Você está na página 1de 10

Alfa, SSo Paulo

26: 85-94, 1982.

P A R A U M A L E I T U R A SEMIO-LINGÜÍSTICA D E
"FÁBULA D E U M A R Q U I T E T O " , D E JOÃO C A B R A L .

Ignacio A S S I S S I L V A

RESUMO: Para passar do nível da apreensão do sentido do texto para o nível da apreensão do tex-
to como sistema de significações (como micro-universo semântico), temos de projetar a descontinuida-
de sobre o que se nos apresenta como continuidade. Concebendo o texto como um macro-enunciado,
este artigo pretende situar, em termos semiolingüísticos, três aspectos interessantes da construção do
texto, deíinindo-os em termos de homologias com aspectos da construção do enunciado: a) aspecto
estrutural em sentido restrito; b) aspecto conteudístico ou semântico em sentido amplo e c) aspecto
metalingüistico ou semiótico propriamente dito.
UNITERMOS: Semio-lingüística; texto/metatexto; dinâmica textual; enunciado/'macro-
enunciado; escritura; simulacro semiótico; simulacro discursivo; componentes narrativo, discursivo e
metalingüistico.

1. O texto Onde v ã o s de a b r i r , ele f o i a m u r a n d o


opacos de fechar; o n d e v i d r o , c o n c r e t o ;
FÁBULA DE U M ARQUITETO até refechar o h o m e m : n a capela ú t e r o ,
com c o n f o r t o s de m a t r i z , o u t r a vez f e t o .
J o ã o Cabral
( n . ° 6, p . 20)

A arquitetura como construir portas,


de a b r i r ; o u c o m o c o n s t r u i r o a b e r t o ; 2. O metatexto
construir, n ã o c o m o i l h a r e prender, A s i g n i f i c a ç ã o n o discurso p o d e ope-
nem c o n s t r u i r c o m o fechar secretos; rar em dois p l a n o s :
construir portas abertas, em portas;
casas exclusivamente p o r t a s e tecto. a) c o l o c a n d o c o n t e ú d o s ,
O a r q u i t e t o : o que abre p a r a o h o m e m
b) tecendo r e l a ç õ e s (é o t r a b a l h o tex-
(tudo se sanearia desde casas abertas)
tual propriamente dito).
portas p o r - o n d e , j a m a i s p o r t a s - c o n t r a ;
por onde, livres: ar l u z r a z ã o certa.
A c o l o c a ç ã o de c o n t e ú d o é feita na
p r i m e i r a estrofe. E l a consiste em f i x a r a í
2.
um plano de s i g n i f i c a ç ã o h o m o g ê n e o ( u m
pano de f u n d o s e m â n t i c o ) , u m a c o n f i g u -
A t é que, tantos livres o a m e d r o n t a n d o , r a ç ã o s e m â n t i c a b e m precisa, u m a p r i m e i -
renegou dar a viver n o c l a r o e a b e r t o . ra i s o t o p i a ( d i r i a G r e i m a s ) , a p a r t i r d a

* Departamento de Lingüística — I n s t i t u t o de Letras, Ciências Sociais e E d u c a ç ã o — U N E S P — 14.800 — Araraqua-


ra-SP

85
ASSIS S I L V A , I . — Para uma leitura semio-linguística de " F á b u l a de um A r q u i t e t o " , de J o ã o Cabral.
Alfa, S ã o Paulo, 26: 85-94, 1982.

qual o texto tecerá a rede (as redes) de re- z ã o c e r t a " ) coloca u m c o n t e ú d o preciso
lações entre termos s ê m i c o s h e t e r o g ê n e o s . que, mais d o que necessidade s e m â n t i c a ,
i n f o r m a c i o n a l , é u m a necessidade e s t r u t u -
A d e f i n i ç ã o de arquitetura, apresen-
ral; em termos mais r i g o r o s o s , é u m a
tada c o m o se estivesse " e m estado de d i -
c o e r ç ã o da e s t r u t u r a narrativa: ela abre
c i o n á r i o " ( D r u m m o n d ) , constitui o pano
caminho para afirmar-se o " p l o t " n a r r a -
de f u n d o s e m â n t i c o em c u j o i n t e r i o r s e r á
tivo que se i n i c i a a p a r t i r d o até que (au-
isolada a c o n f i g u r a ç ã o s e m â n t i c a b e m
têntico demarcador textual, tanto do p o n -
precisa que é a d e f i n i ç ã o de arquiteto. A
to de vista f o r m a l c o m o s e m â n t i c o ) , o n d e
c o n s t i t u i ç ã o desse pano de f u n d o se apre-
aparece o " t e r t i u s " (tantos livres o ame-
senta c o m o u m a p r o j e ç ã o s i n t a g m â t i c a i n -
drontando) que desencadeia o processo de
completa da estrutura elementar da signi-
t r a n s f o r m a ç ã o d o arquiteto. E m termos
ficação* na sua d u p l a m o d a l i d a d e :
mais precisos, o s u b c o n j u n t o d e f i n i d o r de
a) p r o j e ç ã o s i n o n í m i c a o u c o n j u n t i - arquiteto é posto c o m o m a n i f e s t a d o r de
va: a ê n f a s e recai na casa O b j e t o : o "esta- S j , p r i m e i r o t e r m o da e s t r u t u r a elementar
do de d i c i o n á r i o " é aparente p o r q u e os da s i g n i f i c a ç ã o a p a r t i r d o q u a l o c o n j u n -
enunciados que d e f i n e m arquitetura con- to de enunciados da segunda estrofe v e m
servam apenas o a r c a b o u ç o da d e f i n i ç ã o tecer a rede de r e l a ç õ e s que " d r a m a t i z a a
de d i c i o n á r i o , s u b s t i t u i n d o o o b j e t o g e n é - h i s t ó r i a " , "fazendo ruir a u n i d a d e " do
rico d o d i c i o n á r i o ( " e d i f í c i o s " ) p o r o b j e - plano s e m â n t i c o h o m o g ê n e o da p r i m e i r a
tos bem especificados: estrofe, " a o o p o r bruscamente à p r i m e i r a
isotopia u m a segunda i s o t o p i a " ( c f . G r e i -
portas, de a b r i r mas, 2, p . 95).
o aberto
portas abertas, em p o r t a s Esse t r a b a l h o t e x t u a l é executado
casas exclusivamente p o r t a s e tecto num quadro enunciativo c o n s t i t u í d o me-
diante o emprego de indicadores formula-
b) p r o j e ç ã o a n t o n í m i c a o u d i s j u n t i - cionais bem precisos (uso d o i n d i c a t i v o ,
va: o texto apenas l a n ç a genericamente as- do tempo presente, da n ã o - p e s s o a o u d o
pectos da definição negativa de discurso em " e l e " , da a f i r m a t i v a ) que ser-
arquitetura ( o u m e l h o r , aspectos g e n é r i - vem para m a r c a r o deslocamento da ê n f a -
cos de antiarquitetura). A q u i a ê n f a s e re- se do fazer-construir (fazer t e c n o l ó g i c o o u
cai na casa s i n t á x i c a d o p r e d i c a d o , reali- p r a g m á t i c o , de o r d e m c o s m o l ó g i c a , que
zado p o r m e i o de verbos t r a n s i t i v o s (ilhar predica a r e l a ç ã o homem-mundo)para o
e prender) c o m sua t r a n s i t i v i d a d e suspen- fazer-comunicar (fazer noológico ou
sa** o u e n t ã o c o m sua t r a n s i t i v i d a d e cognitivo que predica a relação
projetando-se n u m o b j e t o semanticamen- homem-homem.
te cognato e g e n é r i c o (fechar secretos)*** •
O conector s e m â n t i c o ( c o m u t a d o r se-
J á a d e f i n i ç ã o de arquiteto (em "es- m â n t i c o que G r e i m a s c h a m a de conector
tado de d i c i o n á r i o " , " o que exerce, na i s o t ó p i c o o u conector de isotopias) que
qualidade de mestre, a arte de c o n s t r u i r permite esse deslocamento é o abre, o n d e
e d i f í c i o s " ; n o t e x t o , " o que abre para o h á o sincretismo d o f a z e r - c o n s t r u i r c o m o
homem portas p o r - o n d e livres: ar luz r a - fazer-comunicar:

