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FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS

CAMPUS DE ARARAQUARA

Patrícia Lia Vieira

TUTORIA: RESPONSABILIDADE, AUTONOMIA, CONVIVÊNCIA

Araraquara, 2005.
FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS
CAMPUS DE ARARAQUARA

TUTORIA: RESPONSABILIDADE, AUTONOMIA, CONVIVÊNCIA

Patrícia Lia Vieira

Monografia apresentada à Faculdade de Ciências e


Letras do Campus de Araraquara da Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como parte
dos requisitos para conclusão do Curso de Especialização,
em nível de pós-graduação lato sensu, em Planejamento e
Gestão de Organizações Educacionais.

Orientador: Profª. Drª. Maria Beatriz Loureiro de Oliveira

Araraquara, 2005.
I
Vieira, Patrícia Lia. TUTORIA: RESPONSABILIDADE, AUTONOMIA, CONVIVÊNCIA.
Araraquara, 2005, 19 p., monografia apresentada à Faculdade de Ciências e Letras do
Campus de Araraquara da Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos
para conclusão do Curso de Especialização, em nível de pós-graduação latu sensu, em
Planejamento e Gestão de Organizações Educacionais.

RESUMO

Este trabalho, através de um levantamento bibliográfico e entrevista com José


Pacheco, idealizador da tutoria na Escola da Ponte, em Portugal, tem por objetivo mostrar o
sistema educacional sob a perspectiva da tutoria e seus benefícios. Demonstra a
importância da tutoria e das assembléias de sala de aula para garantir o sucesso em formar
indivíduos e futuros adultos que saibam atuar assertivamente, através da responsabilidade,
da autonomia e da boa convivência de todos os envolvidos. Destina-se especialmente aos
educadores que demonstram inquietação quando o assunto é a formação do educando como
pessoa humana, como pessoa que vai trabalhar no mundo tecnológico, repleto de incertezas
e de competições.

PALAVRAS - CHAVE: Tutoria . Responsabilidade . Autonomia . Convivência.

ABSTRACT

This work, through a bibliographic research and an interview with Mr. Jose
Pacheco, mentor of the tutorial system at the Escola da Ponte, in Portugal, has the objective
of showing the educational system under the perspective of the tutorial method and its
benefits. It shows the role of the tutorial system and classroom assemblies in the success in
developing individuals and future adults who know to act assertively through the
responsability, autonomy and living together. Specially destined to the educators that show
unquitness when the subject is the development of the pulpils as a human beeing and as a
person that will work in the tecnological world, full of uncertainness and competition.

KEYWORDS: Tutorial . Responsability. Autonomy. Living Together.


II

“Se em certa altura


Tivesse voltado para a esquerda
em vez de para a direita;
Se em certo momento
Tivesse dito sim, em vez de não
ou não, em vez de sim;
Se em certa conversa
Tivesse tido as frases que só agora,
no meio-sono, elaboro –
Se tudo isso tivesse sido assim,
Seria outro hoje, e talvez o universo inteiro
Seria insensivelmente levado
a ser outro também.”

Fernando Pessoa
III

Agradeço a todos que me apoiaram,


em especial ao professor José Pacheco da
Escola da Ponte – Portugal que me
concedeu uma entrevista exclusiva, de
forma gentil e afetuosa, que em muito
contribuiu para a elaboração de meu
trabalho.
IV
SUMÁRIO

1 Introdução....................................................................................01

2 Definição e características da tutoria........................................04

3 As assembléias de sala de aula...................................................11

4 A Escola da Ponte vista por vários intelectuais........................14

5 Entrevista com o Professor José Pacheco da Escola da Ponte de


Portugal...................................................................................28

6 Considerações finais....................................................................37

7 Referências...................................................................................39
Introdução

Os pais e os educadores de hoje estão imersos em um profundo dilema: educar seus


filhos e alunos com a liberdade pela qual lutaram ou reproduzir a educação autoritária que
receberam. Sabemos que se pode aprender sempre e em todo lugar.
Para Carlos R. Brandão (1988), ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na
igreja ou na escola, de um modo ou de outros todos nós envolvemos pedaços de nossas
vidas com ela, seja para aprender, para ensinar ou para aprender-e-ensinar, todos os dias
misturamos a vida com a educação.
A primeira pergunta que devemos fazer é: que tipo de pessoas queremos formar ou
educar para o mundo?
Os principais atores são os pais. Não existe uma forma de dividir esse papel com
outra pessoa ou instituição, pois a eles é destinado exercer a função de manter um
relacionamento com os filhos calcado na confiança e no respeito mútuo.
Ao longo dessa tarefa, junta-se a família uma grande aliada – a escola. É lá onde se
aprende a conviver em comunidade e os professores devem ser responsáveis pela
aprendizagem formal e auxiliar na formação de seres humanos felizes e equilibrados.
Em uma entrevista, Paulo Ronca (2005, p. 8) nos diz que: “Família, escola e
professores formam uma trinca de ases! Insubstituíveis na formação de um cidadão”.
Endosso a observação, pois, sem dúvida, pais, escola e professores são agentes
educacionais da maior relevância. Um não substitui o outro; um não cumpre o seu papel
plenamente sem a cooperação do outro.
Os pais devem estar seguros ao estabelecerem ordens claras para os filhos, com
objetivo de puxar para a responsabilidade e de largar para que assumam seus deveres e
funções, a fim de que eles saiam fortalecidos diante das situações-problema. Eis a harmonia
tão necessária quanto difícil.
Existe muita discussão e preocupação com a necessidade de enriquecer o processo
de ensino-aprendizagem através de mecanismos que permitam ao aluno aprender a pensar,
a ser pessoa, a conviver e a tomar decisões, ou seja, mecanismos que contribuam para o
aluno adquirir compromisso com o conhecimento.
Para tanto é preciso modificar a estrutura da escola, isto é, criar uma estrutura
democrática, dando voz aos alunos e aos educadores. Um dos aspectos necessários para que
isto ocorra é acabar com o vício de dar as mesmas respostas para as situações do cotidiano.
Uma das funções das instituições educacionais é educar indivíduos e formar futuros
adultos que deverão comportar-se de maneira responsável, autônoma e democrática. É
preciso que na escola sejam articulados mecanismos e estruturas que tornem isto possível.
Uma sociedade só é democrática quando os indivíduos que a formam possam respeitar e ser
respeitados, tomam a palavra, argumentam, atuam assertivamente, reclamam o que é justo,
cumprem com suas obrigações...tudo isso se aprende, sabendo que se aprende, tem de se
ensinar. No meu modo de pensar, é fundamental a existência do trabalho do professor-tutor
nas escolas, sua presença e intervenção pode facilitar esse processo, proporcionar o trânsito
de informações que estreita as relações e garante o suporte na resolução de problemas
educacionais.
Segundo Francesc López Rodríguez (2002), há semânticas diferentes no tratamento
da tutoria, mas todas coincidem em dois aspectos fundamentais:
 A tutoria como espaço educativo no qual se aprende a conviver em sociedade, sendo a
palavra a ferramenta fundamental.
 A figura do tutor.
O objetivo central deste estudo é caracterizar a tutoria como processo de orientação
da aprendizagem do aluno, desafiando-o via conhecimento e com o propósito de instigá-lo
a atingir um pensamento autônomo.
A partir da experiência obtida no processo de implementação do sistema de tutoria
das turmas do ensino fundamental e do ensino médio no Pueri Domus Escola Experimental,
surgiram dúvidas e curiosidades para compreender este novo jeito de realizar a tarefa
educativa, nos fornecendo outro referencial, pois é na pessoa humana de cada educando que
devemos, como educadores, concentrar esforços e acreditar na importância da nossa
colaboração para a construção de um mundo melhor. O objetivo é mudar o foco da escola
na sua prática, priorizando a aprendizagem dos alunos, para que eles sejam livres para
refletir, questionar, pensar e agir, contribuindo para a melhoria do mundo. As sessões de
tutoria desenvolvem-se sobre dois pontos principais: o primeiro está voltado para o
processo de aprendizagem, para as regras de convivência e do estudo em grupo; o segundo
está focado nas técnicas de aprendizagem, isto é, o aluno aprende a elaborar plano
individual de meta e rotina de estudo, conhece técnicas de como estudar, como interpretar
textos e como pesquisar.
A tutoria deve ser um compromisso de todos os professores, independente de
exercerem ou não esta função, da mesma maneira que o conteúdo da tutoria deve impregnar
a vida cotidiana da escola, através das relações interpessoais, da auto-estima, do respeito
aos outros, das normas de convivência, da autonomia, da responsabilidade, da cooperação e
da tolerância. São atitudes e valores que devem ser tratados e ensinados em todas as idades,
em todas as etapas educacionais.
No cotidiano da escola, a formação do educando está presente nas atitudes e nos
encaminhamentos propostos pelos educadores em relação a situações-problema, tendo
como objetivo preservar o trabalho coletivo e garantir a operacionalização do Projeto
Político-Pedagógico do Pueri Domus.
Para realizar este estudo, no primeiro capítulo faz-se uma descrição da
fundamentação da tutoria e um relato da ação tutorial. O segundo capítulo analisa as
assembléias de sala de aula, que é o momento institucional do diálogo, com objetivo de
otimizar o trabalho, a convivência e a alegria de aprender e de fazer parte do grupo. O
terceiro capítulo mostra a Escola da Ponte sob a perspectiva de vários intelectuais. O quarto
capítulo relata uma entrevista exclusiva com o Professor José Pacheco, da Escola da Ponte,
localizada em Vila das Aves na cidade do Porto, em Portugal. Trata-se de uma escola
pública que em 1976 iniciou o Projeto Educativo “Fazer a Ponte”. Este trabalho expõe a
grandeza de quem idealizou o Projeto da Escola da Ponte e o leitor perceberá a dificuldade
de caracterizar esse universo. Durante a entrevista, pergunto ao Professor Pacheco quanto
tempo levou para implantar esse projeto educativo tão eficaz como o da Escola da Ponte.
Ele respondeu com muita tranqüilidade e clareza que: “Os primeiros dez anos serviram
para inserir o projecto entre todos os actores da escola, mais dez anos para consolidar o
projecto e criar autonomia e mais dez anos para partir para o projecto propriamente dito,
percebendo as asneiras que fizemos e podendo corrigi-las.”
.
Capítulo I
Definição e características da tutoria

