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MAURA, Daniela. Cadernos de estudos: o aprender o ensinar a arte. Nº01. Editora Mauras.

Belo
Horizonte: MG, 2014.

Cadernos de Estudo .·..·.


. o aprender o ensinar a arte .

. ~

_,/ ; ·.

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. -~ - .·· .: ...

... . ._. ._, - .. ,-; .


o aprender

o enstnar
dor, propositor de ações. Em qualquer·caso, acolho a rique:5
da diversidade do material humano.' Vários pontos de partida.
COflsidero vários resultados: Essa reflexão sobre acolhe r o ou-
tro eu desdobro ainda nÇ~ . pergunta: Quem as Escolas de ,;:,,r:e
for mam? Somente artistas?
A ideia de produzir este zine surgiu durante 0 exerctCIO Aqui um rabisco: a importância d a emoção: Algo come o
d.- tradução do capítulo S. "Ensinar e aprender como f=o rmas amor, a solidariedade, a identidade. Toda objetividade é m~.;i:o
de Arte", do livro Fluxus Experienc~. de Hannah Higgim. pu- necessária e pretensa e a· subjetividade inevitável e estrutura-
blicado em 2002. Neste capítulo a autora trata de possíveis dera das relações objetivas com o mundo. São duas direções.
contribuições do Fluxus para a pedagogia em geral. para dentro e para fo ra. e de novo não se opõem e sim se com-
A necessidade de traduzir este texto foi consequend:; ·~o plementam. A esta altura já começo a pensar que um de nos·
cJ,~sejo de sistematizar e de verb;:;lizar sobre os modo:o :c.r.,o · 50S maiores problemas é classificar tudo em .termos de cpcsi-
""nho integrando a prática artística à prática didát!.:a r a i rea c0es incomunicáveis e como solução paliativa p·adronizamos.
a.:. Artes Visua:s. nomogeneizamos e hiera rquizamos.
Daí já não bastava apenas tra cuzir, estava St...s.:=r,do .:, ::: _, · Uma ação contrária a isso é a interdisciplinaridade, umê
q Jê disso. Este texto de apresem:.t~ão pretende ;uo,inh.;;r _.:;a -::.J.Jcidêde de emaranhar. desdobrar, sobrepor, colar e des· .
s ..;rie de ponte-s e trazer para a c.iccussào do ensino de ,.:...r:e~ ·~:; r. A 'ncermídia do Fluxus é uma potência para esta pesqui-
Visuais algum;.s questões qu:= cc .-···ideto funcc:mem;;is. '" .C.. qu1 vale subiinhar que o conhecimento não se dilu i, cada
No exercid o de tradução e •.::e .:onsideraç3;;; ccs me:'. ç.: ~'-õ3 ::!e ç.::mhecimento a partir d e um ponto-essência se abre

pelos quais es te ca pítu lo me i :-~te ~~>sa. sempre ;r" 1h:o. à .~e­ ~ ;;3 ;:iêi:c.go: : om zs outras. l_ste é também o espaço para

rnória .profess,Jres com os quais : : nvi•.·i. A pr~cic" ; es:-:s ~ro­ ·-.;,-;cic- r.ar as mú ltiplas inteligências. Lidamos com o mundo
fessore~ se so.nava à minha leir~.H3. não c~mo uma tlusrrê.:.3c _; : :~c c ;::ele. r:: eno:: sete formas d iferentes de inteligência:

masco mo un .a corporificaçãc .. ,::, breDondo ::>utros :ernFc.s e ir çuí;:ica . .égico-matê m.3tica. musical. corporal-cinestésica.
<eSpaços: cada minuto . luz cio d ie. olharo:s. dúvidas ..: onvecsa;. e::oacia1. :nrerpes::c ê. e :r.rrapessoal, em graus variados. Por
ações, relações com o grupo . Daí;, pre;ençc c!e uma encre,'isc= ~t:e :ender1os a ensir.ar de um único modo? O planejamento
nesta edição. .:; <; aula de um Prore::scr P..rtista não deveria estar atrelado aos
<oeus processos de criação artística e aos processos·de criaÇão
Sobre a tradução. um primeiro ponto para maror é "' ·,a-
de seus alunos? Há as habilidades individuais de cada um· que
... r!:~ç§0 ~ :l
V:r'c.rjD~ti~ l""!rÍff! i~ri :.J 1'·''? dQsrk•.hrA r'"\~ r:. .-. r u \~
~e•1em ser esttmuladas e tam bem campos''q ue náo'dciininàmos
,Jenomino práti~a ou faze~. Uma ;nteligência ·1ue \;em de :~r­
em que devemos nos arriscar.
,>0 em contato direto com as pl;;.sticidades do m c;r.dc ar:-. :.Jr'Oi
dado tempo vivido. Entre o fazer e o pensar. que "e =~c:êr.trarn E por falar em habilidade, há urna grande mácula na for-
num mesmo plano, podemos traçar uma rede de linha;;. mação em Artes Visuais que é o Dom. O Dom como uma
facilidade para algo, e que pode ou não ser bem utilizado.
Essa imagem talvez auxilie num outro.desenho: o da rela-
:=cmo vejo a foríí.açãc .J;--;1 ,ll.~2s \/!suai!;. trata-se mL.!itc mais
t;ão entre prática artística e a prática didática e aqui também
-1ão. há hierarquias. Há sim complementaridade que garante
0e uma questão que .defino como Vocação: um desejo, uma
necessidade de realizar o trabalho. Percebam que assim fiCa
. entusiasmo e capacidade criativa. A não ser nos casos em c;ue
muito mais fácil considerar a fo rmação de quem inclusive não
ensinar seja ápen9s um. modo dF ganhar a vida e não um as-
pecto crucial de sua prática artística. . . quer ser e não será artista? Nós que enirdrrrús tu::sre percurso
das Artes Visuais temos todos uma necessidade de praticar a
A nã'o hierarquização se amplia até um outro plano que estruturação do mundo através de uma questão plástica. o que
são as abordagens comunitárias e coletivas ou seja o conhe- pode nos permitir atuar em várias áreas.
cimento· que se constrói junto ao outro, fundamentando-se
Proponho que estas reflexões que partem da área de Artes
no repertório .e no imaginário do grupo. Não se trata de ditar
Visuais, se expandam para a Educação e para nossa atuação
como o mundo deve ser experienciado, não se trata de homo-
e relação com o conhecimento no mundo. Apresento na se-
geneizar (e esta é uma grande habilidade das Instituições). Es-
quência a primeira parte da tradução de ' Ensinar e aprender
tou fazendo uma lista para possíveis papéis para um professor:
como Formas de Arte", e em seguida uma entrevista com o
mediador, provocador, motivador, mobilizador, potencializa-
Professor Artista Eugênio Paccelli Horta.

. ~~ •.
Ensz·nare
aprender apenas um modo de ganhara vida, em vez disso, é um aspecm
crucial de sua prática artística. Esta distinção é importan te pois
implica em Uf11 fundamento altamente motiva9o, e por exten-

como formas são criativo, pa[êl suas respectivas pedagogias._ .


