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Cadernos de Estudo

o aprender  o ensinar  a arte


o aprender
o ensinar ções). Estou fazendo uma lista para possíveis papéis para um
professor: mediador, provocador, motivador, mobilizador,

a arte
potencializador, propositor de ações. Em qualquer caso, é
importante acolher a riqueza da diversidade do material hu-
mano. Vários pontos de partida, vários resultados. Essa re-
flexão sobre acolher o outro eu desdobro ainda na pergunta:
Quem as Escolas de Arte formam? Somente artistas? Sen-
do que a resposta para tal questionamento não deve servir
como justificativa para diluir o conhecimento trabalhado nas
escolas.
Aqui um rabisco: a importância da emoção. Algo como
o amor, a solidariedade, a identidade. Toda objetividade é
A ideia para o fanzine se iniciou com o exercício de tra- muito necessária e pretensa e a subjetividade inevitável e es-
dução do capítulo 5, Ensinar e aprender como Formas de truturadora das relações objetivas com o mundo. São duas
Arte, do livro Fluxus Experience, de Hannah Higgins, pu- direções, para dentro e para fora, e de novo não se opõem e
blicado em 2002. Neste capítulo a autora trata de possíveis sim se complementam. A essa altura já começo a pensar que
contribuições do Fluxus para a pedagogia em geral. um de nossos maiores problemas é classificar tudo em ter-
A necessidade de traduzir esse texto foi consequência mos de oposições incomunicáveis e como solução paliativa
do desejo de sistematizar e de verbalizar os modos como padronizamos, homogeneizamos e hierarquizamos.
venho integrando a prática artística à prática didática na área Uma ação contrária a isso é a interdisciplinaridade, uma
de Artes Visuais. capacidade de emaranhar, desdobrar, sobrepor, colar e des-
Esta breve apresentação pretende sublinhar alguns pon- colar. A intermídia do Fluxus é uma potência para essa pes-
tos e trazer para a discussão do ensino de Artes Visuais algu- quisa. Aqui vale sublinhar que o conhecimento não se dilui,
mas questões que considero fundamentais. cada área de conhecimento a partir de um ponto-essência
se abre para diálogos com as outras. Esse é também o espa-
No exercício de tradução e de considerações dos mo-
ço para mencionar as múltiplas inteligências. Lidamos com
tivos pelos quais esse texto me interessa, sempre me vinha
o mundo usando pelo menos sete formas diferentes de in-
à memória professores com os quais convivi. A prática des-
teligência: linguística, lógico-matemática, musical, corporal-
ses professores se somava à minha leitura, não como uma
-sinestésica, espacial, interpessoal e intrapessoal em graus
ilustração mas como uma corporificação, sobrepondo outros
variados. Por que tendemos a ensinar de um único modo?
tempos e espaços: cada minuto, luz do dia, olhares, dúvidas,
O planejamento de aula de um Professor Artista não deveria
conversas, ações, relações com o grupo. Daí, a presença de
estar atrelado aos seus processos de criação artística e aos
uma entrevista.
processos de criação de seus alunos? As habilidades indivi-
Em decorrência desse exercício de leitura e tradução, duais de cada um devem ser estimuladas e também devemos
um primeiro ponto para marcar é a valorização da experiên- nos arriscar em campos que não dominamos.
cia primária, que desdobro para o que denomino prática ou
E por falar em habilidade, há uma grande mácula na for-
fazer. Uma inteligência que vem do corpo em contato direto
mação em Artes Visuais que é o Dom. O Dom como uma
com as plasticidades do mundo em um dado tempo vivido.
facilidade para algo, e que pode ou não ser bem utilizado.
Entre o fazer e o pensar, que se encontram num mesmo pla-
Como vejo a formação em Artes Visuais, trata-se muito mais
no, podemos traçar uma rede de linhas.
de uma questão que defino como Vocação: um desejo, uma
Essa imagem talvez auxilie num outro desenho: o da re- necessidade de realizar o trabalho. Nós que entramos nesse
lação entre prática artística e a prática didática e aqui tam- percurso das Artes Visuais temos todos uma necessidade de
bém não há hierarquias. Há, sim, complementaridade que praticar a estruturação do mundo através de uma questão
garante entusiasmo e capacidade criativa. A não ser nos ca- plástica, o que pode nos permitir atuar em várias áreas. Per-
sos em que ensinar seja apenas um modo de ganhar a vida e cebam que assim fica muito mais fácil considerar a formação
não um aspecto crucial de sua prática artística. de quem inclusive não quer ser e não será artista.
A horizontalização se amplia até um outro plano, que Estas reflexões partem da área de Artes Visuais, se ex-
são as abordagens comunitárias e coletivas, ou seja, o co- pandem para a Educação e para nossa atuação e relação
nhecimento que se constrói junto ao outro, fundamentando- com o conhecimento no mundo. Apresento a seguir a pri-
-se no repertório e no imaginário do grupo. Não se trata de meira parte da tradução do Capítulo 5, Ensinar e aprender
ditar como o mundo deve ser experienciado, não se trata de como Formas de Arte, e em seguida uma entrevista com o
homogeneizar (e esta é uma grande habilidade das Institui- Professor Artista Eugênio Paccelli Horta.

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Ensinar e
aprender sinou arte na Academia de Dusseldorf durante praticamente

como
toda sua carreira artística, disse: “Ser professor é minha maior
obra de arte.” Para Kaprow e Beuys, ensinar não é apenas um
modo de ganhar a vida, em vez disso, é um aspecto crucial
de sua prática artística. Esta distinção é importante, pois im-

formas de
plica em um fundamento altamente motivado, e, por exten-
são, criativo, para suas respectivas pedagogias.
Na sua introdução para Teaching and learning as perfo-
ming arts, Robert Filliou descreve a aplicabilidade do Fluxus,