A palavra tutoria tem sua origem ligada ao sistema jurídico e implica na autoridade
conferida pela lei para cuidar, proteger, defender, amparar, dirigir e supervisionar o
indivíduo. É o exercício do tutor.
Há diversas definições para tutoria e tutor. O dicionário de língua define o tutor
como um indivíduo encarregado de guiar quem necessita de apoio ou amparo.
Segundo Pere Arnaiz (2002, p. 15 - 16), existem várias definições para “tutoria” e
“tutor”:
A. Lázaro e J. Asensi reúnem diferentes definições: “É um professor [...]
que se encarrega de atender diversos aspectos que não são
suficientemente tratados nas aulas” (Artigot). “Tutor é o professor, o
educador integral de um grupo de alunos” (Benavent). “Pessoa que
aconselha em tudo o que se refere à educação” (Schamalfus). “A tutoria é
uma atividade inerente à função do professor, que se realiza individual e
coletivamente com alunos de uma sala de aula, a fim de facilitar a
integração pessoal nos processos de aprendizagem” (Lázaro e Asensi).
“A tutoria é uma ação de ajuda ou orientação ao aluno que o professor
pode realizar além de sua própria ação docente e paralelamente a ela” (S.
Sánchez).
Como pôde ser observado tutor é o responsável pelo acompanhamento,
direcionamento e supervisão do indivíduo. No uso pedagógico corrente, tutor é aquele que
propulsiona, coordena e facilita a orientação das aprendizagens e das atividades de um
indivíduo por meio de um diálogo intersubjetivo. O termo é amplamente utilizado na
bibliografia de Educação à Distância (EAD) referindo-se quase sempre ao elemento que
atua como facilitador, isto é, tutor é o representante de todo o curso junto aos alunos. Tem
domínio do conteúdo e formação para avaliar o aluno, bem como é responsável por
proporcionar apoio pedagógico e operacional. Do ponto de vista histórico, Monroe (apud
MORAES..., 2005) cita que na idade média surgiu a figura do bacharel medieval que
desempenhava funções de tutoria em relação aos estudantes. Ainda na idade média, nos
mosteiros, os monges assumiam as funções de tutoria quando era preciso trabalhar a
questão disciplinar e educacional dos noviços. Esse método foi amplamente utilizado em
colégios internos, lares educacionais, seminários, colônias de férias e universidades, onde
estudantes desempenhavam o papel de assistentes responsáveis pelo estudo e pela
disciplina de seus colegas. Aos estudantes que desempenhavam o papel de guia ou
conselheiro também era dado o nome de prefeito, tutor, decurião ou instrutor. Ao longo da
história, o termo tutoria é citado como uma forma de monitoria quando associada à guarda
legal dos estudantes.
Voltando ao sistema de tutoria, tratado neste trabalho, o professor-tutor tem o papel
de integrar alunos, professores e família. Ele é um interlocutor provocativo, que questiona e
ensina como estudar e pesquisar. Exerce várias funções em diferentes ambientes, tais como:
professor orientador, coordenador de turma, professor de classe, professor coordenador,
preceptor e tutor. Sua presença e intervenção pode facilitar o processo de ensino-
aprendizagem e, como base para a ação tutorial, deve ter a intenção de ensinar a pensar,
ensinar a ser pessoa, ensinar a conviver, ensinar a comportar-se e a decidir-se. A ação
tutorial para ser concretizada deve ser registrada e analisada em todo o seu processo, pois
essa relação com o aluno é construída através das intenções que vão se tornando ações. O
professor-tutor é um educador em formação permanente, pois assume o papel de
pesquisador, gestor, formador, agente de feedback, avaliador, motivador, técnico,
orientador e especialista em relações humanas.
Segundo P. Arnaiz (2002), a construção de cada ser humano, de cada professor e de
cada aluno requer um grande esforço; não é trabalho de um dia, é um esforço que exige a
interação de todos. Para ele, existe o perigo de se traçar um perfil tão excelente que seja
impossível para os tutores, levando-os a desistirem no primeiro obstáculo. O perfil tem de
ajustar-se a dois parâmetros: o que faz referência aos fatores de seu desenvolvimento
pessoal e o que se refere às atuações do professor-tutor como profissional de ensino. A
auto-estima e a percepção positiva pessoal dos alunos e das relações humanas são
fundamentais, pois não podemos assegurar uma ajuda interna ao aluno quando há
professores debilitados.
P. Arnaiz (2002, p. 16) ainda faz referência aos ensinamentos proporcionados por
Carl R. Rogers, que, segundo aquele:
[...] nos ajudarão a crescer como pessoas desde que sejamos capazes de
entender que tal processo é aperfeiçoável:
Em minha relação com as outras pessoas, aprendi que não me ajuda em
nada comportar-me como se eu fosse diferente do que sou. Sou mais
eficiente quando consigo ouvir-me com tolerância e ser eu mesmo.
Descobri o enorme valor de permitir-me compreender outra pessoa.
Descobri que, abrir canais por meio dos quais os demais possam
comunicar seus sentimentos, seu mundo perceptivo privado, me
enriquece. Foi gratificante para mim, em grande medida, o fato de poder
aceitar o outro. Quanto mais me abro para as minhas realidades e as da
outra pessoa, menos desejo de regular as coisas.
A teoria rogeriana é adequada para a análise que está sendo realizada, pois é preciso
fazer o bem primeiro a nós mesmos.
Nas reuniões de troca de experiência com tutores discute-se sobre os afazeres e
elabora-se listas de tudo que o tutor tem de realizar. É comum escutar: “Se tiver de fazer
tudo isso...”, “Não sou capaz de tutorar meus alunos”, “É preciso desburocratizar” - quando
se referem ao planejamento, “Não sei se vou continuar sendo tutor”, “ Não tenho formação
para exercer esta função”, entre outras.
O autor menciona que quando uma pessoa se coloca à distância, com a perspectiva
do tempo e do espaço, é normal que lhe venha à mente expressões como as citadas acima.
Com isso, tenho refletido se essa aparente inaptidão pessoal ou falta de preparo consiste em
um certo medo de não saber fazer e do receio de que haverá muito trabalho.
P. Arnaiz (2002, p. 17) nos conta que a LOGSE (Lei Orgânica Geral do Sistema
Educativo Espanhol) determina, no artigo 60, que: A tutoria e a orientação dos alunos farão
parte da função docente. Cabe às escolas a coordenação dessas atividades. Cada grupo de alunos
terá um professor-tutor.
Esta lei obrigou de certa forma os professores espanhóis se prepararem para exercer
a função de tutor. No Brasil, ocupamos uma posição muito confortável nas escolas, onde
temos a chance de escolher em continuar fazendo sempre a mesma coisa ou optar por um
sistema de educação mais eficaz, como a tutoria, que tem como objetivo auxiliar o aluno
em sua aprendizagem, que proporciona ao aluno a coragem de perguntar, de inquirir o
professor e de cogitar outras possibilidades. Enfim, permite ao aluno aprender a fazer, a
construir seu espaço e a criar um clima de paz e bem-estar social, culminando com o
exercício da verdadeira democracia.
Quanto aos diferentes tipos de tutoria temos:
a. A tutoria individual: O professor-tutor deve conhecer a situação de cada aluno, ajudá-lo
pessoalmente, orientá-lo no planejamento, na execução de suas tarefas escolares, na escolha
de estudos e profissões de acordo com seus interesses. Um dos aspectos mais valiosos na
tutoria individual é a auto-estima, a visão positiva que o aluno tem de si mesmo. O aluno
com uma boa auto-estima atua de forma independente, assume responsabilidades, enfrenta
novos desafios, vibra com seu progresso, tolera melhor suas frustrações e se sente seguro
para ajudar os outros.
b. A tutoria de grupo: O tutor ajuda um grupo de alunos, geralmente em sala de aula, na
orientação do currículo e na participação ativa na vida escolar. Colabora com os professores
que também intervêm nesse grupo de alunos, mantendo-os informados sobre cada aluno
específico. Proporciona a troca de informação entre os pais e a escola e favorece a
participação dos pais nos processos de decisão do aluno.
c. A tutoria técnica: Refere-se à responsabilidade que a direção atribui aos professores que
não foram designados como tutores de um grupo de alunos. Entre as tutorias técnicas pode
figurar a coordenação das experiências pedagógicas e didáticas, que são as atividades de
formação permanente, organização e manutenção dos laboratórios, da biblioteca, etc.
d. A tutoria da diversidade: Supõe-se que o tutor leve em conta que não exista uma
pedagogia do aluno médio ou do aluno-padrão, mas de cada aluno específico, com
capacidades, habilidades e ritmos de aprendizagem diferentes. A tutoria da diversidade é
um grande desafio pedagógico em uma sociedade como a nossa, que se mostra plural.
e. A tutoria de prática profissional: É normalmente orientada para cada ramo de formação
profissional de ensino médio. O tutor de orientação profissional é responsável pelo controle
e acompanhamento da prática nas empresas em regime de convênio. Este tipo de tutoria
implica em responsabilidades por parte da escola e das empresas envolvidas.
Estes cinco tipos de tutoria se adaptam melhor, mas não exclusivamente, ao ensino
médio.
Finalidades e dinâmicas da ação tutorial (AT)

