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l) SICOLOGIA
DO CARA1�ER
Tradução de
N. L. RODIUGUES
Ouaria Edição
Disponibilizado em:
RIO DE JANEIRO
Copyright de
NIDAS S. A. ( A G I n )
.,.,_ GRÁFICAS JNDúSTRIAS REU
.... �r... �
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PREFÁCIO
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6 RUDOLF ALLERS
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 7
se dá import.,Jncin (e gmndc im11ortâ.11cia) an 1Jastn domínio de
fatos que comp1·cc1Hic ª-" rclaçiics entre "· 1icrs01w/·idadc lwmana
e a constituição orgá11ic!a. (oll cnt,rc ll, at.ioic/adc 1míqufra e as glân
dulas de sccrcrcio ·i11tcr11a.), c1111w t.a111/1ém., ma:is <Linda, a éssc
problema cssc11cial111c11fc psicoltí!1fro: clnr a. c;1:7)lica,Çün dlL origem,
do caráter hu:11w1111, da- 11crso11aliclade, e esclarecer sua cvol11ção
e tra11sjor111açõcs. Assim. se tra.-11sformo11, cada ?JCZ mais, em ensi
no sistemático, êsse movimento que lia.via começado como aplica
ção de um. método. Pode-se mesmo dizm· que estava de tal modo
ao a-lcancc do jundador da psicanáHsc transformá-la 11111n sistema,
que ela já tomou a forma de uma filosofia. De fato: as duas últi
mas obras qe FREUD (Die Zukunft einer Illusion e Das Unbehagen
in der Kultur) são, sem dúvida alguma, de conteúdo filosófico.
Considere-se, po1·ém, o fato de se terem afastado da psicanáli.se
propriamente dita, pesquisadores que, por sua vez, erigiram seus
próprios sistemas - como, por exemvlo, ADLER, que tomou como
ponto de partida o que FREUD negava. (Sabe-se que, segundo
FREUD, apena.s ao passado devia se,· atribuída uma significação
decisiva na formação do caráter, enquanto que, para ADLER, o
futnro torna-se decisivo, por intermédio das finalidades determi
nantes impostas ao caráter). Pode-se, então, concluir, com funda
mento num estudo dessas concepções - que,· em seus criadores,
quer 11a grande multidão dos que as em.pregaram, e desenvol-ueram
de vários modos - que o essencial não é tanto o sistem.a. como
o esfôrço para a.tingir a significação da origem do caráter e dos
fatôres importantes que a êle se ligam.
Cabe a ALLERS o mérito de se ter orientado. desde cedo. nessa.
direção e de ter contribuído, nesse sentido, com pesquisas p1·6prias.
Ainda que tais pesquisas não o tivessem colocado num lupar proe
minente, elas atestavam, contudo, a ma,qnitude de seus trabalhos
p1·epat·atórios. 1 O vresente livro, porém, é uma ob1·a original e
forte, que vode ser considerada como 'Uma contrilntição pessoal de
singula.1· valor.
Para ter uma idéia da natureza e imporMncia. dessa contri
buição, devemos lembrar-nos de que todos aqu.êles q1te se opunham
a uma concevção materialística da vida, não podiam dar .�ua apro
vação aos primeit·os trabalhos de FREUD, e, muito menos, aos
últimos. Imperava neles uma concepção fatalfstica do desenvol
'Vimento do caráter humano, que, na verdade, parecia muito afas
tada dos momentos físico-químicos e morfológicos, mas que, no
entanto, deixava ver suficientemente SllUS fundamentos de grassei-
1 . Ver • Psychologie des Gcschlcchtslebms" ( 1 9 2 Z) ; O ber Psycboanaltjst
(1920); Cbarakter ais Ausáruch, in: Jabrb. der Churakterol. Bd. I (1925);
Begriff und Methodih der D,utung, in: SCHWARZ, Psychogenese un1 Psychctl!t".
korperl. Symtome () 925); Medizin. Charahterol. in: Handb. der Biol. der Person
(I 927).
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8 RUDOLF ALLERS
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11
pSICOLOGIA DO CAR.ATEit
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INTRODUÇÃO
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14 RUDOLF ALLERS
1, CitJremos aqui algumas obras que expõem, na maioria dos casos, apen.ls
os -ensinamentos dos ;:.utore:s mais notáveis., dando uma simples vista de conjunto
das restantes idéias. Sé,mente HOFFMANN (Der Aufbau des Charakreres. Berlim.
19 26) d.í uma boa .síntcs� das carJcterologias mais importantes. Outras obr�s 5,âo :
P. 1 IAEBERLIN,
- Der Chara/irer (Basiléia, 19 2-1) ; L. KLAGES, Grundlagen der
Charahlerkunde (Leip1eig, 1926) • Persõnlichkeit (Das \Vc!tbild- vol: II, Potsdam,
1928): A. UTITZ, Charahrerologie (Charlottenburg. 1925). Do ponto de vista
da psíonálisc o melhor livro é o de H. HARTMA.'..N, Die Grund/ag en der Psy•
choanr.lyse (Münd,cn 1926) e, sôbrc psicologia individual. o de E. WEXllERG.
lndividualpsychologie (Leipzig. 1928) ou, numa ,•ersão mais pessoal, o de F. KüN
KEJ.., Charakterhunde (Leipzig, 1929),
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 15
Tudo isso pertence mais à caractel·ologia teórica, ou, mesmo, a
uma teoria da caracterologia do que a explicações essencialmente
orientadas para a prática e a ela destinadas. Sei;n dúvida, não
podem ser deixadas de lado, inteiramente, as considerações teóri
cas. Um certo esclarecimento dos conceitos com que elevemos
trabalhar, uma visão geral dos objetos das reflexões que se impõem
não podem ser dispensados, mesmo por um ensino que se dedica
à prática, principalmente quando tal ensino se refere ao caráter.
Por conseguinte, devemos tentar, primeiramente, uma defi
nição adequada do têrmo "caráter", ou, pelo menos, uma represen
tação de sua essência. Só quando obtivermos tal representação,
poderemos investigar razoàvelmente as condições que contribuem
para a formação do caráter - quer em sua expressão definitiva,
quer em sua evolução.
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J. A NATUREZA DO CARÁTER E OS M1:.TODOS
DA CARACTEROLOGIA
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RUDOLl•' ALL'EltS
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 19
A linguagem usual nos fo1·nece ainda outro conhecimento.
Podemos dizer: "Êste homem tem um caráter (tal ou qual)", como
podemos dizer: "f;ste homem é ( ou não é) um caráter". A êsse
duplo modo de exprimir-se, corresponde um sentido duplo. Dizl!r
que alguém é um "caráter" é um julgamento de valor, no qual
se empresta à palavra "caráter" sentido especial. Dizet· que
"alguém tem um caráter" é inteligível por si mesmo, mas a expr-=s
são "homens sem caráter" pertence à categoria dos julgamentos
Yalorati\'os. Vê-se, portanto, que possui!· um caráter de qualidade
qualquer é algo que pertence necessàriamente as qualidades essen
ciais de um homem. Verifica-se, contudo, também que, aparente
mente,- o homem e seu caráter não são urna e mesma coisa. Não
se pode dizer: "Um homem tem pessoa"; êle é pessoa e tem. tal
ou qual personalidade, no sentido que atrás indicamos. Na pala
vra "pessoa", o homem é evidentemente compreendido em todo
seu ser. O "caráter" ao contrário (se é que devemos confiar nas
lições da linguagem) deve ser alguma coisa do homem, ou da
pessoa. Que coisa é essa, set·á investigado depois, já que o "cará
ter" pode ser uma propriedade da pessoa, ou uma parte ( ou, pelo
menos, um aspecto) dela ou, então, uma determinada maneira,
segundo a qual a pessoa é vista, percebida e julgada.