arte
e de outras formas de arte semelhantes, em uma pedagogia
experimental: “O propósito deste estudo é mostrar como al-
guns problemas inerentes ao ensino e à aprendizagem podem
ser resolvidos, ou, digamos, facilitados, através da prática de
técnicas participativas desenvolvidas por artistas em muitos
campos: happenings, events, action poetry, ambientes, poesia
visual, filmes, performances de rua, música não-instrumental,
jogos, correspondências etc.” Como Beuys coloca na parte
I do livro de Filliou: “A concepção ampliada de arte inclui
toda ação humana.” Do mesmo modo, John Dewey destaca
O fato de que a experiência Fluxus existe no âmbito da o envolvimento experiencial quando descreve o artista como
Arte indica que a experiência em si tem alguma importância o criador de experiências e o público como cocriador: “Nos
para esse campo — a informação primária é um contraponto tornamos artistas nós mesmos quando... nossa própria expe-
positivo em relação à esmagadora preferência na cultura oci- riência é reorientada.”
dental pelas formas secundárias de informação e análise. A
experiência Fluxus, portanto, tem uma função discursiva, ela Seguindo essas ideias, Filliou, em um convite literal para
tem o seu significado dentro do contexto de um argumento o leitor criativo (afinal, a leitura também é uma forma de
— mesmo que dada sua base na informação primária e na sua performance), deixa aproximadamente um terço do seu livro
estrutura compartilhada, ela não consegue dizer qualquer vazio. O espaço, ele explica, é direcionado para a interação
outra coisa de modo consistente. do leitor: “É claro que o leitor é livre para não fazer uso deste
espaço. Mas espera-se que ele esteja disposto a entrar no
A seguir, gostaria de falar sobre essa função discursiva. jogo da escrita como um performer ao invés de um mero es-
Em particular, vou explorar algumas possíveis aplicações da pectador... Este é um grande livro curto para se continuar
experiência Fluxus e o ideal comunitário, indo além do Flu- escrevendo em casa.”
xus, e mesmo além do mundo da arte. Para isso, desenvolve-
rei um modelo pedagógico amplo baseado na pedagogia ex- É claro que experiências coproduzidas são mais fáceis de
perimental de muitos artistas do Fluxus ou, de algum modo, dizer do que de fazer. Nesse projeto pedagógico, no entan-
ligados a ele. Isso não é apenas uma estratégia de ação, mas to, a experiência Fluxus tem um valor especial, ao promover,
tem uma justificativa histórica: o Fluxus, afinal, originou-se em primeiro lugar, um aprendizado experiencial, mas tam-
de certo modo nas aulas de John Cage em Nova York (e bém uma exploração interdisciplinar, um estudo autodirigi-
em menor grau nas aulas de Stockhausen, em Dusseldorf), do, um trabalho coletivo e trocas de ideias não-hierárquicas.
e muitas figuras associadas ao Fluxus posteriormente passa- Finalmente, ao promover tal liberdade, evita-se a influência
ram a ver sua arte através das lentes da pedagogia. homogeneizante de instituições formais de ensino e de aca-
demias de arte. Tal abordagem para a educação, além disso,
não precisa ser informacionalmente fraca ou estruturalmente
Considerações gerais indisciplinada. Pelo contrário, na modalidade Fluxus, a in-
Um artista, apesar de não ser uma figura central do Flu- formação (incluindo fatos científicos e históricos) é tratada
xus, dedicou muitos de seus talentos à educação. Allan Ka- como uma forma de conhecimento entre outras, todas elas
prow frequentou o curso de composição de Cage na New podendo fazer parte da produção de uma experiência atra-
School, em 1957; ele já era professor no campus Douglass, vés do mecanismo criativo chamado arte.
na Universidade de Rutgers, quando se juntaram a ele os ar- Uma abordagem comunitária também é importante
tistas Geoffrey Hendricks e Robert Watts, ambos ligados ao nesse projeto. Numa entrevista no livro de Filliou, John Cage
Fluxus. Kaprow depois se transferiu para a Cal Arts, na Uni- argumenta que “quanto maior o número de pessoas, maior a
versidade da Califórnia, em San Diego. Como professor de quantidade de troca de informação ou de experiências; esta
arte, ele pensava que seu papel era envolver os estudantes é exatamente a situação que agora vivemos, a de abundância
numa atitude crítica; em um “Manifesto” ele escreveu que de ideias e experiências”. Para Cage, ensinar e aprender são
“quando a arte se torna menos arte, ela assume o papel da atividades que caminham juntas, com um grupo de pessoas
filosofia como crítica da vida”. Do mesmo modo, Joseph trabalhando igualmente para realizar uma transformação ati-
Beuys, um artista tardiamente associado ao Fluxus, que en- va no materialmente diversificado ambiente humano.

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Seu uso da frase “abundância de ideias e experiências” plicada por essa declaração, que é ao mesmo tempo cele-
para caracterizar o que está sendo trocado traz um grande bradora de diferenças individuais, sugere uma variedade de
e acessível universo de materiais para troca. Esses materiais encontros possíveis entre realidades objetivas e subjetivas,
não são apenas os tradicionais, como livros e informação es- observações racionais e experiências emocionais, e identida-
pecializada, mas todas as formas de invenção humana: mo- des pessoais, políticas e cívicas, tendo como resultado dese-
delos poéticos ou conceituais, música, comida, dança, até jado um “senso de solidariedade”. O professor de educação
mesmo a interação direta com o ambiente local, para apenas e neurologia Howard Gardner, da Universidade de Harvard,
citar alguns. Enfim, tais modos de troca não-literária formam estudando o problema das diferenças individuais num ní-
a base ontológica da narrativa humana. vel cognitivo, teorizou que os seres humanos lidam com o
O valor do aprendizado reside, portanto, em questionar mundo usando pelo menos sete formas de inteligência fun-
ativamente os materiais do seu próprio ambiente, com uma damentalmente diferentes. Além das formas linguísticas e
atitude expansiva e profusa. Neste ponto de vista, não pode lógico-matemáticas privilegiadas pelos testes padronizados
haver uma perspectiva única do que constitui o ambiente: em todos os níveis do sistema educacional do primeiro mun-
o conhecimento adquirido por um questionamento ativo é do, os seres humanos também possuem inteligência musical,
relacional, promovendo uma apreciação de interesses, obje- corporal-cinestésica, espacial, interpessoal e intrapessoal em
tivos e experiências singulares e compartilhados. graus variados.
Tal aprendizado tem como objetivo um entendimento A inteligência linguística é a habilidade de sintetizar e
mútuo (que é distinto do acordo), um ponto que vai contra brincar com a linguagem: é o dom dos poetas. A inteligên-
os modelos tradicionais de educação em que os experts di- cia lógico-matemática é a habilidade de raciocinar, discer-
tam como o mundo deve ser experienciado. Como afirma a nir padrões matemáticos abstratos ou elaborar uma teoria
crítica educacional D. Emily Hicks, emprestando de Gilles científica: é o dom dos cientistas e talvez seja a forma de
Deleuze e Félix Guattari a noção, carregada politicamente, inteligência mais valorizada no Ocidente hoje. A inteligên-
de sujeito desterritorializado: “Tomar decisões compartilha- cia musical envolve padrões tonais e suas relações: é o dom
das é mais parecido com tomar lugar num ambiente em que dos compositores e dos cancionistas. Através da inteligência
sujeitos com uma multiplicidade de perspectivas são capazes corporal-cinestésica, resolvemos problemas usando o nosso
de se engajar em encontros prazerosos.” Do mesmo modo, corpo: é o dom de bailarinos e atletas. A inteligência espacial
Kaprow descreve os benefícios emocionais de um tal siste- permite lidar com o espaço mentalmente e fisicamente: é o
ma intersubjetivo quando declara que “a experiência de todo dom dos marinheiros, cirurgiões, engenheiros, escultores e
mundo deve, de algum modo, estar conectada com o amor pintores. As inteligências interpessoal e intrapessoal envol-
de cada um, o que quer que isso seja”. A comunidade im- vem a habilidade de compreender os outros e a si mesmo,