•Dada uma categoria s e m â n t i c a qualquer S, esta é articulada pelo sujeito que a apreende ein s, e s . Para existir semio-
2

ticamente, s, p r e s s u p õ e s e vice-versa; sua existência está fundamentada na sua c o - i m p l i c a ç â o ; ê solidária.


2

**No enunciado fundamental " P e d r o vê X " , reduzindo-se X a zero, orienta-se totalmente o ver para a base: " P e d r o
v ê " s = "Pedro t dotado de v i s ã o " ( C f . Pottier n . ° 5, p. 46).
• " E n q u a n t o ilhar eprender p r e s s u p õ e m , em sua estrutura, o elemento alguém ( i . é, algo animado que sejaAuraano ou
animal), em fechar se neutraliza esse t r a ç o . Isso terá c o n s e q ü ê n c i a s quando falarmos da t r a n s f o r m a ç ã o do arquiteto. E s t á
presente igualmente no percurso homem — homem outra vez feto.

86
ASSIS S I L V A , I . — Para uma leitura semio-lingüística de " F á b u l a de um A r q u i t e t o " , de J o ã o Cabral.
Alfa, São Paulo, 26: 85-94, 1982.

F A Z E R - C O N S T R U I R : categoria s e m â n - O arquiteto abre para o homem por-


tica: operação tas por-onde ( e n u n c i a d o que p r i v i l e -
gia a d i m e n s ã o c o g n i t i v a d o discurso,
O arquiteto constrói casas [exclu-
pois predica a r e l a ç ã o homem-
sivamente portas e tecto] ( e n u n c i a d o
h o m e m : s i m u l a c r o de u m ato m a n i -
que p r i v i l e g i a a d i m e n s ã o p r a g m á t i c a
p u l a t ó r i o , representando à escala d o
d o discurso, pois predica u m a rela-
enunciado a natureza d o p r ó p r i o fa-
ç ã o do h o m e m c o m o m u n d o ) .
zer d i s c u r s i v o ) .

FAZER-COMUNICAR: categoria se- T r a n s f o r m a n d o - o s n u m ú n i c o enun-


mântica: comunicação ciado, o b t e m o s :

O arquiteto abre (atribui) para o homem as portas que ele (arquiteto) constrói.

Dj P(comunic) D 2 O P(oper.)

ç
â° Destinatário

lo
Objeto

T a l e x p l i c i t a ç ã o m o s t r a o eixo da passar da mensagem f u n d a m e n t a l à m e n -


comunicação o r i e n t a d o de A r q u i t e t o sagem l i n g ü í s t i c a .
(Destinador) para h o m e m ( D e s t i n a t á r i o ) .
Assim c o m o a mensagem f u n d a m e n -
Sendo eixo da c o m u n i c a ç ã o , p r e s s u p õ e
tal, de natureza c o n c e p t u a l , se recorta e
reciprocidade de o r i e n t a ç ã o , o u seja: H o -
formaliza para realizar-se u m a l í n g u a na-
mem ( D e s t i n a d o r ) > Ar-
tural qualquer c o m o mensagem lingüísti-
quiteto ( D e s t i n a t á r i o ) . P o r outras pala-
ca ( = = c o m o f o r m u l a ç ã o de u m t e m a ) ,
vras, o abrir (o c o n s t r u i r - c o m u n i c a r ) deve
podemos dizer que o t e x t o , a n í v e l de sua
ser r e c í p r o c o . E m vez disso, o que temos
a p r e e n s ã o c o m o sentido d e f i n í v e l c o m o
é: " m u i t o s (subentenda-se: homens) livres
f o r m u l a ç ã o de u m assunto, se recorta e se
o (arquiteto) a m e d r o n t a d o " . D a í o fazer
analisa, para se t r a n s f o r m a r , a n í v e l de
narrativo que o texto c o n t a na segunda es-
sua a p r e e n s ã o c o m o s i g n i f i c a ç ã o / õ e s , na
trofe.
formulação de um tema. Assim
entendendo-o, estaremos, na realidade,
2.1 Para passarmos d o n í v e l da concebendo o texto como um
a p r e e n s ã o d o sentido d o t e x t o p a r a o n í v e l macro-enunciado. Isso nos p e r m i t e situar
de a p r e e n s ã o d o texto c o m o sistema de melhor t r ê s aspectos interessantes da
significações (micro-universo s e m â n t i c o ) , c o n s t r u ç ã o d o t e x t o , d e f i n i n d o - o s em ter-
temos de p r o j e t a r descontinuidade sobre mos de h o m o l o g i a s c o m aspectos da cons-
aquilo que se nos apresenta como trução do enunciado:
continuidade (temos de a r t i c u l a r o t e x t o ) .
T a l caminhada é h o m o l o g á v e l à q u e l a que a) o aspecto estrutural em sentido es-
B . Pottier (cf. n . ° 5, p . 36) p r o p õ e para se t r i t o (aspecto formal),