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20 RUDOLF ALLERS
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 21
ou seu .caráter, a observá-lo durante longo tempo - ou, mesmo,
para que nosso conhecimento seja realmente suficiente, a vida
inteira - isso se dá, provàvelmente, por causa de nossa inabili
dade, ou de nossa incapaciclade de apreender, por único ato, o cará
ter, ou o "característico".
Como estamos convencidos de antemão, e de um modo geral,
que é necessária, para o conhecimento do caráter, a observação de
múltiplas ações e modos de proceder individuais de uma pessoa,
segue-se, evidentemente, que o caráter deve ser alguma coisa que
está, por assim dizer, contido em cada ação isolada e é, de qual
quer modo, alguma coisa de comum, que vocle ser atribuída a tôdas
as ações em ziarticular.
Antes de tentar a determinação mais precisa do que seja est!l
coisa comum a tôdas as ações, é oportuno fazer uma observação.
Há, por certo, traços de caráter (no sentido usual desta expres
são) que não necessitam, para ser conhecidos, uma longa obser
vação, pois que, por assim dizer, saltam aos olhos de todos. Há
características, como a severidade ou a doçura, a firmeza ou a
fraqueza, que se podem, muitas vêzes, "ler na fisionomia". Sem
dúvida podemos, não raro, enganar-nos, pois que os traços da
fisionomia podem, como as ações individuais, ter significações
múltiplas. i.\foitos atos podem aparecer como efusão de bondade
e sei· um produto de cálculo: muitos podem ter a forma de dure
za, e mesmo da crueldade, apesar de ditados pelo amor. Uma
atitude de indiferença e renúncia pode servir de máscara para
a susceptibilidade e a fraqueza: "um lobo na pele de um carneiro"
exibirá gestos cheios de bondade. A longa prática, a agudeza da
obserrnção e a atenção aos pormenores aparentemente desprezí
veis, podem, sem dúvida, preservar suficientemente dêsses erros.
Contudo, êles se repetirão sempre. A questão é, porém, a seguin
te: Conheceremos realmente o caráter, ao apreender tais traços
de "caráter" por um conhecimento fisionômico, ou em virtude da
inequivocidade aparente de certos modos de agir? Conheceremos
realmente êste caráter individual, esta determinada pessoa? Ou,
pelo contrário, conhecemos apenas que tal indivíduo pertence a
um tipo de caráter e possui, em relação ao caráter, algo que apare-
ce também noutras pessoas, o que nos habilia a declarar que tal
ou qual pertence a determinado grupo? É o que se passa, na reali
dade. Um caráter individual, pertencente unicamente e especifi
camente a alguém, mal pode ser encontrado, de ordinário, pelo
caminho da interpretação fisionômica. Por outro lado, uma tal
multiplicidade de "traços" singulares não se deixaria compor em
um conjunto de caráter. �ste não consiste, como se verá depois,
de traços isolados, ou elementos de qualquer espécie, nem se deixa
compor como um mosaico. Ao contrário: o caráter, é uma unidade
e um todo e não pode ser algo corno uma soma. �le não é, para
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22 RUDOLF ALLERS
8. A mutabilidade do caráter
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 23
res inteiramente diferentes (uma impressão que só pocle ser atE'
nuada, de certo modo, pelo exame dos estádios intermediários 1la
transformação) . Preliminarmente, há uma dúvida: Podem os
dois casos mencionados ser considerados intr1nsecamente diferen
tes? De fato: poder-se-ia bem imaginar que a mutação aparente
mente brusca do caráter representa, no fundo, um processo idên
tico ao da evolução paulatina, com a única diferença da rapidez
nn sucessão e duração das fases intermediúrias. Haveria, pois,
entre os dois extremos, tôdas as formas intermediárias imaginá-•
Yeis. De tudo isto se conclui que não podemos afastar a necessi
dade de contemplar uma vida inteira - se é que isso está na
medida de nossas possibilidades - sempre que queremos conhe
cer o caráter de uma pessoa. Muitas vêzes, o conhecimento do
caráter "novo", do caráter que apareceu posteriormente por uma
transformação qualquer do primitivo, precede o conhecimento
dês te. É o que se dá, por exemplo, quando o "novo" caráter se
afirma, pelo menos em certo sentido, por uma negação do "antigo".
"Courbc ta tête, fier Sicambre, adore ce que f.u a.s britlé, et
/Jnile ce que tu as adoré". Nestas palavras, dirigidas ao duque
franco pelo bispo que o batizava, temos o primeiro exemplo de
modificação essencial do caráter. Vamos, agora, ocupar-nos dessa
modificação.
Uma das mais impressionantes provas da possibilidade de
uma mudança substancial e radical do caráter é a que nos fornece
o fenômeno da conversão. Nem tôda conversão significa uma
mudança de caráter, embora tôda mudança de sentido seja uma
11Etàv<11a. Há, também, muitas conversões que mais parecem
uma mudança de sentido: onde se acredita perceber, na realida
de, um caráter completamente novo, são conservados, na nova
vida, traços especiais do antigo. Há duas explicações para isso.
Ou êsses traços são a expressão de peculiaridades profundamente
arraigadas na natureza da pessoa (que, como já vimos, e será
melhor esclarecido depois, não deve ser identificada com o cará
ter) a ponto de se revelar em cada modo de vida e cada configu
ração de caráter, ou êles se adaptam, tanto ao novo como ao antigo
caráter, não podendo, portanto, ser abandonados.
Daremos dois exemplos. Quando, tocado pela graça de Deus,
o filho de Bernadone, rico negociante de Assis, foi levado a mudar
sua Yida, um homem inteiramente novo substituiu-se, sob muitos
aspectos, ao jovem patrício. Antes disso, já era êle um homem
bondoso. Naturalmente continuou a sê-lo, mas de modó mais
amplo e profundo do que outros teriam julgado possível. Mas
11ão é isso o que mais surpreende nesta transformação do caráter.
