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TIRANDO DE LETRA

Atuação mediadora:
uma prática integradora
e compartilhada
Maria José Pereira de Jesus Silva

Da mediação do conhecimento
à aprendizagem e à vida

C ada novo encontro, com as turmas dos


cursos do Programa Escrevendo o Fu-
turo, aponta para o instigante desafio da
atuação protagonista da minha própria for-
mação e da formação de colegas professores mudam o conceito da sala de aula, do espaço
de linguagem. Assumir esse papel me coloca e do tempo, da comunicação audiovisual, a
diante da reflexão sobre a importância da atuação mediadora carece da criação de pon-
efetiva aprendizagem da leitura e da escrita, tes entre o presencial e o virtual, o estar
e sobre o amplo papel da educação, uma junto e o estar conectado a distância (Moran,
vez que a necessidade de mais saber indica 2000). Nas participações mediadoras dos
a necessidade de um mediador que seja cursos “Sequência Didática: aprendendo
capaz de orientar para aprender como por meio de resenhas” e “Caminhos da
aprender. Nesse sentido, este relato pretende Escrita”, confirmei que ensino e aprendi-
apresentar aprendizagens capturadas a par- zagem não dependem exclusivamente de
tir das experiências enquanto professora tecnologias, mas da integração entre vida,
mediadora de cursos on-line. conhecimento, ética e reflexão.
O primeiro aprendizado desta vivência Quem faz educação sabe que o que im-
é a percepção sobre a importância de pro- pacta sobre a vida do ser humano, impacta
duzir rotas, recortes e designs educativos sobre os processos educativos. Nos am-
que produzam um saber sociocontextuali- bientes virtuais, entendo a mediação do
zado, capaz de possibilitar o avanço do conhecimento como base para a aprendi-
cursista na aprendizagem; se as tecnologias zagem e para a vida.

Maria José Pereira de Jesus Silva é formada em Letras,


Na Ponta do Lápis – ano XVI – nº- 35

especialista em Mídias e Tecnologias (PUC-RJ) e em Coordenação


Pedagógica (UFBA- BA), mediadora dos cursos on-line do
Programa Escrevendo o Futuro, e coordenadora municipal da
Olimpíada da Língua Portuguesa (Ribeira do Pombal – BA).

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Do ser e fazer-se mediador
de cursos on-line

E star nos processos educativos demanda


práticas diferentes daquelas tradicional-
mente perpetradas. Quando assumo uma
turma busco ser cada vez mais criativa, ativa “facilitador, incentivador ou motivador da
e capaz de combinar reflexões e práticas pe- aprendizagem, que se apresenta com a dis-
dagógicas que promovam a aprendizagem posição de ser uma ponte entre o aprendiz
do meu grupo. De fato, não é fácil romper e sua aprendizagem não uma ponte estáti-
práticas cristalizadas, no entanto, com apoio ca, mas uma ponte ‘rolante’, que ativamente
e orientação adequada de uma coordenação colabora para que o aprendiz chegue aos
é possível construir um perfil de mediador seus objetivos”. Realmente, o mediador
que acompanha as situações, provoca dis- tem essa função pedagógica, ao tratar um
cussões e debates, sistematiza experiências conteúdo e auxiliar o cursista a refletir so-
e coordena equipes. É essa atuação que torna bre como relacionar, organizar e discutir in-
o ambiente virtual interativo, participativo e formações com os colegas. Nessa acepção,
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colaborativo. minhas ações mediadoras buscam favore-


Nas palavras de Masetto (2000, p. 144), cer condições para a produção de conheci-
o mediador age pedagogicamente quando, mento significativo por eles, a fim de serem
em sua atitude e em seu comportamento, é capazes de realizar a transposição didática.

