o fo fran cês cita a d escrição do cristal de V ic to r H u g o
para q u em "o cristal é gelo su b lim a d o e ... o d iam a n te é cristal su ­
b lim a d o ; está c o n firm a d o q u e o gelo to r n a -s e cristal em m il anos,
e q u e o cristal to r n a -s e d iam an te em m il sécu lo s” . B a c h ela rd o b ­
serva tam bém , a resp eito do cristal, q u e "basta q u e re r co m todas
as forças do ser a p u reza, a lim p id e z d o co ra ção , para ve r o b em
crista lizar-se n e le ” .37
N o afã de ver con su m ad a a p u reza da id é ia n a sua co n c e p ç ã o
m aterial para além d o b em e d o m al, no tórcuío da fo rm a o alvo cristal do
sonho, a p o eta busca a clarid ad e das essências tan to da trágica fe içã o do
mal q u an to d o esplendor da existência. C o n c e n tr a n d o nessa im a g em do
cristal tod o s os seus d evan eios h u m a n o s das fo rça s có sm icas,38 a
p o eta co n ju g a os signos do céu e da te rra, u n in d o as p ro fu n d e za s
da substância às p ro fu n d eza s d o c é u .39 E is a tarefa a q u e se im p ô s o
com p ro m isso lite rá rio g ilk ia n o , q u e tran scen d e o tó r c u lo da f o r ­
m a n o passo p o é tic o de E ro s V o lú sia .
Mu s ic a l id a d e n o p a sso p o é t ic o q u e d a n ç a

A m u sicalid ad e p resen te nas poesias de G ilk a M achad o e


nas danças de E ro s V o lú sia seguem , em d eterm in ad as m a n ifes­
tações das artistas, o m esm o ritm o p o é tic o .* 0 P o d e -se p e rceb er
uma evolu ção n o p e n sa m en to m u sical gilk ia n o em d ireção ao r it ­
mo b in á rio e a celerad o d os sambas e d os b atu qu es presentes nas
danças p o p u la re s pesquisadas p o r V o lú sia e, ao m esm o te m p o , a
in flu ên cia sim b olista/im p ression ista de u m D ebussy nas p r im e i­
ras co m p o siçõ e s co reo g rá fica s volu sian as e n o s p rim e iro s poem as
gilkianos, q u e seguiam u m ritm o m ais in d e fin id o , m ais etéreo,
m enos m a terial.
Para G e o rg e S te in e r, o po eta sim b olista R a in e r M aria R ilke
"celebra o p o d e r da lin g u ag em de elevar-se até a m úsica; o p o eta é • 105 •

o in stru m e n to eleito dessa tran sm u tação asce n d e n te” .41 E x e m p li­


fican d o esse p ro cesso , S te in e r cita o p o em a " U m D eu s p o d e . Mas
com o e rg u e r d o s o lo ” , de Sonetos a O ife u , de 1 9 2 2 .42
D esse p o em a de R ilk e, S te in e r extrai qu e, m esm o estando
a lin g u ag em m ed id a co m d elicad a p recisão e a palavra prep arada
para o ím p e to tra n sfo rm a d o r da m ú sica, na fr o n te ira en tre palavra
e m úsica "algo se d issolve” .43 A escolh a da m etam o rfo se do e sp íri­
to p o é tic o n a lin g u a g em lite rá ria p e lo ritm o m u sical im p lica u m
processo de flex ib iliza çã o sin tática, co m o d escrito p o r S tein er:

A p e sa r de ultrapassagem à lín g u a , d eixan d o a c o m u ­


n ica çã o v e rb a l para trás, tanto a trad u ção para a luz
com o a m etam orfose para a m úsica são atos espirituais
p o sitivo s. A o cessar o u so fre r m u d an ça rad ical, a p a ­
lavra presta testem u n h o de u m a realid ad e in e x p r im í­
vel o u de u m a sintaxe m ais flexível, m ais p e n e tra n te
d o q u e a sua p r ó p r ia .44

N e m sem p re o po eta con segu e u m a tran sm u tação sintática


m ais flexível em sua expressão p o ética p erm ead a p ela im agem m u ­
sical, c o m o , p o r ex em p lo , o son eto "M ú sica b ra sile ira ” , de O lavo
B ilac (1 8 6 5 -1 9 1 8 ):
I — Tens, às vezes, o fo g o soberano

2 — D o amor: encerras na cadência, acesa

3 — Em que requebros e encantos de impureza,


4 — Todo o feitiç o do pecado humano.

5 — M as, sobre essa volúpia, erra a tristeza

6 — D o s desertos, das matas e do oceano:

7 — Bárbara poracé, banzo africano,

8 — E soluções de trova portuguesa.

9 — Es samba ejo n g o , chiba e fa d o , cujos


10 — Acordes são desejos e orfandades

II — D e selvagens, cativos e marujos:

• 106 •
12 — E e m nostalgias epa ixões consistes.

1 3 — Lasciva dor, beijo de três saudades,

1 4 — F lor amorosa de três raças tristes,45

E m b o ra seja p ercep tível a p reo cu p ação tem ática b ilaqu iana,


com a m úsica b rasileira, a fo rm a de son eto trad icio n a l de origem
italiana, duas quadras e d ois tercetos n o arran jo dos versos, p e rm a ­
nece trad icio n a l sem m aiores inovações n a estrutura rítm ica do p o ­
em a.46 B ilac fala nesse p o em a das três co n trib u içõ es fu n dam en tais
para a m úsica brasileira: a negra, a po rtu gu esa e a a m erín d ia. L uiz
C o sm e, ao com en tar esse poem a de B ilac, apon ta essa im p o rtâ n cia :

A o s p o rtu gu eses d evem os a feiçã o m ais n a c io n a l.


D o s n egro s, e suas danças, n o s fica ra m o r itm o a le ­
gre e cantos m a n d in g u e iro s, q u e a in d a h o je servem
d e in sp iração a tan tos c o m p o sito re s. D o s in d íg en a s
p o u c o receb em os, em b o ra esse p o u c o te n h a d eixad o
suas raízes p ro fu n d a s. A lu d im o s aos in s tru m e n to s de
p ercu ssão, co m o o M aracá e o R e c o -re co , tão usados em
nossas orqu estras p o p u la re s .47

M as o p o e m a de B ila c n ão in c o r p o r a em seus verso s os r i t ­


m os co m en ta d o s em "M ú sica b r a s ile ir a ” . G ilk a M a ch ad o tam bém
tem atiza a m ú sica b ra sile ira em seu p o e m a "S a m b a ” , d o liv ro ,
Sublim ação, c o n fo r m e será d ese n v o lv id o n o ite m P o e m a d a n ça n -
do — p o em a /d a n ça , d a n ça/p o em a , e n o p o e m a "D a n ç a de filh as
de t e r r e ir o ” , ta m b ém d o liv ro S u b lim açã o, a ser an alisad o n o item
Poesia e tra n se. A ss im c o m o V ila - L o b o s resgata os elem e n to s da
m úsica p o p u la r n a estru tu ra de suas co m p o siçõ e s eru d itas, G ilka
M achado e E ro s V o lú sia p e r c o r r e m os m esm o s p ro cesso s de h i-
b rid ação tem ática d o c o m p o s ito r b ra s ile iro em suas ob ras, esta
últim a co m m a io r in te n s id a d e n a sua cria çã o d o "b a lé b r a s ile i­
ro ” . N a o b ra de E ro s, p e rc e b e m -s e os m esm o s traço s q u e L u iz
C osm e d estaca n a m a io ria das ob ras de V ila - L o b o s , o u seja, "a
in te rp e n e tra çã o d os e le m e n to s m u sicais p ro v e n ie n te s d o fo lc lo r e
b ra sile iro e o c o n te ú d o e n e r g é tic o , p o r vezes á sp ero , a d q u irid o
pelo p ro g re sso d o id io m a m u sical em sua ó r b ita de d e se n v o lv i­ • 107 •
m e n to ” .48 O u seja, V o lú s ia in tr o d u z n a sua té cn ica eru d ita de
balé, p o r ela estu d ad a n o in íc io de sua fo rm a ç ã o , m o v im e n to s
p r o d u z id o s p o r c o m b in a ç õ e s de e sfo rç o s físico s n ão u tilizad a s
nas regras tr a d ic io n a is da d an ça clássica de o r ig e m e u r o p é ia . V i ­
b ra r, sa cu d ir os o m b ro s e a cabeça, fa zer m o v im e n to s de o n d a
com os q u a d ris e c o m os b ra ço s, p e r c u tir a p la n ta d os pés n o
ch ão , d a n ç a r sem sapatilhas e u tiliz a n d o in s tru m e n to s m u sicais
p e rcu ssivos, c o m o c a c h ic h i, c o c o , g u izo s p reso s ao c o rp o , fo ra m
algum as das in o va çõ es nas estiliza çõ es de m o v im e n to s q u e c o m ­
p õ e m o "b a lé b r a s ile ir o ” de E ro s V o lú s ia .49
G ilk a M ach ad o faz esse p e rc u rso , em d ireçã o a u m a te m á ­
tica n acio n a lista , trilh a n d o as sendas de E ros. E la in c o r p o ra os
ritm o s sin co p ad o s d o sam ba e do b atu q u e na sua estru tu ra p o ética,
em p re ga n d o versos m ais cu rto s e sim étrico s, im p o n d o ritm o s m ais
característicos desses gê n e ro s m usicais em seus p oem as d ed icad os a
essa tem ática. C o n tu d o , em sua fase a n te rio r, en c o n tra m -se p o e ­
m as m arcad o s p ela estru tu ra rítm ica derivada de u m a m úsica com
in flu ê n c ia s de ritm o s sim bolistas, o u seja, m ais in d e fin id o s, com
versos livres, co m d u ra çõ es isoladas, m ais cu rto o u lo n go s, c o m ­
p o n d o um a m e lo d ia p ic tó ric a c o rp o ra l.
N o p o em a " O u v in d o u m solo de v io lo n c e lo ” , do livro E sta­
dos de alm a, p o d e m -s e p e rc e b e r as im pressões d o som m otivan d o os
ritm o s da d o r m u sical q u e vib ra n a po eta. São vozes que se escutam
m o tiv an d o as cores e os a rran jo s m usicais d o se n tim e n to da a m a r­
gu ra, c o m p o n d o um a espécie de la m e n to so S p iritu a l:5°

1 — Vem de uma escura, de uma esconsa fu m a ,


2 — vem de abismos, talvez,
3 — esta vozeava , profun d a!
4 — N ã o vês, minha alma, a solidão, não vês
5 — a sonolenta p a z que te circunda ?
6 — Esta soturna
7 — voz, que ora se avoluma e no ar se eleva,
8 — é a voz da própria Treva
9 — que, quebrando a mudez
10 — antiga, milenária,
• 108 • 11 — conta, numa ária,
12 — toda a amargura da viuvez.

1 3 — M as a N o ite é tranqüila,

1 4 — não vem da N o ite a voz, certo não vem do Vento

1 5 — porque nem mesmo o vento ora sibila.

1 6 — 0 meu olhar, atento,

1 7 — a solidão perscruta:

1 8 — a N atureza está numa calma absoluta,

1 9 — apenas, de momento

2 0 — a momento, voam mochos,

2 1 — num vôo incerto, preguicento.

2 2 — Pelos espaços mudos,

23 — 0 som se estira, num lamento


24 — L e n to ... L e n to ...
2 5 — Lembra um desdobramento

2 6 — de veludos

2 7 — longos e roxos...

2 8 — M as logo ascende e, num crescen d o , estronda,


2 9 — invade

3 0 — a noite neblinosa, turva,

3 1 — a desdobrar-se, curva a curva,

3 2 — numa continuidade
23 — de oceano: onda após onda.

34 — Debruçada à ja n ela ,
3 $ — suponho se inundar
3 6 — degrandes vagas 0 ar,

3 7 — pois, na minha audição que se alonga para ela,

3 8 — a voz chega e se espraia,

3 9 — tal com o 0 mar que longe se encapela


4.0 — e vem se desfazer em carícias na praia.

— Esta música triste,

4 2 — esta música equórea,

4 3 — te n h o -a recente na memória;

4 4 ~ minha alma, quantas vezes tu a ouviste!

4 5 — O h ! com o então eu reconheço

4 6 — esta voz linda e austera,

4 7 — ^ ta voz que, em começo,

4 8 — vinda da N o ite supusera!

4 9 — R e co n h eço -a tão bem com o se a minha fosse,


50 — é a v o zd a minha dor que anda lá fo r a ...
51 - A lo u - s e
52 — a m inha dor,
53 — e está cantando à Imensidade, agora,

54 — todo o seu dissabor.

55 — Q uantos anos a trouxe no meu peito,

5 6 — a dor do meu desejo insatisfeito,

5 7 - a dor de uma ilusão desiludida,

5 8 — dor que criei ao meu jeito ,

5 9 — muda com o se não tivesse vida!

60 — Pelo silêncio afora,


6 1 — a vozgrita, a vozgem e, a v o z chora

6 2 — e estertora...

6 3 — E m inha dor que ora se expande, em brados


6 4 — de angústia e de revolta,

65 — é minha dor que, fin alm en te, solta


6 6 — todos os ais outrora sufocados.

6 j — O u v e - a o Silêncio, a Solidão, a Sombra,

6 8 — o u v e -a 0 C éu , o u v e -a a Terra, lado a lado,

6 9 — tudo num ar de quem se assombra:

70 — calado! Estatelado!
71 — Com o vinda de longe,
72 — de novo a voz se abranda e, calma e grave,
73 — lembra 0 sermão de lágrimas de um monge,
74 — dentro de escura e vazia nave.
7 5 - f a z - s e o rumor inda mais suave,
76 — inda mais brando...
77 — E, p o u co a p o u co , desmaiando,

7# — num sm orzan d o
79 — dentro da noite a voz desata,
8 0 — neste momento,

8 1 — 0 suspiro prolongado

8 2 — de uma fe r m a ta ...

8 3 — M in ha dor, minha dor, esta v o z é bem tua,

8 4 — são teus estes desalentos

8 5 — e este suspiro que p elo ar f lu tu a ...

8 6 — Agora indo,

8 ? — e logo vindo,

8 8 — morrendo, ressuscitando,

8 9 - é um desejo casto e lindo,

90 — que hesita, de quando em quando,


9 1 — a voz, ora indo, ora vindo,

9 2 — numa berceu se soando.

9 3 — E 0 teu desejo embalador,

9 4 — é m inha dor,

9 5 - q u e vem e vai para o meu A m o r !...

9 6 — O som, porém , toma expressões ignotas,


97 — não é mais uma voz, tem várias vozes,
98 — cada qual a gem er dentro das notas,
99 — cada qual a contar mágoas atrozes.
1 0 0 — E um ruído coral de paroxism os

1 0 1 — que agora chega aos meus ouvidos,

1 0 2 — ruído que se eleva dos abismos

1 0 3 — da alma de todos os desiludidos.

1 0 4 — E da m últipla voz dentre os comovedores

1 0 5 — rumores,

1 0 6 — sem que 0 meu coração pudesse tal

1 0 ? — supor,

1 0 8 — em vão procuro qual

1 0 9 — seja 0 da minha dor,

H O — p o rqu e esta voz, agora, é a harm onia das cores, • III •


1 1 1 — é a v o z da D o r universal.

1 1 2 — A n d am soluços, p elo ar, desatos,

1 1 3 — em pizzicatos,
1 1 4 — e as mesmas notas vibrantes,

1 1 5 — antes,

1 1 6 — num som escasso,

l i y — lânguido, lasso,

l l 8 — lembram arquejos de cansaço.

1 1 9 — A v o z expira...

1 2 0 — P or todo 0 am biente,

1 2 1 — há qualquer coisa luzidia

1 2 2 — que se desfia. ■
.

1 2 3 — A v o z expira,

1 2 4 — dolente,

1 2 $ — mansa,

1 2 6 — com o a agonia

1 2 7 — de uma criança...

1 2 8 — A v o z expira...

1 2 9 — E eu, que tão alta a ouvira


1 3 0 — de sons enchendo todo 0 espaço imenso,

1 3 1 - o u v in d o -lh e 0 eco, 0 espiritual assenso,

1 3 2 - j u l g o - a uma espira

1 3 3 — de incenso...

1 3 4 — C a lo u -se a v o ze , em vão, ao sono apelo,

1 3 5 — ca lo u -se a voz, porém , interiorm ente,

1 3 6 — escuto o som de um v io lo n c e lo ...

1 3 7 — E a voz da dor, da minha dor sem fim ,

1 3 8 — dor da saudade, dor com que te anelo,

1 3 9 ~~ dor musical que está vibrando em m im J 1

• 112 ■ O p o em a é d ivid id o em 13 estrofes, sen d o o ritm o m arcad o


p o r u m recu rso de pausas, u tiliza d o p o r G ilk a ta m b ém em o u ­
tras poesias, o u seja, as estrofes J , 9 , I O , I I e 12 são separadas das
seguintes p o r lon gas reticên cia s. A s re tic ê n c ia s,52 co m o sin ais de
p o n tu a çã o , in te r fe re m m u ito n a m u sicalid ad e d o p o em a , p re ssu ­
p o n d o já de in íc io u m ritm o d ifu so , n ad a d e fin id o o u sin co p a d o ,
pela sua característica essen cial de evasão do p e n sa m en to , o u seja,
existe u m a pausa, u m a suspensão das palavras, m as existe tam b ém
a in d icaçã o de que u m flu x o de id éias p o d e e deve c o n tin u a r a se
d esenvolver n o le ito r . A ssim , esse tip o de p o n tu a ç ã o já d e m a n ­
da em si a p articip ação ativa do im a g in á rio do le ito r , m a rc a n d o a
c o n cep ção de u m a ob ra aberta. C o m suas pausas in d ica d a s pelas
reticên cias, a au tora leva o o b servad or a p a r tic ip a r da criação da
ob ra , sen d o co n d u z id o p o r esta n a sua p r ó p r ia in d e fin iç ã o , ou
na sua p r ó p ria sedução d o in d e fin id o h ip n ó tic o , c o m o n o caso
do recu rso u tilizad o p o r G ilk a , que acaba lev an d o o le ito r a p a r ti­
cip ar, co m a voz da sua p r ó p ria d o r, desse co ra l s in fô n ic o da d o r
m u sical53 un iversal.
A s im agens p o éticas que se c ria m n o p o em a são de caráter
s o n o ro -c in é tic o -v is u a is , o u seja, to d a in fo rm a çã o da d o r so n o ra,
p e rso n ificad a in ic ia lm e n te p ela voz e n o fin a l p e lo som d o v io ­
lo n c e lo in tro je ta d o , p e rc o r re cam in h o s cin estésicos, ex p an d in d o
a sensação c o rp o r a l in te r n a n o espaço ex te rn o e vice-v ersa , n u m
d iálo g o co m u m cen á rio p ic tó r ic o q u e reflete e d ialo g a co m essa
dor so n o ra. A s fo rm as e as estru tu ras m u sicais são claram en te c i­
tadas n o p o em a . Já n o in íc io , n a p rim e ira estro fe e n c o n tra -se a
caixa que faz ressoar a voz que se avolu m a, q u e se eleva: a escon d id a
caverna, s u g e rin d o até m esm o a m o d a lid a d e da en toação , isto é, a
voz que canta, num a á ria . 54 A segu n da estro fe deixa claro q u e a voz não
vem de fo ra , o n d e rein a o silê n cio , vem da tu rb u lê n c ia in te rn a , e
na te rceira estro fe esse la m e n to in te r io r ascend e n u m crescendo55 e
estronda fo ra , in ic ia n d o - s e aqu i o recu rso das reticên cias, m a r ­
cando j á as m o d u la çõ e s rítm icas características do p o em a, p r o p a ­
gando a voz em on d as.
A q uarta estro fe m ostra as ten sõ es son oras que vão da r e ­
volta à carícia . A q u in ta , a sexta, a sétim a estrofes fazem o r e c o ­
n h ecim en to da a u to n o m ia dessa voz in te rn a que se ex te rn o u e que
em m o d u la çõ e s rítm icas grita , gem e, ch o ra, estertora. N a oitava • 113 •
estrofe, a d o r q u e se exp an d e é im en sa, o céu , a te rra, o silên cio , a
solidão e m esm o a so m b ra u n e m -s e n a ad m iração da m anifestação
dos "a is” an gustiosos da p o eta . N a n o n a estro fe, a voz abran d a-se
co m p o n d o u m sm orzan d o,56 u m a fe r m a ta , 57 recu rso s m usicais de i n ­
dicação de pausa e d u ração de n otas, tran spostos p ela au tora n o s
sinais de reticên cia s p o r ela am p lam en te u tilizad o s nessa estro fe,
in d ic a n d o a c o n sciê n c ia da estru tu ra m u sical e sua tran scriação
para a lin g u ag em escrita. N a p a r titu r a -p o e m a q u e se vai d escre­
ve n d o , a voz da d o r vai e vem n u m a berceuse, c o m p o n d o n u m aca­
lan to u m m o v im e n to m o n ó to n o , u m a esp écie de cantiga de n in a r.
N a d écim a sexta estro fe, p o ré m , a voz já não é m ais solitária e e n -
c o n tra -se co m as outras vozes em u m c o ra l de p aroxism os. A po eta
já n ão d estin g u e a voz da sua d o r pessoal, p o is agora o qu e canta
é a voz da d o r u n iversal. Esta, em p izzica to s,5S vai exp iran d o, a tin ­
g in d o u m esp iritu a l assenso nas próxim as estro fes e fin a lm e n te se
tran sm u ta em u m som de violoncelo a d o r m u sical q u e volta a vib rar
na p o eta .
T o d o esse m o v im e n to m u sical de la m e n to , da voz que ressoa
d e n tro , fo ra , isolad a o u em c o ro , em sob rep o sições crom áticas,
evocadas em estro fes curtas p erm ead as p o r estrofes m ais longas,
evoca, n o p o e m a , u m ap ro ve itam e n to de elem e n to s m eló d ico s e
rítm ic o s p r ó x im o s d o 6/uesS9 o u do ja z z . H u g o R ie m a n n citad o p o r
L u iz C o sm e estabelece as o rig e n s h íb rid a s do jazz:
P o d e -se c o n s id e ra r o Jazz. c o m o u m d o s fa to s m u ­
sicais m ais im p o rta n te s da ép o ca m o d e r n a , e q u e
n ão se lim it o u u n ic a m e n te aos d o m ín io s da d a n ça e
da o p ereta : c ria d o p e lo s n e g ro s da A m é r ic a , j á p ara
a co m p a n h a r as danças d o tip o Foxtrote, já p a ra fa zer
d esa b ro ch a r in s tru m e n ta lm e n te ex p ressõ es líric a s
n egras, tais co m o as q u e se c o n tê m v o c a lm e n te n o
Ragtime o u n o S p iritu a l, o J a zz fu n d iu c o n ju n ta m e n ­
te e le m e n to s m e ló d ic o s e h a rm ô n ic o s p r o v in d o s da
E u ro p a (ita lia n ism o s, m ú sica russa, G r ie g , F ra n ck ,
D ebu ssy, e tc .) , u m F olclore e u m a r ítm ic a in d íg e n a s ,
a o rq u e stra ç ã o e u r o p é ia (exceto o u so de B a n jo e
um a m a n e ira a cin to sa de p e rc u ssã o ), s o b re a q u a l se
• ii4 • ex erceu o p o d e r d e fo rm a n te , a in v e n çã o c a ric a tu ra l
d os n e g r o s .6“

A a fin id a d e m u sical g ilk ian a c o m as variações rítm ica s ex ó ­


ticas é u m a h era n ça sim b olista q u e lh e p e r m itiu a p ro x im a r-s e de
estruturas p o p u la res n a sua fase n a cio n a lista , m ais m o d ern ista.
L u iz G osm e fala da im p o rtâ n c ia dessa atitu d e de fu são de estru ­
turas clássicas e p o p u la res n o d ese n v o lvim en to da m o d e rn id a d e
m u sical. Para ele:

E n c o n tr a r n a tr a d iç ã o u m a e s tru tu ra m u s ic a l m o ­
d e r n a é p ro c e sso e s s e n c ia lm e n te a tu a l, p o r q u e
d e se m p e n h a ra m gran d e fu n ç ã o as e x p e r iê n c ia s
m o d a is de u m D eb u ssy , p e la u tiliz a ç ã o d os e n o r ­
m es re c u rso s la te n te s n o s a n tig o s m o d o s litú r g ic o s
e p o p u la r e s .61

E m sua fase m ais sim b olista, G ilk a M ach ad o escreveu "A nsia
de a zu l” , de Cristais partidos, e, in s p ira d a nesse p o em a , E ro s V o lú ­
sia c rio u u m a dança de m esm o n o m e , " d a n sin te r s e m io tiz a n d o ” as
palavras poéticas da m ãe, sob u m r itm o m u sical d e b u ssy n ia n o .62
S eg u n d o H u g o A u le r , em u m a rtig o p u b lica d o n o D iário de N otícias,
a co m p o siçã o co re o g rá fica de E ro s fo i m u ito fe liz, ex p rim in d o
tod a a ânsia de in fin ito expressa n o p o em a:
"Á n sia de azu l” . P ágin a de D ebussy. A m ú sica é e n ­
can tad ora de tanta expressão. C a d a n o ta orq u estral
que vib ra é u m frase to d a . E para cada a co rd e, E ros
V o lú sia tem u m a p o sição c o re o g rá fica que é b em
um a p rova elo q ü e n te de sua alta escola, a m esm a es­
cola o n d e as on d as a p ren d e m a r o la r para m o r re r e
os pássaros ensaiam os vô os. A elegante d an çarin a
c o m p re e n d e p e rfe ita m e n te o p en sam en to m u sical de
D ebussy e viveu tod a a an siedad e, e to d a a in q u ie tu d e
da alm a im p o n d erá v el, m u sical da gra n d e p ágin a d e-
b ussyniana, que q u er to ca r o c é u .63

P o d e -se observar, tam bém , n o p o em a "A n sia de azu l” , in s ­


piração p r im e ir a da c o re o g ra fia vo lu sian a, essa n ecessid ade de t o ­ •115 .
car o céu q u e p a rte do texto d o b a ila rin o ela b o ra d o p o r G ilka:

1 — M anhãs azuis, manhãs cheias do p ó len de ouro

2 — que das asas o sol levemente sacode,


3 — quem dera que, numa ode,

4 — com o num a redoma, eu pudesse conter o intangível tesouro

5 ~ da vossa luz, da vossa cor, do vosso aroma.

6 — M anhãs azuis, manhãs em que as aves, em bando,

7 — entoam p elo espaço o hino da liberdade


8 — que anseio form idando,
g — que sede de infinito o cérebro me invade!

1 0 — Esta luz, esta cor, este perfum e brando

11 — que se evola de tudo

12 — e que, de quando em quando,


1 3 — 0 vento — acólito mudo,
1 4 — passa, turibulando;

1 5 — esta mística fa la ,

1 6 — que das coisas se exala,

1 7 — e conclam a, e ressoa

1 8 — em toda a natureza,

1 9 — com o uma etérea loa

20 — entoada à vossa olím pica beleza;


2 1 — tudo à libertação, tudo ao prazer convida

22 — e f a z com que a criatura ame um m om ento a vida.

23 — Lindas manhãs azuis,


2 4 — manhãs em que, qual um zum bido

2 5 — de tão intensa, a luz

2 6 — s o a p o r todo o am biente, eco a -m e no ouvido,

2 7 — e ° sol no alto espreguiça as m últiplas antenas,

2 8 — quente, lúcido e louro

2 9 — como enorme besouro.

3 0 — M anhãs suaves, serenas,

3 1 — manhãs tão mansas, tão macias

3 2 — que pareceis feita s de penas

33 — e melodias.

3 4 — A vossa cor sublime, sugestiva,

3 5 — on de há dedos de lu z levemente a acenar,

3 6 — p o r invencível sugestão cativa,

3 7 — o alma das coisas sobe e flu tu a p elo ar.

3 8 — Eu, com o as coisas, sinto indefinidas ânsias,

3 9 — a atração do ignorado,

4 0 — a atração das distâncias,

4 1 — a atração desse azul,

4 2 — ao qual meu pobre ser quisera transportado

4 3 — ver-se, da Terra êxul.

4 4 — E que gozo sen tir-m e em p len a liberdade,

4 5 — longe do ju lg o atroz dos homens e da ronda

4 6 — da velha Sociedade

4 7 — 0 messalina hedionda

4 8 — que, da vida no eterno carnaval,

4 9 — se exibe fantasiada de vestal!

5 0 — M anhãs azuis, manhãs em que os víridesprados,


5 1 -r p elo vento ondulados,

5 2 — parecem mares calmos;


53 — e os mares, m olemente espreguiçados,
54 — pelaspra ia s espalmas,
são vastos, verdes e flo rid o s prados.

56 — M anhãs em que, nas estradas


57 — lindas romeiras enfileiradas
5 8 — diante do vosso suntuoso templo

59 — que alto r elu z — as árvores contem plo,


6 0 — dançando todas, com gestos lentos,

6 1 — ao som dos ventos,

6 2 — na festa sacra da vossa luz-

63 — 0 mágicas manhãs,
64 — vós me trazeis ao cérebro ânsias vãs!
6 5 — 0 fu lg o r que de vós se precipita • 117 •
6 6 — perturba a minha vida de eremita,

6 y — açora-m e os sentidos

6 8 — na narcose do tédio amortecidos.

69 — A o ver a natureza, toda em festa,


70 — do seu pagode abrir as portas, para em par,
J l — o meu ser manifesta

71 — desejos de cantar, de vibrar, de g o za r!...

72 — Esta alma que carrego amarrada, tolhida,


73 — num corpo exausto e abjeto,
74 — há tanto acostum ado a pertencer ã vida
75 — com o um traste qualquer, como um simples objeto,
76 — sem gozo, sem conforto,
77 — e indiferente como um corpo morto;
J 8 — esta alma acostumada a cam inhar de rastros,

79 — quando f it o estes céus, estes campos tão vastos,


8 0 — aos meus olhos ascende e deslumbrada avança,

8 1 — tentando abandonar os meus membros j á gastos,

8 2 — a saltar, a saltar, qual uma alma de criança.

8 3 — E analisando então meus movimentos

8 4 — indecisos lentos,

8 g — de hum anizada lesma,

8 6 — to m a -m e a sensação de fu g ir de mim mesma,


8 7 — de meu ser to m a r noutro,

8 8 — e sair, a correr, qual desenfreado p otro,

8 g — p o r estes campos.

9 0 — Escampos.

9 1 — D e que vale viver

9 2 — trazendo, assim, emparedado 0 se r ?

93 — Pensar e, de contínuo, agrilhoar as idéias,


9 4 — dos preceitos sociais nas torpes ferropéias;

9 5 — ter ímpetos de voar,

9 6 — porém perm anecer no ergástulo do lar

9 7 ~ sem a libertação que o organismo requer;

9 8 —fic a r na inércia atroz que 0 ideal tolhe e quebranta...

99 — A i! A n tes pedra ser, inseto, verme ou planta,


1 0 0 — do que existir trazendo a fo rm a de mulher.

10 1 - A v e s !

1 0 2 — Q u em me dera ter asas,


103 — pa ra acima pa ira r das coisas rasas,
1 0 4 — das podridões terrenas,

1 0 5 — e sair, como vós, rufiando no ar as penas,

1 0 6 — e sa cia r-m e de espaço, e sa cia r-m e de luz,

1 0 7 — nestas manhãs tão suaves,

1 0 8 — nestas manhãs azuis, liricamente a z u is !...64

N o p o em a su p racitad o, gra n d e é a m otivação g ilk ian a de


tran scen d ên cia esp iritu a l da alm a fe m in in a , p ela g estu a lid a -
de flu id a e livre do m o v im e n to d os pássaros em c o n tra p o n to ao
"c o rp o m o r to ” , a p risio n a d o , q u e tem ânsias de lib e rd a d e . A ssim
é que, em tod a a ob ra da p o eta , a tra n scen d ê n cia p e lo m o v im e n to
en co n tra o c am in h o d o e sp írito . P erceb e-se a q u i ta m b ém essa c o ­
m un hão com as form as da natureza que en toam o ritm o d o p oem a,
o ritm o do ve n to , o ritm o das árvores q u e a p o eta d a n sin te rse -
m iotiza a p a rtir d o verso 58: / diante do vosso suntuoso tem p lo /q u e alto reluz
— as árvores con tem p lo ,/ dançando todas, com gestos len to s,/ ao som dos ven to s,/

na festa sacra da vossa lu z./. N a estru tu ra d os versos, o q u e se im p õ e é


uma lib e rd a d e rítm ica , n o flu x o livre e c o n tín u o das im agens de
elem entos da n atu reza, m esm o n o m o m e n to m ais ten so . A p a rtir
do verso 72 até o IOO, o flu x o é c o n tid o nas im agen s da p risão do
corpo e das estruturas sociais para ser reto m a d o em sua lib erd a d e
do vôo r e d e n to r n a ú ltim a estro fe. B asicam en te, to d o o m o v im e n ­
to do p o em a tem gra n d e a fin id a d e co m as p rin c ip a is estruturas da
nova dança de Isad ora D u n c a n .
Essa "A n sía de a zu l” , p o em a ve rtica l p o r excelên cia, além da
busca da u to p ia da ascensão esp iritu a l, é a gra n d e b usca d o d a n ça ­
rin o m o d e r n o , q u e tem p le n a co n sciên cia do seu peso (n ão fin g e
ser u m ser etéreo co m o n o b alé clássico co m o efe ito ro m ân tico
das sapatilhas de p o n ta ), q u e d ança descalço, para sen tir o chão
em que pisa e resp ira r o r itm o da n atu reza, co m o faz Isad ora, que
dança o v e n to , a terra, a água e o ar e com o faz G ilka , que dança as
árvores. N essa c o re o g ra fia a b aila rin a executa u m cambré, u m grande
arco do c o rp o , da cin tu ra para trás, co m a cabeça aco m p an h an d o o
m ovim ento e os b raço s abertos, co m o as asas aspiradas n o poem a,
em p o sição de vô o p a ira n d o acim a das coisas terren as, o p eito a b er­
to, o coração vo ltad o p ara o espaço in fin ito , em d ireção ao céu.
E m u m o u tro poem a, "C o m ig o m esm a” , de M ulher m a , G ilka
M achado d iz cla ram en te de sua te n d ê n c ia para a d ança. N esse p o ­
ema, fic a d e fin id o o ritm o d a n ç a rin o que m arca o com passo da
vocação p o é tic a gilkian a:

1 — N u m a nuvem de renda,
2 — M usa, tal com o a S alo m é da lenda

2 — na fo rm a nua

4 — que se ostenta e estua,


5 — sacerdotisa audaz —
6 — pa ra o A m or, de que és presa,

7 — rasgando véus de sonho, dançarás


8 — nesse tem plo pagão da N atureza.

g — Dançarás p o r am or das coisas e dos seres


1 0 — e p o r am or do A m o r ...

11 — Tua dança dirá renúncias e quereres;

1 2 — fa z e com que desfira


1 3 - t u a lira

1 4 — gargalhadas de gozo e lamentos de dor,

25 — e possas em teu ritmo recompor


1 6 — tudo que viste extática, surpresa,

i y — e a imprevista beleza,

1 8 — a beleza incorpórea

1 9 — dos perfum es e sons indefinidos,

2 0 — de tudo que te andou p elos sentidos,

2 1 — de tudo que conservas na memória.

2 2 — D ize da N aturezfl em que à lu z vieste,

2 3 — dize dos seus painéis encantadores,

2 4 — dize da pom pa, do esplendor celeste

• 120 • 2 5 — das suas noites, dos seus dias,

2 6 - e animisa com teus espasmos e agonias

2 j — as expressões com que a expressando fores.

2 8 — A lm a de pom ba, corpo de serpente,

29 — enche de adejos
3 0 — e rastejos

31 — teu ambiente;
3 2 — caíam em to m o a ti pedras ou flo res

3 3 — de uma contemplativa multidão:

3 4 — de lisonjeiros e de malfeitores

3 5 — cheias as sendas da existência estão.

3 6 — Toda de risos tua boca enfeita

3 7 — quando te surja um ser sincero, irmão,

3 8 — e sê pu ra, espelhante, perfeita,

3 9 — na verdade da tua imperfeição.

4 0 — M usa satânica e divina,

4 1 — ó minha M usa sobrenatural,

42 — em cujas emoções igualm ente culmina


43 sedução do Bem , a tentação do M a l!

4 4 — Em teus meneios lânguidos ou lestos,


4 5 — expõe ao M u n d o que te espia
46 — que, assim com o h á na D ança a poesia dos gestos,
47 — há nos versos a dança da Poesia.

4 8 — D ança para esse gozo,

4 9 - 0 grande gozo em ocional

5 0 — da Terra

51 — que te f e z sem igual,


52 — e, envaidecida,
53 — em seu am or te encerra,
54 — am ando em ti sua própria vida,
5 5 - sua vida carnal e espiritual.
5 6 — Torce e destorce 0 ser flexuoso,

57 ~ ó M usa em ocional!

5 8 — M an eja os versos •121 •

59 — de maneira tal,
60 — que eles se fiq u em , p elos séculos, dispersos,
61 — com os ritmos da existência universal.

62 — E a dançar
63 — num delicioso sacrifício,
6 4 ~ p a te n te ia a nudez

65 — desse teu serpun íceo,


6 6 — ante 0 sereno altar

67 — do deus que te domina.


6 8 — Q u e importa a injúria hostil de quem te não com preenda?

69 — D ança, porém , não com o a S alom é da lenda,


70 — a lírica assassina:
7 1 — dança de um modo vivificador,

72 — dança de todo nua,


73 — mas que seja a dança tua
74 — a im ortalizpção do teu A m o r .65

O to m d o p o e m a é de u m o rá c u lo im p e ra tivo , qu e p r e ­
vê, su gere, o rd e n a , d eseja, aco n selh a, n u m tratam e n to de c o n ­
ju g a ç ã o v e rb a l de seg u n d a pessoa d o sin gu lar, to d a u m a série de
c o m p o rta m e n to s e qualid ad es artísticas a serem desenvolvidas pela
m usa p o ética d an çarin a d o texto de G ilka. A m usicalidade é m arcada
p elo som da lira , qu e, co m o in s tru m e n to m u sical m ito ló g ico ou
co m o letras de m úsicas p o p u lares o u a in d a co m o estro p o é tic o , na
segunda estro fe, desfere sons de gargalhada, g o zo , lam e n to e d o r,
c o m p o n d o u m ritm o de todas as im pressões sen soriais, vividas pela
poeta em êxtase. Esse estado "ex tá tico ” , essencial n a p rática artística
da poeta, fala do o lh a r especial sob re a vida, p r o d u z id o p o r u m a
"em oção estética” , u m p r in c íp io de in teração co m o a m b ien te, que
fu n d a a p a rtir do im pacto ex te rio r da im agem observada e sentida,
n o silên cio fu n d a d o r do o lh a r pessoal, u m a resposta criativa, n o
caso da m eto d o lo g ia d o d a n çarin o aqu i tratada. Essa resposta será
um a d ansin tersem iotização , o u seja, essa le itu ra p ela d ança d o tem a
de que trata o poem a: o cu lto à p r ó p ria in sp iração p o ética .
A te rceira estro fe revela o q u e a p o eta deve d iz e r e c o m o .
• 122 • Sua p o esia deve d izer de to d o s os painéis encantadores da n atu reza e
d ar vid a a essas expressões co m os espasm os e as agon ias d os seus
recu rso s té cn ico s de d a n ç a rin a -p o e ta . A q u arta e a q u in ta estrofes
falam de esforços corp orais a serem realizadas n o p e rcu rso p o ético ,
in d e p e n d e n te m e n te das críticas, b oas o u ru in s, o u seja, a p o eta
d a n çarin a deve vo ar e deve rastejar ao m esm o te m p o , n a alm a de
pom ba em u m corpo de serpente, e nesse d u p lo m o v im e n to deve ser
verd a d eira , sed u tora, toda de risos tua boca enfeita, até m esm o n a sua
im p e rfe iç ã o . Essa d u p la característica p ro je ta d a p e la a u to ra ta m ­
b é m é um a con stan te em sua o b ra , o d esejo lib e rta d o r de im agen s
aladas e in fin ita s ao lad o da co n sciên cia trágica d o p eso das p risõ es
e d os desejos carnais.
N as sexta, sétim a e oitava estrofes, o m esm o d esejo p o é ­
tic o -d a n ç a r in o g ilk ian o lem b ra u m can to ritm a d o q u e m arca o
com passo da lição n ietzsch ian a n o s seus can tos de lo u v o r à vida
e à sa b e d o ria .66 N o s passos de N ietzsch e, G ilk a can ta a p r ó p ria
fo rtu n a p o ética, m arcada p ela m usa d a n ça rin a , satânica e d ivin a,
além d o b e m e do m al. N esse can to de lo u v o r à m usa d a n çarin a
sob ren a tu ral e e m o cio n a l, a p o eta e n c o n tra a tra n sc e n d ê n c ia dos
lim ites das lin g u ag en s, p r o c la m a n d o -a n o s versos 4 6 e 4 7 "na D a n ­
ça a poesia dos gestos” , e "n o s versos a dança da Poesia” . A m u sa -d a n ça rin a
plasm ada na vid a carn al e esp iritu a l te rre n a d a n sin tersem io tiza a
p r ó p ria T erra , d a n çan d o seu grande gozo m aternal. O p o e m a -c o r p o -
d a n ç a rin o , em sua p ro je ç ã o id ealizad a p e la au to ra, faz sua p r ó p ria
ginástica, a p rep ara çã o física e e m o cio n a l para a dança, to rc en d o
e d esto rcen d o o ser flex u o so , trab a lh an d o os versos para os ritmos de
uma existência universa l.67 J á a n o n a estro fe estabelece co m a p rim e ira
um p a ralelism o circ u la r, m a rcan d o o re to r n o à sina p o ética de
um a m usa d a n ça rin a , sacerdotisa de u m deus m a io r, p e rso n ifica d a
p o r S alo m é , m as n ão a líric a assassina e sim a q u e dança n a n u d ez,
velada apenas p o r rend as tran sparen tes e fe m in in a s, sua verdade
p o ética, seu a m o r im o rta liz a d o . T o d a a cena revela-se n o te m p lo
pagão da n atu reza.
Esse p o em a , escrito em 19 2 2 , parece ser u m a descrição d e ­
talhada d o q u e será d ep o is tod a a carreira de E ro s V o lú sia , que
então te ria 8 an os de id ad e, co m o se G ilk a , em u m ato de p o d e r
p o ético v is io n á rio , fa la n d o de si m esm a, falasse da artista d a n ça ­
rin a q u e se d esen volveria p o ste rio rm e n te em sua filh a . O leg a ­
do de G ilk a para E ro s fo i a c o n stru çã o de u m a anted an ça p o ética
fu n d a d a n o gesto c ria d o r fe m in in o . E vocan d o a m usa d an çarin a
do b e m e d o m a l, tra ç o u o d estin o da filh a co m as palavras p r o fé ­
ticas de " C o m ig o m esm a” . E ro s, en ca rn a n d o essa m usa d an çarin a
do p o e m a g ilk ia n o , a S alo m é b ra sileira , co m o fic o u c o n h ec id a e
aclam ada em várias partes d o m u n d o ,68 im o rta liz o u n o s seus m o ­
vim en to s, nas suas ro u p a s u m a sen su alid ad e p r o fu n d a e exp ressi­
va, p o is, co m o ela m esm a d izia, sua lin g u ag em p o r excelên cia era
a d ança: "M eu s p e n sa m en to s m ais re c ô n d ito s, m eus sen tim en tos
m ais ín tim o s, sem p re en c o n tra ra m expressão n a d an ça” .69 A b a i­
larin a , d a n sin te rse m io tiza n d o a b ra silid a d e em seu c o rp o de m u ­
lh e r, to r n o u o gesto p o é tic o gilk ia n o realid ad e viva, e, p a rtin d o
desse im p u lso in ic ia l, tra ço u n o espaço evolu ções de u m a dança de
características m u ito pessoais e estilizadas.