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respectivamente: a primeira é o dom dos professores, políti- dão um forte crédito ao enganosamente simples “amor”
cos, clérigos e vendedores e em algum grau todos nós pos- como chave para o aprendizado de Kaprow. De fato eu te-
suímos o dom da última. nho visto isso repetidamente em meus próprios alunos: as
Gardner propõe uma efetiva reforma no ensino funda- coisas começam a despertar para eles quando se sentem
mental e médio através de currículos individualizados dirigi- apaixonados pelo material, quando eles o amam. Apren-
dos às formas de inteligência dominantes encontradas em der, em outras palavras, envolve compromissos: para uma
cada estudante, o que permitiria, através dos interesses e identidade interna em desenvolvimento (seja a sua própria
dos talentos naturais, um maior acesso individual ao mun- ou a dos outros), para um sentido de lugar, seja no mundo
do dos fatos. Como ele diz: “As inteligências são potenciais social ou neste planeta. Educação, no melhor dos casos, é
ou inclinações que são ou não realizados... A inteligência, ou transacional e performativa para professores e alunos: pois é
inteligências, sempre são uma interação entre as inclinações apenas através dessas transações, dessas performances que
biológicas e as oportunidades de aprendizado que existem nós criamos o nosso senso subjetivo de sentido de vida com-
em uma cultura.” Uma vez que as inclinações variam imen- partilhado.
samente, a instrução deve incluir muitas formas diferentes De acordo com o teórico da educação Danny Wildeme-
de comunicação: “Pois mesmo que os próprios cursos sejam ersch (escrevendo sobre educação de adultos):
regulamentados, não há motivo para se ensinar do mesmo Aprender pode ser entendido como um processo de
modo... Uma aula de história pode ser apresentada através troca contínua entre vida-mundo dos sujeitos e a rea-
de modos de conhecimento linguístico, lógico, espacial e/ou lidade objetiva, que está presente na sociedade como
pessoal, até mesmo uma aula de geometria pode se basear um todo. Os agentes mais importantes desse proces-
em competência espacial, lógica, linguística ou numérica.” so de troca são os grupos que fazem parte do mundo
E não nos esqueçamos das emoções que, do mesmo externo objetivo, mas ao mesmo tempo estão ligados
modo, tem um papel importante no aprendizado e na recep- intimamente à realidade subjetiva de uma pessoa. É es-
tividade, de acordo com a teoria de Gardner. Como outro pecialmente o processo de interação entre indivíduos
teórico da educação, David Gerlenter, que escreve (sobre e os grupos a que pertencem que permite a mediação
a inteligência artificial): “As emoções não são uma forma de entre um mundo objetivo e subjetivo... Os grupos a que
pensamento, nem um modo adicional de pensar, nem um pertencemos, como eles são compostos de muitas rea-
bônus cognitivo especial, mas são fundamentais para o pen- lidades subjetivas, representam segmentos da realidade
samento”. objetiva que são relevantes ao entendimento subjetivo
As inclinações naturais de Gardner e as observações de da vida.
Gerlenter de que as emoções subjazem todo pensamento

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Longe da pretensa objetividade e baseado nos modelos artista, ou ainda tentar fazer uma história da arte dirigida para
atuais de ensino superior, Wildemeersch afirma a importân- a inteligência espacial? É lógico que uma cultura tão diversa
cia de uma função interpretativa que conecte a realidade como a nossa poderia se beneficiar ao educar todas as for-
subjetiva e objetiva: “Podemos pensar em uma educação mas de inteligência. Nós podemos, como afirma Stephen J.
de adultos (...) como um diálogo transacional entre parti- Gould, aprender uma coisa ou duas com a evolução e o valor
cipantes que trazem para o encontro experiências, atitudes da biodiversidade para a continuidade da vida no planeta.
e diferentes modos de olhar para os seus mundos pessoal, Mas o que dizer da expertise, que afinal de contas en-
profissional, político e recreativo e uma grande variedade de frenta uma certa ameaça diante de uma forte valorização da
propósitos, orientações e expectativas diversas.” O objetivo aprendizagem experiencial? Talvez seja melhor perguntar —
de toda educação de fato deve ser estabelecer um senso de deixando de lado o medo de perder nosso trabalho — para
continuidade entre o self e o mundo. O oposto dessa abor- que servem realmente os padrões de expertise? Leon Bots-
dagem produz alienação, como Beuys cruamente declara: tein, presidente do Bard College, aponta as causas econômi-
“O homem encara o seu companheiro como um estranho.” cas para a atual estrutura de poder e o impulso em direção
Este modelo educacional, que busca agrupar o nosso à especialização no ensino superior: “Os departamentos que
self objetivo e subjetivo (normalmente dividido), com cer- são os centros de poder nos colégios e universidades não
teza suscita problemas para os assim chamados standards vão abandonar o seu controle sobre o tempo dos estudantes
movement, especialmente quando se aplica ao ensino supe- porque o tempo significa matrículas, e matrículas significa
rior e ao processo em que o futuro sucesso é “quantificado” dinheiro e cargos na universidade, e estes dois itens juntos
por testes padronizados (por exemplo, SAT e GRE). Como constituem poder e influência.” Ele continua, trazendo para a
aponta o jornalista e economista Peter Sacks: “Os testes tra- reflexão a teoria das múltiplas inteligências de Gardner assim
dicionais reforçam uma rotina passiva de aprendizado de fa- como a noção de “amor”, de Kaprow: “As faculdades pos-
tos e fórmulas em oposição ao pensamento crítico ativo que suem uma oportunidade que acarreta consequências cívicas
muitos educadores agora acreditam que deve ser encoraja- e é completamente independente do sistema de especializa-
do nas escolas.” Assim, essa fixação em testes como porta de ção (...) Desenvolver a disciplina e autoconfiança seriamente
entrada para uma educação avançada reforça não apenas a além da mera aparência sempre significa privilegiar um as-
sobrevalorização das formas de inteligência lógico-matemá- sunto sobre outro. Isso quer dizer que os estudantes pode-
tica e linguística, mas também padroniza as mentes dos es- riam seguir o curso natural dos seus próprios interesses.”
tudantes e roubam outras habilidades críticas e criativas que E isso traz outra questão: é possível teorizar a ideia de
eles precisam ter para lidar com o mundo complexo de hoje. intermídia do Fluxus como um campo fértil para interações
O psicólogo ambiental Edward S. Reed coloca deste modo: de múltiplas inteligências, e também como um modo de ir
“Como todas as nossas oportunidades para experiências pri- além dos talentos naturais de cada um? Eu diria absoluta-
márias diminuem, desde as habilidades manuais e sociais até mente que sim.
o aprendizado sobre natureza, sociedade ou trabalho, nos
Imagine um mecanismo aberto de diagramas para abor-
tornamos cada vez mais incapazes de atuar no mundo real”.
dagens pedagógicas dentro das linhas do “Intermedia Chart”
Psicólogos cognitivos distinguem entre pensamento de (gráfico intermídia), permitindo um tipo de treinamento
“superfície”, que requer apenas resposta rápida e repetição, cognitivo cruzado através da criatividade exploratória. Eu vi
e pensamento cognitivo “profundo”, “que envolve a síntese um manual de atividades para aplicar a teoria das múltiplas
e a análise de uma variedade de fontes de informação para inteligências na sala de aula da escola primária que começa
interpretar um dado, resolver um problema complicado, e a se aproximar dessa ideia. São muitos os paralelos com Flu-
possivelmente até mesmo criar algo novo e interessante”. A xkits e Events, com instruções para fazer caixas de cheirar,
cultura de testes, que evita o reino bagunçado de informa- por exemplo, ou para medir objetos cotidianos tendo como
ções processadas empiricamente e das múltiplas inteligên- referência objetos logicamente não relacionados (expres-
cias, promove a superficialidade cognitiva. Essa situação é, sando o tamanho de uma luva utilizando como medida de
no mínimo, irritante, dada a importância para a democracia comprimento clipes de papel, por exemplo). Uma correlação
de uma preparação intelectual verdadeira. Muitos estudan- particularmente forte existe em uma série de exercícios de
tes inteligentes, mas “fora do padrão”, são afastados, ostraci- “poema sensorial” que resultam em poemas com o formato
zados ou deixados fora deste sistema (nos termos de Ricks, das coisas ou expressando experiências ricas que envolvem
eles são “empurrados para fora”), e até mesmo entre os que visão, audição, tato, paladar ou cheiro. Os exercícios (que
aderem ao sistema pode haver estudantes com pouca ou ne- lembram muito “gêneros de vanguarda”, como a poesia visu-
nhuma profundidade de pensamento. al) trabalham diferentes formas de inteligência, combinando
Essas questões permanecem em grande medida igno- habilidades literárias com as inteligências espacial e cinesté-
radas na academia, uma situação que considero particular- sica.
mente aflitiva nas humanidades. Como podemos reverenciar Assim como a teoria da intermídia pode ser aplicada
a produção criativa de nossos poetas e artistas, músicos e em sala de aula, também a teoria das múltiplas inteligências
dançarinos, se falhamos em estabelecer modos efetivos de pode ser utilizada para compreender produções Fluxus. Por
cultivo dessas formas associadas de inteligência? Não deve- exemplo, o Fluxkit Valoche / A Flux Travel Aid, de George
ria haver algum valor em aprender história da arte com um Brecht, envolve uma clara interação de inteligências espacial