87
ASSIS S I L V A , I . — Para uma leitura semio-lingüística de " F á b u l a de um A r q u i t e t o " , de J o ã o Cabral.
Alf», S ã o Paulo, 26: 85-94, 1982.

b) o aspecto conteudístico o u aspecto 2 . 1 . 1 . O aspecto e s t r u t u r a l


s e m â n t i c o em sentido a m p l o , D o p o n t o de vista e s t r u t u r a l , o e n u n c i a d o
se apresenta c o m o a p r o j e ç ã o s i n t a g m á t i -
c) o aspecto metalingüístico o u aspec- ca da estrutura elementar d a s i g n i f i c a ç ã o
to s e m â n t i c o em sentido e s t r i t o , isto é, se- sobre a classe dos p r o t a g o n i s t a s d o e n u n -
miótico. ciado: actantes sujeitos e actantes o b j e t o s .

E.E.S.

Si s 2

Enunciado: S P O

Arquitetura construir portas, de a b r i r

p
Enunciado: S O

Arquiteto refechou o homem

(linha p o n t i l h a d a : r e l a ç ã o p r e d i c a t i v a , de quase-enunciados (e n ã o enunciados


parcialmente enunciada: o que temos é propriamente ditos) da ordem do
u m quase-enunciado; l i n h a c o n t í n u a : re- ser/estar conjuntivos que definem
l a ç ã o p r e d i c a t i v a i n t e g r a l m e n t e enuncia- arquitetura e arquiteto: a r q u i t e t o é apre-
da: a u t ê n t i c o e n u n c i a d o ) . sentado c o m o em c o n j u n ç ã o c o m objetos-
valores positivos ( e u f ó r i c o s ) . Q u a n t o ao
Podemos dizer, assim, que o t e x t o , estado B (isto é s ) , é c o n s t i t u í d o p o r
2
enquanto m a c r o - e n u n c i a d o , é u m a p r o j e - enunciados da o r d e m d o ser/estar disjun-
ç ã o , em t a m a n h o grande, d a e s t r u t u r a ele-
tivos que apenas p r e n u n c i a m os t r a ç o s de-
mentar da s i g n i f i c a ç ã o . Se, ao n í v e l d o
finidores de antiarquitetura e de
enunciado, t a l p r o j e ç ã o surge c o m o u m
antiarquiteto; a c o n s t i t u i ç ã o p l e n a d o es-
relacionamento ( C f . B . P o t t i e r : mensa-
tado B nos é dada s ó ao f i n a l d a segunda
gem: f o r m u l a ç ã o de r e l a ç ã o entre desig-
estrofe.
n a ç õ e s ) de u m t e r m o a c o m u m t e r m o b
via predicado, ao n í v e l d o m a c r o - e n u n c i a -
D e f i n i r a passagem de A p a r a B é a
do (texto), a p r o j e ç ã o da e s t r u t u r a ele-
tarefa e x p l í c i t a d o c o n j u n t o de enuncia-
mentar da s i g n i f i c a ç ã o tematiza ( n o senti-
dos da o r d e m d o fazer (estes, s i m , a u t ê n t i -
do e t i m o l ó g i c o de colocar, propor) a pas-
cos enunciados, isto é, p l e n a m e n t e f o r m u -
sagem de u m estado A ( r e a l i z a ç ã o , na su-
lados) que c o m p õ e m a segunda estrofe. A
perfície d o t e x t o , d o t e r m o Si) p a r a u m es-
tarefa dos enunciados de fazer, a n í v e l d o
tado B ( r e a l i z a ç ã o de s ) * .
2
macro-enunciado, é h o m ó l o g a à d o p r e d i -
E m Fábula de um arquiteto, o estado cado refechou n o e n u n c i a d o " O a r q u i t e t o
A(Si) está configurado por u m conjunto refechou o h o m e m n a c a p e l a - ú t e r o " .

* Enfocando o problema numa outra vertente teórica, Revzin (cf. n . ° 6, p. 28) diz que em cada processo de e l a b o r a ç ã o
da i n f o r m a ç ã o podemos depreender um conjunto A de sinais iniciais e u m conjunto B de sinais finais observados e que a ta-
refa de uma descrição científica consiste em explicar como se efetua a passagem de A para B e quais s â o os laços entre esses
dois conjuntos.

88
ASSIS S I L V A , I . — Para uma leitura semio-lingüística de " F á b u l a de um A r q u i t e t o " , de J o ã o Cabral.
Alfa, Sâo Paulo, 26: 85-94, 1982.

A S e m i ó t i c a da N a r r a t i v a nos define A p l i c a d o a Fábula de um arquiteto,


a narrativa em t e r m o s de o r g a n i z a ç ã o o b t é m - s e : p r i m e i r a p a r t e : definição de ar-
estrutural (em termos de sua o r g a n i z a ç ã o quitetura e de arquiteto
formal) e em termos de c o n t e ú d o * . Estado A : s i t u a ç ã o de . E - q u i l í b r i o
A especificidade n a r r a t i v a de Fábula vs
de um arquiteto ganha relevo q u a n d o a segunda parte: fazer transformador que
cotejamos c o m a n a r r a t i v a p o p u l a r . Esta re-define arquiteto
caracteriza-se pela o p o s i ç ã o : " P l o t " narrativo: re-definição f u n -
cional (narrativa)
Enunciados de estado: c o n j u n t o de e n u n -
(Estado B: situação de DES-
ciados da o r d e m d o ser/estar que
equilíbrio).
c o n f i g u r a m os estados i n i c i a l e f i n a l ;
A i n t e r v e n ç ã o de S ( a n t i - S u j e i t o :
2