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capaz de promover o desequilíbrio do saber,
e, ao mesmo tempo, o conhecimento funda-
mental desejado para sua prática. Reflexiva,
por estar em contato com outras experiên-
cias, percebendo-me nas semelhanças/dife-
renças por meio de depoimentos de colegas,
conhecendo teorias e realizando atividades
que requerem o repensar das práticas. Afeti-
Por vezes esse papel não se limita à va, construída na relação de contínuo esforço
atuação pedagógica, posto que há necessi- para que o cursista não se sinta só, como se
dade de uma conexão com o universo de conversasse com uma máquina.
referências culturais dos cursistas, pressu- Sempre considerei a abordagem afetiva
pondo que minha ação, além de pautada merecedora de destaque, porque lidar com
no saber sobre como o grupo se relaciona recursos e conteúdos não familiarizados
com os conteúdos, se conecte às habilida- intimida os participantes. Além disso, a di-
des tecnológicas que já sabem usar. Portan- ficuldade do contato e do diálogo face a
to, muitas vezes é preciso atuar pedagógica face pode caracterizar um ambiente distan-
e tecnicamente. Mesmo com todo auxílio te, frio; no entanto, se eles encontram no
do suporte técnico, em muitas situações os mediador um professor com linguagem
participantes tendem a procurar o media- técnica, e também afetiva, as relações vir-
dor; quando solicitada para essas questões, tuais ganham novos sentidos. Ao longo de
minha experiência e domínio da ferramen- mais de dez anos de experiência com me-
ta me permite orientar quanto ao que deve diação de cursos on-line percebo como al-
ser feito. Tenho notado que as respostas guns grupos são mais ativos, outros nem
imediatas, a colaboração espontânea e o es- tanto, algumas turmas são muito motiva-
tar próximo criam um vínculo que contri- das e maduras, e outras ainda não alcança-
bui para a permanência de todos. ram esse nível. Procuro a proposta mais
Essa atuação técnico-pedagógica exige adequada, o equilíbrio necessário entre o
que eu faça uma abordagem de formação virtual e o afetivo, afinal, “o mais impor-
contextualizada, reflexiva e afetiva. Contex- tante é a credibilidade do professor, sua ca-
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tualizada, no sentido de fornecer aos parti- pacidade de estabelecer laços de empatia,


cipantes um conteúdo de qualidade, organi- de afeto, de colaboração, de incentivo, de
zado, abrangendo do layout à pertinência de manter o equilíbrio entre flexibilidade e or-
textos e de atividades, um repertório real, ganização” (Moran, 2000, p. 55).

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Nessa ação comunicativa, não é sufi-
ciente participar, é preciso interagir, coope-
rar, e reconhecer que muitos assuntos surgi-
rão, estilos de aprendizagem e diferentes
formas de interação ocorrerão. Atentemo-nos
para o que pensa Almeida (2003, p. 334):