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e lógico-matemática. A própria partitura de Event – como
as Piano Activities (1962), de Philip Corner, uma peça que
tem os performers escalando o piano e movendo-se pelo
chão – utiliza as inteligências musical, linguística, espacial
e corporal-cinestésica, assim como um tipo de “inteligência
cultural”, pois interage com expectativas culturais da música
e da performance.
A professora de biologia Carla Hannaford tem estudado
um mecanismo de retroalimentação cognitiva estruturador
da inteligência corporal-cinestésica, chamado de proprio-
cepção, que “dá o retorno necessário para manter otimizada
a contração e o relaxamento dos músculos em equilíbrio em
nosso ambiente”. Quando a propriocepção é maximizada
através do movimento autoconsciente (em oposição ao mo-
vimento incidental) ocorre um relaxamento, centramento e
um significativo aumento na receptividade e atividade cere-
bral em todos os lugares associados com as várias formas de
inteligência. Ao completarem uma série de 26 exercícios fí-
sicos dirigidos (agrupados em um programa chamado “Brain
Gym”), estudantes com dificuldade de aprendizagem, can-
sados ou mais lentos foram capazes de obter êxito em áreas
aparentemente sem relação entre si. Isso ocorre porque o
córtex cerebral, que cobre o cerebrum como uma casca de
laranja, é estimulado pelo movimento e serve como um fil-
tro e distribuidor de todas as informações sensoriais (exceto
cheiro) para o complexo de lobos que constitui o cérebro.
As implicações para a educação são vastas: os diferentes
tipos de inteligência ativam umas as outras quando recebem
o estímulo e a interação adequados. Hannaford descreve,
por exemplo, como o senso de toque aumenta o potencial
de aprendizagem em outras partes do cérebro: “Meus alu-
nos na faculdade comentaram que ter argila disponível para
manipular durante uma palestra permitiu a eles guardar in-
formação mais facilmente. Em qualquer situação em que o
toque esteja combinado com os outros sentidos, muito mais
partes do cérebro são ativadas, construindo assim uma rede
nervosa mais complexa e atingindo um potencial maior de
aprendizagem.” Imagine uma Finger Box em cada carteira!
Em um nível secundário, o estudo interdisciplinar tam-
bém pode ser importante. Ele vai além do mero salpicar de
um assunto com tempero de outro, na esperança de que
alguém que esteja interessado em, digamos, literatura pos-
sa se interessar por matemática. Muitos objetos e Fluxus
Events podem ser entendidos como a expressão material da
interdisciplinaridade, pois criam oportunidades para um jogo
expandido e interativo de diversas funções cognitivas. De
fato, as múltiplas inteligências, especialmente com ênfase
nas inteligências interpessoal e intrapessoal, e a interdiscipli-
naridade podem muito bem permitir aos estudantes aplicar
a sua base de conhecimento em suas próprias vidas. Como
descrito por Leon Botstein, esta função do ensino superior
rotineiramente negligenciada deveria ser o seu propósito
primário: “Em sua forma ideal, os anos de graduação deve-
riam ser o tempo em que um indivíduo, como adulto, liga
o aprendizado com a vida... naquele clássico par freudiano
amor e trabalho.”

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Eugênio Eugênio
Paccelli Paccelli
Horta Horta
Eugênio Paccelli Horta Artista e Professor do Departa- Daniela Mas e a passagem da dança para o desenho,
mento de Desenho da Escola de Belas Artes, UFMG. como é que foi?
Daniela Maura Artista e Professora. Eugênio Ah, eu acho que na verdade tudo é quase a
mesma coisa. Daí voltando pra infância tinham coisas que
Entrevista realizada em 10 de setembro de 2013. eu gostava de desenhar, gostava de desenhar na areia, por
exemplo. Na minha infância morei num subúrbio de Belo
Horizonte que misturava essas coisas, você tinha acesso a
Daniela Então, uma primeira questão que pensei é como coisas de uma capital, mas vivia também numa roça. Então
e quando você percebeu seu interesse pelas Artes Visuais? tinha campo, gramado enorme, tinha áreas de areia. Nessa
Pode ser desde um acontecimento na infância ou em qualquer época gostava muito de desenhar com as duas mãos, fazen-
outro momento. do desenhos assim ... como é que fala, aquela coisa, quando
um lado é parecido com outro? Simetria. É eu adorava fa-
Eugênio Na infância não sei dizer conscientemente,
zer desenhos simétricos, usando a mão, e gostava muito de
mas já sabia que gostava. Eu gostava de desenhar. Então, já
desenhar com pedras no chão de casa, no quintal. E tinha
era uma presença das Artes Visuais. E tem dois eventos que
desenhos de grande proporção também, eles naturalmen-
gosto muito de lembrar com relação a essa coisa da experi-
te traziam isso, essa coisa do próprio corpo, essa ideia do
mentação, da imaginação.
próprio corpo em ação. Mas, a pergunta é sobre a dança, a
Um foi uma vez na roça, tinha uma menina que co-
relação que eu faço de dança com o desenho.
mentou comigo que conseguia desenhar um pato debaixo
Daniela Hum, hum.
d’água, submerso na água. Eu achei isso superinteressante e
Eugênio É isso, acho que tem a ver com a intenção do
pedi para ela me mostrar, aí, ela pegou uma pedra irregular
movimento. Pra desenhar você pensa no movimento tam-
e fez o desenho de dois patos, e eram uns patos debaixo
bém. Tem a imagem mais estereotipada do desenhista que
d’água, achei o máximo, os efeitos, a ideia de usar um outro
talvez venha pela ideia da iluminura, que é uma pessoa que
material, uma pedra pra fazer um desenho com uma linha
desenha, que faz os desenhos sentado. Mas isso é uma re-
torta, achei superinteressante.
lação equivocada com o desenho, ainda mais do ponto de
Quando criança gostava de ficar brincando num cam- vista histórico, se a gente for pensar nas coisas mais primá-
po que tinha perto da minha casa, com raízes de árvores e rias, em desenhos que eram feitos em cavernas, em lugares
ficava imaginando, arrancava as raízes da grama e tinha for- de grande proporção, e que tinham a demanda com o corpo
mas muito interessantes. Essa era uma coleção de bonecos que era grande. Então a relação que faço é essa, talvez por
que eu tinha, e ficava ali muito tempo brincando com isso ter tido uma formação institucional mais forte com a dança,
e imaginando as formas. Então, mais inconscientemente foi e depois ter entrado na universidade pra trabalhar o desenho
assim que percebi, nessas situações, que eu tinha um gosto eu tenha criado essa relação com o corpo em movimento de
por essa coisa do inventar, criar a partir da imaginação. Com maneira mais explícita, ou talvez a universidade não tenha
coisas muito simples eu conseguia criar universos, pra uma me condicionado a pensar o desenho daquela forma estáti-
criança, muito sofisticados e desse jogo eu gostava muito. ca, assim sentado na mesa desenhando.
Conscientemente, fui descobrir que gostava de arte Daniela Por que hoje você desenha e não dança? Uma
quando comecei a fazer dança, achei muito interessante, foi vez você comentou da questão de que o trabalho plástico deixa
quase que um vício, e pra mim o mais interessante não era alguma coisa, um vestígio.
nem pensar do ponto de vista profissional. Tinha isso tam- Eugênio É, por exemplo, se eu for olhar do ponto de
bém, mas era algo não só prazeroso, era vital, descobri que vista separando as práticas de uma forma mais explícita eu
eu não podia viver sem aquilo. Foram nesses momentos que poderia dizer que eu não danço mais. Mas se eu for pensar o
comecei... Quando criança pensava muito, falava muito que desenho de uma maneira mais ampla, eu poderia dizer que
queria ser desenhista quando crescesse, mas foi na dança, eu nunca deixei de dançar, que na verdade a minha prática
mais tarde, que pensei mesmo que poderia ter uma vida pro- de desenho aqui na escola foi uma continuidade. Tanto que
fissional com a arte. A origem é mais ou menos essa. até nas aulas isso acaba acontecendo. E é uma coisa inte-
ressante que cria uma demanda muito grande na escola, os