L ic e n ç a p o é t ic a p a r a o o l h a r f e m in in o

Virá um dia em que será honrado o sexo

fem in in o: sobre as mulheres j á não pesará

uma fa m a injuriosa.70

G ilk a e E ro s são m u lh e re s q u e r o m p e r a m co m p a d rõ es
p ree sta b e le cid o s d o c o m p o rta m e n to fe m in in o , sen d o criad oras
de u m a expressão a ltam e n te in d iv id u a liz a d a e p o e tiz a d a . E m
certo se n tid o , elas c u m p rira m o q u e A r t h u r R im b a u d v a tic in o u ,
em carta a P au l D e m e n y , em 18 7 1, q u a n d o q u e s tio n a o p a p e l da
m u lh e r :

Existirão esses poetas! Q u a n d o a in fin ita servidão da


m u lh er fo r quebrada, q u an d o ela viver para ela e p o r
ela, o h o m em , — até então abom in ável, te n d o -a d is ­
p en sa d o , ela será p o eta , ela tam bém ! [ ...] E la e n ­
co n tra rá coisas estranhas, in son d áveis, repulsivas,
deliciosas: n ó s as reterem o s, n ós as c o m p r e e n d e r e ­
m o s.71

• 124 • Essa n ova m u lh e r p rec o n iza d a p o r R im b a u d e n c o n tra eco


n a p o eta e n a b a ila rin a a q u i tratadas. G ra n d e é a lib e rd a d e de e x ­
pressão d o sen tim en to fe m in in o em am bas as artistas, q u e m a n i­
festam em suas obras u m a sen su alid ad e in so n d á ve l, u m a lib e rd a d e
de esp írito en carn ad a em m ú scu los e palavras d o m a d o s p e lo es­
p írito p o é tic o . F o i ain d a Isad ora D u n c a n q u em a b riu ca m in h o
para a verd ad e fe m in in a em sua m e to d o lo g ia de d an ça in sp ira d a
n o m o v im e n to da n atu reza. Isad ora fala n o p re fá c io de M in h a vida
sobre a p o stu ra fe m in in a em sua época:

A in d a n ão h ou ve m u lh e r que dissesse to d a a verd ad e


sobre a sua vid a. A s a u to b io gra fia s da m a io r p a rte das
m u lh eres céleb res são u m a série de ep isó d io s da sua
existência ex te rio r, de p o rm e n o re s e a n ed o tas fú teis,
q u e nada d izem do q u e lh es fo i rea lm e n te a vid a.
E todas gu ardam u m silên cio estran h o q u a n to aos
seus grand es m o m en to s de alegria o u tristeza. M in h a
arte é precisam en te u m esfo rço para e x p rim ir em
gestos e m o vim en to s a verd ad e de m eu ser. E fo r a m -
m e p recisos lo n g o s anos para e n c o n tra r o m e n o r
gesto abso lu tam en te v e r d a d e ir o .72

A questão das vivências fem in in as, do o lh a r fe m in in o p rese n ­


te na p rod u ção artística das duas m u lheres analisadas neste trabalh o,
teve um a abord agem específica relacion ad a tam bém aos d e p o im e n ­
tos de ambas as artistas o u a críticas de jo rn a is, os quais cham aram a
atenção para esse aspecto cujos d esd obram entos são visíveis nas obras
estudadas. N o d eco rre r das pesquisas fo ram encontradas várias r e ­
ferências, tanto na ob ra de G ilka com o na de E ros, a respeito do
engajam ento nas questões fem inistas da época. E m entrevista c o n ­
cedida ao D iário da N o ite , G ilka M achado fala sobre suas im pressões das
m ulheres p o rten h as, que lh e p arecem m ais in teligen tes, m ais ativas
e mais sim páticas que os h o m en s. S egu n d o a poeta, que se considera
"insuspeita” para apreciar assim as m u lh eres de B u en os A ires "p o r
não ser fem in ista ” , "as m u lheres porten h as são as d om in ad oras da
sua cidade e a garantia m ais lin d a do seu fu tu r o ” .73
E m b o ra G ilk a M ach ad o se co n sid e re " n ã o -fe m in is ta ” , sua
p oesia de caráter ex trem am en te fe m in in o desde o in íc io p r o v o ­ • 125 '
cou p o lê m ica , m uitas vezes m o tiv an d o a in terven ção da artista. P or
ocasião d o la n ça m e n to de seu p r im e ir o livro de poem as Cristais p a r ­
tidos, G ilk a f o i m u ito criticad a . E m u m artigo p u b lica d o em 0 País,
n o d ia 13 de fe v e re iro de 19 16 , L ia de Santa G lara critica, n eg a ti­
vam en te, a o b ra da rec é m -e stre a n te n o m u n d o das letras:

[ ...] Se a arte fosse sim p lesm en te a ânsia de conter 0 in fin i­


to num a expressão, G ilk a M ach ad o te ria su b id o à c u lm i­
n â n cia da v itó ria . T o d a essa lita n ia de elo g io s, to d o
esse c o rte jo de aplausos, seria b e m cab id o e ju sto .
A arte, p o ré m , é m ais algu m a coisa; o seu fim deve
ser evan gelizar os p ovos, e r g u e n d o -o s nas asas es­
p le n d o ro sa s do a m o r p u r o até o in fin ito da ven tu ra.
D esd e qu e rasteje p ela b ru te za da m atéria, n ão é arte,
é d eca d ên cia. [ ...] " O b e ijo ” é u m la b irin to o n d e se
o u vem os ais frem en tes, co n fu so s e vo lu p tu o so s de
u m b a c a n a l.74

A n te a crítica m aliciosa, a po eta assim re sp o n d e u em carta


aberta p u b lica d a n o m esm o jo r n a l n o dia 16 de fev ereiro de 1916:

A g ra d e ç o , p o is, o q u an to a sua h á b il p e n a de e s c ri­


to r tra ç o u sob re os m eu s versos, ced o ao im p u lso
n atu ra l d os m eus sen tim en to s de m u lh e r e artista,
p ara to r n a r co m p reen síve l a V . S. o s e n tid o ló g ic o ,
in sofism ável, em qu e deve ser ju lg a d a u m a das p o e ­
sias a q u e se r e fe r iu n aq u ele a rtig o , e q u e te m o t it u ­
lo de " B e ijo ” . A n ã o c o n sid e ra r p e r fíd ia f o i de V . S.
u m e r ro , sensível a q u a lq u e r pessoa q u e te n h a lid o a
m e n cio n a d a p o esia , em qu e o b e ijo é d e sc rito sob o
p o n to de vista geral e n u n c a , tal a c o n c lu sã o da sua
crítica, em qu e o m anteve sob m a n eira p a rtic u la r,
ín tim a , p essoal. [ ...] Q u a n to ao m ais, a ce ito s ile n ­
cio sa m en te, m a n te n d o d e n tro do m ais alto re sp e ito
a lib e rd a d e dos ju lg a m e n to s. N ão p o d e ria , e n tr e ­
ta n to , esq u iv a r-m e a esta ex p licaçã o, q u a n d o te n h a
• 126 ■
V . S. ten ta d o em p an ar a m in h a m o ra l c o m u m a i n ­
te rp retaçã o erra d a . Estas lin h a s, fo r a da p r e o c u p a ­
ção vaidosa de traze r em p ú b lic o exp licações q u e m e
sabem resp e ito , são antes u m a n ecessid ad e a q u e m e
im p ô s o o rg u lh o da m in h a d ig n id a d e .75

E m o u tra o ca sião , n o la n ç a m e n to de seu te r c e ir o liv ro


M u lh er nua, em 1 9 2 2 , o u tra c rític a m u ito d u ra fo i fe ita à o b ra de
G ilk a p o r A u s tre g é s ilo de A th a y d e , p a ra q u e m n a o b ra da p o e ta ,
do p r im e ir o ao ú ltim o verso há u m a exp lo são d os s e n tim e n to s
in fe r io r e s .76
Esse o lh a r c rític o qu e ro tu la o texto gilk ia n o fe m in in o n o
sen tid o su p erficia l e im p e rfe ito é sem dúvida calcad o em u m a
m en talid ad e m ascu lin a to rtu o sa, p re d o m in a n te n a ép o ca. J á E ra s­
m o de R o terd ão ( 1 4 6 6 - 1 5 3 6 ) , em seu fam oso livro Elogio da loucura,
fala b e m desse c o n c e ito to rtu o so em relação à m u lh e r . N o liv ro ,
E rasm o de R o terd ão acusa a m u lh e r de ser a m a io r r e p re se n ta n ­
te da lo u c u r a .77 Para ele, a m u lh e r é u m a n im a l lo u c o c o m o n e ­
n h u m , inepto, ridículo, e que a u tilid a d e d o con vívio co m a m u lh e r é
a de "aten u ar a tristeza do en g e n h o v ir il co m a lo u c u ra fe m in in a ” .
A in d a n o m esm o texto, o a u to r in te rp re ta c o n cep çõ es p la tô n i­
cas sobre o assunto d izen d o : " Q u a n d o P latão p arece h esitar em
in clu ir a m u lh e r en tre os an im ais racio n a is, nada m ais p reten d e
do que in d ic a r a lo u c u ra in sig n e desse sexo” , e com pleta: " Q u a n ­
do p o r acaso u m a m u lh e r q u er passar p o r sábia, n ão faz m ais do
que d izer q u e é duas vezes lo u c a ” .78
P ara a so c ie d a d e da é p o c a , a p re se n ç a das m u lh e re s n a vid a
social, c u ltu r a l e a rtística em ig u a ld a d e de c o n d iç õ e s co m os h o ­
m ens a in d a e r a u m a n o v id a d e , m as j á servia de tem a p a ra d iscu ssões.
A c o n s c iê n c ia de q u e a m u lh e r havia sid o p o r m u ito te m p o p r e ­
ju d ic a d a em seus d ir e ito s em re la ç ã o aos p r iv ilé g io s n a tu r a l­
m en te c o n c e d id o s ao h o m e m a p a rece em vá rio s m o m e n to s nas
críticas e nas d iscu ssõ es a re sp e ito d os liv ro s de G ilk a M a c h a ­
d o . A d e lin o M agalh ães fala desse a sp e cto em sua c rític a a Cristais
partidos:

• 127 •
U m a o u tra ca ra cte rística p e rfe ita m e n te p e rc eb ív e l
n a p o e ta d os Cristais pa rtid os é a sua to r tu r a de m u lh e r ,
"a ca ch a p a d a m en te s e n h o r a ” , n o n osso m e io social!
E u m a das palavras m ais d ia b o lic a m e n te p é rfid a s,
n o B ra sil, esta palavra sen h o ra ! H á em quase tod o s
os verso s de G ilk a u m g r ito de p r is io n e ir a : m as f e ­
liz m e n te , há n e le s ta m b é m — p o r q u e n ão d iz ê - lo
— essa b o n d a d e in fin ita , g ló r ia m a io r de n ossa te rra ,
q u e é o co ra ç ã o da m u lh e r b ra sile ira . A cada verso
se vê u m eco desses, c o m o se a p o e ta fosse o f u lg u ­
ra n te L e a d e r - A z u l de tod as as suas co m p a n h eira s!
E a p o e ta p a ra re p re se n tá -la s ao c o m p le to , n o b r e ,
s u p e rfin a de b o a g ra n d eza , n o s d iz q u e p r e fe r ir ia
ve r seu filh o " s o fr e d o r c o m o C r is to , a s a b ê -lo na
vid a u m m a u , u m v il, u m J u d a s !” S im p le sm e n te S u ­
b lim e ! E dá v o n ta d e à g e n te d e, em fe c h a n d o esse
m a g n ífic o liv ro d os Cristais p a r tid o s, exclam ar: — H o ­
sana! H o san a! A G ilk a ... p o eta pagã q u e co n v e rso u
c o m J e s u s !.. . 79

Nessas críticas, p o d e -s e observar a visão do p apel fe m in i­


n o n a ép o ca. N elas p e rc e b e -se o co n s tra n g im en to dos te ó rico s, os
quais n ão achavam a o b ra da p o eta "d e to d o r u im ” , mas abism ados
com sua verve eró tica , n ão co n segu ia m e n q u a d rá -la n a p o siçã o de
"E scu lto ra da B eleza M o ra l” , co m o ap o n ta d a n a crítica a b a ix o :

A jo v e m po eta dos Cristais partidos p o ssu i ta len to n ão


co m u m ; mas p resu m im o s q u e eles n ão fo r m a m u m
livro in teg ra lm e n te p e rfe ito , p o rq u e há, em algxins
trabalh os seus, term o s ásperos e de u m R e alism o cru
a Z o la e a E ça de Q u e ir o z . S im p les im p ressio n ista ,
co m en tu siasm o e reverên cia, ju lg a m o s im p r ó p r io s
aos p oem as e aos son etos os te rm o s — sapos dos meus s o ­
nhos; perfum e meloso; da esclerótica sobre o lím pido brancor; da

volúpia a ascosa e fr ia lesma; ...repugnante baba; gata errando em

seu eterno cio etc. A in d a p en sam os q u e a arte, c o m as e x i­


gências da sua sen sib ilid a d e e p u reza, exija a e lim i­
• 128 • nação do son eto — " S e n su a l” — estam pado n a p ág in a
41 dos Cristais; p o rq u e ele é u m a excrescên cia en tre as
m uitas págin as fo rm o sa s q u e o liv ro tem . F in a lm en te
acham os estranh ável q u e a nossa p o eta , na "A n sia de
a zu l” d ep rim a a c o n d iç ã o da M u lh e r, exclam an d o:
A i ! A n tes pedra ser, inseto, verme ou p la n ta , do que existir trazendo

a fo rm a da M ulher! N ão! Passou o te m p o em q u e a M u ­


lh e r era co n sid era d a u m ser ab jeto , a q u e a trib u íam
alm a d ife re n te da que o h o m e m te m !... D e h á m u ito
q ue ela está d ig n ifica d a co m a m issão d ivin a de — E s­
c u lto ra da B eleza m o ra l — na vid a social, n o la r, na
arte e n a c iên cia [...].80

M uitas críticas legitim avam a ob ra gilkian a, co m p a ra n d o -a à


p ro d u ç ã o d o p o eta , n o sen tid o do o lh a r m a scu lin o . P o d e -se o b ­
servar esse fato n os seguintes fragm en tos:

D e J osé O itic ic a :

U m am igo m eu , a q u em m o strei o liv ro , disse d ep o is


de le r algum as poesias: "Esses versos n ã o fo ra m feito s
p o r essa m oça; isso é verso de h o m e m ” . Essa frase
caracteriza b e m , na sua ru d eza, a p o esia de G ilk a M a ­
chad o — é u m a p o esia m á scu la.81
D e Jaym e G u im arães:

Cristais partidos, liv ro escrito p o r u m a m u lh e r, n ão tem


n o c o n ju n to elevado e h a rm o n io so as rugas, as fr a ­
quezas a trib u íd as ao esp írito fe m in in o . [ ...] n ão fo s ­
se, lo g o às p rim e ira s págin as, a im agem sed u tora da
p o eta , eu ju r a r ia estar le n d o livro de u m h o m e m de
rara em o tivid ad e, de em o tivid ad e com u n icativa, que
faz p a rar o esp írito para m e d ita r.82

D e M ax V asco n cello s:

N ad a p re te n d e m o s acrescen tar a seu respeito q u e lh e


a u m en te a fam a o u acen tu e a gran d eza o u o b rilh o
d os versos; c o n te n ta m o -n o s , apenas, co m d izer que • 129 •
o ju lg a m o s, em to d o s os sen tid os, u m dos m ais b elos
livro s de p o esia até h o je ap arecid os n o B rasil e r e p u ­
tam os a sua a u tora capaz de o m b re a r co m q u alq u er
d os n ossos m aio res p o e ta s.83

D e C ry sa n th èm e:

O s h o m en s de talen to devem ter sen tid o, na autora


dos Cristais partidos, u m a êm u la e um a rival, com mais
a p erfeiçã o absoluta que, em geral, as m u lh eres dão
àq u ilo que elas fazem co n ju n ta m en te com o sexo f o r ­
te. Tod as as m ulheres que pensam e que refletem o que
pen sam devem le r a esp lên did a e verdadeira poesia de
G ilka M a ch ad o .84

D e G o n d in da Fonseca:

E m q u e pese p o ré m a tão sed u to r co n c e ito para o se­


g u n d o sexo, — a m u lh e r n ão p o ssu i, sob re o h o m e m ,
n e m a su p rem acia da b eleza n em (m u ito m en os) a
da in te lig ê n c ia . A s suas lin h a s físicas são e m o lie n ­
tes, im p u ras, — e a visão do seu in telecto atin ge na
m a io ria d os casos a m ó d ica extensão de u m p a lm o .
[ ...] A s m u lh eres q u e ultrapassam o estalão co m u m
do seu sexo vão gera lm en te, co m o p ro c la m a N ie tz s­
che, além do n ível a que a in te lig ê n c ia n o rm a l dos
h o m en s p o d e ch egar. [ ...] C ria tu r a s u p e rio r, ex c e p ­
cio n a lm en te su p e rio r G ilk a tin h a de escan d alizar — e
escan d alizo u —, q u an d o aos 17 anos d eu p u b licid a d e
ao seu p r im e ir o livro de versos Cristais pa rtid os. [ ...]
G ilk a M achado p o d e ser co n sid era d a, n ão só a p r i ­
m eira p o eta , mas tam bém o p r im e ir o p o eta d o B rasil
c o n te m p o râ n e o .85

D e F áb io L u iz:

T o d a a su p e rio rid a d e artística está p recisa m en te na


• 130 • excessiva vib ra tilid ad e de seus n ervos fe m in in o s , na
vo lú p ia que canta estuante em cada estro fe, n a v e r ­
dade co m qu e exp õe sua alm a, suas aspirações seus
desesperos, n a sin ce rid ad e co m q u e faz de sua d o r,
trech os de p oem as, sem nada o c u lta r, sem fin g ir
p iegu ices m u lh eris, v o lta n d o -s e c o n tra a p assivida­
de que lh e im p õ e o a cid en te de te r n ascid o m u lh e r,
acred ita n d o que esse acid en te seja u m a s u p e r io r id a ­
de em si m esm o, d o cu m en tad a p e lo b r ilh o e pelas
sutilezas de sen tir e de e x p rim ir o p e n sa m en to que
as m u lh eres dão às suas obras de arte, q u a n d o , co m o
G ilk a M ach ad o , en c o n tra m na verd ad e e n o a m o r as
bases da sua a rte .86

D e P ovin a C avalcânti:

O h isto ria d o r q u e fiz e r a análise da situação da


po esia b ra sileira , n a segu n da d écada deste sécu lo,
verá qu e os Cristais partidos de G ilk a M a ch ad o , p u b li­
cados em 1915* assinalaram a p rese n ça de u m gra n d e
p o eta. C re sce u de im p o rtâ n c ia a qu ele a c o n te c im e n ­
to lite rá rio p ela e x tra o rd in á ria fo rça c ria d o ra dos
seus cantos, m isto da flam a e ró tic a de O la v o B ila c e
do subjetivism o lír ic o de H e rm e s F o n te s .87
E m todas essas críticas, p e rceb e-se a necessidade de ju s tifi­
car a "b o a ” poesia de G ilka M achado com o p ro d u to de u m fazer
"poeta” , n o sen tid o m ascu lin o do term o, co m o se o fazer po ético
do p o n to de vista fe m in in o tivesse m é rito artístico in fe r io r . G ilka
M achado ro m p e co m os " g r ilh õ e s ” da socied ad e q u an d o n os
seus p o em as e ró tic o s dá asas a to d o s os seus desejos fe m in in o s .
E m ostra a c o n sciên c ia do trágico n o d estin o fe m in in o , co m o n e s­
te frag m en to d o p o em a " S e r m u lh e r ” , de Cristais partidos: /S erm u lher,
desejar outra alma p u ra e a la d a /p a ra p oder, com ela, o infinito transpor;/ sentir a

vida triste, insípida, isolad a,/b u sca r um com panheiro e encontrar um senhor . . ./ .88

T o d a essa e x p eriê n cia co m os p receito s sociais em que não


enquadravam a o b ra de G ilka , co m o fo i am p lam en te ve rifica d o
nas críticas de sua o b ra , in flu e n c io u a m en ta lid a d e fe m in in a de
Eros, que n ão se casou p o r segu ir os con selh os da m ãe: "E la dizia • 131 •
que se eu m e casasse, vira ria escrava” .89 A b a ila rin a teve p r e te n ­
dentes, m as eles q u eria m que ela parasse de d an çar, e ela o p to u
p o r fic a r co m a dança.
E m u m a rtig o p u b lica d o n o Ultima H ora, em I 955 >cuj ° títu lo
era " A m u lh e r a ju d a a resolver os p ro b lem a s que o h o m e m c r io u ” ,
Eros V o lú sia dá sua visão da relação h o m e m /m u lh e r. A b a ila rin a
deu as segu in tes d e c la ra ç ã o :

A m u lh e r ajud a quase sem p re o h o m e m a resolver


os p ro b lem a s que ele cria . M as, na m a io ria das v e ­
zes, estes p ro b lem a s são m otivad os p o r ela. E quantas
vezes a m u lh e r resolve u m p ro b le m a que o h o m e m
c r io u co m o u tra m u lh e r ? Se p ro c u ra rm o s as origen s
d os p ro b lem a s criad os p e lo h o m e m , vam os e n c o n ­
trar fa ta lm e n te o estím u lo de u m a m u lh e r. Penso
q u e o h o m e m n u n c a se sen tiu tão incapaz, em face
dos p ro b lem a s, co m o a tu alm en te. Isto m e parece
p r o d u to da m á ed u cação m o ra l qu e a m u lh e r vem
d a n d o ao h o m e m , p e lo a b a n d o n o em que o m esm o
vem sen d o c r ia d o .90

P o d e -s e ob serva r assim , ta n to n o c o m p o rta m e n to de G ilk a


M a ch ad o q u a n to no de E ro s V o lú sia , o e n v o lv im e n to em
questões q u e d izem resp e ito à c o n d iç ã o fe m in in a . M as esse e n ­
v o lv im e n to n ão é u m fe m in is m o p o litiz a d o e in te n s o n o sen tid o
da ig u a ld ad e de am bos os sexos, m as n o se n tid o da d e n ú n c ia de
u m n o vo p o n to de vista n a cria çã o p o é tic a : o p o n to de vista es­
té tico fe m in in o , q u e m arca a exp ressão de u m a fo r ç a g ra n d io sa
e p o d e ro sa n o se n tid o da lib e rd a d e n a cria çã o e n a revelação da
b e le z a ,91 m as r e c o n h e c e a r e sp o n sa b ilid a d e ética em re la ç ã o a essa
cria çã o .
P o rta n to , esse n ovo p o n to de vista, q u e é rea liza d o p ela m e ­
to d o lo g ia do d a n ça rin o , o u seja, a dança c o m o m e io de tra n s­
cen d ên cia e revelação do u n iv erso da m u lh e r n a o b ra de am bas as
artistas, busca m a terializar a b eleza laten te nas ex p eriê n cias u n i ­
versais fem in in a s da criação p o ética. E m tod a a p ro d u ç ã o artística
• 132 • da po eta e da b aila rin a , a en ergia am oro sa é criativa e n u n c a esteve
re la c io n a d a ao e ro tism o p o r ele m esm o e sim v in c u la d a às e x p e ­
riê n cias m ísticas na realização da ob ra.

A D A N Ç A DE E R O S: R ITM O FE M IN IN O N A PO E SIA

O " s ilê n c io ” m uitas vezes aparece na p o esia g ilk ian a co m o


o instan te ve rd a d eiro e ú n ic o de expressão da alm a fêm ea. S e g u n ­
do L ú cia Santaella, o silên cio evid en cia o sen tid o e ró tic o em qu e,
"nesse lim ite do nada, a lin g u ag em e n c o n tra sua m ais p e rfe ita c o r ­
resp o n d ên cia, p re n h e de sinais e de ru m o re s vitais” .92
Para L ú cia S an ta ella, a lin g u a g e m e r ó tic a r e m e te ao sis­
tem a de p e n sa m e n to o r ie n ta l "q u e vê n a im a g e m d o c o rp o a
im ag em do m u n d o ” .93 D essa p e rsp ectiva , a n a tu reza é e ro tiza d a
n o m o v im e n to ca ra cte rístico de seus e le m e n to s te rra , a r, fo g o e
água. S an taella ob serva a sen su a lid a d e p re se n te " n o vaivém das
vagas q u e, u m as nas o u tra s, se p e n e tra m e se p e r d e m ” , o u ain d a
as "c o n fig u ra ç õ e s d elicad a s de u m cau le q u e sin u o sa m e n te se e n ­
verga sob a pressão da b ris a ” , c o m p o n d o , seg u n d o sua a n á lise, a
" lin g u a g e m d o m o v im e n to v iv o ” o u , em o u tra s palavras, "a vida
d o r e in o vegetal se e ste n d e n d o p ara d e n tr o d o r e in o a n im a l, m a ­
n ife s ta n d o -s e n o s aspectos m ais sed u to re s e s u r p r e e n d e n te s dos
c o rp o s sex u a d o s” .
A ob ra de G ilk a e E ro s está p re n h e dessas im agens ero tiza -
das da n atureza, p ro d u zid a s n o r e c ô n d ito do silên cio fe m in in o .
0 m ovim ento da n atureza é su b lim a d o esp iritu a lm en te p elo do
gesto d ançad o, co m o fica evid en te n o p o em a "Im p ressões do ge s­
to” , ded icad o "a u m a b a ila d e ira ” , do livro M ulh er nua.

1 — A tua dança indefinida,

2 — que me retém extática, surpresa,


3 — guarda em si resumida

4 ~ a harmonia orquestral da natureza,

5 — a euritmia da Vida.

6 — D a n ça s...
7 — Teus lentos • 133 •
8 — movimentos

9 — lem b ra m -me o despertar preguiçoso das franças


1 0 — à carícia dos ventos.

11 — D a n ça s...
12 — Teu corpo tem
1 3 — todas as nuanças

1 4 — da onda que vai e vem ...

15 — D a n ça s... E um movimento ininterrupto e insano


1 6 — p õ e no teu ser divinam ente humano

1 7 — palpitações de oceano.

18 — Danças... N a s atitudes que ora assumes,


1 9 — a tua fo rm a delicada, esguia,

2 0 — sobe, espirala, rodopia,


21 — e se estira... E desliza...
22 — Fica entre 0 olfato e 0 olhar
2 3 — a minha sensação que se torna imprecisa,

2 4 — pois, ou teu corpo ora se vaporiza

2 5 — ou com certezff todos os perfum es

2 6 — nele se vieram corporificar.

27 — Danfas... Ligeira com o te aprumas.


2 8 — C om o te elevas das coisas rasas,

2 9 - T e u ser enfeixa nivosasplum as,

3 0 — Teu frág il ser é uma saudade de asas.

3 1 — Danças e cuido que estejas voando,

3 2 — po is toda em vôos te transfiguras,

3 3 — teus membros lembram aves em bando

3 4 — no anseio das alturas.

3 5 — D a n ça s... Teus gestos são carícias mansas,

3 6 — a tua dança é um tateio vago,

3 7 — é o próprio tato dedilhado

3 8 — as m elodias do afago...

• 134 •
3 9 — Danças, e fic o , a quando e quando,

40 — presa de gozo singular;


4 1 — e sonho que me estás acariciando,

4 2 — e sinto em todo 0 corpo 0 teu gesto passar.

4 3 — D a n ça s... Teu ser é a imagem da Harm onia,

4 4 — acorda nele, para meus sentidos,

4 5 ~ a o lma de todos os ruídos.

4 6 — D a n ça s... E enquanto o meu olhar te espia,

4 7 — ouvem os meus ouvidos

4 8 — uma nova, uma estranha sinfon ia ...

4 9 — O ra encolhendo, ora alongando os braços,

5 0 — da tua própria carnação arrancas

5 1 — maviosidades brancas

5 2 — musicando o silêncio dos espaços.

5 3 — D a n ça s... E toda te espreguiças,

5 4 — e vais fica n d o p a ra d a ...

5 5 ~ N ã o se movem teus membros, mas, em cada

5 6 — linha, tens atitudes movediças;

5 7 — teu corpo é a dança marmorizada;

5 8 — quando 0 quedas assim, p o r um momento,

5 9 — observa nele meu olhar atento


6 o — das curvas o bailado.

6 1 — Danças, os membros novamente agitas,

6 2 ~ todo teu ser p a r ece-m e tomado

6 3 — p o r convulsões de dores infinitas...

6 4 — E desse trágico crescendo

65 ~ de gestos que enchem 0 silêncio de ais,


6 6 — vais

6 ? — smorzando, descendo,

6 8 — com o que p o r encanto,

6 9 — presa de um místico quebranto...

J O — D anças e cuido estar em ti me vendo.

71 — O s teus m eneios • 135 '


7 2 — são

73 — cheios
7 4 ~ dos meus anseios;

7 5 - a tua dança é a exteriorização

76 — de tudo quanto sinto:


7 7 — minha imaginação

7 8 — e meu instinto

7 9 — m ovem -se nela alternadamente;

8 0 — m inha volúpia, v e jo -a torça, no ar,

8 1 — quando teu corpo lânguido, indolente,

8 2 — sensibiliza a quitação do ambiente,

8 3 — ora a crescer, ora a minguar

8 4 — num aflexuosidade de serpente

8 5 — a s e enroscar

8 6 — e a se desenroscar.

8 7 — Em tua dança agitada ou calma,

8 8 — de adejos cheia e cheia de elastérios,

8 9 — m aterializa-se minha alma,

9 0 — po is nos teus membros leves, quase etéreos,

9 1 — eu contem plo os meus gestos interiores,

9 2 — m eusprazeres, meus tédios, minhas dores!

9 3 — N ã o dances mais, que importa, ó bailadeira linda!


94 — -A tua dança para mim é infinda,
95 — v ejo -m e nela, ten h o -a dentro em mim,
9 6 — constantemente assim!

9 7 — N o s meus gestos retidos vive presa

9 8 — com o na tua dança extraordinária,

9 9 — toda a expressão m últipla e vária

1 0 0 — da N atureza.

1 0 1 — N o mais alto prazer, no mais fu n d o pesar,

10 2 — ativa esteja, esteja embora langue,


1 0 3 — ten h o -te na loucura do meu sangue

1 0 4 — para o Bem , para 0 M al, a bailar, a baila r!.. ,94

• 136 • Esse p o em a de G ilk a é m ais u m a d eclaração evid en te d o seu


en can ta m en to e do seu e n c o n tro p o é tic o n o fazer e na p rá tica da
dança. O p o em a n arra a visão de u m a d ança p r o fu n d a m e n te v in ­
culada aos ritm o s da n atu reza. D iv id id o em sete estro fes, sen d o a
segun da, a te rc eira e a q u arta su b d ivid id as p o r sin ais de pausas,
as reticên cias, recu rso am p lam en te u tiliza d o n o p o em a " O u v in d o
u m solo de v io lo n c e lo ” , analisado a n te rio r m e n te . M as as r e tic ê n ­
cias utilizad as nas segun da, te rceira e qu arta estro fes de " Im p re s ­
sões d o g e sto ” n ão são, co m o n o p o em a a n te rio r m e n te estu d ad o,
u m recu rso so n o ro m u sical. A q u i elas m arcam o r itm o c o rp o r a l
p r o p ria m e n te d ito , as variações m usicais co m qu e é rea liza d o o
gesto da n atu reza que d ança na b a ila rin a observada.
G ilka M achado descreve a dança p ro fu n d am en te m arcada
pelo gesto isadoriano, na m edida em que o p o n to central do p o e ­
ma, ou seja, a dança inspirada nos elem entos da natureza era um a
prática fundam ental da bailarina am ericana. S egu nd o E ros V olúsia,
G ilka M achado teve o privilégio de assistir a Isadora dançar e sem pre
lhe falava e descrevia suas danças, tend o até m esm o dedicado à grande
precursora da dança m od ern a vários poem as.95 P od e-se in fe rir, pela
data de publicação de "Im pressões do gesto” , que G ilka p o d ia tê -lo
escrito inspirada em suas lem branças das danças de Isadora, p r o je ­
tando essas visões para si m esm a ou para sua filh a Eros, que, criança
ainda, já mostrava o frescor e a vivacidade de suas tendências para a
arte da dança.
S a b e-se que Isad ora D u n c a n esteve n o B rasil em 1916 , de 24
a 30 de agosto, fa zen d o apresen tações n o R io de J a n e iro e em São
Paulo. S eg u n d o E d u a rd o S u cen a, o p ú b lic o b ra sileiro aclam ou a
arte de Isad ora, saben d o a p re c iá -la co rretam en te , e as a p resen ta­
ções da g ra n d e artista da d ança fo ra m m u ito aplau d id as e m arcadas
p o r p e d id o s de " b is ” , ao q u e a d a n çarin a a m erican a a ten d ia p r o n ­
tam ente. J o rn a is da ép o ca registraram o even to:

[ ...] O p ú b lic o do R io c o m p re e n d e u a evangelista


da b eleza. O n d e o u tro s viram a cab o tin a n ev ró p a -
ta, a in c en tiv a d o ra lú b ric a e pagã dos desejos, ele viu
a id ea liza d o ra d o c o rp o h u m a n o , a tran sfigu ra d o ra
da rea lid a d e — a D e u s a .96 [ ...] T o d a a ob ra m aravi­
lh osa de Isad ora n ão se p o d e rá tran sm itir às futuras •137-
gerações; é u m dever sagrado dos artistas de te n ta ­
rem p e rp e tu á -la n o p o em a , na tela, n o m á rm o re. A s
estátuas d esceram d os pedestais e, através d o g ê n io
de Isad ora, n o s vêm revelar, pelas suas atitudes, u m
m u n d o n o vo de b eleza. A m ú sica era a arte de m a io r
cap acid ad e de expressão, Isadora fê - la plástica, capaz
de n os revelar im agen s visu ais.97

A ssim , o p o em a "Im p ressões do gesto ” parece o registro da


p o eta das im pressões p ro fu n d as e das lições dessa dança dionisíaca
da lin h a expressiva isa d o ria n a , em qu e d an çam os ritm os da n a tu ­
reza e o n d e a m úsica dança em im agen s c in é tic o -visu ais. N a p r i ­
m eira estro fe, a a u to ra declara o elevado grau de m agn etism o da
d ança observada, q u e a retém extática n a observação da p ró p ria
euritmia da vida. Essa observação gilk ian a da regu la rid a d e rítm ica da
vid a em seu p o em a , o u seja, a euritm ia ,98 tam bém p o d e sig n ifica r
(além d os estud os de R u d o lf S te in e r sobre o tem a, citados a n te ­
r io rm e n te ) u m a té cn ica c o rp o ra l d esenvolvida p o r J a q u e s -D a lc r o -
ze, n o in íc io d o sécu lo X X , m ú sico e p ed ag o go su íço, cu jo m étod o
b u sca um a ed u cação p s ic o m o to ra em que o d esen volvim en to do
sen tid o m u sical en volve to d o o ser (sen sib ilid ad e, in telig ên cia e
c o r p o ). P o d e -se p e rc e b e r o sen tid o co rp o ral/m u sical da e u r it­
m ia n o p o em a , q u a n d o o c o rp o , co m o n a té cn ica supracitada, é o
instrum ento de passagem ob rigatório en tre pensam ento e música;
" O p e n sa m en to só p o d e cap tar o r itm o se ele f o r d ita d o p elo
m o v im e n to ” .99 A ssim , a p a r tir d os p r ó x im o s verso s, da segu n da,
da te rc e ira e da q u arta estro fes, p o n tu a d a s pelas retic ên cia s nos
versos 6 , II, 14 , 15, 18, 21, 35 . 4 3 . 4 6 , 4 8 , 53 - 54 . 6 3 e 6 9 e
das pausas reticen tes en tre os versos 1 0 - 1 1 ,1 7 - 1 8 , 2 6 - 2 7 . 3 4 “ 35.
42-43> 5 2 - 5 3 . 6 0 - 6 1 , qu e m arcam o r itm o das ev o lu çõ es c o r ­
p o ra is, c o m p õ e -s e o n ú c le o cen tra l d o p o e m a m a rcad o p o r essa
m e to d o lo g ia c o rp o ra l/ m u sic a l de u m a d a n sin te rse m io tiz a ç ã o dos
elem e n to s da n atu reza , n o m o m e n to da d escriçã o das evolu ções
da b a ila d e ira . A a u to ra observa aí a d ança das carícias dos ventos, das
on d as do o c e a n o , d o vô o de aves em b a n d o , re a liz a n d o , n o m ister
p o é tic o , as ações c o rp o ra is da b a ila rin a em ações de su b ir, esp ira -
• 138 • lar, r o d o p ia r , estira r, d eslizar, em crescendos e sm orzandos100 c o r p o ­
rais. Essas ações d esp ertam os o u tro s sen tid o s e o u tras sensações
na au to ra. N a q u in ta estro fe, há u m a reflex ã o p r o fu n d a da p o eta
sob re o im p a cto dessa d ança, q u e e x te rio riza to d o o seu ser, q u e é
o esp elh o de seus gestos in te r io re s , de seus se n tim e n to s . A s sexta e
sétim a estro fes d esen volvem a con statação de q u e a d an ça já a c o n ­
te ce u e q u e resto u a co m p reen sã o na sensação c o rp o r a l de com o
fo i tra n sfo rm a d o ra e q u e n ão acabará m ais, p o r ser ela a d an ça da
p r ó p r ia vid a, q u e é c o n tín u a , e q u e se ren o va sem p re d a n ç a n d o .
A p o e ta fu n d e -s e , en tã o , à p r ó p r ia b a ila d e ira , q u e estará agora
n o seu sangu e, p ela su spen são c o n tín u a e in fin ita das reticên cia s:
para o B em , para o M a l, a bailar, a b aila r!.. . wl

Esse tem p o circu la r e h ip n ó tic o , m arcad o p e la d an ça da n a ­


tureza n os gestos da b aila d e ira im pressa para sem p re n o sangue de
G ilka , tam bém lem b ra a d ança de S h iva ,102 q u e, seg u n d o A n a n d a
G oom arasw am y, em sua característica essen cial, te m três aspectos:
a im agem do seu jo g o rítm ic o é a fo n te de to d o o m o v im e n to n o
cosm o e vem rep resen tad o p e lo a rco; o p r o p ó s ito de sua d ança é
o fe re ce r a lib e rta ção das artim an h as da ilu são às in u m e rá ve is almas
dos h o m en s; e o lu g a r dessa d ança, Cidam baram , o c e n tro d o u n i ­
verso, está n o c o ra ç ã o .103 C o n se q ü e n te m e n te , a d ança g ilk ian a não
é h ip n ó tic a para o e n to rp e c im e n to d os sen tid o s, mas p ara a lib e ­
ração, para a in ten sifica çã o da c o n sciên c ia p r o fu n d a da r e a lid a ­
de plasm ada na n atu reza revelada p e lo esp írito p o é tic o . T o d o esse
gesto da d ança un iversal está n a " lo u c u ra d o san gu e” , n o coração
da poeta assim co m o na d ança de Shiva.

A n d ra d e M u ricy destaca, co m sen sib ilid ad e, alguns


aspectos fu n d a m en ta is na po esia gilk ian a, a p o n ta n d o
0 q u e ele d e n o m in o u de "p a n sen su alid ad e” tátil, v i­
sual e de to d o s os sen tid o s na ob ra da po eta que tin h a
a "alm a irm ã d o c o r p o ” .104

A p oesia de G ilk a M achado canta as form as da natureza, fa ­


lando p r o fu n d a m e n te das im pressões d o gesto p o é tic o , qu e tra n s­
põe as lim itaçõ e s de g ê n e ro s sexuais n o cu lto b u c ó lic o ero tiza d o ,
com o p o d e ser observad o n o p o em a "E n a m o ra d as” , do livro S u ­
blimação: • 139-

1 — A natureza me ama, a natureza


2 — me procura e me atrai,
3 — escuto o apelo
4 — de seus m últiplos lábios de corola,
5 — sua boca de flo r , cheirosa e fresca,
6 — em briaga-m e a audição
7 — com a form osura
8 — das líricas palavras que profere

$ — à abismal profundeza de mim mesma.

10 — D esejo de migração
11 — dos elem entos vitais
12 — às fo n tes primitivas;
1 3 — ânsia de desagregamento

14 — dos átomos
1 5 — pela atração irresistível das origens...

1 6 — D iante da natureza,

1 7 — assisto àfu ga

1 8 — de toda eu para ela:

19 — sinto que o azul me absorve,


2 0 — que a água tem sede de mim,
21 — que a terra de mim tem fo m e,
2 2 — e p a iro , edoplásm ica, desfeita

2 3 — em ar,

2 4 — em águo,

25 ~ em p ó ,
2 6 — misturada com as coisas,

2 7 ~ integrada no infinito.

2 8 — N atureza

2 9 — pa lpita em nossas células

3 0 — o mutualism o de nossas vidas;

3 1 — cantas nos meus versos;

3 2 — vegeto nos teus cernes;

3 3 — quando nos defrontamos,

• 140 • 3 4 ~ um milagroso mimetismo

3 5 — nos unifica:

3 6 — cascateio com as ninfas,

3 7 — vôo com os pássaros,

3 8 — espiralo com os perfumes,


3 9 — marejo com as ondas,

4 0 — medito com as montanhas

4 1 — e esp ojo -m e com as bestas.

4 2 — N atureza sempre nova,

4 3 ~ q ue extraordinária simbiose

4 4 ~ entre meu sonho e teus verdes!

4 5 - A m o - t e como me amas;

4 6 — minha v o z é 0 clarim

4 7 - d e tua form osura;

4 8 — só tu sabes chegar à minha carne

4 9 — p elos cam inhos secretos

5 0 — de minha alma;

5 1 — só tu me possuis inteira.

5 2 — Q u e me valeria a existência

5 3 — s^m os imortais momentos

5 4 ~ em q ue confundim os os seres,
5 5 — em que rolamos p e lo infinito
5 6 — loucas de liberdade,
5 7 — num longo enleio
5<§ — de fêm eas
59 — en a m o ra d a s?!.. . IOS

N esse p o em a , p e rc e b e -se a gra n d e e p r o fu n d a in tegração


do ser p o é tic o g ilk ia n o co m a n atu reza n os seus elem en to s a lq u í-
m icos da te rra, do ar e da água. A tran sm u tação e a sim b iose são
idílicas e in fin ita s, co m o se vê n os versos 57- 5^. 5 9 : /num longo
enleio/ de fêm ea s /en am oradas/ , m o stra n d o n a a n d ro g in ia a "d u p la a n ­
tena, as p ro fu n d e za s d o p r ó p r io in c o n sc ie n te ” da p o eta . S eg u n d o
G aston B a ch ela rd "q u a n to m ais se desce nas p ro fu n d eza s do ser f a ­
lante, m ais sim p lesm en te a a lterid a d e de to d o ser falan te se designa • 14.1 •

com o a a lterid a d e d o m a scu lin o e d o f e m in in o ” .106 R evela-se aqu i


um a visão da m a scu lin id a d e n ão exp lícita na ob ra g ilk ia n a ,107 e a
p r o fu n d id a d e das im agen s p o éticas relacion ad as à n atu reza. T as-
so da S ilv eira escreveu u m p o e m a d ed icad o a G ilk a M achad o em
que revela sua p e rcep çã o p r o fu n d a da floresta da alma gilkian a, com o
p o d e ser ob servad o n o segu in te frag m en to :

1 — O s homens pararam atônitos

2 — A n te a floresta

3 — D a tua alma.

4 — E ficaram a ouvir de longe

5— 0 prodigioso murmúrio

6 — Das voz.es milenárias.

7 — E fica ram a olhar de longe

8 — 0 vivo milagre da beleza

9 — D as fro n d es altas
1 0 — E adivinhando, temerosos,

1 1 — Sob 0 esplendor magnífico,

1 2 — Paludesferm entantes,

1 3 — Emanações de águas paradas,


1 4 — Som bras letais de mancenilhas, [ . . . ] loS
A s im agen s eróticas de u m c o rp o h o lís tic o to r n a d o c o r p o -
p o em a, co m o aparece na p ercep çã o de Tasso da S ilv eira sob re a
ob ra de G ilk a , é a tran scen d ê n cia da p r ó p r ia sexu alid ad e c o r p o r ifi-
cada na n atureza. Existe u m a gra n d e m u ltip lic id a d e e va ried ad e de
con sciên cia e abordagem do co rp o na arte, desde u m a com p reen são
do c o rp o h o lístic o , a q u i tratado n o u n iv erso g ilk ia n o , ao c o rp o
virtu al, glo b a liza d o , e n te n d id o e esten d id o nas suas p o ssib ilid ad e s
de m o v im e n to p rojetad as n a tela d o c o m p u ta d o r ,109 a u m a m ú lti­
pla id en tid a d e d o c o r p o .110 O s recu rso s gilk ian o s e vo lu sia n o s se­
gu em essa te n d ên cia de m u ltip licação da im ag em c o r p o r a l,111 n o
con tex to de u m a ren ovação estética sob o o lh a r fe m in in o — G ilk a
nas suas várias abord agen s do c o rp o , na criação d o seu u n iv erso
p o é tic o , e E ros nas h ib rid iza çõ e s estilizadas de m o v im e n to c o r p o -
• 142 • ral (questão que será tratada n o item "P o esia e tra n se ” ) co m o p o d e
ser observado n o p o em a " E s b o ç o ” , do liv ro Sublim ação:

1 — Teus lábios inquietos

2 — p elo meu corpo

2 — acendiam astros...