Para P. Arnaiz (2002), tutoria e ação tutorial são dois conceitos complementares que
significam o conjunto das atuações de orientação pessoal, acadêmica e profissional
formulado pelos professores com a colaboração dos alunos e da própria instituição.
De acordo com a LOGSE - Lei Orgânica do Sistema Educativo Espanhol – (apud
ARNAIZ, 2002) no artigo 60, a função docente inclui também a tutoria e a orientação
pessoal, acadêmica e profissional aos alunos. Essa função do professor que é tão clara no
âmbito da legislação não é tão nítida no âmbito da prática, isto é, ainda há professores que
não compreenderam na íntegra como desenvolver a função de professor-tutor no seu dia-a-
dia.
P. Arnaiz (2002) considera que muitos autores possuem coincidentes percepções nas
três dimensões da ação tutorial: a pessoal, a escolar e a profissionalizante.
Os três principais objetivos da ação tutorial (AT) são:
1. A orientação pessoal: tem como finalidade proporcionar ao aluno uma formação
integral, facilitando seu autoconhecimento, sua adaptação e a tomada de decisões
conscientes.
2. A orientação acadêmica: o tutor ajudará o aluno a superar suas dificuldades
relacionadas aos hábitos e às metodologias de estudos e em seu convívio em sala de
aula.
3. A orientação profissional: pretende que o aluno consiga fazer uma escolha profissional
de acordo com sua personalidade, suas aptidões e seus interesses. Além disso, o tutor
ajudará o aluno a conhecer a si mesmo.
Estes objetivos têm de ser fundamentados em situações concretas, onde a escola e as
equipes de professores e tutores irão buscar estratégias e recursos para traçarem o
planejamento e a organização da AT em cada sala de aula. Ajudar o aluno para que ele
saiba informar-se, para que ele saiba o que realmente quer e as possibilidades de que dispõe
é tarefa do professor-tutor. A equipe de professores, a instituição escolar e a família têm de
facilitar essa tarefa. A AT comporta uma atenção individual e pessoal de cada aluno, isto é,
tem como objetivo atender às particularidades de cada aluno.
A partir da AT, o professor-tutor pode proporcionar os meios e recursos, programar
os planos de ação, conversar com o aluno para conhecer sua situação acadêmica, organizar
as sessões de orientação profissional, preparar reuniões sobre a tomada de decisões,
contatar especialistas que discutam temas de interesses do aluno, aplicar programas
formadores aos diferentes grupos de alunos e outras ações. Tudo isso é possível se a escola,
como instituição, conta com uma equipe integrada e utiliza o potencial humano e
profissional dos professores, alunos e pais.
Um dos aspectos mais importantes em qualquer trabalho educativo é a relação
humana que se estabelece entre o professor e seus alunos. Os alunos precisam de uma
pessoa que seja o interlocutor entre a equipe de professores, os pais e eles próprios, que os
orientem no momento de planejar o trabalho, nos estudos, no âmbito pessoal e profissional.
Na maioria dos casos, a função de tutor não traz reconhecimento financeiro, nem
profissional, e também não traz redução de carga horária. Quando tal tarefa tão importante
e complexa é deixada para o professor agir pela própria vontade e consciência profissional,
aparecem tipos muito distintos de tutores, desde aqueles que não acreditam absolutamente
que as tarefas descritas façam parte de seu papel profissional, até aqueles que incorporam
tarefas de atenção e acompanhamento profissional que ultrapassam sua função,
confundindo-se com outros papéis como familiares, terapêuticos e outros.
É necessária uma boa preparação para exercer a função de tutor. Esta preparação é
tão importante quanto à preparação para exercer a docência. Se um profissional não pode
exercer a tutoria, tampouco pode ser professor.
Segundo Francesc Notó (2002), dispor de estratégias e de certos conhecimentos
seguramente melhora a ação tutorial, portanto, a formação e a atualização de
conhecimentos facilita esta tarefa. Mas, a preparação indispensável é a vontade. Estar
disposto a assumir tal tarefa é o primeiro passo. A má tutoria está associada aos professores
que não querem ser tutores. Essa afirmação do autor é observada e confirmada por gestores
no cotidiano das escolas.
Para que os tutores possam realizar sua função, eles têm de dispor do máximo de
informação sobre cada um de seus tutorados. É preciso dedicar um tempo para que
aconteça esta troca de informações com os colegas que também atendem os alunos e, se
possível, decidir conjuntamente as intervenções necessárias para melhorar o processo
educativo dos alunos.
Atualmente, um dos maiores problemas enfrentados nas escolas é não dispor de
tempo suficiente para a troca de informações sobre cada aluno e para decidir sobre quais
intervenções devem ser realizadas. Muitas vezes, o pouco tempo de que dispomos nas
reuniões acaba sendo utilizado para falar sempre de alguns alunos, especialmente aqueles
que causam muitos problemas; esses alunos monopolizam toda discussão e nem sempre se
consegue decidir sobre intervenções proveitosas e, assim, não sobra tempo para falar de
alunos nas quais intervenções relativamente fáceis podem produzir uma resposta favorável
em seu processo de aprendizagem. Sendo assim, comete-se sempre o mesmo erro de focar
nos problemas e não nas soluções.
Os professores quando falam sobre seus alunos tendem a serem muito descritivos e
a relatarem o que eles fazem, tais como travessuras, grosserias ou falta de compromisso,
geralmente algo que os tiram do sério. Deste modo, as reuniões tornam-se sessões de
terapia, ficando claro as lamentações, a impotência e as poucas propostas apresentadas para
realizar as intervenções necessárias. É importante que o educador aprenda a ser mais
objetivo e pensar nas intervenções e nas soluções para as situações ocorridas no cotidiano
das escolas.
Capítulo II
As assembléias de sala de aula

Existem várias definições para assembléia dentro do contexto da tutoria. De acordo


com o dicionário de língua, assembléia é uma reunião de muitas pessoas para um fim
determinado; junta; congresso. De acordo com o latim popular “assimulare”, de ad – para e
simul – ação de trazer para junto. Na Grécia antiga, a assembléia tinha por finalidade
discutir questões variadas.
Para Josep Puig (2002), as assembléias são o momento institucional do diálogo, isto
é, um espaço que a escola destina de maneira exclusiva a promover a participação de todos
os envolvidos na educação através da palavra. Durante as assembléias alunos e educadores
reunem-se para tomar consciência e refletir sobre si mesmas e para se transformar naquilo
que seus membros consideram oportuno a fim de otimizar o trabalho, a convivência e a
animação.
Nas assembléias a palavra é compromisso, os envolvidos devem buscar a máxima
coerência entre o que se fala e o comportamento, quem participa se sente responsável e
motivado a realizar aquilo que se pactuou.
Muitas vezes, as assembléias servem também como lugar para desabafar, para dizer
tudo o que desejam e conseqüentemente recomeçar com mais tranqüilidade.
Segundo Puig (2002), os objetivos serão alcançados se a organização das
assembléias se preocupar em:
 Destinar uma pequena parte do tempo para uma reunião semanal, que pode ser utilizada
para alcançar diversas finalidades.
 Dispor o espaço da sala de aula às vezes de forma distinta do habitual para favorecer o
diálogo e fortalecer a atitude de cooperação entre todos os seus membros.
 Interromper o trabalho individual da aula e modificar, de certo modo, os papéis de
alunos e professores de forma que suas participações sejam mais igualitárias, mas não
com igual responsabilidade, pois nessa situação o professor precisa, algumas vezes,
exercer seu papel de mediador da turma.
 Empregar o tempo para falar sobre o que ocorre com a turma ou sobre algo que
qualquer membro julgar importante e merecedor da atenção de todos.
 Dialogar com disposição de se entender e com vontade de modificar o necessário, para
que o rendimento da turma seja otimizado, para que aprendam convencer sem vencer
em relação aos conflitos de convívio social, em prol do coletivo.
 Promover reuniões para tratar de questões relevantes para turma, sendo mais efetivas se
forem complementadas com outras formas de reunião e debate da comunidade escolar.
Exemplo disso são as reuniões em pequenos grupos de tutoria ou comissões para
discutir assuntos específicos.
 Realizar os encontros em sala de aula de acordo com a faixa etária dos alunos. Sua
necessidade e utilidade podem ser parecidas, mas a forma de realizá-las varia de acordo
com a idade. As assembléias são realizadas de forma diferente desde a educação infantil
até o ensino médio.
Por ocasião do Encontro de Formação promovido pelo Pueri Domus Escolas
Associadas, em São Paulo, no dia dezenove de março de 2005, sobre “Tutoria e Novas
Parcerias na Construção da Autonomia: Orientador – Professor – Aluno - Família”, a
psicóloga Rosely Sayão participou do evento e comentou que no Brasil não estamos
preparados para fazermos as assembléias. Antes, seria necessário, organizar o trabalho
através da “Roda de Conversa”, onde o professor-tutor dirige e organiza o diálogo até os
alunos atingirem a autonomia, que é a meta da assembléia. A “Roda de Conversa” pode
acontecer a cada duas horas com o objetivo de identificar o que os alunos conseguiram
inovar ou o que é preciso para que isso ocorra. Para a educadora, o objetivo da escola é
levar o aluno à autonomia, isso é um aprendizado dirigido que deve ter como ponto de
partida a heteronomia, pois a criança precisa ser ensinada para no futuro saber escolher. É
fundamental proporcionar-lhe condições de escolhas, opções possíveis, incentivos ao
pensamento crítico, enfim, dar ao educando a oportunidade de andar com as próprias
pernas.
A assembléia como instituição de diálogo costuma ter várias funções. Em primeiro
lugar ela cumpre um papel informativo para educadores e alunos, regulando a convivência.
A assembléia é também uma reunião dos estudantes para análise dos conflitos, das causas
dos problemas, momento de tirar dúvidas e das dificuldades que atrapalham as tarefas
escolares, buscando as soluções. E finalmente na assembléia, por um lado, decide-se e
organiza-se o que se quer fazer e, por outro lado, regula-se a aprendizagem e convivência
da turma.
Se o aluno não está suficientemente comprometido com seu processo de
aprendizagem, fazendo o melhor possível naquele momento, é preciso descobrir o que está
impedindo-o de se dedicar mais.
As assembléias escolares são um meio, embora não o único, para alcançar dois
objetivos: que as escolas se tornem comunidades democráticas e que os alunos aprendam a
ser cidadãos capazes de participar de seu ambiente social através de valores e critérios
morais.
J. Puig (2002, p. 32) acredita que:
Uma escola será uma comunidade democrática à medida que se abrir à
participação de todos os envolvidos. [...] uma escola não é um
supermercado de conhecimentos, no qual os comportamentos de clientes
e vendedores são regulados, mas em que nada os une como pessoas [...].
Uma comunidade escolar supõe um espaço de convivência de jovens e
adultos com diferentes papéis. Um espaço no qual a inter-relação face a
face entre todos eles é freqüente e, sobretudo, calorosa. Uma relação
imediata que permite criar laços de afeto que facilitam a transmissão de
conhecimentos e valores. [...] que permitam organizar o trabalho escolar
cooperativo, a participação na vida da coletividade e responsabilidade na
realização das diferentes funções.
Segundo o autor, a aprendizagem da cidadania pelos alunos considera que eles
alcancem alguns objetivos:
1. Se sintam pertencentes ao grupo no qual estão inseridos e que estejam dispostos a
colaborar.
2. Aceitem e construam normas para melhorar a convivência.
3. Desenvolvam um forte senso de autonomia que os impulsionem cada vez mais a
participar do bom andamento da sala e da escola.
4. Saibam dialogar e manter uma atitude reflexiva a respeito de si mesmo e dos outros.
5. Adquiram valores como espírito de iniciativa, responsabilidade, cooperação,
solidariedade, tolerância e busca de acordos.
Capítulo III
A Escola da Ponte vista por vários intelectuais