Mesmo depois de se ter tornado o "Poverello di Dia", mesmo na
solidão do Monte Verna, mesmo como um mendigo das ruas da,
Itália, mesmo como um penitente, que, como ninguém, reconhe-
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24 RUDOLF ALLERS
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D1q1talozadocomCa1nScanncr
I' S I C O 1, O G J A I> O C A lt Á T E It 25
O fato, visível 1te8HC8 dois cx(:lllJ>l<m, ela tram-1po11içiio para a
nova vida, ele ccrtoR t1'n','Oli da a11ti1�a. cow1til.ui um problema
cspcci:11. Imporia olnwr\'ar nqui, 11ri11dpalmcnle, a completa
invc1·::;flo e t.ran:-iforma�:iw do cm·úl.1•r, oca:-1io11ada 1icla conversão
rcliR"iosa. Nfío é a11cnm1 a "co11v1:rsio", em He11Litlo rn1f:reito, mas
também aqu1•la l'.Ott\'l'rHiio Hcmclhant:c que /lc poclc operar na estru
tura p1:i!'11lógi1•n, a fim de produzir a moe li ficaçfw <lo caráter.
,1:'1 foi observado que oi; homens também podem converter-se ao
m;d, se ni,;sim poclcmm-1 nos exprimir.
Na estrutura psicoló1.dca da conversiio, a modificação da vida
e <lo comportamento humano é extremamente semelhante à que
pode i,;er realizada cm conseqüência de um tratamento psicotc
rúpico eficaz. A semelhança é tão grande, que KLEMPF pôde afir
mar: "Thc pri11ciplc of 7>t,ychothcra1m is conversion" . 1 Também
aqui, vemos, em certas circunstâncias, uma transformação radical.
Vemos um homem (por vêzes em tempo extremamente curto, ainda
que tal caso seja raro) lançar fora o leme de sua vida e tomar
uma direçüo inteiramente nova. De qualquer maneira, há, tam
bém aqui, uma mutação do caráter que contradiz absolutamente
a hipótese da imutabilidade, geralmente aceita. A crença espa
lhada - e, quase se pode dizer, universal - na imutabilidade do
caráter, ou, pelo menos, admitidas as variações, em sua continui
dade sucessiva através de uma evolução, traz como conseqüência
que a maioria dos homens veja com certa desconfiança as mudan
ças bruscas, como no caso da conversão. Não é apenas porque
não confiem nessa transformação do seu próximo por motivos
racionais, julgando-a um embuste, ou, na melhor hipótese, uma
auto-ilusão - uma tentativa de transformação que não é séria
nem duradoura. Algo neles, embora sem atingir a clareza de
uma formulação intelectual, opõe-se à admissão de que o caráter
de urna pessoa possa modificar-se de modo tão amplo e tão repen
tino. Será porque, com tal admissão, pareça abalada a segurança
de suas próprias vidas e porque tenham que admitir também que,
de seus próprios caracteres, não se pode afirmar com plena certeza
a continui<lade e a imutabilidade? Não queremos, no momento,
examinar mais amplamente esta questão. Um pormenor merece,
contudo, ser notado, recomendando-se a uma meditação mais pro
funda. É o fato de que o homem acredita mais depressa numa
transformação para a pior, do que numa conversão no sentido
estrito da palavra. Todavia, o fato de aparecerem, fora da vida
religiosa, acontecimentos classificáveis no tipo da conversão, ou
pelo menos aproximados dêle, está fora de qualquer dúvida e pode
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PSICOLOGIA DO CAR.<\TER 27
cuidado, até que ponto êsses eus podem ser chamados pessoas, além
da necessidade de uma justificação geral dessa suposição.
'
Sem querer repetir, aqui, as interessantes observações sôbre
a ruptura e multiplicidade elo eu, diremos apenas que, por vêzes,
permanecem diferenças bem evidentes de caráter e que pode apa
recer, num estado ulterior, um caráter oposto ao primiti,·o. Não
se pode dizer, com segurança, o motivo por que aparecem tão
caprichosas formações mórbidas. Elas pertencem, sem dth·ida, ao
grupo das perturbações psicógenas que não são determinadas por
alterações orgânicas do sistema nervoso. Tocla,·ia, é muito difícil
penetrar, pormenorizadamente, a natureza de sua origem. 1
Tais observnções ensinam que um e mesmo }1omem pode, não
só passai· de urna a outra constituição ele caráter ( como no caso
da conversão e processos assemelhados), como também exibir,
alternativamente, os mais diferentes caracteres.
De todos êsses fatos, resultam as mais significativas conclu
sões. Primeiramente, fica confirmada, fora de qualquer clúYida,
a mutabiiidade fundamental do caráter. Em segundo lugar, que
não se poderá absolutamente falar, de modo inequívoco, na asso
ciação, a uma pessoa indi\"idual, de um caráter, essencialmente
constante, variando apenas dentro dos limites estreitos. Assim,
opõe-se à tese elo caráter inato um argumento que eia nfw pode
vencer, ele modo algum, teoricamente. Diante das obse1·yações
sôbre a personalidade "múltipla" - isto é: sôbre a multiplicidade
do caráter, - os partidários ele um carúter inato, portanto imutá
vel e necessàriamente atribuível a determinada pessoa, só podem
opor uma única objeção: a ele que se trata apenas de fenômenos
mórbidos, cujo valor, para conduta normal, exige uma séria refle
xão. Devemos examinar a fôrça dessa ohj eção, antes de tirar uma
conclusão sôbre a natureza do carúter e determinar o seu conceito,
em face do que foi exposto até aqui.
Vemos, também, noutras circunstâncias, modificações profun•
das do caráter, a ponto de "mudar completamente" o homem. São
os casos de doença mental orgânica. Denominam-se enfermidades
orgânicas as perturbações mentais em que o exame (microscópico)
anatômico do cérebro, ou a diagnose clínica, fornecem uma prova
da existência de processos perturbatórios no sistema nen·oso cen
tral. A paralisia p1·ogressiva (;-u]garmente chamada amolecimen
to cerebral), as perturbações mentais devidas à arteriosclerose do
cérebro, o idiotismo senil, a epilepsia verdadeira com os fenôme
nos mentais mórbidos que se lhe seguem e, também, as cfü·ersas
psicoses de várias formas, compreendidas na designação de esqui-
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uunor,i,• ALLEltS
.::ições e atitudes - não pode ser atacada, 11cm mesmo pela cnfcr
-midadc cerebral mais destrutfra. Podemos supor, então, que n
enfermidade cerebral impede apenas, ao núcleo propriamente
es;:;endal do homem - a pessoa -, o exprimir-se e desenYolver-se
linemente; mas não pode modificá-lo on destruí-lo em coisa algu
ma. Entre a paralisia progressi\•a e as oub·as enfermidades orgâ
nicas do cérebro há, por certo, diferenças em relação à maneira
pela qual se processa a doença. Estas diferenças não são, porém,
fundamentais, se considerarmos a posição relativa dêsses proces
�os no quadro genérico de tais enfermidades. Podemos concluir,
portanto. com razão, que, para a pessoa vi,·a, tudo se passa,
110s outros processos org:inicos, de maneira essencialmente idênti
ca à da paralisia progressiva e que apenas a nossa incapacidade
e a insuficiência de nossos métodos e conhecimentos é respons:í
Yel pelo foto de não podermos tratar n epilepsia, a esquizofrenia
e as outras enfermidades orgânicas do cérebro, com o mesmo
êxito obtido no tratamento da paralisia. Das obgervações acima
expo;:.t::ti', resulta que a profunda modificação do c:i"ráter, nas
enfermidades orgânicas do cérebro, nada tem a Yer com a per;:;ona
lidade do homem e que esta 11er111a,11ecc inmtá11<'1 e ·idê11fica, mcs-
1no cm tais circ111wtâ11cias. Tiramos também, daí, umn nm·a proya
de que a distinção fundamental entre "pessoa", e "caráter" é intei
rnmede justificada e absolutamente exigida. Acredito, realmente,
que n�rias obscuridades, em psicopatologia, caracterologia e, mes
mo, em pedagogia e psicoterapia, podem ser atribuídas no fato de
não ser obsenada esta distinção e ao com;eqüente obscurecimento
dos conceitos .