vs " t a n t o s livres o a m e d r o n t a n d o " ) p r o v o c a


Enunciados de fazer: c o n j u n t o de e n u n - a d i s j u n ç ã o de O ( O b j e t o - v a l o r ) em rela-
v

ciados da o r d e m d o fazer que n a r r a m ç ã o a St (Sujeito: a r q u i t e t o ) . Instaura-se


a passagem de u m estado a o u t r o . assim o d e s - e q u i l í b r i o . O fazer de Sj (se
houvesse) visaria a restabelecer a c o n j u n -
N o i n t e r i o r d o p r i m e i r o t e r m o dessa o p o -
ç ã o . A n a r r a t i v a c o n t a o c o n f l i t o entre es-
sição temos:
ses dois fazeres.
Estado A — estado i n i c i a l que caracteriza
Fábula de um arquiteto n a r r a a pas-
u m a s i t u a ç ã o de e q u i l í b r i o p r e c á r i o ;
sagem de u m estado de e q u i l í b r i o p r e c á r i o
vs para u m estado de e q u i l í b r i o d u r a d o u r o
Estado B — estado f i n a l que caracteriza ou narra a passagem d o e q u i l í b r i o para o
u m a s i t u a ç ã o de e q u i l í b r i o d u r a d o u - desequilíbrio?
ro. C o l o c a r essa q u e s t ã o é j á c u i d a r da
s e m a n t i z a ç ã o da e s t r u t u r a , é j á i n t e r r o g a r
N o i n t e r i o r d o segundo t e r m o , temos:
o c o n t e ú d o do texto.
Enunciados de fazer " p o s i t i v o s " : que
narram a a ç ã o do Sujeito; 2.1.2. O aspecto c o n t e u d í s t i c o .
D o p o n t o de vista d o c o n t e ú d o , a
vs
narrativa é u m l u g a r - d i s c u r s o o n d e a l g u -
Enunciados de fazer " n e g a t i v o s " : que ma coisa acontece, o n d e a l g u m a coisa se
narram a a ç ã o do anti-Sujeito t r a n s f o r m a . A n a r r a t i v a n a r r a u m aconte-
(sendo que a m b o s os Sujeitos querem o cimento. M a i s precisamente: a n a r r a t i v a
mesmo O b j e t o - v a l o r ) . nada mais é d o que a h i s t ó r i a de u m a bus-
ca de valores. Isso n o s l e m b r a u m a das
Esquematicamente: principais d e f i n i ç õ e s de s e n t i d o . Desse
Estado A : Sy Ç] 0 U S ( s i t u a ç ã o de
V 2
p o n t o de vista, p o d e m o s dizer que o q u e a
e q u i l í b r i o p r e c á r i o p a r a Si ( S u j e i t o ) ; narrativa c o n t a é sempre u m a busca de
de d e s e q u i l í b r i o para S 2 (anti- sentido (busca de sentido p e l o h o m e m p a -
Sujeito); ra o seu estar-no-mundó).

Estado B : S, f | O U S v 2 ( s i t u a ç ã o de Fábula de um arquiteto n a r r a a m e t a -


equilíbrio duradouro). morfose d o a r q u i t e t o . O r e l a c i o n a m e n t o

* U m dos modelos de e l a b o r a ç ã o mais cuidada e consistente é o projeto de gramática semio-narrativa em c o n s t r u ç ã o


no Groupe de Recherches sémio-linguistiQues dirigido por A . J . Greimas, j u n t o à É c o l e des Hautes É t u d e s en Sciences So-
ciales de Paris. O projeto greimasiano distingue n u m texto: a) u m nível semio-narrativo onde se procura descrever e expli-
car a o r g a n i z a ç ã o estrutural do texto; e b) u m nível semio-discursivo, onde se procura descrever e explicar a o r g a n i z a ç ã o
conteudlstica do texto.

89
ASSIS S I L V A , I . — Para uma leitura semio-lingüística de " F á b u l a de um A r q u i t e t o " , de J o ã o Cabral.
Alfa, São Paulo, 26: 85-94, 1982.

estrutural passa a ser l i d o c o m o passa- E t i m o l o g i c a m e n t e , de-finir é delimi-


gem, m e l h o r a i n d a , c o m o t r a n s f o r m a ç ã o tar, demarcar fronteiras n í t i d a s , segmen-
do estado A n o estado B. O l i n g ü i s t a f r a n - tar, recortar, a r t i c u l a r . Sob esse aspecto,
cês L u c i e n T e s n i è r e , ao caracterizar o a p r i m e i r a estrofe o p õ e - s e n i t i d a m e n t e à
enunciado, via n o " n ó d u l o v e r b a l a ex- segunda: ela é toscamente r e c o r t a d a , o
p r e s s ã o de u m pequeno d r a m a que c o m - que nos impede de ver a í a u t ê n t i c a s classes
porta o b r i g a t o r i a m e n t e u m processo e, de d e t e r m i n a ç õ e s s e m â n t i c a s . V i m o s i n -
m u i t o f r e q ü e n t e m e n t e , atores e circuns- sistindo, desde o c o m e ç o , que os seus
t â n c i a s " ( a p u d G r e i m a s , n . ° 3, p . 16). F o i enunciados não são propriamente
aí que o p r o j e t o greimasiano se i n s p i r o u enunciados, mas quase-enunciados. E m
para entender o e n u n c i a d o elementar co- vez de d e f i n i ç õ e s c o n s t i t u í d a s m e d i a n t e
mo u m simulacro semiótico que represen- c o n s t a t a ç õ e s de e q u i v a l ê n c i a s , o que te-
ta, sob a forma de um espetáculo, a rela- mos s ã o " d e f i n i ç õ e s " p o r a p r o x i m a ç õ e s
ção do homem com o mundo. Nessa l i n h a graduais.
de i d é i a s , t a m b é m o t e x t o , e n q u a n t o m a -
cro-enunciado, p o d e ser v i s t o c o m o u m
Semioticamente, a d e f i n i ç ã o t r a d u z a
simulacro que representa, sob a f o r m a de
d e n o m i n a ç ã o n u m a e x p a n s ã o de d e n o m i -
um espetáculo, a r e l a ç ã o d o homem c o m
n a ç õ e s que representa a c o n f i g u r a ç ã o se-
o mundo. Nesse p o n t o , nosso t e x t o
m â n t i c a condensada n o t e r m o que e s t á
afasta-se d o estatuto da n a r r a t i v a p o p u -
sendo d e f i n i d o :
lar: enquanto n o c o n t o de fada p o r exem-
plo, a parada s e m â n t i c a se decide na casa
do O b j e t o , em t e r m o s de t r a n s f e r ê n c i a s {Definido} = = {S, - s - S - s }
2 3 n