Na sua introdução para Teaching and iearning as per(c -
ming arts. RÓbert Filliou descreve a aplicabilidade .d o Fluxus,
e outras for~as de arte se~elhantes, em uma pedagogia ex-

de arte perimental: "Opropósitodesse.estudo é mostrar como.algÚns


problemas inerentes em ensinar e aprender p~dem ser resol-
vidos, ou digamos facilitados. através da prática de técnicas
participativas desenvolvidas .por artistas em· muitos campos:
happenings, events, action poetry, . ambientes,.. poesia visual,.,
filmes, performances de rua, música não-instrumental.. jogos,
correspondências etc. Como Beuys coloca na parte I do .Li-
vro de Filliou, ''A concepção ampliada de arte inclui toda ação
O fato de que a experiência F/uxus existe no âmbito da humana." Da mesmo modo, John Oewey destaca um envol-
Arte indica que a experiência em si tem alguma importância vimento experiencial quando ele descreve o. artista como um .
para este campo - a informaÇão primária é um contrapon- criador de experiências e o público como co-criador: "Nos tor- · ·
to positivo em relação a esmagadora preferência .na cultura namos artistas nós mesmos quçmdo ...nossa própria experiência
rJcidental pela formas secundárias de informação e análise. A é reorientada".
experiência Fíuxus. portanto, tem uma função discursiva, ela Seguindo essas idei~s. Filliou, em um convite literal para o
tem o seu significado dentro do. contexto de um arg\Jmento leitor criativo (afinal, a leitura também é uma forma de perfor- :
- mesmo que dada sua base na informação primária e na sua mance), deixa aproximadamente um terço do seu .livro vazio.
estrutura compartilhada, elq não consegue dizer qúalquer ou- O espaço, ele explica, é direcionado para a interação do leitor:
rra coisa de modo consistente. · "C laro que o leitor é livre para não fazer uso .d esse espaço. Mas
A sP,guir gostaria de falar sobre essa f~nção discursiva. Em é esper;;~do que ele esteja disposto a ent;ar no jogo d~ escrita
particular, vou explorar algumas possíveis aplicacn<:s da expe- como um performer ao invés cie um mero espectador... este é
riência Fluxus e o ide~ I comunitário, indo além. c. o Fluxus, e um grande livro curto para se continuar escrevendo em casa·.
1.1esmo além do mundoda arte. Para isso dese~vi:>lverei um Claro que experiências co-produzidas são mais fáceis de
modelo- pedagógico amplo baseado na pedagogia experimen- dizer do que de fazer. Nesse projeto pedagógico; no entan-
t3l de muitos artistas (de algum modo ligados ao Fluxus). Isso to, a experiência Fluxus tem um valor especia.l, ao promover,
não é apenas uma estratégia de ação; mas tem uma justificati- em primeiro lugar, um aprendizado experiencial, mas também
·. a histórica: F!uxus: afinal, originou-se de certo modo da classe uma exploração interdisciplinar, um estudo autodirigido, tra- ·
de John Cage em Nova York (e em menor grau da classe de balho coletivo e trocas de ideias não hierárquicas. Fin;;~lmente,
Stockhausen. em Dusseldorl), e muitas figuras associadas ao ao p ro mover tal liberdade, evita-se a inAuência homogenei-
F/uxus posteri,,rmente passaram a ver sua arte através das len- zante de instituições formais de ensino e de C~cademias de arte.
tes d'à·J-ltiJagogia-. · Tál abordàgem para a édL~á·ç~o. 'aíém ·disso; não ·pre.dsa ser
informacionalmente fraca ou estrutur~lmente indisciplinada.
Considerações gerais Pelo contrário. na modalidade Fluxus, a infor~ação (induin-
do fatos científicos e históricos) é tratada como uma forma de
Um artista, apesar de não ser uma figura central do Fluxus,
co nhecimento entre outras, todas elas podem fa:~;er parte.da
edicou muito s de seus talentos à educação. Allan Kaprow fre-
p rodução de uma experiência através do mecanismo criativo
quentou o curso de composição de Cage na New School em
chamado arte.
1957; ele já era professor na Universidade de Rutgers quC~ndo
~e juntaram a ele os artistas Geoffrey Hendricks e Robert Wat- Uma abordagem comunitária também é importante neste
::;, a!!.lb!J.~_Ii<.:!ados ao Ff!:!xus. Kapr:::w d':P?is se transferiu para_ projeto. Num·a entrevista no livro de Filliou, John Cage argu-
C al Arts, na Universidade da Califórnia, San Diego. Como menta que "quanto maior o i!Úmero de pessóas maior a quanc
p rofessor de arte. ele pensava que seu papel era envolver os tidade de troca de informação ou de experiências, mas esta é
estudantes em uma atitude crítica, ern um "Manifesto". Ele exatamente a situação que agora vivemos - a de abundância
escreveu que "quando a arte se torna menos arte ela toma o de ídeias e experiências". Para Cage, ensinar e aprender sã~
papel da filosofia como crítica da vida". Do mesmo modo, Jo- atividades que caminham juntas, com um grupo de pessoas
seph Beuys, um artista tardiamente associado ao Ffuxus, que trabalhando igualmente para realizar uma transformação à tiva
e nsinou arte na· açademia de Dusseldorf durante praticamente no materialmente diversificado ambiente humano.
toda sua carreira artística; Beuys disse: "ser um professor é mi- Seu uso da frase "abundância de ideias e experiências" para ·
nha maior obra de arte". Para Kaprow e Beuys, ensinar não é caracterizar o que está sendo trocado traz um grande e ac:es-

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I .
sível universo de materiais para trocá. Esses materiais não são claração que é ao mesmo tempo celebradora de diferenças
3penas os tradicionais como livros e informação especializada, . individu<~is, sugere uma variedade de encontros possívgis entre
mas todas as formas de invenção humana: modelos poéticos realidades objetivas e subjetivas, observações racionais e expe-·
ou conceituais. música, comid<t, dança, até mesmo a interação riências emocionais, e identidades pessoais, poffticas e 'cívicas,
direta com o ambiente local, para nomear alguns. Enfim, tais tendo como resultado desejado um "senso de solidariedade".
modos de troca não literária formam a base ontológica da nar- O professor de educação . e neurolog.ia Howard Gardner,. da
rativa humana. Universidade de Harvard, estudando o problema das di.fere~"
O valor do aprendizado reside portanto em questionar ças indviduais em um nível cog~itivo;teorizou que ~s seres hu~
3tivamente os materiais do seu próprio ambiente, com uma manos lidam com o mundo usanda' pelo menos sete formas de
;~titude expansiva e p rofusa. Neste ponto de vista, não pode inteligência fundamentalmente diferentes. Além das formas
;,aver uma perspectiva singular dei que constitui o ambiente: o linguísticas e lógico-matemáticas privilegiadas pelos testes pa-
:onhecimento adquirido por um qu~stionamento ativo é rela- drão em todos os níveis do sistema educacional do primei ro
ciona!, promovendo uma apreciação de interesses, objetivos e mundo. os seres humanos também possuem inteligência mu-
.:xperiências únicas assim çomo compartilhadas. ;ical, r.:orporai-cinestésica, espacial, interpessoal, ~ intrapes~oal
em graus variados.
T ai aprendizado tem como objetivo um entendimento
mútuo (que .é distinto do acordo) - um ponto que vai contra A inteligênci'3 linguística é a habilidade d~ sintetizar .e
os modelos tradicionais d e educação onde os experts ditam brincar com a linguagem: é o dom dos poetas. A inteligênCia
<:orno o mundo deve ser experienciado. Como diz a crítica lógico-matemática é a habili9ade de raciocinar, discernir pa-
~ducacional D. Emily Hicks, emprestando de Gilles Deleuze drões matemáticos abstratos ou elaborar uma teoria cientffiça:
.: Félix Guattari a noção, carre<d;;da politicamente, de sujeito é o dom dos cientista~ e pode ser a forma de inteligência mais .
desterritorializado: "tomar decisões compartilhadas é mais pa- valorizada no ocidente hoje. A inteligência musical envolve
··ecido com tomar lugar em um ambiente em que sujeitos com padrões tonais e suas re lações: é o dom dos compositores.
;.Jma multiplicidade de perspectivas são capazes de se engajar Através da inteligência corporal-cinestésica, resolvemos p ro-
<;! m encontros prazerosos''. Do mesmo modo, Kaprow desc re- blemas usando o nosso corpo: é o dom de bailarinos e atle-
.,e os benefícios emocionais de um tal sistema intersubjetivo tas. A inteligência espacial permite lidar com o espaço men~
q uando ele declara que "a experiência de todo mundo deve talmente e fisicamente: é o dom dos marinheiros, cirurgiões,
:le algum modo estar conectada com o amor de cada um, o e ngenheiros, escultores e pir:rores. As inteligências interpes-
que quer que isso seja". A comunidade implicaci.., ,. o r essa de- soal e intrapessoal envolvem a habilidade de compreender os