Nesse ponto, portanto, as experiências rla clínica e a obser
vaç5.o dos doentes conduzem à mesma conclusão que a análise dos
fenômenos da viela normal. Se isso se vedficn nos processo,; mór
bidos importantes que produzem tão profundas rnoctificações no
organismo e suas funções, devemos concluir que as observações
<los fenômenos anormais, que não interessam em geral ao orga
nismo inteiro ( compreendida como forma corpórea e unidncte de
funçõe;:: corpóreas), poderão ser tomadas, com mais forte raião,
e m apoio de nossa afirmação sõbre a mutabilidade intrínseca e
funcfamentos do caráter. Porque aquêles casos not.heis de perso
nalirlncle (carúter) múltipla ficam perfeitamente determinadm;,
quei- se tomem como base os processos das doenças orgfi.nic:ui,
ou o !-1rocesso ela conversão, ou a modificação do c11ráter obtida
pela J);::icoternpia. A tentativa de rejeitar, corno J1i10-clemonstrati
va!'>. estas importante!'\ experiências contra a tese do carúter inato,
J)elo ;:imples foto de que foram verificadas em doentes, eleve ser
coni,;idcrnda incficnz.
Aliás, a seqüência de nossa exposição mo:,trar:'í, de modo cnrla
ve�. mais claro, qui"t0 vouco justificada pelos fotos é a nfirmaçiw
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30 RUDOLF ALLERS
4. A farmação da conduta
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 31
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32 RUDOLF ALLERS
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 33
misterioso da liberdade e da responsabilidade. Pode-se denomi
nar, a êsse aspecto duplo e objetivo da conduta humana: a mani
festação da pessoa nos domínios do ser que a constituem.
Quando, pois, pela conduta, o homero, em seu aspecto de res
ponsabilidade (deixaremos de lado, aqui, os casos de irresponsabi
lidade ou de diminuição de responsabilidade) se inclui num domí
nio objetivo do Ser, realizando portanto a manifestação de si
mesmo em uma esfera objetiva, há, ao mesmo tempo, uma como
que reflexão dêsse fato objetivo no espelho do subjetivo, já que
o homem toma conhecimento de si mesmo ao realizar uma ação
e, especialmente, ao terminá-la. Porque, se s6 podemos reconhe
cer, ou entender, o nosso próximo, baseando-nos em suas ações
e atitudes, só podemos, também, conhecer algo de decisivo sôbre
nós mesmos, quando nos basearmos em nossa conduta real. Se
àquele aspecto da conduta, a que denominamos "manifestação da
pessoa no objetivo", se aplica a frase: "V6s a reconhecereis pelos
seus frutos", ao aspecto ora mencionado pode ser aplicado o verso
de SCHILLER: "Trazia um semblante antes do acontecimento e
outro depois de consumado o fato". A êste terceiro aspecto da
conduta se associa a responsabilidade subjetiva, cujos represen
tantes, na experiência da vida, são: auto-satisfação ou auto
-reprovação, sentimento do dever cumprido ou sentimento de culpa,
paz da consciência ou dor do remorso.
Se os dois primeiros aspectos da conduta permaneciam num
domínio estritamente objetivo, e se o terceiro significava a obje
tivação do eu no interior da subjetividade, os dois últimos se
apresentam como puramente subjetivos. Na verdade, o quarto
aspecto - em que conduta aparece como expressão - pode ser
colocado entre a objetividade e a subjetividade, já que a expres
·são se dirige e se estende para o exterior, para o não-eu. Pois
todo comportamento contém, ao lado de seu conteúdo material,
também urna expressão, e se caracteriza por ser uma emanação
de uma pessoa única e originar-se de suas condições psíquicas e
subjetivas por ocasião da ação. :P::sse aspecto pode, portanto, ser
chamado, com razão, o "aspecto fisionômico". Deve ser observa
do, porém, que êsse aspecto não pertence apenas ao ato, como
fenômeno psiquico, mas pode ser atribuido também ao que perdu
ra após o ato, como seu efeito permanente - a obra. No fundo,
pode ser atribuída a tôda obra humana uma significação fisionô
mica. Por certo, a expressão não esgota tôda a essência da obra
(uma suposição que constitui o êrro naturalístico-psicológico de
vários autores contemporâneos) já que ela é determinada pelas
normas das "Idéias'_' realizadas nesse trabalho e também pelas da
matéria em que estas se realizam. Estas observações, que podem
parecer algo afastadas do assunto, não deixarão de ter importân
cia, mais tarde, no julgamento do caráter. Como, especialmente
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34 RUDOLF ALLERS
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 35
EU NÃO-EU
;------"-----
Decisão - Expressão Representação Posição - Efeito
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86 RUDOLF _ALLERS
5, Ação e Valor
Se quisermos utilizar essa conjectura como um fio condutor
de nossas idéias, verificaremos que há necessidade de examinar
também, sob êsse ponto de vista, que é mais psicológico, a forma
ção da conduta, já que estamos tratando da representação do eu
por si mesmo. Sem dúvida, não deve ser esquecido que a psicolo
gia não pode, sozinha, analisar completamente a ação. É preciso
considerar sempre que a relação com o não-eu deve encontrar,
também no psicológico, um reflexo ou um representante, e que
o fenômeno de que se trata, por isso mesmo que é o represen
tante de um não-psíquico, nunca pode ser determinado de modo
suficiente pela psicologia. A ação voluntária, que é, para nós, a
ação ou atividade propriamente dita, pressupõe, em todos os ca30s,
o conhecimento de uma situação como real, e de outra como
possível. Não pode haver uma ação que não seja, pelo menos
em potência, precedida de tal conhecimento. Tôda ação é uma ten
tativa de alterar uma dada situação por meio de uma intervenção
nossa. É preciso, portanto, que se reconheça de um modo qual
quer, mesmo obscuro, que vale a pena fazer uma alteração. l\1esmo
quando êste desejo de modificar é abafado, êle se exterioriza, na
situação momentânea, por um sentimento de insatisfação. Existe,
pois, no fundo, em última análise, um conhecimento. 1!:ste conhe
cimento se apresenta, na situação atual, como um- conhecimento
de relação, já que contém uma comparação (que se torna imedia
tamente clara nos casos de ponderação racional) entre o futuro
possível e o realmente dado. É um conhecimento de relação, que
acha muitas vêzes sua expressão num julgamento de relação da
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PSICOLOGIA DO CARÁTER
forma: Seria melhor se. . . Por isso, a cada açéio precede uma,
comparaçéio, que é, como se vê na locução acima citada, uma com
paração de valor. A velha sentença: "Omne ens appetit �onum"
(Todo ser aspira um bem) se justifica também em sentido psico
lógico. :É compreensível, sem dúvida, que êste "bonum", êste
valor, seja inicialmente apenas uma atitude subjetiva de valor
e não uma valorização objetiva incondicional. Mas é claro, tam
bém, que uma análise da atividade, sem a introdução do conceito
de "valor", deve ser absolutamente impossível. Numa outra con
sideração ainda - e esta de ordem mais formal - se mostra
como é indispensável a introdução de tal conceito. Já vimos que,
considerada da parte do sujeito, tôda ação contém a característica
da decisão além de ser também o resultado de uma cadeia de
a�ontecimentos internos e externos. Em tôda ação, um _todo par
cial qualquer � completa no todo geral da conexão vivida .!L.