4 — E n o corpo da mata

5 — os pirilam pos,
6 — de quando em quando,

7 — insinuavam
8 — fosforescentes carícias...

g — E o corpo do silêncio estremecia,

1 0 — chocalhava,

1 1 — com os guizos

1 2 — do cr i-c r i osculante

1 2 — dosgrilos que imitavam

1 4 — a música de tua b oca...

1 5 — E n o corpo da noite

1 6 — as estrelas cantavam

1 7 — Com a voz trêm ula e rútila

1 8 — D e teus beijos ...118

A s im agens do c o rp o e da d ança ed ific a m o u n iv erso p o é tic o


gilkiano em "Bailado das on d as” , do livro Cristaispartidos. O equivalente
na p in tu ra sim b o lista para esse q u ad ro p o é tic o gilk ia n o seria O s
cavalos de N ep tu n o (18 9 2 ), de W alter G r a n e ,113 em q u e as on d as d o
mar são p e rso n ifica d a s p o r cavalos co m barbatanas n o lu gar das
patas, co n d u zid o s p e lo deus greg o , seg u n d o u m a visão da fo rça
m asculina.114 N o p o e m a de G ilk a , ao c o n trá rio , a visão fe m in in a
dá-se pelas o n d in a s (n in fa s das águas), qu e tam bém tom am co rp o
nas ondas e se p ro p ag am n o m o v im e n to calm o e sensual de " e te r ­
nas b a ila rin a s” :

1 — V ede-as, e i-la s que vêm — eternas bailarinas


2 — para a festa noturna efá d ica do luar,

3 — seg u e-as 0 coro alegre e álacre das ondinas:

4 - v ed e-a s, e i-la s que vêm, todas ju nta s, bailar.

5 — Seios nus, braços nus que fla v a s serpentinas


6 — cingem, abstratas mãos de brancura polar,
7 — surgem, despetalando orquídeas argentinas
8 — sobre a p elú cia azul do tapete do mar.

9 — D e quando em vez, na praia, uma a sorrir se apruma,

1 0 — desliza, rodopia e alva como de espuma

1 1 — desnastra, erguendo 0 corpo em bam boleios no ar.

1 2 — E a lua, entre coxins, m uito pá lid a e loura,

1 3 — em serena m udez de nobre espectadora,

1 4 - p e l a s ondas alonga o indiferente o lha r.115


• 144 •

D e t a lh e d e O s ca va lo s d e N e p tu n o ( 1 8 9 2 ) , d e W a lte r C r a n e

A p ercep çã o da lin g u ag em de visão fe m in in a qu e en co n tra ,


pela m eto d o lo g ia do d a n ç a rin o , expressão nas ob ras de G ilk a M a ­
chado e E ro s V o lú sia segue a filo so fia cassirerian a na m ed id a em
que ela p rop aga a in d iv id u a ção e a esp ec ificid a d e das lin g u ag en s
segu n d o o esp írito qu e a fo m e n to u . N a o p in iã o d o filó s o fo , "o
esp írito som en te ap reen d e a si p r ó p r io e a o p o siçã o ao m u n d o o b ­
je tiv o , na m ed id a em que ele se tran sfere para os fe n ô m e n o s e, p o r
assim d izer, a eles a trib u i d iferen ça s de ap ercep çã o q u e resid em
n ele p r ó p r io ” .116 E m b o ra em suas d istin tas ex p ressõ es,117 tan to a
po eta co m o a b aila rin a op eram suas ob ras c o n ju g a n d o o conteúdo
an ím ico e sua expressão sen sorial de fo rm a p r o fu n d a m e n te in te g r a ­
da. Essa u n iã o que E rn st C assirer a p o n ta c o m o sín tese, em que
co n te ú d o e expressão se to rn a m o que são n a sua in terp en etra çã o
recíp ro ca , em qu e "a lin g u ag em nasce co m o u m to d o , e p o r m eio
da qual todas as suas partes se m a n têm u n id a s, da expressão sen sí­
vel m ais elem en tar à m ais elevada expressão d o e s p ír ito ” .118
A ssim , o p o em a "B a ila d o das o n d a s” , antes tra n sc rito , p o r
m eio das on d in a s b aila rin a s sob o o lh a r in d ife re n te da lo u r a e p á ­
lid a lua, c o m p o n d o q u ad ro s b u có lic o s de u m d iá lo g o de im agens
fem in in a s, revela, pelas im agen s m arítim as em m o v im e n to , um
conteúdo p o é tic o re la c io n a d o a esse p r ó p r io m o v im e n to . S e g u n ­
do G o n d in da F on seca, o m ar é u m a d en tre as m uitas adorações
panteístas n os versos da p o eta , os quais, segu n d o o c rític o , exalam
po r vezes "até u m d o ce m a ru lh o de águas, u m b ra n d o r u m o r de
espum as” .119 E xistem vários p oem as de G ilk a M achad o em qu e a
im agem d o m ar é p re d o m in a n te ; en tre o u tro s, p o d e m -se citar:
"Iron ia do M a r ” de Cristais partidos, o n d e o lad o te n eb ro so e o b s­
curo aparece n a d escrição das on d as, q u e, triu n fa n te s, ex p õem o
cadáver de u m a crian ça; " O lh a n d o o m a r” de Estados de alm a, em que
a poeta vê sua p r ó p ria in fin itu d e de alm a m ela n có lica e p o ética
(diante do mar eu sou um m ar/ a outro se ap or/ e a s e indeterm inar), e dá c o rp o
à vastidão: o m ar é o c o rp o , é a ob jetivação d o espaço, do in fin ito .
O u tr o p o e m a d ed ica d o ao m ar e ao q u al G o n d in da Fonseca r e la ­
c io n o u o c o m e n tá rio acim a exp osto é "B a la n ceio de m u lh e r n u a ” , .1 4 5 .
cujos versos destacados p e lo c rític o são:

1 — D ian te do teu am or eu me sinto perdida

2 — com o diante do mar;

2 — não po d es tu saber nem p od e ele supor

4 — que é toda minha vida

5 — fu g ir do mar, fu g ir do teu amor;


6 — e, de ambos à distância,

7 — fic a r na muda, inexplicável ânsia,


8 — no insuportável desejo de chorar,

9 — com saudade do amor,


1 0 — com saudade do m a r !...

11 — Tamanho é teu amor, tamanho

1 2 — é o mar, têm ambos tal ternura,

1 2 — que, às vezes, pen so um pensam ento estranho:

1 4 — o m a r é um grande am or que me procura,

1 5 — o seu am or é um mar em que me banho.

1 6 — Q u a n d o te sinto, fe c h o os olhos e diviso

l ? — o infinito do mar;

1 8 — e não p o d e exprimir o meu verso impreciso,

1 9 — 0 meu verso sucinto,


2 0 — como te sinto,

2 1 — mal principia a água marinha a me roçar...

2 2 — Sobre meu coração,

2 3 — teu coração,

2 4 — tem a palpitação

25 — indómita do mar;
2 6 — e, quando as ondas me envolvendo vão,

2 7 — creio ouvir palpitar

2 8 — teu coração,

2 9 — na tateante água do m a r.1X0

G a sto n B ach ela rd destaca qu e "am a r u m a im ag em é sem p re


■146 • ilustrar u m a m o r ”,121 e n c o n tra n d o assim fo rm as de atu a liza r u m
a m o r a n tig o . N esse sen tid o , o filó s o fo re la c io n a o a m o r ao u n i ­
verso in fin ito , à in fin itu d e de u m a m o r p ela m ã e .122 D esse m o d o ,
a in fin itu d e do m ar estaria rela cio n a d a a esse a m o r p r im o r d ia l ao
fe m in in o . O filó s o fo tam bém fala da p ro je ç ã o da " m u lh e r n a ­
tu reza ” ao analisar u m so n h o de N o v a lis ,123 q u e, p ela m ed iação
da substância água, p ela sua m a terialid ad e sen so rial, d esp erta n o
so n h a d o r a lem b ra n ça das fo rm as fe m in in a s, o u seja, "a substância
voluptuosa existe m esm o antes das fo rm as da v o lú p ia ” .124 Essas im a ­
gens d o a m o r fe m in in o sen sorial, c o r p o r ific a d o n a in fin itu d e e
n o m o v im e n to das on d as do m ar desp ertadas p e la su b stân cia v o ­
lu p tu o sa da água são evidentes na p o esia g ilk ia n a . A p r ó p r ia l i n ­
gu agem artística da po eta en co n tra , n a flu id e z desse líq u id o vital,
o ritm o b ásico de sua expressão q u e c o n tin u a m e n te " p r o p o r c io n a
u m a m atéria u n ifo rm e a ritm o s d ife r e n te s ” , às d ife re n te s águas
que se apresen tam em sua p o esia , desde as m ais calm as às m ais
tu rb u len ta s, desde suas can çõ es n acio n a lista s, suas reflex õ es ex is­
tencialistas às suas tristezas e às suas alegrias sen soriais e a m o r o ­
sas. Essa lin g u ag em sob re a m e to d o lo g ia d o m o v im e n to c irc u la r e
c o n tín u o c o m p õ e o q u e B a ch ela rd d e n o m in o u "u m a p o esia flu id a
e anim ada, de u m a p o esia q u e se escoa da fo n te ” ,125 ao fa la r do
d iscurso lite rá rio in sp ira d o n o ele m e n to água.
A v o lú p ia a m oro sa é u m a das características m ais m arcan tes
e p resen tes n a o b ra de G ilk a M a ch ad o . E ro tiza d a p e la n atu reza ,
a volúpia126 m arca as im agen s so n o ras, visuais, olfativas e táteis,
o prazer d os sen tid o s, p resen tes n a p o esia da b ra sile ira . V o lú p ia
que, criada p ela se n sib ilid a d e sen so ria l m ística da p o e ta b a ila ­
rina, com sua g ra n d e lib e rd a d e expressiva e im agin ativa, tra n s­
cende seu d esejo fe m in in o , e ex p ressio n istica m en te se m aterializa
na con ju gação d o seu fa zer a rtístico , n a sua lab o raçã o de ritm o s,
rimas, palavras lap id ad as n o m ais r e c ô n d ito la m e n to sen su al da
alma fe m in in a . M ais u m a vez, a sen so rialid a d e , o m o v im e n to e a
cinestesia c o m p õ e m os recu rso s expressivos lin g ü ístico s n a p o e ­
sia gilkian a. Esse fe n ô m e n o p o d e ser ob servad o n o fra g m en to de
"N o tu rn o s” , d o liv ro Cristais partidos (S in to p êlos nos ventos... E a volúpia
que passa, / flexu o sa, a se roçar p o r sobre as cousas todas, / com o uma gata errando
em seu eterno c io .) 127 o u n a " V o lú p ia ” to rn a d a p o esia , em Estados de
alma:

1 — T en h o-te, do meu sangue alongada nos veios;

2 — à tu a sensação me alheio a todo o ambiente;

3 — os meus versos estão completam ente cheios

4 — do teu veneno fo r te , invencível eflu en te.

5 — P or te trazer em mim, ad qu iri-o s, to m ei-o s,

6 — o teu modo sutil, o teu gesto indolente.

7 — P or te trazer em mim m o ld ei-m e aos teus coleios;

8 — minha íntim a, nervosa e rúbea serpente.

9 — Teu veneno letal to rn a -m e os olhos baços,


1 0 — e a alma pura que trago e que te repudia,

11 — inutilm ente anseia esquivar-m e aos teus laços.

12 — Teu veneno letal to rn a -m e o corpo langue,


1 2 — num a circulação longa, lenta, macia,

1 4 — a subir e a descer, no curso do meu sangue.™8

O b se rv a -se ta m b ém , n a p o esia gilk ian a, a v o lú p ia eró tica


ressaltada p e la ap reen são tá til dos estím u lo s n atu rais, co m o p o d e
ser visto n o s d ois son etos sob o títu lo " P a r tic u la rid a d e s ...” , d o l i ­
v ro Estados de alma:
1 — M uitas vezes, a sós, eu me analiso e estudo,
2 — os meus gostos crimino e busco, em vão to rcê-lo s;

3 ~ é incrível a paixão que me absorve p o r tudo

4 — quanto é sedoso, suave ao tato: a co m a ... O s p ê lo s...

5 — A m o as noites de luar porque são de veludo,


6 — d elicio -m e quando, acaso, sinto, pelos

7 — meus frágeis membros, sobre o meu corpo desnudo


8 — em carícias sutis, rolarem -m e os cabelos.

9 — Pela fr ia estação, que os mais seres eriça,


10 — an d am -m e p elo corpo espasmos repetidos,
11 — às luvas de camurça, às boas, à p e lic a ...

• 148 •
1 2 — 0 meu tato se estende a todos os sentidos;

1 2 — Sou toda languidez, sonolência, preguiça,

1 4 — Se me quedo a fita r tapetes estendidos.

15 ~ Tudo quanto é macio os meus ímpetos dom a,


1 6 — eflexuosa me torna e me to m a felin a .

1 7 — A m o do pessegueiro a pubescente pom a ,

1 8 — porque afagos de velo oferece e propina.

í g - O intrínseco sabor lhe ignoro; se ela assoma,

2 0 — no rubor da sazão, s o n h o -a doce, d ivin a!

2 1 — G o z o -a p ela m aciez cariciante, de coma,

2 2 — e o meu senso em m a n tê-la incólum e se obstina ...

2 3 — T o co -a , p a lp o -a , acarinho 0 seu carnal contorno,

2 4 - sa b o reio -a num beijo, evitando um ressabio,


2 5 — com o num lento olhar te osculo 0 lábio morno.

26 — E que prazer o m eu! Q u e prazer insensato!


27 — Pela vista c o m er-te o pêssego do lábio,
2 8 — e o pêssego com er apenas p e lo ta to .129
T a m b ém G o n d in da F on seca em sua crítica ressalta a sim ­
biose p r o fu n d a da n atu reza co m o ser p o é tic o n a o b ra gilkian a.
Segundo o c rític o , a p o e ta "A m a as árvores, am a a terra, o céu e o
mar — p o ré m co m o se ela m esm a fosse u m a plan ta, u m p u n h a d o
de areia, u m a lu fad a de ven to o u u m a o n d a m a rin h a en ovelad a” .130
P od e-se ob servar essa fusão visceral co m a n atu reza, apon tad a p elo
crítico, em alguns versos d o p o em a "E sfo lh a d a ” , p u b lica d o n o
livro M u lh er nua:

1 — D orm e, filh a minha, dorm e!

2 — Seja bendito 0 sono que te ilude!

3 — Q u e importa a natureza se transforme


4 — N o O u to n o , e se desfolhe a ju v en tu d e ?
5 ~ Arvores e mulheres • 149 •
6 — temos destinos altos impolutos

7 — na Terra, são iguais nossos misteres:


8 — é preciso viver p e la vida dos frutos,

g — dorme, filh a , descansa,

1 0 — 0 O u to n o guarda uma tristeza mansa;

11 — no seu m acio e lamurioso entono,

1 2 — é o em balo do sono

1 3 — de uma criança...

1 4 — Pingam fo lh a s ... 0 pra nto os olhos meus irrora...

1 5 ~ Pela estação que chega, que me vem,


1 6 — em cada arvore eu vejo uma mulher, lá fo r a ...

l 1/ — E m e suponho uma árvore também

1 8 — na esfolhada desta ho ra .131

A p rese n ça da n atu reza, q u e é u m a im agem fu n d a m en ta l na


c o n cep çã o p o é tic a da d ança em G ilk a , tam bém é u m n o rte f u n ­
d a m en tal n a p r o d u ç ã o artística da filh a b a ila rin a . E ro s V o lú sia é
apresen tad a n a capa de seu liv ro E u e a dança, d a n çan d o ao ar livre,
em u m a p raia d o R io de J a n e ir o , p rá tica qu e lh e era c o m u m .132 Já
em D ança brasileira, a b a ila rin a dá o d ep o im e n to de sua p re d isp o si­
ção de d a n sin tersem io tiza r a natureza:
D e te n h o -m e , h oras e h oras, a so n h a r co m os líric o s
m o v im en to s d o p ro to p la sto , nas claras m anhãs e d ê ­
nicas, à sugestão das on d as, das fran ças e d os pássa­
ros, d a n çan d o à m úsica d o v e n t o .'33

E m u m trech o da rep o rta gem de C ló v is de A z e v e d o , r e a li­


zada na Praia de São C o n r a d o , te m -se u m d e p o im e n to dessas suas
práticas de a p ren d iza d o do m o v im e n to p e ra n te a n atu reza:

Sabíam os que a filh a de Iem an já costum ava b u sca r as


praias m ais desertas da G u a n a b a ra para co n versa r de
p e rto co m D o n a J an a ín a e o fe r e c e r - lh e as rosas do
ritu a l. E em certa m a n h ã z in h a ... O esp etá cu lo era de
• i 5o • su rp reen d en te e m isteriosa b eleza . O m a r ve rd e b e ­
r ilo , aço itad o p o r u m ven to d o alto, tin h a u m a com a
de b ra n ca espum a d an çan d o n a a rre b e n ta ç ã o . E na
areia rosada e áspera, de con ch as fragm en tad as, d a n ­
çava tam bém u m a â n fo ra viva, dançava a qu ela m u lh e r
de p ele m o ren a e cabelos desnastrados! E ro s, E ro s,
teu n o m e veio do sol co m o u m a seta de o u r o que
n os perfu rasse os o lh o s para cravar-se n o coração !
F icam os em silên cio , fascin ad o s, d u ra n te u m l o n ­
go tem p o em q u e ela n ão n os p e rc e b e u e c o n tin u o u
ev o lu in d o m ais n o espaço q u e n o ch ão , co m o u m e s­
p ír ito alado, co m o u m a fo r ç a da n a tu re z a .134

Esse d ep o im en to da "fo rça da n atu reza” que exalava de E ros


V olú sia tam bém aparece na sua d efin içã o da dança b rasileira, a qual
revela tod a a essência de sua arte, na busca de tran sm u tar em expres­
são e m ovim en to os ritm os so n o ro s qu e p en etra m os sentidos:

E n carcera r vô o s n o s gestos, d a n d o asas aos rastejos;


em p re en d e r às m elo d ia s u m a fu ga do eu; traçar co m
o c o rp o , n o espaço, as palavras p ro fu n d a s d o s ilê n ­
cio; c o n te r na elasticid ad e frá g il da fo r m a a alm a de
tod a a n atu reza e a n atu reza de todas as alm as; dançar!
D an çar m esm o em q u ie tu d e , co m os o lh o s erran tes,
co m os láb io s trem en tes, co m o sangue em p a lp ita ­
ção, co m o p en sa m en to esp ira lan d o para o alto; ser
um a m en sagem de carn e rad iosa, u m a com u n icação
da terra co m o c é u !135

N o p r o n u n c ia m e n to de E ro s V o lú sia , antes tran scrito , so ­


bre sua co n cep ção do qu e seja o ato da dança, p o d e -s e observar sua
atitude c o n c e itu a i fu n d a m en ta lm e n te relacio n ad a aos p rin c íp io s
de d a n sin tersem ió tica , o u seja, a p ro p en sã o in ic ia l básica de d ia ­
logar, de viven cia r o o u tro , outras lin gu agen s e c o rre r o risco de
sair de si, de se d eixar im p reg n a r, h ib rid iz a r , tran sm u tar a fo rm a
n atural, se m istu rar co m o ser co n tem p la d o n o estado de criação
poética (tan to na dança co m o na p o esia ), estado esse que p o d e ­
m os v e rific a r em vários p oem as de G ilk a M achad o, o n d e a po eta
pen etra os sen tid o s d os o b jeto s observados e co m eles fu n d e seu ■151 •

p r ó p rio ser. E m o u tro texto, "N a festa da b eleza ” , do livro S u b li­


mação, a p o e ta m ostra seu n ív el de co n sciên cia desse processo de
d a n sin tersem io tiza ção co m o u m a n ecessid ade vital e n atu ra l de seu
ser p o é tic o e, ao m esm o te m p o , fala de seu iso la m en to e da falta de
co m p reen sã o d o h o m e m 136 do seu p rocesso artístico:

1 — M in h a infantilidade,

2 — para comparecer

2 — à festa da Beleza,

4 — experim entou todas as vestes,


5 — e, a cada nova
6 — indum entária,
7 — mais vergonha me vinha
8 — de mim mesma,

9 — p o r tal maneira

10 — transfigurada.

11 — A s horas passavam velozes

1 2 — e e u cantava,
1 2 — supondo que ao meu canto

14. — é que a Terra girava.

15 — As horas passaram

1 6 — (atrozes!)
l j — e a minha ju v en tu d e descuidada

1 8 — am anhece u na festa da Beleza,

1 9 — nua

2 0 — diante do mundo.

21 — M eu ser espiritual,
22 — p o r onde ia passando,
2 3 — em suas mil facetas conduzia
2 4 ~ os ritmos das coisas:

25 — águas e frondes ondularam


2 6 — nas minhas atitudes;

2 7 — aves e nuvens

2 8 — voaram nos meus longes;

• 152- 2 9 — e as existências estáticas


3 0 — m ovim entaram -se nos meus gestos;

3 1 — e em minhas momentâneas

3 2 — imobilidades

3 3 — farandularam

3 4 — sensações

3 5 — e idéias.

3 6 — A natureza a m ou -m e

3 7 ~ contem plando-se

38 — na transparência
3 9 — de minha sensibilidade;

4 0 — porém o H om em ,

4 1 — receoso de se defrontar,

4 2 — fug ind o à projeção de si mesmo

4 3 ~ na objetiva

4 4 ~ da minha frase,

4 5 — passou ao largo...

4 6 — Passou

4 7 — desejoso e tímido,

4 8 — incrédulo e desconfiado...

4 9 ~ Passou pela carne de meu espírito,


5 0 — p elo desatavio de meu verso
51 — que, aos reflexos da vida,
5 2 — se engalanava

53 — de roupagens raras...
5 4 — Passou p o r minha alma nua,
55 — de longe,
5 6 — interrogando:

57 ~ "Por que te vestes assim ? ! .. . ” 137

N esse p o em a G ilka M achado descreve a n u dez de seu espírito


poético, o u seja, sua in ten ção singela de, pela lin gu agem poética,
exp rim ir tod a a ânsia de beleza que lhe ia pela alm a. N a p r im e i­
ra, segunda e terceira estrofes, fica clara a necessidade visceral do
fazer p o é tic o , o qual, ao ser revelado na sua gen u in id ad e, provoca
um m ovim en to crítico que fere a sen sibilidade da poeta. N a quarta • 153 •
estrofe, d á -se a revelação da m eto d o lo gia d ansin tersem iótica p r o ­
p riam en te dita, u tilizad a p o r G ilka em seu fazer artístico, em que
criam vid a c o rp o ra l anim ada tod o s os objetos, im agens e idéias o b ­
servadas/sentidas pela p o eta. N a q u in ta estrofe, a natureza parece ser
o ú n ic o p ú b lico le ito r, reflexo de si m esm a, elo p e rd id o , que, fora
do s e lf da p o eta, d ia lo g o u e co m p reen d eu integralm ente sua sen si­
b ilid ad e artística. N a sexta estrofe, fica im pressa a grand e m ágoa de
G ilka pela in co m p reen são dos h o m en s de sua alm a poética, os quais
não viam sua verd ad eira n u dez revelada em expressões raras. Para
além d o sen tim en to de vergon ha, de inadequação da p o e ta ,138 tem -
se aqu i m ais u m dos p rin c íp io s constantes tanto na ob ra volusiana
com o na gilkian a, essa ten d ên cia ao extraviam ento do eu ao transe
da alm a que q u er plasm ar várias carnes, ao sentido espiritual/carnal
da criação p o ética, que será analisado op o rtu n a m en te.

O ESPÍRITO DA PALAVRA-CARNE QUE D ANÇA

A p o esia q u e vem da im pressão do gesto, a realid ad e virtu al


q u e só se m a terializa na criação do po eta c o rp o ra l, assim com o
em N ie tz sc h e ,139 está p le n a m en te desenvolvida na palavra po ética
g ilk ian a e n a d an ça vo lu sian a. Mas a m e to d o lo g ia da dança qu e im ­
p reg n a os versos ritm ad o s e carnavalizados da po eta e da b aila rin a
está m arcada p e lo m esm o elã m iste rio so dessa criação m eta fó rica ,
d o "su b terfú g io de p o eta s” ,140 u m a m o r p r o fu n d a m e n te carn a l de
u m E ro s fe m in in o , in sp iração d ivin a plasm ada na lín g u a -c a r n e
q ue c o n s tró i o p o e m a -d a n ç a . P o d e -se ob servar esse fe n ô m e n o em
tod a a ob ra gilk ian a e vo lu sian a. N o caso da p r im e ir a , n o p o e ­
m a " D o b ro os jo e lh o s ” , de seu livro M eu glorioso p e c a d o , ob serva-se
a expressão de u m a m o r qu e, para além d os to r m e n to s da carn e,
do b e m e d o m al, está fad ad o aos d esíg n io s do esp írito n a criação
p o ética, co m o m ostra as estrofes d o son eto:

1 — D obro os jo e lh o s à lâmpada votiva


2 — que exala um quente e misterioso odor,

3 — que te perfum a a imagem pensativa

• i 54 • 4 ~ d e rei-p o eta, de apolo-inspirador.

5 — Por ti sou a B eleza em fo rm a viva


6 — de arte, em mil poem as a se decompor;

7 — p o r ti do inferno fa ç o - m e cativa,

8 — fecu nd a da p o r sonho redentor.

9 — Trago meu pobre espírito suspenso


1 0 — entre céus e entre pélagos profundos,

11 — e, aos sóis, que assomam dos pecados meus,

1 2 — penso na culpa deste am or e penso

1 3 — no am or que a D eus soube inspirar os mundos,

1 4 — no grande am or que f e z do nada um d eu s.1* 1

P erceb e-se , nesse p o em a , a co n ex ão p r o fu n d a da poeta


co m a en ergia am oro sa e criativa q u e p a ira acim a de tu d o e que
faz da in sp iração o gesto p r im o r d ia l d o ex ercício p o é tic o , o b jeto
de cu lto , p aralelo ao ato da criação d ivin a. A p o esia de G ilk a e os
d ep o im en to s de E ro s estão m arcad os p e la id éia da fo rm a sensível,
im en surável, in co m p aráv el, m esm o aos m o v im e n to s n atu rais, e
q u e vai além do gesto em si. Essa expressão p o ética a p ro x im a -se do
que J ea n M oréas d e fin e co m o a id éia q u e se d esenvolve n a estética
sim b olista, a qu al n ão deve ser privad a das analogias ex te rio res e
em q u e os q u ad ro s da n atu reza, as ações dos h u m a n o s, tod o s os
fen ô m e n o s co n creto s n ão p o d e ria m , eles p r ó p rio s , m a n ifestar-se
a não ser pelas a fin id ad es esotéricas co m id éias p r im o r d ia is .14'2
Essas id éias p rim o rd ia is, o u seja, a c o rre sp o n d ê n c ia das
ações hum anas às ações divinas estão presen tes n a d efin içã o de
dança de E ro s V o lú sia , para q u em d ançar é ser u m a "m en sagem de
carne rad iosa, u m a co m u n ica çã o da terra co m o c é u ” . Essa d e fin i­
ção de d ança d eflagra a p resen ça m arcan te da te o ria das c o rr e s p o n ­
dências, tão p ro p ag ad a p o r E m a n u el S w ed en b o rg (1 6 8 8 -1 7 7 2 ),
cujas id éias in flu e n c ia r a m F ran çois D elsarte. S w ed en bo rg, o m ís­
tico respon sável pela divulgação da te o ria das co rresp o n d ên cia s,
a q u al tan to in flu e n c io u os sim bolistas, pregava qu e a to d o en te
n atu ra l c o rre sp o n d e u m a c o n tra p a rte esp iritu a l. D esse m o d o , há
na palavra u m sen tid o lite ra l e o u tro esp iritu a l. Todas e cada um a • 155 •
das coisas q u e estão n a palavra se co rresp o n d em ; p o rta n to , se o
h o m e m estivesse n a c iê n c ia das co rresp o n d ên cia s, ele c o m p r e e n ­
d eria a palavra n o seu sen tid o e sp iritu a l.143
E m sin to n ia c o m o p r in c íp io das co rresp o n d ên cia s sim b o ­
listas, para E ro s, d a n çar "é viver a vid a em sua p le n itu d e de graça,
q u e é a saúde d o c o rp o e da alm a, é esp iritu alizar a fo rm a d a n ­
d o fo rm as etern as ao m o v im e n to ” .144 A o a n alisar-se tal d efin içã o
de d an ça, o b serva -se, n a arte da b a ila rin a , a busca da c o rre s p o n ­
d ên cia p r im o r d ia l da fo rm a que se esp iritu aliza. Essa caracterís­
tica tam b ém é con stan te n a o b ra de sua m ãe. G o n d in da Fonseca
observava n a p o esia de G ilk a essa te n d ên cia de fusão criativa com
as en ergias p r im o rd ia is. O crític o vê u m in e d itism o b rilh a n te na
o b ra gilk ian a , em b o ra p r o fu n d a m e n te m arcada pela paisagem n a ­
c io n a l: m a n tin h a u m "sen tim en to có sm ic o ” , u n iversal de " c o m ­
p ree n sã o to tal da v id a ” que leva o le ito r a "a lo n g a r para o in fin ito
os o lh o s fatigad os da p o e ira da te rra ” .145
M u r ilo A r a ú jo tam b ém vê a p o esia gilk ian a sob a m arca da
in d iv id u a lid a d e o r ig in a l e ao m esm o te m p o u n iversal. O crítico
ressalta que:

É p re c iso v e r -s e o q u e era a p o esia n a c io n a l antes


d ela ; a ten ta r p a ra a p le to r a de so n eto s pesados e de
c a r ro ç õ e s greg o s de m u ito s q u e d e p o is v ie ra m a ser
fu tu rista s; é p re c iso le m b ra r os fa rd o s de en fa d o s
q u e atu lhavam as livrarias, c o m títu lo s de g ê n e ro s
nas ven d as — Versos, V ilancetes, Trovas — p a ra c o m p r e e n ­
d e r o q u e re p r e s e n to u re a lm e n te o a p a re c im e n to de
G ilk a M a c h a d o . F o i a seiva p u r a d o in s tin to e x p lo ­
d in d o em fo rte s b ro to s n o vos, a revelação to ta l de
u m a alm a, sem p re c e ito s sociais o u esté tic o s, n u m a
larga resp ira çã o de r itm o s, c o m im a g in a ç ã o q u e v i­
b ra c o m o u m a b a n d e ira ao v e n to . [ ...] A s lin h a s d o
sem b lan te e sp iritu a l de G ilk a M a ch ad o n ã o são m o ­
d ern a s n e m antigas. São lin h a s suas, e ss e n cia lm e n te
suas. E p o r isso m esm o é q u e têm , a m ig o s, a q u e le
sin al de e te r n id a d e .146
• 156 •
O id eal esp iritu a l alm ejad o p o r E ro s e p rese n te em sua
d ança e em suas d e fin içõ e s de d ança a n te rio r m e n te apon tad as
é p o r sua vez o d esd o b ram e n to dessa característica m a rcan te na
po esia de G ilk a , qu e, n a p r im e ir a ed ição de Cristais partidos, em 1915 >
traz u m a d ed icató ria à sua m ãe (m a rcan d o já aí a im p o r tâ n c ia do
fe m in in o ). N a p ág in a seg u in te, d e fin e a p o e ta a arte em u m a frase:
"A rte é c o n te r o in fin ito n u m a exp ressão” .147 G o m essa d e fin içã o
d e arte, G ilk a d ete rm in a o p r in c íp io essen cia lm en te sim b olista
d o seu o fíc io de síntese p o ética, em q u e b u sca a c o rr e sp o n d ê n c ia
en tre a in fin itu d e , a am p litu d e das im agen s/id éias/sen tim en tos
co m a palavra cultivada p ela sen sib ilid a d e. N o o fíc io dessa s ín te ­
se, o esp írito sensível a p rim o ra -s e n a sua cap acid ad e de p e rcep çã o
e c o n sciên cia cinestésica das in fo rm a çõ e s processad as n o s órgãos
sen soriais.
E ro s V o lú sia tam bém buscava esse p ro cesso de síntese
p o ética n o m o v im en to da d ança, em q u e c o rp o e alm a co n v ergia m
para a in tegração do b elo n o m o v im e n to exp ressivo. Sua "p o esia
do m o v im e n to ” aspirava à co n d en sa ção o u à su b lim a ção das f o r ­
mas e das estruturas, n a m an ifestação das várias danças p o p u la res
presentes na cu ltu ra b ra sileira , in tegrad as nas suas sin gu larid ad es
expressivas aos parad igm as da m o d e rn id a d e .
Esse processo de síntese, concentração de elem entos para um a
expressão eficiente, tem m u ito dos p roced im en tos expressionistas
para a criação a rtística .148 D estarte, várias são as referên cia s esté­
ticas na d ança de E ro s. S eu lad o exp ressionista é ressaltado pela
crítica da ép oca, q u e tentava classificar sua dança com o p rim itivista
e nova, fa zen d o de m otivos velh os criações in éd itas e m aravilhosas
que a to rn a m a m aga da d ança ex p ressio n ista.149
E m b o ra E ro s te n h a se in ic ia d o n a d an ça p e lo s m éto d o s
do b alé clá ssico , o r ie n ta d a p o r G ilk a n a sua d an ça lír ic a , livre
e sen sual de verso s sim b o listas, d e ix o u -s e c o n d u z ir , m u itas v e ­
zes, pelas trilh a s de u m estilo p r ó x im o ao de Isad ora D u n c a n ,
com o ela p r ó p r ia a firm a , em seu liv ro E u e a dança, ao r e fe r ir - s e à
sua a fin id a d e a rtística c o m a d a n ç a rin a a m erica n a : " M in h a m ãe
achava ta m b é m g ra n d e a fin id a d e en tre n ó s j á q u e ao la d o d o m eu
trab a lh o n a c io n a lista eu tin h a m u ita te n d ê n c ia p ara as danças ex-
p ressio n ista s e q u e extern assem estados d ’ a lm a !” I5°
M arcad a p o r vários estilos, G ilk a M ach ad o151 apresen ta em
u m de seus p o em as, "N a m anhã de crista l” , d o liv ro Sublim ação,
um a v erd a d eira aula sob re as características votivas sim bolistas,
ex p licita m en te das o p o siçõ es expressionistas (co n ju g a n d o o lado
crista lin o e escu ro da alm a). N esse texto, tam bém p o d e ria ser d es­
tacado o lad o p ó s - m o d e r n o das im agen s m u ltip licad as em espelho
e da p r ó p ria característica explicativa e eco ló g ica d o poem a:

1 — Estou só, m uito só, tão só que me arreceio


2 — dos próprios movimentos que executo
3 — emimesmada, em meio
4 — do deserto absoluto.

5 ~ Estou só, m uito só, num a tão muda calma

6 — que até sinto m inha alma


7 — ir em p o n ta de pés para fo r a de mim,
8 — que a contem plo — encantada
9 — p o r me encontrar assim,
1 0 — sem que em mim veja nada
11 — do que supunha em mim.

12 — N a m anhã de cristal
1 3 — pa ira um silêncio ta!
24 — que o pensam ento soa:
25 — "Vamos, é tempo, reage, olha que a vida é boa
1 6 — e a natureza linda,

1 7 — D e ixa -m e ser, eu queroser, eu d e v o se r, eu vivo a in d a !"

1 8 — Deixaste escorregar dos dedos tua sorte,


i g — teu destino de estrela,

2 0 — e a vida, mata sempre antes da morte

22 — os que não sabem v iv ê-la .

22 — Pairando assim cativa,


2 3 — fizeste acreditar que estavas morta
2 4 ~ e t e enterraram viva:

2 5 ~ a presença dos mortos quem suporta ? !

2 6 — Estás só e que esperas dessas vidas


• 158 •
2 7 — pelas quais te anulaste e que esperas do a m o r?
2 8 — Se somos p o r nós mesmas esquecidas

2 2 — que alguém de nós se lembre é loucura supor.

3 0 — Estás a sós contigo,

3 1 — encontraste-te, enfim, eis o mom ento amigo;

3 2 — tua ternura... V ence-a:

3 3 — pensa que tens a obrigação suprema

3 4 — de concluir lindam ente 0 m elhor poem a,

3 5 — tua própria existência.

3 6 — Coragem, toma posse de teu eu,

3 7 — ama a ti mesma, aos teus tesouros interiores,

3 8 — terás, então, o am or de todos os amores,

39 — 0 Cosm o será teu.

4 0 — "Vamos, é tem po ainda, abre asas pa ra 0 ar,

42 — ergue-te, olha 0 infinito fa c e a fa c e,


4 2 — pensa que há no esplendor de cada sol que nasce

4 3 ~ um raio de teu ser que se vai apagar!... ”

44 — N a manhã de cristal
4 5 ~ acolhedora e boa,
4 6 — há tal translucidez, há uma quietude tal

4 7 ~ que 0 labor cerebral


4-8 — longinquamente ecoa,

4 9 - e a vista nota, sem querer,

5 0 — o vário movimento expressionista

51 — do que está para ser,


52 — as loucas contorções,
53 — os ímpetos medonhos
54 — da dança extática dos sonhos
55 — n0 desespero das realizações.

56 — D a m anhã de cristal
5 7 — o bservo-m e, surpresa,

5 8 — o lh o -m e em tudo, sin to -m e sem fim ,

59 — não sei se me absorveu a natureza,


6 0 — se tenho o m undo germ inando, em mim. •159-
6 1 - A m o - m e , am ando a solidão-am biente:

6 2 — é uma sala de espelhos a paisagem,

6 3 — reproduzindo indefinidam ente,

6 4 — as imagens de m inha própria imagem.

65 — Toda fo r a de mim, em vão procuro


6 6 — atrair a minha alma ao cárcere escuro,

6 7 — ã prisão que a aniquila;

6 8 — sinto a presença do Futuro,

6 9 — te n h o -o , ante os olhos meus de pasm o quedos,

70 — com o um bloco de argila,


7 1 — à espera do milagre de meus dedos.

72 — E me fic o , hesitante,
7 3 — ouvindo a cada instante,

7 4 — na m anhã de cristal,

75 — o labor cerebral
76 — que no silêncio soa:
77 — "Vamos, é tem po, reage, olha que a vida é boa
7 8 — e a natureza é linda!

7 9 — D e ix a -m e ser, eu quero ser, eu vivo a in d a !...” ’ 52

N a aula de dança expressionista que se im p õe n o poem a su­


pracitado, o que se vê é a preparação, a concentração de in fo rm açõ es
sen soriais, p o ssibilitad as p e lo m ais c o m p le to silê n cio in t e r io r qu e
preced e, p rep ara a ação. N as duas p rim eira s estro fes, d á -se a c o n s ­
ciên cia da p o eta do seu silên cio in te r io r a b so lu to . A ssim , n o a p r o ­
fu n d a m e n to do eu, a vate está fo ra de si e p re p a ra -se , n a te rceira
estro fe, para a d a n sin tersem io tiza ção , qu e n ão se co n cretiza rá n o
p o em a . N a q uarta e na q u in ta estrofes, a a u to ra faz a constatação da
sua p risão c o rp ó re a da in cap acid ad e para a ação viva e v e rd a d eira .
A sexta estro fe co m em o ra o e n c o n tro co m a so lid ã o e o vislu m b ra r
da n ecessidade da ação p o ética tran sposta n a p r ó p r ia existên cia da
p o eta, a qual na sétim a e na oitava estrofes m e rg u lh a n o s e lf para
a co m u n h ã o co m o C o s m o , n a in fin itu d e da fin itu d e existen cial.
N a n o n a estro fe, a p o eta pressente e in tu i o d evir n a "m a n h ã de
crista l” (co m o se prevê o fu tu ro n u m a b o la m ágica de cristal),
• i6 o • em um a visão exp ressionista do d esespero das realizaçõ es fu tu ras.
A d écim a e a d écim a p rim e ira estrofes, m ais u m a vez, c o n d u ze m
a ação p o ética para a atuação fu tu ra . G ilk a se vê m u ltip lic a d a n o
reflex o da n atu reza (se vê na p r ó p ria b o la m á g ic a ), q u e é o m o tivo
m a io r de sua n ecessidade de atuação.
Esse aspecto de prep aração de u m a atuação fu tu ra e fic ie n te ,
da u to p ia exp ressionista, da d ança d o f u tu r o ,133 tam b ém está p r e ­
sente na fala de E ros:

E u v e n h o de lo n g e , su b in d o da gleba. M eus o lh o s
de so n h o ficam p r o fu n d o s de o lh a r os abism os. [ ...]
M e u c o rp o a fin o u -s e n o esfo rço c o n tín u o de ser a
m in h ’alm a. [ ...] N ão m e p ro c u re s d ete r: levo d a n ­
çan d o m in h a raça ao e n c o n tro da h u m a n id a d e , para
o b aila d o u n iversal d o fu tu ro em q u e serei a B e m -
A m a d a. N ão m e p ro c u re s d eter: há n a m in h a i n ­
q uietação u m lo u c o an seio de e te rn id a d e .134

Esse desejo de ascensão, etern id a d e e re c o n h e c im e n to f u ­


tu ro , p ro clam a d o p o r E ro s e G ilk a em suas ob ras, é u m a heran ça
da u to p ia isad orian a, m arcada p e lo d esejo p o é tic o , de u m a evo­
lu ção esp iritu al, c o n fo rm e p o stu la d o p o r R a lp h W aldo E m e rso n
em 0 p o eta . N esse en saio, de 18 8 4 , o filó s o fo re fe r e -s e ao poeta
com o u m in té rp re te da verd ad e n o s d esíg n io s da n atu reza, sendo
o h o m e m apenas u m a m etad e de si p r ó p r io , a o u tra m etade é sua
expressão. A ssim , o "S ig n o e as cred en ciais d o p o eta são que ele
anun cia a q u ilo q u e n e n h u m h o m e m p rev iu , [ ...] é o ú n ic o n a r ra ­
d or de n o tícia s, p o is esteve p resen te aos e a p ar dos a c o n te cim e n ­
tos q u e d escreve” .155
N o p o e m a "M e u a m o r ” d o liv ro M e u glorioso p eca d o , G ilka
M achado dá sua tra n scen d ê n cia am oro sa pela ascensão d o am o r
te rre n o tra n sfig u ra d o n a p r ó p ria in sp iração p o é tic a . A a n áfora M
árvore é bela quando a terra é b o a ... / A árvore é tão da terra quanto o so n h o / é da

carne que o gera J m o stra o p r in c íp io da c o rre sp o n d ê n c ia das coisas


terren as co m as esp iritu a is e o desejo de evolu ção d o esp írito cativo
para fo rm a s su p erio res, co m o p o d e ser observad o n o d esen v o lvi­
m en to d o poema.-
• 161 •

1 — M eu amor, como sofro a volúpia da terra,

2 — atravessada p elas raízes!...

3 — Es minha árvore linda,


4 — aos céus abrindo as asas de esperança,
5 — na gloriosa ascensão da mocidade.

6 — N inguém com preenderá a delícia secreta

7 — das nossas núpcias profundas.

8— Q u a n to mais avultares,

9 — mais subires,
10 — mais mergulharás em mim.

11 - A g u a rd ei-te longos anos,

12 — com a mesma avidez da gleba


1 3 — p ela sem ente...

1 4 — T iv e-te em minhas entranhas,

15 — transfigurei-te:
1 6 — és fo lh a , és flo r , és fr u to , és agasalho, és som bra...

17 — M as vem do meu querer inviso e obscuro,


1 8 — q u a n to prodigalizas ao desejo

1 3 — dos que te gozam p ela rama.


2 0 — A árvore é bela quando a terra é b o a ...

2 1 — A árvore é tão da terra quanto o sonho

2 2 — é da carne que o gera.

2 3 — M eu lindo pássaro de vôos

2 4 — cativos,

2 5 — sobe mais, sobe sempre!

2 6 — Es m uito m eu!