do mesmo de u m Sujeito para o u t r o , em


Fábula de um arquiteto t u d o incide n o Su- Denominação- = = e x p a n s ã o de d e n o m i n a ç õ e s
jeito. O c o n t o de fada n a r r a a t r a n s f o r m a - o c o r r ê n c i a , de de caráter metalingüístico
ç ã o de u m estado A n u m estado B, isto é, caráterlgtco.
um acontecimento. Fábula de um arquite-
to narra a t r a n s f o r m a ç ã o semântica de ar-
quiteto, m e l h o r , n a r r a a redefinição de ar- equivalência
( t r a d u ç ã o intra ou intersistêmica)
quiteto: narra um acontecimento
discursivo. A l é m de u m s i m u l a c r o da rela-
ç ã o homem-mundo (fazer-construir: fazer
A p l i c a d a ao caso, temos:
operador), Fábula de um arquiteto é t a m -
b é m u m simulacro d o seu próprio fazer a) na p r i m e i r a estrofe: a r e l a ç ã o entre
discursivo: é u m s i m u l a c r o da escritura. o definido e a d e f i n i ç ã o é u m a t r a d u ç ã o
Nosso texto revela-se assim c o m o : i n t r a s s i s t ê m i c a c o l o c a d a e m t e r m o s de
q u a s e - e q u i v a l ê n c i a , vale dizer, c o l o c a d a
em termos de a p r o x i m a ç ã o entre a deno-
— discurso-simulacro de u m aconte-
m i n a ç ã o e a " q u a s e - d e f i n i ç ã o " . Se t i v é s -
cimento
semos e q u i v a l ê n c i a , t e r í a m o s o v e r b o ser
e relacionando as duas partes d a e q u a ç ã o ;
— meta-discurso (meta-texto) — si-
b) na segunda estrofe: a d e f i n i ç ã o é
mulacro de si p r ó p r i o . A parada
c o n s t r u í d a progressivamente, o u seja, a
transfere-se, pois, para o terreno da d e f i -
e q u i v a l ê n c i a s ó aparece cabalmente cons-
nição.
t i t u í d a ao f i m de u m a s e q ü ê n c i a de a p r o -
2.1.3. O aspecto m e t a l i n g ü í s t i c o . x i m a ç õ e s funcionais ( n a r r a t i v a s ) que se
encadeiam como um algoritmo de
2.1.3.1. A organização definicional funções. O que se t e m é a c o n s t i t u i ç ã o
do texto. explícita de u m a u t ê n t i c o a l g o r i t m o ges-

90
ASSIS S I L V A , I . — Para uma leitura semio-lingüística de " F á b u l a de um A r q u i t e t o " , de J o ã o Cabral.
Alfa, São Paulo, 26: 85-94, 1982.

tual *: todos os enunciados se sucedem c o n c e b ê - l a c o m o u m a e s p é c i e de nome


num sentido d e t e r m i n a d o e em "crescen- complexo que o c u p a , n o m a c r o - e n u n c i a d o
do": a p o s i ç ã o de S u j e i t o . Esse n o m e c o m p l e x o
renegar -*• amurar opacos -* amurar é c o n s t i t u í d o de d e t e r m i n a ç õ e s s e m â n t i c a s
concreto — refechar o homem. parciais que t r a z e m , em m a i o r o u m e n o r
grau, as marcas d o e n u n c i a d o l i n g ü í s t i c o :
Vemos assim que a segunda estrofe a) tendem p a r a a o r i e n t a ç ã o e n d o c ê n -
n ã o se l i m i t a a dar a d e f i n i ç ã o de a r q u i t e - trica;
t o . T a l d e - f i n i ç ã o , n o sentido e t i m o l ó g i -
2

co, o texto no-la m o s t r a em ação: trata-se, b) s ã o " d e f i n i ç õ e s " q u a l i f i c a c i o n a i s


no caso, de u m a c o n t e c i m e n t o discursivo (exprimem voz a t r i b u t i v a na t e r m i n o l o g i a
que corre paralelo ao a c o n t e c i m e n t o ex- de B . P o t t i e r ) ;
tradiscursivo. E n q u a n t o arquitetura e c) p r i v i l e g i a m o e i x o p a r a d i g m á t i c o ,
arquiteto i s ã o d e f i n i d o s " à l a l a n g u e " isto é, p r i v i l e g i a m o p ó l o m e t a f ó r i c o , a si-
( " a m o d o de d i c i o n á r i o " ) e s ã o apresen- milaridade, a e q u i v a l ê n c i a * * .
tados c o m o que estaticamente, exprimin- J á os t r a ç o s da segunda estrofe:
do u m a v i s ã o de e q u i l í b r i o , (vale dizer,
vista pelo g r u p o c o m o socialmente i d e a l ) , a) o r i e n t a ç ã o n i t i d a m e n t e e x o c ê n t r i -
arquiteto, (e i m p l i c i t a m e n t e a r q u i t e t u r a )2
ca da r e l a ç ã o p r e d i c a t i v a ;
é d e f i n i d o e x p l i c i t a m e n t e pelo e n o t e x t o , b) recorte exaustivo d o p r e d i c a d o ;
sendo apresentado dinamicamente.
c) o p ç ã o e x p l í c i t a p o r u m esquema de
p r e d i c a ç ã o verbal;
2.1.3.2. O t e x t o v i s t o n o percurso d o
sentido à s i g n i f i c a ç ã o . d) c a r á t e r d i n â m i c o
Configuram-na como u m predicado
L i d a n o percurso que v a i d o sentido funcional ( p r e d i c a d o n a r r a t i v o ) , c o m o
(o texto c o m o t o t a l i d a d e de sentido tosca- uma e s p é c i e de verbo complexo ( c f . aci-
mente recortada) à s i g n i f i c a ç ã o (o texto ma, a d e f i n i ç ã o n a r r a t i v a de coser d a d a
como universo s e m â n t i c o a r t i c u l a d o , re-
por M a c h a d o de Assis) c o n s t i t u í d o p r o -
cortado), vemos que a p r i m e i r a estrofe es-
gressivamente c o m o u m algoritmo de
tá orientada para o p ó l o sentido: o c a r á t e r
funções-predicado, cujos enunciados t r a -
quase-formulado de seus "quase-
zem claramente as marcas d o e n u n c i a d o
enunciados" apresenta-a c o m o toscamen-
lingüístico:
te recortada. Sendo Fábula de um arquite-
to u m m a c r o - e n u n c i a d o , a p r i m e i r a estrofe a) o r i e n t a ç ã o e x p l i c i t a m e n t e e x o c ê n -
ocupa aí a p o s i ç ã o que n o e n u n c i a d o é trica;
normalmente o c u p a d a p o r u m nome. P o r b) s ã o d e f i n i ç õ e s f u n c i o n a i s ( n a r r a t i -
isso, ela representa, t a l c o m o acontece vas: e x p r i m e m voz a t i v a , na t e r m i n o l o g i a
com o n o m e , u m a a p r e e n s ã o da realidade de B . P o t t i e r ) ;
sob o aspecto estático (Cf. Mattoso Câ- c) p r i v i l e g i a m o eixo s i n t a g m á t i c o , is-
mara Jr. n . ° 1, p . 151). C o m o t a l , ela to é, p r i v i l e g i a m o p ó l o m e t o n í m i c o , a
apresenta v á r i o s t r a ç o s que nos p e r m i t e m contiguidade, a a p r o x i m a ç ã o g r a d u a l * * * .

