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CAMPUS DE ARARAQUARA
Araraquara, 2005.
FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS
CAMPUS DE ARARAQUARA
Araraquara, 2005.
I
Vieira, Patrícia Lia. TUTORIA: RESPONSABILIDADE, AUTONOMIA, CONVIVÊNCIA.
Araraquara, 2005, 19 p., monografia apresentada à Faculdade de Ciências e Letras do
Campus de Araraquara da Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos
para conclusão do Curso de Especialização, em nível de pós-graduação latu sensu, em
Planejamento e Gestão de Organizações Educacionais.
RESUMO
ABSTRACT
This work, through a bibliographic research and an interview with Mr. Jose
Pacheco, mentor of the tutorial system at the Escola da Ponte, in Portugal, has the objective
of showing the educational system under the perspective of the tutorial method and its
benefits. It shows the role of the tutorial system and classroom assemblies in the success in
developing individuals and future adults who know to act assertively through the
responsability, autonomy and living together. Specially destined to the educators that show
unquitness when the subject is the development of the pulpils as a human beeing and as a
person that will work in the tecnological world, full of uncertainness and competition.
Fernando Pessoa
III
1 Introdução....................................................................................01
6 Considerações finais....................................................................37
7 Referências...................................................................................39
Introdução
A palavra tutoria tem sua origem ligada ao sistema jurídico e implica na autoridade
conferida pela lei para cuidar, proteger, defender, amparar, dirigir e supervisionar o
indivíduo. É o exercício do tutor.
Há diversas definições para tutoria e tutor. O dicionário de língua define o tutor
como um indivíduo encarregado de guiar quem necessita de apoio ou amparo.
Segundo Pere Arnaiz (2002, p. 15 - 16), existem várias definições para “tutoria” e
“tutor”:
A. Lázaro e J. Asensi reúnem diferentes definições: “É um professor [...]
que se encarrega de atender diversos aspectos que não são
suficientemente tratados nas aulas” (Artigot). “Tutor é o professor, o
educador integral de um grupo de alunos” (Benavent). “Pessoa que
aconselha em tudo o que se refere à educação” (Schamalfus). “A tutoria é
uma atividade inerente à função do professor, que se realiza individual e
coletivamente com alunos de uma sala de aula, a fim de facilitar a
integração pessoal nos processos de aprendizagem” (Lázaro e Asensi).
“A tutoria é uma ação de ajuda ou orientação ao aluno que o professor
pode realizar além de sua própria ação docente e paralelamente a ela” (S.
Sánchez).
Como pôde ser observado tutor é o responsável pelo acompanhamento,
direcionamento e supervisão do indivíduo. No uso pedagógico corrente, tutor é aquele que
propulsiona, coordena e facilita a orientação das aprendizagens e das atividades de um
indivíduo por meio de um diálogo intersubjetivo. O termo é amplamente utilizado na
bibliografia de Educação à Distância (EAD) referindo-se quase sempre ao elemento que
atua como facilitador, isto é, tutor é o representante de todo o curso junto aos alunos. Tem
domínio do conteúdo e formação para avaliar o aluno, bem como é responsável por
proporcionar apoio pedagógico e operacional. Do ponto de vista histórico, Monroe (apud
MORAES..., 2005) cita que na idade média surgiu a figura do bacharel medieval que
desempenhava funções de tutoria em relação aos estudantes. Ainda na idade média, nos
mosteiros, os monges assumiam as funções de tutoria quando era preciso trabalhar a
questão disciplinar e educacional dos noviços. Esse método foi amplamente utilizado em
colégios internos, lares educacionais, seminários, colônias de férias e universidades, onde
estudantes desempenhavam o papel de assistentes responsáveis pelo estudo e pela
disciplina de seus colegas. Aos estudantes que desempenhavam o papel de guia ou
conselheiro também era dado o nome de prefeito, tutor, decurião ou instrutor. Ao longo da
história, o termo tutoria é citado como uma forma de monitoria quando associada à guarda
legal dos estudantes.