27 — São meus os braços enleantes

2 8 — dos teus abraços interiores,

29 — é na minha alma dilacerada


3 0 — que o p o lv o de tuas artérias

31 — suga a seiva do orgulho,

• 162 • 3 2 — a energia do su rto .156

Esse p o e m a p a rece ser a p r o je ç ã o p o é tic a da a u to ra , de


suas p r o d u ç õ e s , de suas rea liza çõ es a m o ro sas (a p r ó p r ia poesia)
cultivad as a p a r tir de seu ser p o é tic o tr a n sfig u ra d o n a m e tá fo ra
da g ra n d e m ãe T e r ra . M ais u m a vez, as im ag en s da v e rtic a lid a d e
im p õ e m -s e nas suas o p o siç õ e s d ialé tica s de e n ra iz a m e n to (peso)
e vô o (leveza). D a e sta b ilid a d e , das raízes da te rra q u e n u tre , sai
o fr u to , a fo lh a , o agasalho, a so m b ra , o so n h o b o m , o pássaro
de vô os cativos q u e vivem , q u e " s u r ta m ” p e la e n e r g ia da te rr a -
p o eta .
"F ecu n d a çã o ” é u m o u tro p o em a de G ilk a M a ch ad o , p u ­
b lic a d o n o livro Sublim ação, cujas re fe rê n cia s, b e m ao m o d o de sua
vocação sim b olista, te n d em m ais à sugestão d o q u e à a firm a çã o do
so n h o da visão do p o e ta .157 O tem a trab a lh ad o nesse texto p o d e
rem ete r ao estado ero tiza d o de seu in stan te de in sp ira çã o p o é ti­
ca, p e rso n ific a n d o o sen tim en to de m otivação da cria çã o , r e la ­
c io n a n d o o ato físico , e r ó tic o , sen su al e sexual da p ro c ria ç ã o com
expressões co m o " e n tr a -m e a c a r n e ” , o u "p e n e tra ç õ e s su p rem as",
presentes n o p o em a tra n sc rito a segu ir:

1 — Teus olhos me olham


2 — longamente,
3 —profundam ente,
4 — im periosam ente...
5 —De dentro deles teu am or me espia.

6 — Teus olhos me olham numa tortura

7 — de alm a que quer ser corpo,


8— de criação que anseia ser criatura.

9 — Tua mão contém a minha

10 — de m om ento a momento:

1 1 — é ave aflita

12 — meu pensam ento

1 3 — na tua mão.

1 4 — N a d a me dizes,

1 5 — porém en tra -m e a carne a persuasão • 163 •


1 6 — de que teus dedos criam raízes

17 — na minha mão.

1 8 — Teu olhar abre os braços,

1 9 — de longe,

2 0 — ã fo r m a inquieta de meu ser;

21 — abre os braços e en la ça -m e toda a alma.

2 2 — Tem teu mórbido olhar

2 3 — penetrações supremas

2 4 — e sinto, p o r s e n ti-lo , tal prazer,

2 5 — há nos meus poros tal palpitação,

2 6 — que me vem a ilusão

27 — de que se vai abrir


2 8 — todo meu corpo

29 — e m p o e m a s .158

G o m o n o p o em a "M e u a m o r ” , "F ecu n d a çã o ” fala tam bém


da criação p o é tic a q u e passa p e lo c o rp o . M as, e n q u a n to n o p o em a
a n te rio r a p o eta era o solo g e rm in ativ o da cria çã o, a gra n d e m ãe
q u e n u tre e é n u trid a p o r seus fru to s, em "F ecu n d a çã o ” o m o v i­
m e n to é a n te rio r , e a "cria çã o qu e anseia ser cria tu ra ” vem de fo ra.
C o n fig u r a - s e aí a d escrição de u m a v e rd a d eira possessão prazerosa,
1 2 — viver em vôos de corrida

1 2 — roçar apenas p ela vida!

1 4 — E u quisera viver sem leis e sem senhor,

1 5 — tã o-so m en te sujeita às leis da natureza,

1 6 — tã o-so m en te sujeita aos caprichos do am or...

1 7 — Viver na selva acesa

1 8 — p elo fu lg o r solar,

1 9 — 0 convívio f e liz das mais aves gozando,

2 0 — viver em hando,

2 1 — a voar, a voar.

2 2 — Eu quisera viver cantando com o as aves


2 2 — em vez de fa z er versos

2 4 — sem poderem assim os hum anos perversos ■165 •


25 — interpretar
2 6 — perfidamente

2 7 — meu cantar.

2 8 — E u quisera viver dentro da naturezfl,

2 9 — su fo ca -m e a estreiteza

2 0 — desta vida social a que me sinto presa.

2 1 — D iante

2 2 — de uma paisagem verdejante

2 2 — diante do céu, diante do mar,

24 — esta minha tristeza

3 5 — por momentos se finda


2 6 — e desejo sofrer a vida ainda

27 — e fic o a meditar:

2 8 — como os homens são maus e como a terra é linda!

29 — Certo não fo r a assim tão triste a vida

4 0 — se, das aves seguindo 0 exemplo encantador,

4 1 — a hum anidade livremente unida,

4 2 — gozasse a natureza, a liberdade e 0 amor.

42 — Eu quisera viver

4 4 — sem a fo rm a possuir de hum ano ser,


4 5 — viver como os passarinhos,

4 6 — uma existência toda de carinhos

4 7 — de deliciassem p a r ...

4 8 — M orte, que és hoje todo meu prazer,

4 9 — fo ra s então meu único pesar!

5 0 — Eu quisera viver a voar, a voar

5 1 — até sentir as asas molentadas,

5 2 — voar ao cair do sol e ao vir das alvoradas,

5 3 — voar mais, ainda mais,

5 4 — pa ira r bem longe das criaturas

5 5 — nas sereníssimas alturas

5 6 — celestiais.

• 166 •
57 — Voar mais, ainda mais

58 ~ ( o vôo me seduz)

5 9 — voar até, finalm ente,

60 — num dia muito azul e m uito ardente,


61 — alma — pa ira r do espaço à flu x,

6 2 — matéria — despenhar-m e de repente,

6 3 — sobre a terra absorvente,

6 4 — morta; morta de lu z!l6i

T o d o o p o em a estru tu ra -se em u m ú n ic o d esejo q u e se r e ­


pete n o p r im e ir o verso de cada estro fe: E u quisera viver. Esse d esejo é
expresso n o p re té rito m a is -q u e -p e r fe ito sim p les d o in d ica tiv o do
verb o q u e re r. Esse te m p o verb al in d ic a c o m u m e n te u m a ação que
o c o rre u antes de o u tra ação já passada;163 nesse se n tid o , o p o em a
gilk ia n o , m ais q u e u m a aspiração fu tu ra , deixa antever u m fato
co n su m ad o , o u seja, sua " p r is ã o ” nessa vid a triste, tão sem vida.
A ssim , da p rim e ira à q u in ta estro fe, a p o esia evoca a existência
livre d os pássaros, a vid a quase in c o r p ó re a , sem regras, sem in t é r ­
pretes, go zan d o apenas os prazeres da n atu reza . N a sexta estro fe,
n o p r im e ir o verso, o ve rb o em p rega d o é o ser, tam b ém n o p r e té ­
rito m a is -q u e -p e rfe ito , d eix a n d o claro o "n ã o se r” da au to ra, em
outras palavras, sua falta de lib e rd a d e , m a rcan d o u m to m de pas­
sividade d eclarada sob re esse sen tim e n to de p risã o . M as n a sétim a
estrofe, n o verso 4 8 , a palavra " M o r te ” , p rep ara a m o d ificação do
estado passivo co m q u e vem sen d o trad u zid a a ação p elo uso do
p retérito m a is -q u e - p e r fe ito . E co m o u m a espécie de efe ito reve r­
so, da ação co n creta que o c o rre na ú ltim a estro fe p e lo em p rego
do in fin itiv o d o ve rb o " V o a r ” , u tiliza d o n os versos 57 e 58 , p e rc e ­
b e-se a tom a d a de d ecisão, de lib e rta ção , da au tora. E as im agens
in praesentia da co n stru çã o sin tagm ática c o n d u ze m o le ito r à visão
de u m c o rp o d esd o b rad o , qu e tom a a fo rm a de u m passarin ho e,
n um a ascensão c o n tín u a , p ro jetad a para o fu tu r o , m esm o após a
d erro cad a do p a ssa rin h o -p o e ta , c o n tin u a em d ireção à lu z. Esse
fato p o d e ser observad o n o s versos 61, 62 e 6 3 , m arcados pela se­
paração do c o rp o e da alm a: /— alma — pa ira r do espaço à f lu x ,/ — matéria
- d e s p e n h a r - m e de rep en te,/ sobre a terra ab sorvente,/. T o d o o ser da au tora
in teg ra -se n o va m en te nessa m o rte fin a l, c o m p o n d o u m a espécie • 16 7-
de tran sm u tação, um a "m eta m o rfo se a sce n sio n a l” , a segunda d es­
crita n o p o e m a (a p r im e ir a é a do c o rp o que se tran sfo rm a em
pássaro), d escrita n o verso 6 4 , q u an d o o p a ssa rin h o -p o e ta m o rre ,
um a m o rte dada p e la lu z. T al ação p o ética verticalizad a é a rea liza ­
ção da tra n sc e n d ê n c ia da m atéria para o re to r n o ao u n o p r im o r ­
d ial sim b ó lic o .
Esse texto de G ilk a M achad o lem b ra o p o em a "Ism ália” ,164
d o p o eta sim b olista A lp h o n s u s de G u im arã es (1 8 7 0 -1 9 2 1 ), que
tam b ém m a n té m n o seu m o v im e n to de co rresp o n d ên cia s essa v e r ­
ticalid a d e in te g ra d o ra , uno actu. A d ife re n ça básica é q u e, na poesia
de A lp h o n s u s, a q u ed a e a ascensão o c o r re m em te rceira pessoa, e
na p o esia de G ilk a está n o m o v im e n to do eu p o é tic o , c o lo c a n d o -
se n o p o e m a em p rim e ira pessoa, ao m o d o de u m a canção lírica .
A ssim , "A sp ira çã o ” passa a ser a p r ó p ria expressão da alm a da p o e ­
ta, o d esejo aéreo q u e, já n o títu lo do p o em a , é e v o c a d o .'65
A ssim , o esp írito votivo p o ético plasm ado na p alavra-carn e
q u e d ança, n a po esia gilkian a, m arca o desejo in teg ra d o r de eleva­
ção e p u rifica ç ã o das form as de expressão, que para a po eta está em
suas im agen s aéreas e de flu xo c o n tín u o , m arcan d o a ten d ên cia à
m u ltip lic id a d e e ao m o v im en to destas. Existe u m a gran d e aversão
da po eta pelas críticas e pelas in terp retaçõ es rígidas de sua obra,
co m o aparece n o p o em a analisado a n te rio rm en te e em vários o u ­
tros. P rovavelm en te, isso se dá em razão de as críticas se fixarem
em u m ú n ic o p o n to de vista, o qu al não satisfaz o esp írito a m p lo ,
d efe n so r de um a ob ra m ais aberta, co m o n o caso de G ilk a M a ­
chad o. Esse aspecto já fo i com en ta d o n a análise da p o esia "R e tra ­
to fie l” , cuja gra n d e p o n d era b ilid a d e p ro c u ra escapar às fixações
interpretativas. N aq u ele texto, a po eta descreve iro n ic a m e n te , em
u m m o v im en to explicativo tip icam en te p ó s -m o d e r n o , seu flexível
retrato de poesia, que n ão é u m , mas vários, e que p a ira em m eio
"a u m m u n d o de cegos” . O s d ois ú ltim o s versos de "R etra to fie l” ,
/N ã o olhes os meus retratos,/nem me suponhas em m im ./ ,166 p e lo em p re go do
m o d o im perativo negativo m arcan d o o in íc io da p rim e ira e da ú l ­
tim a estro fe, deixam claro u m eu líric o m ú ltip lo n o fazer p o é tic o
gilk ia n o . Essa au to b io gra fia p o ética in d ica, em to d a a o b ra da a r ­
tista, realizada p rin cip a lm en te na p rim e ira pessoa, a sem ân tica de
• 168 • vários seres. Esse " n ã o - e u ” gilk ian o p o d e te r tan to o sen tid o d o eu
que se fu n d e na natureza, nas im agens u niversais, tantas vezes c u l­
tuadas n os seus poem as, com o o d o a n tieu , o q u al, p a r tin d o de um a
u n id a d e co n cen trad a n u m 5e//em ocional fe m in in o , ro m p e sua es­
tru tu ra psíq u ica fixa e dá espaço às questões relativas ao "tra n se” , ao
processo de in c o rp o ra çã o (presente tam bém n a o b ra v o lu sia n a ), às
vivências do u ltra m u n d o , questões que serão abordadas nas páginas
a seguir.

P o e s ia e tran se

E ro s V o lú sia pregava o b aila d o b ra sile iro co m o lib e rta ção ,


além das restriçõ es de m o v im en to s d ita d o s co m o n o rm a s. E ros
era favorável à revelação da fo rte p e rso n a lid a d e artística d o país
n os seus m o v im e n to s, q u e para ela n ão d everia m ser rea liza d o s nas
p o n tas d os pés, co m o n o b alé clássico, " p o rq u e devia cam in h ar
co m a en ergia in d isp en sável aos d esbravadores d os n ovos h o r iz o n ­
tes g e o g rá fico s” . D esse m o d o , a b ra sileira fazia de sua arte um a
expressão p o lític a , na q u al a in d iv id u a lid a d e da p e rso n a lid a d e de
cada p ovo tem o "d ever de c o n q u ista r a in d e p e n d ê n c ia de seu ser
in telectu a l, para con servar a a u to n o m ia p o lítíc a , para m e re c e r o
lu ga r q u e lh e cabe n o m u n d o , para e x p rim ir sua c o n sciê n c ia , para
c o n tr ib u ir n o p a tr im ô n io da civilização ” .167
A n d r a d e M u ricy com p ara a arte da d ança de E ro s ao p o n to
cu lm in a n te em q u e c h eg o u as artes da m úsica de V ila - L o b o s ; da
p in tu ra im p ressio n ista de E lise u V is c o n ti e do E xp ression ism o de
C â n d id o P o rtin a ri; da p o esia de G ilka M ach ad o , C e c ília M eireles,
M a n o e l B a n d eira , C a r lo s D ru m m o n d ; do ro m an ce de G r a c ilia -
n o R am os; da n ovela de M á rio de A n d ra d e . Para o c rític o , a rota
rea lm e n te fe c u n d a e im p o rta n te é a do "n a cio n a lism o para a
am pla u n iv e rsa lid a d e ” .168
A ssim , en q u a n to Isad ora falava do m o v im e n to e d o c o rp o
"m ara vilh o so e liv r e ” das esculturas gregas, E ro s fala de u m a fo n te
de êxtase e de en erg ia p r im o r d ia l d o m o v im e n to ad vin d o da c u l­
tu ra n egra , n o c o n tato co m as en tid ad es esp iritu ais. Essa caracte­
rística m ística p rese n te n a o b ra de E ro s tam bém tem paren tesco
co m o esp iritu a lism o p reg ad o p elo s sim bolistas, q u e p rocu ravam • 169 •
ex p lo ra r o u tro s d o m ín io s da realid ad e p o r m eio de im agen s e p r á ­
ticas ocu ltas, o lh a n d o os cam in h o s h erm ético s dos p la n o s d o ser
q u e tra n scen d e m o m a terialism o q u o tid ia n o .
S e g u n d o A n tô n io S oares A m o ra , a vo lta ao esp iritu alism o
n a ép o ca d o S im b o lism o fa vo receu o a p a recim en to de igrejas que
m a n tin h a m ín tim a s relaçõ es co m a literatu ra , co m o V e r a - C r u z
(R io , 18 9 8 ), R o s a - C r u z (R io , 19 0 1), In stitu to P itag ó rico o u T e m ­
p lo das M usas (fu n d a d o p o r D a rio V elo so , em C u ritib a , 1 9 0 9 ).
S oares A m o r a a firm a a esse resp eito te rem existid o m ovim en tos
esp iritu a is extravagantes os quais "em b o ra deixassem m arcas b em
vistas n a p o esia (e n a arte tip o g rá fica ), passaram co m o p r u r id o s de
n o vid a d e , co m o atitud es efêm eras de p e q u e n o s gru p o s q u e p r o ­
cu ra ra m im p o r - s e p e lo ex c ên tric o , típ ic o dos p r im e ir o s anos do
S im b o lism o d eca d en tista ” .169
Esse m o v im e n to de esp iritu alização sim b olista tam bém
aparece n a d ança das p rim eiras décadas do sécu lo X X , q u an d o os
artistas dessa arte p ro cu ra v am c o o rd e n a r m e n te/ co rp o , ten ta n d o
e n c o n tra r a u n iã o d o m a terial co m o esp iritu a l e re cu p era r a i n ­
te g rid a d e p e rd id a a q u i n a terra. A b u sca dessa u n id a d e, q u e é u m a
co n stan te n a arte de E ro s, já estava p resen te n os trab alh os de L a ­
b a n , q u e, tra n sp o n d o seu in teresse m etafísico p ela o rd e m R osa-
C r u z p ara o p la n o da dança, fu n d a sua te o ria em d ois p lan o s: o
da d im en sã o esp iritu a l (para o q u al ele d era o n o m e de terra do
silên cio ) e o da d im en são m aterial (terra da a ven tu ra). S eg u n d o
P re s to n -D u n lo p e G eary, co m essa p e rcep çã o d os d ois p la n o s
o b a ila rin o alem ão "tin h a resolvid o p o r ele m esm o o p ro b le m a
d ivin o da u n ific a çã o n o m o v im e n to a rtístico das duas partes do
sím b o lo : a alm a co m o c o rp o exp ressivo” .170 Essas p esqu isad oras
a firm a m que L ab an co m p re e n d ia te r e q u ilib r a d o o S im b o lis m o e
o E xp ression ism o abstrato n a q u ilo q u e se to r n o u c o n h e c id o co m o
Ausdruckstanz.

M ary W igm a n , a q u em os crítico s tam b ém aproxim avam


a arte de E ro s V o lú sia , p e rc o r re u cam in h o s sim b olistas nas suas
criaçõ es. Mas o S im b o lism o p resen te na d an ça exp ression ista d es­
sa artista é m ais o b scu ro e m iste rio so , e ela p e r s o n ific o u a raiva
da A le m a n h a . A c o re o g ra fia H exentanz (1913) da d a n ç a rin a alem ã
• 170 • co n tém a essência dos valores sim bolistas, c o m o os tem as n e g ro ,
p rim itiv o , exótico (nas rou p as e n a m áscara), b ru x a / m u lh e r, d e ­
m ô n io , o c u ltism o . O S im b o lism o em M ary W ig m a n 171 a p ro x im a -
se m ais da id éia abstrata, pa rcia l, in c o m p le ta e co n fu sa q u e u tiliza
form as naturais inadequadas e p ro d u z o desm esu rad o, o m o n s tr u o ­
so. Sua arte p ro c u ra e x p rim ir o in fin ito , o m iste rio so , o in s o n ­
dável, a "id éia que n en h u m a fo rm a sensível p o d e e x p rim ir, e qu e
é levada a u tiliza r o sím b o lo , rep resen tação n a q u al o sig n ifica d o
n ão c o in c id e co m a exp ressão” .172
Mas o S im b o lism o p resen te em E ro s V o lú sia a p ro x im a -se
m ais do de L a b a n ,173 n o sen tid o de que este u tilizava a d a n ça para a
co m em o ra çã o coletiva, co m o v e ícu lo para sua m issão de r e g e n e ra ­
ção da socied ad e. A s danças coletivas, seg u n d o as te o ria s de L ab an ,
p o d e ria m servir co m o in stru m e n to de ed u cação, p o is era m um a
fo rm a esp ecífica de tre in a m e n to de u m " e s fo r ç o ” (im p u lso s i n ­
tern o s a p a rtir d os quais se o rig in a o m o v im e n to ), m ais o u m en os
co n scien te , co m um a elab o ração bastan te sin g u la r de id éias acerca
das qualid ad es dos m o v im en to s e de seu u so . Essas co n stru çõ e s
co m base n o m o v im e n to rem ete ria m a u m tip o de p en sa m en to
vo ltad o para a o rien ta çã o d o h o m e m em seu m u n d o in te r io r . N os
term os desse m o d o de p en sa r, "o d esejo q u e o h o m e m acalen ta
de o r ie n ta r -s e n o la b irin to de seus im p u lso s resu lta em ritm o s de
esforços d e fin id o s, tais co m o os p ra tica d o s n a dança e n a m ím i­
ca” .174 Para L ab an , u m b a ila rin o o b servan d o as danças regio n ais
o u n a c io n a is p o d e ria e n te n d e r traços do estado do esp írito o u de
caráter de u m p o v o . E d a d o , p o rta n to , ao b a ila rin o desenvolver
u m p a p e l a n tr o p o ló g ic o . Para o co re ó g ra fo h ú n g a ro -g e rm a n o ,
"em te m p o s b e m antigos, estas danças eram u m dos m eios p r in c i­
pais de en sin a r ao jo v e m co m o a d ap tar-se aos h áb ito s e costum es
de seus an tepassad os” .175
P o r m e io de sua d ança, E ro s tam b ém fala da p rom essa de
ev o lu ção , da c o m p reen sã o e d o e n te n d im e n to social h u m a n o na
in c o rp o ra ç ã o d os m o v im e n to s c o rp o ra is exóticos, presentes nas
festividades das várias etnias que c o m p õ em o p o vo b ra sile iro . A s ­
sim , E ro s p ro c la m a "o p o d e r da d an ça” co m o cu ltu ra para a fo rm a
e para a alm a, a "d an ça da alegria de viver. E só co m alegria de viver
p o d e rã o os p o vos trab a lh ar pela paz d o m u n d o ” .176
E ro s p ro cu ra v a n a sua d ança resgatar e va lo rizar sua n a c io ­ •17 1.
n alid ad e e sua cu ltu ra . T a m b ém essa é u m a h eran ça sim bolista.
A n tô n io S oares A m o r a fala da característica de in terp re ta çã o da
rea lid a d e n a c io n a l presen te n o S im b o lis m o . Para esse c rític o , e m ­
b o ra a estética sim b olista n o B ra sil n ão se ten h a d istan ciad o m u ito
do R e alism o , " a c e ita n d o -lh e u m a h eran ça de preo cu p ações s o ­
ciais” , a la rgo u o h o r iz o n te da p ro b lem á tica étn ica e c u ltu ra l b r a ­
sileira. S e g u n d o A m o ra :

A d escob erta , fra n ca m en te evid en ciada p e lo S im b o ­


lism o , da "alm a p o p u la r ” , das virtu d es da "ra ça ” , e a
caracterização qu e lo g r o u fazer de alguns tip os r e g io ­
n ais (o se rin g u e iro , o sertan ejo n o rd e stin o , o n eg ro ,
e o p r a ie iro b a ia n o , o caip ira, o gaú ch o) a b rira m -
n o s os o lh o s p ara u m a realid ad e h u m a n a b ra sileira
fo r te m e n te sugestiva.177

E ro s V o lú sia , co m sua n ova m eto d o lo g ia n a dança, p r o c u ­


r o u averigu ar o p rocesso de fo rm açã o d o co n h e c im e n to artístico,
além das lin g u ag en s já estabelecidas (a d o b alé clássico), n o seu
p ro cesso de u n iã o e de in tegra çã o d o h o m e m co m in fo rm a çõ es
p r im o r d ia is de sua n atu reza p rim itiva .
E ros acreditava ser tarefa da arte n ão só o d o m ín io das lin ­
guagens cod ificad as em que esta se p ro p õ e expressar, mas tam bém
da p ré-lin g u a g em , em qu e a u n id a d e p ercep tiva do artista atua­
liza n a o b ra realizada a co n sciên cia coletiva e o c o n h e c im e n ­
to in tu itiv o . Sua dança apresentava u m a p re o cu p a ç ã o estética de
d esen volvim en to d o c o n h e c im e n to / m o v im e n to n os seus novos
m eios/m ensagens. Essa atitu d e da b a ila rin a revela a c o m p reen sã o
de um a gran d e p o ssib ilid ad e de d esen v o lvim en to da lin g u a g e m a r ­
tística na m o d e rn id a d e , o u seja, a expressão h íb r id a .178
A d escob erta da "realid a d e h u m a n a b ra s ile ira ” n a o b ra de
E ros V o lú sia tam bém está p resen te na o b ra de G ilk a M ach ad o .
A po eta possu ía versos q u e in sp ira ram a filh a nas suas pesquisas
de co reo g ra fias h íb rid a s, co m o "C a sc a v e la n d o ” , baseada n o p o e ­
m a "S am b a ” . "C a sca v ela n d o ” é u m a co m p o siçã o c o re o g rá fica na
q u al E ros, na parte su p e rio r d o tr o n c o , faz gestos o n d u la n te s que
• 172 ■ lem b ra m o m o v im e n to das cobras; na p a rte in fe r io r d o tr o n c o ,
n os q u ad ris e n o s pés, o m o v im e n to m arca o r itm o d o sam ba,
c o m p o n d o um a m ovim en tação m u ito sen sual. Essa m o v im en tação
criad a pela b a ila rin a é ev id en tem en te u m a d a n sin tersem io tiza ção
da po esia da m ãe, co m o será d em o n stra d o n o "P o em a d a n ça n d o
— p oem a/dan ça, d a n ça/p o em a ” .
A am pla viv ên cia a rtística de E ro s n o c in e m a , n a p o e sia de
seus pais e n a sua d ança p r e p a r o u - a p ara essa a titu d e in o v a d o ra
n a cria çã o de u m a d an ça h íb rid a , u n iv e rsa l e b ra s ile ira . S e g u n d o
M c L u h a n , "o s artistas de to d o s os setores são sem p re os p r im e i­
ros a d e s c o b rir co m o cap acita r u m d e te rm in a d o m e io p a ra u so
o u co m o lib e r ta r a fo r ç a la ten te de o u t r o ”.179
A lg u n s d os gestos h íb rid o s cria d o s p o r E ro s, sín tese de suas
pesquisas na dança b ra sileira , fo i tam b ém u tiliz a d o p o r o u tra atriz/
can tora/b ailarin a fam osa n o cin em a , C a r m e m M ira n d a , q u e fic o u
co n h ecid a em sua dança p o r usar u m a m o v im e n tação c aracte rís­
tica das m ãos, em vo lteio s b a rro co s p e lo ar, ao la d o d os o m b ro s.
Esse gesto fic o u m u n d ia lm e n te c o n h e c id o co m o u m m o v im e n to
estilizad o característico de C a r m e m M ira n d a , m as f o i in s p ira d o
em u m a m ovim en tação criad a p o r E ro s, q u e tin h a nas m ãos u m a
b eleza in vu lgar, co m en ta d a até p o r A n a Pavlova. A b a ila rin a tin h a
em seu re p e rtó rio u m n ú m e ro q u e ch a m o u " S in fo n ia das m ã o s” .
E ro s esclarece o que elas represen tavam nessa co re o g ra fia :
T o d a a h istó ria em otivada da alm a através do gesto —
desde as m ãos da in o cê n c ia que desabrocham à lu z em
seus p rim e iro s tateios, até as m ãos engelhadas qu e es­
te rto ra m e to m b a m na ren ú n cia d efin itiva . E m m eio
a u m fu n d o in teira m en te escuro fo ca liza n d o apenas
0 b u sto, m o v em -se os braços n a dança da vida e da
m o r te .180

T a m b é m sob re o tem a das m ãos, G ilk a escreveu u m poem a:


"Tuas m ãos são q u e n te s” , d o liv ro M eu glorioso p eca d o . P o d e-se in f e ­
r ir a q u i q u e as d escob ertas estilizadas do m o v im e n to das m ãos em
E ros V o lú sia p a rtem das liçõ e s de m o v im e n to , sutilezas de esforços
que a p o eta estabelece n o poem a:
• 173 •
1 — Tuas mãos são quentes, m uito quentes

2 — (m as que arrepios,

3 — minha carne, sentes,

4 — aos seus macios

5 — d ed o s!... ) ; Tuas mãos são m uito quentes,

6 — mas teus afagos me parecem frio s

7 — com o os esguios

8 — corpos das serpentes.

9 — M ão s leves, mãos fagueiras,


1 0 — que p o r minha epiderme vêm e vão,

11 — num afã de rendeiras,

1 2 — através de horas inteiras

1 3 — de serão.

1 4 — M ãos leves, mãos fagueiras

1 5 — na minha sensação.

1 6 — P or essas mãos é que me dizes

1 7 — todas as coisas

1 8 — que não ousas

i g — dizer com a fa la ,

2 0 — as confidências que teu lábio cala

2 1 — aos meus ouvidos infelizes.


22 — Com essas mãos que de volúpia, abrasas,
2 3 ~ Prendeste um dia minha mão:
24 — que desespero de asas!-
25 ~ tua mão
2 6 — me magoa o coração.

2 7 — M eu corpo todo, no silêncio lento,

28 — em que me acaricias,
29 — meu corpo todo, às tuas mãos macias,
30 — é um bárbaro instrumento
3 1 — que se volatiliza em m elodias...

3 2 — E, então, suponho,

33 — à orquestral harm onia de meu ser,


34 — que teu grandioso sonho
• 174-
3 5 — diga, em mim, o que dizes, sem dizer.

3 6 — Tuas mãos acordam ruídos

3 7 — na minha carne, nota a nota, frase a frase;

3 8 — colada a ti, dentro em teu sangue quase,

3 9 — sinto a expressão desses indefinidos

4 0 — silêncios da alma tua,

41 — a poesia que tens nos lábios presa,


4 2 — teu inédito poem a de tristeza,

4 3 — vibrar,

4 4 — cantar,

45 ~ minha p ele n u a .lSl

Para a d ança n ova pregad a p o r Isad ora D u n c a n , co m a qual


G ilk a M achad o e E ro s V o lú sia se id en tifica va m , o v a lo r da em oção
o u da c o n cen traçã o expressiva co m u n ic a d a p e lo m o v im e n to d eve­
ria estar nas m ãos e n a altu ra d o p le x o e n ão n o s pés d os b a ila rin o s,
o q u e m uitas vezes o c o r re n o b alé clássico em q u e há o e n fo q u e nas
sapatilhas de p o n ta e o cu lto ao c o u p -d e -p ie d . E ro s d izia q u e sem pre
trab a lh o u m u ito as m ãos e que estas tiveram u m p a p e l fu n d a m e n ­
tal nas suas danças. A b aila rin a desaprova a té cn ica das pern as:

N ã o há b eleza na dança q u an d o as p e rn as estão em


ação. C o m o já disse certa vez: d evem os tran sm u ta r
em expressão e m o v im e n to s os ritm o s so n o ro s que
n o s p e n e tra m os sen tid o s, d e v o lv e n d o -o s ao in fin ito
n a rap id ez d o m ilag re da arte. N as m in h as danças, os
o lh o s, a b o ca, os cabelos e, p rin c ip a lm e n te , as m ãos
tiveram sem p re p a p e l p re d o m in a n te . Só assim a d a n ­
ça se to rn a u m a lin g u a g e m de arte u n iversa l e p o d e ­
m os tr a n sm iti-la ao m u n d o .l8a

O u tr a p o eta , q u e se p r e o c u p o u em pesqu isar as m a n ife s­


tações p o p u la res, C e c ília M e irele s, m e n cio n a , tam bém sobre a
s im b o lo g ia das m ãos, a a trib u içã o do p o d e r de p ro te çã o à "fig a ”
n a c u ltu ra p o p u la r. C e c ília , ao descrever a in d u m e n tá ria da n egra
b aia n a , revela q u e q u an d o a carga de ru in d a d e é m u ito gra n d e a
fig a estala. P ara ela a im p o rtâ n c ia a trib u id a à m ão n o s p ovos p r im i­
tivos, co m o u m costu m e m a o m eta n o de usar na p o rta u m a m ã o ­
zin h a co m o escu d o co m os dizeres: " A m in h a m ão d ireita n o teu
o lh o esq u erd o , e a m in h a m ão esqu erd a n o teu o lh o d ir e ito ” .1®
3
A n a lis a n d o -s e os d esen h o s, realizad os p o r C e c ília M eireles,
das p e rso n a g e n s da c u ltu ra p o p u la r envolvidas n os Batuques, sambas e
macum bas, p e rc e b e -s e o d elic a d o tratam en to estilizado d ado à p o s i­
ção das m ãos. Essas m esm as m ãos de suavidade e b eleza m ágica são
as ostentadas p o r E ro s V o lú sia em suas danças e qu e p e rm a n e ce m
retratad as nas suas fam osas fo to s.
P ara A d o l f o S ala za r, as m ã o s q u e r e c o n h e c e m a m ú sica
em seu s m o v im e n to s tê m p r o p r ie d a d e s m á gicas. O p e s q u is a d o r
a firm a q u e:

É m u ito certo q u e os ritm o s m usicais d esp ertam m o ­


vim e n to s m uscu lares sin crô n ic o s. A cabeça, os pés,
as m ãos seguem d o c ilm e n te a cadência da m ú sica. Mas
co m o é p r ó p r io da m agia é a reversib ilid a d e dos f e ­
n ô m e n o s, os gestos rítm ico s n ascid os ou estim ulados
pela m úsica p o d e m h erd a r o p o d e r m ágico da f ó r ­
m u la de c o n ju r o . A ssim , a vo n tad e do m ago p o d e
e x e rc e r-se sob re o p o d e r ín teg ro da fó rm u la através
d os m o v im e n to s co m que as m ãos vão seg u in d o a i n ­
flexão m e ló d ic a . T ã o u n id o está o sen tid o plástico e
vo cal n o s eg íp cio s qu e, seg u n d o certas a u to rid a d es,
cantar se d e n o m in a em seu id io m a co m u m v o cá b u lo
q u e lite ra lm e n te q u er d izer fa z e r música com as mãos e,
em sua escritu ra h ie ró g lifa , cantar está rep rese n ta d o
p o r u m a m ão u n id a ao a n te b r a ç o .184

O c u r io s o é q u e essa p o s iç ã o d o s b ra ç o s , a n tes cita d a p o r


S alazar c o m o a re p re se n ta ç ã o h ie r ó g lif a e g íp c ia , a m ã o u n id a ao
a n te b r a ç o , é u m p a r a le lo da m o v im e n ta ç ã o e s tiliz a d a d e E ro s
V o lú s ia e a d q u ir iu fa m a n o s b ra ç o s de G a rm e m M ir a n d a .
Essa c o n s c iê n c ia d o c o r p o e de to d a s as suas p a rte s c o m o
m e io ex p ressivo e su g e stiv o 185 d e s e n tim e n to s e e m o ç õ e s , q u e
se p r o n u n c ia n a p o e sia de G ilk a , m a te r ia liz a - s e nas e v o lu ç õ e s
• 176 • c o re o g rá fic a s v o lu sia n a s. U m a revista de M ilã o 186 p u b lic o u u m
a rtig o so b re a d a n ça da b r a s ile ir a c u jo títu lo é " O sam b a se d a n ­
ça co m os c a b e lo s ” .187 E m b o r a a frase de e fe ito soe c o m o im a ­
g in a ç ã o jo r n a lís t ic a , r e a lm e n te E ro s d an çava c o m os c a b e lo s e
c o m o c o r p o to d o , c o m o fic a e v id e n te nas c rític a s p u b lic a d a s a
seu re s p e ito e n o s re g istro s fo t o g r á fic o s e fílm ic o s q u e r e tr a ­
tam sua d a n ç a . O a rtig o da revista ita lia n a fa la d esse a sp e cto
fu n d a m e n ta l da c o n s c iê n c ia té c n ic a e exp ressiva v o lu s ia n a ao
d iz e r q u e a b a ila r in a b r a s ile ir a u tiliz a v a o p r ó p r io c a b e lo c o m o
u m v é u sa ce rd o ta l, o u u m a m is te rio s a lin g u a g e m da q u a l só ela
p o ssu i a chave, e seu m e io ex p ressivo o r ig in a l re p re se n ta v a s ig ­
n ific a tiv a m e n te o r itm o s u l- a m e r ic a n o , d is tin g u in d o a d an ça
v o lu sia n a da d a n ça de K a th e r in e D u n h a m 188 p e la fo r ç a d ire ta
d o tra n se , da in c o r p o r a ç ã o d os e le m e n to s o b s c u r o s e sagrad os
p re se n te s em sua d a n ç a .189
E ro s tin h a u m a p r o fu n d a em p atia co m os tem as de m o v i­
m en to p o r ela pesqu isad os, os quais eram o resu lta d o de an os de
investigação da alm a b ra sileira fo rja d a n o s d evotos d os te rreiro s
em cujos m o vim en to s se revelava o silê n cio d os "sugestivos b ra d o s”
da m estiçagem . A b a ila rin a afirm a:

P arece qu e fo i o n t e m ... estou a in d a a v ê -la , em m eio


à capoeira cheirosa de m aravilhas e sensitivas, ressoan -
te e trem elu ze n te , a "m acu m b a ” d o j o ã o da L u z, com
aquelas m úsicas q u e con servo de c o r e aquelas estra­
n has cerim ô n ia s qu e eu n ão c o m p reen d ia e qu e m e
fascin avam . C o m e c e i a d an çar n aq u ele te rr e iro , d ei
lá os m eu s p r im e ir o s recitais. O velh o "b a b ala ô ” a tri­
b u ía m in h as danças a u m en viad o de Y e m an já, dizia
q u e eu dançava c o m o " sa n to ” ... C r e io que ele tin h a
razão e q u e o "S a n to ” n ão m e a b a n d o n a rá .190

E m o u tro d e p o im e n to , E ro s fala de seu ritu al de estudo


e a p e rfe iç o a m e n to d o m o v im e n to e de sua característica m ística
q u an d o diz que:

A dança é co m o u m a reza: não tem n e n h u m va lo r se


a g e n te n ela n ão se p õ e in te ira , em c o rp o e em esp í­ • 177 -
rito ! E u d a n ço co m o q u em reza. E, aliás, rezo m es­
m o ... q u a n d o estou d a n çan d o q u a lq u er ritu a l nagô
o u "d e c a b o c lo ” !191

Esse aspecto d o "tra n se ” , o m o v im e n to expressivo que só é


d ado ao " in ic ia d o ” , viven cia d o nas obras de E ros V o lú sia e tam bém
p rese n te na p o esia de G ilk a , é u m a característica sim b olista. R alph
W aldo E m e rs o n , em " O p o e ta ” , fala da p resen ça do êxtase estético
e m ístico na m en te d o vate co m o c o n d içã o de criação da poesia
"a d e q u a d a ” . P ara ele, o p o eta só fala ad equ ad am en te q u an d o fala
co m a " flo r da m e n te ” , livre do co m p ro m isso in te le c tu a l.'92
A b a ila rin a b ra sileira possu ía essa feliz capacidade de assi­
m ila r a in fo rm a çã o receb id a p ela in flu ê n c ia d o m e io em qu e viveu,
d esen vo lven d o u m a síntese dos co n h e c im e n to s q u e lh e chegavam
p o r m e io dos se n tid o s,193 tr a n sfo r m a n d o -o s em in fo rm a çõ e s esté­
ticas m ed iad as p e lo trip é m úsica, po esia e dança, co m o m eio p r i ­
m itivo de in te rco m u n ica ç ã o en tre céu e te r r a .194
Ê evid en te a b e m -su c e d id a con ju g açã o en tre conteúdo a n ím i­
co e expressão sen so rial nas danças volu sian as. A p esa r dos aspectos
m ísticos p resen tes nas discussões a q u i tratadas, não se p o d e d e i­
x ar de lad o a co n sciên cia de E ro s em suas danças. A b aila rin a e n ­
tregava a alm a ao seu m ister a rtístico, mas co n d u zia o c o rp o n o
seu m o v im e n to d a n sin tersem io tiza d o co n scien te , o u seja, na sua
n tô o N & C K )
EN TEMENTE *“
R í t s J d * E r o » V d m i a , » K»i>-
la r in a n e g r a 4 * B a i * y '
SA LV A D O R , 6 •Ai&prasjn X .
t7m jgrupo d€ intêleçuuu« e ex-
c iX B ic r t a£, que &- encontra nes-
ta - fcpiial. a fim d « aastsür ás
c n.oajora-çôofc cln Quarto C «n u
ru r <ia F u n d e io d» ßaJvarfrr.
com i«xeisea. oom o curieaUfade &4
uma. psquena ísita airo-bra&»!ei- ,
r& pis tur, dos báirro* decca oapiv
taj. âurar:tt a Qual 'ora a* apr»^
sen Udos numeroa d; verso* de a W i
alce regional e dansa u m dawns
mim »ros con&tou d« um bailado
típico rum orldo por uma i*a:lart-
na de cor, s». - i t z bela« evotyçfits
coreosraflca. . Múitoç dos presan-*-
tes viram tim# «Borrn? »emelhan-
í» o effti-o ii* daxiaajnna
rieteonhetista com o dc Eíroc V<v w
lu -u a. term inado o numero, pw»- /
curaram m dagar aonde eíuv» l o - k
vrm inha aareudidn a dançar j
com ta h lo ritJáo e "escola ao
ftitsma Mmpo que •«> referlram .è L
• i8 o • t*meUiaß«ja notada
A J c e m bailarina . depois dflr
dí.m omtraj com plete |*nc*aneial*
ua rxuKéncií! d* n u eOttaa«radA
col**a cluae: “ Jamau. aprendia
daiUS É&RÇUto «SÍTí*a JJÍV3©* Í ija -í
£B a*in C ** - iniCia do Qje faço.
com o ae tu.:* íorça oculta orien-
'a u v meus m ovim entai. Q ua'ido
termino tfe daoaar **cju#ço o qt>#
Ite TaJvra »u c rla n m ttifl" a
moça da ipiâl r.J -n ia«?ando e ou ?
«u rtft« co n h e ce T ^ m . ] b tam-
rem »*.’ » movida pelo m esm o ee- .
pjrito que m r anima-'*

U m artigo de jo rn a l, sob o título de "D ança in con scien tem en te” , fala de um a
suposta rival de E ros Volúsia, um a bailarina negra da Bahia.
O artigo põe em evidência a m etodologia m ediúnica da dança volusiana,
m uito própria das danças de transe m ístico

I, UNIÃO DAS SEITAS AFRO-BRASILEIRAS OJ BAKU


D IPLOM A
u 4 n
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'jcftthw / •’ f, «-+JU*' f~r*
»*•*« ft< *t*íi . t—. * ■
»ai.

w« *. t».j[

D ip lo m a de G ilk a M ach ad o e E ro s V o lú sia da U n iã o das


Seitas A fr o -B r a s ile ir a s da B ahia
A ssim co m o E ros tem , ao lad o de u m d o m ín io técn ico
consciente, u m a visão m ística da dança, isto é, das form as traçadas
no espaço p e lo c o rp o físico em con exão co m o u n iverso esp iritu al,
também G ilk a M ach ad o faz de seu m ister artístico u m a co n sag ra ­
ção d ivin a d os ritm o s carnais.
G ra n d e é a possessão h ip n ó tic a p e lo ritm o e pela s o n o r i­
dade da palavra a fro -b ra s ile ir a su gerid a p o r G ilka em seu poem a
"D ança de filh as de te r r e ir o ” , do livro Sublim ação, cu jo su b títu lo
não deixa d úvid a q u an to à sua o rig e m , a d escrição de u m ritu al
m ístico, o u seja, o c a n d o m b lé da cidad e de Salvador:

1— 0 p a d ê 197j á terminou;

2— todas as feita s salvaram

3 — B om bongira-E m barabô

4 ~ e s e benzeram com a terra,

5 —e beijaram, reverentes,

6— o pétreo assento de E xu .198

7 —0 babalaô '99 corima,

8 — dançando na roda

g — das pretas que rodam

10 — e o canto repetem.

11 — P or entre as espúmeas

12 — camisas de renda,

1 3 — emergem pescoços

1 4 — elásticos, longos;

1 5 — e espáduas se movem

1 6 — como asas aflantes

1 7 — num banho de sons...

1 8 — 0 terreiro é uma lagoa

i g — cheia de negros cisnes.

20 — Paira p o r todo o ambiente

21 — um rum or-pulsação,

22 — rumor que não é apenas

2 3 — 0 que extraem mãos calosas


2 4 — de grosseiros atabaques,

2 5 — m as 0 que elas evocam:

2 6 — rumor surdo, m onótono, ritmai,

2 7 — rumor que me sugere

2 8 — o d e um cronôm etro incomensurável

29 — marcando horas de eternidade.

3 0 - O g u m !*°° O xa lá !201 X a n g ô !202

31 — O xóssi!203 Ian san !20i Iem a nja !2° s


3 2 — Cantando elas chamam

3 3 — os seus orixás;206

3 4 — e o s cantos se alongam,

3 5 — se alargam,

• i 82 • 3 6 — se elevam,

37 — quem sabe até onde ? !

3 8 — Q u em sabe até onde,

3 9 — se os mortos que os ouvem

4 0 — procuram viver,

4 1 — e o s vivos que os ouvem

4 2 — sep õem a so n h a r?!

43 — Cantos negros

4 4 — que aprisionais meus sentidos

4 5 — em cadeias macias

4 6 — de harm onias!

47 — Cantos de negros

4 8 — que despertais 0 passado

4 9 — e adormecestes tantas vezes

5 0 — minha infância!

