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ESCOLINHA DE ARTE DO BRASIL

“DEVIR DE CASA: MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO ARTISTA QUE PULSA EM


MIM”
Professora: Greice Cohn
Rio de Janeiro

Justificativa e objetivo

O projeto do curso DEVIR DE CASA parte da observação, na experiência pedagógica com a


formação continuada de professores, de que muitos docentes de Artes têm um brilho saudoso
no olhar quando lembram da época em que tinham tempo e espaço em suas vidas para o
exercício criativo/poético pessoal, em que frequentavam um atelier (ou palcos) onde podiam
experimentar e criar, atendendo ao compromisso com seu pulsar poético/criador. Vemos
professores suspirarem, nostálgicos, ao recordar um tempo no qual sua criatividade
transbordava no contato com tintas, papéis, pincéis, argila, lápis, linhas, cores; instrumentos;
ou com os pés descalços sobre o chão de madeira de uma sala silenciosa. De um tempo em que
o encontro com a experimentação criadora não se dava somente como agenciadores da
criação alheia, em sala de aula, em proposição a seus estudantes. De um tempo em que esse
estado de ser e de estar criativo diante de materiais e/ou situações corporais e emocionais
também era um privilégio seu. Um tempo que para muitos ficou pra trás, ou mesmo nunca
chegou a existir de fato.

Partimos da premissa de que o professor de arte é um artista, um ser que despertou para a
necessidade da arte e da criação desde muito cedo em sua vida. Um ser que foi uma criança
criativa e curiosa, atenta e ávida por experiências estéticas, mas que, ao crescer, decidiu unir
essa pulsão interior a outra não menos arrebatadora: a pulsão educadora. O que ele(a) não
sabia, porém, ao fazer essa opção, era que o educador, para se desenvolver e profissionalizar,
exigiria tempo e dedicação, e que, possivelmente, nessa trajetória a pulsão artista pudesse
acabar sendo negligenciada e esquecida numa gaveta. Uma gaveta para a qual ele(a) insiste
em olhar de vez em quando, com certa culpa e tristeza, prometendo abri-la de novo, quando
der, quando sobrar tempo, sem se dar conta de que deixa-la fechada pode significar se
distanciar, em última instância, do princípio motivador do seu próprio fazer pedagógico: o
encontro com a experiência estética.

Ao escolher ser professor(a) de Arte, escolhe-se ocupar o lugar de orientador(a), de


mediador(a), de propositor(a) de experiências artísticas e estéticas. Escolhe-se, portanto,
manter a intimidade com a experiência criadora, ser atravessado(a) por ela em seu cotidiano.
Em nossa própria experiência docente na arte, percebemos que, q uanto mais próximo(a) e
ativo(a) um(a) professor(a) se mantiver de seu processo criativo pessoal, quanto mais
frequente e direta for essa relação com seu artista interior, mais plenamente ele(a) viverá sua
vida, e, concomitantemente, mais plenamente viverá seu fazer pedagógico em e da arte.
Formatamos, portanto, o curso DEVIR DE CASA com vistas a possibilitar essa reaproximação
do(a) professor(a) de Arte e de Arte-Educadores – que ao longo de sua trajetória profissional
foram se distanciando da prática criadora com ênfase na poética pessoal, para além do
exercício criativo inerente à docência – com seu artista interior. Entretanto, ressaltamos que
o curso se oferece também a pessoas que atuam em outras áreas, a qualquer pessoa que deseje
desbloquear, se reconectar, fortalecer e desenvolver seu eu artista.

Descrição e histórico
Devir de casa é um curso teórico-prático e online. As aulas se desenvolvem em encontros
semanais de 2h de duração, nas quais exercícios de desbloqueio e reconexão com o ser
criador/artista que vive em cada um são propostos e compartilhados, em práticas individuais
e coletivas, que envolverão também leituras, debates, pesquisas e conversas com artistas.

No módulo 1 – realizado de agosto a novembro de 2021 – trabalhamos com alguns autores que
fundamentam práticas de reconhecimento, experiênciação e reconexão com o ser criador de
cada um, como John Dewey, Jacques Rancière, Fayga Ostrower e Julia Cameron, por exemplo.
Vimos, nesse primeiro momento, especialmente, o livro O Caminho do artista, (CAMERON,
2017) que traz um programa potente e bem estruturado para a reconexão com o artista
interior que nos habita.

O módulo 2 – realizado de fevereiro a julho de 2022 – deu continuidade às dinâmicas propostas


no módulo 1, com foco na proposição de práticas e análise de trabalhos realizados, deixando
claro para nós que o CURSO DEVIR DE CASA deve ser um curso contínuo, no qual a professora
é uma propositora e orientadora de processos criativos individuais e coletivos.

Atualmente, nesse terceiro semestre de sua trajetória, o curso conta com 12 participantes, das
quais 8 são professoras de Arte da rede pública e/ou privada de ensino básico e universitário,
se mostrando como um espaço de conexão, atualização e desenvolvimento artístico para esses
profissionais. Além das experiências estéticas propostas, o curso propõe visitas a exposições
e reflexões teóricas sobre os processos em curso.