•O algoritmo é uma sucessão de o p e r a ç õ e s precisas que visam à s o l u ç ã o de u m determinado problema. O u t r o exemplo


de algoritmo gestual: " C h e g o u a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha e
entrou a coser" (Machado de Assis, Apólogo).
• • O enunciado m e t a l i n g ü í s t i c o é u m enunciado atributivo, de c a r á t e r n o m i n a l . Esse c a r á t e r nominal faz com que ex-
presse uma visão estaticizante do definido, pois reitera no predicado o papel cristalizante da d e n o m i n a ç ã o contida na base.
Denominar é, em boa parte, rotular, vale dizer, parar o filme, fixar o f e n ô m e n o num clichê lingüístico. Denominar um fe-
n ô n e m o é classificá-lo, isto é, reduzi-lo a classe.
***0 enunciado lingüístico (por o p o s i ç ã o a metalingüístico) ê u m enunciado ativo, de c a r á t e r verbal. T a l como acontece
com os verbos nas línguas i n d o - e u r o p é i a s , exprime uma visão dinâmica do definido (o Sujeito), reiterando o t r a ç o s e m â n t i -
co potente aí contido. Mais do que atribuir t r a ç o s , a definição funcional no-los mostra em ação.

91
ASSIS S I L V A , I . — Para uma leitura semio-lingüística de " F á b u l a de um A r q u i t e t o " , de J o ã o Cabral.
Alfa, SSo Paulo, 26: 85-94, 1982.

2.2. C o r r e l a c i o n a n d o as t r a n s f o r m a - homem deixa de ser l i d o c o m o destino d o


ções estruturais c o m as t r a n s f o r m a ç õ e s m o v i m e n t o e d a i n f o r m a ç ã o p a r a ser l i d o
semânticas em termos de ausência de movimento (i-
A estrutura s i n t á x i c a ( e s t r u t u r a nar- m o b i l i d a d e ) . O deslocamento de casas da
rativa) do texto serve de s u p o r t e p a r a a p o s i ç ã o s i n t á x i c a de O p a r a a de C (cir-
cunstante) acarreta u m r e b a i x a m e n t o sin-
m o b i l i z a ç ã o s ê m i c a ( t r a n s f o r m a ç õ e s de
táxico com c o n s e q ü ê n c i a s s e m â n t i c a s . N a
t r a ç o s s e m â n t i c o s ) n o decorrer (associar:
p r i m e i r a estrofe, ela era d u p l a m e n t e o b j e -
discurso, discorrer) textual. Vejamos al-
t o : enquanto o b j e t o d o fazer c o g n i t i v o
guns p o n t o s da t r a m a s i n t á x i c a :
(construir-comunicar), garantia a existên-
Arquiteto cia s e m i ó t i c a dos dois sujeitos ( D e s t i n a -
dor e D e s t i n a t á r i o ) ; a l é m disso, casas f i -
— na p r i m e i r a estrofe é l u g a r de m a - gurava n o n ú c l e o d o e n u n c i a d o , s i n t a x i c a -
n i f e s t a ç ã o s i n c r é t i c a de D i ( S u j e i t o d o f a - mente o b r i g a t ó r i o ; n a segunda estrofe,
zer c o g n i t i v o : c o m u n i c a r ) e de S (Sujeito passa a circunstante e se desloca p a r a a
d o fazer p r a g m á t i c o : c o n s t r u i r ) ; margem d o e n u n c i a d o , p o s i ç ã o sintaxica-
— na segunda estrofe é o l u g a r de mente f a c u l t a t i v a . C o n s e q ü ê n c i a : homem
m a n i f e s t a ç ã o de S (Sujeito d o fazer p r a g - deixa de ser D e s t i n a t á r i o e arquiteto d e i x a
mático: fazer-construir). de ser D e s t i n a d o r ; o construir-comunicar
se r e t r a i para dar vez ao cons-
Homem truir-refechar.