....... _

/
ou•ros e a si mesmo, respectivamente: a primeira é o dom dos um forte crédito ao enganosamente simples "amor" como cha-
p r·)fessores, políticos, clérigos e vendedores e em algum grau ve para o aprendizado de Kaprow. De fato eu tenho visto isto
toJ os nós possuímos o dom da última. Ga~dner propõe uma repetidamente em meus próprios alunos: as coisas começ'a m a
verdadeira refor.m a no ensino fundamental e médio através de despertar para eles quando se sentem apaixonados pelo.ma-
cucrículos individualizados dirigidos às formas de inteligência terial - quando e les amam- no. Aprender em outras palavras
dominante encontradas em cada estudante. o que permitiria envolve compromissos: para uma identidade interna em de-
através dos interesses e dos talentos naturais um maior acesso se nvolvimento (seja a sua própria oU a dos outros), para um
individual ao mundo dos fatos. Como ele diz. ''as inteligências sentido de lugar seja no mundo social ou neSte 'planeta. Edu-
são potenciais ou inclinações q ue são ou não realizados...a in- cação então no melhor dos casos é transacional e p~rformativa
tel. gência ou inteligências sempre são uma interação entre as para professores e aprendizes: pois é apenas . através dessas
inclinações bioló gicas e as oportunidades de aprendizado que transações, dessàs performances que nós criamos o nosso sen-
existem em uma cultura". Uma vez que as inclinações variam so subjetivo de sentido de vida compartilhado:
im-~nsamente, a instrução deve incluir muitas formas.diferentes De acordo com o teórico da educação Danny Wildeme-.
de comunicação: "pois mesmo que os próprios cursos sejam e rsch (escrevendo sobre ~ducação de adultos): ·
re çJUiamentados. não há motivo para se ensinar do mesmo Aprender pode ser entendido como um processo de troca
m odo ... uma aula de história pode ser apresentada através contínua entre vida-mundo dos sujeitos e a realidade objeti-
de modos de conhecimento lin~u1srico, lógico; espacial e /ou va, q!le.está presente na sociedade como um todo: Os agen-
pessoal, até me smo uma aula de geo metria pode se basear em tes mais importantes desse ,processo de troca são os grupos
competência e spacial. lógica, linguísticÇJ ou numérica··, que fazem parte do mundo externo objetivo, mas ao mesmo
Não nos e squeçamo$ das emoções que, do mesmo modo, tempo estão ligados intimamente a realidade subjetiva de
w'Tla pessoa. É especialmente o processo de interação entre
ten um papel importante no aprendizado e na receptividade
indivíduos e os grupos a que pertencem que permitem a 'me-
de acordo com a teoria de Gardner. Como outro teórico da
diação entre ~m mundo objetivo e subjetivo...os grupos a que
educação, David Gerlenter esc reve (sobre a inte ligência artifi- pertencemos. como eles são compostos de muitas realidades
ciai) "as emoções n.ã o são uma forma'de pensamento, nem um s!lbjetivas, representam seguimentos da realidade Objetiva•
m e do adicional de pensar, nem um bônus cognitivo especial, que são reievante~ ao entenrlimento subjetivo da vida. ··
mas são fUndamentais para o pensamento". Lo nge da pretensa o bjetividade baseado nos mOdelos atu-
As inclinações nat~:~rais de . Gardner e as obser, Jcões de ais de ensino médio, Wildemeersch afirma a importância àe
Ge rlenter de que as emoções subjazem todo pensam e~to dão uma func~o inte~pretatíva que conecta a realidade ·subjetiva

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e objetiva: "podemos pensar em· uma educação de adultos... Estas questões permanecem em grande medide;~ ignoradas
co mo um diálogo transa Cio na I entre. participantes que trazem na i!Cademia -uma situação que eu acho partiçularinen~e afli-
p ara o encontro experiências, atitudes e diferentes modos de tiva nas humanidades. Como podemos reverenciar a produção
olhar para os seus mundos pessoal, profissional, pofític~ e re- criativa de nossos poetas e artistas, músicos e dançarinos, se
creativo e uma multitude de propósitos, orientações e expec- falhamos em estabelecer modos efetivos de cultivo dessas for-
ta tivas diversos". O objetivo de toda educação de fato deve mas associadçs·de inteligência? Não deveria -haver algum valor
ser estabelecer vm senso de continuidade entre o se/f e o mun- em aprender história da arte .com um. artista,' ~u ainda tentar
du. O oposto desta abordagem produz alienação como Beu- fazer uma história da arte dirigida para a inteligência espacial?
Y!· cruamente declara:. "o homem encara o ~eu companheiro · É lógico que uma cultura tão diversa como a nossa · poderia
como um estranho·. se beneficiar de educar todas as forrnasde .inteligência. Nós
Este modelo educacional que busca agrupar o oosso se! f podemos, como Stephen J. Gould ~firma, aprender uma coisa
objetivo e subjetivo (normalmente dividido) com certeza sus- ou ·duas com a evolução e o valor da biodiversidade para a
cita problemas para os assim chamados standards inoyement', continuidade da vida no planeta. ·
especialmente quando se aplica ao ensino superior e ao proces- Mas o que dizer da· expertise, que afinal de contas enfrenta
so em que o futuro sucesso é ·'quantificado" por testes padro- uma certa ameaÇCJ diante.de uma fo rte valorização da aprendi-
nizados (por e xemplo, SATe GRE). Como aponta o jornalista zagem experiencial? Talvez seja melhor perguntar - deixando
e ~conomista Peter Sacks, "os testes tr9dicionais reforçam uma de lado o medo de perder nosso trabalho, para que servem
re tina passiva de aprendizado de fatos e fórmulas em oposi- realmente ospad~ões de expertise? Leon Botstein, presidente
çbo ao pensamento crítico ativo que muitos educadores agora do Bard College, aponta as causas econômicas para a atual
acreditam que deve ser encorajado nas escolas". Assim, este estrutura de poder e o impulso em direção a espeCialização
fixação em testes como porta de entrada para uma educação no ensino superior: "os departamentos que são os centros de
a' a nçada reforça não apenas a sobrevalorização das formas poder nos colégios e universidades não vão abandonar o seu
de inteligência lógico-matemática e linguística, mas também controle sobre o tempo dos estudantes porque o tempo signi-
padroniza as mentes dos estudantes e roubam outras habili- fica "vagas'', e "vagas" significi! dinheiro e cargos na universi-
dades críticas e criativas que eles p recisam ter para lidar com o dade, e estes dois itens juntos constituem poder e influência".
mundo complexo de hoje. O psicólogo ambiental' Edward S. Ele continua, trctzendo pa~a a reAexão a teoria das múltiplas
R~ed coloca deste modo: "corno todas as nossas oportunida- inteligências de Gardner assirT' .;orno a noção de "amor" de
des para experiências primárias diminuem, seja de_ ~ ..;bilidades Kaprow: ''as faculdades possuem uma oportunidade que tem
manuais e sociais até o ·aprendizado sobre natureza, so·ciedade consequências cívicas e é completamente independente do
ou trabalho, nos tornamos cada vez mais incapazes de atuar no sistema de especialização ... desenvolver a disciplina e autocon"
mundo real". fiança seriamente além da superfície sempre significa privile-
Psicólogos cognitivos distinguem entre pensamento de giar um assunto sobre outro. Isto quer dizer que os estudantes
"superfície", que requer apenas uma resposta rápida e repe- podem seguir o curso natural dos seus próprios interesses". E
tição, e pensamento cognitivo ''profundo", "que envolve a isto traz outra questão: é possível teorizar a ideia de intermídia
síntese e a análise de uma variedade de fontes de informação do Fluxus como um campo fértil para interações de múltiplas
para interpre~ _, um dado, resolver um problema complicado, inteligências, e também como um modo de ir além dos talen-
'-.--.t:i· p6ss1Veli1ten rê <He "·,esmo ·c.ri~ri aigó nóvo-é h1teress·cmh(: -A·· ':m ,"J;::tt.:~,;is de· cada :J:n-? t1:1..di:ia definitiv>~mcntc qw: sim.· ·- ·' ;.. ·
cultura de tesres que evita o reino bagunçado d~ informações Imagine um mecanismo aberto de diagramas para abor-
processadas er.1piricamente e das múltiplas inteligências, pro- dagens pedagógicas dentro das linhas do "intermedia chart"
move a superficialidade cognitiva. Esta situação é no mínimo (gráfico intermídia), permitindo um tipo de treinamento cog-
i; itante dada a importância para a democracia de um apren- nitivo em difer~ntes habilidades. Eu vi um manual de ativida-
c..:adc Ínteiecruql Veidadeiro. tvluitos estudantes inteligentes des para aplicar a teoria das múltiplas inteligências na escola
mas "Fora do padrão· são alienados. ostracizados ou deixados primária que começCJ a se aproximar dessa ideia. São muitos os
fc ra deste sistema (nos termos de Ricks, eles são "empurrados paralelos com Fluxkits e EvenrS, com instruções para fazef cai-
p ..Jra fora"} e até mesmo entre os que aderem a isto podem te r xas de cheirar. por exemplo. ou para medir o bjetos cotidianos
. .,. rudantP.s co in pouca ot• [1Pnh11ma profundidade dt> pe.n.o;n- ·t.r ndo como re fprfinc.ia objetos logicamente não relncionados
rnento. (expressando o tamanho de uma luva utilizando corno medida
do comprimento clipes de papel, por exemplo).
1 À refprma da educação :nos Estados Unidos, desd~ a década de 1980, Uma correlação particularmente forte exis"te em uma série
fc. em grande parte impulsionada pela definição de padrões acadêmicos de exercícios de "poema sensorial" que resultam em poemas
para determinar o que os alunos deveriam conhecer e serem capazes de fa-
. com o formato das coisas ou expressando experiências ricas
zer. Estes padrões podem então ser utili~dos para alinhar todos os outros
co mponentes do sistema: curriculo, avaliaç,3o e desenvolvimento profissio- que envolvem visão, audição, tato, paladar, ou cheiro. Os exer-
n; L cícios - tão reminiscentes de gêneros de vanguarda como a
2 Em sua abordagem, ele enfatiza os estudos de comportamento no poesia visual - trabalham através de diferentes formas de inte-
"mundo real" em oposição ao meio ambiente artificial do laboratóri,:,.