No que diz respeito à experiência docente escolar e universitária, reconhecemos, a partir da


própria experiência docente, o valor da ciclicidade, que reside na repetição (das práticas e
proposições), na continuidade dos processos, e no compartilhamento das experiências e
resultados com o coletivo. O cotidiano curricular escolar se estrutura a partir dessa
possibilidade de recomeço – e a lousa de giz, que se apaga e se reescreve continuamente, se
atualizando sempre, é uma metáfora dessa estrutura cíclica –, de reencontro com experiências
de outro ponto de vista e estágios de aprendizagem. O ensino da arte, assim como de outros
campos de conhecimento, se beneficia dessa “partitura cíclica”, pois esse cotidiano de práticas
e seu constante reinício também são a base da experiência de atelier. O contínuo e ritmado
recomeço acontece tanto na experiência pedagógica, como nos processos de desenvolvimento
estético, na experiência artístico/criadora em atelier. Se repete e se atualiza, é um devir.
Devir é “tornar-se”, é nosso estado vital e permanente de transformação.
O trocadilho proposto no título – entre dever e devir – propõe um deslocamento de nossa
escuta e atenção: do exterior (das demandas que vêm de fora) para o interior (demandas
internas), para nossa casa, para nossa alma.
Manutenção e Desenvolvimento são duas ações interdependentes. Enquanto desenvolvimento
é movimento, crescimento, avanço, mudança, voo, aprofundamento e desdobramento;
manutenção é a ação que garante o fluxo necessário à abertura para o crescimento.
Manutenção envolve a varredura constante de resíduos e obstáculos que interrompem o fluxo
vital/criador. E, ao mesmo tempo, envolve a atenção à nutrição estética que motiva a
curiosidade e o interesse. É a manutenção que sustenta o estado de mudança, o devir.
É preciso manter o estado de mudança para haver desenvolvimento.

BIBLIOGRAFIA REFERENCIAL

BARBOSA, Ana Mae . ZIG/ZAG, Arte/Educação e mediação. In: XX Seminário Nacional de Arte e
Educação, 2006, Montenegro. XX Seminário Nacional de Arte e Educação. Montenegro: FUNDARTE,
2006. v. 1. p. 8-9.

CAMERON, Julia. O Caminho do artista. Rio de Janeiro: Sextante, 2017.

DEWEY, John. Arte como experiência. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

GILBERT, Elizabeth. Grande magia: vida criativa sem medo. Rio de janeiro: Objetiva, 2015.

GRANT, Simon (Org.). Pontos de vista – artistas e seus referenciais. São Paulo: Edições Sesc, 2014. Trad.
de Thaís Rocha.

MALRAUX, André. O Museu imaginário. Portugal: EDIÇÕES 70, LDA, 2011.

OSTROWER, FAYGA. Criatividade e processos de criação – 7ª edição. Petrópolis: Ed. Vozes, 1987

RANCIÈRE, J. O Mestre ignorante. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2002.

_______. O Espectador emancipado. Lisboa: Orfeu Negro, 2010.

_______. O destino das imagens. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.

_______. Formas de vida: a arte como intervenção no pensamento e na comunidade. Entrevista concedida
a Guilherme Freitas no Caderno PROSA E VERSO. Rio de Janeiro: Jornal O GLOBO, 8 de dez. de 2012(a).

Currículo da professora/propositora

Greice Cohn é professora, pesquisadora e artista visual, Doutora em Educação


(Faculdade de Educação/UFRJ, 2016); Mestra em Tecnologia Educacional
(NUTES/UFRJ, 2004. Licenciada em Educação Artística (Escola de Belas
Artes/UFRJ,1985); Profª Titular de Artes Visuais do Colégio Pedro II (1994-2018);
Coordenadora Pedagógica de Artes Visuais do Campus Centro Colégio Pedro II
(2002-2016) e do Pólo Arte na Escola/UFRJ (2007-2010). Professora dos cursos de
Especialização "Saberes e Prática na Educação Básica" (CESPEB/UFRJ): Ênfase em
Ensino Contemporâneo de Arte, 2019-2020; e "Saberes e Fazeres no Ensino das
Artes Visuais"/Colégio Pedro II, turmas 2019 e 2020. Pesquisa sobre arte
contemporânea; imagens em movimento; ensino da arte; processos criativos e
participa do grupo ENCONTROS E REFLEXÕES, da Escola de Artes Visuais do Parque
Lage, coordenado por Iole de Freitas. Exposições realizadas: Alguma Luz sobre o corpo
da multidão (Metrô da Carioca, 1989), Fios para labirintos/EAV de portas abertas, 2019;
EAV.COM/Mostras online de trabalhos de alunes, 2020 e 2021; SER E TER: a resistência dos
materiais (Centro Cultural Midrash, 2019); EventObra100 (OLugar Arte Contemporânea,
2022); Projetodeprojeções - Edição um: “APARIÇÃO DESAPARIÇÃO” (Casa da Escada
Colorida, 2022); FESTIVAL Mostra Tua Arte (Belém-PA, 2022).

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