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alunos têm um desejo muito grande de fazer a disciplina. Eu Na dança eu acho difícil essa percepção, eu percebo só mais
acho que posso pensar nas duas práticas enquanto dança. atualmente. Sinto que é preciso maturidade, e é muito curio-
Mas a prática do desenho utilizando os materiais do dese- so, porque, por exemplo, no caso da dança do ponto de vista
nho, deixa um registro gráfico que a dança na maior parte profissional, e até algumas pessoas acreditam muito nisso,
das vezes não deixa, e esse registro, poderei chamar de ma- você tem uma idade pra dançar. Eu não vejo um grupo de
téria, ele atende uma demanda minha particular que durante dança com a média de idade de 50, 60, 70 anos, gostaria
um tempo a dança deixou de preencher, que é o desejo de até de participar de algum, ou então fundar um grupo assim.
ter um registro explícito do seu trabalho, que possa servir até Mas eu acho que essa coisa do registro é importante
como uma referência crítica. No caso da dança tem esse re- sim. No caso pra você ter uma referência sobre a sua prática.
gistro em vídeo, mas, na minha opinião, não é dança é vídeo.
Respondida sua pergunta? Daniela A importância da técnica. Como é que você vê
isso, a relação com a técnica?
Daniela Eu estava pensando em uma questão, que não
vejo você falar muito sobre, mas percebo essa questão pre- Eugênio A técnica é saber fazer, é conhecimento tam-
sente, que é a importância da prática. Seja a sua prática de bém. Não vejo técnica como condicionamento, porque mui-
produzir imagens, ou a dos alunos em aula. Peço para que você ta gente acha que é; condicionamento é diferente, técnica
fale um pouco disso, da importância da prática na formação. você pensa, ela está associada a conhecimento anterior, en-
Da relação com a técnica. Da relação com os materiais. Do tão são formas de fazer. E se quero, por exemplo, pintar e sei
tempo nisso. que existe a possibilidade de determinadas tintas e determi-
nados pincéis, eu acho que meu vocabulário amplia, não só
Eugênio Tá. Então eu vou falar pra você desta forma
do ponto de vista pessoal, mas de entender uma prática que
aí. Eu acho que nada, nenhuma ideia, nenhum pensamento
é anterior à minha. Então, eu acho que a técnica nos leva a
vem gratuitamente. Acho que ele passa por um empirismo,
pensar que outras pessoas fizeram, pensaram determinadas
por experiências, por uma relação próxima com as coisas, por
possibilidades.
ter os sentidos atuantes. Por exemplo, com relação ao dese-
nho que tem muito a ver com o movimento, acho difícil você Mas talvez num período modernista do ensino, a técnica
pensar sobre ele lendo um livro. Nas minhas experiências es- virou um “vilão”, uma prática condicionante e a pessoa ti-
pecíficas com o desenho nunca encontrei uma definição de nha que ser espontânea, e a partir dessa espontaneidade ela
desenho no livro, mas sim na prática, nela consigo encontrar criaria, mas eu não acredito só nessa espontaneidade, como
uma definição que é indizível, que não está no universo das professor eu não acredito, acho que inclusive ela é até peri-
palavras. Então, pra mim, a prática é importante pra isso, pra gosa, porque às vezes a pessoa acha que está sendo espon-
você ter um contato com essa inteligência que é distinta. tânea e ela está condicionada a um vício individual próprio,
É muito curioso porque fico pesquisando livros de de- um vício pessoal, uma forma de fazer muito restrita. Quando
senho pra mostrar pros alunos e nenhum é satisfatório o su- você tem um universo das possibilidades técnicas à sua fren-
ficiente, tem livros muito bons, mas nenhum dá conta dessa te você percebe que tem muita coisa pra ser investigada, que
coisa do desenho, nada é tão completo quanto a prática o que você faz já foi pensado, já foi estudado, e é isso.
mesmo. Você sentar, ou caminhar, ou desenhar. Desenhar Daniela Um comentário que vi você fazendo e não resisti
da maneira como é, da maneira mais possível. Aí eu fico de lembrar, que é sobre como nas aulas a proposta, que é uma
pensando, mas não dá para desenhar com o pensamento? só, acolhe resultados muito diferentes dos alunos. Eu acho que
Dá. Mas, aí, por exemplo, na minha opinião atualmente o isso também revela uma relação enriquecedora com a técnica
desenho precisa de uma, uma ... acho que eu ia falar uma num certo sentido.
coisa contraditória, meio que precisa de uma matéria. Mas
não, se eu penso a dança, se eu penso que dança é desenho Eugênio Pra mim, vejo a técnica como algo que amplia,
também, então eu não posso exigir essa matéria do desenho, até no caso da experiência com dança é interessante, porque
não acho que todo o desenho tem que ter. Mas percebo que tem as escolas diferentes, existem escolas de dança moder-
do ponto de vista didático a matéria é importante, esse traço, na, escolas de dança clássica, e agora atualmente algumas
esse registro, acho que é legal. pessoas comentam sobre a técnica da dança contemporâ-
nea, que eu acho que é até questionável, há várias proposi-
Daniela Acho que essa matéria auxilia a dar corpo a um ções muito questionáveis, mas, por exemplo, eu tive um en-
processo, para que o aluno possa refletir sobre ele depois. tendimento muito interessante sobre equilíbrio, planos, com
Tem uma coisa da dança que é interessante e perigosa a experiência da dança clássica.
ao mesmo tempo, que é um condicionamento pra realizar Enquanto homem contemporâneo, a dança clássica
determinados movimentos ou determinadas proposições na abriu muitas perspectivas pra mim, eu fico pensando se to-
dança, tem que se estar condicionado. Uma coisa que eu não das as pessoas tivessem possibilidade de ter acesso a esse
acredito no desenho, tem gente que acha que sim, que você tipo de prática ligada a determinado século, e que ainda fun-
tem que ter condicionamento para fazer determinados tipos ciona, tanto que ainda tem gente fazendo dança clássica, ex-
de desenho, mas eu não acredito nisso. perimentando. Tem coreógrafos ditos contemporâneos que
Mas, acho que o próprio registro dessa matéria...ela é trabalham especificamente com a dança clássica. No caso da
o registro material para a reflexão, que te leva de repente Pina Bausch, as audições pra participar do grupo dela consis-
a entender de maneira mais rápida o seu processo criativo. tem em fazer sequências de dança clássica. A gente percebe