experimentada (Dilthey), ou no da história da vida interior
(Binswanger). Um todo qualquer tem, porém, um valor mais
alto que a parte; tudo que é fragmentário é insatisfatório e exige
a terminação num todo. Dêsse modo, qualquer ação já traz· em
si, neste traço formal mais geral e atribuível a tôda a atividade,
uma referência de valor.
A situação possível, que é reconhecida como a de maior valor
e que deve ser estabelecida por meio da ação, aparece na vivência
como um fim proposto. Mas é errado supor que a ação possa ser
descrita simplesmente pelas fases sucessivas : conhecimento de
uma situação insatisfatória atual, de uma situação satisfatória
possível no futuro, posição desta como fim e execução.
A formação do fenômeno "conduta" é muito mais complexa.
Realmente, no puro conhecimento de que uma situação, tal como
é dada, é insatisfat6ria e de que é desejável, e talvez possível,
modificá-la, não existe; de modo algum, a exigência de uma ação,
nem há nada que nos obrigue a intervir. Tôda a vivência perma
nece inicialmente na atmosfera de um "deve ser", num conheci
ment,o teórico do melhor. Como conhecimento teórico, porém, êste
reconhecimento de uma tensão de valores entre o real e o possível,
o dado e o proposto, é mais ou menos impessoal. Só um desen
volvimento ulterior do impulso para a iniciativa pessoal - sem·
dúvida já existente no núcleQ do dever teoricamente reconhecido
- ou, pelo menos, para a tomada de posição pessoal, leva a. uma
transposição desta fase mais impessoal. O homem pode obser
vá-lo em si mesmo, nos casos em que a impossibilidade objetiva
de uma ação pessoal aparece claramente, como quando, por exem
plo, aquêle que não participa ativamente da., política faz uma
crítica da situação política. Muitas vêzes, pode-se mesmo obser
var claramente, em tais casos, como o impulso para a ação indi
vidual se descarrega por meio de uma ação derivativa, intervindo
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38 RUDOLF ALLERS
6. O conceito de caráter
1. Leipzig, 1925
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 39
1. Drr Formali,mus in Der Ethih und die matuiale Wertethih (Halle, 1914),
Ver também: KOLNAI, Der ethísche Wert und die Wirhlichkeit (Friburgo. 1927).
Z. Já expus J)guma coisa sõbre hte assunto, especialmente em relação ao
emprêgo em psicoterapia. nos· relatórios: "Die Bezichung von Psychologie und
Psychoterapie', "Psychotherapie und Heilpada�ogik, "Wille und Erkentniss ín der
Gestaltung des Charakters" (aparecidos nos três volumes de B,richrc der iirztlich,n
Kongre.<se für Psycllalcropie, Halle. 19 26: Leipzig, 1927 e 19 29).
3. Lcbemformen - Leipzig, I 927.
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40 RUDOLF ALLERS
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 41
actio. No mesmo êrro cai também aquela outra tese, que s6 acre
dita terem importância decisiva os fatôres constitu!ivos, os here
ditários e, em geral, os da atividade corpórea, alrados aos que
são designados (de modo obscuro, aliás) pelo nome de "dons" e
"disposições naturais". Nesta concepção, a existência do segundo
membro da relação é inteiramente desprezada.
Compreende.se que o caráter, tendo justamente como base
uma relação objetiva entre o eu e o não-eu, deva ser determinado
pelas condições da pessoa. Elas terão também considerável in
fluência sôbre o modo e a qualidade da representação que tem
um homem do conjunto dos mundos e serão também decisivas
para as orientações possíveis de um homem em sua evolução
e para a distância que é capaz de percorrer, de modo geral, em
tal direção. J!': porém um êrro acreditar que estas condições de
formação do caráter, de certo modo dependentes da constituição
individual, possam ser reconhecidas desde Jogo.
Acreditou.se, com base em pesquisas biogenéticas, em análi
ses de formação da família, e em minuciosas comparações entre
a constituição pessoal de antepassados e parentes e a elos descen
dentes, poder tirar conclusões sôbre os elementos do caráter condi
cionados pelas disposições naturais. Esqueceu.se, porém, que
havia, em tôdas essas tentativas, uma ;icfitio principii, já que
tais análises só têm, de modo geral, um sentido, quando se esta
beleceu, de início, que há uma hereditariedade de determinados
c·aracteres ou traços de caráter. Isso, porém, é o que deveria
primeiramente ser provado e não simplesmente pressuposto.
Muitas vêzes, realmente, podemos convencer.nos de que muita
coisa, que aparece à primeira vista como conseqüência evidente
da herança, não é, como depois se vê, hereditário, mas apenas um
produto da experiência. Que pais tímidos tenham filhos tímidos,
parece mostrar, a uma primeira impressão, que a qualidade "timi
dez" seja herdada. Examine•se, porém, o modo pelo qual os pais
tímidos educam seus filhos e logo se verá que, com um tal trata
mento e sob a impressão de tais atitudes e palavras dos pais, um
menino não se poderá tornar outra coisa senão tímido. Que a
hereditariedade 1111-da tem a ver com o caso, é o que mostra
a observação de órfãos, que ficaram alguns meses sob os cuidados
de pais de criação extremamente timidos, sem qualquer parentesco
com a criança.
O que é realmente constitucional e condicionado pela herança
não pode, nunca, ser detcrminaào désse modo, mas, tão somente,
por um processo de exclusão. :J!': simplesmente falso, do ponto de
vista do método, iniciar uma pesquisa sôbre a importância da
constituiçiw e da hereditariedade, sem ter fixado, preliminarmen
te, o que, no caráter examinado, é reativo e pode aparecer como
reliposta it. experiência. Podemos compreender e podemos tornar
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46 RUDOLF ALLERS
9. Liberdade
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 51
enfermidade do espírito, que não é capaz de se elevar plenamente,
porque, se a verdade o eleva, o hábito o atrai para baixo. Há,
pois, duas vontades e nenhuma delas é completa, uma vez que uma
possui o que falta à outra ... Eu não queria inteiramente, nem
deixava de querer inteiramente. Por isso lutava comigo mesmo e
estava dividido em mim mesmo. Essa própria divergência ocorria
contra a minha vontade, sem que contudo indicasse a presença, em
mim, de um outro espírito... É uma e mesma alma que quer uma
coisa a meia-vontade e, outra coisa, a meia-vontade".