A Escola da Ponte é uma escola pública localizada na cidade do Porto em Portugal,


atende alunos do primeiro e do segundo ciclo do Ensino Básico, incluindo algumas crianças
com necessidades educativas especiais. Os alunos costumam entrar na Ponte aos cinco ou
seis anos de idade e sair entre doze e treze anos, no entanto a escola recebe alguns alunos
mais velhos. Os professores são todos contratados pelo Ministério da Educação. O grande
desafio da escola foi estender o ensino até o terceiro ciclo do Ensino Básico – do primeiro
ao nono ano. Com o apoio de alunos, pais e professores esse desafio foi alcançado.
As determinações do Ministério da Educação de Portugal colocaram em discussão a
continuidade do projeto educativo realizado na Escola da Ponte. Então, vários intelectuais
da área da educação publicaram o livro: Escola da Ponte – defender a escola pública.
Essa escola passou a representar para muitos educadores e profissionais da área uma
referência e um meio de preservar e pôr em prática um ensino público de qualidade,
baseado nos valores da democracia, cidadania e justiça, proporcionando a todos os alunos
uma experiência ímpar quanto à aprendizagem e à construção pessoal.
Sob a ótica do professor João Barroso (2004), a Escola da Ponte é uma escola
pública com quase trinta anos desenvolvendo um projeto educativo sólido e inovador, tendo
um grande envolvimento da comunidade local, em particular dos pais.
Por conta da seriedade desse projeto educativo desenvolvido com grande sucesso, a
Escola da Ponte se tornou uma notoriedade pública, sendo referência nacional e
internacional para todos os que se interessam pela educação, desde a elaboração do
currículo até sua aplicação, o trabalho e formação dos professores ao trabalho e formação
dos alunos, assim como pela implantação de práticas inovadoras.
Para o autor, a orientação que vem sendo dada à política educativa pelo atual
governo e pelas forças políticas e movimentos de opinião que apoiam o governo visa
produzir uma ruptura dos valores que serviram de base à democratização da educação e às
inúmeras iniciativas e projetos que surgiram em muitas escolas públicas nestes quase trinta
anos, em relação à igualdade de oportunidades, à promoção de formas participativas de
gestão, à criação de uma aprendizagem que incorpore conhecimento científico e à inclusão
social.
Para ele esta ruptura é uma estratégia política que se manifesta em três tipos de
comportamento:
1. Hipocrisia política: significa uma dissonância entre o discurso e as decisões ou ações
tomadas. Esta hipocrisia tem como objetivo criar uma falsa aparência de negociação e
consenso necessário à aprovação de determinadas medidas, escondendo as reais
intenções.
2. Dramatização: significa a representação que os responsáveis fazem de uma
determinada situação, generaliza situações isoladas e conjunturais, transforma
problemas gerais em responsabilidades individuais, busca bodes expiatórios, etc., com
objetivo de gerar um sentimento de que existe uma única alternativa possível para
solucionar os problemas: autoritarismo para combater os malefícios da indisciplina,
avaliação para combater os malefícios da autonomia, etc..
3. Mistificação: significa a arte de iludir a opinião pública. Quer mostrar para a sociedade
em geral que, de um lado estão os maus: governos anteriores, pedagogos e outros
responsáveis pela situação calamitosa em que se encontra o ensino; do outro, estão os
bons, que pretendem resolver a situação. A preocupação que o autor demonstra é que a
solução final para essa discussão seja a privatização da escola pública, a criação de uma
escola elitista e segregacionista e a substituição dos interesses coletivos por interesses
individuais.
A idéia do autor, além do carinho, solidariedade e interesse em preservar a Escola
da Ponte é mostrar o modo como o governo se posiciona frente à escola pública em geral.
Por um lado, os que na Escola da Ponte se esforçam para promover um ensino justo, por
outro, as pessoas que no governo e nos meios de comunicação social querem fazer crer que
a escola pública está condenada ao fracasso. Pode-se observar que a questão é política e os
defensores da escola pública defendem o direito de existir projetos pedagógicos próprios e
a possibilidade de alunos e famílias poderem escolher a escola de sua preferência.
E com base nestes pressupostos o autor teceu três breves comentários:
1. Defender a escola pública: ele quer chamar a atenção para o fato de ser necessário
reafirmar os ideais fundadores da escola pública.
2. Debater a escola pública: para ele, a escola não pode ser prisioneira do modo como se
executam seus ideais e de como se organizam as suas estruturas e atividades. Ele
propõe que a questão da regulamentação das políticas educativas e o papel que Estado,
educadores, pais de alunos e comunidade em geral ocupam devem ser discutidos
durante o processo.
3. Promover a escola pública: constitui na oportunidade de ressaltar a importância da
escola pública que garanta a igualdade de oportunidades, acesso a todos, continuidade
da escolarização, diversidade dos públicos, porém praticando uma política em
benefício dos mais desfavorecidos. Para ele, é o Estado que deve assegurar a
manutenção da escola.
Por isso existe a necessidade de defender, debater e promover a escola pública, cujo
destino está ameaçado por aqueles que dizem querer resolver os problemas da educação.
Maria Emília Brederode Santos (2004) inicia seu texto com uma pergunta: “Por que
é importante a experiência da Ponte?”
Para a autora, em primeiro lugar, é uma escola pública com características muito
diferentes da escola tradicional. Em segundo lugar, pela forma de inovação realizada e
construída por todos os interessados pela escola. E em terceiro, pela concretização da teoria
e da prática de formação, ação e reflexão coletiva.
Para ela, existe um consenso em nível internacional entre políticos, estudiosos e
investigadores da necessidade de buscar novas formas, novos modelos e novos paradigmas
de escolarização e organização escolar.
Com objetivo de mostrar o exemplo bem sucedido da Escola da Ponte, M. Santos
(2004, p. 20) diz que:
Ao longo de 25 anos foi alterando a sua estrutura organizativa, desde o
espaço (de área aberta que as crianças percorrem como uma casa que
verdadeiramente habitem), ao tempo (planificado quinzenalmente), ao
modo (trabalho de pesquisa predominantemente), a uma muito maior
participação dos alunos na planificação das aprendizagens e na vida
social da escola e a uma muito maior autonomia na sua realização.
Inspira esta organização uma filosofia inclusiva e cooperativa que traduz,
por exemplo, nas seguintes normas simples: todos precisamos aprender e
todos podemos aprender uns com os outros, quem sabe mais deve ajudar
quem tem mais dificuldades e quem aprende, aprende a seu modo [...].
A autora acredita que confiando, ensaiando, estudando e reorientando será possível
participar ativamente de uma escola do futuro, pública e aberta a todos, democrática no
acesso, na organização e na participação.
Rui Canário (2004, p. 22) em seu artigo diz que: A solidariedade com a Escola da
Ponte seja, além da sua dimensão afectiva, um acto de lucidez.
Para o autor, o governo colocou as escolas numa situação penosa quando as obrigou
a serem inovadoras, não sendo possível ser criativa, por imposição externa. Esse processo
de mudança gerou um fracasso e decepção por toda parte. Esses fracassos podem ser
relacionados a dois erros principais:
1. Erro de diagnóstico: consistiu em referenciar a crise da escola como uma mera crise de
eficácia.
2. Erro de metodologia: foram processos de mudança que contribuíram para acentuar a
crise na escola, pois as decisões não vieram das bases e sim de níveis superiores.
Foi a partir desta perspectiva que o autor deu seu testemunho sobre a experiência
do trabalho, construído a partir dos avanços e recuos feitos e refeitos por uma equipe de
professores que teimaram em ser criativos e autônomos, sem pedir autorização prévia a
ninguém.
Ao longo de mais de duas décadas, o Ministério da Educação de Portugal agiu como
um obstáculo, dificultando o caminho para as escolas serem inovadoras.
Na opinião do autor, a Escola da Ponte se desenvolveu independente da sucessão de
reformas, conseguiu desenvolver uma teoria e uma prática de formação de professores
combinando a ação e reflexão coletivas, encontrou uma forma coerente de resolver os
problemas e integrar os chamados alunos difíceis ou com necessidades especiais, obteve
uma boa articulação entre o projeto educativo e o projeto social, exerceu autonomia com
muita propriedade, assumiu um currículo flexível, ou seja, na Ponte existe polivalência dos
espaços, gestão autônoma do tempo, diversidade dos dispositivos de aprendizagem e
organização democrática da vida escolar.
A demonstração prática de que é possível organizar e manter uma escola no
caminho do sucesso representa uma grande contribuição para todos, professores e alunos.
Segundo o autor, o ataque à Escola da Ponte não poderá ser plenamente entendido
se não for considerada a incompatibilidade entre a importância desta experiência e as
orientações de política educativa seguidas pelas diferentes equipes ministeriais desde a
década de 80.
Fernando Ilídio Ferreira (2004), docente e investigador do Instituto de Estudos da
Criança da Universidade do Minho, conta que seu trabalho nos últimos anos tem permitido-
lhe manter contato e presença direta e prolongada em contextos educacionais concretos.
Um exemplo disso é o episódio em que ele relata uma conversa com um jovem casal cuja
filha de seis anos está sendo alfabetizada na Escola. Os pais receosos contaram que a
professora lhes comunicara que a menina estava atrasada na vogal “i”. O autor então
verificou que a criança identificava e desenhava perfeitamente o “i”. Em sua investigação,
ele constatou que “estar atrasada” significava que a menina não conseguia escrever tantas
linhas de “iiii” que a professora lhe pedira. Para ele o episódio ilustra uma das
características mais enraizadas da escola tradicional, onde o trabalho é baseado na mera
repetição. E também comprova que as sucessivas reformas educacionais, com intuito de se
construir uma escola inovadora, freqüentemente apresentada pelo Ministério da Educação
com argumento de que Portugal é um país atrasado, de fato, não modernizou em nada a
educação atual.
Na concepção do autor, a Escola da Ponte é o exemplo mais marcante de uma
“escola com sentido”, com a qual temos muito a aprender, mas que o Ministério da
Educação freqüentemente cria dificuldades, inviabilizando-a e até destruindo experiências e
projetos inovadores. O governo, através dessas medidas, tem desencadeado sentimentos de
culpa, incerteza e insegurança no interior das escolas e, principalmente, entre os
professores.
Esses mecanismos têm gerado a idéia de que assuntos como gestão é de exclusiva
responsabilidade de gestores e administradores, esse caminho tira de cena pais, alunos e,