5 1 — Cantos de negros

5 2 — no batucagé,207

5 3 — sinto, às vossas chamadas,

5 4 — que algo em mim vos atende,

5 5 — que algo em mim de recôndito vos busca!


5 6 - C om os p a n o s da Costa
5 7 — nos se>os atados
5 8 — e voltas de contas,

5 g — sem conta, nos colos,

6 0 — com as cores dos santos,

6 1 — que lindas são elas,

6 2 — assim, trescalantes

63 — do banho de fo lh a s,
6 4 — de defum ação,

65 — dançando no meio
6 6 — da dança das saias

67 — Q u e, amplas e alvas,
68 — vão desabotoando
69 — corolas no chão.

70 — £ 0 batuque recrudesce,
73 — O terreiro é um atabaque,

72 —palpitando os pés descalços


73 — das abians, das iauôs;
74 — 0 batuque recrudesce
75 ~ mas n&° vem só dos tambores,
7 6 — vem das pom as,

77 ~ das narinas
78 — e dos olhos das baianas.
79 — O batuque recrudesce
8 0 — e o babalaô corima

8 1 — agora m uito alto,

8 2 — cam inhando para as feita s

8 3 — de olhar parado e imperioso;

8 4 — cam inhando para as feita s

8 5 — que recuam e que avançam

8 6 — indecisas e medrosas;

8 7 — cam inhando para as feitas

8 8 — que estremecem,

89 — estremecem,
90 — parecendo eletrizadas.
g i — H á um conflito de serpentes,

92 — entre braços ondulantes


9 3 — e pulseiras de ouro e prata

9 4 - q u e os envolvem, chocalhando...

9 5 ~ P e l a hipnose dos rumores

9 6 — vencidas, tontas no espaço

9 7 — as negras as mãos agitam,

98 — em transe de possessão.

99 — Recalque que se desnudam;

1 0 0 — novos eus que se projetam ;

1 0 1 — caras que se transfiguram

1 0 2 — envernizadas de suor.

• i 84 • 1 0 3 — Giram, bambas, as cabeças;

1 0 4 — as pernas são p iõ es girando,

1 0 5 — e, fugas e chegadas,

1 0 6 — almas e corpos su p õ e-se

1 0 7 — que se vão desagregar.

1 0 8 — E o batuque continua

1 0 9 — alto eprofu nd o; d ir - s e - ia

1 1 0 — vir dos dedos das estrelas,

11 1 — vir dos abismos do oceano,

1 1 2 — vir dos seios da floresta,

1 1 3 — vir dos longes de mim mesma,

1 1 4 — vir de cardíacas bulhas,

1 1 5 — vir do p eito do B rasil !...208

N esse p o em a , G ilk a registra o ritu a l a fr o - b r a s ile ir o do


can d o m b lé, m ostran d o seu o lh a r p o ético /d escritiv o p e lo u so das
palavras de o rig e m a frican a relativas ao ritu a l r e fe r id o , p e la reve­
lação das n uan ças expressivas, dos esfo rço s c o rp o ra is, d os adereços
cên ico s, das cores fu n d a m en ta is n a e x p eriê n cia cên ica p o p u la r.
A p a rtir do verso 79 >0 batuque recrudesce, com o ritm o crescente e h ip ­
n ó tico dos tam bores, com eça a descrição d o "tran se” . S ob o olhar
"im p e rio so ” do sacerdote d o o rá cu lo , com eça a se im p o r o m o ­
m en to m ágico da cerim ô n ia . Já n o verso 91, H á um conflito de serpentes,
p elo m o v im e n to m e ta fó ric o da serp en te n os b raço s dos d a n ç a ri­
nos, te m -s e a tra n scen d ê n cia do in ic ia d o . S eg u n d o B ach elard , a
serp en te, sen d o o a n im a l m ais lig a d o à terra, le m b ra o m ovim en to
da raiz, e co m o tal, m eta fo rica m en te , "é u m traço de u n iã o en tre
o r e in o vegetal e o r e in o an im al e, co m o u m dos a rq u étip os m ais
im p o rta n tes da alm a h u m a n a ” ,209 está m u ito p resen te nas im agens
p o éticas gilk ian as assim co m o n o s m o v im e n to s estilizados de E ros
V o lú sia (c o m o p o d e rá ser observad o na análise do p o em a "S a m ­
b a ” ). A ssim , o ritm o cên ico /m á gico que se cria n o p o em a , desde
a d escrição do m o v im e n to dos b raço s e das m ãos à u tilização do
fig u r in o n a co n stru çã o rítm ica do passo, favorece o m o m en to da
frag m en taçã o d o " e u ” a p a rtir da d écim a q uarta estro fe.
A m atéria sim b ó lica gilk ian a em "D an ça de filh as de te r r e i­
r o ” é a m a téria 210 da " te r r a ” que g e ro u as m u lh eres e os h o m en s • 185 •
sim p les presen tes n o ritu a l pagão p o r ela d escrito e rea liza -se n os
d a n ç a rin o s, n o d evir dos son h os vividos n o te rr e iro , n o em bate,
p e lo m o v im e n to , do m aterial/esp iritu al para a tin g ir a organização
m o ra l. A ssim , a síntese p o ética, co m o a co n tece m uitas vezes na
o b ra de G ilk a M a ch ad o , é feita pela im agem da ação, da dança, que
faz p a rticip a n te a m a téria/co rp o /p o em a , p e lo ritm o das anáforas,
n a " g ir a ” , para o tran se das im agen s un iversais, evocan d o o n a c io ­
n alism o na ú ltim a estro fe, o a m o r ao B rasil.
C e c ília M e irele s tam b ém descreve em seus estudos a fo rça
evocativa d os b atu q u es na m acu m b a. Para ela:

A m acu m b a em seu aspecto festivo (aten u ad os esses


caracteres som b rio s) tem u m a d o çu ra selvagem , é
c erto , mas q u e deixa na alm a dos b ra n co s, p e lo m e ­
n o s n a d aqueles que fo ra m acalen tados p o r um a mãe
n egra e d o rm ira m ao som dos tam bores lo n g ín q u o s,
u m en ca n ta m e n to p r o fu n d o , de o n d e se exala o t o r ­
p o r m iste rio so e a in ven cível atração da selva a fric a ­
n a, p o voad a de deuses e d e m ô n io s, tão au tên ticos
c o m o a água dos rio s, os tro n co s das árvores e as feras
q u e passeiam , sem d izerem aos h o m e n s de o n d e vêm
n e m q u em sã o .211
Esse o lh a r de b ra n c o co m alm a de n e g ro de q u e fala C e c ília
— o b serva d o r em si m esm o das h era n ças atávicas de u m a c u ltu ra
ritu a lístic a cu jo s r itm o s, o b a tu q u e , o qu itibu m , bum, quitibum , bum ,
d esp erta m im agen s extáticas, de um encantam ento p ro fu n d o — ta m b ém
se revela na fa m ilia rid a d e d o p o e m a "D a n ça s de filh as de t e r r e i­
r o ” co m essa c u ltu ra .
T an to na descrição da dança " b o le - b o le ” , observada p o r E ros
V olúsia em u m te rreiro da cidade de Salvador, com o na descrição
poética do ritu al do can d om blé na poesia de G ilka M achado a n ­
tes rep rod u zid a, que se passa na cidade de S alv ad o r,212 observa-se o
m esm o olh ar p erscru tad o r p o é tic o -c ie n tífic o . A m b as as artistas in s ­
p iram -se n os elem entos cên icos e coreog ráfico s para suas criações.
Para M arc A u g é , o ritu a l de possessão é u m a rep resen ta ção ,
• i8 6 • um a en cen ação n o sen tid o teatral do te rm o . O p e sq u isa d o r d es­
creve o fe n ô m e n o do p o n to de vista cê n ic o n o qu al a q u alid ad e da
perform ance do m é d iu m é re c o n h e cid a co m o "sin al de u m a p le n a e
a utên tica possessão, da qu al aq u ele o u aqu ela q u e o em ite n ão deve
ser c o n s c ie n te ” .213
A co n sciên cia do ritu a l de possessão co m o d escrito p o r
M arc A u g é , n a sua característica esp etacu lar, p e rm e ia os tra b a ­
lh o s artísticos de G ilk a e E ro s. M as além dos aspectos cên ico s, o
en can ta m en to da d a n çarin a e da po eta p e lo s elem e n to s estéticos,
en tre eles o transe nas danças extáticas dos can d o m b lé s da cidade
de Salvador, m arca essa a fin id ad e das duas artistas co m a dança
de o rig e m trágica, aquela dança de o rig e m d io n is ía c a ,214 d o U l-
tram undo. S eg u n d o o filó s o fo O rte g a y G asset, n a d ança visio n á ria
d ion isíaca, "m esm o sem b eb id a n em d ro ga , o h o m e m se esquece
de si m esm o, do gravam e que é sua vid a e, c o n s e g u in d o ver a vida
co m o outro d o que é, co m o tran sm u ta d o em fe liz u ltr a m u n d o , é
feliz — u ltravive” .215
C e c ília M eireles descreve o ritu a l da in c o r p o ra ç ã o sob o
p o n to de vista do ultram undo, para ela:

A in c o rp o ra çã o se dá p o r m eio d o r itm o . A fo r ç a de
p e rc u tir os atabaques de u m m o d o p e cu lia r, c o n ­
fo rm e a in vocação, e c a n ta n d o -se co m u m a exatidão
rigorosa o p o n to que o caracteriza, o santo é fo rça d o a
b aixar, p o rq u e aqu ele ritm o é a p r ó p ria fo rm a de v i­
b ra çã o da sua d ivin d a d e. In c o rp o r a d o , p e rd e o m é ­
d iu m tod a a sua p e rso n a lid a d e, passando a realizar
u m a o u tra , co m p letam e n te diversa da sua. V ê e m -s e
b ra n co s fa la n d o lín gu as de p re to , com esgares, c o n ­
to rç õ e s e passos de d ança im possíveis de execu tar em
c o n d iç õ e s n o rm a is .2’6

N o p o em a de G ilka M ach ado "D an ças de filhas de te r r e ir o ” ,


o ritu a l de in c o rp o ra çã o tam bém se dá p e lo ritm o da m esm a fo rm a
que na d escrição dessa cerim ô n ia dada p o r C e c ília . N o p o em a gilk ia-
n o , u m a verd ad eira aula de dança b rasileira im p õ e -se , vão se ex p li­
citan d o as expressões d o ro sto , o m o v im en to das pern as, as direções
tom adas e as q ualidades dos co rp o s possuídos p o r outras alm as. • 187 •
O o lh a r d escritivo da p o eta en tra n o p ró p rio m o v im en to d o transe
h ip n ó tic o ao fin a l, a p a rtir do verso IIO , co m as anáforas contínu as
e circu lares q u e se fo rm a m , tran sp o rtan d o a p r ó p ria po eta e o le ito r
para a qu ele estado de êxtase em qu e falam a p r o fu n d id a d e visceral,
o o u tro , as lem b ran ças atávicas e as im agens do in fin ito que fazem
p e rc u tir in d e fin id a m e n te o b atu q u e dessa h eran ça b rasileira. Essa
transgressão física relem b ra, na sua o rigem , a m esm a im p o r tâ n ­
cia da dança para a raça hu m an a nos rituais dos povos prim itivos.
O rte g a y Gasset relem b ra o fato de que m esm o os povos p rim itivos
atuais n ão p o d e m existir sem d an çar e que a dança é tod o u m lado
da vida para eles. O filó s o fo esp an h ol ressalta que a dança "é a ação
coletiva p o r excelên cia em que a trib o com o tal, d iríam os a nação,
se faz presen te, se reco n h e ce a si m esm a co m o realidade coletiva,
refresca co n stan tem en te sua solid aried ad e, atua e é ” .217
A tro ca de atrib u to s en tre deuses e h o m en s, segu n d o O r ­
tega y G asset, é a razão de os deuses d an çarem . A ssim , o filó s o fo
ju s tific a a in flu ê n c ia da d ança e do ritm o na criação das fórm u las
m ágicas de p o d e r da lin g u ag em p o ética:

V em o s, p o is, que a rep resen tação da vid a divin a é es­


tilizad a em d ança ao in tro d u z ir n o s a co n tecim en to s
m im ético s a m agia fo rm a l do ritm o , qu e tran sp õ e
o u tran su b stan cia o ato h a b itu al e m u n d a n o em algo
su p e rio r e tran scen d en te — co m o na palavra, o vu lgar
e p r o fa n o d izer, ao c o n v e rte r-se graças ao ritm o em
verso, se to rn a fó rm u la m á g ica.318

D estarte, essa fó rm u la m ágica de qu e n o s fala O rte g a y G as-


set é o elo en tre m ãe e filh a , en tre a palavra p o ética e seu tran se ex­
tático na dança. Nesse processo, a dança é a poesia e o p ró p rio m étod o
para se chegar à poesia, ou a poesia é a dança e o p ró p rio m étod o para
se chegar à dança, n u m ato que rem ete ao do culto a D io n iso , o qu al
o filó so fo esp a n h o l afirm a ser ao m esm o te m p o o deus e o m éto d o
para se chegar a e le .219
E ros V o lú sia busca o Espírito da raça nas suas pesqu isas de ca m ­
p o e p ro c u ra trazer para sua té cn ica de d a n çarin a to d a a e x p eriê n cia
• i8 8 • expressiva observada em suas investigações das danças p o p u la res.
E o m ilagre da tran sfo rm açã o da en ergia c ria d o ra vivid a nas danças
de tran se, n o sen tid o exp osto a n te rio rm e n te , que atrai o o lh a r,
o u m e lh o r, tod o s os sen tid os da b a ila rin a . O b se rv a -se esse fato na
d eclaração abaixo:

— Q u ise ra ( nos disse a bailarina a quem chamam no R io de S a ­


lom é B rasileira ), — q u isera viver para d a n çar. N ão ter
p reo cu p açõ e s co m trajes, n em co m cen á rio s. O u v ir
a m úsica e d an çar. O b servo qu e q u an d o d a n ço n ão
vejo, som en te o u ç o , sin to . E há u m a sensação de v e r ­
tigem que m e vem ao c éreb ro e m ove o m eu ser em
u m a em b riagu ez de angústia. A dan ça é u m a fe lic id a ­
de e u m p a d e c im e n to . A m u lh e r b ra sile ira d o sertão,
que é tím id a e retraíd a, q u an d o d ança se d esp re n d e
m ilagro sam en te e sem ela d a r-se co n ta de todas essas
características de repressão ela se tra n sfo rm a em a u ­
daz, tern a e ch eia de in te n to . E é o m ilag re da dança,
o m u n d o da m ú sica in d íg e n a em que ela vive q u e lh e
in fu n d e o esp írito da r a ç a .220

N a crítica de C a rlo s H . Faig a E ro s V o lú sia , o b serva-se a


d escrição da tran sfigu ra çã o c o rp o r a l da b a ila rin a n a sua relação
com a m úsica e o "tra n se” q u e esp iritu a liza a carn e n a dança:
A o s p r im e ir o s com passos da m úsica, seus sen tid os
se m a n têm em alerta, o c o rp o fo rm a u m arco esp e­
ra n d o o com passo qu e o tra n sfo rm e , qu e o q u eb re,
q ue o desfaça, b rilh a m co m estran h o b r ilh o os olh os
n eg ro s, o n d u la m os b raço s em m o vim en to s rítm ico s,
se crisp am os d ed os su rg e rin d o a carícia o u fo rça de
a taque, o n d u la o c o rp o m a rcan d o o q u a d ril o c o m ­
passo vivo e suave, m o v em -se, ágeis, as p ern as e os
pés, firm e s, ro tu n d o s, sem in d e cisõ es, ta m b o rila m
sob re o tablad o o a co m p a n h a m en to p re c iso . A b a ila ­
rin a en tra co m o em u m transe. A carne se espiritualiza
n a d ança O esp írito da d ança a d o m in a tod a. E p o s ­
sui p o r c o m p le to a in té r p r e te .221
• 189 •
E ro s V o lú sia em seu livro D ança brasileira faz um a especial r e ­
fe rê n c ia aos can d o m b lé s da cidad e de S alvador, qu e, segu n do ela,
já acostum ada aos ritu ais de "m acu m b as” , ao observar p e la p r i ­
m eira vez as danças d os "ia ô s” ,222 teve u m p â n ico de esp len d o r.
A b a ila rin a d ecreve a "c o re o g ra fia estranh a e trag icam en te b e la ” :

A o s olhares e gestos sugestivos do babalaô o u ch efe do


terreiro ( terreiro são lu gares o n d e se realizam as c e r i­
m ô n ia s de magia negra, o u de linha de caboclo ), as ia ô s
(m u lh eres batizadas n a seita fetich ista) vão avançando
e re c u a n d o , em in d e cisõ es e tem ores, até que fin a l­
m e n te caem em transe possessivo u m a após o u tra , cada
q u al d a n ça n d o à m a n eira característica d o enviado que
pen sa receber ,223

A ssim co m o G ilk a in c o r p o ra a co sm o g o n ia d o m o v im e n ­
to ritm a d o n o fa zer, na lap id ação , n a m estiçagem de sua dança
de palavras, E ro s c o m n ão m en o s v ig o r criativo se im p re g n o u da
fo lk - d a n c e b ra s ile ira ,224 a ssu m in d o o im p o n d erá v el transe caboclo
n a expressão de sua jo r n a d a artística, na tentativa de cria r um a
dan ça "c lá ssic o -b ra sile ira ” . T od as as suas observações técn icas do
m o v im e n to expressivo, analisad os n o te rr e iro , passam p e lo olh ar
criativo da b a ila rin a .
A n d ra d e M u ricy destaca a gra n d e sen sib ilid a d e d o p o vo e o
g ê n io cria d o r da b aila rin a b ra sileira . A firm a v a o c rític o q u e E ros
V olú sia tin h a u m a capacidade de im p reg n a çã o p r o fu n d a , de a b ­
sorção de tu d o que é p o vo , e tu d o é im ed ia tam e n te c o n d ic io n a d o
p elo seu ritm o de alm a, p ela sua expressividade e m in e n te m e n te
p lá stica.825 E ros realm en te teve de lid a r co m o aspecto d o tran se,
que perm eava as pessoas do p o vo à sua vo lta. E la c o m en ta c o m o sua
visão da dança, que levava os elem en to s p o p u la res tran sm u tad os
para os palcos, o n d e n o rm a lm e n te só se apresen tavam esp etá cu ­
los de elite, cham ava a aten ção do g ra n d e p ú b lic o . U m a de suas
apresen tações c u lm in o u co m u m d esfech o in e sp e ra d o . A b a ila ­
rin a con ta que ao apresen tar, na E scola de B e la s -A rte s d o R io ,
um a reco n stitu içã o das danças d o B rasil c o lo n ia l, co m u m n ú m e -
• 190 • ro de dança fetich ista (com m úsica de u m b a n d a ), "a m a io ria dos
co m p o n en tes da o rq u estra n o d e c o rre r da apresen tação fo i ca in d o
em tran se” .226 E m o u tra ocasião, q u an d o fazia u m a te m p o ra d a de
revista n o T eatro C a rlo s G o m es, ao en cen a r u m n ú m e ro , que se
cham ava " C a n d o m b lé ” , d u ra n te o qu al se realizavam desde as o f e ­
rendas até a dança das ia ô s, as b ailarin as que represen tavam a d es­
cida dos p ro te to res m uitas vezes eram rea lm en te possu íd as e caíam
em transe; o m esm o a co n tecia co m algum as pessoas da p latéia.
Ela soube u tilizar esse lado m isterioso da alm a b rasileira na
criação dos seus bailados sem re p ro d u zir literalm en te as práticas p o ­
pulares. Seu credo artístico refin a d o sugeria u m trabalh o de ourives,
de lapidação do gesto n o ritm o e na fo rm a , sem que esse fosse im e ­
diatam ente reco n h e cid o nessa o u n aq u ela lin gu agem . A ssim , o b ser­
va-se m ais u m a sin ton ia com os p receito s sim bolistas de expressão
poética, na qual a sugestão e não a n om eação con creta de u m a im a ­
gem p ro d u z a riq u eza de interpretações. Stéphane M allarm é fala em
"Poesia e sugestão” sobre o grand e p o d e r expressivo desse recu rso
de construção da lin gu agem p o ética, a qual deve apenas su gerir um a
im agem e não n o m ea r de im ed iato o o b jeto do p o e m a .227
C o m refin a d a d elicad eza, tran sm u ta n d o as in fo rm a çõ e s de
um a gestualidade esp ecificam en te p o p u la r, E ro s vai u n in d o l i n ­
guagens, c o n s tru in d o m o vim en to s q u e revelam , a p a r tir de um a
série de d ecifra çõ es, a p o esia da alm a b ra sile ira . A ssim , m e r a m e n ­
te re p ro d u zir um a realid ad e expressiva isolad a n ão interessava à
bailarin a, para q u em era fu n d a m en ta l a estilização das m an ifesta­
ções esp on tân eas d o p o vo p o r m eio de criações in d iv id u a is.228
D o n acion alism o para um a am pla universalidade, eis a m eta
volusiana na dança brasileira. A abertura para vários significados,
para as m uitas form as de ser co m p reen d id a e am ada, esse era o ca­
m in h o p ro p o sto p o r E ros n o desenvolvim ento do bailado clássico-
bra sileiro . Para essa bailarin a, que prim ava pela universalidade e não
pela exclusividade, pela inclusão e não pela exclusão, pelas m inorias
elevadas ao grau das m aiorias, p elo co n ceito e não p elo p reco n ceito ,
q u alq u er lu gar era lu gar para m ostrar sua arte, m esm o em cassinos
(pelo que fo i m u ito criticada). A escola de balé clássico era vista p o r
ela co m o m ais u m in stru m en to para a b rir as portas à im aginação
criad ora e n ão co m o u m m o d elo fixo a ser seg u id o .229
E ro s V o lú sia e n fre n to u o desafio de reto m a r u m a m e m ó ria • 191 •
ética/estética n a sala de aula da arte da dança. Mas essa m em ó ria ,
que p re te n d e re c o n h e c e r o passado, q u er ser viva e fu n d a d a na
ex p eriê n cia da d iversid ade e das trocas de in fo rm a çã o co m as tr a ­
d içõ es p o p u la res. O s co n ceito s de criação de u m b ailad o clássico
b ra sile iro , alm eja d o p o r E ro s, o qu al d ialo g u e co m várias fon tes
de m o v im e n to expressivo, vão ao e n c o n tro das teorias m ais am plas
de N o r b e r t W ie n e r , q u e ad vertem sob re as restriçõ es de u m pad rão
de c o m p o rta m e n to q u e só se c o m u n ic a com o passado e co m um a
fo n te u n id ir e c io n a l de in fo rm a çã o . Para o cria d o r da cib ern ética,
as fig u rin h a s q u e d ançam n o to p o de u m a caixa de m úsica m ovem -
se de a co rd o co m u m p a d rã o estab elecid o de an tem ão , cu jo estágio
u n id ir e c io n a l de co m u n ica çã o co m o m ecan ism o p reestabelecid o
da caixa de m úsica as d eixam incapazes de se desviarem do pad rão
c o n v e n c io n a l.230
E ros V olú sia prop aga qu e a m em ó ria do clássico com o estili­
zação d o m ovim en to d ançado é im p ortan te, p o ré m m ais im p o rta n ­
te para o desenvolvim en to da arte criativa e d inâm ica é o feed b a ck com
o m e io , com a co m u n id a d e, com o p ú b lico . N a prática da b ailarina,
o artista deve estar atento para que os padrões estéticos do passado
se convertam em m e m ó ria in teligen te, de estruturas e fu n çõ es que
já fo ra m in co rp o ra d as e que se som am às novas perspectivas, e não
m em ó ria estática de "clo n agem de espécies extintas” sem as cores e as
dinâm icas da diversidade que o rigin alm en te apresen tariam .
M á rio de A n d ra d e , em "E ro s V o lú s ia ” , fala da m e to d o lo g ia
m ística e artística da b aila rin a . Esse é u m im p o rta n te d o c u m e n to a
resp eito da ob ra realizada p o r E ro s n a m ed id a em q u e o escrito r,
sen d o u m gra n d e c o n h e c e d o r da m ú sica e da litera tu ra b ra sileira ,
n ele p o d e retratar u m a crítica persp icaz:

Para E ros V olú sia dança e religião se c o n fu n d e m ; e


deve ser p o r isso, talvez, qu e em todas as suas criações,
p elo m en os as que já vi, ela vai n u m gra d u an d o de exal­
tação adm irável e atinge sem pre verd ad eiro s estados de
possessão m ística, verd ad eiros paroxism os fren ético s
em que, sem p e rd e r o eq u ilíb rio e o c o n tro le artístico,
ela alcança expressão viva da rea lid a d e.231
• 192 •
P erceb e-se , na crítica de M á rio de A n d ra d e ao trabalho
de E ros V o lú sia, co m o a b a ila rin a c o m p r e e n d e u a n ecessid ad e de
u n iã o das lin g u ag en s artísticas n a dança, co m o expressão p o ética de
u m a raça, c o m p o n d o obras h íb rid a s co m o solu ção de d esen v o lvi­
m en to e de um a m e m ó ria ética/estética na sua lab o ra çã o d idático/
a rtística .232 Essa co m p reen sã o da m e m ó ria n a c io n a l d a n sin terse-
m iotizad a fo i de realização am pla ta n to n a p o esia de G ilk a com o
na d ança de E ros, co m o fo i d iscu tid o n o s c ap ítu lo s a n te rio res.
C o m base n o s elem e n to s estu d ad os tan to n a m eto d o lo g ia
d e análise d o m o v im e n to expressivo de D elsa rte e L ab an abordada
n o cap ítu lo 2 — S em ió tica da lin g u ag em : p o esia e d an ça, co m o do
estudo das estruturas co m u n s às obras de G ilk a M a ch ad o e Eros
V o lú sia, analisadas n o cap ítu lo 4 — O texto d o b a ila rin o — a dan-
sin tersem iótica na leitu ra G ilka/E ros, n os seus aspectos da m u si­
calidade, da licen ça p o ética para o o lh a r fe m in in o , da d ança vinda
da natureza, da palavra-carn e que dança e d o transe n a p oesia do
m ovim en to, p o d e -se p r o p o r u m esquem a de in terp retação a ser
exposto n o p ró x im o cap ítu lo, o qu al terá aplicação ap ro p riad a no
tó p ico "P o em adan çan d o — poem a/dan ça, d ança/p oem a” , o n d e será
analisada a poesia de G ilka à lu z da lin g u a g e m gestu al de E ro s.
N o ta s d o c a p ítu lo 5

I N I E T Z S C H E , A g a ia ciência, p . 3 11* 4 P R E S T O N -D U N L O P ; GEAR Y,


313- 19 9 8 , p . 40 -
2 F u n d a d a em 19 19 , a B auh au s era 5 Esse lado p e sq u isa d o r de Isadora
u m a escola d e a rq u ite tu ra e arte, p o d e ser d e p re e n d id o de sua iró n ic a
q u e se t o r n o u p ó lo fu n d a m e n ta l de resposta à crítica d o M o rg e n Post
cria ção e p e n sa m e n to , in te g ra n d o de B e rlim : " S u g iro que em vez de
a vid a e a estética p o r m e io do lh es p e rg u n ta r, 'A S r t a . D u n ca n •193 *
d e se n v o lv im e n to de u m a c iê n c ia sabe d a n ç a r? ’ , v o cê ch am e a aten ção
v isu al, q u e fo r a m as bases d aq u ilo deles para u m a d an ça rin a m u ito
q u e h o je re ce b e a d e n o m in a ç ã o geral fam osa — algu ém q u e esteve d an ça n d o
de design . S o b re as raízes u tó p ica s em B e rlim an o s a fio , m u ito antes
dessa esco la, R a in e r W ick , em de a p arecer a Srta. D u n ca n : u m a
Pedagogia da Bauhaus, a firm a q u e a esta d a n ça rin a n atu ra l cu jo estilo (qu e a
escola p e rte n c e a tra d iç ã o d aqueles S rta. D u n c a n ten ta segu ir) tam b ém se
p e rsiste n te s e sfo rç o s de u sar a o p õ e d ire tam e n te à atu al escola
p r ó p r ia arte co m o in stru m e n to de d e b a lé. A d an ça rin a a q u e m e re firo
re g e n e ra çã o c u ltu ra l e so cia l (W IC H , é a estátua de M én a d e D a n ça rin a
[ s .d .], p . 1 3 - 1 4 ) . d o m u seu de B e rlim . A g o ra , p o r
3 Para R a in e r W ic h , a c o n ce p çã ofa vor, escreva de n o vo àqueles
d a " o b ra de arte to ta l” te m u m a adm iráveis m estres e m estras d o balé
o rig e m a n tiga. T ra ta -se , segu n d o e p e rg u n te : 'A M én a d e D a n çarin a
esse a u to r, de u m c o n c e ito n atu ra l à sabe d a n ç a r? ’ . [ ...] Talvez d ep o is de
Id a d e M é d ia e ao B a rro c o em q u e a a n os de tentativas te n h a m a p re n d id o
sín tese de to d o s os g ê n e ro s artísticos algo so b re an a to m ia h u m an a , algo
n a c o n stru ç ã o da o b ra é vista co m o da b eleza , p u reza, in te lig ê n c ia dos
m an ife sta ção u n itá ria . m o vim e n to s d o c o rp o h u m a n o ”
O c o n c e ito " o b r a de arte to ta l” , tal (D U N C A N , 199 6 , p. 3 0 -3 1).
c o m o d ese n v o lv id o n a B auh au s, 6 C A R D I N A L , 19 8 8 , p . 10 3 .
nas décadas d e 1 9 2 0 e I93 °> d en tre 7 D U N C A N , 1 9 9 6 , p . 39.
o u tras escolas, era sin a l de u m 8 P O E , 19 5 8 , p . 1 0 2 5 - 1 0 2 7 .
"a n se io p e la u n id a d e ” , o u seja, "n ã o 9 V O L Ú S I A , 1 9 3 9 , p . 11.
u m a re a lid a d e , m as u m o b je tivo 10 G I B S O N , 1 9 9 9 , p . 4 0 .
u t ó p ic o ” . Essa b u sca da u n id a d e p o d e 11 D o p ro g ra m a ap resen tad o pela
ser alcan çada n o e x e rc íc io p r im o r d ia l b a ila rin a , con staram , e n tre o u tro s
das estru tu ras espaciais e tem p o rais n ú m e r o s d e d an ça, "M a cu m b a ” ,
nas sín teses m o to ras da lin g u a g e m da "Ira ce m a ” , " P e n e ira n d o fu b á ” ,
d an ça (ib id ., p . I 3 - I 4)- "C a sc a v e la n d o ” , "S e rta n e ja ” ,
" L u n d u ” . A crítica p o rte n h a de h ija . Ei Diário de Buenos A ires , B u e n o s
La Prensa, em a rtigo co m en ta n d o A ir e s , C r ític a , 16 set. 1936-
a apresen tação da b a ilarin a 16 S T O R N I , 19 3 6 .
b ra sile ira , co m p ara o tra b a lh o de 17 Ib id .
E ro s à in ovação tra n sce n d e n te dos 18 A N D R A D E , 1 9 3 9 , n . 14 2 .
b a ila rin o s russos n a arte m o d e rn a , 19 F O N S E C A , 19 3 3 .
p o r te re m estes levado ao d o m ín io da 2 0 Ibid.
c o re o g ra fia culta ele m e n to s de danças 21 V e r e n trevista realizad a c o m E ro s
p o p u lare s, co m o n o trab alh o V o lú sia n o A n e x o .
d os B alés Russos de D ia gh ile v 22 F O N S E C A , 19 3 3 .
(1 8 7 2 - 1 9 2 9 ) , assim co m o a b a ila rin a 23 S IL V A , S o ra ia , 2 0 0 2 , p- 3 0 8 .
b ra sile ira recria a c o re o g ra fia p o p u la r 2 4 D U N C A N , 1 9 7 7 , p . 6 5.
co m o seu "se n tid o artístico , b o m 25 Estas etapas q u e p r e c e d e m a
gosto, a p e rso n a lid a d e de sua arte e de d a n sin te rse m io tiza çã o estão descritas
seu te m p e r a m e n to ” . A crítica d eclara n o ca p ítu lo V I I I d o liv ro Profetas
so b re a performance de E ros: em movimento, em q u e é a n a lisa d o o
" A arte desta jo v e m b rasileira de pro cesso de d a n sin te rse m io tiza çã o
18 anos não está com pletam endos
te p ro fe ta s d o A le ija d in h o (S IL V A ,
• 19 4 - desenvolvida, seu tem p eram en to S o ra ia, 2 0 0 1 , p . 87)-
está em p le n a evolução, mas q u em 26 S IL V A , S o ra ia , 2 0 0 2 , p. 3 14 .
con segu iu c ria r a p erso n alid ad e da 27 O L I V E I R A , A n t o n io C ô r r e a d e.
'm acu m b a’ , que parece sin tetizar a Antologia — I líricas. P o rto : L ivra ria
m agia a frica n o brasileira, o u com o Tavares M artin s, 1959» P- IO I.
a alu cin ad ora 'Y ara ’ , de u m p o d e r 28 M A C H A D O , 19 9 1, p . 2 0 - 2 1 .
de sugestão d ign o de u m a artista 29 I b i d ., p . 18 4 .
m adura, tem d ian te de si u m a carreira 30 T ó rc u lo pod e ser tanto u m "aparelho

p ro m isso ra ” (E ros V olú sia o frec ió co m d o tad o de m ós, para p o lir pedras
preciosas, co m o tam b ém u m
êxito u n a sesión de bailes brasilen os.
p re lo tip o g rá fico p rim itiv o , fe ito
La Prensa, B u en o s A ires, 3 ag °- 193^)-
à sem elhan ça da pren sa de lagar”
12 F oram vários os artigo s em q u e as
(F E R R E IR A , 1 9 9 9 , p . 1 9 7 5 ).
d eclaraçõ es de G ilk a M ach ad o são
31 M A C H A D O , 19 9 1, p . 19.
reticen tes a re sp eito de si p r ó p ria , se
32 E xiste u m a crítica a esse
a u to d e n o m in a n d o a co m p a n h a n te da
verso , realizad a p o r D o n R o g é r io
filh a c o m o uma sombra, e as m an ch etes (M ira n d a R ib e ir o ) , q u e co m en ta
nas quais figuravam in fo r m a ç õ e s sua im p ro p r ie d a d e e falta d e ritm o .
elevan d o ao p r im e ir o p la n o E ros O c rític o co m en ta q u e: " A a u tora
V o lú sia , c o m o : "Palestra co m G ilk a p re te n d e tra d u z ir c o m o r u m o r o
M ach ad o , a fam osa p oeta p a trícia fe n ô m e n o da v ib raçã o m o le cu la r
e g e n ito ra da 'D e u sa Pagã’ ” (E ro s — o q u e é in ad m issív el. N a arte de
V o lú sia . A S alo m é b ra sile ira . Folha escrever, cada palavra tem sua fu n çã o
Vespertina, B e lé m , 13 o u t. 1947 )- d e fin id a , ca racterística, q u e n ão p o d e
13 U n n u evo estilo de danzas creó e n ão deve ser c o n fu n d id a , sob p e n a
E ro s V . M ach ad o . E l Diário de Buenos de p r e ju d ic a r o e s tilo ” ( R O G É R I O ,
D o n . Farpas. A C id a d e . R io d e J a n e iro ,
A ires, B u e n o s A ir e s , C r ític a , 15 j u l.
12 ja n . 1 9 1 6 ). M as ao la d o dessa
1936.
crítica fo r m a l, D o n R o g é r io e lo gia
14 Ib id .
a q u alid ad e a rtística e a te n d ê n c ia
15 La p oeta b ra silen a G ilk a M ach ad o
n a tu ra l ao so n h o n o estilo de G ilk a
trae, expresa, e l m e jo r p o e m a : su
M ach ad o .
3 3 B A C H E L A R D , 2 0 0 1 , p . 1. M ach ad o: " C a d a palavra q u e articu la
3 4 I b id ., p . 2 2 9 . é u m p o e m a a d esab ro ch a r e o tom
3 5 D o u tr in a d o filó s o fo n o r te - suave co m q u e as p r o n u n c ia n o s dá a
a m e ric a n o Jam es M . B ald w in im p ressão de u m a m úsica b o n ita que
( 1 8 6 1 -1 9 3 4 ) , se g u n d o a q u al o real n os em b ala. G ilk a M ach ad o v eio à
se esgota n o q u e é re g id o p e lo b e lo B a h ia , aco m p a n h a d a de sua filh a E ros
(F E R R E IR A , 1 9 9 9 , p . 14 8 3 ). V o lú s ia ” (X A V IE R , 19 5 6 ).
3 6 I b id ., p . 2 3 1. 4 1 S T E I N E R , 19 8 8 , p . 6 4 .
3 7 I b id ., p . 233 - 42 "[•••] esq u ece os teus cantares.
38 Para B a ch e la rd , "se a p e d ra Já n ão so a m ./ C a n ta r é m ais.
p re cio sa to ca as re g iõ e s in c o n sc ie n te s C a n ta r é u m o u tro a le n t o ./ A r para
e p r o fu n d a s, é de a d m ira r q u e ela n ad a. A r fa r em D e u s. U m v e n to ”
possa c o n c e n tr a r to d as as fo rças ( C A M P O S , A u g u sto d e, 2 0 0 1 ,
cósm icas d os d ev a n e io s da p o tê n c ia p. 151)-
h um an a? T u d o o que um hom em 4 3 S T E I N E R , 19 8 8 , p . 6 5.
p o d e a lm eja r: saúd e, ju v e n tu d e , 4 4 I b id ., p . 6 6 .
a m o r, c la riv id ê n c ia , existem 4 5 B I L A C , O la v o . M úsica b ra sile ira .
ped ra s p recio sas p ara re a liza r suas In : B A R B O S A , F re d erico ( O r g .) .
a sp ira ç õ e s” ( ib id ., p . 2 3 6 .) . C in c o séculos de p o e s ia . São P a u lo : • 195-
39 B a ch e la rd fala da tarefa do E d . L a n d y, 2 0 0 0 , p . 2 7 8 .
la p id a d o r q u e faz o h o r ó s c o p o da jó ia 4 6 C o n t u d o n ão se q u e r a qu i
n o m o m e n to d e sua la p id a ç ã o , da d esm e re ce r o p o e ta p a rn asian o
d esco b erta de sua fo r m a g e o m é tric a : co m suas virtu d es p ró p ria s e seus
" [ ...] D o m esm o m o d o q u e se faz m éritos pessoais. L u iz C o sm e , ao
o h o r ó s c o p o de u m ser h u m a n o n o falar dos co m p ositores em m úsica,
m o m e n to em q u e o n a sc im e n to lh e salienta a im p o rtâ n cia das diferen ças
c o n fe re sua fis io n o m ia , c u m p re fa zer de expressão son ora p e lo v ín cu lo de
o h o r ó s c o p o da j ó ia n o m o m e n to p e río d o s h istóricos dos diversos estilos
em q u e o la p id a d o r d e gem as lh e dá pessoais. T am b ém a qu i se con sid era,
sua fo r m a g e o m é tric a . O la p id a d o r neste trabalh o, im p o rta n te as
deve so n h a r sim u lta n e a m e n te na in d ivid u alid ades expressivas vinculadas
cla rid a d e da gem a e n a cla rid ad e a este o u àqu ele estilo lite rá rio ao
d o fir m a m e n to . D eve u n ir as se bu scar traçar, n o caso de G ilka
p r o fu n d e z a s da su b stân cia e as M ach ad o, suas novas perspectivas
p r o fu n d e z a s d o cé u . D eve c o n ju g a r rítm icas expressas em seus poem as.
os sign o s d o céu e a assin atu ra da 4 7 C O S M E , 1 9 5 9 , p . 10 2 .
su b stân cia ” ( ib id ., p . 237)* 4 8 I b id ., p . 6 0 .
40 Essa m u sica lid a d e p resen te na4 9 P lín io C a v a lcâ n ti descreve suas
o b ra das artistas é co m en ta d a em im p ressõ es das c o re o grafias de
m an ch ete s e crítica s co m o esta: " N o E ro s V o lú sia : " A b a ila rin a que
m u n d o d o so m ” , em q u e C a rlo ta sou b e tra n s fo rm a r a nossa dança
X a v ie r co m en ta : " A d an ça está tão n u m v erd a d e iro p o e m a parece ter
u n id a à m ú sica q u a n to à p o esia . h e rd a d o de sua m ãe, G ilk a M ach ad o,
E é d ela, sem d ú vid a, q u e d ep e n d e o d o m de p o e ta r os m o vim e n to s,
o m e lh o r êxito d e u m p ro g ra m a de tra n s fe rin d o à sua arte u m a
b a llet. Falo e m se n tid o g e ra l. O sucesso in te rp re ta çã o co m p le ta m e n te n o v a ”
alcan ça d o p e lo b a llet d e E ro s V o lú sia é ( C A V A L C Â N T I , P lín io . 0 E sta d o de

u m atestado re a l d isso ” . S o b re G ilk a S . P a u lo , 1 9 4 0 ).