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essa técnica nos próprios bailarinos, a gente vê que eles têm Daniela Admiro o modo como, em seu trabalho, sua prá-
um conhecimento da dança clássica. tica de desenho estrutura a sua aula, e como a aula te devolve
É muito notável pra quem já trabalhou um pouco com coisas pra sua prática. Podia falar, nem que fosse do prazer que
isso, acho que existe condicionamento e existe técnica, e são tem nisso.
duas coisas muito diferentes, e às vezes a pessoa acha que Eugênio É, acho que essa foi a coisa mais legal, que ao
é espontânea não usando técnica, mas ela está condiciona- longo do tempo aconteceu. Acho que no Brasil existe um
da, e às vezes a pessoa tem muita técnica e não tem ne- preconceito muito grande com essa ideia do professor, do
nhum condicionamento. Assim como os grandes bailarinos, ensino. O brasileiro tem uma relação difícil com o aprendi-
o Baryshnikov, por exemplo, que você vê que é uma pessoa zado, pra começo de conversa é uma profissão que não é
que tem um conhecimento técnico muito grande do próprio valorizada, por ninguém. Não acho que é só pelo governo
corpo, das práticas de dança, mas que consegue ... não tem não, acho que é pelo povo também, de um modo geral. E
condicionamento nenhum, você não vê isso nele. acho que a educação é vista muito do ponto de vista do trei-
namento, ela não é formativa, é pra treinar.
Daniela E como é que foi se perceber professor?
Vejo alunos que entram aqui na escola que foram treina-
Eugênio Me perceber professor? dos pra passar no vestibular, mas eles não conseguem falar
Daniela É. nada sobre si próprios, o mundo em que eles vivem. Tem
esse condicionamento do ensino também que reflete na
Eugênio Ontem me perguntaram isso, ah, eu nunca própria postura, a gente não tem alunos questionadores, são
pensei em ser professor, inclusive eu imaginava que, pen- medrosos. Eles entram dentro de uma sala de aula, eles tem
sava que seria um fracasso como professor, porque sempre medo de se expor, de contestar, dizer que não, que não acha
fui muito impaciente com o outro. Mas aí, aqui na escola tive que é isso. O que torna o ambiente mais favorável pro co-
algumas possibilidades, algumas experimentações na área nhecimento é uma postura crítica o tempo todo, e ela não é
do ensino e em lugares muito distintos. E houve um perí- colocada, então normalmente as pessoas ... o professor fala,
odo em que dei aulas de expressão corporal numa clínica o aluno cala e recebe aquilo e pronto e acabou, e tchau — es-
psiquiátrica onde as pessoas tomavam uma medicação que pera a nota no final. Mas num ambiente em que essa relação
deixava o corpo delas num estado muito específico, às vezes é mais rica todos tem a ganhar, inclusive o professor.
menos receptivo até pra ser trabalhado. Porque interferia
na coordenação motora e tudo. Acho que foi nesse período Enquanto artista, se estou num lugar onde tem um
que eu comecei a ter uma experiência mais interessante no monte de gente criando, com referências das mais diversas,
ensino, porque eu tinha que ser alguém muito atraente, mui- origens das mais diversas, gente que veio de Israel, como
to sedutor pra conseguir trabalhar com essas pessoas. E aí de eu tenho uma aluna agora e um aluno que veio do sertão,
repente descobri um lado teatral de ser professor, tem um que trabalhava lá na plantação com os pais. É muito fértil pra
lado lúdico de você conseguir ... não sei se a palavra é captar, quem está criando.
mas, despertar a atenção do outro. Eu acho que tem um lado Sobre meu processo foi a partir de proposições de en-
professor que é meio circense, que eu acho muito legal. E é sino em um festival de inverno que se sucedeu em aplicar
divertido, então eu me divirto sendo professor. algumas dessas práticas, que ligavam a experiência da dança
E aqui na escola teve outra questão, quando eu comecei com o desenho, dentro da sala de aula. Procurei observar
a dar aula notei uma resposta dos alunos, e aí você começa as demandas dos alunos, cada um tem uma demanda mui-
a perceber que ... um diálogo, você começa a criar um diálo- to específica, e mesmo que tenham um objetivo comum é
go com o outro. Que de repente a situação, você está num interessante procurar atender também objetivos que são di-
lugar, mas ela se inverte, você começa a aprender com as versos.
pessoas também, porque você está em contato com formas Já tive alunos que vieram da Geografia, da Comuni-
de pensar distintas, às vezes um aluno resolve, ele tem uma cação, e alunos aqui da escola e são pessoas que tem um
solução que é diferente, que você não imaginava. Então, tem mesmo interesse, mas com desejos de aplicar isso de forma
esse lado sedutor de ser professor, de ter contato com mui- distinta. Dentro de sala de aula já comecei a ter mais liberda-
tas inteligências, várias maneiras de fazer. E isso porque eu de pra trabalhar, comecei a me dar mais liberdade também
não tenho aquela visão do professor “deus’’. Aquela figura para fazer experimentações que eu acho que ... é muito fá-
que tem o conhecimento, e vai chegar lá do alto e distribuir cil como professor cair numa rotina também, terrível. Ainda
isso pros alunos, e talvez até por lidar com esse lado lúdico mais depois de muito tempo dando aula, a gente pode se
de ser professor, de você ser um pouco coringa, um malaba- sedimentar na nossa própria prática. Todas as ciências se
rista, um palhaço, um ator dramático, isso te leva pra vários transformam, o conhecimento é muito móvel.
lugares dentro da sala de aula, você pode ser até o ‘’deus’’, Então, acho que há algum problema com um profes-
mas você pode virar o “diabo’’, também vira o ‘’bufão’’, então sor que está dando a mesma aula há dez anos, o sistema de
isso te coloca em vários lugares o que te permite transitar por ensino também está há tanto tempo trabalhando da mesma
essas inteligências em níveis muito distintos. maneira, algo tem que ser pensado. Claro que existem coisas
que são clássicas, que não vão mudar, mas poxa há dez anos
E quando eu não me coloco nesse lugar único do pro- atrás eu estava comentando com você, que não tinha com-
fessor eu posso, eu me permito ser aluno também, então isso putador na escola. Você ia pagar uma conta, você entrava
é muito legal.