8
.-· ~. .

..:: ~.. :·
'
ligência combinando habilidades literárias com as intelig ê ncias
espacial e cinestésica.
Assim como a teoria da intermídia pode ser aplicada e m
~ala de aula, então a teoria das múltiplas inteligências pode ser
•1tili<:ada para compreender produções Fluxus. Por exemplo, o
Cfuxkit Valochej A Flux Travei Aid de George Brecht, envolve
11ma clara interação de inteligências espacial e lógico-matemá-
.tca. As próprias p~rtituras de Event, como as Piano Activities
._1962) de Philip Corner, uma peça que tem os performers es-
·:alando o piano e movendo-se pelo chão utiliza as inteligên-
: ias musical, linguística, espacial e corporal-cinestésica, assim
:orno um tipo de inteligê ncia cultural, pois interage com ex-
pectativas culturais da música e da performance.
A professo ra de biologia C arla Ha nnaford tem estudado
um mecanismo de retroalimentação cognitiva estruturador da
inteligência corporal-cinestésica, chamado de propriocepção,
que "dá o retorno necessário para ~anter o timizad a a con-
' ração e o relaxamento dos músculos em eq~ ilíbrio e m no sso
F.lmbiente ". O uando a proprioce pção é maximizada através do
moviment o autoconsciente (em o posição ao movimento inci-
,-Jental) relaxamento, centramento e um signific:ativo aumento
!la receptividade e atividade cere bral ocorre em todos os luga-
-es associados com as vá rias formas de inteligência. Ao com-
p letar uma série de 26 exercíc.ios físicos dirigidos (agrupados .
e m um programa cha mado "Brain Gym") estudantes com difi-
c uldade de ap rendizagem, cansa dos ou a trasados fo ram capa-
>.es de obter ê xito em áreas aparentemente não relacionadas.
'sto ocorre porque o córtex ce re b ral. que cobre o cerebrum
_:orno uma casca de laranja, é estimulado pelo movimento e
oerve como um filtro e distribuidor de todas as informações
,ensoriais (exceto cheiro) pa ra o complexo de lobos que cons-
..ituem o cérebro.
As implicações para a educação são vastas. . ; d ifere ntes
~ipos de inteligência ativam umas as outras quando recebem
.) estímulo e a interação adequados. Hannaford descreve, por
·::xemplo, como o senso de toque. de fato, aumenta o potencial
de aprendizagem em outras partes do cérebro: " meus alunos
11a faculdade co mentaram que te r argila disponível para mani-
p ular durante uma palestra permitiu a eles guardar informação
:nais facilmente. Onde quer que o toque esteja combinado
-:om os outros sen tidos, muito ma is pcrtes do cérebro são ati-
·-....J-r- ................. j .... ..J ___ :....,..... ""'

.~~~;~d~~-r~ ·~~~:n:~;t~a~:~d~~;;r~-~~:&;~:~.:'1~:~;~~·~;;: -·~··


·- inger Box em cada carteira! Em um nível secundário, o estu-
... ..J .... - - - _: _ .... ............ lc-, ..., .....

.l~
\\)
do interdisciplinar também pode ser importante. Ele vai além . U
do mero salpicar de um assunto com tempero de outro, na
~sperança de que alguém que esteja interessado em literatura
possa se interessar por matemática. Muitos objetos e Fluxus
Events podem ser entendidos como a expressão material da
·nterdisciplinaridade. pois criam o portunidad es para um jogo
: xpandido e interativo de diversa~ F.mçiSes cognitivas. De fato,
.JS m~ltiplas inteÚgências, especial~ent~ ~~~ ê~fase -;,as inte- ..
.igências in terpessoal e intrapessoal e a interdisciplinaridade
~odem muito bem pe rmitir aos estudantes aplicar a sua base
de conhec ime nto em suas próprias vidas. Como descrito por
;_eon Botstein, esta Função da educação ava nçada rotineira-
-nente neglige nciada deveria ser o seu propósito primário: "em
-;ua forma ideal, os anos de graduação deveriam ser o tempo
~m que um indivíduo, como adulto, liga o aprendizado com a
1ida ... naquele clássico par freudiano amor e trabalho".