Voltando ao sistema de tutoria, tratado neste trabalho, o professor-tutor tem o papel
de integrar alunos, professores e família. Ele é um interlocutor provocativo, que questiona e
ensina como estudar e pesquisar. Exerce várias funções em diferentes ambientes, tais como:
professor orientador, coordenador de turma, professor de classe, professor coordenador,
preceptor e tutor. Sua presença e intervenção pode facilitar o processo de ensino-
aprendizagem e, como base para a ação tutorial, deve ter a intenção de ensinar a pensar,
ensinar a ser pessoa, ensinar a conviver, ensinar a comportar-se e a decidir-se. A ação
tutorial para ser concretizada deve ser registrada e analisada em todo o seu processo, pois
essa relação com o aluno é construída através das intenções que vão se tornando ações. O
professor-tutor é um educador em formação permanente, pois assume o papel de
pesquisador, gestor, formador, agente de feedback, avaliador, motivador, técnico,
orientador e especialista em relações humanas.
Segundo P. Arnaiz (2002), a construção de cada ser humano, de cada professor e de
cada aluno requer um grande esforço; não é trabalho de um dia, é um esforço que exige a
interação de todos. Para ele, existe o perigo de se traçar um perfil tão excelente que seja
impossível para os tutores, levando-os a desistirem no primeiro obstáculo. O perfil tem de
ajustar-se a dois parâmetros: o que faz referência aos fatores de seu desenvolvimento
pessoal e o que se refere às atuações do professor-tutor como profissional de ensino. A
auto-estima e a percepção positiva pessoal dos alunos e das relações humanas são
fundamentais, pois não podemos assegurar uma ajuda interna ao aluno quando há
professores debilitados.
P. Arnaiz (2002, p. 16) ainda faz referência aos ensinamentos proporcionados por
Carl R. Rogers, que, segundo aquele:
[...] nos ajudarão a crescer como pessoas desde que sejamos capazes de
entender que tal processo é aperfeiçoável:
Em minha relação com as outras pessoas, aprendi que não me ajuda em
nada comportar-me como se eu fosse diferente do que sou. Sou mais
eficiente quando consigo ouvir-me com tolerância e ser eu mesmo.
Descobri o enorme valor de permitir-me compreender outra pessoa.
Descobri que, abrir canais por meio dos quais os demais possam
comunicar seus sentimentos, seu mundo perceptivo privado, me
enriquece. Foi gratificante para mim, em grande medida, o fato de poder
aceitar o outro. Quanto mais me abro para as minhas realidades e as da
outra pessoa, menos desejo de regular as coisas.
A teoria rogeriana é adequada para a análise que está sendo realizada, pois é preciso
fazer o bem primeiro a nós mesmos.
Nas reuniões de troca de experiência com tutores discute-se sobre os afazeres e
elabora-se listas de tudo que o tutor tem de realizar. É comum escutar: “Se tiver de fazer
tudo isso...”, “Não sou capaz de tutorar meus alunos”, “É preciso desburocratizar” - quando
se referem ao planejamento, “Não sei se vou continuar sendo tutor”, “ Não tenho formação
para exercer esta função”, entre outras.
O autor menciona que quando uma pessoa se coloca à distância, com a perspectiva
do tempo e do espaço, é normal que lhe venha à mente expressões como as citadas acima.
Com isso, tenho refletido se essa aparente inaptidão pessoal ou falta de preparo consiste em
um certo medo de não saber fazer e do receio de que haverá muito trabalho.
P. Arnaiz (2002, p. 17) nos conta que a LOGSE (Lei Orgânica Geral do Sistema
Educativo Espanhol) determina, no artigo 60, que: A tutoria e a orientação dos alunos farão
parte da função docente. Cabe às escolas a coordenação dessas atividades. Cada grupo de alunos
terá um professor-tutor.