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numa fila, não tinha máquina pra isso, e hoje eu não consigo É essa convivência, de você dividir com o outro uma
imaginar — me imaginar sem toda essa estrutura que é muito prática artística. Aqui em Belo Horizonte teve muito isso
nova, muito recente e que faz a gente pensar de outra ma- com o Guignard também. Não que eu ache que o aluno tem
neira. que sair desenhando como um Leonardo Da Vinci, como
Os alunos que eu recebo atualmente, eles são muito di- um Michelangelo, mas eu acho que um artista professor
ferentes de alunos que tive há quinze anos atrás, mas é mui- pode dividir o seu processo e colocar o seu processo cria-
to mesmo. A maneira de raciocinar, de lidar com a imagem tivo enquanto material de reflexão dentro de sala de aula,
dessas pessoas é outra, eu não poderia jamais estar com a até pra que ele mesmo possa ser criticado. Uma coisa que
mesma aula, se eu tivesse, algum problema estaria aconte- eu falo muito com os meus alunos, eu gosto disso, eu acho
cendo comigo, e acho que isso acontece com as instituições que eles ficam mais tranquilos depois. Eu falho, olha. Vejam
também, porque elas não pensam muito a respeito. E aí, nes- meu trabalho e vejam se realmente é algo que vocês acham
se caso, acho muito interessante, apesar de não ser nenhuma interessante, porque de repente eu posso estar falando coi-
novidade o professor trazer as suas questões também dentro sas aqui, e você tomar como verdade, e aí você vai ver meu
de sala de aula e trabalhá-las, e pensar nesta criação até en- trabalho e falar não, mas eu não gosto nada disso. Então é
quanto processo didático. Eu falo que não é novo, porque eu até bom pro aluno realmente entender que aquele ser que
fico pensando nos ateliês antigos, então outro dia eu fui num está ali, está passível de ter também os seus momentos de
museu e vi um trabalho que era da escola de Leonardo Da crise, de crítica, de êxito. Acho que a gente aprende muito
Vinci, não se podia identificar a autoria, não se saberia dizer com o ser humano de um modo geral, então o convívio com
se aquilo era uma obra do Leonardo Da Vinci, mas sim que o outro é muito rico.
era da escola dele. Assim como a gente vê algumas coisas do Então, se eu posso, por exemplo, dentro de uma estru-
Aleijadinho, que não sabe se é de autoria dele, mas se não é, tura curricular, trabalhar com o que é proposto dentro do
tem a escola dele.

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ponto de vista dessa estrutura e acrescentar coisas, eu acho é que eu lido com isso, como professor e como um profissio-
interessante acrescentar um pouco do meu processo criati- nal que quer oferecer o melhor?
vo, não só do ponto de vista de um trabalho individual, mas É talvez até oferecer um belo de um fracasso para ser
de um trabalho didático que eu vejo como uma possibilidade analisado, falar assim: olha isso aqui não funcionou, vamos
artística. Então, tem momentos da aula, que acho que são pensar por que não funcionou. E acaba virando uma aula su-
momentos puramente estéticos, que todos ali conseguem perinteressante. Pra mim, o fracasso é isso, é inerente a quem
entrar numa experiência de desfrute estético coletivo, que é está investigando bem. Comparando às outras áreas, gosto
muito interessante, seja na montagem de uma cena pra ser muito de comentar isso com os meus alunos, às vezes eles fi-
desenhada, seja numa prática de desenho que é feita jun- cam com muito medo de fazer um desenho errado ... ah, mas
to, que reverbera um som, sabe? É isso, e no meu trabalho não vai funcionar. Eu comento olha, se nem na medicina as
acontece, esse trabalho que a gente está fazendo aqui, ele é pessoas estão ... elas erram, e erram feio, pois tem o caso da
um pouco disso, porque essa própria estrutura desse teatri- talidomida que era um remédio que as pessoas começaram
nho eu coloquei dentro de sala de aula, foi um êxito. a tomar e os filhos nasciam deformados, a gente tem uma
E é curioso porque tem pessoas que tem medo disso, geração de pessoas deformadas que foram vítimas da talido-
poxa ... eu vou colocar meu trabalho para virar prática didáti- mida. Um erro de investigação científica. O médico, que não
ca? Mas, por exemplo, não houve problema nenhum, só en- poderia errar, mas errou, errou feio. Agora, por exemplo, se
riquecimento, na maneira como cada pessoa trabalhou com você faz um trabalho artístico que é um verdadeiro fracasso,
essa estrutura. Despertou interesse em algumas, em outras ninguém vai morrer por causa disso, as consequências pra
não despertou interesse nenhum. Mas de qualquer maneira humanidade não vão ser assim tão terríveis. Acho importan-
o conteúdo que eu queria trabalhar naquele momento utili- te, todo mundo que investiga bem, com seriedade é passível
zando essa estrutura funcionou muito bem, então acho inte- de cometer fracassos e tem que estar aberto pra isso, porque
ressante pensar nisso, não do ponto de vista de catequizar al- senão você fica no limite do correto, e no conhecimento o
guém ou querer que a pessoa acredite nas minhas verdades, correto é pouco. Se estou querendo lidar com conhecimento
mas de levar uma prática a qual eu estou experimentando e mesmo, se ficar dentro dessa perspectiva eu não avanço, eu
acredito pra uma experiência coletiva do ponto de vista da não experimento coisas.
investigação estética.
Daniela Fico numa dificuldade de denominar o que é que
Daniela São poucos professores que eu vejo falar disso, eu sou dentro dessa prática que tenho. Essa coisa... Artes Plás-
mas já te vi falando: sobre lidar com o fracasso, acolher o fra- ticas/Artes Visuais/Professor/Artista. Você se coloca como
casso, acolher o erro. artista plástico?
Eugênio É isso, acho que é interessante porque os “es- Eugênio Detesto esse nome.
quemões’’ de ensino mais tradicionais não lidam com isso,
Daniela Mas como é que é isso, tem também uma outra
tem uma péssima relação com isso. Daí comento com al-
questão: vi você falar plástico, invocando a relação com os ma-
guns colegas aqui na UFMG, por que uma dissertação, uma
teriais. Isso traz ainda um aspecto da relação com a tradição.
tese ela tem que ter êxito, por que um trabalho final de um
aluno tem que ser exitoso? Por que não pode ser um grande Eugênio Oh, tem umas coisas que são muito curiosas,
fracasso? E aí a partir desse desejo de você conseguir êxi- eu particularmente, gosto e não gosto desse termo artista
to nas coisas você acaba estabelecendo padrões de inves- plástico. Não gosto porque tem todo um estereótipo por trás
tigação que vão te levar ... que vão garantir esse êxito, de disso, então esse estereótipo eu detesto, acho que é chato
repente eles garantem, eles estão limitando possibilidades. sabe, você falar pra alguém, ah, sou artista plástico, e aí já
Então, por exemplo, ontem mesmo estava comentando com vem a pessoa e constrói uma imagem e, infelizmente tem
os alunos, do ponto de vista da investigação dentro da uni- um julgamento por trás disso, por trás dessa imagem. Seja
versidade eu só trabalhei no padrão de pesquisa considerado favorável ou não, existe. Então o termo plástico se solidifica
acadêmico fazendo o mestrado e o doutorado, nas minhas e deixa de ser plástico. Aí um artista plástico nessa concep-
outras pesquisas, esse padrão eu não gosto, ele não funciona ção é algo já muito estabelecido.
pra mim. Porque tem uma coisa que acho muito importan- O plástico que eu gosto é o artista plástico como aquela
te que é o acaso. Gosto, enquanto investigador em arte, eu coisa moldável, quem vai trabalhar com o moldável, com o
gosto de trabalhar com o acaso, e o acaso te propicia o êxi- que pode adquirir várias formas diferentes, aí acho interes-
to e o fracasso também. Tudo pode dar errado, mas existe sante. Belas Artes, eu gosto, acho lindo esse nome, gosto da
uma diferença entre você executar um trabalho e construir palavra “belas”. Não tenho nenhum problema com o belo, e
uma obra, eu penso muito nisso aqui na universidade, desde o belo também tem uma plasticidade, pode virar feio assim
quando eu era aluno. Eu pensava, não estou aqui pra fazer de uma hora para outra, acho interessante, acho que o belo é
um trabalho, estou para construir uma história, e uma história mais plástico e flexível que o feio. O feio não tem jeito, mas o
ela é feita de fracassos também, então se eu quiser... ficar belo ele... uma coisa horrível, pode ser maravilhosa.
querendo acertar sempre, não vou poder arriscar, porque se Então me denominar. O que é que eu sou? Eu sou ar-
quero acertar eu não posso nem arriscar na minha aula, por- tista? Depende muito da situação das pessoas e do lugar pra
que de repente alguma prática pode não funcionar. E como eu me denominar assim, então é isso, do ponto de vista pro-