10
Eugênio
Paccellz·
Horta
Eugênio Pacce lli Horta Artista e Professo r do Departamento Daniela Mas e~ passagem da dança para o desenhQ, como
d.: Desenho da Escola de Belas Artes. UFtv1G. é que foi?
Daniela Maura Artista e Professo ra. Eugê nio Ah, eu acho que ria verdade tud o é quase a mes-
ma coisa. Daí voltando pra infância tinham coisas que eu gos-
Entrevistareali=ada em 10 de setembro de 2013. tava de deseõlhar, gostava de desenhar na a reia, por exemplo.
Na minha infância morei num ~ubúrbio de Belo Horizo nte que
Daniela Então, uma primeira questão que pensei é como e misturava essas coisas, você tinha acesso a coisas de uma ca pi-
rJI. mas vivia ·também numa .roça. E~tãc tinha campo, grama-
qL.ando voe§ percebeu seu interesse pelas Artes Visuais? Pode
s.e' desde um acontecimento de inf3ncia ou em -qualquer outro do enorme. tin ha áreas de areia. Nessa época gostava muito
:(. Jmento. de desenhar com as d uas mâos. fazendo desenhos .assim ...
como é que fala. aquela coisa, quando um lado é parecido com
Eugênio Na infância não sei dizer con~cientemente. mas
outro? Simetria. É eu adorava faze r desen hos simétricos,. usan-
Jo sabi~ que gostava. Eu gostava de desenhar. Então. já era
do a mão, e gostava muito de desenhar com pedras no chão'
una presença das Artes Visuais. E tem dois eventos que gosto
de casa. no quintal. E tinha desenhos de grande proporção
m.Ji:to de lem brar com relação a essa coisa da experimentação.
também, eles natura lme nte traz'.a m isso, essa coisa do próprio
d;:1 imaginaçâo.
co rpo, essa ideia do próprio corpo em ação. Mas, a pergunta é
Um foi um<;J vez na roça, tinha uma menina q ue comen-
sobre a dança, a relaçâo que eU Faço de dànça com o desenho.
to u comigo que conseguia desenhar um pato debaixo -d'água,
D a niela Hum, hum.
st.:bmerso na água. Eu achei isso super interessante e pedi para
Eugênio É isso, acho que tem a ver com a intenção do
el<~ me mostrar. aí, ela pegou urna pedra irregular e fez o de-
movimento. Pra desenhar você pensa no movimento também,
senho de dois p atos, e eram uns patos debaixo d'água, achei
Tem a imagem mais estereotipada do desenhista que talvez
o máximo, os efeitos, a ideia de usar um outro material, uma
venha pela ideia da iluminura, que é uma pessoa que desenha.
pedra pra fazer um desenho com uma linha torta, achei super
que faz os desenhos sentado. Mas isso é uma relação equivo-
in~eressa n te.
cada com o desenho, ainda mais do ponto de vista histórico,
Gwmoo ... :cnÇFI gostav<1..de fiça r brincando n11m cC~mpo :;;:: .:; gente for pensar nas coisa; mais primárias; em d esenhos
::;1.e tinha perto da minha casa, com raízes de árvores e ficáva que eram feitos e~ caverna, em lugares de grande proporçâo,
imaginando, arrancava as raízes da grama e tinha formas muito e que tinham a demanda com o corpo que e ra grande. Então
in-:eressantes. Essa era uma coleção de bonecos que eú tinha, a relação que faço é essa; talvez por te rtido uma formação
e Ficava ali muito tempo brincando com isso e imaginando as institucional mais fo rte com a dança, e depois ter entrado na
fc ~mas. Então, mais inconscientemente fo i assim que percebi, universidade pra trabalhar o desenho eu tenha criado essa re-
n••ssas situaçÕ<i!!S, que eu tinha um gosto por essa coisa do in- laçâo com o corpo em movimento de maneira mais explícita,
ventar, criar a partir da imaginaçâo. Com coisas muito simples ou .talvez a universidade não tenha· me condicionado a pensá r
ec; conseguia criar universos, pra ·uma criança, muito sofistic<t- o desenho daquela forma estática, assim sentado na mesa de-
c.c;s 2 desse jogo eu gostava muito. senhando.
Conscientemente, fui descobrir que gostava de arte quan- .Daniela Porque hoje você desenha e não.dança? Uma vez
do comecei a fazer dança, achei muito interessante, foi qua- você éomentou da questão de que o trabalho plástico deixa algu-
se que um vício, e pra mim o mais interessante não era nem ma coisa, um vestfgio.
pensar do ponto de vista profissional, tinha isso também, mas Eugênio É, por exemplo, se e u for olhar do ponto de v ista
era a lgo não só prazeroso, era vital, descobri que eu não po- separando as práticas de uma forma mais explícita eu poderia
d i'l viver sem aquilo. Foram nesses momentos que comecei dizer que eu não danço mais. Mas se eu for pensar o .desenho
... quando criança pensava muito. falava muito que queria ser de uma maneira mais ampla, eu poderia dizer que eu nu,ca dei-
desenhista quando crescesse, mas foi na dança, mais tarde, xei de dançar, que na verdade a minha prática de desenho aq\,Ji
que pensei mesmo que poderia ter uma vid;~ profissional com na escola foi uma continuidade. Tanta. que até nas aulas isso
a ·>rte. A origem é mais ou menos essa. acaba a contecendo. E é uma coisa ·interessante que cria uma

11
demanda muito grande na escola, os alunos tem um desejo der de maneira mais rápida o seu processo criativo. Na dança
muito grande de fazer a disciplina. Eu acho que· posso pensar eu acho difícil essa percepção; ~u percebo só mais atualmente.
nas duas práticas enquanto dança. Mas a prática do desenho Sinto que é preciso maturidade, e é muito-curioso, porque, por
utilizando os materiais do desenho, deixa um registro gráfico exemplo, no éaso da dança do pont~ de vista profissional, e até
que a dança na maior parte das vezes não deixa, e esse re- algumas pessoas acreditam muito nisso, você tem um~ idade
gistro, poderei chamar de matéria, ele atende uma demanda pra dançar. Eu não vejo um grupo de dança ~om a média de
minha particular que durante um tempo a dança deixou de idade de 50, 60, 70 anos, gostaria até de participar de a lgum, .
preencher, que é o desejo de ter um registro explícito do seu ou então fundar um grupo assimc
trabalho, que possa servir até como uma referência crítica. No Mas eu acho que essa coisa do registro é importante sim.
caso da dança tem esse registro em vídeo, mas, na minha opi- No caso pra você ter uma referência sobre a sua prática·.
nião, não é dança é vídeo. Respondida sua pergunta?
. - Daniela A importância da técnica. Como é que você vê isso,
DanielaEu estava pensando em uma questão, que não vejo
a relaç3o com a técnica?
você falar multo sobre, mas percebo essa questão presente que é
a importância da prática. Seja a sua prática de produzir imagens, Eugênio A técnica é saber fazer, é conhecimento também.
ou a dos a/unos em aula. Peço para que você fale um pouco dis· Não vejo técnica como cçndicioname~to, porque muita gente
so, dessa importância da prátict~ na formação. Da relação com a acha que é; condicionamento é diferente, técnica você pensa,
técnica. Da relação com os matenais. Do tempo nisso. ela está associada a con~cimento anterior, então ?ão formas
de fazer. E se quero, pcir e«emplo, pi11.tar e· sei que exist~ a
Eugênio T á. Então ·eu vou falar pra você desta forma aí.
possibilidade de determltadas tintas e determinados pincéis,
Eu acho que nada, nenhuma ide ia, ·nenhum pensamento vem
eu acho que meu vocabulário ampfia, não só do ponto de vista
g ratuitamente. Acho que ele passa por um empirismo, por ex·
pessoal, mas de ·e ntender uma prÚica que é anterior a minha.
periências, por uma relação próxima com as coisas, por ter os
Então, eu a·c ho que a técnica nos"leva a pensar que outras pes-
sentidos atuantes. Por exemplo, com relação ao desenho que
soas fizeram, pensaram determinadas possibilidades.
tem muito a ver com o movimento. acho difícil você pensar
sobre e le lendo um livro. Nas minhas experiências específicas Mas talvez: num período modernista do ensino, a técnica
c om o desenho nunca encontreiu ma definição de desenho no virou um "vilão". uma prátic:J condiCionante ·e a pessoa tinh~
livro, mas sim na prática, nela consigo encontrar uma definição que ser espontânea, e a partir dessa espontaneidade ela criaria,
que é indizível, que não está no universo das p;ol:vras. Então mas eu não acredito só nessa .spontaneidade, como professor
pra mim a prática é importante pra isso, pra você ,., um conta· eu não acredito, acho que inclusive ela é até perigosa, porque
to co m essa. inteligência que é distinta. às vezes a pessoa acha que está sendo espontânea e eh;~ está
É muito curioso porque fico pesquisando livros de dese· condicionada a um vício individual próprio, um vício pesso-
nho pra mostrar pros alunos ~nenhum é satisfatório o suficien- al, uma forma .de fazer muito restrita. Quando v~cê tem um
te, tem livros muito bons, mas nenhum dá conta dessa coisa.do universo das possibilidades técnica~ a sua frente você percebe
desenho, nada é tão completo q uanto à prática mesmo. Você que tem muita coisa pra ser investigada, que o que você faz já
sentar, ou caminhar, ou desenhar. Desenhar da maneira como foi pensado, já foi estudado: e é isso,
é, da maneira mais possível. Aí eu fico pensando, mas não dá
Daniela Um comentário que vi você fazendo e .não r~sisti
?ara desenh<: · com o pensamento? Dá, Mas, af, por exemplo,
de lembrar. qu.e é sobre çomQ.nas aJ.Jias.a propostii queo é uma só
:'la minha opiniãÕ-'àtliafriientê"-o des(úihci pre-cisa de u~a. Úma
acolhe resultados muito diferentes dos alunos. Eu acho que isso
... acho que eu ia falar uma coisa contraditóri~ , meio que preci-
também revela uma relaç§o. enriquecedora .com e técnica num
<;a de uma matéria. Mas não, se eu penso a dança, se eu penso
certo sentido.
.:jUe dança é desenho também, então eu não posso exigir essa
11atéria do desenho, não acho que todo o desenho tem que Eugênio Pra mim vejo a técníCa como algo que amplia, ·
:er. Mas percebo que do ponto de vista d idático a matéria é até no caso da experiência com dança é interessante, porque
tem as escolas diferentes, existem escolas de dança moderna, ·
•mportante. esse traço, esse registre. acho que é legal.
escolas de dança clássica, e agora atualmente algumas pesso~
Daniela Acho que essa matéria auxilia a dar corpo a um pro· as comentam sobre a técnica da dança contemporânea, que
:esso, para que o aluno possa re{IE-rir sobre ele depois. eu àc ho que é até questionáv.el, há várias proposições muito
T em uma coisa da dança que é interessante e perigosa ao questionáveis, mas por exemplo eu tive um entendim~nto mui-
mesmo tempo, que é um co ndicionamento pra realizar deter· to interessante sobre equilíbrio, planos, com a experiência da
minados movimentos ou determinadas proposições na dança, dança clássica.
tem que se ~star condicionado. Uma coisa que eu não acredito Enquanto ho.m em contemporâneo a dança clássica abriu
no desenho, t em gente que acha que sim, que você tem que muitas perspectivas pra mim, eu frco pensando se todas as pes·
i·er condicionamento para fazer determinados tipos <;le dese· soas tivessem possibilidade de ter acesso a esse tipo de p ráti-
nho, mas eu não acredito nisso. ca ligada a determinado século, e q·u e ainda funcio na, tanto
Mas, acho que o próprio registro dessa matéria ... ela é o re- que ainda tem gente fazendo dança clássica, experimentando.
gistro material para a reflexão, que te leva de repente a enten-: Tem coreógrafos ditos contemporâneos que trabalham espe-