São estas as palavras de Santo Agostinho no Livro Oitavo de
suas Confis'sões. Teremos que refletir, ainda muitas vêzes, sôbre
êste fato psicológico da "segunda vontade". Devemos por� obser
var que Santo Agostinho usava o têrmo "vontade" em um sentido
amplo, quase com a mesma significação de inclinação, tendên
cia, etc. Isso não prejudica, porém, de modo algum, a justeza e a
profundidade de suas dissertações.
Traduzidas para a linguagem menos eloqüente da caractero
logia, as palavras de Santo Agostinho exprimem o seguinte:
primeiro, que as ações e a atitude de um homem são um produto
de sua vontade e, segundo, que esta vontade, que se oculta sob a'
atitude real, é desconhecida de seu portador. Por isso, essa passa
gem das Confissões é também a primeira em que aparece o concei
to de "inconsciente" (embora não expressamente) e é também
aquela em que aparece, pela primeira vez, a concepção, a que
hoje denominamos "finalística", da conduta humana. Ela é repre.
sentada, em primeira linha, na literatura científica moderna -
especialmente a que se ocupa de educação, regeneração e preven
ção de desenvolvimentos psíquicos anormais - pela psicologia
individual, fundada por ALFRED ADLER, cujás concepções ser-nos-ão
ainda de utilidade noutras ocasiões. De fato: se bem que modifi- •
cadas e expostas de modo diferente do que são ensinadas hoje,
elas servem ainda, em sua essência, como fundamento de uma boa
parte das opiniões que apresentamos.1
De momento, só nos interessa o princípio metódico de que os
motivos específicos de um homem, podem ser tirados apenas de
suas ações e dos resultados reais destas. Para isso é preciso expli
car o que sejam os "resultados reais". Não se deve entender por
isso apenas o que é visível como efeito imediato, ou conseqüência
de uma ação, nem também o que parece representar o sentido
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 53
l'llmo: despertar da consciência patriótica, vergonha de ficar atrás
dos outro;i no ;icntimcnto do dever, etc. Noutros, pode ser um
desejo de nfw pnreccr �1esquinho, ou covarde, aos olhos de tôdas
as pessoat-i que o rodeiam, ou talvez de alguma delas (uma noiva,
por exemplo) . Mas há também casos, em que a ação heróica foi,
1m verdade, um gesto que se revela, a uma análise minuciosa do
conjunto, como uma 'deserção no front". Devido a conflitos de
família, dificuldades no trabalho, ameaças de renúncia a uma
carreira ou probabilidades de insucesso num grande empreendi
mento em perspectiva, há homens, e não JJoucos, que seguem volun
ti'lriamente para o front e obtêm, com êste procedimento, um duplo
ganho: libertar-se das dificuldades, apa�·entemente insuperáveis,
de sua situação presente e adquirir o reconhecimento e, mesmo,
11 admira��fto do próximo. Eles passaram, por assim dizer, de
covardes, numa situação, a heróis, em outra. Conheci não poucos
que se comportaram brilhantemente na guerra, como soldados ou
oficiais, obtendo reconhecimento, distinção e fama, para depois, de
volta à p:ítria,. renunciar lamentàvelmente, nas situações mais
vulgares, às mais triviais tarefas da vida. Que um homem seja
herói na guerra, ou consiga praticar as mais temerárias ações de
alpinismo, não prova que êle tenha realmente coragem. As gran
des questões e situaç.ões decidem-se, muitas vêzes, mais ou menos
por si mesmas. E o homem é antes arrastado por elas a uma
decisão e a uma conduta, do que decide por si mesmo. Não é pois
aqui, porém nas pequenas situações da vida ordinária, que se mos
tra, antes de tudo, o caráter, se quisermos empregar esta palavra
em sua verdadeira significação.
Um segundo complemento ao princípio de que a conduta deve
ser julgada pelos seus resultados reais consiste nisto: que muitas
.das atitudes do homem não lhe são ditadas diretamente pela situa
<;ão do momento em que se encontra, mas, ao contr:í.rio, por uma
analogia entre esta e outras situações, decisivas para êle. Isso se
tornará mais claro com um exemplo.
Comecemos por um fato, certamente pouco comum, mas ilus
trativo. Um homem tem motivos - ou julga tê-los - para temer
:1 ameaça de nm inimigo pessoal; teme, por exemplo, que êste
posHa atirar, casuulmente, nele, durante uma cac:ada. Êle evitará,
1iortanto, fazer uma caçada com seu inimigo. !\Ias pode também,
1mra. não l'e\·elar seu temo1· dêsse homem, deixar absolutamente de·
c:u;ar. O mo(lo pelo qual justificar:í. sua decisão de não ir a ce.rt.a
caçada, ou não mnis caçar, é secundúrio: O importante é que,
temendo, na verdade, apenas, uma determinada situaç.ão (a de
c11çar com seu inimigo), ôlc renuncia, contudo, n tôda caçada. Do
mesmo modo, n lebre só dev1>ria temer o cão que agita o arbusto
pr6xirno: mm1, a fim de poder fugir com segurança e no momento
devido ( quundo o ciío ugitii o arbusto), ela de\'e também fugir
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p s I e o L o G I"A Do e ARÁTER 57
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 59
oferece. Assim, o caráter de um homem é um duplo sentido, uma
"obra" sua, porque surge: primeiro - quando êste homem entra
em relação, segundo seu conhecimento, com aquêle reino do não-eu,
pôsto diante dêle e de existência independente da sua; depoi:!,
quando - por uma decisão última, ocorrida, a despeito de tudo,
nas profundezas de seu próprio .,.:r - êle determina, de certo
modo, os limites dêsse domínio qu� lhe é dado.
As possibilidades significam,. em segundo lugar, valores a
realizar, já que êstes adquirem forma, aparência e duração nos
atos e obras concretos. E, ao mesmo tempo, são possibilidades de
toi·nar "reais", na própria pessoa, os valores. Há, aqui, nos têr
mos: "real" e "possível" uma indeterminação furta-cor, que não
poderíamos, aqui, dissipar e tornar mais clara. Porque a pessoa
é, como tal, "real" e, do mesmo modo, tudo o que nela pode estar
contido como possibilidade. No entanto, estas só adquirem "reali
dade", quando se tornam a expressão - na conduta concreta e na
execução real - da incorporação espontânea do homem no reino
do ser, a que êle já pertencia, de antemão, por sua natureza.
Aquêle: "Torna-te o que és" restaura, de novo, realmente, êsse
�stado de coisas, o que parece um paradoxo para o pensamento
racional.
Não devemos prosseguir nas considerações que se ligam a
esta primeira dissertação preliminar. Mas o fato de que cada
tentativa de reflexão sôbre o caráter humano, nos deva conduzir
a tais questões últimas, pode indicar-nos que a Caracterologia não
deve ser considerada uma disciplina fechada, mas um estudo que
exige para seu acabamento e, até mesmo, para sua fundamentação
e justificação, domínios inteiramente outros de pensamento.