Esta lei obrigou de certa forma os professores espanhóis se prepararem para exercer
a função de tutor. No Brasil, ocupamos uma posição muito confortável nas escolas, onde
temos a chance de escolher em continuar fazendo sempre a mesma coisa ou optar por um
sistema de educação mais eficaz, como a tutoria, que tem como objetivo auxiliar o aluno
em sua aprendizagem, que proporciona ao aluno a coragem de perguntar, de inquirir o
professor e de cogitar outras possibilidades. Enfim, permite ao aluno aprender a fazer, a
construir seu espaço e a criar um clima de paz e bem-estar social, culminando com o
exercício da verdadeira democracia.
Quanto aos diferentes tipos de tutoria temos:
a. A tutoria individual: O professor-tutor deve conhecer a situação de cada aluno, ajudá-lo
pessoalmente, orientá-lo no planejamento, na execução de suas tarefas escolares, na escolha
de estudos e profissões de acordo com seus interesses. Um dos aspectos mais valiosos na
tutoria individual é a auto-estima, a visão positiva que o aluno tem de si mesmo. O aluno
com uma boa auto-estima atua de forma independente, assume responsabilidades, enfrenta
novos desafios, vibra com seu progresso, tolera melhor suas frustrações e se sente seguro
para ajudar os outros.
b. A tutoria de grupo: O tutor ajuda um grupo de alunos, geralmente em sala de aula, na
orientação do currículo e na participação ativa na vida escolar. Colabora com os professores
que também intervêm nesse grupo de alunos, mantendo-os informados sobre cada aluno
específico. Proporciona a troca de informação entre os pais e a escola e favorece a
participação dos pais nos processos de decisão do aluno.
c. A tutoria técnica: Refere-se à responsabilidade que a direção atribui aos professores que
não foram designados como tutores de um grupo de alunos. Entre as tutorias técnicas pode
figurar a coordenação das experiências pedagógicas e didáticas, que são as atividades de
formação permanente, organização e manutenção dos laboratórios, da biblioteca, etc.
d. A tutoria da diversidade: Supõe-se que o tutor leve em conta que não exista uma
pedagogia do aluno médio ou do aluno-padrão, mas de cada aluno específico, com
capacidades, habilidades e ritmos de aprendizagem diferentes. A tutoria da diversidade é
um grande desafio pedagógico em uma sociedade como a nossa, que se mostra plural.
e. A tutoria de prática profissional: É normalmente orientada para cada ramo de formação
profissional de ensino médio. O tutor de orientação profissional é responsável pelo controle
e acompanhamento da prática nas empresas em regime de convênio. Este tipo de tutoria
implica em responsabilidades por parte da escola e das empresas envolvidas.
Estes cinco tipos de tutoria se adaptam melhor, mas não exclusivamente, ao ensino
médio.
Finalidades e dinâmicas da ação tutorial (AT)
Para P. Arnaiz (2002), tutoria e ação tutorial são dois conceitos complementares que
significam o conjunto das atuações de orientação pessoal, acadêmica e profissional
formulado pelos professores com a colaboração dos alunos e da própria instituição.
De acordo com a LOGSE - Lei Orgânica do Sistema Educativo Espanhol – (apud
ARNAIZ, 2002) no artigo 60, a função docente inclui também a tutoria e a orientação
pessoal, acadêmica e profissional aos alunos. Essa função do professor que é tão clara no
âmbito da legislação não é tão nítida no âmbito da prática, isto é, ainda há professores que
não compreenderam na íntegra como desenvolver a função de professor-tutor no seu dia-a-
dia.
P. Arnaiz (2002) considera que muitos autores possuem coincidentes percepções nas
três dimensões da ação tutorial: a pessoal, a escolar e a profissionalizante.
Os três principais objetivos da ação tutorial (AT) são:
1. A orientação pessoal: tem como finalidade proporcionar ao aluno uma formação
integral, facilitando seu autoconhecimento, sua adaptação e a tomada de decisões
conscientes.
2. A orientação acadêmica: o tutor ajudará o aluno a superar suas dificuldades
relacionadas aos hábitos e às metodologias de estudos e em seu convívio em sala de
aula.