12

.· ~
. '

. .. . ... .

. ..

. .
. .
. .

. .
cificamente com a dança clássica, no caso da Pina Ba\Jsch, as "diabo", também vira o "bufão", então isso te colocÇJ em vários
audições pra participar do grupo dela consistem em fazer se- lugares o qué te permite transitar por-essas inteligências a:"!"
quências de dança clássica, a gente percebe essa técnica nos níveis muito distintos. ·
próprios bailarinos, a gente vê que e les tem um conhecimento E quando eu não me coloco nesse lugar único do professor
da dança clássica. eu posso, eu me permito ser a luno também, entâo isso é ~ui to
É muito notável pra quem já trabalhou um pouco com legaL
isso, acho que existe condicionamento e existe técnica, e são
Daniela Admiro o modo c;omo em seu trabalho, sua prática
duas coisas muito diferentes, e às vezes a pessoa acha que é
de desenho estrutura à sua aula, e como a aula te devolve coi-
espontânea não usando técnica, mas ela está condicionada, e
sas pra sua prática. Podia falar nem que fosse do prazer que tem
às vezes a pessoa tem muita técnica e não tem nenhum condi-
cionamento. Assim como os grandes bailarinos, o Baryshnikov, nisso.
por exemplo, que você vê que é uma pessoa que tem um co- Eugênio É. acho que essa foi a coisa mais legal; que ao
nhecimento técnico muito grande do próprio corpo, das práti- longo do tempo aconteceu, acho que no. Brasil existe um pre-
: as de dança. mas que conse gue ... não tem condicionamento co nceito muito grande com essa ideia do professor; do ensino.
nenhum. voce não vê isso nele. O brasileiro tem uma relação difícil com o aprendizado, pra
começo de conversa é uma profissão que não é valorizada, por ·
Daniela E como é que foi se: ,:.erceber pro fessor? ninguém. Não acho que é só. pelo governo não, acho que é
Eugênio ~-1e perceber p ro f<o::sor7 ,)elo pov.c também. de um modo geraL E acho que 3 educa-
ção é vista muito do ponto de vista do tre inamento, e la não é
Daniela { formativa. é pra treinar.
Eugênio O ntem me perguntõlram isso, ah, eu nunca pen- Vejo alimbs que ent ram aqui na escola que foram treina-
;ei em ser professor, inclusive eu imaginava que, pensava que dos pra p-assar no vestibular, mas eles não conseguem falar
>eria Úm _fracasso como professor, porque sempre fui muito nada sobre si próprios, o mundo em que _eles vivem, tem esse
:mpaciente com o outro. Mas aí aqui na escola tive algumas condicionamento do ·. ensino também que reflete na próprié;l
-:>ossibilidades, algum(ls experiment<~ções na área do ensino e postura, a .gente não tem alunos que~tionadores, são medro~
~m lugares muito distintos. E houve um período em que dei sos. Eles entram dentro de uma sala de ê!Ula, eles tem medo de
·! ulas de expressão corporal numa clínica psiquiátrica onde as se expor, de contestar, dizer que não, que não acha que é isso.
pessoas tomavam uma m edicação que deixava o corpo delas O que torna o ambiente mais favorável pro conhecimento, é
num estado muito específico, i<s vezes menos . _~eptivo até uma postUra crítica o tempo todo, e ela não é colocada, então
nra ser trabalhado. Porque interferia na coorden<~ção motora normalmente as pessoas ... o professor fala, o aluno cala e rece·
e tudo. Acho que foi nesse período que eu comecei a ter uma be aquilo e pronto e acabou, e tchau - esp~ra a nota no FinaL
·'!Xperiência mais interessante no ensino, porque eu tinha que Mas num ambiente em que essa relação é mais rica todos tem
~er alguém muito atraente, muito sedutor pra conseguir tra- a ganhar, inclusive o professor.
balhar com essas pessoas. E aí de repente descobri um lado
Enquanto artista, se estou num lugar onde tem um monte
teatral de ser professor, tem um lado lúdico de você conseguir
de gente criando, com referências das mais diversas, origens
... não sei se a palavra é captar. mas, despertar a atenção do
das mais diversas, gente que veio de Israel, como eu tenho uma
out~o... Eu ach." que t~m ul)llado p.rofessor.que é meio circ;_en-
·aluna· agora e· um aluno· que veio-do ú~rtaà, que trabalhava lá ·
se, que eu ad·o muito legaL E é divertido, então eu me divirto
na plantação com os pais: É muito fértil pra quem está criando.
: ando professor.
Sobre meu processo foi a partir de proposições de ensino
E aqui na escola teve outra questão, quando eu comecei
e m um festival de inverno que se. sucedeu em aplicar algumas
~- dar aula notei uma resposta d~s alunos, e aí você começa a
dessas práticas, que ligavam a experiência da dança com o de~
perceber que ... um diálogo. você começa a criar um diálogo
!:anho, der.tro da sala de aula. Procurei observar as demandas
co m o outro. Oue de repente a situação, você está num lugar,
dos a lunos, cada um tem uma. demanda muito específica, e
mas ela se inverte, você começa a aprender com as pessoas
mesmo que tenham um objetivo comum é interessante procu-
t-3mbém, porque você está em contato com formas de pensar
rar atender também objetivos que são diversos.
distintas .. ~s vezes um <cJIUI)O_resolve, ele te~ ~ma solução que
Já tive alunos que vierarn da Geografia, da Comunica-
é diferente, que você não imaginava. Então tem esse lado se-
ção, e alunos aqui da escola e são pessoas que tem· um mesmo
c utor de ser professor, de ter cont~tci com muitas inteligências,
interesse, mas com desejos de aplicar isso de forma distinta.
várias maneiras de fazer. E isso porque eu não tenho aquela
Dentro de sala de aula já comecei a ter mais liberdade pra tra-
••são do professor ''Deus". Aquela fig ura que tem o conh~­
balhar, co~ecei a me dar mais liberdade também para fazer
c.mento, e vai chegar lá do alto e d istribuir isso pros alu~os, e
experimentações que eu acho que ___ é muito fácil como pro-·
tillvez até por lidar com esse lado lúdico de ser professor, de
Fessor cair numa rotina também, terríveL Aind~ mais depois de
v0cê ser um pouco coringa, um malabarista, um palhaço, um
muito tempo dando. aula, a gente pode se sedimentar na nossa ·
ator dramático, isso te leva pra vários lugares dentro da sala
própria prática. Todas as ciências se transformam, .- o conheci-
de aula, você pode ser a té o "Deus", mas você pode virar o
mento é muito móveL .
Então, acho que há algum problema com um professor nos ateliês antigos, então outro dia eu fui num museu e vi um
que está dando a m. sma aula há dez ano s, o sistema de ensino trabalho que era da escola de Leonardo Da Vii1ci, não se podia
a
também' 'e stá h tanto tempo t~abalhando da mesma maneira, id~ntificar a autoria, rião se sàbe.ria dizer se.aquilo e rá uma obra
algo te m que ser pensado. Claro que existem coisas que são do Leonardo Da Vinci, mas sim que era da escola dele. Assim
clássic?.s, que não vão mudar, mas poxa há dez anos atrás eu como a gente vê algumas coisas d o A leijadinho, que não sabé
estavê ;:o mentando com você, que não tinha computador na se é de autoria dele, mas se não é, tem a escola de.
escola. Você ia pagar uma conta, você entrava numa fila, não É essa convivência, de você dividir com o outro uma prá-
tinha r:1áquina pra isso, e hoje eu nãc o::or.sigo imaginar - me tica art!stica. Aqt,Ji em Belo Horizonte teve muito isso com o
magin."r sem toda essa estrutura que é muito nova, muito re- Guignard também. Não que eu ache que o alun~ tem que
:ente e q ue faz a ge.nte pensar d e outra maneira. sair desenhan.d o como. um Leonardo Da Vinci, como um lvli-
. o ~ alunos que e u recebo at ualmente; eles são muito di- chelangelo, mas eu. acho que um artista p rofesso r pode divi-· .
:Éõentes de ~:~lun0~ que tive há quinze anos atrás, mas é muito dir o seu processo e ·c olocar o seu processo criativo enquanto
nesmo. A maneira de raciocinar, de lidar com a imagem des- material de reAexão dentro de sala de aula, até pra que ele
;as pessoas é out ra. eu não poderia jamai~ esta r com a mesma mesmo possa ser criticado. Uma coisa que e u falo muito com
lUla, se eu tivesse algum problema estaria acontecendo co- os meus alu~os, eu ·g osto disso, eu acho que eles ficam mais
nigo, e acho que isto acontece com as instit;uições também, tranquilos depois. Eu Falho, olha~ Vejam meu trabalho ~· vejam
~orqu e elas não pensam muito a respeito. E áí nesse c.a so acho se realmente é algo que vocês acham interessC~nte, porque de
nuito i:1teressante apesar de não ser nenhuma novidade o pro- repente eu posso estar f;;llando çqisas aqui, e você tomar como .
:essor rrazer as suas questões também dentro de sala de aula verdade, e aí você vai ver meu trabalhq e falar não. mas eu n~o
! traba.há-las, e pensar nesta criação até enquanto processo gosto nada disso. Então é até bom pro aluno realmente enten-
iidático . Eu falo que não é novo, porque eu fico pensando der que aquele ~er que está ali está passível de ter tamhéin o~