— na p r i m e i r a estrofe, l u g a r de m a - Os deslocamentos s i n t á x i c o s p r e n u n -
n i f e s t a ç ã o de D ( D e s t i n a t á r i o d o fazer
2 ciam u m a d u p l a r e d u ç ã o d o homem: a
cognitivo: a b r i r - c o m u n i c a r ) ; neutralização do componente comunica-
ç ã o se faz a c o m p a n h a r d a i n v e r s ã o de u m
— na segunda estrofe, l u g a r de m a n i -
t r a ç o t o p o l ó g i c o (espacial) m u i t o i m p o r -
f e s t a ç ã o de S (Sujeito d o fazer c o g n i t i v o
tante: a mobilidade (o m o v i m e n t o ) é r e d u -
c o n t r a d i t ó r i o : a m e d r o n t a r ) e de O ( O b j e -
zida à imobilidade. D e sujeito d o ir-e-vir
to do fazer pragmático: construir-
a t r a v é s de portas-por-onde passa a s i m -
refechar).
ples o b j e t o encerrado n u m c i r c u n s t a n t e
Casas onde. P o r o u t r a s palavras, a segunda es-
trofe narra duas vezes a d e s t r u i ç ã o da co-
— na p r i m e i r a estrofe, l u g a r de m a - m u n i c a ç ã o : sintáxica e semanticamente.
n i f e s t a ç ã o de O ( O b j e t o d o fazer p r a g m á -
tico: c o n s t r u i r ) e, m e t o n i m i c a m e n t e , vale De a l g u m m o d o , t a n t o homem c o m o
dizer, c o m o portas, l u g a r de m a n i f e s t a ç ã o casas e s t ã o p a g a n d o o " p e c a d o " de j á l i n -
de O ( O b j e t o d o fazer c o g n i t i v o : a b r i r - guisticamente serem p o t e n c i a l m e n t e cir-
comunicar); cunstantes. D e a l g u m m o d o , o D e s t i n a t á -
r i o j á é, em p a r t e , c i r c u n s t a n t e : é o
— na segunda estrofe, l u g a r de m a n i - lugar-para-onde se destina a c o m u n i c a -
f e s t a ç ã o , sob a f o r m a d a metáfora ç ã o . De a l g u m m o d o , o processo de
c a p e / a - ú f e r o , d o c i r c u n s t a n t e espacial ( C ) c i r c u n - s t a n c i a l i z a ç ã o d e s e n v o l v i d o na se-
do enunciado c u j o p r e d i c a d o é refechar. gunda estrofe j á e s t á c o n t i d o , e m estado
A categoria s e m â n t i c a comunicação é germinal, em casas que é, ao m e s m o t e m -
u m a categoria c o m p l e x a pois e n g l o b a os po, o lugar-objeto ( l u g a r onde) d o cons-
t r a ç o s s e m â n t i c o s informação (de n a t u r e - truir p r a g m á t i c o (cosmológico) e o
za cognitiva, n o o l ó g i c a ) , e movimento (de lugar-por (donde e para onde) d o cons-
natureza p r a g m á t i c a , c o s m o l ó g i c a ) . A se- t r u i r c o g n i t i v o ( n o o l ó g i c o ) . E m a m b o s os
gunda estrofe opera u m v e r d a d e i r o deslo- casos, lugar, em a m b o s os casos,
camento s i n t á x i c o de homem e casas: circun-sraflíe, o u mais precisamente,

92
ASSIS S I L V A , I . — Para uma leitura semio-lingüística de " F á b u l a de um A r q u i t e t o " , de Jo3o Cabral.
Alfa, São Paulo, 26: 85-94, 1982.

espaço englobante. O deslocamento s i n t á - 5. em c o n t r a p a r t i d a , na d e f i n i ç ã o de


xico de homem para a casa O e o de casas a r q u i t e t o tem-se u m a n í t i d a o p o s i -
para C anula, naquele o m o v i m e n t o (o ç ã o entre:
poder ser Sujeito e D e s t i n a t á r i o ) e nesta, a
abertura (o por). Homem, de e s p a ç o en- 5 . 1 . o durativo que o c o r r e na de-
globante ( h o m e m l i v r e , sem l i m i t e s e sem f i n i ç ã o de a r q u i t e t o !
l i m i t a ç ã o , que t e m ar luz razão certa) pas- e
sa a e s p a ç o e n g l o b a d o ; casas que era casas 5.2. o perfectivo que aparece na
exclusivamente portas e tecto se e x p l i c i t a d e f i n i ç ã o de a r q u i t e t o .2

como e s p a ç o englobante apenas. N a d a


h á , pois, n o discurso que, de a l g u m m o -
do, j á n ã o esteja na l í n g u a . É nesse senti- S ã o esses os p r i n c i p a i s i n d i c a d o r e s
do que R o m a n J a k o b s o n sugere a elabo- f o r m u l a c i o n a i s que p e r m i t e m estabelecer
r a ç ã o de u m a gramática da poesia que le- a ponte (fazer a embreagem) entre o t e x t o
ve em conta a poesia da gramática. e o i n t e r t e x t o ( n o sentido de c o n t e x t o c u l -
t u r a l ) . S ã o eles que nos p e r m i t e m fazer o
f i n c a - p é d o m i c r o - u n i v e r s o s e m â n t i c o que
2.3. O c o m p o n e n t e f o r m u l a c i o n a l
é o texto n o m a c r o - u n i v e r s o que é o u n i -
N a d e f i n i ç ã o de mensagem, B . P o t - verso c u l t u r a l onde ele é p r o d u z i d o -
tier ( n . ° 5, p . 50) distingue u m c o m p o n e n - recebido. S ã o os pilares d o c o n t r a t o que é
te f o r m u l a c i o n a l e u m c o m p o n e n t e rela- a escritura mediante os quais somos eleva-
cional. P o r e x e m p l o , dados os elementos dos da c o n d i ç ã o de leitores à c o n d i ç ã o de
touro, assustar, menino, t o d o s os recur- d e s t i n a t á r i o s e colocados, p o r assim dizer,
sos enunciativos que servem p a r a m o d a l i - em p é de " i g u a l d a d e " c o m o a u t o r . So-
zar e m o d u l a r a r e l a ç ã o entre esses ele- mos assim g u i n d a d o s à c o n d i ç ã o de
mentos, situando-a n o e s p a ç o e n o t e m p o , co-autores d o t e x t o : o p r ó p r i o fazer tex-
constituem o c o m p o n e n t e f o r m u l a c i o n a l . tual ( = a escritura) n ã o s ó nos p o s t u l a co-
À q u i , limitar-nos-emos a destacar apenas m o , mas t a m b é m nos faz mediadores en-
os indicadores f o r m u l a c i o n a i s que r e a l i - tre o texto e o i n t e r t e x t o . A s p r ó p r i a s c o n -
zam a f o r m u l a ç ã o l o c u t i v a ( r e l a ç ã o de d i çõ e s da e x i s t ê n c i a s e m i ó t i c a d o t e x t o
pessoa, de e s p a ç o , de t e m p o ) , e a f o r m u - levam-nos a ver a v i d a d o t e x t o c o m o de-
l a ç ã o q u a l i t a t i v a ( m o d o , aspecto, a f i r m a - pendente, n ã o da a u t o r i a , mas da co-
ç ã o , n e g a ç ã o etc): autoria, o u m e l h o r , da a u t o r i a c o l e t i v a .
Desse p o n t o de vista, o a u t o r e o l e i t o r na-
1. t o d o o p o e m a e s t á c o n s t r u í d o n o da mais s ã o d o que instâncias (o termo é
eixo da n ã o - p e s s o a (discurso em de E m i l e Benveniste) que r e a l i z a m esse
ele); autor c o l e t i v o .
2. a d e f i n i ç ã o de a r q u i t e t u r a e s t á
c o n s t r u í d a n o n ã o - m o d o , vale d i - 3. P a r a n ã o c o n c l u i r
zer, n o infinitivo, ao passo que a
Fábula de um arquiteto joga fundo
d e f i n i ç ã o de a r q u i t e t o e s t á cons-
com a poesia da gramática: arquiteto 2
t r u í d a no m o d o indicativo;
continua c o m o sujeito d o f a z e r - c o n s t r u i r ,
3. a r q u i t e t o ! é d e f i n i d o n o t e m p o mas j á n ã o se t r a t a m a i s d o m e s m o cons-
n ã o - m a r c a d o , isto é, n o presente, t r u i r . Seus fazeres (renegar dar a viver no
p o r o p o s i ç ã o a a r q u i t e t o que e s t á
2 claro e aberto, amurar opacos, amurar
definido no tempo marcado, concreto, refechar o homem) — nitida-
pretérito; mente d i s f ó r i c o s e m r e l a ç ã o aos fazeres de
4. a d e f i n i ç ã o de a r q u i t e t u r a n ã o arquitetOi — negam t u d o que d á i d é i a de
traz n e n h u m a i n d i c a ç ã o aspec- liberdade. Arquiteto desqualifica-se assim
tual; como sujeito d o fazer-construir d e f i n i d o