Participar de um ambiente virtual digital


se aproxima do estar junto virtual, uma vez
Do tom da mediação que atuar nesse ambiente significa expres-
integradora e compartilhada sar pensamentos, tomar decisões, dialogar,
trocar informações e experiências e produzir
C onstituir uma turma curiosa, ativa e
aberta para o estudo depende não ape-
nas da qualidade do conteúdo e das ferra-
conhecimento. As interações por meio dos
recursos disponíveis no ambiente propiciam
mentas que os cursistas encontrarão no as trocas individuais e a construção de gru-
ambiente virtual, mas também, do acolhi- pos colaborativos que interagem, discutem
mento do mediador, criando uma relação problemáticas e temas de interesses comuns,
de confiança e parceria. E, claro, cabe ao pesquisam e criam produtos ao mesmo tempo
inscrito responsabilidade e empenho para que se desenvolvem.
a construção mútua dessa relação.
A organização da ação comunicativa Dessa maneira, o modo como procuro
que estabeleço com meu grupo preza muito estabelecer a relação de confiança, equilí-
pelo domínio de formas de interação e inter- brio e empatia com os diferentes grupos tem
venção nas múltiplas dimensões do saber. me ofertado como resposta que esse modo
Num diálogo constante com eles busco de olhar e conduzir favorece os melhores
orientar, esclarecer, contornar ou estimular resultados. Ainda que seja impossível es-
a participação. A presencialidade – via chat, gotar as possibilidades da relação entre
mensagem privada, intervenção nos fóruns mediador e cursista, tenho amadurecido
ou feedbacks – focaliza uma comunicação alternativas que me parecem encurtar o
que seja bem cuidada, adequada e eficaz. espaço dessa relação, como: apresentação
Ao conectar-me com participantes de pessoal e acolhimento afetuoso; mensa-
diferentes lugares tenho a oportunidade de gens individuais, reconhecendo a atuação
conhecer um universo de referências cul- e orientando quanto às dificuldades ou aos
turais, pressupondo ações capazes de rela- progressos (é significativo usar o nome
cionar habilidades que dominam com dele nessas mensagens); valorização das
aquelas que serão desenvolvidas durante o participações que agregam o aprofunda-
curso. Não é tarefa fácil quando as turmas mento do estudo; incentivo à investigação
são numerosas, mas atenta às participações reflexiva e autônoma.
e ao desempenho individual de cada um,
somados a uma orientação de coordenação
do curso que mantém uma postura firme,
Das possibilidades
equilibrada e afetiva me sinto em condi- da atuação mediadora
ções para também atuar lado a lado do cur-
sista, em condições de apropriação signifi-
cativa. É importante reafirmar que, além
E ncontrei no diálogo constante uma
prática consistente para atuar como
mediadora da aprendizagem, porque ao
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de sentir sua experiência cotidiana e sua trocar experiências nos fóruns, debater dú-
identidade cultural valorizadas, o partici- vidas e problemas suscitados, estabeleço
pante precisa perceber o quanto o conteúdo um canal efetivo da reflexão sobre a práti-
estudado é útil para sua prática. ca. Essa atuação conclama uma postura em

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que linguagem, pensamento e ação estão in-
timamente (inter)relacionados. Nesse viés,
as ferramentas síncronas e assíncronas me
ajudam a criar um canal de diálogo capaz
de potencializar suas funções pedagógicas que carecem de um olhar específico em
e alcançar os participantes. função de abordagem equivocada ou que
O uso de ferramentas síncronas me pos- favoreça novas e enriquecedoras discus-
sibilita uma intervenção rápida, pontual, sões) ou coletivas (fazendo-se um apanha-
sobre um tema ou uma dúvida. Os chats, do do que já foi dito).
disponíveis nos cursos “Sequência Didá- Na mensagem de abertura convoco a
tica: aprendendo por meio de resenhas” e turma e retomo a comanda da tarefa, com
“Caminhos da Escrita”, por exemplo, con- orientações claras e enxutas. Nas interven-
sentem um atendimento personalizado. ções, provoco a discussão sobre determina-
Contudo, exige rapidez na compreensão do assunto que surgiu e incentivo a abertura
das mensagens e habilidade para sintetizar, de novos tópicos, por meio de aspectos
organizar e responder ao cursista de maneira ainda não alcançados. E, na mensagem de
clara, compreensível. fechamento, busco compor uma síntese clara
As ferramentas assíncronas, disponíveis que reúna vozes dos participantes e construa
em cursos como “Leitura vai, escrita vem”, uma relação sinalizadora das convergências
auxiliam na discussão de temas e na apren- e divergências de posições do grupo.
dizagem de conteúdos em tempos distin-
tos, com a vantagem da flexibilização de
horário, de lugar, de condução do ritmo in-
Da beleza que o mediador
dividual e da reflexão. Para que atendam à não dá conta de ver sozinho
sua finalidade de comunicação e de con-
textualização, precisam ser exploradas por
meio de feedbacks de participação.
E star e ser mediadora de cursos on-line
tem me oportunizado desconstruir luga-
res-comuns do meu saber e da minha forma-
Ao criar uma rotina de feedbacks con- ção, me movimento do lugar distante que
sigo interagir e auxiliar os inscritos na estou para estar próxima às singularidades
construção dos seus próprios saberes. Tais de meus cursistas, para buscar a sensibilida-
devolutivas podem ser enviadas por men- de e a inovação necessária a fim de construir
sagens privadas (para dar retorno imediato uma rede de sustentação à prática. É a vivên-
sobre uma dúvida, identificar equívocos cia, a mobilização das emoções, o aprender
ou propor correções), mensagens coletivas no uso dos recursos tecnológicos, a expe-
(para orientar sobre etapas do processo) e riência como base para a formação que criam
devolutivas sobre o desempenho em tare- o verdadeiro ambiente virtual de aprendiza-
fas (para alertar quanto à necessidade de se gem: integrado e compartilhado.
atender aos critérios de avaliação). Na experiência substancial dos cursos
Percebo como os participantes ficam on-line do Programa Escrevendo o Futuro,
surpresos ao receber seus feedbacks, não se aprendo sobre a importância de ter um cur-
trata apenas da apresentação de um con- so com conteúdo que favoreça o repertório
ceito vazio, mas de um diálogo consistente formativo dos participantes numa proposta
daquilo que foi apresentado com ideias alinhada à prática, do valoroso resultado
abordadas no curso. que se tem quando uma equipe de mediado-
Nos fóruns, à medida que a participa- res conta com uma coordenação que acom-
ção ocorre, realizo intervenções planeja- panha, integra e orienta, com firmeza e deli-
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das, com o intuito do compartilhamento cadeza, e, quando o grupo de mediadores