15
.... ........... .""'....
se<.; ; momen tos de crise, de crítica, de êxito. Acho que a gente não e.s tou aqui pra fazer um trabalho, estou para construir uma
<:~p. , nde muito com o ser humano de um modo geral, e~tão o história, e ·uma história ela é feita de fracassos também, então
cc :ívio com o outro é muito rico. · se eU quiser ... ficar querendo acertar sempre, não VOU poder
:=mão seu eu posso, por exemplo, dentro de uma estrutura arriscar, porque se quero acertar eu não posso nem arriscar na
'··' :cuia r. trabalhar com o que é proposto dentro do ponto de minha aula, porque de repente alguma prática pode não fun-
·. 's• , dessa estrut ura e acrescent-ar cois.Çls, eu achei interessan- cionar. E como é que eu lido com isso, como professor e como
t<: J : rescentar um pouco do meu processo criativo, não só do um profissional que quer oferecer o. melhor?
po Mo de vista de um trabalho individual, mas de um trabalho É talvez até oferecer um belo de um fracasso para ser ana-
did ,- tico que eu vejo como uma possibilidade artística. Então, lisado, fala r assim: olha isso aqui não funcionou, vamos pensar
tem momentos da aula, que acho que são momentos pura- por que não funcionou, E acaba virando uma .aula super in- .
mente estéticos. que todo.s ali conseguem entrar numa expe- teressante. Pra mim o fracasso é i~so, é .i nerente a quem está
riêr. ja de desfrute estético coletivo, que é muito interessante, investigando bem. Comparando às outras áreas, gosto muito
seja na montagem d~ unia cena pra ser desenhada, seja numa de C:)mentar isso com os meus alúnos, às vezes eles ficam com
prática de desenho que é .feita jun~o. que reverbera um som, muito medo de fazer um desenho errado ... ah mais não vai
sabe? É iss~, e no meu trabalho acontece, esse trabalho que funcionar. Eu comento olha, se nem na medicina as pessoas
a gente está fazendo aqui, ele é um pouco disso, porque essa es;:áo ... e las erram, e erram feio, pois tem o caso di'! talidomida
próp ria estrutura desse teatrinho eu coloquei dentro de sala de que era um remédio que as pessoas começaram a toma r e os
aula. foi um êxito. filhos nasciam deformados. a gente tem uma geração de pes-
::: é curioso porque tem pessoas q ue tem medo disso, poxa soas deformadas que foram vítimas da talidomida. Um erro de
.•. EL vou colocar meu trabalho para virar prática didáti~a? "-1as, investigação científico- médico, que.não poderia errar, mas
por e xemplo, não houve problema nenhum, só enriqyecimen- err::>u, errou feio. Agora, por exemplo se você faz um traba- ·
to, na maneira como cada pessoa trabalhou com essa estrutu- lho artfstico que é um verdadeiro fracasso, ningwém vai morrer
ra. [ espertou interesse em algumas, em outras não despertou por c:=usa disso, as conse quências pra humanidade não vão ser
interesse nenhum. Mas de qualquer maneira o conteúdo que as,im tão terríveis. Acho importante, todo mundo que investi-.
cu queria trabalha r naquele momento utilizando essa estrurura ga bem, com seriedade é passível de cometer fracassos e tem
func:onou muito bem, então acho. interessante pensar nisso, que estar aberto pra isso, porque ~enão você fica no -limite do
não do ponto de vista de catequizqr alguém ou qu e "' que a cor~eto, e no conhecimento o correto é pouco. Se estou que-
pessüa acredite nas minhas verdades. mas de levar uma prática rendo lidar com conhecimento mesmo, se ficar dentro dessa
a qual eu estou experimentando e acredito pra uma experiên- perspectiva eu não avanço,.eu não experimento coisas.
cia coletiva do ponto de vista da investigação estética.
Daniela Fico numa. dificuldade de denominar o que é que
Daniela São poucos professores que eu vejo falar disso, mas . eu sou dentro dessa prática que tenho. Essa coisa... Artes Plásti-
já te vi falando: sobre lidar com o fracasso, acolher o fracasso, cas/Artes Visuais/Professor/Artista. Você se coloca como artista.
acolher o erro. p lástico? .
Eugênio É isso. acho que é interessante porque os "es- Eugênio Detesto esse nome.
. quemôf!s" de _ens;, .o mais tradicionais não lidam com isso, tem Dani!?lil Mlis r.omo é que é if;so, tem também uma outra.
uma péssima relação com isso. Daí comento com alguns co- qupstgo: vi você falar plástico, invocando -a relação com os mate-
legas aqui na UF!v1G. por que uma dissertação, uma tese ela riai!õ. lstc traz ainda um aspecto da relação com a tradição.
tem 4ue ter êxito. por que um trabalho final de um aluno tem
Eugênio Oh, tem umas cois<;~s que são muito curiosas. eu
que -- ~r exitoso? Por que não pode ser um grande fracasso?
particularmente, gosto e não gosto desse termo artista plásti-
E aí <~ partir desse desejo de você conseguir êxito nas coisas
co. ' !ão gosto porque t em todo um estereótipo por trás disso,
você acaba estabe lecendo padrões :::le investigação que .vão
então esse estereótipo eu detesto, acho que é chato sabe, você
te levar ... que vão garantir esse €xito, de repente eles garan-
fala r pra a lguém, ah sou artista plástico, e aí já vem a pessoa e
tem. ~les estão limitando possibilidades. Então, por exemplo.
ccn;t;-ói uma imagem e. infelizmente tem um julgamento por
qnter1 mesmo estava coment3ndo com ·os alunos, do ponto
trás disso, por trás dessa imagem. Seja Favorável ou não, existe.
Je victa da investigação dentro da universidade eu só traba-
Então o termo plástico se solidifica e deix~ de ser plástico. Aí
lhei no padrão de pesquisa considerado acadêmico fazendo
um artista plástico nessa concepção é algo já muito estabele-
o me:,;trado e o doutorado, nas minhas outras pesquisas. esse
cido.
padr: :) eu não gosto, ele não funciona pra mim. Porque tem
uma •:oisa que acho muito importante que é o acaso, gosto
o plástico que eu gosto é o artista plástico como aquela
coisa moldável, quem vai trabalhar com o moldável,com o que
enqu.,nto investigador em arte. eu gosto de trabalhar com o
pode adquirir vári;;Js formas diferentes, aí acho intere,ssante.
acaso. e o acaso te propicia o êxito e o fracasso também. Tudo
Belas Artes, eu gosto, acho lindo esse nome, gosto da palavra
pode dar e rrado, mas existe uma diferença entre você execu-
belas. Não tenho nenhum problema com o belo, e o belo tam-
tar ur.1 trabalho e construir uma obra. eu penso muito nisso
bém tem uma plasticidade, pode virar feio assim de uma hora
aqui na universidade, desde quando eu era aluno. Eu pensava,