50 S p iritu a l é "u m a m an ifestação resp ectiv am en te a ária e a sonata
m u sical dos n e g ro s a m erica n o s do ( C O S M E , 1 9 5 9 , p . 3 2 ).
n o rte , e m in e n te m e n te coletiva e de 55 Esse te rm o é u tiliz a d o em m úsica
fe içã o re lig io sa ” ( C O S M E , 1959» para in d ic a r o a u m e n to p ro gre ssiv o ,
p- 127)- grad ativo de s o n o rid a d e .
51 M A C H A D O , 19 9 9 , p . 1 3 6 - 1 4 0 . 5 6 " T e r m in o lo g ia m u sical q u e
52 S e g u n d o José H ild e b ra n d o in d ic a q u e a so n o rid a d e deve ir
D a can a l, as reticê n cias servem para se e x tin g u in d o g ra d u a lm e n te ”
in d ic a r in te rru p ç ã o o u suspensão (F E R R E IR A , 1 9 9 9 , p . 1 8 6 8 ).
d o p e n sa m e n to , p o d e n d o tam bém 57 " A fe r m a t a é u m sin a l co lo ca d o
ser d efin id a s c o m o in d icaçã o sob re o u sob u m a n o ta o u u m a pausa.
de in te rru p ç ã o de u m a u n id a d e Ind ica que a duração d o v alor dessa
sin tá tic o -se m â n tic a o u da in sin u açã o nota o u dessa pausa p o d e ser arb itraria­
da e xistên cia de o u tras, n ão m en te p r o lo n g a d a p e lo e xe cu ta n te ”
d elim itad as em n ú m e ro e q u e fica m ( i b id ., p . 8 9 4 ).
su b en ten d id a s ( D A C A N A L , José 58 S e g u n d o L u iz C o s m e , o ataque
H ild e b ra n d o . A p o n tu a ç ã o . P o rto p o r " d e d ilh a d o o u p izzica to é u m tip o
A le b re : M ercad o A b e r to , 1987» n o q u al u m a c o rd a q u e esteja afastada
• 196 • p . 4-6 ). da sua p o siçã o in ic ia l é solta em
53 R e n é G h il re iv in d ica o d ire ito de segu id a; é o tip o m ais ríg id o q u e se
"v in c u la r a esta e àqu ela o rd e m de p o d e e n c o n tr a r: o so m estab elece,
sons, de tim b res vocais, esta e aqu ela in sta n ta n e a m e n te , seu n íve l m á x im o ”
o rd e m de se n tim e n to s e id é ia s” , ( C O S M E , 1 9 5 9 , p . 8 2 ).
c o m p o n d o u m q u a d ro co m p arativ o 59 " C a n ç ã o p o p u la r d o s n e g ro s
e n tre os d iversos in stru m e n to s, suas n o r te -a m e r ic a n o s , em to m m e n o r , e
cores, letras, se n tim e n to s e idéias de c a ráter m e la n c ó lic o e a n d am e n to
c o rre sp o n d e n te s, e a firm a que le n t o ” (F E R R E IR A , 1 9 9 9 , p . 3 0 8 ).
q u an d o o p o e ta pen sa c o m as palavras 60 C O S M E , 1959, p. 4 9 .
n o se n tid o de u m a lín g u a -m ú s ic a se 61 I b id ., p . 53.
restaura "a sim ilitu d e ín tim a e n tre 62 Para G ra h a m W ade, a livre
as em issões fo n é tica s da palavra e os to n a lid a d e em p re gad a p o r C h o p in e
sons m a te ria lm e n te in stru m e n ta is, W ag n er e o cada v ez m ais d ifu n d id o
v o z ’ cu jo verso m u ltip lic a rá e o p o rá u so d o cro m a tis m o n o sé cu lo X X
as so n o rid a d e s” . N o se n tid o do exigiam novas bases te ó rica s e práticas
q u ad ro com p arativo ela b o ra d o p o r p ara a co m p o siçã o m u sical. A o b ra de
G h il, o p o e m a de G ilk a M ach ad o C la u d e D eb u ssy ( 1 8 6 2 -1 9 1 8 ) é o u tro
acim a an alisado , " O u v in d o u m passo n o c a m in h o da d esin te g raçã o do
so lo de v io lo n c e lo ” , em p rega a sistem a to n a l e u ro p e u . I n flu e n c ia d o
co rre s p o n d ê n c ia d os son s de baixos, p o r p in to re s e p o eta s, D eb u ssy lev o u
violas e v io lin o s (n o caso d o p o e m a, o im p re ssio n is m o à m ú sica. T r a to u
o v io lo n c e lo ) p ara expressar a d o r de d a r às suas co m p o siçõ e s u m a vívida
(G H I L , 1 9 9 4 , p . I 37 - I 39 )- im p ressã o de im agen s p ictó rica s. O s
54 Peça de m úsica p ara u m a só voz, a títu lo s de suas co m p o siçõ e s in d ica m
ária, segu n d o L u iz C o sm e , é u m a das a n atu reza evocativa de sua m úsica:
bases técn icas da m úsica b a r ro c a . F oi L a m er (0 m a r) ; P rélu d e à V a p r è s-m id i d ’un

J o h a n n Seb astian B a ch q u em fix o u f a u n e ( P relú d io à tard e d e u m f a u n o ) ; L a f i ll e

as fo rm a s vocais e in stru m e n ta is m ais au x ch ev eu x de lin ( A m en in a d e ca b elos de

im p o rta n te s da m ú sica p u ra , lin h o ) ; L a ca th éd ra le en g lo u tie ( A ca tedral


su b m ersa ) ; D e s p a s su r la neige ( Passos sobre com o Debussy, que representam os mais
a nev e) ; C la ir d e lu n e ( L u a r ) ; F eu x d ’artifice "altos valores h um anos do que m eros
(Fogos d e a rtifíc io s) ; R eflets d ans V eau ( R eflexos valores nacionais’’ (ibid., p. 345).
naágua) (W A D E , 19 8 6 . p- 9 1)- 68 E m vários d os artigos con su ltad os
63 A U L E R , A vo caçã o m aravilhosa da a re sp eito da apresen tação da
d an ça e xp re ssio n ista de E ro s V o lú sia . b a ila rin a b ra sile ira na A rg e n tin a ,
D iá r io de N o t íc ia s , R io de J a n e iro , 8 set. o b se rv o u -se esse e p íte to de Salom é
B ra sile ira , c o m o c o n fir m a a m an ch ete
I 93I-
6 4 M A C H A D O , 19 9 9 , p . 2 3 - 2 6 . n o B ra sil "E ro s V o lú sia , a Salom é
6 5 I b id ., p. 2 0 1 - 2 0 3 . b ra sile ira ” da F o lh a Vespertina de B e lé m ,

6 6 E m seus can tos p o é tic o s, N ie tzsch e em re p o rta g e m de l 3 / l o / l 947 - S ob re

d ec lara : "D u a s vezes so m e n te , o d estin o de p ito n isa , q u e m arca

c o m m ãos p e q u en a s, b ateste as m ãe e filh a , em seu liv ro E u e a d a n ça ,

E ro s, co m o le ge n d a de u m a fo to sua,
tuas castan h olas — e j á o m e u p é
a u to - in titu la - s e "cigan a b o ê m ia que o
se agitava n o fr e n e si p e la dan ça
m u n d o in te ir o fa scin o , le io o d estin o
— m e u ca lcan h ar se e m p in ava, os
d o s o u tro s, m as n ã o sei o m eu
d ed o s d o p é escutavam a ten tos para
d e s tin o ” ( V O L Ú S I A , 1983» p- 154)-
c o m p r e e n d e r - te : p o is o o u v id o , o
69 V O L Ú S I A , 1 9 3 9 , p. 2 0 . . 19 7.
d a n ç a rin o — o te m n o s d ed o s d os pés!
70 E U R ÍP ID E S , [ s.d .], p . 3 0 .
P u le i p ara ti, m as recusaste e fu giste
71 G E N G O U X , 1 9 5 0 , p. 25.
an te o m e u p u lo ; e a ç o ita ra m -m e
72 D U N C A N , 19 8 6 .
as lín gu a s v o lan te s d o te u ca b elo em
73 D e v olta de B u e n o s A ire s a
fuga! P u le i p ara lo n g e d e ti e d e tuas
b a ila rin a E ro s V o lú sia . D iá r io da N o ite ,
serp en tes; e j á lá estavas tu , vo ltad a
12 ago. 19 3 6 .
p e la m eta d e , o o lh a r c h e io de d esejo .
7 4 S A N T A C L A R A , 19 16 .
C o m sin u o so s o lh are s, e n sin a s-m e
75 M A C H A D O , 2 0 0 3 .
sin u o so s cam inhos,- em sin u o so s
7 6 A T H A Y D E , A u stre g é silo d e.
c a m in h o s a p re n d e o m e u pé — a
M u lh e r n u a. C o rreio da m a n h ã . R io de
a stu c ia r!” ( ib id ., p . 2 3 1)-
J a n e ir o , [s./ d .].
67 Esse d esejo de u n ive rsa lid a d e que
77 O to m d e gra ce jo p e rm an e ce até
m arca a p o e sia gilk ia n a é a m esm a
h o je em expressões ofen sivas co n tra
sen d a q u e m a rc o u o tra b a lh o de E ro s
as m u lh e re s, ditas, p o r e xem p lo ,
V o lú s ia n a d an ça. A n d ra d e M u ricy q u a n d o algu ém faz besteiras n o
fala dessa ca racterística v olu sian a trâ n sito , c o m o : "S ó p o d e ser
q u e "ten ta elevar a d an ça b ra sile ira m u lh e r ” , m as n a realid ad e as
a u m p la n o d e p e re n id a d e h u m an a , em presas de segu ro co b ra m m en os
sem p r e ju íz o da sua característica n o s segu ro s de ca rro s d irig id o s p o r
u n iv e rsid a d e , eis o ú n ic o m eio de m u lh e re s, p o r estas serem m u ito
n ão se p e rd e r n o m e r o e xo tism o m ais aten ciosas e responsáveis n o
o rn a m e n ta l, n o p ito r e s c o q u e d escora trâ n sito : " O q u e n ão q u e r d ize r
e passa, e o n d e o g o sto m u ita vez n ão qu e n ão existem h o m e n s cu id ad osos
te m p a rte , e j u n t o d o q u al o f a ls o anda o u m u lh e re s im p ru d e n te s n o
ro n d a n d o [ . . . ] ” ( M U R I C Y , 1946* trâ n sito , p r in c ip a lm e n te p o r q u e isso
p . 137)* M u ric y fala dessa característica d ep e n d e m u ito da edu cação q u e eles
d o u n ive rsa lism o co m o su p eração re c e b e ra m ” ( N e m m ais nem m enos: iguais.

e su b lim açã o d o n a c io n a lism o , n ão C a rtilh a para a lu n o s, C o o rd e n a d o r ia


co m o u m a co n tra p o siç ã o a este, E sp ecia l da M u lh e r, P M S P , São
p resen te tam b é m em gra n d e s m ú sico s Pau lo , 2 0 0 2 , p . 9)*
78 R O T E R D Ã O , 19 8 2 , p . 31. 9 8 A e u ritm ia (o u e u rritm ia ) é a
79 M A G A L H Ã E S , 1916 . re g u la rid a d e e n tre as p artes d e u m
8 0 SILV A , 19 16 . to d o , re g u la rid a d e de ritm o e de
81 O I T I C I C A , 19 16 . p u lso (F E R R E IR A , 1 9 9 9 , p . 8 5 3 ).
82 G U IM A R Ã E S , 19 16 . 9 9 J a q u e s -D a lc ro z e já se preo cu p av a,
83 V A S C O N C E L L O S , 19 16 . em suas análises d o m o v im e n to ,
8 4 C H R Y S A N T H È M E , 1916 . co m o p o n to d e p a rtid a da ten são
85 F O N S E C A , 19 3 3 . e d o re la xa m e n to (co n traçã o /
8 6 L U IZ , F á b io , 191. d e s c o n tra ç ã o ), o b se rv an d o q u e
87 C A V A L C Â N T I , 19 5 5 , p . 4 . a e c o n o m ia d e fo rça s m u scu la res
88 M A C H A D O , 19 9 1, p . 10 6 . n ão afeta o p ro cesso m en ta l e, sim ,
89 M U N IZ , A le th e a . Passista de su p rim e os m o v im e n to s parasitas,
sapatilhas. C o r r e io B r a z ilie n s e , B rasília, to rn a n d o o gesto m ais e fica z e
C u ltu ra , p . 21, 2 6 fev. 2 0 0 2 . sig n ific a n te (S IL V A , S o ra ia , 2 0 0 2 ,
9 0 A m u lh e r aju d a a reso lve r os P- 297 )-
p ro b lem a s q u e o h o m e m c rio u . U ltim a 10 0 O s te rm o s m u sicais crescendos

H ora , R io de J a n e iro , 19 j u n . 1955- e sm o rza ndo s são a q u i u tiliza d o s n o


91 A q u i o o lh a r fe m in in o sob re se n tid o d e escla re ce r a gra d u a ção
• 198 • a b eleza re p resen ta u m a nova rítm ic a d os m o v im e n to s m ais
p e rce p ção d os even tos estéticos, rá p id o s aos m ais le n to s rea lizad o s
re n o v a n d o e tra n sm u tan d o o p o n to c o rp o ra lm e n te p e la b a ila rin a .
de vista m a scu lin o , d o m in a n te p o r 10 1 E xiste a q u i ta m b é m u m a gra n d e
m u ito te m p o , c ria n d o u m n ovo a fin id a d e de G ilk a c o m N ietzsch e
espaço p o é tic o . S e g u n d o A n a n d a e seus can tos d e lo u v o r ao te m p o
K . C o om arasw am y, a b eleza co m c irc u la r d o e te rn o r e to r n o .
fre q ü ê n c ia passa d esp erceb id a p o r 10 2 Shiva n o p a n te ã o in d ia n o é
estar suas expressões desgastadas, o d eu s da lib e rta ç ã o , o y o g u i dos
ca b e n d o ao artista a tarefa de y o gu is, o d e s tru id o r da ilu sã o o u
re frescar a m e m ó ria d o ob serv ad o r da ig n o râ n c ia . E a te rce ira pessoa
revelan d o a b eleza la ten te em todas da T r im u r ti, o u trin d a d e : B ra h m a,
as e xp eriên cias antigas o u m o d ern a s V is h n u , Sh iva ( S C H U R É , 19 8 6 ,
( C O O M A R A S W A M Y , 19 9 6 , p . 5 3 ). p. 124)*
92 S A N T A E L L A , 1 9 9 6 , p . 2 5 . 10 3 C O O M A R A S W A M Y , 1 9 9 6 ,
93 I b id ., p . 23 - P- 9 7 -
9 4 M A C H A D O , 19 9 1, p . 2 2 7 - 2 2 3 . 1 0 4 M U R I C Y , A n d r a d e . P resen ça de
95 V O L Ú S I A , 19 8 3 , p . 3 9 . G ilk a M a c h a d o . J o r n a l das L e tra s,

96 P. N . — Revista da Semana, R io d e j a n e i r o , n . 1 7 8 , o u t./ d e z .


2 8 /0 8 /19 16 . In : S U C E N A , E d u a rd o . 1964.
A d ança tea tra l no B r a sil. R io de J a n e iro : 10 5 M A C H A D O , 19 9 1, p . 3 18 .
M in isté rio da C u ltu r a — F u n d ação 10 6 B A C H E L A R D . 19 9 6 , p . 55.
N a c io n a l de A rte s C ê n ic a s, 19 8 9 , 1 0 7 S o b r e a q u estã o da
p. 138. m a s c u lin id a d e n a o b ra g ilk ia n a ,
97 R I B E IR O , F lexa. G a zeta de N o tíc ia s , p o d e r - s e - ia fa ze r as m esm as
27 ag °- 19 16 . In: S U C E N A , E d u a rd o . in d a g a ç õ e s q u e B a c h e la rd faz a
A d ança teatral no B r a sil. R io de J a n e iro : re sp e ito da o b ra n ie tzsc h ia n a : " Q u e
M in isté rio da C u ltu r a — F u n d a ção é q u e existe p o r b a ix o da m áscara
N a c io n a l de A rte s C ê n ic a s, 198 9 , su p e rm a s c u lin a de Z a ra tr u s tr a ? H á
p . 138. n a o b ra d e N ie tz sc h e , n o to ca n te
às m u lh e re s, p e q u e n o s d esprezos F ederação dos A rte -E d u c a d o r e s do
de b a ix o q u ila te . S o b todas essas B ra sil. A r t e — P olíticas E d u ca cio n ais
capas e co m p e n sa çõ e s, q u em nos e C u ltu ra is n o L im ia r d o S é cu lo X X I.
d e s c o b rirá o N ie tzsch e fe m in in o ? Anais... B rasília: 1998» p- 157)-
E q u em fu n d a rá o n ietzsc h eísm o 112 M A C H A D O , 19 9 1, p- 3 58 .
d o f e m in in o ? ” ( ib id ., p . 5 6 ). C o m 113 "W alter C r a n e ( l 845 _I9 I 5) é
certeza N ie tzsch e e G ilk a falam u m p in to r in glê s. E stu d o u p r im e iro
sob re a m e to d o lo g ia d o d a n ç a rin o , c o m o p a i, o m in ia tu rista T h o m a s
co m o vem se n d o d e m o n stra d o neste C r a n e e c o m o gravad or W . J . L in to n .
tra b a lh o , m as as p o la rid a d e s sexuais C o n ta -s e e n tre os ilu strad ores
em am bas as o b ras, d o fe m in in o em m ais in flu e n te s d o p e r ío d o . A sua
G ilk a e d o m a sc u lin o em N ietzsch e, p in tu ra trata, p r in c ip a lm e n te , de
m o stram as m esm as características de tem as lite rá rio s e m ito ló g ico s. M ais
p r o fu n d id a d e o cu lta , c o m p o n d o um a tard e , p õ e a arte a serviço das idéias
o p o s iç ã o co m p le m e n ta r. socialistas, que c o m p a rtilh a com
10 8 S IL V E IR A , 1 9 5 5 , p . 4 . W illia m M o r r is ” ( G I B S O N , 1999 *
1 0 9 S IL V A , S o ra ia . D a n ça : da p. 230).
M o d e r n id a d e à P ó s -M o d e r n id a d e . In : A n a is/ 114 E m u m a entrevista ced id a ao
X I C o n fa e b — C o n g re sso N a c io n a l da P ro je to P o r tin a ri da P o n tifíc ia * *99
F ed eração d o s A r te - E d u c a d o r e s d o U n iv e rsid a d e C a tó lic a d o R io de
B ra sil. A r t e — P o lítica s E d u ca cio n a is J a n e iro em setem b ro de 1985* E ros
V o lú sia d eclara re co rd a r a p resen ça
e C u ltu r a is n o L im ia r d o S é c u lo X X I.
de m u ito s q u ad ros n a sua casa
Anais... B ra sília , 19981 p- I 5 ^ - I 57 -
pa tern a, e n tre os quais destaca u m
H O Para L ú c ia S an taella, a
q u e se cham ava B e ijo de esp u m as, o q u al
d e s c o rp o r ific a ç ã o e a r e c o rp o rific a ç a o
retratava "um as o n d as arre b e n ta n d o
de novas id e n tid a d e s d o c o rp o p o d e m sob re a p raia e nessas ondas
ser agru padas e m classes c o m o : c o rp o d elin ea va m -se c o rp o s de m u lh e re s” .
re m o d e la d o , h íb r id o , e sq u a d rin h a d o , 115 G I B S O N , 19 9 9 , p . 6 9 .
p lu g a d o , sim u la d o , d ig ita l, m o le cu la r 116 C A S S IR E R , 2 0 0 1 , p . 175 .
( S A N T A E L L A , L ú c ia . 0 corp o 117 S o b re a in d iv id u a lid a d e expressiva
bio cib ern ético e 0 a d v en to p ó s - h u m a n o . das artistas a q u i analisadas, e m b o ra o
In-. M E D E I R O S , M aria B e atriz de e sfo rço deste tra b a lh o seja n o sen tid o
( O r g .) . A r te e co m u n ica çã o na cu ltu ra da an a lo gia , das igu aldad es m esm o na
c o n te m p o r â n e a . B ra sília : D u p lig rá fic a , d essem elh an ça, n ão se p o d e d eixar de
2 0 0 2 ). te r a co n sciê n cia de q u e, c o n fo r m e
II I Essa visão c o n fig u r a u m m o m e n to postulava E rasm o de R o te rd ã o , "há
h is tó ric o de c a ráter u n ive rsa l, cujas tantas gram áticas q u an to gra m á tico s”
ob ra s re fle te m u m p ro cesso a rtístico ( R O T E R D Ã O , E ra sm o . E lo gio da
h o lís tic o , da p a rte q u e co n ta o to d o , lou cu ra . T ra d u çã o de Á lv a ro R ib e iro .
pen sa d a n o m u n d o , p e la visualização L isb o a: G u im arã e s & C . , 19 8 2 , p.
d o to d o , p o r q u e o q u ê, o q u a n d o , o 8 6 ). D esse m o d o , n ão se p rete n d e,
o n d e e o co m o fa ze r a o b ra levam à c o m as análises a q u i realizadas,
sua in te g ra çã o n o te m p o , p e rm itin d o d e fin ir o u su sten tar u m m éto d o
ao artista r e fle tir n e la a im agem ríg id o de in te rp re ta ção das obras
u n ive rsa l, in d e p e n d e n te m e n te de abordadas, m as sim a co m p a n h a r
estilos e escolas (S IL V A , S o ra ia . D ança: o d ev ir co n stan te d os processos
da M o d e r n id a d e à P ó s -M o d e r n id a d e . In : X I artísticos m otiva d o res de cada ob ra,
C o n fa e b — C o n g re sso N a c io n a l da tan to nas suas estru tu ras
de sem elh an ça co m o n a sua 132 E ro s V o lú sia p a re ce b e m a fin ad a
in d iv id u a lid a d e de expressão. c o m a filo s o fia n ie tzsc h ia n a , para
118 C A S S IR E R , E rn e st. A filo s o fia das q u e m o c o r p o q u e d an ça, á g il em
fo r m a s sim b ó lica s. São P a u lo : M artin s tod as as p artes, in e sp e ra d o , v ig o ro so ,
F on tes, 2 0 0 1 , p . 175* se d u to r, é u m p a ra d ig m a , u m a
119 F O N S E C A , 19 3 3 . sín tese id e a l da im ag e m d o c o n tín u o
12 0 M A C H A D O , 199 1, p . 2 3 4 -2 3 5 . d ev ir. Para S a n d ro K o b o l F o rn a za ri,
121 B A C H E L A R D , 1 9 9 7 , p . 1 2 0 . a g ilid a d e e fo r ç a cria d o ra eram
122 I b id ., p . 1 2 0 . in d isso ciá veis p a ra o filó s o fo , "q u e só
123 S e g u n d o B a ch e la rd , d ep o is "d e levava a sé rio p e n sa m e n to s su rgid o s
te r m o lh a d o as m ãos e u m e d e c id o ao ar liv r e ” . F o rn a za ri a firm a:
os lá b io s n u m a la go a e n c o n tra d a em " M o d o s id io ssin c rá tic o s de cria ção
seu so n h o , N ova lis é a co m e tid o p o r filo só fic a : assim se m an ifestava
u m 'd ese jo in ven cív el d e b a n h a r -s e ’ . n e le , N ie tzsch e , e apenas n e le , a
N e n h u m a uisáo o con vid a a isso. E a p o s sib ilid a d e de u m a v id a a firm ativa,
p r ó p r ia substancia q u e ele to c o u co m o m o d o co m o seu c o rp o im p u n h a
as m ãos e os lá b io s q u e o ch am a. suas e xigên cias ao m u n d o , c ria n d o
C h a m a -o m a teria lm en te, em v irtu d e de a si m esm o e à sua o b ra , o u se n d o
• 200 •
u m a p a rticip a çã o m ágica” ( ib id ., arre b ata d o p o r e la ” ( F O R N A Z A R I ,
p. 131)- 2 0 0 1 , p . 9 ).
1 2 4 I b id ., p . 13 2 . 13 3 V O L Ú S I A , 1 9 3 9 , p . 11.
125 I b id ., p . 19 3 . 13 4 A Z E V E D O , 1 9 5 0 , n . 5 3.
12 6 S e g u n d o E ro s V o lú s ia , seu í3 5 V O L Ú S I A , 19 8 3 , p . 1 2 3 .
n o m e (d a d o p e lo s p ais p o e ta s), q u e 13 6 T a n to G ilk a M ach ad o co m o E ro s
sem d ú v id a traz a m arca p esso al do V o lú sia so fre ra m in ju stas le itu ra s do
o lh a r p o é tic o g ilk ia n o , é H e ro s se n tid o e ró tic o d e suas p r o d u ç õ e s
V o lú s ia M a c h a d o , m as ao in g re ssa r artísticas, q u e m u ita s vezes fo r a m
n a c a rre ira a rtística a b a ila rin a c o n fu n d id a s c o m a p e lo p o r n o g r á fic o
o p to u p o r E ro s sem a le tra " H ” , p e la so cie d a d e a ltam en te p u rita n a
a d o ta n d o , assim , o se n tid o m ais
das décadas de 193^ e 1940 . S e g u n d o
p r ó x im o d o n o m e g re g o p ara o d eu s
A n g é lic a S oares, a "lib e rta çã o
d o a m o r. A b a ila rin a e sc la re c e q u e
d o c o rp o fe m in in o a gen cia u m a
V o lú s ia é o n o m e d e u m a c id a d e na
lib e rta ç ã o da lin g u a g e m ” , co m o
F ló r id a (E U A ) q u e e x p o rta m e l e
n o caso das duas artistas. E m u m a
q u e , p o r esse m o tiv o , os fra n c e se s
socie d ad e " q u e te m , co m o u m d os
c h a m a v a m -n a " c o m m u ita g ra ça
p ilare s, a d essexu alização da m u lh e r,
d e ' l ’A m o u r su crée’ ” . E in e g á v e l,
c o m a e x p e riê n c ia da castidade
e n tr e ta n to , a se m e lh a n ç a so n o ra
e ataque aos c o m p o rta m e n to s
e v isu a l e n tr e os n o m e s V o lú s ia e
c o n sid e ra d o s im o ra is ” , a ca rn e e o
v o lú p ia , esta ú ltim a tão a m p la m e n te
e sp írito n ão se c o n c ilia m e os "desejos
p r e s e n te n a o b ra lit e r á r ia da m ãe da
d o c o rp o fe m in in o são ob servad os,
b a ila r in a ( V O L Ú S I A , E r o s . E u e a
se n tid o s e tra tad o s co m o 'taras’ ”
d a n ç a , fíeuista C o n t in e n t e , E d it o r ia l,
( S O A R E S , 2 0 0 0 , p . 7 ).
R io d e j a n e i r o , p . 3 5 . 19 8 3 )-
12 7 M A C H A D O , 19 9 1, p . 8 3. 13 7 M A C H A D O , 1 9 9 9 , p . 3 2 2 - 3 2 3 -

128 I b id ., p . 128 . 13 8 C r is tin a F e rr e ir a - P in to observa

12 9 M A C H A D O , 19 9 1, p . 1 5 0 - 1 5 1 . q u e o se n tim e n to d e reclu sã o o u de

13 0 F O N S E C A , 19 3 3 . re je içã o d e G ilk a M ach ad o vem desde


131 M A C H A D O , 19 9 1, p . 2 6 2 . as p r im e ira s crítica s v io le n ta s q u e
re ce b e u p o r ocasião da p u b lica ç ã o de so m e n te p o r assim d izer; e to d o o
seus p r im e ir o s p o em as. im p erecív el — tam b é m é
A p e sq u isa d o ra esclarece a atitu d e u m a im agem p o é tic a '. [ ...] A i d e
velada da artista-. " U m ra ro n ó s, há tantas coisas e n tre o céu e
d e p o im e n to da p o e ta , 'd ad os a te rra co m q u e so m e n te son h am
a u to b io g r á fic o s d e G ilk a M a c h a d o ’ , os poetas! E , e sp ecia lm en te, acim a

q u e aparece n a e d iç ã o de 19 7 $ das d o céu : p o is to d o s os deuses são


Po esias co m p le ta s, fo r n e c e in fo r m a ç õ e s m etá fo ra s e su b terfú g io s de p o e ta s!”
im p o rta n te s so b re a a u to ra . ( N I E T Z S C H E , [ s .d .L p.
A s p r im e ira s palavras desse re la to sào 141 M A C H A D O , 1 9 9 9 , p . 2 8 9 .
já b astan te revelad oras: ’U m c o n tra to 14 2 M O R É A S , 1 9 4 7 , p- 7 2 3 - 7 2 6 .
m e o b rig a a c ita r o s a c o n te c im e n to s 14 3 S W E D E N B O R G , 1 9 9 5 , p . 8 4 .
m ais im p o rta n te s da m in h a v id a sem 1 4 4 V O L Ú S I A , 1 9 3 9 , p . 11.
im p o rtâ n c ia ’ . A í estão re fle tid o s 14 5 F O N S E C A , 1933 -
o to m d e d esilu são e o d esejo de 1 4 6 A R A Ú J O , M u r ilo . U m ro sto e
iso la m e n to p resen tes em m u ito s as m áscaras. Tribuna da Im p ren sa , R io de
p o e m as e q u e ta m b é m m arca m sua J a n e iro , p . 4 - 2 o u t. 1955-
v id a p e sso a l” ( P I N T O , 2 0 0 2 , p . 3)- 14 7 M A C H A D O , 19 15 .
13 9 C o m essa esp e cia l se n sib ilid a d e 148 A p rática exp ression ista da dan ça
. 201 •
c o r p o r a l tra n sp o sta p ara o texto sistem atizou algu ns p r o c e d im e n to s
filo s ó fic o , N ie tzsc h e vai c o n s tru in d o q u e p o d e m co n te x tu a liza r as
sua n o ç ã o da re a lid a d e p o é tic a , na p r o d u ç õ e s de seus segu id ores, com o
m ed id a e m q u e só p o r m e io do os segu in tes:
c o r p o se p o d e te r u m a n o ç ã o d o T e n d ê n c ia à an álise e
q u e é ilu sã o e d o q u e é re a lid ad e . sistem atização d e u m a m eto d o lo g ia
A ss im , o filó so fo / p o e ta / d a n ç a rin o qu e favo reça a u tilizaçã o de
vai c o n s tru in d o suas id é ias, da b o a e m o v im e n to s n atu ra is, segu in d o
d a m á filo s o fia a p a rtir da m etá fo ra o m o d e lo d os e sfo rço s ligad os à
c o r p o r a l: " F r e q ü e n te m e n te m e m ec â n ica d o c o rp o em suas atividades
p e rg u n te i se até h o je a filo s o fia , de e exp ressões co tid ian a s, in tegradas
m o d o ge ra l, n ã o te ria sid o apenas c o m o seu m eio a m b ie n te .
u m a in te rp re ta ç ã o d o c o rp o e u m a — A n a lo g ia co m as fo rm a s da
m á -c o m p re e n s ã o d o c o r p o . P o r n atu re za, sob o p o n to de vista
trás d o s su p re m o s ju íz o s d e v alo r abstrato da ciê n cia.
q u e até h o je g u ia ra m a h istó ria O m o v im e n to d o h o m e m in se rin d o
d o p e n sa m e n to se e sco n d em más e r e p r o d u z in d o o m o v im e n to d o
c o m p re e n sõ e s da c o n stitu iç ã o física, u n ive rso .
seja d e in d iv íd u o s, seja d e classes o u — C o n s c iê n c ia de u m a d im en sã o física
raças in te ira s ” ( N I E T Z S C H E , A g a ia d o pro cesso criativo , co m in serçõ es
c iê n c ia , p. II-12 ).
interativas.
140 Para o filó s o fo alem
— Eão,sp aço, te m p o , p eso e flu ê n cia ,
assim c o m o em G ilk a M ach ad o , fa tores q u e c o m p õ e m o m o vim e n to ,
as e x p e riê n c ia s e sp iritu a is são passam a ser vivid os e m o c io n a lm e n te .
p r o fu n d a m e n te m arcadas p e lo c o rp o — A b e rtu ra para a livre expressão
q u e as ge ra e p e lo e sp írito c o r p o r a l in d iv id u a l, em u m espaço
p o é tic o n e le e n g e n d ra d o : "D e sd e trid im e n sio n a l c ú b ic o , co m flu ê n cia
q u e c o n h e ç o m e lh o r o c o r p o ', disse de expansão e co n tra ção da fo rm a ,
Z a ratu stra a u m d o s seus d iscíp u lo s, n o s n íveis alto, m é d io e b aixo.
'o e sp ír ito , p ara m im , é e sp írito — T o d a s as partes d o c o rp o têm o
m esm o v a lo r expressivo, sem có d igo s 152 M A C H A D O , 19 9 9 , p . 3 9 9 - 4 0 1 .
estéticos p r ed e te rm in a d o s. 153 A u to p ia p resen te n a dan ça
— E laboração das "frases de m o vim ento” exp re ssio n ista p r o c u r a resgatar o
se g u in d o o d esm e m b ram en to dos d iv in o q u e tra n sce n d e a fo r m a na
ritm o s re sp ira tó rio s, co m um a bu sca d e raízes d o passado para a
co n stru çã o de en cad e am e n to das fases p r o je ç ã o d e u m fu tu r o id e a l, d e u m a
de p rep ara ção , ação e recu p e ra ção na n ova d an ça, d e u m n o v o h o m e m
sucessão d o m o vim e n to . (S IL V A , S o ra ia , 2 0 0 2 , p . 3 0 4 )-
— V alo riza çã o d ram ática da tran sição e 15 4 I b i d ., p . 144 *
da pausa n o m o v im e n to . 155 E M E R S O N , 1 9 6 6 , p . 12 3 , 12 5 ,
— P rocesso (in d ic ia i) de criação que 134.
apresen ta u m sig n ific a d o em v irtu d e 156 M A C H A D O , 1 9 9 9 , p . 3 0 8 - 3 0 9 .
de u m a co n exã o existen cia l o u 157 C o m o a firm a A n n a B a lak ian , "a
su b stan cial co m seu o b je to . té c n ic a sim b o lista g ir o u em to r n o do
— O m o v im e n to passa a ter u m c u lto da im a g e m e d o s n o v o s u so s da
se n tid o m eta físico , p r o je ta d o p ara o lin g u a g e m te n d e n te s a se to r n a r e m
fu tu ro (dan ça do fu tu r o ) , co rrelaçã o a p o e s ia d e u m a a fir m a ç ã o d ir e ta
e n tre im p u lso e sp iritu a l, m en ta l e d o p e n s a m e n to o u d e u m a e m o ç ã o
• 202 • gesto físic o . e m d is c u r s o in d ir e t o s u g e r in d o
— P reo cu p açã o c o m a edu cação m ais d o q u e a fir m a n d o o s o n h o da
(p rin c ip a lm e n te em L a b an e Isad ora visão d o p o e t a ” ( B A L A K I A N , A n n a .
D u n c a n ) ” (S IL V A , S o ra ia, 2 0 0 2 , O S im b o lis m o . S ão P a u lo : E d ito r a
P- 335 )- P e rs p e c tiv a , 2 0 0 0 , p . 123)-
14 9 A U L E R , 15
1983 1.
M A C H A D O , 19 9 9 , p . 359.
15 0 V O L Ú S I A , 19 8 3 , p . 3 9 . 159 B A C H E L A R D , 0 ar e os so n h o s,
151 C r is tin a F e rre ira -P in to destaca 2 0 0 1 , p . 19.
o fato de G ilk a M ach ad o o c u p a r 16 0 Para B a ch e la rd , N ie tzsch e é
u m a p o sição um tan to am bíg ua no u m p o e ta a ére o , p a ra q u e m " o ar é
p a n o ra m a d a litera tu ra brasileira. Para a a su b stân cia m esm a da lib e rd a d e , a
p esq u isad o ra, a p o eta , p io n e ir a n o su b stân cia da a legria so b r e - h u m a n a ”
se n tid o de assu m ir u m p en sa r p o é tic o (ib id ., p . 1 3 6 ).
fe m in in o , é m al en q u a d rad a pelo s 161 I b id ., p . IIO .
crítico s, q u e, em sua m a io ria , só 162 M A C H A D O , 1 9 9 9 , p . 1 1 3 -1 1 5 .
e n c o n tra m p a râ m e tro s m ascu lin o s 16 3 C U N H A , 1 9 7 2 , p . 4 3 6 .
de p e n sa m e n to p o é tic o . Para 16 4 Q u a n d o Ism á lia e n lo u q u e c e u ,/ p ô s - s e
F e rre ira -P in to , a p o eta b ra sile ira "é na forre a sonhar.../ V iu uma lu a no ce'u,/
co n sid erad a sim b olista p o r alguns Viu ou tra lu a n o m a r ./ / N o so n h o em q u e se
c rític o s (S ô n ia B ra y n er, F ern an d o p e r d e u ,/ B a n h o u - s e tod a em lu a r .../ Q u e r i a
Py), n e o p a rn asia n a (M a rie P op e s u b ir ã o c é u ,/ Q u e r ia d escer a o m a r .../ /

W allis), p r é -m o d e rn is ta (M a n u e l E , no desvario s e u , / N a torre p ô s - s e a c a n ta r .../

B a n d e ira , F e rn an d o G ó e s ), o u Estava p e r to do c é u ,/ E s t a v a longe do m a r .../ /

rep resen ta n te da "N o v a p o e sia ” E co m o um a n jo p e n d e u / A s asas p a r a v o a r .../

(João R ib e ir o ) ” (F E R R E IR A - Q u e r ia a lua do c é u ,/ Q u e r ia a lua d o m a r .../ /

P I N T O , C r is tin a . A m u lh er e 0 câ n on A s asas q ue D e u s lh e d e u / R u fia r a m d e p a r em

p o é tic o bra sileiro : um a le itu ra de G ilk a p a r . . . / Sua a lm a su b iu ao c é u ./ S e u

M ach ad o. D isp o n ív e l em : <h ttp :// co rp o desceu ao m a r . . . / / ( C Â N D ID O ;


w w w .ia c d .o a s .o rg / R IB % 2 0 i% 2 0 9 8 / C A S T E L L O , 19 8 1, p . 2 5 6 ).
p in to .h tm > A cesso em : 29 j u n - 16 5 W o lfg a n g K a y se r esclarece sob re a
2 0 0 2 , p . 2- u tilid a d e d o títu lo d o p o e m a ; para
ele: "S ó a p a r tir d o h u m a n ism o se 1 7 4 L A B A N , 19 7 8 , p . 4 2 .
e n ra iz o u o h á b ito de d ar n o m e s às 175 Ib id ., p . 42 - 4 3 -
p r o d u ç õ e s p o é tica s, e x e rc en d o o 176 V O L Ú S I A , 19 8 3 , p . 15 0 .
títu lo diversas fu n ç õ e s. P o r u m lad o 177 A M O R A , 1 9 5 5 , p . 13 7.
deve p r e p a ra r a nossa d isp osição 178 S IL V A , 2 0 0 2 , p . 21.
m e n ta l p ara o q u e vai a c o n te c e r. 179 M c L U H A N , [ s.d .], p . 73 .
O q u e n o te a tro as três p a n ca d a s e o 18 0 V O L Ú S I A , 19 8 3 , p . 13 9 .
apagar de lu zes p r o d u z e m , isto é, a 181 M A C H A D O , 19 9 9 , p . 2 9 8 -2 9 9 .
tra n s fo rm a ç ã o m ágica d o e sp ecta d o r 182 V O L Ú S I A , 19 8 3 , p . 13 9 .
q u e lh e fa cu lta a e n trad a n o d o m ín io 183 M E IR E L E S , 19 8 3 , p . 2 4 .
da p o e sia , re a liz a -se n a lír ic a m uitas 18 4 S A L A Z A R , 1 9 4 0 , p . 19.
vezes só p e lo títu lo da o b ra . A o 185 A ssim co m o a p o esia , a dan ça tem
m esm o te m p o deve ele p re p a ra r a a capacid ade de su ge stio n a r estados e
en trad a n o m u n d o esp ecia l desta e m o çõ es p a rticu la res n o c o rp o e n o
p o e s ia ” ( K A Y S E R , 1 9 6 7 , p . 2 9 6 ). e sp írito d o esp ectad or.
166 M A C H A D O , 1 9 9 9 , p . 4 0 5 . 18 6 La ru m b a si b aila co m i ca p elli.
16 7 V O L Ú S I A , 1 9 8 3 , p . 14 7 . R evista T em p o, M ilã o , a n o X II, n . 4 4 *
168 M U R I C Y , 1 9 4 6 , p . 13 7. II n o v. 19 5 0 .
169 A M O R A , 19 5 5 , p . 113. 187 E m u m o u tro a rtig o de A u g u sto • 203 •
17 0 P R E S T O N - D U N L O P ; G E A R Y ,
R o d rig u e s p u b lic a d o na revista
19 9 8 , p . 41 - 4 3 . 0 C ru ze iro , fic a evid en te a o rig em
171 T a m b é m n a arte dessa d an ça rin a
dessa frase de e fe ito , q u e, segu n d o
alem ã se ob serva a in flu ê n c ia das
a re p o rtag e m , fic o u fam osa em
ca racterísticas m ísticas rela cio n ad as
Paris p o r ocasião da sua co n fe rê n c ia
às o rig e n s d e seu p o v o , assim co m o
n o s A rc h iv e s In te rn a tio n a le s de
e n c o n tr a m o s gestos e palavras
la D an se da b a ila rin a b ra sile ira
re la cio n a d o s a cu lto s a fr o -b r a s ile ir o s
em 1 9 4 8 . A o lado de u m a fo to da
n a o b ra de E ro s V o lú s ia e G ilk a
b a ila rin a d an ça n d o co m os cabelos
M a ch a d o . N ie tzsc h e fala da in flu ê n c ia
a re p o rta g e m destaca: "P aris adora
d e cu lto s d io n isía c o s n o M ed ievo
as frases de sen sação. U m jo rn a lista
alem ã o cujas m u ltid õ e s cantavam e
p e rg u n to u a E ro s p o r q u e tin h a
d an çavam de lu g a r em lu g a r sob o
cabelo s tão gra n d es. Ela disse:
e fe ito de tran se ca racte rístico d o d eus
’P o rq u e o sam ba se d an ça co m os
g re g o ( N I E T Z S C H E , 1 9 9 2 , p- 3 ° )*
ca b elo s ” ( R O D R I G U E S , 1948*
172 E n c ic lo p éd ia m ira d or in te rn a cio n a l. R io
p . 8 7).
d e J a n e iro : E n cy clo p a ed ia brita n n ica do
188 K a t h e r in e D u n h a m
B r a sil, 1990 -
( 2 2 / 0 6 / 1 9 1 2 ) p e rte n c e u a u m a
173 Para D u n lo p e G eary, o lado
p r im e ir a g e ra ção de b a ila rin o s
sim bolista n o trabalho de Laban
n e g ro s a m e ric a n o s, n o s a n o s 19 4 0 -
é revelado em seus escritos D ie Tat :
E la re a liz o u im p o rta n te s estu dos
" T h e sym bols o f dance and dance as
a c a d ê m ic o s de in vestigação das
sym bo l” (1919 ), "S p iritu al edu cation
d an ças tra d ic io n a is das várias etn ias
in the festival” (19 2 0 ) e " T h e desire
d os p ovos n e g ro s, e só e n tã o c rio u
fo r festival and festive cu ltu re ” (1922),
seu r e p e r tó r io c o re o g r á fic o (B A R IL ,
en q u a n to seu lado racio n al fo i expresso
n a sua d eterm in ação de criar um 1 9 8 7 . p- 3 53 )-
189 La ru m b a si b aila c o n i ca p elli.
trabalho capaz de realizar u m sistema
Revista T em p o, M ilã o , a n o X II, n . 4 4 »
de n otação d o m o vim e n to ” ( P R E S T O -
II n o v. I 9 5 0 -
D U N L O P ; G E A R Y , 199 8 , p . 4 2 ).
ig o V O L Ú S IA , 1939, p. 1 9 -2 0 . 2 0 2 X a n g ô (S à n g ó ): " O r ix á d o trovão
191 A Z E V E D O , 19 5 0 . e da ju s tiç a ; te ria sid o re i d e C o ssô e
192 E M E R S O N , 19 6 6 , p . 13 6. o q u a rto re i de O i ó ” ( ib id ., p . 5 7 0 ).
19 3 O cien tista te c n o ló g ic o N o rb e rt 2 0 3 O x ó s si ( O s ó ò s i) : " O r ix á da caça”
W ie n e r fala da gra n d e im p o rtâ n cia de (ib id ., p . 5 7 0 ).
a p re n d iza d o d o h o m e m p o r 2 0 4 Iansã (Y á n sà n ): " O u t r o n o m e
m eio d os seus sen tid o s. C o n fo r m e para O iá ; lite ra lm e n te , a m ãe dos
esse a u to r: "N ó s seres h u m an o s não n ove filh o s ” ( ib id ., p . 5 6 6 ); O iá
som os sistem as iso lad os [ ...] som os (O y a ): " O r ix á d o s v en to s, d o ra io , da
parte de u m m u n d o m ais vasto que tem p estad e; d o n a d os egu n s; u m a das
c o n té m as fo n te s de nossa vitalid ad e. esposas d e X a n g ô ” ( ib id ., p . 5 6 8 ).
M as a in d a m ais im p o rta n te é o fato de 205 Iem a n já (Y e m o ja , Y é m á n já ):
q u e assim ilam os tam b ém in fo rm a ç ã o " O r ix á d o r io N íg e r, d o n a das águas,
através de nossos ó rgão s se n só rio s se n h o ra d o m a r, m ãe d os o rix á s”
e de q u e agim os de a c o rd o c o m a ( ib id ., p . 5 6 6 ).
in fo rm a ç ã o re ce b id a ” (W IE N E R , 2 0 6 O r ix á (ò risà ): " D iv in d a d e , d eus
[ s.d .], p . 2 8 ). d o p a n te ã o io r u b a ” ( ib id ., p . 5 6 9 ).
19 4 V O L Ú S I A , 19 8 3 , p . 14 8 . 207 "D a n ça p r o fa n a ao som de
• 204 • 195 C A S S IR E R , 2 0 0 1 , p . 176 . tam b ores” (F E R R E IR A , 19 9 9 , p . 28 1).
196 V O L Ú S I A , 19 3 9 , p . 37 - 38 - 2 0 8 M A C H A D O , 19 9 1, p . 3 7 6 .
19 7 " R ito p r o p ic ia t ó r io q u e 209 B A C H E L A R D , 19 9 0 , p. 202.
o c o r r e a n te s d o in íc io das 2 10 S e g u n d o B a ch e la rd : " A m atéria
c e r im ô n ia s p ú b lic a s o u p riva d a s n os revela as nossas fo rça s. Su gere
d o s c a n d o m b lé s o u u m b a n d a s e u m a c o lo ca çã o de nossas fo rça s em
q u e c o n siste n a o fe r e n d a a E x u ca tego rias d in â m ica s. D á n ão só u m a
de a n im a is v o tiv o s s a c rific a d o s , su b stân cia d u r a d o u ra à n ossa v o n ta d e ,
a lim e n to s e b e b id a s, p a ra q u e este m as tam b ém esquem as te m p o ra is
n ã o p e r t u r b e a fe sta e fa ça as vezes b e m d e fin id o s à n ossa p a c iê n c ia . D e
d e m e n s a g e iro n a o b te n ç ã o da im e d ia to , a m a té ria re ce b e d e nossos
b o a v o n ta d e d o s o rix á s q u e se rã o so n h o s to d o u m fu tu r o d e tra b a lh o ;
ch a m a d o s a d escer” (F E R R E I R A , q u erem o s v e n c ê - la tra b a lh a n d o .
19 9 9 , p. 14 7 1). D e sfru ta m o s de a n te m ão a e ficá cia de
198 E xu (E sü ): " O r ix á m en sa geiro ; nossa v o n ta d e ” ( ib id ., p . 19 ).
d o n o das en cru zilh a d as e g u ard iã o 211 M E IR E L E S , 1 9 8 3 , p . 86.
da p o rta de en trad a da casa; sem pre 212 O t o p ó n im o S alva d o r, co m o
o p r im e ir o a ser h o m e n a g e a d o ” c o m p le m e n to n o m in a l q u e in d ica
(P R A N D I, R e g in a ld o . M ito lo g ia dos posse n o su b títu lo d o p o e m a
orixás. São P a u lo : C o m p a n h ia das g ilk ia n o "D a n ç a d e filh a de t e r r e ir o ”
Letras, 2 0 0 1 . p . 5 6 5 ). (c a n d o m b lé — cid ad e de S alva d or),
199 B abalaô (babálaw o): "S a ce rd o te p o d e ser u m ín d ic e d o se n tid o
de O ru n m ilá ; sacerdo te d o o rá c u lo ; e sp iritu a l q u e se d esen volve n o
a d iv in h o ” ( ib id ., p . 5 6 4 ). p o e m a . O u seja, p o d e fu n c io n a r
2 0 0 O g u m ( O g ú n ) : " O r ix á da c o m o u m d em o n stra tiv o d e q u e o
m eta lu rgia , da a g ric u ltu ra e da lo c a l o n d e o c o r r e o ritu a l d escrito
g u e rra ” ( ib id ., p . 5 6 8 ). p o d e ser tam b é m d ive rso . N esse
2 0 1 O xa lá (O risà n lá ): " G ra n d e se n tid o , G ilk a M ach ad o p o d e ter
O rix á ; o u tro n o m e para O b atalá; d ad o a in d ica çã o , b e m ao gosto
n o m e p r e fe re n c ia l de O b a ta lá n o sim b o lista , d o p r in c íp io das
B ra sil” ( ib id ., p . 5 6 9 ). c o rre s p o n d ê n cia s, da cid ad e de
S alva d o r c o m o se n d o tam b é m o que-. " D io n is o é o d e u s-v in h o , o
te r r e ir o e sp iritu a l de a ru an d a; a v in h o co m o d eus e o d ivin o co m o
possessão d escrita n o ritu a l estaria sob e m b riag u e z. O v in h o é o m ais ilu stre
o c o m a n d o desse o u tr o "S a lv a d o r” . e stu p e fa cie n te . E le se d isp õ e ao cu lto
C e c ília M eire le s esclarece que fr e n é tic o q u e con siste em danças
o te r r e ir o e sp iritu a l de a ru a n d a é a p aix on ad a s” ( ib id ., p . 7 5 ); "[•••]
p a ra le lo ao te rre n o da um banda, o A p o io é, p o r excelên cia , o deus
t e r r e ir o fís ic o , o n d e se d esen vo lve a d a n ç a rin o — só q u e sua dan ça é severo
m acu m b a (ib id -, p . 6 6 ). e ríg id o r it m o ” ( ib id ., p . 7& ~ 77) -
213 A U G E , M a rc. A g u e r r a dos sonhos. 2 2 0 E xiste d o lo r , re b e ld ia y el
C a m p in a s: P a p iru s, 1 9 9 8 . p . 35 “ 3 ^- se n tid o m ágico de u n a raza e n las
214- " N a d an ça d io n isía c a se danzas de E ro s V o lú sia . E l D ia r io de

re p resen ta a vid a , a p a ixã o , a m o rte e B u e n o s A ir e s , B u e n o s A ir e s , C r ític a ,


a re ssu rre ição de D io n is o . Ia ago. 19 3 6 .
A festa era d ia d os d e fu n to s — a C h o é 2 21 F A IG , C a rlo s H . C á lid o s aplausos
—, q u e a b ria o lo n g o festival das r e c ib ió a n o ch e E ro s V o lú sia . E l D ia rio