3. A orientação profissional: pretende que o aluno consiga fazer uma escolha profissional
de acordo com sua personalidade, suas aptidões e seus interesses. Além disso, o tutor
ajudará o aluno a conhecer a si mesmo.
Estes objetivos têm de ser fundamentados em situações concretas, onde a escola e as
equipes de professores e tutores irão buscar estratégias e recursos para traçarem o
planejamento e a organização da AT em cada sala de aula. Ajudar o aluno para que ele
saiba informar-se, para que ele saiba o que realmente quer e as possibilidades de que dispõe
é tarefa do professor-tutor. A equipe de professores, a instituição escolar e a família têm de
facilitar essa tarefa. A AT comporta uma atenção individual e pessoal de cada aluno, isto é,
tem como objetivo atender às particularidades de cada aluno.
A partir da AT, o professor-tutor pode proporcionar os meios e recursos, programar
os planos de ação, conversar com o aluno para conhecer sua situação acadêmica, organizar
as sessões de orientação profissional, preparar reuniões sobre a tomada de decisões,
contatar especialistas que discutam temas de interesses do aluno, aplicar programas
formadores aos diferentes grupos de alunos e outras ações. Tudo isso é possível se a escola,
como instituição, conta com uma equipe integrada e utiliza o potencial humano e
profissional dos professores, alunos e pais.
Um dos aspectos mais importantes em qualquer trabalho educativo é a relação
humana que se estabelece entre o professor e seus alunos. Os alunos precisam de uma
pessoa que seja o interlocutor entre a equipe de professores, os pais e eles próprios, que os
orientem no momento de planejar o trabalho, nos estudos, no âmbito pessoal e profissional.
Na maioria dos casos, a função de tutor não traz reconhecimento financeiro, nem
profissional, e também não traz redução de carga horária. Quando tal tarefa tão importante
e complexa é deixada para o professor agir pela própria vontade e consciência profissional,
aparecem tipos muito distintos de tutores, desde aqueles que não acreditam absolutamente
que as tarefas descritas façam parte de seu papel profissional, até aqueles que incorporam
tarefas de atenção e acompanhamento profissional que ultrapassam sua função,
confundindo-se com outros papéis como familiares, terapêuticos e outros.
É necessária uma boa preparação para exercer a função de tutor. Esta preparação é
tão importante quanto à preparação para exercer a docência. Se um profissional não pode
exercer a tutoria, tampouco pode ser professor.
Segundo Francesc Notó (2002), dispor de estratégias e de certos conhecimentos
seguramente melhora a ação tutorial, portanto, a formação e a atualização de
conhecimentos facilita esta tarefa. Mas, a preparação indispensável é a vontade. Estar
disposto a assumir tal tarefa é o primeiro passo. A má tutoria está associada aos professores
que não querem ser tutores. Essa afirmação do autor é observada e confirmada por gestores
no cotidiano das escolas.
Para que os tutores possam realizar sua função, eles têm de dispor do máximo de
informação sobre cada um de seus tutorados. É preciso dedicar um tempo para que
aconteça esta troca de informações com os colegas que também atendem os alunos e, se
possível, decidir conjuntamente as intervenções necessárias para melhorar o processo
educativo dos alunos.
Atualmente, um dos maiores problemas enfrentados nas escolas é não dispor de
tempo suficiente para a troca de informações sobre cada aluno e para decidir sobre quais
intervenções devem ser realizadas. Muitas vezes, o pouco tempo de que dispomos nas
reuniões acaba sendo utilizado para falar sempre de alguns alunos, especialmente aqueles
que causam muitos problemas; esses alunos monopolizam toda discussão e nem sempre se
consegue decidir sobre intervenções proveitosas e, assim, não sobra tempo para falar de
alunos nas quais intervenções relativamente fáceis podem produzir uma resposta favorável
em seu processo de aprendizagem. Sendo assim, comete-se sempre o mesmo erro de focar
nos problemas e não nas soluções.