A caracterologia teórica, quando quer fundamentar corretamente
seu objeto, de1,e estabelecer tais fimdamentos pela teoria dos valo
res e, pois, finalmente, pela ontologia e a metafísica. O estudo
prático do caráter necessita, pois, também, constantemente, do
apoio em uma ética, como ciência da realização dos valores. Assim,
se a caracteorolog-ia pode, na verdade, abster-se de valorização,
ela não pode existir, de modo geral, sem uma referência aos valo
res. Como, porém, tôda Yaloração deve, para nós, culminar em um
summum bonmn a ser dêle derivada, isso significa que tôda a pro
blernâtica de uma caracterologia deve permanecer projimclamente
ligada à pro1i1emática religiosa. Uma caracterologia naturalística
é impossível em si mesma.
Com estas últimas observações, acreditamos ter indicado os
limites de tôda caracterologia e também seus pressupostos últi
mos. Foi preciso, sem dúvida, limitar-nos a indicações. Há aqui
uma prodigiosa tarefa para a reflexão filosófica, um assunto ines
gotável. O mistério das questões subjacentes a todo estudo do ca
ráter não será nunca, talvez, plenamente revelado à luz clara do
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60 RUDOLF ALLERS
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II. AS CONDIÇÕES EM QUE SE ORIGINA
O CARÁTER
1. _Nata preliminar
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62 RUDOLF ALLERS
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ner
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 63
-se também que a relação com o sobrenatural nunca se pode
formar de modo adequado, quando não lhe serve de base uma
relação anterior com a sociedade. Esta conexão, que deverá ser
explicada, mais tarde, de modo minucioso, acha sua expressão no
dito: o segundo domínio (o do próximo) é "idêntico ao primeiro"
- ou melhor: a conexão já indicada, entre a ordem na sociedade
e a conformidade com a ordem sobrenatural é o reflexo analógico
da relação estabelecida entre os dois domínios pelo ensinamento
divino.
Considerada em si e por si, tôda tendência à auto-afirmação
deveria, em sua fase final, conduzir a uma posição absoluta do
ser que se afirma a si mesmo. Tal não é possível objetivamente.
Primeiro, porque o indivíduo humano não está só, nem poderia
(em essência) estar só e, segundo, porque se opõem, a esta ten
dência, inúmeras limitações. Mas, subjetivamente e segundo a
vivência, a direção da auto-afirmação se orienta, sem dúvida, para
esta meta de uma posição absoluta. No interior do mundo humano
ambiente, esta tendência à auto-afirmação e à autoconservação
toma, pois, uma forma bem específica, que pode ser designada,
de modo mui expressivo, pela denominação, que a "Psicologia
individual" de ADLER tirou de NIETZSCHE: vontade de poder.
Podemos ver nela, sem dúvida, um traço fundamental da natureza
humana, cuja existência e cujos efeitos podemos encontrar cons
tantemente, tanto na vida dos indivíduos, como na dos grupos
e dos povos e, portanto, na história. Na verda?�• ela aparece
muitas vêzes sob roupagens estranhas, apenas v1s1vel aos olhos
de um observador atento. Tanto quanto nos fôr permitido pene
trar no assunto, aprenderemos mais tarde, no decorrer de nossa
exposição, a conhecer de modo satisfatório as ti:ansform�ções e
os disfarces da vontade de poder. Baste-nos, aqm, conhece-la em
sua simples caracterização geral.
Considerada em si mesma, sem as limitações que lhe são
impostas pelo plano de organização humana e pela estrutura da
vida comum e da vida coletiva do homem, esta vontade de poder
tende para o infinito. Ela é, precisamente, o que o pensamento
grego denominava ii�Qtç e seu destino final está ilustrado na lenda
de Prometeu. Os obstáculos que se opõem ao livre desenvolvi
mento da vontade de poder não servem, de início, para detê-Ia,
mas, antes, para levá-la a uma manifestação ainda mais poderosa.
Enquanto tal manifestação permaneceu nos quadros impostos pela
natureza e pela moralidade, a vontade de poder, por certo __...
e ainda o é - a maior fôrça de impulsão que conduziu o homem
para fora da condição de primitiva incultura e que o tornou capaz
de l:xecutar tôdas as obras de cultura, técnica e ciência, que
admiramos como produto da história. O modo primitivo pelo qual
a vontade de poder entra em relação, de qualquer maneira que
nner
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64 RUDOLF ALLEitS
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 67
tica distintiva em relaçfio aoH reflexos, porque há muitos <lêstes,
também, que são provornrlos por modificações inteiramente inter
nas do organismo. l� a:-.sim qne se dú a alwrtura do mtíi;culo colo
cado entre' o est,,mng·o e o inteslino, o pilorn, ou a aceleração e
retardamenll1 da at h·idade do coração, ou, ri 11almentc, a Hepara
ção na circu\a<:ãü do sangue dos produtoH aí lançadcm pclaH
suprn-renais
.-\ uma pura descrição, os impulsos não parecem <liHlinguir-se
dos rl'flexos. São apenas reações mais complexas, compostas de
muitos reflexos que se seguem uns aos outros e se determinam
uns aos outros, segundo uma certa lei. Quanto mais completo é um
aparelhamento, tanto mais se especificam as situações em que êle
entra em atividade. Por isso, não constitui uma distinção entre
impulso e reflexo o fato de que aquêle só possa ser provocado em·
situações bem deiinidas, ao passo que êste se origina de sirnpies
excitações. Enquanto se usa o conceito de impulso para a descri
ção do comportamento de organismos animais, não é _necessário
supor que sua estrutura difere, em essência, da do reflexo. O i m
pulso não significa outra coisa, nesse caso, senão uma ação 1·eflexa
mais complexa e, por conseguinte, provocada sob condições mais
ou menos específicas. As fronteiras entre a ação reflexa e a im
pulsirn não são também explícitas: quem pode dizer se os movi
mentos de fuga da rã decapitada são um reflexo ou a expressão
de um impulso de fuga e auto-conservação?
É certo, porém, que o conceito de "impulso" não se aplica
apenas à mera descrição e observação da conduta animal (como
no ponto de vista, muito comum nos Estados Unidos, do "beha
viourismo") mas se transporta, ela explicação elas reações animais,
para a vivência do homem. Nesse ponto, entflo, se re\'cla urna
distinção mais profunda entre os mecanismos reflexos e as açiies
impulsivas, já que aquêleH parecem, na maiol"in das ,•êzes pelo
menos, passar despercebidos, enquanto que estas se orientam, de
certo modo, pelo caminho da consciência. Asi;im, o impulso apare
ce como colocado, de algum modo, entre o mecanismo re>flexo -
situado no interior do organismo e <lo fíHirn e permanentemente
ligado à fiUa lei de formaçfrn - e a vontade própriamente <lita.
Procurou-se também compreender eHR:\ nntúvel posição interme
diária, considerando o imJlltlso corno uma forma primitiva 011 uma
fase preliminar da vontade. A lpms cheJ.{aram até a concepção
de que a própria vontade era apmiatt um impulso e, na realidade,
um impulso inibitório. Nestas diversas concepções da relação
entre o impulso e a vontade reina, a nosso ver, muita obscuridade.
f:, contudo, indispensável, para n fundamentação de uma caracte
rologia, que se esclareça o fator "impulso". Por isso, devemos nos
ocupar, ainda mais um pouco, com essa questão.