A n te ste ria s , d e d ic a d o à v en era ção de B u en o s A ir e s , B u e n o s A ir e s , C r ític a ,


d os m o rto s. U m cid ad ão q u e figurava 3 ago. 1 9 3 6 .
ser D io n is o , c o ro a d o d e p â m p a n o s e 2 2 2 S e g u n d o o glossário da M ito lo g ia • 205 •
fo lb a s d e v id e ira , entrava em A te n a s d os orixás, o te rm o Iaô (iyawó)
d e n tro de u m n avio c o lo c a d o sob re sign ifica: "E sposa jo v e m ; filh a ou
ro d as. E ra o carro n a v a l — de onde filh o - d e - s a n to ; g ra u in fe r io r da
v em n o sso ca rn av al” ( O R T E G A Y ca rre ira in ic iá tic a d os q u e e n tram em
G A S S E T , 1 9 7 8 , p- 78)- O carnaval transe de o rix á " ( P R A N D I, 2 0 0 1 ,
su rg iu n o m u n d o cristã o m ed ieval, p. 566).
c o m e m o ra ç ã o q u e se in icia va n o 2 2 3 V O L Ú S I A , 19 3 9 , p . 4 8 .
D ia de R eis e se e sten d ia até a 2 2 4 E ro s V o lú sia fala q u e a f o lk - d a n c e
q u a r ta -fe ir a de cin zas. C o n s is tia de b ra sile ira sem p re existiu sem n o
festas p ro fa n a s e p o p u la re s "e em e n tan to ser valorizad a:
m an ife sta çõ e s sin cré tica s o riu n d a s " O p r ó p r io p o v o n ão tin h a
de rito s e co stu m es pagãos, co m o c o n sc iê n c ia da riq u e za q u e possuía e o
as festas d io n isíac as, as saturn ais, m u n d o a rtístico -so cia l m en osp rezava
as lu p e rca is, e se caracterizava p e la essa p r o p rie d a d e ” ( ib id ., p . 19)-
a legria d esab rid a, pela e lim in a ç ã o da 2 2 5 M U R I C Y , 1 9 4 6 , p . 234 - 237 -
rep ressão e da ce n su ra, p e la lib e rd a d e 2 2 6 V O L Ú S I A , 19 8 3 , p . 4 4 .
de atitu d es críticas e e ró tic a s” 2 2 7 M A L L A R M É , 1 9 9 4 , p . 102-
(F E R R E IR A , 1 9 9 9 , p . 4 1 2 ). 2 2 8 V O L Ú S I A , 19 3 9 , p . 2 3.
2 15 I b id ., p . 77 - 2 2 9 E ro s V o lú sia d iz q u e q u an d o
2 16 M E IR E L E S , 19 8 3 , p . 76 , 78. dançava co m sapatilhas de p o n ta
2 17 O R T E G A Y G A S S E T , 19 78 , se sen tia "n a su p e rfície da a rte ” ,
p. 76. p o is o e fe ito p r o d u z id o de elevação
2 18 I b id ., p . 78 . da b a ila rin a dava a im pressão de
2 19 Para O r t e g a y G asset, os gregos e sp iritu a lid a d e , m as ao co n trá rio lh e
n ã o re n u n c ia v a m a n ad a, cu ltu a n d o p arecia a m ais m ateria l das artes, p e lo
as duas faces da v id a: o rd e m e d e s c o n fo rto causado aos pés. Para a
d eso rd em , se rie d ad e e d iversão , razão b a ila rin a , a dan ça em p o n ta "eleva
e a lie n a çã o , o u seja, A p o io e D io n is o . m as n ã o co m ove p o r q u e lh e falta
O filó s o fo a firm a re a lism o . S ó n o caso freq ü e n te
d os m ú ltip lo s fo u e t é s e das p iro u ettes
vertigin o sas, caso q u e resu lta em m ais
m ecan ism o s q u e arte e tra n sfo rm a o
p u ro clássico em clá ssico -a cro b á tico
e em p o u c o s o u tro s, a n ta g ô n ico s ao
p r im e ir o , co m o n o da " M o rte do
c isn e ” , em q u e se con stata o clássico-
exp ression ista — a dan ça m ais em oção
q u e m o v im e n to ” ( ib id ., p . 12 ).
230 W IE N E R , [ s .d .], p . 2 1 - 2 2 .
2 3 1 A N D R A D E , M á rio . E ro s V o lú sia .
0 E stad o de S . P a u lo , S ão P a u lo , an o
IX , n . 1 4 2 , p r im e ira q u in z e n a de
setem b ro de 1939- S u p le m e n to em
R o to g ra v u ra s.
2 3 2 S e g u n d o E u ric o N o g u e ira
França, o tra b a lh o de cria ção de
E ro s a sse m e lh a r-se -ia "ao q u e faz
• 206 •
u m m ú sico q u a n d o h a rm o n iz a ,
a m b ien ta o u eleva de p la n o u m
tem a p o p u la r ” . S e g u n d o o c rític o :
" C o n s c ie n te d o seu d estin o de
artista, n o q u e esta palavra im p lic a
de a firm açã o da p e rso n a lid a d e ,
se n tin d o viva a atração pelas nossas
danças ca racteristicam en te b ra sileira s,
E ro s V o lú sia p ô s -se n a sen da de u m
b a ila d o o rig in a l. E voca o exem p lo
ilu stre de A n to n ia M e rc ê , que
tra n s fig u ro u o p o p u la rio co re o g rá fic o
e sp a n h o l em fo rm a s m agn íficas
de b eleza. T o d o u m pro cesso de
estilização d os passos e de captação
da atm osfera das nossas danças se
su ced eu , e os p r im e iro s b ailad o s de
E ro s V o lú sia fo ra m m ostrad os, co m
gra n d e êxito , ao p ú b lic o ” ( F R A N Ç A ,
E u ric o N o g u e ira . E ro s V o lú sia . Revista

S o m b ra , p . 6 8 , m ar. 19 4 9 )-
A D A N Ç A DAS PALAVRAS - A S P E C T O S DE
U M A SIM BIO SE A R T Í S T IC A

Para além d os aspectos fam iliares em o cio n a is nessa i n t i ­


m a co la b o ra çã o en tre G ilk a M ach ad o e E ro s V o lú sia, p re te n d e -s e
a in d a resgatar, neste tra b a lh o , u m a análise detalhada d o d iálo g o
a rtístico q u e fu n d e im ag em p o ética lite rá ria e im agem p o ética da • 207 •
d ança, em u m m e io h íb r id o , cu ja fusão d ialó g ica é expressa em
n íveis estru tu rais estéticos. A o estab elecer os p rocesso s de fusão
d iló g ic a en tre p o esia e d an ça, b u sca m -se novas leitu ras n o d iálogo
m e to d o ló g ic o em am bas as artes, a n alisan d o as c o n trib u içõ e s h í ­
b rid a s de in te n sific a çã o da m en sagem p o ética.
P ro p õ e m -s e a q u i estru tu ras de an alogia, o u seja, de d a n -
sin tersem ío tiza ção en tre po esia e dança, n ão d eix a n d o de levar em
co n ta as te o ria s da Tradução íntersemiótica e a aplicação desta para a
análise das obras selecion ad as. O u seja, a p o ssib ilid ad e de q u e só
se rea liza m trad u çõ e s criativas na m ed id a em que c o n teú d o s de
lin g u a g en s e m eio s d iferen tes se in tera g em p r o d u z in d o o que H a -
r o ld o de C a m p o s d e fin e co m o recriação. Para o estu d ioso da l i n ­
gu ag em , n a recria çã o te m -s e o avesso da trad u ção literal, e q u an to
m ais d ifíc il o texto m ais aberto para a recria çã o ele se apresenta:
"N u m a trad u çã o dessa n atu reza, n ão se trad u z apenas o sig n ifica ­
d o , tra d u z-se o p r ó p r io sig n o , o u seja, sua fisicalid ad e, sua m a te­
ria lid a d e m esm a ” .1
N o s n íveis estru tu rais de análise n a relação po esia e d a n ­
ça, lev am -se ta m b é m em co n ta os m o d o s de in fo rm a çã o estética
e sem ân tica. Isto é, d o p o n to de vista sem ân tico a in fo rm a çã o é
ló g ic a , estru tu ra d a, e n u n ciá v el, trad u zível, p rep ara n d o ações; já
do p o n to de vista estético , ela é in trad u zível, p rep a ra n d o esta­
d o s. A b ra h a m M o les fala da esp ecificid a d e desses d ois m o d o s de
in fo rm a çã o nas trad u ções in tersem ió tica s. Para o a u to r de Teoria da
informação epercepção estética:

A in fo rm a çã o estética é esp ecífica d o can al q u e a


tran sm ite, e n c o n tra n d o -se gravem en te alterad a p o r
u m a m u d an ça de u m can al para o u t r o ; u m a s in fo n ia
n ão "su b stitu i” u m d esen h o a n im a d o , é d ife re n te na
sua essência. A in fo rm a çã o estética n ão é trad u zível,
sen d o apenas tran spo rtável a p ro x im a d a m e n te .2

A o lad o de tod a in fo rm a çã o sem ân tica p rese n te nas obras


das artistas analisadas, são tam b ém abord adas, co m n ã o m en o s va­
lo r investigativo c ie n tífic o , as in fo rm a çõ e s estéticas q u e delas em a -
• 208 • n am . O u m e lh o r, a in fo rm a çã o estética a q u i é vista co m o d erivad a
da em o ção estética, em q u e o c o rre a m ais absolu ta id e n tid a d e , ou
em patia en tre o su jeito e o o b je to ob servad o n a c o n te m p la çã o da
ob ra, c o n ju g a n d o u m a e x p eriê n cia de fru iç ã o e de e n te n d im e n to
de estados a n ím ico s co m o pa rte d o p ro cesso de trad u çã o criativa.
A ssim , as características gilkian as de ousada tem ática d o d e ­
sejo e r ó tic o ; de u m a p r o fu n d a ânsia de pu reza; de u m a te n d ê n ­
cia esp iritualista, n acio n a lista , in tim ista; d o v ô o lír ic o ; d o u so do
verso livre-, da fle x ib ilid a d e n o em p re go d o v e rb o ; da m u sicalid ad e
de im agen s sen soriais; da flu id e z das id éias sim b olistas; das m a iú s­
culas alegorizan tes; da te n d ê n c ia sugestiva; são p red icativ o s, d e n ­
tre o u tro s, que d ialogam co m o u n iv erso c o re o g rá fic o v o lu sia n o .
B a ila rin a e p o eta c o n fu n d e m -s e e m esclam -se n o d iá lo g o d o s d o is
p rocessos artísticos. O s textos escritos p o r E ro s V o lú sia a p re se n ­
tam m u ito s aspectos p o ético s, m o stra n d o u m a p re o cu p a ç ã o co m
u m estilo lite rá rio d esen volvid o para n a rra r suas te o ria s d o b aila d o
b ra sile iro . N a ob ra dessa b a ila rin a , o resgate de elem e n to s p o p u ­
lares de u m a m a n eira u n iversal, a d ivu lgação da arte n a c io n a l em
p ro d u ç õ e s in te rn a cio n a is e a a rticu lação d os p r in c íp io s de sua arte
essen cialm ente p rá tica em teo ria s e p rocesso s reflex ivo s de registro
lite rá rio tam bém m ostram a p reo cu p a çã o d ialó g ica .
N a p ro d u ç ã o da m en sagem p o é tic a em am bas as artistas, em
q ue o c o rre o p r in c íp io da h ib rid a çã o , a q u i an alisad o, de fu são das
estruturas p oéticas co m estru tu ras co re o g rá fica s, é in te n sific a d a a
in fo rm ação estética e semântica pela sobreposição dos eixos sintagmá-
ticos e paradigm áticos da dança e da poesia. C ria-se, assim, u m novo
portal de vida própria, um a nova expressão, em que existe a superação
e a transcendência na dualidade da realidade estética e semântica pela
síntese poem a/dança ou dança/poem a. Nesse processo de fusão, vetores
de orientação lingüística dialogam com vetores de orientação do m ovi­
m ento em um a tradução criativa com pon d o a dansintersemiotização,
processo que pode ser observado nos esquemas desenvolvidos a seguir.

P oem a/d an ça — dança/poem a

A d ança das palavras e a p o esia do m o v im en to


O p r in c íp io do h íb rid o com o in ten sificação da m ensagem poética.

F u n çã o p o é tic a — p o rta l de vid a p r ó p ria , novas d im en sões de


• 209 •
p ercep çã o

S o b re p o siçã o d os eixos
P arad igm áticos S intagm áticos
P oesia e d an Poesia e dança

D an ça/p oem a
P oem a/ dança
S ín tese da in fo rm a çã o estética e sem ântica.
S u p e ra çã o e tra n scen d ê n cia da d u alid ad e:
E ix o parad igm ático E ix o sin tagm ático

V ertica l H o riz o n ta l
S em elhança/ d essem elhança C o n tig u id a d e
D ia c r ô n ic o , p lu rissign ifica tivo S in c rô n ic o

A n a lo g ia d ialóg ica

Vetores de orientação do m ovi­ Vetores de orientação lingüística


mento ^ ----►
Alfabeto infinito do m ovim en­ Fonologia e fonética: estudo dos
to: conjunto ordenado de gestos sons da linguagem , expressão so­
de que nos servimos para trans­ nora. Alfabeto fonético interna­
crever com o nosso instrumento cional de 87 signos vocais.
corpo no espaço/tempo as varia­
• 210 •
ções expressivas e comunicativas de
necessidades emocionais, fisioló­ O rtografia: expressão escrita, letra
gicas, mentais, espirituais e u tili­ e alfabeto.
tárias que nos impulsionam a uma
determinada ação de caráter mais
semântico ou mais estético. ^ __ ---- ►
Postura/palavra: unidade mínima Palavra: unidade mínima com som
composta de movimentos, a qual e significado que pode, sozinha,
pode, sozinha, constituir en un ­ constituir enunciado; form a livre.
ciado de uma expressão; forma Informação mais metafórica.
livre (gestos utilitários, de jogo,
expressão intensa de comunicação
não verbal inconsciente, dança
moderna mais livre). Mais do eixo
paradigmático. M - ---- ►
Eucinética: aspectos qualitativos e Gramática: vocabulário; conteúdo;
expressivos do movimento, estudo semântica (produção de sentido re­
das relações entre a atitude interna conhecimento, significado) (espaço/
e externa do indivíduo em determ i­ foco do sujeito/narração/figurati-
nada "ação” que articula uma varia­ vo/abstrato; tempo/presente/passa­
ção de combinação das qualidades do/futuro ; peso/ ponderabilidade/
dos fatores do movimento (peso/ fisicalidade/sonoridade fonética;
intensão, espaço/atenção, tempo/ fluência/ ligação das idéias/conti-
decisão e fluência/precisão). Mais nuidade/descontinuidade).
paradipmática. ^ ---- ►
Corêutica: aspectos formais de Sintaxe: disposição das palavras
organização no espaço, os p rin cí­ nas frases e das frases no discur­
pios espaciais que regem a form a so. Pontuação: sinais que marcam
do movimento (planos, níveis, d i­ a pausa (vírgula, ponto, ponto-e-
reções, fluência da form a). Mais vírgula, etc.):3 sinais que marcam
sintagmática. a m elodia (dois pontos, ponto de
interrogação, ponto de exclama­
ção, reticências, aspas, etc.).

Frase: enunciação de gestos en ­ Frase: enunciação de sentido com ­


cadeados com pondo uma unida­ pleto, verdadeira unidade da fala.
de de ação completa (preparação,
ação, recuperação).
• 211 •

Gesto/letra: movimento elementar Letra: signo gráfico elementar


que representa o vocábulo de uma com que se representam os vocá­
determinada expressão corporal, bulos de uma língua escrita. In ­
unidade semântica de qualquer formação mais metonímica.
convenção (balé clássico, m ím i­
ca, linguagem dos surdos-m udos,
fragmentado, periférico). Con­
venção externa impera. Mais do
eixo sintaem ático.

POEM ADAN ÇAND O - PO E M A /D A N Ç A , D AN ÇA^PO EM A

Para fazer u m a análise m ais a p ro fu n d a d a das estruturas


d a n sin tersem io tiza d a s na o b ra de E ro s V o lú sia e G ilk a M ach ad o,
será dada co m o ex em p lo a c o re o g ra fia "C a sca v ela n d o ” de E ro s V o ­
lú sia e o p o em a "S a m b a ” 4 de G ilk a M ach ad o .
" C a sc a v e la n d o ” é u m a co m p o siçã o co re o g rá fica em que a
b a ila rin a , n a p a rte s u p e rio r do tr o n c o , faz gestos o n d u la n tes que
le m b ra m o m o v im e n to das cobras o u das on d as d o m ar p o r m eio
de gestos sin u o so s. N a parte in fe r io r do tr o n c o , n os q u ad ris e
n o s pés, o m o v im e n to m arca o ritm o d o sam ba, c o m p o n d o u m a
m ovim en tação m u ito sensual. Essa c o re o g ra fia fez pa rte d o p r o ­
gram a do p r im e ir o recital solo de E ro s V o lú sia sob re os B ailad o s
b ra sileiro s, realizad o n o T ea tro M u n icip a l d o R io de J a n e ir o em
3 de ju lh o de 1937- C o n sta da segu n da pa rte do p ro g ra m a , sen d o a
ú ltim a c o re o g ra fia a ser apresen tad a, c o m as segu in tes in d icaçõ e s:

"C a sca v ela n d o ” : m úsica de S ebastião B a rro so . S a m ­


ba estilizad o. A cascavel é u m dos p e rig o s freq ü e n tes
nas nossas selvas. A b a ila rin a su rp re e n d e u n o s r u í ­
d os e co leio s desse o fíd io , os re q u e b ro s ch o calh a n tes
desta d a n ç a .5

• 212 •

TE^RO MUNICIPAL

EROS VOLÚSIA
B A ttA O O S O R A S íl E iR O S

PROGRAMA
s ’ cr jut«5m t*r

Program a d o p r im e ir o recita l d os B a ilad o s b ra sile iro s a p resen tad o s p o r E ros


V o lú sia em 1937* n o T e a tro M u n ic ip a l d o R io de J a n e iro
• 213 •

Coreografia "Cascavelando” de Eros Volúsia, 1937

A m o v im e n ta ç ã o cria d a p e la b a ila rin a p ara essa c o r e o ­


g ra fia é e v id e n te m e n te u m a d a n sin te rse m io tiza ç ã o d o p o em a ,
ab aixo tr a n s c rito , cu jo s e le m e n to s p o é tic o s, p o r sua vez, fo ra m
in s p ira d o s nas danças de te r r e ir o b ra sile ira s. D estacam -se a se­
g u ir a lg u n s fra g m e n to s, cu ja exp ressivid ad e tra n sp õ e o te rr e n o
da d an ça p e lo v a lo r p o é tic o de sua d escriçã o da o rig e m d o sam ba
n o B ra s il, e x tra íd o da c o n fe r ê n c ia vo lu sia n a so b re a D an ça b r a ­
sile ira , de 1 9 3 9 :

[ ...] V e lh o fra g m en to de "c o n g a d a ” d esarticu lad o,


re d u z id o , tra n sfo rm a d o em c o rd ã o carnavalesco, o
"m a ra ca tu ” p o u c o p e rd e u de sua o rig e m so len e, de
seu caráter re lig io so , de sua tristeza b an zeira, de sua
trag éd ia racial, g u a rd a n d o -o s in tactos ain d a em seus
vo lteio s v io le n to s, qu e lem b ra m súbitas revoltas, na
falsa im p o n ê n c ia de suas cortesias de reis m iseráveis
e na angústia de seus cantares q u e e n ch em de gem id os
a algazarra d os dias de M o m o . [ ...] M ais tard e, v in ­
do da B ahia, o sam ba de p o u ca ro u p a e de m aneiras
grosseiras, ch egou ao R io . O lh o u su rp reso a u rb e e,
elevando a vista, e n c o n tro u n os n ossos m o rro s velh os
retratos da cidade do S alvador. E fo i m o ra r p e rto do
céu. O m axixe (então d isfarçad o em ta n g o ) ouvia cá
de b aixo u n s ru m o res qu e lh e p ro d u z ia m nas notas
estranhas p a lp ita çõ es... C e rta v e z ... fo i p o r u m c a r­
naval: o sam ba teve desejo de se esp alh ar p e lo asfalto,
desceu, p e n e tro u o c en tro , e, assim , em p le n a A v e n i­
da, travaram c o n h e c im e n to o m axixe e a batu cad a. E le
— elegante, p e rfu m a d o , cu lto, e u ro p eiza d o ; ela — de
• 214 • vestido de chita, de ch in e la sem m eia, b a te n d o com
os pés e ch eiran d o a m ato. E ram da m esm a fam ília,
am aram -se n o p r im e ir o e n c o n tro e, tal fo i o e n c a n ­
tam en to de u m p e lo o u tro , q u e se d esp erson alizaram ,
fu n d ira m -se , n ão há q u em os consiga sep a ra r.6

Essa b ela d escrição vo lu sian a das q u alid ad es in trín secas de


m o v im e n to h ib rid izad a s n a o rig e m do sam ba b ra sile iro é u m d o ­
cu m en to da co n sciên cia artística da b a ila rin a , q u e, co m c o n h e c i­
m en to de causa, faz to d o u m p ro cesso de d a n sin tersem io tiza ção
d o p o em a "S am b a ” de sua m ãe G ilk a M a ch ad o , cu ja análise será
feita a segu ir.
C o m p o sto de 10 8 versos, "S a m b a ” f o i p u b lica d o o r ig in a l­
m en te em 19 3 8 , n o liv ro Su blim açã o, u m a n o , p o rta n to , d ep o is do
recital de E ro s. Q u estõ es c o m o b ra silid a d e , fe m in in o , sen su a lid a ­
de, ritm o de sam ba, b re je ir ic e , tran se, m iscig en açã o já são d e fla ­
gradas lo g o n a p r im e ir a estro fe:

1 - M exendo com as ancas,

2 - batendo com os pés,


3 - trementes os seios,
4 - virados os olhos,
5 - os dentes espiando
6 - a todos e a tudo,
7 - brilhantes,
8 - brilhantes,
9 ~ por dentro dos lábios;
10 — crioula ou cafuza,
11- cabocla ou mulata,
12 ~ mestiça ou morena —
1 3 - não te ama somente
1 4 - quem nunca te viu
1 5 - dançando,
1 6 - sambando,
1 J - nas noites de lua,
1 8 - mulher do Brasil!

1 9 - Ganzás cascavelam, • 215 ■


2 0 - aos uivos das cuícas,
2 1 - gorjeiam violões...
2 2 - E vozes se alongam
2 3 - aos céus, arrazoando...
2 4 - E dedos arrancam
2 5~ isócronos ruídos,
2 6 - das peles dos bombos,
2 7 - das palmas das mãos.

2 8 - Em meio aos terreiros,


2 9 - que fauna,
3 0 - que flora!
3 1 - Papoulas e garças,
3 2 - jaguares e lírios,
3 3 - cipós e serpentes,
3 4 ~ orquídeas e rolas,
3 5 ~ jasmins, puraquês...

3 6 - Coleios que enleiam,


3 7 " que são sucuris...
3 8 - Olhares que assaltam
3 9 - em botesferozes...
4 0 - sorrisos que se alam
4 1 - com brancas plumagens...
4 2 - Roupagens que afloram,
4 3 ~ em vívidas cores,
4 4 ~ cheirando a baunilha,
4S~priprioca, alecrim...
4 6 - Em meio aos terreiros,
47~ que sustos, que fugas,
4 8 - que astúcia, que heroísmo,
4 9 ~ brasílea morena,
5 0 - em todo teu corpo
5 1 - que míngua,
5 2 - que cresce,
5 3 " que sobe,
• 216 • 5 4 - que desce,
5 5 " assim, desmanchado
5 6 - num sapateado!...

57 ' Brasílea morena,


5 8 - parece que o chão
59~ se move ao teu samba
6 0 - te anseia,
61 - te busca,
6 2 - te quer devorar!...
6 3 - Brasílea morena
64 - que forte atração
6 5 - exerce em teus membros
6 6 - a terra em que viças!
6 7 - Se, dentre o remoinho
6 8 - dasfartas anáguas
6 g - te vejo girar,
7 0 - morena, suponho
71 - que estás submergindo,
7 2 - que o solo te absorve,
73~ que vais acabar.
7 4 ~ Em meio aos terreiros,
7 5 - teu vulto mareja,
7 6 - teu vulto são ondas
7 7 ~ de ritmos remotos:
7 8 - ondas errantes de nostalgia;
79~ ondas rebeldes de revolta;
8 0 - ondas invasoras de conquista;
8 l - ondas pensativas de montanhas;
8 2 - ondas arfantes de rio;
8 3 - ondas túmidas de carne;
8 4 - ondas preguiçosas;
8 5 - ondas precipitadas;
8 6 - ondas de tentação.

8 7 - Em meio aos terreiros,


8 8 - teus membros trigueiros
S 9 - têm curvas de gestos indetermináveis: • 217 •
9 0 - curvas que incitam
9 1 - a pensar afundo,
9 2 - curvas que são da esfera deste mundo
9 3 - e fazem noutro mundo acreditar;
g 4 ~ curvas que de tal modo se procuram,
9 5 - curvas cheias de tal palpitação,
9 6 - que vejo em teus quadris,
9 7 - desalinhada,
g 8 - a Terra,
9 9 - dançando a dança da procriação!

1 0 0 - Ganzáscascavelam...
1 0 1 - Aos uivos das cuícas,
1 0 2 - gorjeiam violões;
1 0 3 - E vozes se alongam
10 4 - aos céus, arrazoando...
1 0 5 - E dedos arrancam
1 0 6 - isócronos ruídos
ÍO J - das peles dos bombos,
1 0 8 - das palmas das mãos?

P o d e-se, aqui, traçar um a mapa do tema recorren te em


grande parte na obra das duas artistas: a m ulher brasileira embalada
nos ritm os prim itivos da terra. Os verbos descrevem ações rítm i­
cas em grau crescente de excitação, com o "m e xe n d o ” , "b ate n d o ” ,
"d an çan d o” , "sam ban do” . A s nasalizações / / e /ã/ acom panham
o corpo do po em a-m u lh er, as quais, m eto n im icam en te, vão des­
velando em uma cadência sinuosa algum as partes do co rp o fe m i­
n in o . E m sinton ia com essa cadência, tem -se a passagem para os
"tip o s” de m ulheres p o r m eio das aliterações /uza/, /ala/, /ata/.
Esse m ovim ento, sinuoso com o a m u lh e r-serp en te-p o e m a , e n ­
contra, nas reentrâncias do poem a, p rin cip alm en te na m etade da
p rim eira estrofe, um sentido para a transcendência do ato de r e ­
velar, p o r m eio de um ritm o, de um fren esi sensual de dança, do
gesto cên ico -p oético , o objeto m u lh er: /Mexendo com as ancas,/ batendo
com os p é s ,/trementes os seios,/. E m seguida a indicação de um a in c o r-
• 218 • poração, de possessão e em briaguez: /—virados os olhos —, a m etáfora
presente nos versos /os dentes espiando/ a todos e a tudo,/ brilhantes,/ bri­
lhantes,/ por dentro dos lábios;/ m ostra a constância da expressão de riso
e b rejeirice, a consciência cinestésica da alegria em m ovim ento.
O am or à m u lh er b rasileira no seu h ib rid ism o genético é evocado
na sensualidade rítm ica da dança p o p u lar: /— crioula ou cafuza,/ ca­
bocla ou mulata,/ mestiça ou morena —/ não te ama somente/ quem nunca te viu/
dançando,/sambando,/nas noites de lua,/mulher do Brasil!/.
Esses elem entos m etoním icos de partes do co rp o que se
m ovem com o os quadris, os pés, os seios e os olhos são ele m en ­
tos recorrentes na dança de E ro s, não só na co reo grafia "C ascave­
lan d o ” , mas tam bém em outras danças, cujo gên ero a coreógrafa
considerava "páginas recreativas” , com o a coreo grafia Tico-Tico no
fubá. Sobre esta últim a, E ros V olúsia afirm a que, p o r ocasião de
sua estréia no C assino Copacabana, tentou con q u istar o p ú b li­
co estrangeiro acelerando o ritm o do ch o rin h o de Z eq u in h a de
A b re u .8 A estratégia deu certo, e ela fo i convidada para dançar em
um a produção cinem atográfica da M etro -G o ld w in -M a y er, o f il ­
me Rio Rita, de 1 9 4 2 - Nessa coreografia, cujo registro fo i conserva­
do graças ao film e, E ro s trabalha partes do corpo com o as m ãos, os
olhos, os braços e os quadris, com um a m ovim entação estilizada,
pontuando desenhos definidos no espaço, com pondo um a seqüên­
cia coreográfica que, em term os de desenho espacial, se aproxim a
de danças orientais mescladas com o samba b rasileiro .
A segunda estrofe do poem a "S am b a” com põe um a cadên­
cia, que é repetida ao fin al do poem a. Essa seqüência poética dá
ao quadro de dança o ritm o e o tom m usical. O p ró p rio título do
poem a "S am b a” é um a indicação de gênero, do ritm o m usical e
de dança a que se refere. O s escritores sim bolistas, escola à qual
está vinculada a estética gilkiana, cultuaram a m úsica com o in s ­
tru m ento de m ediação do m istério, dando ao poem a um caráter
essencialm ente m usical para despertar no observador a m em ória,
a im aginação, a sensação e a consciência, subjetivando e sugerindo
im agen s.9 Paul V erlain e, em sua "A rt p o étiq u e” , cultua esse p r in ­
cípio de m o b ilidade im precisa da experiência m usical aplicada à
poesia em que a im precisão traz o tom da b eleza.10
N a segunda estrofe do poem a "Sam b a” , de G ilka, as alite­
rações m arcam o ritm o de im agens prosopopéicas; objetos in a n i­ • 219 •
m ados são zoom orfizados no êxtase da cena: / Ganzás cascavelam;/ aos
uivos das cuícas,/gorjeiam violões.../; os sons são ordenados em um ritm o
circu lar e repetitivo, favorecendo um clim a m ístico e h ipn ótico,
em que o h um ano e o n ão-h u m an o se fund em em um só ritu al: /E
vozes se alongam/aos céus, arrazoando.../E dedos arrancam/isócronos ruídos/das
peles dos bombos,/das palmas das mãos/.
O samba m arca um tipo de m úsica e dança de origem a fr i­
cana. O vocábulo significa, em línguas bantas, "p u lar, saltar com
alegria” . M arca um a dança cantada em com passo b in ário e de
acom panham ento sin copado. O clim a descrito p o r G ilka Machado
na segunda estrofe está mais p ró xim o do samba de partido a lto ,11
gên ero de samba de alta dignidade, próxim o do batuque a frica­
n o , cultivado p o r m in orias negras no R io de Ja n e iro desde o fin al
do século X IX , com ritm o m arcado p o r palm as e instrum entos
de percussão, com o prato de cozinha raspado com faca, chocalho,
vio lão, cavaquinho, etc.12
Nessa segunda e stro fe, a função poética aponta para o en ten ­
dim ento do verbo "cascavelar” , criação da poeta e que certam ente é
a in spiração do título da com posição coreográfica volusiana "C a s ­
cavelando” . A í os eixos paradigm áticos e sintagm áticos são su p er­
postos, e cria-se um a am bigüidade, um a sobreposição de imagens
espaciais e tem porais. O rép til ofíd io cascavel é a grande m etáfo­
ra do poem a, da dança serpenteada, sensual, traiçoeira e ritm ada
que, m etonim icam ente, se vai desvelando em um a trilh a de frica -
tivas sibilantes, estruturadas nos gru pos de versos, com pon do um
poem a cobra, cuja pon derabilid ad e está sem pre no m eio dos g ru ­
pos específicos, articulados sinuosam ente até a cauda de guizos,
fin al do poem a, que repete esses m esm os versos. Tam bém a função
do Sim bolism o m ágico da serpente evoca o m ovim ento h ip n ó ti­
co que transcende a m atéria. R am ona M o rris e D esm o n d M o rris
esclarecem essa p ecu liar expressão co rp o ral da cobra quando a fir ­
mam que ela apresenta: "O s seus olhos sem pre abertos, a fis io ­
nom ia sem expressão. O sem blante im penetrável, constantem ente
em alerta e talvez cheio de sabedoria. Seus m ovim entos rápidos e
im previsíveis, executados sem a ajuda de m em bros, sugerem que
ela está possuída pelo espírito mais que pela m atéria” .13
• 220 • A ssim , E ro s Volúsia, em sua coreografia "C ascavelan d o ” ,14
tam bém desenvolve o sentido poético na m edida em que seus m o ­
vim entos de braços reproduzem o m ovim ento de on da das cobras,
m arcando com os pés um sapateado em ritm o de sam ba.15 A í o
cascavelar é elevado ao nível do sam bar, do dançar, do sapatear.
N a terceira estrofe do poem a "S am b a” , a poeta desum aniza
os dançarinos. Nesse m om ento do poem a, o m ovim ento culm ina
no transe que transcende a fo rm a hum ana, e a poeta descreve co -
reograficam ente a intensidade visual, cinética e olfativa da cena,
"elim in an d o os ingredientes humanos, demasiado humanos, e reten do só
a m atéria puram ente artística” 16 de um espetáculo de dança cujos
dançarinos são person ificad os pela fauna e pela flo ra : /Em meio aos
terreiros,/ que fauna,/ que flo ra!/ —Papoulas e garças,/jaguares e lírios,/cipós e
serpentes,/ orquídeas e rolas,/ jasmins, puraquês.../; as ações coreográficas
que se sucedem são de cobras: /Coleios que enleiam,/ que são sucuris.../
Olhares que assaltam/ em botesferozes.../-, m esm o as expressões faciais, as
roupas e os cheiros não são hum an os: /sorrisos que se alam / com brancas
plumagens.../ Roupagens que afloram/ em vívidas cores,/ cheirando a baunilha,/
priprioca, alecrim.../.
N a quinta e na sexta estrofes, o auge, o cen tro gravitacional
de toda a coreografia do poem a, aqui se desdobra em anáforas e
gradações que m arcam o ritm o de um a verdadeira cópula entre
a T erra e a dançarina. N a quarta estrofe, as anáforas do p ro n o ­
me exclam ativo "q u e ” in tro d u zem as ações de sedução, p o d e r e
con qu ista: /Em meio aos terreiros,/ que sustos, que fugas,/ que astúcia, que
heroísmo,/ brasílea morena,/. A dem onstração, a indicação de níveis,
a gradação rítm ica dos m ovim entos de sedução parecem cu lm i­
n ar com o sapateado, que, no p róxim o agrupam ento de versos,
irá despertar a cum plicidade da terra. A q u i, a serpente m ulher,
poem a que dança, tem no seu ponto central a descrição do m o ­
vim ento expressivo; paradoxalm ente, esse m ovim ento ocorre em
um m om ento de gravidade, de peso, com o pode ser observado nos
versos: /em todo teu corpo/que míngua/que cresce,/que sobe,/que desce,/assim,
desmanchado/ num sapateado!...// Brasílea morena,/parece que o chão/ se move
ao teu samba/. Esses versos buscam um a transcendência, um a p o n -
derabilidade rítm ica que está presente na pontuação fin al; nesse
m om ento do poem a, a intensificação da atração entre a terra e a
dan çarina é feita pela gradação de palavras: /te anseia, te busca, te quer • 221 •

devorar!.../. A idéia da relação atávica com a terra vai sendo in te n ­


sificada no sentido de fusão, de um a u nião sensual: /Brasílea morena/
queforte atração/ exerce em teus membros/ a terra em que viças!/ Se, dentre o remoi­
nho/ das fartas anáguas/ te vejo girar,/ morena, suponho/ que estás submergindo,/
que o solo te absorve,/ que vais acabar./. Esse m om ento do poem a evoca
a realização de um passo fam oso do samba, o "p arafu so ” ,17 m uito
utilizado p o r E ro s V olúsia em suas danças.
F azen d o-se u m q u ad ro m ais apu rad o das com bin ações de
esfo rço s de m ovim en to utilizadas p o r E ro s em sua coreo grafia
"C asc av e lan d o ” , p o d e -se p erceb er as in te r-rela çõ es estruturais
entre as lin gu agen s da poesia e da dança. N esse qu ad ro , p o d e-se
observar a com posição h íb rid a n o m ovim ento da b ailarin a, que
ap resen ta distintas qualidades nas partes su p erio r e in fe r io r do
tro n c o , c o n fo rm e d em onstrado a seguir:

Parte su p e rio r do tro n c o : cabeça, T e n d ê n c ia de m ovim en to


b raço s, m ãos, o m b ro s e p eito . co m b in an d o os fatores espaço e
flu ê n cia.
Essa com b in ação deriva da atitude
in te rn a que com an da o co m ­
p o rtam en to v isio n á rio , rem o to ,
im p o n d o um a qualidade de
m o vim e n to , de esfo rço s in c o m ­
p letos, que articu la sen tim en to e
p e n sam e n to . Está associada com
id éias p o u c o práticas, rem otas,
n ão m aterialistas. P ode estar lig a ­
da m ais ao p en sam en to abstrato
do que ao co n cre to . E n volve a
atenção co m as coisas extern as
(espaço) e o re lac io n am e n to com
as coisas e as pessoas (flu ê n c ia ).'8
A ção básica p red o m in an te : flu tu ar
(espaço — flexível; peso — leve;
tem po —le n t o ) .19

Parte in fe r io r do tro n co : pés, T e n d ê n c ia de m o vim en to c o m b i­


p ern as, q u ad ril, cin tu ra. n an d o os fato res peso e tem po.
• 222 •
Essa co m b in ação d eriva da atitude
in te rn a que com an d a o c o m p o r­
tam ento rítm ic o , te lú ric o , ligado
à te rra . Está associada a e x p e riê n ­
cias rítm icas; co m b in a sensação
(peso) e in tu ição (te m p o ). E um a
das qualidades d o m in an tes das
danças n egras; expressa o m ais
m aterialista e o m en o s o n íric o ,
n em p o r isso m en os se n sív el.20
A ção básica p re d o m in a n te :
co m b in ação de p o n tu a r21 (esp a­
ço — d ire to ; peso —leve; tem po
—rá p id o ) com sacu d ir22 (espaço
— flexíve l; p eso —leve; tem po
— r á p id o ) .

A ssim , tem -se a co rresp o n d en te so brepo sição de lin g u a ­


gens quando se observa a seqüência de an áfo ras presen tes na sexta
estrofe do poem a "S a m b a ” , co m p o n d o a com bin ação espaço/
flu ên cia, acim a descrita na m ovim entação da parte su p e rio r do
tro n co da b aila rin a . Nesses versos, p e rce b e -se que o ritm o cria ­
do pelas repetições faz do m o vim ento o n d u lad o (espaço/flexível)
o co rresp o n d en te m ovim en to expressivo evocado p ela cobra, que
é revivido nos b raços de E ro s, con d u zin d o o pensam ento abstra­
to nas im agens das várias "o n d a s” evocadas pelos versos.
J á na sétim a estança, p o d e-se ver a correspondente co m b i­
nação peso/tem po com andando o esforço de m ovim ento circular
p lan etário , p erson ifican d o a T e rra -b a ilarin a, que tem nos quadris
o andam ento rítm ico, telú rico, desalinhado e sensual, buscando,
na dança circu lar da p rocriação, a transcendência e o desdobra­
m ento do m aterial no espiritual. E o refrão/cauda do poem a cas-
cavela ritm an d o, com o o q u ad ril de E ro s, d efin in d o os passos que
ferem o chão em ritm o de samba.
Para fin aliz ar, p o d e -se p ro p o r p o r m eio da com paração
aq u i exposta entre o p oem a "S a m b a ” , de G ilk a M achado, e a
evocação gestual desse p oem a p o r in te rm éd io da criação "C a s -
cavelan do” , de E ro s V o lú sia, um a leitu ra que p erm ite tran sitar • 223 •
da lin gü ística à com posição gestual. Essa leitu ra parte de alguns
p rin c íp io s tanto da sem iótica, Ja k o b so n , quanto do estudo do
gesto, D elsarte e L ab an , p ara b uscar um a síntese teó rica, en te n ­
dida aqu i com o dan sitersem iotização, que dê conta dos universos
po esia/d ança, entrevistos nas obras de G ilka M achado e E ro s V o ­
lú sia. P o rtan to , ao estudar o p oem a "S am b a ” em sin to n ia com a
co re o g ra fia "C asc ave lan d o ” , fo i possível destacar o diálogo entre
essas artes, e talvez a p rin c ip a l descoberta, ou seja, o cen tro de
ten são, na po esia e na dança, esteja co n figu rad o em um a espécie
de ep iclese. Esta se con stitu i nas an áforas do poem a gilkian o e
n o s m ovim en tos de b raços vo lu sian o . A ten tan do para as devi­
das d iferen ças, p o d e -se a firm a r que existe então um m om ento
n u clea r de co m u n h ão e fusão da fun ção poética no poem a e na
co re o g ra fia nas quais a evocação do transe h ip n ó tico da dança
se deu na lin gu agem rítm ica do poem a, com o fo i observado na
análise aqu i p ro p o sta.
C o m base nas correlações realizadas, sobre o poem a "Sam ba”
de G ilka M achado e a coreografia "Cascavelando” de E ros Volúsia,
p ro p õ e-se aqui u m quadro com parativo desses estudos relacionan­
do a análise da poesia à avaliação do movim ento expressivo da b ai­
larina.
P O E M A D A N Ç A N D O : "C A S C A V E L A N D O ” , DE ER O S V O L Ú S IA , E
"S am ba ”, d e G il k a M a ch a d o

1 - Mexendo com as ancas, "M exen d o ” , "b aten ­ N a dança de E ro s, são


2 - batendo com os pés, d o ” , "d an çan d o ” , "sam ­ m arcantes os m o vim en­
2 ~ trementes os seios, b an d o ” são verbos de tos m eton ím icos.
4 - virados os olhos, ações rítm icas de cres­ Gestos/letras guiam
5 - 05 dentes espiando cente excitação. os m ovim entos de mãos,
6 - a todos e a tudo, Nasalizações /ê/, /ã/ e q u ad ril, olhos, braços
J - brilhantes, aliterações /uza/, /ala/, (ver Rio R ita). N essa p r i­
8 - brilhantes, /ata/ vão m arcando pelo m eira estrofe, 0 acento
9 - p o r dentro dos lábios; ritm o a desvelação m e- é n o m ovim ento das a n ­
1 0 - crioula ou cajhza, ton ím ica da m u lh er- cas e dos pés m arcando
1 1 - cabocla ou mulata, serp ente-poem a. 0 ritm o percussivo do
1 2 - mestifa ou morena — A le g r ia / t r a n s e / p o s - samba.
• 224 • 1 3 - não te ama somente se ssã o /e m b ria g u e z / in ­
1 4 - quem nunca te viu corporação.
1 5 - dançando, H ib rid ism o.
1 6 - sambando, E logio à m u lher b r a ­
1 7 - nas noites de lua, sileira.
1 8 - mulher do Brasil!