Os professores quando falam sobre seus alunos tendem a serem muito descritivos e
a relatarem o que eles fazem, tais como travessuras, grosserias ou falta de compromisso,
geralmente algo que os tiram do sério. Deste modo, as reuniões tornam-se sessões de
terapia, ficando claro as lamentações, a impotência e as poucas propostas apresentadas para
realizar as intervenções necessárias. É importante que o educador aprenda a ser mais
objetivo e pensar nas intervenções e nas soluções para as situações ocorridas no cotidiano
das escolas.
Capítulo II
As assembléias de sala de aula
Na sua concepção, qual o perfil que um professor deve ter para ser tutor e
olhar para o aluno de forma diferenciada?
“Nós estamos ainda na procura deste perfil, estamos a construir. O que nós já
observamos e já concluímos é que na formação inicial do professor, algo falha na
preparação desse profissional. Existe uma lacuna na formação inicial que se mantém na
dita formação não-inicial. Temos que ter muita prudência para fechar um perfil. Embora
nós já tenhamos um conjunto de atribuições do tutor, o perfil não está definido.
Minha intenção inicial, já há muitos anos, era de criar um dispositivo (vamos falar
assim) que fosse facilitador da articulação entre o projecto de vida que as famílias tinham
para seus filhos e o projecto que a Ponte oferecia. Um dispositivo que ajudasse a criar
vínculos afectivos, que ajudassem na solução de alguns problemas com que as crianças se
defrontam.
Devo lembrar que, na região onde trabalhamos, muitas famílias estão afetadas por
problemas tremendos. E, para muitos alunos que nem pais têm, o tutor surge como um
interlocutor entre a Ponte e a instituição onde a criança está alojada, a psicóloga, a
assistente social.
Outra das dimensões da tutoria é a relação de um grupo restrito de alunos com um
professor. Esse professor pode, também, ser facilitador de integração de outros
professores na equipa. Muitos professores que chegam à Ponte não vêm preparados para
trabalhar devidamente o projecto, só trazem consigo boa-vontade e uma formação
deficiente (quando não vêm afectados com vícios de “ensino tradicional”). Esses
professores passam por uma fase de observação, a que se segue uma fase de trabalho de
pares. E é aqui que o professor que está na Ponte há mais tempo pode agir como tutor do
professor “iniciante”.
O professor-tutor é uma pessoa que ajuda a auto-regulação das aprendizagens, não
somente na sua área de especialidade, mas no quadro dos projetos que seus tutorandos
estão desenvolvendo, nas consultas de fichas de registro da avaliação formativa, nas
conversas com os professores especialistas de diferentes áreas e no atendimento do seu
tutorando para saber se das dúvidas, problemas, dificuldades, êxitos…
A atribuição mais importante do professor-tutor talvez seja o “escolarizar a
família” (entre aspas e num bom sentido…). O professor-tutor recebe muita informação do
aluno relativamente à sua vida familiar. Muitas crianças interiorizam sentimentos de
culpa, a partir da vivência de conflitos familiares que ela não consegue explicar. Se o tutor
conseguir, discretamente, interferir nesse quadro, pode ajudar os pais dos alunos a
tomarem consciência desses fenómenos, e ajudar a reduzir a apatia que se apossa do aluno
preocupado com situações que não controla, nem compreende.”
Você diz que “Escola é o lugar de criança feliz e professor alegre”. Este espaço
que é a escola deveria estimular o “ser brincante” que é a criança. Por que após um
tempo de contato com a escola, a criança passa a não mais gostar de estar nesse
espaço?
“Começa logo no primeiro momento, quando a criança chega na escola e é
obrigada a se sentar, a estar imóvel, durante uma hora e meia, a deixar de ter ritmo
próprio, a deixar de ser ela própria. Estou a falar de crianças ditas normais, detentoras de
competência para decidir o que querem fazer, desde que devidamente orientadas. Se a
aprendizagem tem sentido para elas, elas se envolvem. E um dos papéis de um orientador
educativo é, exactamente, o de suscitar a curiosidade, desafiar...