principalmente, professores. A mudança proposta pelo Ministério não é uma possibilidade
de transformar o próprio trabalho cotidiano. Para ele, essa mudança prejudica o tempo que
pais, alunos, professores e outros se dedicam à reflexão sobre o que realmente é necessário
modificar nas escolas. Portanto, o entendimento da mudança passa a ser uma mera
alteração de nomes. É o caso, por exemplo, da passagem da “área escola” para “área de
projeto” ou dos “currículos alternativos” para a “gestão flexível do currículo”. A posição
do Ministério em relação à Escola da Ponte nos dá pistas que o Estado quer que o projeto
educativo seja silenciado e com isto fica visível a descrença nas possibilidades de mudança
da escola.
Concordo com a opinião do autor sobre o momento que estamos vivendo, em que
fica visível a incredulidade nas possibilidades de uma mudança positiva para a escola, é
muito importante para todos nós que a experiência da Escola da Ponte não seja
desperdiçada ou esquecida, pois a Ponte se tornou sinônimo de esperança para os
educadores que desejam um sistema de ensino mais eficaz.
Infelizmente é o que podemos acompanhar no sistema educacional brasileiro, as
mudanças que ocorrem são para alteração de nomes ou não existe seqüência do trabalho nas
transições de governos, com isso a escola passa a ser um espaço de aprendizagem
deficiente, onde os professores fingem que ensinam e os alunos fazem de conta que
aprendem.
Do ponto de vista de Isabel Menezes (2004), a Escola da Ponte nos desafia pela
estranheza e pelo espanto que as crianças causam nas pessoas que visitam a escola. Ela
relata que acompanhou apresentações públicas do projeto na Ponte, discutiu essa
experiência com investigadores e profissionais da área da educação. A dúvida era como
essas crianças podem se mostrar tão interessadas e envolvidas na tarefa de aprender. Para a
autora, isso é um mistério, pois trata-se de uma comunidade diferente, sob o ponto de vista
sócio-econômico e com necessidades educativas especiais superior a de muitas outras
escolas do mesmo ciclo. Ela investigou os resultados obtidos junto aos alunos quanto ao
desenvolvimento pessoal, social e acadêmico. O que ela queria saber, de fato, era se os
resultados atingidos pelos alunos poderiam ser atribuídos à intervenção da Escola da Ponte.
I. Menezes (2004, p. 37) constatou que:
[...] em termos dos resultados acadêmicos obtidos junto dos alunos, é
extremamente favorável, tanto no que se refere à evolução das
aprendizagens, como aos resultados das provas aferidas e as notas nos
anos de escolaridade subseqüentes. E, se atendermos a origem sócio-
cultural diversificada dos alunos, estes resultados positivos são ainda
mais significativos. Mas esta experiência revela, ainda, que é possível
prosseguir, em simultâneo, resultados acadêmicos favoráveis e objectivos
de desenvolvimento pessoal e social junto dos alunos, tanto em termos de
competências cognitivas, como em termos de dimensões afectivas.
Outro fator de grande relevância é o fato Escola da Ponte dar ênfase à vivência
democrática, onde a comunidade exerce diariamente a cidadania, promovendo a
aprendizagem das regras da democracia, desenvolvendo a solidariedade e a cooperação de
todos.
Com esses dados, a autora confirma que os resultados obtidos na Escola da Ponte
são atingidos no tempo previsto para a escolaridade dos alunos e que a experiência da
escola é singular, na medida em que todos os participantes (professores, alunos e pais)
“assumem a aprendizagem como um assunto que lhes diz respeito”, pois lá o “aprender é
valorizado por todos”.
António Nóvoa (2004), autor de mais de uma centena de trabalhos científicos na
área da educação, comenta em seu artigo sobre alguns intelectuais que contribuíram para a
reflexão sobre a escola atual. Dentre eles é citado António Sérgio que em 1914 redigiu
alguns artigos publicados em livro, sendo um deles intitulado Educação Cívica. Esse livro
foi reeditado em 1984 e não se encontram as respostas para os problemas de hoje, mas a
idéia de António Sérgio foi proporcionar uma reflexão sobre acontecimentos anteriores,
pois este autor acredita que temos uma grande tendência de seguir pelo caminho da
amnésia. Nóvoa acrescenta que é necessário provocar reflexão e conhecimento sobre
experiências concretas e análise sistemática dos acontecimentos.
O autor sugeriu uma releitura da obra proposta por António Sérgio, destacando
cinco palavras que permitem fazer um paralelo com o trabalho da Escola da Ponte.
1. Self-government: é uma escola que promove o desenvolvimento da iniciativa, da
criatividade, da responsabilidade, do autodomínio. Defende um sistema monitorial, onde
cada criança vai assumindo uma responsabilidade especial no processo de cooperação entre
todos. Por isso, ele considera que todos os alunos devem ser chamados a participar no
direcionamento da vida escolar.
2. Foral: é o modo de pensar a questão do Estado e do seu papel no campo educativo. No
século XX houve uma forte pressão em querer organizar a educação como um mercado. O
maior erro foi ter uma visão fragmentada dos alunos como clientes e das escolas como
serviço privado. É urgente reforçar um espírito associativo, com objetivo de criar uma nova
concepção da educação como espaço público.
3. Município escolar: remete-se à criação de formas mais autônomas de organização das
escolas, consolidando uma responsabilidade coletiva pela educação. A criação desse novo
modelo é um processo lento, que deve ser construído passo-a-passo, com paciência e
determinação, profissionalismo e grande dedicação.
4. Julgamento: está ligado às questões disciplinares. Existe o discurso de educar as crianças
para uma sociedade que se diz do conhecimento, da partilha, da liberdade de escolha e, no
entanto, quando o assunto é violência verificamos uma certa tendência autoritária para
solucionar essa questão, principalmente na vida escolar. O autor acredita que é necessário a
criação de ritos sociais e modalidades de decisão democrática para a criação de uma cultura
escolar que promova a colaboração, o diálogo e a ajuda mútua.
5. Trabalho: a escola do trabalho tornou-se um ponto muito importante. Ao longo do
século XX, a entrada dos jovens na vida ativa (relação escola-trabalho) obrigou a repensar a
organização escolar de um modo diferente: construção de uma escola do conhecimento,
abandono do ensino transmissivo e adoção de uma pedagogia do trabalho, definição do
professor como alguém que mobiliza para uma adequada organização do trabalho com
alunos, etc..
António Nóvoa (2004, p. 46 - 47) ressalta:
[...] não há soluções prontas para os problemas da escola. Mas é possível
delinear uma metodologia para os enfrentar: conhecer e estudar
cuidadosamente as situações; examinar e experimentar métodos e
modelos de ensino; reflectir em conjunto e reelaborar as propostas de
trabalho; envolver pais, alunos e professores nas decisões que dizem
respeito à vida escolar; mostrar disponibilidade para recomeçar, em cada
dia, um percurso de interrogação e de procura.
[...] Em 27 anos, os colegas da Escola da Ponte já fizeram muitas
travessias. Pelo deserto ou pela floresta, eles sabem que não estão
sozinhos nas travessias que têm pela frente.
Na visão de Manuel Sarmento (2004), faz alguns anos que a Escola da Ponte vem se
destacando pelo seu reconhecimento como uma escola com um projeto educativo inovador,
pelo conjunto de reflexões que tem promovido, pelo fato da escola travar um delicado e
contínuo braço de ferro com os sucessivos poderes políticos e administrativos da educação,
com agravamento do impedimento pelo Ministro da Educação de Portugal David Justino da
continuação e consolidação do plano de expansão do projeto até o nono ano (9º ano) de
escolaridade, de forma a completar a totalidade de anos de escolaridade básica e obrigatória
prevista por lei.
Para Sarmento (2004, p. 49):
[...] o trabalho da Escola da Ponte é, em larga medida, caracterizável pela
desconstrução da condição estatutária dos sujeitos de aprendizagem,
através de uma reinvenção do ofício de aluno que promove e resgata a
criança em cada um.
Na Escola da Ponte, a reinvenção do ofício de aluno refere-se ao estabelecimento de
um jogo de papéis, onde a criança é vista como ser competente, com poder de decisão e
portadora de saberes – mestre de si própria. Desse modo, é a criança que organiza seu
trabalho educativo, realizando as escolhas de suas tarefas de aprendizagem com prazer de
aprender e como sujeito competente.
Do ponto de vista de Rui Trindade e Ariana Cosme (2004), a Escola da Ponte é
vista como uma referência de escola pública e democrática para outras instituições de
ensino. O que não se pode aceitar é que esta escola seja utilizada como exemplo de escola
ideal, como uma receita a ser seguida, desconsiderando as pessoas que nela estão inseridas.
O mais importante é compreender que uma escola para ser pública e democrática é
preciso levar em conta a especificidade dos atores que participam dessa escola e da própria
história da instituição.
A Escola da Ponte desenvolve um trabalho em que as crianças constroem seu saber,
os professores ajudam os alunos a refletirem acerca das informações relevantes, o ato de
aprender é visto como um processo que começa a partir de confrontos e não se separa os
conteúdos do processo de formação pessoal e social das crianças.
Para os autores, a Escola da Ponte pode contribuir muito para que essa reflexão
aconteça, esse patrimônio e essa experiência constituem uma referência para pensar e
discutir as escolas como organizações que executam serviços para a sociedade pautados por
valores identificados com a democracia.
Pensando que é no cenário da Ponte que se estabelece um ponto de referência para
refletir sobre as condições pedagógicas que precisam ser respeitadas e com o objetivo de
definir a escola em um contexto democrático, é necessário que o professor modifique o
conceito que ele tem do ato de ensinar, pois a ação educativa afirma-se em função de uma
dinâmica configurada pela relação de confiança estabelecida entre aluno e professor, essa
relação não pode ser marcada por tensões entre o que a criança aprende e o que a escola
espera que ela aprenda.
Teresa Vasconcelos (2004), quando convidada a integrar a comitiva do Senhor
Presidente da República Jorge Sampaio, em 18 de janeiro de 1998, para visitar as escolas
públicas procurou os espaços menos invadidos pelos acompanhantes da comitiva do
presidente onde pudesse perceber o que a “escola tinha a lhe dizer”. Ela se encantou em
presenciar crianças em idades distintas discutindo o desenvolvimento de uma pesquisa que
tinham de realizar, professores entusiasmados e articulados entre si, alunos sendo
acompanhados individualmente, alunos de cinco a dez anos de idade discutindo com
tranqüilidade na assembléia algumas das necessidades da escola com o Presidente da
República.
Ela afirma que o projeto educativo da Escola da Ponte levou muito tempo para ser
construído e os atores desse projeto não podem desistir de lutar e acreditar.