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fissional me nomeio como professor. Porque ganho a minha tudo ali é passado. Então vamos um pouco mais antes da ...
vida como professor. Agora enquanto artista, eu não gos- teve uma vez que eu fui numa caverna que tem ali perto de
taria de ser um artista profissional, não gostaria de ganhar Cocais, de Barão de Cocais, fui até com o Marcos Hill, e que
minha vida com os meus trabalhos artísticos, não, isso não era pra ver umas pinturas de caverna que nem são tão incen-
me deixaria feliz. Porque, de alguma maneira, eu sinto que sadas, não é a mais conhecida. E é chocante a experiência
teria que fazer algum tipo de concessão e as pessoas pedem que você tem com aquilo ali, você fala: nossa, o que é isso?
mesmo. Acho maravilhoso alguns artistas que conseguem Sabe? Como é que eu vou me desvincular daquilo? Porque
fazer isso, então vendo lá o Michelangelo foi contratado para parecia que eu estava numa catedral, ou que aquilo ali tinha
pintar a Capela Sistina, ele faz uma coisa assim, eu não con- muito de mim, é emocionante. Sabe quando você olha pra
seguiria fazer isso. Se um Papa chegasse pra mim e falasse: alguma coisa e se emociona? E você fala: nossa, que é isso?
olha, quero que você pinte esse teto aqui assim, e aí eu já ia Como que eu vou achar que isso é passado? Que não tenho
querer fazer coisas que talvez não fossem ser do agrado, e mais nada, nenhuma ligação com isso? Então, acho que tem
não ia conseguir sublimar, porque acho que um Michelange- termos como “passado” que são vistos de uma maneira meio
lo e muitos artistas que trabalharam, por exemplo, pra igreja, tola. Até o próprio termo “contemporâneo”, acho que ele
eles sublimaram. Trabalharam em cima de um tema fechado, se engessou atualmente, porque dentro do que as pessoas
mas foram muito mais além, e acho que eu não conseguiria, chamam de “contemporâneo”, consigo identificar uma sé-
não seria profissional o suficiente pra isso não. rie de situações que já são congeladas, é um termo que até
Então como profissional é professor; artista eu vejo ... me já é utilizado corriqueiramente. Quando algumas empresas
vejo num outro lugar, que me permite trabalhar quando eu querem se dizer pra frente elas usam esse termo e às vezes o
bem entendo. Ia falar isso, mas quando falo isso penso, mas... raciocínio que está por trás do uso dessa palavra “contempo-
professor não é artista também? E aí nesse caso esse discurso râneo” é o mais estúpido possível, o mais limitador possível.
que eu acabei de fazer se desmancharia, porque trabalho pra Então, a minha relação com tradição é isso, acho que
uma instituição, sinto que consigo produzir conhecimento tradição pra mim é o conhecimento, não associo com a tra-
e arte em algumas situações — nas aulas o conhecimento dicional família mineira. Então, tem palavras que elas são ...
sempre é produzido e arte acho que acontece em algumas elas tem um peso que é limitador, no caso essas palavras elas
situações dentro das salas de aula, e até na estrutura da aula. te levam imediatamente — acho que as pessoas mais ingênu-
Aí eu teria que falar que sou um artista profissional, que ga- as e mais inseguras, elas tem um receio muito grande dessas
nho com o trabalho pra minha arte, e teria que voltar atrás palavras. Mas, para um pesquisador, elas são maravilhosas,
também e pensar que o Michelangelo também foi professor, porque quando penso em tradição, vou nesse povo, começo
a partir do momento em que ele tinha ateliê, que pessoas lá nas cavernas e vou passando pela idade média, pela Gré-
aprendiam com ele. O Leonardo Da Vinci e muitos artistas cia, pelo Egito — olha que pratos saborosos, e que não estão
de certa maneira foram professores também, então essa coi- desvinculados da nossa realidade. Tem uma visão historicista
sa de ficar numa história só, não poderia ser, e aí tenho que que contribui pros preconceitos, que acha que o mundo ca-
falar que eu sou um professor artista ou um artista professor. minha em linha reta e sempre o melhor é o que está — é o
Que essa é a minha profissão. atual. O que é uma bobagem, não tem, do ponto de vista da
produção do conhecimento, melhor e pior, você não pode —
Daniela E a relação com a tradição? Percebo em você um eu acho difícil você estabelecer o que é ruim, o que é bom.
respeito pelo que já foi feito, respeito pelo conhecimento que
foi produzido. Na verdade, o que consigo perceber é que há
uma fala que se repete por várias respostas. Que é: você evita
engessar as coisas. Não é nunca uma recusa, mas é sempre
um cuidado de não deixar as relações se tornarem limitado-
ras. Então, percebo que essa relação com a tradição vem disso
também, às vezes a gente fica nesse desejo de querer ser mais,
ser inédito ... antes era de vanguarda e agora é contemporâ-
neo. Percebo que se trata de olhar praquilo ... Então fale disso,
dessa relação interessante.
Eugênio Não é assim negando o que aconteceu ante-
riormente, a gente sabe que todos os grandes investigado-
res, eles não pensam dessa maneira, eles tem um diálogo sim
com toda a tradição. Como eu posso falar que um artista ...
queria pegar um mais antigo ainda, um, ah, vamos pegar um
Hieronymus Bosch, como é que eu posso falar que aquele
sujeito é passado? Como é que eu posso ficar diante de uma
pintura, vamos lá pegar ‘’O Jardim das Delícias’’, e conse-
guir não me identificar com coisas que estão ali, e achar que
aquilo ali é algo que não me diz mais respeito, que eu não
tenho mais relação com aquelas imagens, aquelas cores, que

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Editora
Daniela Maura
Diagramação
Amir Brito Cadôr
Imagens
Eugênio Paccelli Horta e Daniela Maura
Tradução
Daniela Maura e Amir Brito Cadôr
Transcrição da entrevista
Lucas Repetto
Interlocutores
Amir Brito Cadôr, Andréia Dulianel, Eduardo Bernardes, Eugênio Paccelli Horta, Jakeline Lins, Wilson de Avellar.
número 01
outubro de 2013
Belo Horizonte/MG
contato
danimaurasan@gmail.com

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