Houve um ano em que fiz uma experiência, que nunca mais repeti e em alguns
casos considerei ter sido, de algum modo, cruel. As crianças chegavam, no primeiro dia de
escola, e eu perguntava-lhes (com carinho…): “Que é que vens fazer aqui? Por que vens
para a escola?” E não lhes permitia que entrassem, enquanto não me explicassem. Fui
registrando as respostas: “Venho porque o meu pai me mandou, venho porque já não vou
mais para a escolinha pequenina, venho porque quero aprender”. Quando eu os
provocava: “Aprender o que?”, eles ficavam a olhar para mim, encolhiam os ombros e só
eram honestos (honestos no sentido em que não traziam frase feita ou clichê) os que
diziam: “Vim para estar com os amigos, vim para brincar com os amigos, vim porque
tenho amigos e quero brincar com eles, eu quero entrar porque meus amigos estão lá
dentro”.
A criança é jogo, é “brincar”, mas a escola também serve para transmitir cultura,
assegurar aprendizagens… Se, antes, ela não tem qualquer razão para ir à escola,
descobrirá razões, o sentido da escola. O primeiro será o brincar com os outros, o estar
com os outros, porque não quer estar sozinha em casa, porque os outros também estão na
escola. Depois, virão os adultos que se interessam pela pessoa que ela é, antes de a
investirem no ofício de aluno. Depois, vem tudo o resto…”
No meu ponto de vista, no Brasil, nós rompemos com os projetos que iniciamos
antes da hora, não somos perseverantes com o que colocamos em prática, isto é, no
primeiro obstáculo, desistimos. Pensando nisso, quanto tempo leva para implantar
algo novo, de acordo com as exigências do mundo moderno e “colher bons frutos?”
“Tenho acompanhado muitos projectos. Os que sobrevivem têm tempos de
maturação diferentes, tudo depende de múltiplos fatores: de uma estratégia de
sobrevivência, da qualidade do líder, de professores que ousem concretizar sonhos, que
sejam subversivos e conspiradores. Quando o projecto da Ponte surgiu, num contexto
social mais difícil de Portugal, onde nunca se pensaria que surgisse (o mais favorável seria
o sul de Portugal), pôs em causa muito do poder político e económico local. Gastámos
muito tempo a praticar uma resiliência que no assegurou alguma sustentabilidade. Mas um
projecto humano é sempre frágil e a sustentabilidade conseguida precária. O tempo para
desenvolver um projecto é todo e qualquer tempo. Um projecto está sempre em fase
instituinte, e não existe um tempo de maturação igual para todos.
Nós gastamos cerca de uns dez anos para consolidar e criar autonomia e mais dez
para perceber as asneiras que fizemos e corrigi-las. Ao cabo de trinta anos, aquilo que
fizemos foram apenas “andaimes”. E eu vou embora, porque quando se chega na fase da
reparação dos erros, o pior que pode acontecer para um projeto é alguém se considerar
dono do projecto e continuar no projecto que foi autor. O autor tem que ser uma equipa e
essa equipa tem que partir com responsabilidade total sobre o projecto.”
Considerações Finais
ARGÜIS, Ricardo...[et al.]; trad. Fátima Murad – Tutoria: com a palavra, o aluno. Porto
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ARNAIZ, Pere. Fundamentação da tutoria. In: ARGÜIS, R. et al. Tutoria: com a palavra,
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CANÁRIO, Rui; MATOS, Filomena; TRINDADE, Rui (Orgs.). Escola da Ponte:
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BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O Que é Educação. Coleção Primeiros Passos. São Paulo:
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CANÁRIO, Rui. Uma inovação apesar das reformas. In: CANÁRIO, Rui; MATOS,
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PACHECO, J. Fazer a Ponte, construir a memória: uma escola sem muros. In: CANÁRIO,
Rui; MATOS, Filomena; TRINDADE, Rui (Orgs.). Escola da Ponte: defender a Escola
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MATOS, Filomena; TRINDADE, Rui (Orgs.). Escola da Ponte: defender a Escola
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