93
ASSIS S I L V A , I . — Para uma leitura semio-lingüística de " F á b u l a de um A r q u i t e t o " , de J o ã o Cabral.
Alfa, São Paulo, 26: 85-94, 1982.

na p r i m e i r a estrofe. A m u d a n ç a n o p r e d i - Para proteger o h o m e m , o a r q u i t e t o


cado que afeta o s u j e i t o , afeta i g u a l m e n t e transformou a casa-exclusivamente-
o o b j e t o , pois s ã o e s t r u t u r a l m e n t e s o l i d á - portas-e-tecto — e s p a ç o de p r o t e ç ã o (tec-
rios ( c o m p l i c a m - s e ) . Casa metaforiza-se: to) c o m l i b e r d a d e ( e x c l u s i v a m e n t e p o r t a s )
de casa e x c l u s i v a m e n t e p o r t a s e t e c t o pas- — em c a p e l a - ú t e r o , u m a casa e x c l u s i v a -
sa a c a p e l a - ú t e r o . Homem vê-se rebaixa- mente i n t e r i o r i d a d e , vale d i z e r , casa c o m
do da c o n d i ç ã o de d e s t i n a t á r i o à de o b j e t o p r o t e ç ã o , mas sem l i b e r d a d e ( p r o t e ç ã o -
e, c o r r e l a t i v a m e n t e , r e d u z i d o n a sua l i b e r - prisão). À medida que f o i i n t e r i o r i z a n d o
dade o u sem ela, j á que esta s ó p o d e ser l i - o homem, o arquiteto o f o i desqualifican-
berdade e n q u a n t o c o n s t i t u i r O b j e t o d o do pela p e r d a g r a d u a l d a l i b e r d a d e , a t é
querer-fazer do h o m e m enquanto Sujeito. reduzi-lo n o v a m e n t e a f e t o .

Para ser Sujeito desse fazer, o h o m e m t e m Homem-feto, homem desmodaliza-


de: do, d e s q u a l i f i c a d o c o m o S u j e i t o :

n ã o deve
querer fazer n ã o quer
poder fazer n ã o pode
e saber fazer. n ã o sabe

E u m h o m e m - o u t r a - v e z - f e t o p o d e isso? fazer e / o u ser.

ASSIS S I L V A , I . — Towards a semio-linguistic reading of the " F á b u l a de um A r q u i t e t o " by J o ã o Ca-


bral. Alfa, S ã o Paulo, 26: 85-94, 1982.
ABSTRACT: In order to go from the level of apprehension of the meaning of the text to the level
of apprehension of the text as a system of significations (as a semantic micro-universe), one must pro-
ject discontinuity on what is presented as continuity. Conceiving the text as a macro-utterance, this pa-
per intends to consider, in semio-linguistic terms, three interesting aspects of the text construction, by
defining them in terms of homologies with aspects of utterance construction: a) structural aspect, strict
sense; b) content or semantic aspect, broad sense and c) metalinguistic or semiotic aspect, proper.
KEY-WORDS: Semio-linguistics; text/metatext; textual dynamics; utterance/macro-utterance;
"écriture"; semiotic simulacrum; discursive simulacrum; narrative; discursive and metalinguistic com-
ponents.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. C Â M A R A JR., J. — Princípios de lingüística 4. M E L O N E T O , J.C. — Poesias complétas


geral. 4. ed. rev. e aum. R i o de Janeiro, (1940-1965). 2.ed. R i o de Janeiro, José
Acadêmica, 1964. Olympio, 1975.
2. G R E I M A S , A . J . — Semântica estrutural. 5. P O T T I E R , B . — Linguistique générale: théo-
Trad, de Haquira Osakabe e Izidoro Bliks- rie et description. Paris, Klincksieck,
tein. S ã o Paulo, Cultrix, 1973. 1974.
3. G R E I M A S , A . J . — U n p r o b l è m e de sémioti- 6. REVZ1N, M . — Les principes de la théorie des
que narrative: les objets de valeur. m o d è l e s en linguistique. Langages,
Langages, 31: 13-35, 1973. 15:21-31, 1969.

94

Você também pode gostar