de experiências e discussão de conceitos se compromete com a formação de todos
fundamentados no curso. Essas conversas os participantes. Quem já participou dos
geralmente são individuais (em situações cursos do Programa Escrevendo o Futuro

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sabe bem o impacto positivo sobre sua
formação, além do conteúdo nutritivo e
inspirador, a atuação mediadora humaniza
o ambiente tecnológico, e esse é o grande
diferencial. da complexidade na organização de suas
Quando entro em uma turma acredi- rotinas, da emoção quando concluem, com
tando que já conheço muito do conteúdo e êxito, um curso. Um mediador se emociona
das ferramentas da plataforma, encerro com quando vê o progresso de sua turma, intri-
a certeza de que ainda há muito a saber. ga-se nas conclusões sobre a transposição
Aprendo nesses cursos em parceria, coope- didática, cuida com responsabilidade do
rando e aceitando colaborações, acolhendo desempenho dos participantes, comemora
críticas e afetividades: belezas da mediação. os bons resultados após dias lendo, relendo
Nas palavras de Bartolomeu Campos e dando feedbacks, diverte-se com as con-
de Queirós: “A beleza é tudo aquilo que versas nos fóruns e sente a necessidade de
você não dá conta de ver sozinho...”, e por dividir as belezas da mediação.
não dar conta sozinho da beleza das apren- Do lado da tela ressoam vozes mediado-
dizagens, nós, mediadores, dividimos conhe- ras, que fazem brotar o saber sobre a beleza
cimentos e sentidos. singular que é guiar pessoas em uma expe-
Um mediador sabe dos ventos e das riência de curso on-line. Uma beleza que
tempestades que seus cursistas enfrentam, não damos conta de ver sozinhos, e, por isto,
das adversidades no uso das tecnologias, fazemo-na transbordar e a compartilhamos.

Referências
ALMEIDA, Maria Elizabeth Bianconcini de. “Educação a distância na internet: abordagens e contribuições dos ambientes
digitais de aprendizagem”. Educação e Pesquisa, v. 29, nº 2, 2003, pp. 327-340.
MASETTO, Marcos T. “Mediação pedagógica e o uso da tecnologia”, in: Moran, José Manuel (org.). Novas tecnologias e
Na Ponta do Lápis – ano XVI – nº- 35

mediação pedagógica. Campinas: Papirus, 2000, pp. 133-172.


MORAN, José Manuel (org.). Novas tecnologias e mediação pedagógica. Campinas: Papirus, 2000.
QUEIRÓS, Bartolomeu Campos de. “A infância e o livro”. Instituto Ecofuturo. Disponível em <http://ecofuturo.org.br/
a-infancia-e-o-livro>. Acesso em 2 de maio de 2020.

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