1 9 - Ganzás cascavelam, M arca a m usicalidade. "C ascavelando ” ,


2 0 - aos uivos das cuícas, E m "cascavelam ” , a inspiração do título da
2 1 - gorjeiam violões... função poética é: casca- coreografia de E ro s V o ­
lúsia.
2 2 - E vozes se alongam velar = sam bar, cobras
C lim a m ístico e h ip n ó ­
2 3 - aos céus, arrazoando... que sambam.
tico no m ovim ento da
2 4 - E dedos arrancam Prosopopéia.
cobra cascavel.
2 5 - Isócronos rufdos, Z oo m o rfização . Poem a/dança sensual e
2 6 - das peles dos bombos, Sam ba de partido alto, ritm ad o com sua trilha
2*]- das palmas das mãos. ritm o b in ário . de fricativas sibilantes.
M úsica com o in stru ­ E stro fe que se repete
m ento de m ediação do n o fin a l com o cauda de
m istério do samba (res­ guizos percussivos.
quícios sim bolistas, a Função poética assimilada
na dança de Eros, sobre­
cobra com o encarnação
posição dos eixos paradig­
do espírito).
máticos e sintagmáticos,
0 sentido híbrido está na
lógica do movimento que
nos braços desenvolve as
ondas evocadas (princi­
palmente da cobra) e da
cintura para baixo marca
0 sapateado em ritmo de
samba.
3

2 8 - Em meio aos terreiros, Intensidade visual/cinética e olfativa.


2 $ - que fauna,
2 0 - qu eflo ra!
3 1 - Papoulas e garças, Intensificação do m ovim ento da cobra, desum ani-
2 2 - jaguares e lírios, zaçao.
3 3 - cipós e serpentes,
3 4 “ orquídeas e rolas,
jasmins, puraquês...

3 6 - Coleios que enleiam,


3 7 - que são sucuris...
2 8 - Olhares que assaltam
3 9 - em botes ferozes...
4 0 - sorrisos que se alam
• 225 •
4 1 - com brancas plumagens ...
4 2 - Roupagens que afloram,
42 ~ em vívidas cores,
4 4 ~ cheirando a baunilha,
4 5 -p r ip rio c a , alecrim...

D esv ela m en to to tal d a m u lh e r - se r p e n te - p o e m a p e lo


4 6 - Em meio aos terreiros,
m o v im e n to rítm ic o o n d u la n te im p o sto p elas a n á fo r a s e
4 7 - Q u e sustos, quejugas,
p elas g rad açõ e s.
4 8 - que astúcia, que
A m u lh e r - s e r p e n t e - p o e m a a p r o x im a - se d a te r r a e c o m
heroísmo,
ela se m istu r a .
4 9 - brasílea morena, V e rtic a lid a d e d o p o e m a /c e n tr o
5 0 - em todo teu corpo g ra v ita c io n a l, p e so /ê x ta se .
51 - que míngua, C o m p o s iç ã o h íb r id a d o m o v im e n to .
5 2 - que cresce,
5 3 - que sobe, P a r te s u p e r io r do t r o n c o : ca b e ç a , b r a ç o s , m ã o s ,
o m b r o s e p e ito :
5 4 ~ 9ue desce,
T e n d ê n c ia d e m o v im e n to c o m b in a n d o o s fa to r e s e sp aço
5 5 - assim, desmanchado
e flu ê n c ia . E ssa c o m b in a ç ã o d eriva da a titu d e in te r n a
5 6 - num sapateado!...
q u e c o m a n d a 0 c o m p o rta m e n to v isio n á r io , r e m o to ,
im p o n d o u m a q u a lid a d e d e m o v im e n to , de e sfo r ç o s i n ­
6 c o m p le to s, q u e a rtic u la se n tim e n to e p e n sa m e n to . E stá
a sso c ia d a a id é ia s p o u c o p r á tic a s, re m o ta s, n ã o m a te r ia ­
5 7 - Brasílea morena, lista s. P o d e e sta r lig a d a m a is ao p e n sa m e n to a b strato
5 8 - Parece que 0 chão d o q u e ao c o n c r e to . E n volve a ate n ç ã o c o m as co isas

5 9 - se move ao teu samba e x te rn as (e sp a ç o ) e 0 r e la c io n a m e n to c o m as c o isas e as


p e sso a s (flu ê n c ia ). A ç ão b á sic a p r e d o m in a n te : flu tu a r
6 0 - te anseia,
(e sp a ç o — flexível, p e so — leve; te m p o — le n t o ).
6 1 - te busca,
6 2 - te quer devorar.. !.
6 3 - Brasílea morena
6 4 ~ Q m€forte atração Parte in fe rio r do tronco: pés, pernas, quadril,
6 $ - exerce em teus membros cin tura:
6 6 - a terra em que viças! Tendência de movimento combinando os fatores peso
e tempo. Essa combinação deriva da atitude interna
6 7- Se, dentre 0 remoinho
que comanda 0 comportamento rítmico, telúrico,
6 8 - Das fartas anáguas
ligado à terra. Está associada com experiências rítmicas,
6 9- te vejo girar, combina sensação (peso) e intuição (tempo). E uma das
J o - morena, suponho qualidades dominantes das danças negras; expressa 0
J l - que estás submergindo, mais materialista e 0 menos onírico, nem por isso menos
7 2 - que 0 solo te absorve, sensível.
7 3 - que vais acabar. Ação básica predominante: combinação de pontuar (es­
7 4 “ Em meio aos terreiros, paço —direto; peso —leve; tempo —rápido) com sacudir
(espaço —flexível; peso —leve; tempo —rápido).
7 5 “ teu vulto mareja,
7 6 - teu vulto são ondas
7 7 - de ritmos remotos:
7 8 - ondas errantes de
nostalgia;
7 $ ~ ondas rebeldes de revolta;
8 0 - ondas invasoras de
• 226 •
conquista;
8 1 - ondas pensativas de
montanhas;
8 2 - ondas arfantes de rio;
8 3 - ondas túmidas de carne;
8 4 - ondas preguiçosas;
8 5 - ondas precipitadas;
8 6 - ondas de tentação.

8 7 - Em meio aos terreiros, T ranscendência da sensualidade física fem in in a


8 8 - Teus membros trigueiros pelo m ovim ento circular desalinhado e planetário
8 g - têm curvas de gestos da criação, poem a/ terra/bailarin a, rítm ico , telú ri­
indetermináveis: co. D u plo m ovim ento, de ascensão e descenso, do
9 0 - curvas que incitam m aterial para 0 planetário /espiritu al culm inando
91 - a pensar afundo, com 0 reto rn o ao terren o , da dança da criação à da
9 5 - curoas que são da esfera procriação.
deste mundo
93~ e faz#™ noutro mundo
acreditar;
$ 4 ' curvas que de tal modo se
procuram,
9 5 - curvas cheias de tal p a l­
pitação,
9 6 - que vejo em teus quadris,
97- desalinhada,
g 8 - a Terra,
9 9 - dançando a dança da
procriação!
8

1 0 0 - Ganzás cascavelam... Refrão/cauda do poem a que cascave-


1 0 1 - Aos uiuos das cuícas, la ritm an do com o 0 quadril de Eros
1 0 2 - gorjeiam violões; defin in d o os passos que ferem 0 chão
1 0 3 - E vozes se alongam em ritm o de samba.
1 0 4 - aos céus, arrazoando...
ÍO5- E dedos arrancam
1 0 6 - isócronos ruídos
I O ? - das peles dos bombos,
1 0 8 - das palmas das mãos.

• 227 '
N o t a s d o c a p ít u l o 6

i CA M PO S, Haroldo de, 199 2, p. 3 5 - vida de Z equ in h a de A b reu , o nosso


2 M O L E S , Abraham . Teoria da informação com positor p o p u lar, que crio u o
e percepção estética. Rio de Jan eiro : Tempo T ico-T ico n o fu b á. D epois de grande
Brasileiro, 19 6 9 . p. 19 3. sucesso alcançado pelo seu chorinho,
3 A estrutura lógica da frase, o
apareceram os pretensos criadores.
sentido, é anterior à pontuação. A verdade p o rém é que fo i a bailarina
• 228 • Seg u n d o jo sé H ildebrando Dacanal, E ro s V olúsia quem p rim eiro lançou
"ela apenas indica, em relação a uma o célebre ch o rin h o , d an d o -lh e até
base sintática polivalente, qual a outro realce, com o, p o r exem plo,
escolha do autor e, conseqüentemente, aceleran d o -lh e certos ritm os e
qual a inform ação que ele pretende fazendo pausas m arcantes. Fo i mais
transm itir” (D A C A N A L, Jo sé ou m enos em 1 9 3 9 - N in gu ém falava
H ildebrando. Apontuaçào. Porto no ch orin h o . E ro s Volúsia preparava
A legre: M ercado A berto, 1987* p- com o m aestro B ou tm an novos
36 ). N a dança ocorre o mesmo, os nú m eros no Copacabana quando
acentos do m ovim ento, as pausas, teve a idéia de dançá-lo. A chan do-o
as ênfases, a fluência das form as são porém len to , in tro d u ziu -lh e um
conseqüência da necessidade e da ritm o m ais acelerado e um as pausas
escolha da configuração expressiva nas quais o p an d eiro tinha com o que
de movimentação a ser realizada pelo sua grande o po rtun idad e.
dançarino. O (Zeq u in h a de A b reu e suas grandes
4 A v e rsã o aqui trabalhada é da edição com posições. Vanguarda, R io de
de Poesias completas, mas o poem a Ja n e ir o , p. 7 » 2 dez. 19 4 6 ).
"Sam b a” de G ilka M achado aparece 9 G O M E S , 1 9 9 4 , p. 5 o *
pela p rim eira vez no livro Subfimafâo, 1 0 A Música antes de tu d o ,/E p a ra isso prefere
1938. o Im par/M ais vago e mais solúvel no a r,/Sem
5 Program a do espetáculo Bailados nada nele que pese ou que p o u se.// Epreciso
brasileiros de E ro s V olúsia, Teatro também que não vás/ Escolher tuas palavras sem
M un icipal do R io de Ja n e ir o , 3 de uma certa im precisão:/N ão há nada mais claro
ju lh o de 19 37 - do que a canção cinzenta/ Onde 0 Indeciso ao
6 VOLÚSIA, 1939, p. 24-37. Preciso se u n e.// São belos olhos p o r trás dos
7 MACHADO, 1999, p. 393. v éu s,/E 0 grande dia trêmulo de m eio -dia,/E ,
8 A esse respeito, E ro s com enta num céu de outono té p id o ,/0 azul confuso das
em seu livro a p ró p ria proeza claras estrelas! (ib id ., p. 6 2 - 6 3 ) .
(V O L Ú S IA , 19 8 3 . p* 4 5 ); e 0 artigo 1 1 C arlo s G alilea N in faz a pergunta:
de jo rn a l con firm a: "A in d a não se Q ue é exatamente o sam ba? E vai
escreveu devidam ente a história da elencando várias defin ições:
a de L ú cio Rangel, em Sambistas e cadenciados sustentados "p o r música,
chorões — "dança cantada de origem com cânticos e instrum entos,
africana, em ritm o b in ário , com acom panhados de bater de palmas,
acom panham ento sincopado term in and o num golpe de agilidade
o b rig ató rio ” ; a d e T in h o rã o : que deita p o r terra o com panheiro
"O ritm o do samba vem a ser a escolhido para o substituir”
paganização das batidas dos pés e (M E IR E L E S , 19 8 3 , p. 5 0 ). Num a
mãos dos batuques e dos pontos do espécie de encenação suavizada
candom blé. [...] A v id a era dura mas, do que seria o batuque, estaria o
p o r fo rtu n a, tinha a m úsica. O samba "b rin q u e d o ” em que "tam bém está de
de rod a, o partido alto, o samba certo m odo com preendido o samba
p erfeito com o é con hecido, aquele — que é, naturalm ente, sobrevivência
em que predo m in a o estribilh o, e ritual de casamento, dado o ar
que perm ite im provisar versos” ; e a contidam ente erótico que conserva.
de C arto la: " [ ...] se reun iam umas C o m o o batuque é uma dança ím par,
vinte pessoas, hom ens e m ulheres, executada no m eio de um a roda,
e a gente começava a cantar. A penas que igualm ente canta, bate palmas
um a frase ou duas com o estribilho e toca tam bores, pandeiros, cuícas,
e os versos im provisados. O s únicos . 229 .
caixinhas e chocalhos” (ib id ., p. 54)*
instrum entos eram o p an d eiro , a 1 3 M O R R IS , 19 6 5 , p. 2 6 .
guitarra, o prato e a faca que raspa no 14 E rn a n i F o rn ari, em Dança
prato. Mas o samba e a po lícia não se brasileira (Diário de Pernambuco, n j u l .
davam b e m ” (N IN , I 9 9 0 > 19 3 7 ) , com põe um poem a para Eros
p. 3 0 ) . O ritm o b in ário sem pre V olúsia, descrevendo na sua dança
esteve ligado de certa fo rm a à esta irresistível com paração com a
ilegalidade, provavelm ente p o r estar cobra:
vinculado ao ritm o do batuque na —Aqueles coleios, quem fo i que lhe deu ?
sua fo rm a violenta e invocar o ritm o ( é a voz de Tupà a romper com fragor, só Ele
h ip n ótico do transe, realizado em sabe de onde).
cultos não cristãos. Para A d o lfo — Foi a cobra que deu!
Salazar: "O três é o p rim eiro (toda a mata responde)
agrupam ento m ágico. O Velho — E aquela humildade quem fo i que lhe deu ?
Testam ento sente predileção pelo — Foi 0 negro que deu!
sete, e o nove é a tripla repetição — E aquela bravura quem fo i que lhe deu?
do n ú m e ro três. Tertia ominia, tudo
— Foi 0 bugre que deu!
é tern ário , dizia-se na Idade
— Tanta manha quem fo i que em seu corpo
M édia, e a igreja tem reconhecido
botou ?
a divisão tern ária com o perfeita,
—Ai, 0 branco botou!
d en o m in an d o im p erfeita a divisão
Volúsia nasceu! A cadência nasceu!
d u pla” (S A L A Z A R , 1 9 4 0 , p. 29)-
0 Ritmo nasceu.
12 F E R R E IR A , 19 9 9 , p. 18 0 6 .
15 L essin g afirm ava que "q uan d o se
C ecília M eireles tam bém d efin e o
diz que o artista im ita o poeta, ou
batuque e o samba. Para a poeta são
que o poeta im ita o artista, isso pode
dois gên eros que se m isturam ; ambos
sign ificar duas coisas. O u um deles
representam , certam ente, restos de
faz da obra do o utro o objeto efetivo
ritual prim itivo , sendo o batuque
da sua im itação, ou am bos possuem
o rig in ário de um ritual de preparação
o m esm o objeto de im itação e um
m asculina para atitudes gu erreiras,
deles tom a em prestado do outro
com posto de m ovim entos
o m odo e a m an eira de im itá-
lo ” (L E S S IN G , 19 9 8 , p. 1 3 7 ) .
L evan d o-se em conta a análise de
Lessing, a avaliação com parativa
aqui p ro po sta entre poesia e dança
nas obras abordadas deflagra o
m esm o objeto sendo abordado em
ambas as expressões: a sensualidade
do m ovim ento da cobra na dança
fem in in a.
16 O R T E G A Y G A S S E T , 2 0 0 1,
P- 75-
17 C ecília M eireles descreve o
m ovim ento do parafuso no samba,
o qual desenvolve o m ovim ento no
corp o , "com o acom panhando uma
hélice in te rio r, v ai-se reduzindo,
pouco a pouco, em altura, até deixar
• 230 •
o dançarino quase sentado no chão;
em seguida, desen rola-se até a altura
com um , sem nunca p erd er nem
in terro m p er o ritm o da m úsica”
(MEIRELES, 1983, p. 58).
18 SILV A, Soraia. Profetas em movimento.
São Paulo-. Edusp, 2001, p. Il6 .
19 Ib id ., p . 1 1 4 .
20 Ib id ., p. I l 6.
21 Ib id ., p. 10 9 .
2 2 Ib id ., p. IIO.
O S Ú L T IM O S P A S SO S P A R A O IN ÍC IO

[ ...] Há os que concebem na alma, mais do que no corpo, o que convém


à alma conceber e gerar; e que é que lhes convém senão o pensamento e o
mais da virtude ? Entre estes estão todos os poetas criadores e todos aqueles
artesãos que se dizserem inventivos.1

A dança das palavras aqui analisada sob o pon to de vista do


diálogo artístico das m ulheres G ilka M achado e E ro s V olúsia, res­
pectivam ente mãe e filha, poeta e dançarina, representantes de
artes im bricadas nas analogias propostas de um poem adançando,
p articip o u da tentativa de desvelar mais um a etapa, entre outras
realizadas, em direção ao resgate da cultura brasileira. D esco rti­
nand o os processos de criação, desenvolvendo novas abordagens
analíticas para as obras aqui discutidas, averigua-se com m aio r r i ­
g o r a m etodologia da dansintersem iotização que envolve a criação
de um a linguagem h íb rid a entre poesia e dança. O estudo realiza­
do p od e facilitar o desenvolvim ento de novas abordagens in terd is-
ciplinares de obras já conhecidas ou despertar novas possibilidades
de criação para os interessados nas questões da tradução criativa de
poesias, da integração da m atéria na síntese da palavra e do m o vi­
m ento para a transcendência vertiginosa do m o to -co n tín u o p o e ­
m a/dança, dança/poem a.
E este é o d e safio : com preen der a necessidade de diálogo
e a com unicação entre estruturas independentes, mas não iso la­
das. A ssim a dança dos gestos de E ros, mesclada com a dança das
palavras de G ilka, fo rm a um a im bricada e com plexa rede de com -
plem entação artística, tendo com o feedback p rin cip al a poesia, essa
fo n te mágica e inesgotável de m otivos.
Mas a obra estilizada de E ro s e de G ilka, para além de um
prod uto de época, de m od a,2 constituiu a busca de um a linguagem
erudita b rasileira, de um a identidade da poética/gestual nacional
inserida num contexto universal. A s artistas aqui estudadas desen ­
volveram cam inhos m etodológicos, teóricos e práticos que m u i­
to auxiliariam aqueles em penhados no desbravam ento da cultura
brasileira, verdadeira reserva de m otivos e qualidades poéticas de
rara beleza. O elo entre E ro s V olúsia e G ilka M achado, m anifesto
no texto do dançarino com o p rin cíp io de ação e de en ergia sexual,
m uito pode co n trib u ir para oxigenar as criações de caráter u n iv e r­
sal de novas propostas poéticas tanto na dança com o na poesia.
O m ovim ento de propu lsão in te rio r que se m anifesta de
form a expressionista, sim bolista, surrealista e m od ern ista, na obra
• 232 • de E ro s V olúsia e de G ilka M achado, transpõe os lim ites poéticos
seja da literatura, seja da dança para criar um novo espaço cênico l i ­
terário h íb rid o , tendo sido esse o p rin c ip a l objeto de investigação.
Existem gestos e palavras os quais, o riu n d o s do ím peto poético,
se im pregnam de significados expressivos e no seu desdo b ram en ­
to em dança ou em poesia d esprend em -se do re p ertó rio po p u lar,
m esmo que sua inspiração venha desse re p ertó rio . A s artistas, e n ­
volvidas nesse processo, fizeram o uso criativo de estruturas estéti­
cas da literatu ra e da dança relacion an d o -as e in augu ran d o novos
paradigm as poéticos. Desse m od o, encadeam ento, ju staposição de
ritm os, sim etrias, assim etrias, rim as, esforços sensoriais de im a ­
gens plásticas, sonoras e cinéticas, expressões atávicas, m etáforas
do sensual e aliterações fizeram parte, entre ou tro s recursos estéti­
cos, da criação de novas epifanias da linguagem expressiva revelada
na poesia dançada volusiana e na dança poética gilkiana, as quais
constituem ju n tas a voz fem in in a de um E ro s em m ovim en to.
O acordo artístico estabelecido entre G ilk a M achado e E ro s
Volúsia, p o r aquela iniciado p o r m eio de aliterações e rim as p o é ­
ticas, constituiu e estru tu rou poeticam ente um grito de lib e rd a ­
de e ró tico -fem in in o , plasm ado e concretizado p o r E ro s em sua
dança b rasileira h íbrid a, in serida nos cânones poéticos universais
e atem porais. E m b ora envolvidas em um pacto de busca da beleza
e da síntese estética plasm adas na dança/poesia, ambas as artistas
criaram obras im portantes e independentes, representando cada
um a u m m arco de idéias p ion eiras em seus respectivos m eios ex­
pressivos. O p rin c ip a l elo com um era a liberdade poética contra os
in terdito s da expressão total do corpo fem in in o contra os m odelos
de com portam ento e de com unicação que a sociedade im punha à
m u lh er da época.
E ro s V olúsia sentiu m uito a m orte da mãe, as dificuldades
da realidade superaram o sonho em construção de um a nova dança
b rasileira. D a u nião dos gênios independentes, que era unidade
na expressão poética, fico u apenas o sím bolo parcial:

R ogo a D eus que m e dê forças e ânim o para co n ti­


n u ar vivendo sem ter m am ãe ao m eu lado. Essa fo i
a p rim eira vez que nos separam os. [ ...] Mas agora,
m ãezinha, que você se fo i, eu fiq u ei só com m inha • 233 •
d o r, não consigo resistir, a saudade me co rró i e eu
vou m o rre n d o aos poucos, so fre n d o ...so fre n d o ...
s o fre n d o .. .3

Desse m od o, os passos da sin fon ia dos m ovim entos h íbridos


de um a dançapoem a, os esforços intelectuais da bailarin a E ros,
no sentido de fu n d ar um processo de pesquisa e de validar seu
m étodo de atuação artística, são um legado para ser resgatado na
atualidade. A arte erudita de G ilka e E ro s aproveitou elem entos
da arte p o p u lar, elevan d o-a no sentido de am pliação do caráter
n acional, feito artístico re fin a d o , m erecedor dos aplausos de c r í­
ticos da época, com o fo i com provado no d eco rrer do texto aqui
exposto. Mas esse reconhecim en to ainda está p o r ser realizado em
sua totalid ad e.4 Tal com o a sacerdotisa D iotim a, que em 0 banquete
de Platão esclarece a necessidade do exercício constante de re n o ­
vação do con h ecim ento, cujo "esquecim ento é escape de ciên cia” ,5
preten d eu -se com este trabalho "in tro d u z ir um a nova lem brança
no lu gar da que está sain d o” ,6 prom o ven do, desse m od o, um a re ­
novada visão das obras de E ro s V olúsia e de G ilka M achado.
D ante M o reira Leite observa o fato de que "o passado atua
no presente e pode ser um a força determ inante da ação, mas isso
só o co rre quando forças do passado contin uam no presen te” .7
P o rtanto, b u scou -se retom ar, nas obras abordadas, os elem entos
poéticos nelas desenvolvidos, ou m elh o r, a m usicalidade, o olhai
fem in in o , o gesto cinestésico vindo da natureza, o espírito votivo
da p alavra-carne, o transe h ip n ó tico , o eu n acion alista n o poe-
m adança gilkiano e volusiano para resgatar um a tradição cênica da
palavra, a qual p rod u ziu o olhar teó rico -p rá tic o aqui realizado.
E sp era-se, com este estudo, além da co n tribu ição para o resgate
de um p erío d o relevante da prod ução artística n acio n al, fom entar
novas leituras a p a rtir dos elem entos aqui revividos.

• 234 •
N o t a s d o c a p ít u l o 7

i P L A T Ã O , 19 9 7 , p. 16 9 . 6 I b id ., p. 16 7 .
2 A lgum as crianças fo ram batizadas 7 L E IT E , 19 6 9 , p. 3 2 9 .
com o nom e da dançarina brasileira,
assim com o tam bém encontram os
várias Isadoras, em hom enagem à
dançarina am ericana.
3 V O L Ú S IA , 19 8 3 , p. 1 8 0 - 1 8 1 . •235*
4 A bailarin a Izabel C osta, uma
das fu n dad oras do G ru p o C o rp o ,
com enta, em um a entrevista, que se
o B rasil da década de 1 9 4 ^ "tivesse
de ser representado p o r um a form a
hum ana, esta deveria ser a de E ro s
V olú sia. Izabel C osta, um a das
raras personalidades da dança que
reconheçe a grande im portância
da filh a de G ilka M achado para
o desenvolvim ento dessa arte em
territó rio nacional, com enta que
é um absurdo ser com pletam ente
desconhecida no B rasil, e afirm a que
a artista "está entre as m ais destacadas
b ailarin as que o m undo conheceu
(U m a B ailarin a B rasileira. Caros
Amigos, ano V II, n . 7 5 ’ p- 2 7 *
ju n . 2 0 0 3 , )•
5 A sacerdotisa D iotim a, nessa
o bra de Platão evocada pela fala de
Sócrates, defende o am or com o um
parto em beleza, tanto no corpo
(pela procriação m ediada pelo corpo
fem in in o ) quanto na alm a (a obra
realizada p o r poetas, criadores,
artesãos criativos),
co m p o n d o um a ascensão em direção
ao b elo na disciplina do am or
(P L A T Ã O , 19 9 7 , p. 16 7 ).
A n exo

E n tr e v ista r e a liz a d a com E r o s V o lú sia


(11/10 /20 0 0 )
(Ver fo to s desse en co n tro n a p ágin a 2 4 4 )

+ (Perguntas de Soraia M aria Silva)


* (Respostas de E ro s V olúsia)

+ E u quero que a senhora me ensine a dançar a sua dança.

* A h , m inha filha, isso já passou, eu não tenho mais paciência.

+ Mas o espírito da senhora ainda dança.


• 236 •

* A s minhas pernas ainda estão boas!

+ Podem -se film ar as suas p ern as?

* O film e é para quê?

+ Não é nada p o rn o g ráfico ; não se preocu pe.

* E u dava pulos m agníficos. E m m atéria de elevação, nenhum a


b ailarin a tinha a m inha elevação.

+ O que a senhora sentia quando dançava?

* E u sentia que a m inha alm a estava entre o céu e a terra!


"D an çar é viver a vida em sua plenitude e graça, que é a saúde
do corpo e da alm a, espiritualizar a form a dando form as eter­
nas ao m ovim ento.”

+ Q uais conselhos a senhora daria para quem vai dançar p ro fis ­


sion alm en te?

* A ch o que na vida não ad ian ta a gente a co n se lh a r, n i n ­


guém segue con selhos. A ch o que a c a r r e ir a é espin hosa,
m as é u m a c a r r e ir a b o n ita e tudo na vid a tem seu p reço .
T u d o deve ser feito co m esp ontaneid ade, com m atu rid ade
e com a m o r, p r in c ip a lm e n te com am o r, po rq u e, se não é
feito com a m o r, não vale n ada, passa, vai em bora. A gente
tem que lu ta r , tem que p r o c u r a r ven cer. Porqu e lu ta r é o
cam in h o da v itó r ia ; n in g u é m lu ta pen sand o em p erd er. E u
v e n c i, fe lizm en te eu ven ci sobre todos os aspectos; lu tei,
b rig u e i até, m as ven ci.

+ A sen h ora é um a m u lh er b rig o n a ?

* Se fosse preciso brigar, eu brigava, mas não corpo a corpo, só


em palavras; eu sou de paz.

+ Mas eu falo da luta no sentido de fu n d ar a dança com o arte.

* Exato. •237'

+ A sen h ora se lem b ra das coreografias que dan çou ?

* S im lem bro.
O Tico-Tico no fu b á fo i film ado pela Metro.

+ A sen h ora p o d eria dan çá-lo agora?

* A cho que a gente deve fazer as coisas no momento oportuno.


E u não poderia dançar agora.

+ Q u al coreografia a senhora gostou m ais de dançar?

* Não sei, todas elas foram m uito importantes para m im .


Q uando eu dançava, gostava de todas elas.

+ O s fig u rin o s de suas danças eram m uito b onitos, a senhora que


os criava?

* Sim , era eu quem os criava. U m a vez recebi de presente do


candom blé u m traje autêntico com colar e tudo, cada fio do
colar significava um a coisa.

+ En tão a senh ora era batizada pelo "san to ” , p o r isso é que o seu
co rp o estava aberto para fazer sucesso?
* E , o corpo estava aberto para a dança e fechado para as coisas
ruins.

+ P or que a senhora sem pre buscou a tem ática das danças b ra sile i­
ras com o a m acum ba, sertaneja, cabocla, etc .?

* Porque fo i um a coisa que eu criei. Eu. crie i u m estilo, o b a i­


lado b rasileiro . C om o por exemplo: 0 batuque do N ep o m uce-
no, que está no film e Romance proibido produzido pela C in é d ia.

+ E das alunas da sen h o ra? Q u em co n tin u o u a sua o b ra ?

* Não tive nenhum a não. Elas foram casando, tendo filhos e


foram abandonando a dança.

• 238 • + A senhora se p reocu p ou em deixar discípulos e m an ter um a es­


cola?

* E u deixei muitos discípulos, mas m anter a escola não dava.


Com o é que eu poderia m an tê-la, eu me aposentei.

+ O trabalho da senhora é m uito singular na sua criação, n en h u m


discípulo seguiu o seu estilo?

* N ão, elas casavam e os m aridos p roibiam , de modo que era


preciso muito am or e tendência para a dança, para nela p ros­
seguir.

+ C o m o fo i a sua experiência com as câm eras? C o m as film agens


em que p articip o u ?

* E u film ei nos estúdios da M etro com u m a participação no


film e Rio Rita (dançando Tico-Tico no fu b á ).

+ A senhora conheceu a C arm em M ira n d a ?

* Conheci, ela aliás dizia para m im : "E ro s, eu vou im itar as


suas mãos” , e eu dizia "C arm em , você pode im itar, a gente só
im ita o que é bom ” ; aliás, ela era um a graça, m uito graciosa,
ela... A s minhas mãos fo ram sempre m uito elogiadas, film adas
e fotografadas. O artista Sm ailowich eternizou as m inhas mãos
em um a pintura a Madona marajoara.
+ E a G ilka M achad o? E a sua relação com a poesia?

* A h ! A m in h a m ãe fo i um a m ãe adm irável, a m elh or mãe


do m u ndo, eu acredito. F o i um a poeta extraordinária. £ me
in cen tivou m u ito. E la me faz m uita falta, ela era tudo para
m im . Aos 1 4 anos, ela já fazia versos, ganhava prêm io de
poesia. (M as o que você está fazendo a í..., me film an d o em
p rim e iro p la n o ? A h , mas eu estou m uito feia para p rim eiro
p lan o .)

+ E de outras bailarin as com o Isadora D uncan e M artha Graham ,


o que a senh ora acha?

* A h , elas são m uito im portantes, são as sacerdotisas da dança.

• 239 •
+ E n o B rasil quais b ailarin as a senhora elogiaria?

* A cho que n en hu m a e todas, porque eu não conheço as b a ila ­


rin as no B ra sil. Q u em me in sp iro u sempre fo i Isadora D u n ­
can, sendo que eu só discordava de Isadora em u m ponto: ela
não gostava da dança clássica porque achava que deformava
o corpo. E u j á acho que não, tenho todo o curso de bailado
clássico. A ch o que essa técnica é u m a fôrm a, a gente entra nos
exercícios de dança, exercícios de mãos, de braços, de om bros,
de cabeça, com o se fosse u m a fô rm a e vai até os pés; cham a-se
"p lástica” (Nesse m om en to da entrevista E ro s dem on stra com
as partes do seu co rp o os m ovim en tos do balé que ela con sid era
com o fô rm a ).

+ O trabalho da senhora é ú n ico ; na sua concepção artística, vai


m uito além da técnica, assim com o a arte de Isadora D uncan.
C o m o esta a in flu e n c io u ?

* Q uando a Isadora veio ao B ra sil, eu não era nascida; in fe ­


lizm ente não a vi. E u en trei em contato com a sua obra através
do seu livro M inha vida. E la teve u m a vida adm irável, e tam bém
um a m orte. Teve n a m orte a beleza que teve em vida. E u falei
m uito de Isadora no m eu livro. M eu pai Rodolfo M achado
tam bém era u m grande poeta. E le tem u m poem a chamado
Plenilúnio que é um a m aravilha.
+ A sen h o ra se lem b ra de algum a p o e sia de su a m ã e ?

* S im , Beijando beijo-.
(este m om en to E ro s recita Embora de teus lábios afastada, u m p oem a da G i-
lka, do livro Meu glorioso pecado, com gran de graça de in terpretação.)

"E m b o r a de teu s lá b io s afastad a


(qu e im p o r ta ? —tu a b oca está vazia),
b e ijo esses b e ijo s co m que f u i b e ija d a ,
b e ijo teus b e ijo s, n u m a nova o rg ia.

In d a conservo a c a rn e d e lic ia d a
p e la tu a c a ríc ia que m o rd ia ,
que m e e n flo ra v a a p e le , p o is, em cada
b e ijo dos teus, u m a sau d ad e a b ria .
• 240 •
T eus b e ijo s a b so rv i-o s, esg o te i-o s:
g u a rd o -o s n a s m ã o s, n o s lá b io s e n o s seio s,
n u m a v o lú p ia im o r r e d o u r a e lo u c a .

E m teus m o m en to s de lu b ric id a d e ,
b e ija rá s o u tro s lá b io s co m sau d ad e
dos b e ijo s que ro u b e i de tu a b o c a .”

+ A sen h o ra tin h a u m a m e to d o lo g ia esp ecífica n a e lab o ração das


danças b rasileiras que criava?

* N ã o e ra n e c e ssá rio , p o is as p r ó p r ia s d an ças b r a s ile ir a s que


eu estudava j á tin h a m as b ases de m o v im e n to s p r ó p r io s q u e eu
tra n sp u n h a p a ra o p a lco .
P o r exem p lo , em "C asc a v e lan d o ” e u tin h a n o s b ra ç o s o m o v i­
m en to da co b ra e n o s p és o sapateado estiliz ad o em ritm o de
sam ba. (N este m o m en to E ro s d an ça, rele m b ra os m o v im en to s e o
ritm o da c o reo grafia; na sua d escrição p o d e m o s p e rc e b e r a a r r o ­
ja d a m eto d o lo g ia de c o m p o siç ão , em que a estilização p e lo h ib r i­
d ism o aparece na c o re o grafia c ria d a .)

+ O n d e a sen h o ra buscava in sp iraç ão p a ra as suas d a n ç a s? Fazia


p esq u isa de c a m p o ?

* Fazia, eu assistia aos r itu a is de c a n d o m b lé de u m b a n d a , eu


dançava ju n to co m e le s, co m as filh a s de t e r r e ir o .
+ E n tão a se n h o ra a p re n d ia as d anças com elas e d e p o is estilizava
p a ra as suas ap re se n ta ç õ e s?

* S im , estilizava.

+ Q u a l a relig ião da se n h o ra ?

* C a tó lic a . Q u a n d o eu ia p a ra os t e r r e ir o s , e r a só p a r a a p r e n ­
d e r a d a n ç a r , eu n ã o fa z ia p a rte do r it u a l de je it o n e n h u m , eu
so u c a tó lic a ! M as gostava de i r p a ra a p re n d e r, c o lh e r m otivos.

+ M as q u em in cen tiv ou a sen h o ra a resgatar as raízes das danças


p o p u la re s b ra sile ira s?

* N ã o h ou ve in c e n tiv o , f o i a v id a , as coisas que eu v ia , o n d e eu


estava, n o s v á rio s lu g a re s, p e sq u isa n d o , estu d an d o , estilizan d o , • 24-1 •

c ria n d o . F u i eu q u em trou xe o frevo a q u i p a ra o R io de Ja n e ir o ;


f u i até capa de disco de L u ís A lves. Q u an d o eu e ra garo ta, eu
a p r e n d i a d a n ça dos ín d io s co m eles p ró p rio s , co m u m a cate­
q u ista q u e e ra a m ig a de m in h a avó.

+ O n d e a se n h o ra ensaiava as suas d an ç as?

* E u tin h a u m a esco la do govern o o n d e eu dava a u la s de dan ça


e en sa ia va.

+ A se n h o ra tem u m as p e rn as m u ito b o n ita s; n a su a ju v en tu d e


deve te r sid o m u ito galan tead a p elo s h o m en s.

* N ã o a d ia n tava p o rq u e a m in h a m ãe n ão larg ava do m e u pé;


e la d izia : " F ilh in h a , en q u a n to você d o rm e , m a m ã e fic a de o lh o
a b e rto ” . E la tom ava co n ta de m im .

+ E a sua ida aos Estados U n ido s para a film agem de Rio Rita, com o fo i?

* F o i u m a coisa m u ito espontânea, com o tudo n a m in h a vida;


n u n ca p leite ei n ada, n u n ca pedi n ad a, tudo fo i m u ito espontâneo
n a m in h a v id a , f o i ch egando sem qu e eu p ro c u ra sse o u an dasse
atrás.

+ A se n h o ra sem p re m o ro u n o R io de J a n e i r o ?
* S e m p re , eu gosto m u ito do R io , é u m a cid ad e m a ra v ilh o s a E u
m o re i u m p o u co e m São P a u lo . L á e u m e a p re se n te i n o T eatro
M u n ic ip a l co m o Irapuru do V ila L o b o s. E u c r ie i a c o re o g ra fia e
dançava ta m b ém o Irapuru.

+ A sen h o ra tam bém co m p u n h a co reo g rafia s p ara g r u p o ?

* S im , eu fiz m u ita c o re o g ra fia p a ra c o n ju n to , p a r a so lo .

+ A lgu ém ajudava a sen h o ra na c o m p o siç ão das su as d a n ç a s? Q u e m


olhava as c o reo grafias e criticava?

* M in h a m ã e n ã o d a n ç a v a n e m u m a v a ls a , m a s e la o p i n a ­
v a , p o is e r a u m a p e s s o a q u e c o n h e c ia e s t é t ic a e v a l i a m u i -
to , p a r a m im , su a o p in iã o ; m a s d a n ç a r e la n ã o d a n ç a v a
n e m u m a v a ls a . E l a n ã o e r a c o r e ó g r a f a , m a s e r a a m in h a
i n s p i r a d o r a . E l a d iz ia a s s im : " I s s o a í q u e v o c ê fez é b o m ,
m u it o b o m ” , o u , " is s o a í n ã o é b o m ” . E l a a c o m p a n h a v a
s e m p r e os m e u s e n s a io s . D ir e t o . E r a m in h a c o m p a n h e i ­
r a , m in h a a m ig a , m in h a i n s p i r a d o r a , m in h a i n c e n t i v a -
d o r a e, ta m b é m , a m in h a c r í t i c a p o r q u e q u a n d o e u fa z ia
a lg u m a c o is a q u e n ã o p r e s ta v a e la d iz ia : " I s s o a í n ã o s e r ­
v e , n ã o p r e s t a ” . E r a u m a c r í t i c a s e v e r a . E l a o p in a v a s o b r e
tu d o .

+ E la ajudava na criação d os fig u r in o s?

* A ju d a va, op in ava sem p re. M as as m in h a s in d u m e n t á r ia s eu


sem p re c r ie i, faz er eu n ão fazia, m as m o strava co m o q u e ria ,
desenhava.

+ A sen h o ra fez algum cu rso u n iv ersitário , e stu d o u ?

* E u estu d ei n o In stitu to L a fa ie te as p r im e ir a s le tra s e sem p re


tive p ro fe sso re s p a rtic u la re s , esp eciais p a ra m im .
+ Q u e m d eu o seu n o m e ?

* M eu s p a is e ra m poetas e m e d e ra m u m n o m e b o n ito , sabe o


que é V o lú s ia ? E u m m o n te n o s E stad o s U n id o s ch am ad o "V o ­
lú s ia ” , que exporta m e l p a ra o m u n d o todo.
+ A G ilk a tin h a m u ito ciú m es da se n h o ra ?

* N ã o , e la tin h a m u ito c a rin h o e m u ito cu id ad o co m igo , ela


m e a le rta va co n tra o casam en to , as coisas r u in s do casam en to ,
o d o m ín io do h o m e m , a p o ssessão ...

+ A se n h o ra n u n c a sen tiu falta de u m c o m p a n h e iro ?

* F a lta a gente tem , m as é p re c iso a ss u m ir o risc o . E u ten h o


u m f ilh o de c ria ç ã o , que é filh o do m e u irm ã o e que eu c r ie i, o
A m a u ry , qu e eu a d o ro e é tudo o que eu ten h o de m e lh o r.

+ Q u a is os livros que a sen h o ra leu e d o s q u ais g o sto u m u ito ?

* O s liv ro s dos m e u s p a is é c la ro . M as a lé m desses A tentação de São 243


Frei Gil, de A n to n io C o r r ê a de O liv e ira . E m m a té ria de lit e r a t u ­
ra , o p a i de m in h a b isavó m a te rn a , o F ra n c isc o M o n iz B a r r e ­
to , f o i u m g ra n d e poeta re p e n tista , o m a io r p oeta re p en tista da
ép oca e m qu e ele viveu .

+ O q ue in cen tiv o u a se n h o ra a escrever o livro Eu e a dança?

* A v o n ta d e de p e rp e tu a r o m e u tra b a lh o . Eu e a dança é a resp eito


do m e u tra b a lh o co m a dan ça.

+ C o m o a se n h o ra se sente revendo to d o o seu p assad o artístico


através d o á lb u m ?

* M u ito fe liz de v e r q u an ta coisa eu re a liz e i, com o eu f u i q u e ­


r id a , a p la u d id a e co n sagrad a. E u m e sin to m u ito b e m p o r ter
fe ito a lg u m a co isa , p o r te r sido a lg u é m .

+ A se n h o ra acha q ue é reco n h ecid a p elo que fez a favor da arte da


d an ça n o B ra sil, d ivulgan do a sua c u ltu ra?

• C la r o , sem d ú vid a!
• 244 •

E r o s V o lú sia e S o r a ia Silva d u ra n te a en trev ista re aliz ad a em I l / l 0 / 2 0 0 0

(fo to s de R icard o A ra ú jo )
R e fe rê n c ia s

P u b l ic a ç õ e s de Eros V o l ú s ia

V O L Ú S IA Eros. Dança brasileira. R io de Jan eiro: Edição do A utor, 1939-


________E u e a dança. Revista Continente Editorial, Rio de Ja n e iro , 1983-
________A spects o f B razilian ethnie dance. Dance Magazine, New
Y ork , V o l. X X III, n . 6 , p . l 8 - 2 l , ju n . 1949- • 245 •

P u b l ic a ç õ e s sobre Eros V o l ú s ia

A N D R A D E , M á rio . E ro s V o lú sia. 0 Estado de S. Paulo, S ão P aulo,


an o IX , n . 1 4 2 . P rim e ira q u in zen a de setem b ro de 1939- S u p le ­
m en to em R o to g rav u ras.

A U L E R , H u go. A vocação m aravilhosa da dança expressionista de


E ro s V o lú sia. Diário de Notícias, R io de Ja n e ir o , 8 set. I 9 3 1 -

A Z E V E D O , G lóvis de. E ro s V o lú sia d an ça a vida. Radar, S ão P aulo,


capa, n . 5 3 , 28 ab r. 4 m aio 1 9 5 o -

D A N T A S , M irb el. A c o re o grafia un iversal. Revista Vitrina, R io de


J a n e ir o , p . 5l> nov. 1942-

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