A Escola da Ponte de José Pacheco


Há quase trinta anos, José Pacheco (2004) idealizou e construiu a Escola da Ponte,
naquela época, juntamente com professores e pais reivindicaram a construção de um novo
prédio escolar, pois a escola estava situada próxima a uma lixeira e nem sequer havia
instalações sanitárias dignas.
Nessa Escola não existem paredes, turmas, séries, salas de aula e mesmo aula. Os
professores são especializados, mas as aulas não são divididas por disciplinas. Crianças e
adolescentes protagonizam sua própria história que certamente ultrapassará os muros das
escolas.
A distribuição dos alunos por espaços específicos ocorre em três situações:
1. As crianças da iniciação dispõem de um espaço próprio, onde elas aprendem a ler, a
escrever e a ser gente. Porém, estas crianças também utilizam outros espaços, lêem e
produzem escrita desde o primeiro dia de aula. A diferença entre a iniciação para os outros
níveis é o modo como se faz a planificação do trabalho e uma maior intervenção dos
professores.
2. A transição é onde crianças com problemas emocional, neurológico ou físico
permanecem o tempo necessário para se reencontrarem consigo mesmas e com os outros.
Estas crianças vêm acompanhadas de laudos realizados por psicólogos, médicos e outros.
Então, é realizado um trabalho especial para recuperação da auto-estima, melhorar o
convívio com todos e reorganizar o percurso de sua aprendizagem.
3. Os grupos de desenvolvimento circulam em total liberdade por todos os espaços da
escola e não são divididos em salas ou por idade de escolaridade.
O fato de derrubar as paredes durante a construção da escola libertou os alunos e
professores da rigidez do trabalho. Agora todo o espaço está ao dispor de todos os alunos
durante todo tempo de funcionamento da escola. Alunos e professores organizam seus
horários e trabalham com fundo musical.
Um dado muito importante é o progresso dos alunos devido ao fato de se ter abolido
ou atenuado os efeitos causados pelo sistema de reprovação. Que no meu modo de pensar é
um ato de coragem e significa o rompimento com a organização tradicional da educação.
Pacheco (2004, p. 68), com sua simplicidade, nos diz:
Na Ponte, vive-se, cultiva-se, respira-se a delicadeza no trato, suavidade
da voz, a afabilidade para com o colega, a disponibilidade, a atenção ao
outro, a capacidade de expor e de se expor. A interajuda permanente
acontece em todo o sistema de relações, a partir do exemplo dado pelo
trabalho em equipa dos professores.
O projeto educativo da Escola da Ponte tem alguns dispositivos:
 O quadro de direitos e deveres regula todo o sistema de relações interpessoais e
equilíbrio afetivo dos alunos, os assuntos são debatidos nas assembléias.
 A caixinha de segredos é o local onde os alunos depositam recados quando querem
conversar em segredo com um professor.
 O debate é um dispositivo coletivo onde são discutidos conflitos e assuntos de
interesse comum. É realizado no final de cada dia de trabalho.
 A assembléia da escola, realizada através de uma convocação em que se
estabelecem os assuntos a serem tratados e ao final de cada reunião elabora-se uma
ata para registro das discussões. A assembléia tem como objetivo preparar projetos,
solucionar conflitos e analisar os relatórios das Responsabilidades, que são os
registros do cumprimento das tarefas pelas quais cada grupo de alunos foi
responsável durante o ano. A assembléia também promove a distribuição de tarefas
e responsabilidades no intuito dos alunos aprenderem a organizar seu ambiente e
promover o bem-estar na escola.
Na Ponte, o plano de estudo é o mesmo para todas as crianças, mas existem
adaptações no currículo de alunos que estejam nos níveis de iniciação e de transição,
visando suprir as necessidades e capacidades individuais. No início de cada dia, a criança
define seu plano individual, que é um resumo sobre o que o aluno quer aprender durante o
dia. Este plano individual é submetido à análise de compatibilidade com o plano quinzenal,
o qual foi resultado da negociação entre professores e alunos.
Ao final de cada dia e de cada quinzena, é realizada uma avaliação dos planos
individuais para checar se houve uma produção efetiva e definir os planos das ações
seguintes.
A avaliação das aprendizagens é realizada quando o aluno se julga preparado. O
educando faz uma auto-avaliação e sentindo-se seguro de que o conteúdo estudado foi
assimilado propõe ao professor-tutor que lhe faça uma avaliação. Se for bem, passa para
outro tema, caso contrário, estudará um pouco mais sobre o mesmo assunto.
As aprendizagens processam-se na sua maioria em trabalho de pesquisa. Quando
alguém não atinge sua meta pede ajuda ao grupo ou requisita uma aula direta de um
professor especialista. Para participar dessas aulas, os alunos se inscrevem num mural
designado por preciso de ajuda. Para o trabalho de pesquisa, os alunos dispõem de textos,
biblioteca, computador, etc.
Pacheco (2004, p. 72 - 73) diz:
Educar é fornecer os meios e acompanhar processos de desenvolvimento.
Na Escola da Ponte, o currículo escolar é entendido como um conjunto
de situações e actividades que vão surgindo e que os alunos e professores
reelaboram conjuntamente. É feliz a criança a quem se permite satisfazer
a liberdade de acção num ambiente de segurança, confiança e apoio
criado pela presença dos educadores. Porém, a liberdade permitida a cada
criança é concebida na proporção do que ela é capaz de utilizar [...].
Os alunos e professores escolhem livremente suas preferências para trabalhar, sem
que isso afete negativamente as relações, ou seja, alunos escolhem os professores com
quem querem trabalhar. Os pais também podem fazer contato com qualquer professor para
solução de um problema ou para ter informações.
Ninguém, nem professor nem aluno, tem lugar e tempo fixo para trabalhar, brincar e
aprender.
Em uma mesma sala ficam três professores orientando os alunos no que for
necessário. Os professores não precisam preparar aulas porque não há aulas.
Eventualmente, preparam aulas especiais chamadas aulas diretas. O maior desafio do
professor é preparar-se a si mesmo, diariamente, para que possa responder tudo que for
preciso e para lidar com o imprevisível.
Pacheco (2004) nos conta que todos os professores de sua atual equipe tinham
experiência com turmas muito grandes, eram orientados por planos de aula concebidos para
serem desenvolvidos com o aluno médio, reclamando sempre que não tinham tempo
suficiente para dar o programa. Na Ponte não existe a preocupação em desenvolver o
programa, pois a idéia é que os alunos se apropriem do conteúdo à medida que vão
vencendo os desafios.
O desejo dos professores da Escola da Ponte é o mesmo de todos os professores de
outras escolas; que as crianças aprendam mais, aprendam melhor, que se descubram e
percebam o outro, que se descubram como pessoas e que sejam felizes. Para tanto é
necessário que o professor seja alguém que os ajudem a solucionar problemas, que os
estimulem e que confiem em suas habilidades, pois o professor só se impõe quando ele
assume seu papel nas tarefas de estímulo e de organização em relação aos seus alunos.
Na Ponte, o valor da autonomia tem a máxima importância nas atividades realizadas
pelas crianças. Estas atividades são projetadas por alunos e professores reforçando o
trabalho autônomo e permitindo que a criança construa seu conhecimento de forma ativa e
participativa.
Um dos riscos que o projeto da Ponte apresenta é o fato da transitoriedade de
professores no funcionalismo público, professores que não acreditam no trabalho da escola
são aprovados em concursos e colocados para trabalhar nessa instituição. Para Pacheco
(2004), uma forma de preservar o projeto educativo da escola é selecionar os candidatos
aprovados por concursos públicos em função da sua crença no projeto. Outro risco advém
das fragilidades da formação dos professores, da falta de melhores ferramentas e da falta de
maior autonomia e de investimentos.
Pacheco (2004, p. 84) termina seu depoimento dizendo que:
A Ponte é, como qualquer outro, um lugar de chegar, de ficar e de partir.
Um lugar onde deliberada e intencionalmente se chega para (com
outros!) fazer crianças mais felizes. Um lugar de onde uns partem para
levar sementes de sonho para outros lugares [...].
Eu diria que o vencedor é aquele que perde o medo do fracasso. Pacheco conseguiu
nos mostrar como é possível vencer os desafios que estão em nossa caminhada diária,
enfrentando-os sem medo.
Capítulo IV
Entrevista realizada com o professor José Pacheco da Escola da Ponte
Portugal

Reproduzo na íntegra a entrevista exclusiva com José Pacheco, idealizador e ex-


diretor da Escola da Ponte, realizada em de 27 de julho de 2005, no Pueri Domus Escolas
Associadas, em São Paulo. Ocasião em que o educador esteve no Brasil para proferir
palestras, participar de congressos e outros eventos na área educacional. Neste momento,
com tantos compromissos e dada sua importância no mundo acadêmico, Pacheco
demonstrou toda sua humildade em me receber, dispensando um tempo para responder,
com tanta simplicidade e sabedoria, todas as minhas perguntas.