17
para outra, acho interessante, acho que o belo é mais plástico e a t radição. Como eu posso falar que um artista ... queria pegar
Aexível que o feio. O feio não tem jeito, mas o belo ele ... uma um mais antigo ainda, um, ah vamos pegar um HiE~ronymus
coisa horrível, pode ser maravilhosa. Bosch, como é que eu posso falar que aquele sujeito é passa-
Então me denominar. O que é que eu sou? Eu sou artis- do? Como é que eu posso ficar diante de um;:~ pintura, vamos
ta; D epende muito da situação das pessoas e do lugar pra eu lá pegar "O Jardim das Delícias", e conseguir não me identifi-
m e denomina r assim, então é isso, do ponto de vista profissio- car com coisas que estão ali, e achar que aquilo ali é algo que
na me nomeio como professor. Porque ganho a minha vida não me diz mais respeito, q\Je eu não tenho -mais r~lação com
como professor. Agora enquanto artista, eu não gostaria de aquelas imagens, aquelas cores, que tudo ali é pa.s sado. Então
ser um artista profissional, não gostaria de ganhar minha vida vamos um pouco mais antes da ... teve uma vez que ~u fu i numa
com os meus trabalhos artísticos, não, isso não me deixaria fe- caverna que tem ali perto. de Cocais, de Barão de Cocais, fui
liz. Porque, de alguma maneira, eu sinto que teria que fazer até com o Marcos Hill, e que era pra ver umas pintura.s de ca-
algum tipo de concessão e as pessoas pedem mesl"flO. Acho verna que nem são tão incensadas, não é a mais conhecida. E é
mar.,vilhoso alguns artistas ·que conseguem fazer isso, e~tão. chocante a experiência que você tem com aquilo ali, você fala:
vendo lá o Michel;;mgelo foi contra tado para pintar a Capela nossa, o que é isso? Sabe? Como é que eu vou me desvincular
Sistina, ele faz uma coisa assim, .e u não conseguiria fazer isso. daquilo? Porque parecia que eu estava numa catedral, ou que
Se um Papa che gasse pra mim e falasse: olha, quero que você aquilo ali tinha muito de mim, é emocionante. Sabe quando
pinte esse teto a qui assim, e aí eu já ia querer fazer coisas que você olha pra i!lguma coisa e se emociona? E você fala: nossa,
talvez não fossem ser d() agrado, e não ia conseguir sublima r, que é isso? Como que eu vou ·achar que isso é passado? Ou e
po rque acho que um Michelangelo e muitos artistas que traba- não tenho mais nada,nenhuma. ligação com isso? Então, acho
lharam, por exemplo, pra igreja. eles sublimaram. Trabalharam que tem terinos como "passado" que são vistos de uma manei-
e .n cima de um tema fechado. mas foram muito mais além, e ra meio tola. Até o próprio termo "contemporâneo", acho que
acho que eu não conseguiria, não seíia profissional o suficiente ele se engessou atualmente, porque dentro do que as pessoas
pn isso não. chamam de "contemporâneo", consigo identificar uma série de
situações que já são congeladas, é um termo .que até já é uti-
Então como profissional é professor; artista eu vejo ... me
lizado corriqueiramente. Ouando a lgumas empresas querem ,
vejo num outro lugar, que me permite trabalhar quando eu
se dizer pra frente elas usam esse termo e às vezes o raciocínio
be:n entendo. la falar isso, mas qua ndo falo isso penso. mas... ·
que está por trás do uso dessa oalavra "contemporâneo" é o
pr,Jfessor não é artista também? E aí nesse caso esse discurso
mais estúpido possível, o mais limitador possív.eL
que eu acabei de fazer se desmancharia, porque tr cualho pra
uma instituição . sinto que consigo produzir conhecimento e Então, a minha relação com tradição é isso, acho que tradi-
arre em algumas situações - nas aulas o conhecimento sem- ç ão pra mim é o conhecimento, não associo com a tradicional
pr<? é produzido e arte acho que acontece em algumas situa- fa mília mineira. Então tem palavras que elas são ... elas tem
ções dentro das salas de aula, e até na estrutura da aula. Aí eu um peso que é limitador, no caso essas palavras elas te levam
teria que falar que sou um artista profissional, que ganho com imediatamente - acho que as pessoas mais ingênuas e mais
o ' rabalho pra minha arte, e teria que voltar atrás também e inseguras, elas tem um receio muito grande dessas palavras.
pe'lsar que o lvlichelangelo também foi professor. a partir do Mas para um pesquisador elas são maravilhosas, porque quan-
momento em c; 1e ele tinha a teliê, que·pessoas aprendiam com do penso em tradição, vou nesse povo, começo lá nas caver-
e !<'! . ·O leu11ardo Da Virici e muitos artistas Je·c:efta l"Cianeira nas, e vou pi;lssando pela idade média, pela Gré-cia,. peJo Egito ..
Fo, am professores também, então essa coisa de ficar numa his- - otha q!Je pratos saborosos, e que não estão desvinculados
tória só, não poderia ser, e aí tenho ·que falar que e u sou um da nossa realidade. Tem uma visão historicista que contribui
pnfessor artista ou um artista professor. pros preconceitos, que acha que o mundo caminha em linha
Oue essa é a minha profissão. reta e sempre o melhor é o que está -:-- é o atual. O que é uma
bobagem, não tem, do ponto de vista da produção do conhe-
Daniela E a relação com a tradição? Percebo e m você um cimento, me lhor e pior, você não pode - eu acho difícil você
re:peito pelo que já foi feito, respeito pelo conhecimento que foi esta belecer o que é ruim , o que é bom.
pr )duzido. Na verdade o que consigo perceber é que há uma {ala
q ... =se repete por várias respostas. Q ue é: você evjta. engessar as
cc;sas. Não é nunca uma recusa, mas é sempre um cuidado de
não deixar as relações se tornarem limitadoras. Então,. percebo
que essa relação com a tradição vem disso também, às vezes a
gente fica nesse desejo de querer ser ·mais, ser inédito ... antes
era de vanguarda e agora é contemporâneo. Percebo que se trata
de olhar praquilo ... Então fale disso, dessa relação interessante.
Eugênio Não é assim negando o que aconteceu anterior-
mente, a gente sabe que todos os grandes investigadores eles
não pensam dessa maneira, eles tem um diálogo sim com toda

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Editora
Daniela Maura
D iagramação
Amir Brito Cadôr
IP1agens
Eugênio Pacce!li Horta e Daniela Maura
T -adução
Daniela Maura e Amir Brito Cadôr
T: 3nscrição d a ·a ntrevista
Lucas Repetto
Interlocutores
A.nir Brito Cadôr, Andréia Dulianel. Eduardo Bernardes, Eugênio Paccelli Horta, Jakeline Lins, Wilson de Avellar.
nl:mero 01
outubro de 2013
Belo Horizonte/MG
contato
danimaurasan@gmail.com

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