Na sua concepção, qual o perfil que um professor deve ter para ser tutor e
olhar para o aluno de forma diferenciada?
“Nós estamos ainda na procura deste perfil, estamos a construir. O que nós já
observamos e já concluímos é que na formação inicial do professor, algo falha na
preparação desse profissional. Existe uma lacuna na formação inicial que se mantém na
dita formação não-inicial. Temos que ter muita prudência para fechar um perfil. Embora
nós já tenhamos um conjunto de atribuições do tutor, o perfil não está definido.
Minha intenção inicial, já há muitos anos, era de criar um dispositivo (vamos falar
assim) que fosse facilitador da articulação entre o projecto de vida que as famílias tinham
para seus filhos e o projecto que a Ponte oferecia. Um dispositivo que ajudasse a criar
vínculos afectivos, que ajudassem na solução de alguns problemas com que as crianças se
defrontam.
Devo lembrar que, na região onde trabalhamos, muitas famílias estão afetadas por
problemas tremendos. E, para muitos alunos que nem pais têm, o tutor surge como um
interlocutor entre a Ponte e a instituição onde a criança está alojada, a psicóloga, a
assistente social.
Outra das dimensões da tutoria é a relação de um grupo restrito de alunos com um
professor. Esse professor pode, também, ser facilitador de integração de outros
professores na equipa. Muitos professores que chegam à Ponte não vêm preparados para
trabalhar devidamente o projecto, só trazem consigo boa-vontade e uma formação
deficiente (quando não vêm afectados com vícios de “ensino tradicional”). Esses
professores passam por uma fase de observação, a que se segue uma fase de trabalho de
pares. E é aqui que o professor que está na Ponte há mais tempo pode agir como tutor do
professor “iniciante”.
O professor-tutor é uma pessoa que ajuda a auto-regulação das aprendizagens, não
somente na sua área de especialidade, mas no quadro dos projetos que seus tutorandos
estão desenvolvendo, nas consultas de fichas de registro da avaliação formativa, nas
conversas com os professores especialistas de diferentes áreas e no atendimento do seu
tutorando para saber se das dúvidas, problemas, dificuldades, êxitos…
A atribuição mais importante do professor-tutor talvez seja o “escolarizar a
família” (entre aspas e num bom sentido…). O professor-tutor recebe muita informação do
aluno relativamente à sua vida familiar. Muitas crianças interiorizam sentimentos de
culpa, a partir da vivência de conflitos familiares que ela não consegue explicar. Se o tutor
conseguir, discretamente, interferir nesse quadro, pode ajudar os pais dos alunos a
tomarem consciência desses fenómenos, e ajudar a reduzir a apatia que se apossa do aluno
preocupado com situações que não controla, nem compreende.”

Então, o professor-tutor passa a ter a função de terapeuta, um agente que faz


esta ligação afetiva escola-família?
“Com as devidas reservas, claro!... Mas, passa muito por aí. Eu estou falando,
também, em função do professor-tutor que eu fui. Nós não temos uma teoria feita sobre o
assunto mas e, quando procurei teorias, apercebi-me de que o conceito de tutor é muito
difuso e abrangente. Tem uma dimensão terapêutica, no sentido de que age para reforçar
a confiança de pais e dos alunos. As crianças sabem que, a qualquer hora de qualquer dia,
podem contar com a ajuda do seu professor-tutor.”.

Você atribui o sucesso da tutoria, na Escola da Ponte, por conta da confiança


estabelecida entre tutor-aluno-família?
“Sim. Eu sei pela experiência, que quanto mais próximo o aluno sentir que a sua
família está da escola, mais ele se envolve com a sua aprendizagem. Estamos ainda a falar
de dados empíricos. Mas eles são bem claros.
A intenção primeira foi a do aluno ter acesso permanente a alguém, dentro da
escola, com quem pudesse interagir, um adulto significativo, em quem pudesse confiar. Na
escola tradicional, o “director de turma” é aquele que promove uma reunião trimestral
com os pais e distribui lacónicas “fichas de informação”. O professor-tutor é algo
diferente. Esta figura emergiu de necessidades que iam muito além do contacto formal e
episódico de um professor com os pais. Começou a ganhar forma, há vinte e cinco anos,
quando os professores começaram a receber recados da “caixinha de segredos” (outro
dispositivo que o aluno usava para conversar com o professor de sua confiança). Os
alunos precisavam de alguém específico – os recados depositados na caixinha eram
dirigidos a um professor específico, o que prova que a relação afectiva não é neutra… Os
apelos eram muito fortes, eram apelos de crianças que não conseguiam controlar situações
que vivenciavam.”

Na sua fala podemos observar que, a presença da família na escola contribui


muito no rendimento escolar da criança. Aqui no Brasil, falamos muito de parceria
família – escola. Mas, o nosso movimento provoca um efeito contrário, pois os pais
passam a interferir no trabalho pedagógico. Como trazer os pais para a escola e olhar
essa família como parceiros de verdade?
“A minha resposta é dada a partir da experiência da Ponte. Tive oportunidade de
participar em experiências em outras escolas por onde passei, antes de trabalhar na Ponte.
Observava o quanto era difícil ajudar cada crianças, por si, dado que eu estava sozinho na
minha sala e trabalhava somente com os pais dos meus alunos. Observava, também, que
mais nenhum professor dessas escolas se reunia com os pais dos seus alunos com a mesma
frequência com que eu reunia. Aliás, as reuniões que eu efectuava produziam um certo
mal-estar nos outros professores. Notava o receio de que os pais viessem a interferir no
trabalho pedagógico dos professores.
Na Ponte, sempre tivemos o cuidado de realçar a diferença de estatutos: o estatuto
de professor não se confunde com o de pai, ou com o estatuto de aluno. Nas escolas
portuguesas, o órgão de gestão pedagógica integra professores e representantes de pais,
auxiliares de acção educativa, funcionários da área administrativa, etc. Na Ponte,
transgredimos a lei (também neste domínio), não permitindo que pais (ou representantes
de corporações) fizessem parte do “conselho pedagógico”. Neste órgão, presume-se que se
discuta pedagogia… E o que vemos, nos últimos anos – e confirma a justeza da nossa
atitude – é que, em muitas escolas, os pais e outros agentes não-professores participam nas
reuniões pedagógicas, entrando mudos e saindo calados. E, ao cabo de duas ou três
reuniões, abandonam os seus lugares no “conselho”.
Em contrapartida, os pais têm predominância no “conselho de direcção”, o órgão
máximo da escola, ao contrário das restantes escolas, nas quais os professores são
maioritários em todos os órgãos e a eles presidem.
Estão bem definidos os papéis e os estatutos de professor, pai e aluno. Não se
confundem, há limites muito claros. Muitas vezes, eu fui duro com alguns pais, quando
pretenderam imiscuir-se em assuntos e decisões, relativamente aos quais não detinham
saberes que balizassem as suas posições. Os pais têm um papel importante, são eles quem
decide o rumo da escola a partir de um projecto educativo que elaboraram com os
professores. Se os pais se desviam desta função, eu tenho o direito de discordar (no campo
da pedagogia).
Os pais têm, também, um papel fundamental na defesa da autonomia da escola. Se
os professores têm dever de obediência hierárquica, isso significa que qualquer órgão
hierárquico situado num nível de decisão superior ao da escola pode decidir o que a escola
deve, ou não deve fazer. Qual é a realidade nas escolas que se dizem “autónomas”? Os
professores, directores, gestores de uma escola, poderão discordar de determinações
“superiores”, mas não lhes resta outra opção: terão de as cumprir. Porém, os pais não
têm dever de obediência hierárquica face ao Ministério. Se, nas outras escolas, quem
preside ao órgão de direção é um professor e não pode contestar qualquer ordem
contrária ao seu projecto, ou considerada (fundamentando) injusta ou prejudicial à escola,
nós dispomos de um “interface” entre a decisão administrativa e o domínio do
pedagógico. Os pais acreditam no projecto que nós desenvolvemos. E, antes de dar
resposta a um ministério, ou qualquer estância intermédia de administração, consultam os
professores. Ouvidos os professores, os pais poderão recusar cumprir determinações
“superiores”. Se adoptássemos o modelo de gestão e administração que as outras escolas
adoptaram, viveríamos num faz-de-conta de autonomia.
Cada vez que se realiza uma reunião com os pais, aprendemos a comunicar com
eles. Os professores terão de saber falar de modo claro com um pai não-alfabetizado como
com um licenciado. E isto não se aprende nem na formação inicial nem na formação não-
inicial… O uso de códigos linguísticos e de mediadores aprende-se na prática do trabalho
com os pais.”

Através da sua experiência na Escola da Ponte, você acha que se o professor


tivesse uma melhor formação, ainda seria necessária a presença do professor-tutor
nas escolas? É possível que todos os professores, com a prática, se tornem professores-
tutores, a ponto de não ser mais necessário o trabalho da tutoria nas escolas?
“Quando falamos de professor-tutor, estamos a falar de um orientador educativo
(na nossa terminologia). Pode haver tutores que não sejam professores, ou que sejam
professores voluntários, psicólogos, etc. Pode ser qualquer adulto. Mas, neste sentido,
teremos de deslocar a discussão para a reformulação do conceito de escola, a
reconfiguração das práticas escolares. Não arrisco dar uma resposta a esta pergunta.
Trinta anos é pouco tempo, precisaremos de mais dez, ou vinte, para dar uma resposta
cabal. A idéia inicial (há trinta anos) foi a de que todos interagissem com todos, num
mesmo núcleo humano, que todos agissem como tutores. Com o decorrer dos anos, fomos
alterando convicções e estabelecendo vínculos de maior proximidade. Isto é, a realidade
demonstrou que a relação é tão mais verdadeira quanto for permitido ao professor, ao pai
e ao aluno escolher a “tutória”.”

Você diz que “Escola é o lugar de criança feliz e professor alegre”. Este espaço
que é a escola deveria estimular o “ser brincante” que é a criança. Por que após um
tempo de contato com a escola, a criança passa a não mais gostar de estar nesse
espaço?
“Começa logo no primeiro momento, quando a criança chega na escola e é
obrigada a se sentar, a estar imóvel, durante uma hora e meia, a deixar de ter ritmo
próprio, a deixar de ser ela própria. Estou a falar de crianças ditas normais, detentoras de
competência para decidir o que querem fazer, desde que devidamente orientadas. Se a
aprendizagem tem sentido para elas, elas se envolvem. E um dos papéis de um orientador
educativo é, exactamente, o de suscitar a curiosidade, desafiar...
Houve um ano em que fiz uma experiência, que nunca mais repeti e em alguns
casos considerei ter sido, de algum modo, cruel. As crianças chegavam, no primeiro dia de
escola, e eu perguntava-lhes (com carinho…): “Que é que vens fazer aqui? Por que vens
para a escola?” E não lhes permitia que entrassem, enquanto não me explicassem. Fui
registrando as respostas: “Venho porque o meu pai me mandou, venho porque já não vou
mais para a escolinha pequenina, venho porque quero aprender”. Quando eu os
provocava: “Aprender o que?”, eles ficavam a olhar para mim, encolhiam os ombros e só
eram honestos (honestos no sentido em que não traziam frase feita ou clichê) os que
diziam: “Vim para estar com os amigos, vim para brincar com os amigos, vim porque
tenho amigos e quero brincar com eles, eu quero entrar porque meus amigos estão lá
dentro”.
A criança é jogo, é “brincar”, mas a escola também serve para transmitir cultura,
assegurar aprendizagens… Se, antes, ela não tem qualquer razão para ir à escola,
descobrirá razões, o sentido da escola. O primeiro será o brincar com os outros, o estar
com os outros, porque não quer estar sozinha em casa, porque os outros também estão na
escola. Depois, virão os adultos que se interessam pela pessoa que ela é, antes de a
investirem no ofício de aluno. Depois, vem tudo o resto…”

A Assembléia da Escola da Ponte sempre suscita curiosidade por parte dos


leitores. Como é uma Assembléia e qual a faixa etária dos participantes?
“A Assembléia é um dos grandes espaços de criação de identidade e do exercício
da cidadania dentro da Escola da Ponte. A Mesa da Assembléia é eleita anualmente, numa
eleição organizada por alunos. É criada uma comissão eleitoral, que prepara as urnas de
voto, o regulamento eleitoral, o cartão de eleitor atualizado, que determina o período do
debate, o período da apresentação das listas, o período de validação das listas, o dia da
votação, o dia da instalação da Assembleia. Sempre há um professor que acompanha o
grupo e intervém apenas quando necessário.
São os alunos que dirigem as Assembleias, fazem convocatória, que preparam a
discussão dos assuntos. Na Sexta-feira, antes da Assembleia, acontece uma reunião com o
professor-tutor para aprofundar os assuntos.”

Você acha que a Assembléia deixa as crianças se tornarem adultos antes da


hora? Procede esta dúvida, ou é uma questão de desenvolver autonomia,
responsabilidade?
“A Assembleia não foi sempre como é hoje. Houve um tempo em que a democracia
era quase directa. Agora, pratica-se democracia representativa. Irão decorrer mais alguns
anos, até que os alunos descubram novas formas, que não consistam em imitar o que os
adultos fazem. Os alunos já acabaram com o dispositivo “tribunal” e transformaram-no
em “comissão de ajuda”. Seja qual for o modo como se desenvolva futuramente, a
Assembleia é um espaço e um tempo do exercício de cidadania, de formação na cidadania,
e não apenas formação para a cidadania. Assim como os professores precisam dar aula
para saberem que de nada serve dar aulas e delas se libertarem, assim as crianças deverão
realizar reuniões de Assembleia, para compreenderem o que é o exercício da participação
democrática e assumirem a dignidade de pessoas autónomas.
Estamos a desbravar um terreno virgem (digamos assim). Não existe que eu saiba,
em nenhuma escola, assembleia de alunos da escola com periodicidade semanal e com as
características da nossa. O que há é, por exemplo, na pedagogia Freinet (movimento da
escola moderna) as chamadas assembleias de turma, a classe cooperativa, a assembleia de
classe (não da escola). Porque nos falta conhecer experiências afins, vamos com muito
cuidado, observando como as crianças reagem, para que não fiquem adultizadas
precocemente. É imperioso que os alunos tenham um tipo de diálogo característico da sua
idade e não um decalque do debate adulto. “Adultos” serão os assuntos por eles definidos
e discutidos de modo responsável.
Eu fui prefeito da minha cidade, participei em muitas assembléias. Vi a imaturidade
de adultos que não conseguiam aceitar, escutar o outro, fazer a interpretação do outro,
respeitando o outro, sabendo argumentar, sabendo fundamentar. E observo, na assembleia
da Escola da Ponte, que as crianças falam como são e o que sentem. Ali, existe um sentido
que, talvez, pertença àquela escola, sabem que aquilo serve para melhorar a escola, ou
seja, para melhorar sua maneira de estar na escola, o seu bem-estar. As propostas que as
listas (assembleia) apresentam são neste sentido, eles dizem: propostas para melhorar a
nossa escola, propõem criar um cantinho onde eles se sintam bem na escola, um cantinho
ideal. Tudo o que eles definem é na linguagem deles, é o que eles sentem, não há o risco do
aluno se forçar ali. E tudo de um modo muito mais maduro do que nas assembleias dos
adultos.
Há alguns anos atrás, a par com a assembléia, havia um “governo”. As crianças
desse tempo ainda imitavam as instituições dos adultos. Mas, em dois anos, o governo
desapareceu para passarem a constituir-se grupos de responsabilidades. As crianças
perceberam que o governo por eles instituído era um “macaquear” o governo dos
adultos.”

No meu ponto de vista, no Brasil, nós rompemos com os projetos que iniciamos
antes da hora, não somos perseverantes com o que colocamos em prática, isto é, no
primeiro obstáculo, desistimos. Pensando nisso, quanto tempo leva para implantar
algo novo, de acordo com as exigências do mundo moderno e “colher bons frutos?”
“Tenho acompanhado muitos projectos. Os que sobrevivem têm tempos de
maturação diferentes, tudo depende de múltiplos fatores: de uma estratégia de
sobrevivência, da qualidade do líder, de professores que ousem concretizar sonhos, que
sejam subversivos e conspiradores. Quando o projecto da Ponte surgiu, num contexto
social mais difícil de Portugal, onde nunca se pensaria que surgisse (o mais favorável seria
o sul de Portugal), pôs em causa muito do poder político e económico local. Gastámos
muito tempo a praticar uma resiliência que no assegurou alguma sustentabilidade. Mas um
projecto humano é sempre frágil e a sustentabilidade conseguida precária. O tempo para
desenvolver um projecto é todo e qualquer tempo. Um projecto está sempre em fase
instituinte, e não existe um tempo de maturação igual para todos.
Nós gastamos cerca de uns dez anos para consolidar e criar autonomia e mais dez
para perceber as asneiras que fizemos e corrigi-las. Ao cabo de trinta anos, aquilo que
fizemos foram apenas “andaimes”. E eu vou embora, porque quando se chega na fase da
reparação dos erros, o pior que pode acontecer para um projeto é alguém se considerar
dono do projecto e continuar no projecto que foi autor. O autor tem que ser uma equipa e
essa equipa tem que partir com responsabilidade total sobre o projecto.”
Considerações Finais

Um dos assuntos que especialmente nos inquieta é a dificuldade de desenvolver


coletivamente, em sala de aula, o sentimento em educadores e alunos de pertencerem como
atores, ao projeto educativo de uma escola, especialmente quando este projeto envolve a
preparação de futuros cidadãos.
As pessoas são essenciais na escola. Ao educador, é importante sintonizar seu lado
humano e profissional no desafio de auxiliar o crescimento, a autonomia de seus alunos
tornando-os seres humanos mais felizes. Para tanto é necessário aprender a ousar, sonhar e
conspirar.
A criança precisa ser ensinada corretamente, para no futuro saber escolher. O
professor-tutor é o profissional que sabe como conduzir, apontar ao aluno o caminho e
refletir com ele o quanto caminhou e o que tem ainda para caminhar em relação ao seu
conhecimento. Situando o educando nesse trajeto, o tutor exerce o papel de co-piloto
estabelecendo a rota para o aluno não se perder. Cabe ao educador provocar e questionar
esse aluno, para que ele sinta prazer em ser desafiado e com isso construa seu
conhecimento resultando em um maior significado na sua própria aprendizagem.
O Professor José Pacheco ao criar uma escola em que alunos, educadores e pais
participam ativamente desse projeto quebrou muitos paradigmas, um deles foi mostrar aos
educadores que uma das formas de se construir uma escola de qualidade com
responsabilidade é optar pela simplicidade, acreditar na capacidade de seu aluno e caminhar
todos juntos com o objetivo de atingir a proposta educativa dessa escola.
A relação professor-aluno deve ser pautada no diálogo, na reflexão crítica, na ética,
na afetividade, na coerência, na cumplicidade, na disciplina e no diálogo, pois educar é um
processo de humanização, conscientização e transformação. E que o aluno aprenda, nesta
relação a identificar, respeitar e responsabilizar-se pelas normas de convivência dos
diferentes espaços por onde transita, a conviver com todo tipo de pessoas e a estabelecer
um compromisso com o conhecimento. Vale lembrar o que dizia Andy Hargreaves, ao
afirmar que as regras do mundo estão mudando, é hora de fazer com que as regras do
ensino e do trabalho dos docentes mudem com elas.
Portanto, a escola deve ir além da educação formal, preparando o aluno para a vida
em comunidade, ensinando-o a pensar com autonomia, a ter senso crítico e permitir-lhe
adquirir noções de valores e ética. Para tanto, é necessário que o educador seja
perseverante, pois a vida escolar do aluno é um processo de transformação lento e contínuo.
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