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68 RUDOLF ALLERS
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 69
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70 lt U J) O L 1'' A T, l, l� lt 8
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PSICOLOGIA DO CARÁTf�R 71
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72 RUDOLF ALLERS
das", entanto que estas pressupõem aquêle, dada a' própria natu
reza. corpóreo-espiritual do homem, como um todo indivisível e
uno. Mas elas não são "geradas" por uma transformação daquele
orgânico (o que ninguém pode compreender, aliâs, se bem que
seja muitas vêzes afirmado). Não poderemos também desenvol
ver êste ponto, pois teríamos necessidade de nos ocupar minucio
samente com tôdas as concepções caracterológicas que fazem do
impulso o elemento, ou material primitivo, de tôda a conduta
humana.
Cabe aqui uma observação. O fato de que em tôdas as formas
de comportamento humanas - seja as que se passam no plano
do orgânico, como as funções fisiológicas ou as enfermidades, seja
as que se elevam às mais altas produções do espírito e, até mesmo,
a união com o sqbrenatural - o homem age ou funciona sempre
como um todo único e inteiro, em tôdas as suas possibilidades
e aspectos do Ser, faz com que não seja supérflua uma classifica
ção das diversas ações e reações segundo tais aspectos. Quando
a pessoa se apresenta, de modo mais ou menos claro, em cada
um dêstes aspectos, temos o direito de falar numa atitude orgâ
nica (corpórea), social, cultural ou religiosa, desde que não esque
çamos que, num sentido estrito, não existe uma atitude "pura"
em cada um dêsses tipos. Do mesmo modo que o mais sublime
pensamento não se pode subtrair à associação com o corpóreo,
já que se funda numa representação intuitiva e procura, por sua
natureza, uma expressão na palavra, que é uma função corpórea
- por mais que pertença, em sua essência, à esfera espiritual -
tampouco se pode libertar da relação com o plano social, já que
a expressão significa expressão para outrem. Por outro lado, ao.
conter a verdade e o valor, êle não pode ser independente da
Verdade existente e do Summum Bonum. Nenhuma outra forma
de comportamento pode também - segundo nossa tese - ser
dissociada dessa unidade da multiplicidade (unitas quadruplex)
que assinala e determina, em essência, a própria natureza do
homem e sua posição na hierarquia do Ser.
\
4. Vontade de poder
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 73
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 77
É, portanto, um dos lemas mais errados - como veremos,
mais tarde, em pormc,1or -- aquêle tJne declara "dever ser quebra
da a vontade da criança". Pois que, mesmo para lutar pelo Bem,
ou resistir ao l\Ial, precisa-se da vontade. Como esperar, então,
que um homem possa pôr em ação essa vontade, se a quebraram
em sua inffmciu?
Não queremos, porém, tratar aqui das conseqüências práti
cas e pedagógicas, que resultam da exposição feita até aqui.
Vamos inda�ar, pelo contrário, das circunstâncias e condições, que
parecem mais apropriadas a tornar mais considerável e expressi
,·a a limitação, jú oposta interiormente à vontade de poder pelos
motivos da condição e da vivência humanas. Já dissemos oue
todos êstes têrmos: vivência, impressão, experiência, quando e·m
pregados em relação à situação espiritual da infância, não devem
ser compreendidos no sentido de um objeto claro, consciente e
racional. Deve-se compreender claramente que aquela "segunda
,·ontacle", de que fala Santo Agostinho na passagem atrás citada,
é uma ,·ontade de que o homem nada sabe, na maioria das vêzes.
Para compreendê-la e à sua finalidade, êle precisa descobri-Ia
primeiramente por uma introspecção penosa (que raramente tem
êxito, se prescindirmos da iluminação sobrenatural) . Esta segun
da vontade é alimentada pelas impressões que penetram em nossa
alma, sem que as tivéssemos considerado ou sem que nos tornásse
mos, de modo geral, conscientes delas. Não é necessário, para os
fins aqui propostos, que nos ocupemos do conceito de "inconscien
te". Não precisamos ter a preocupação de pensar o que êle seja.
Basta-nos supor que há alguma coisa dêsse tipo. Ê, pois, inteira
mente falso acreditar, que processos percebidos pela criança, pala
vras que ela om•e e ações que ela obser\'a não deixem qualquer
traço em sua alma pelo fato de que, como se diz, "ela não com
preende'', ou "ainda nfw pode entender". Para que as impressões
sejam eficazes, não precisam ser entendidas: basta que simples•
mente existam.
Assim, circunstâncias de tôda espécie - julgadas, pelos adul
tos, sem importância para a criança e seu desenvolYimento -
podem ter uma significação decisiva, porque acabam criando obs•
táculcs intransponíveis para aquela vontade de poder. Esta é,
;porém, a expressii.o da afirmação do próprio eu. Depende portan
to dela e de que ela não seja inteiramente anulada, aquêlc momen
to de consciência de si mesmo, que penetra tôda nossa vi\•ência
e é indispensável à nossa conservação e nosso progresso na vida.
O fato de que o homem não é apenas um existente, mas também
algo aue vale - o portador de um valor - con�titui um momento
absolutamente necessário. Esta vivência do próprio valor não
necessita, por exemplo, da vivência da saúde corporal (que é,
aliás, análoga, em muitos pontos, à do próprio valor) para !iiC
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 81
aqui, que a hipótese da ação recíproca não é também capaz de
justificar os fatos e satisfazer as exigências de uma teoria filosó
fica do problema corpo-alma, tal como se verifica cada vez mais,
na teoria do paralelismo psico-físico. 1 Uma cuidadosa ponderação
de todos os fatos reconhecidos conduz necessàriamente, a meu ver,
a uma teoria que afirma, não uma conexão corpo-alma, mas uma
unidade do corpo e da alma na natureza indivisível do.p.omem.
Uma tal tese, que poderia, creio eu, ser provada por uma crítica
das opiniões dominantes e um exame de todos os fatos - com tôda
a firmeza de que são capazes tais demonstrações - concordaria
essencialmente com os pontos de vista apresentados, já há muito
tempo e com boas razões, pela filosofia escolástica. Numa tal con
cepção, a dependência recíproca das condições, ou funções, do cor
po e da alma nunca seria contestada, como é natural. S6 a questão
de causa e efeito apresentaria outro aspecto.
O problema de como o corpo, ou uma modificação de suas
condições, podia ser "causa" de ocorrências psíquicas, foi, provà
velmente, um dos que conduziram ao estabelecimento da tese do
paralelismo psico-físico. Nesta se evita, na realidade, tôda intro
dução da causalidade. Pode-se, porém, evitar, neste assunto, o
inconveniente da noção causal, se se compreender que existe uma
outra conexão, além da de causa e efeito. Deve-se distinguir entre
causa e ocasião/As experiências que realizamos e as impressões
que recebemos são ocasiões das ações. Se pudéssemos, portanto. _.: .s 1
compreender a condição corpórea de um homem como um elemen- .J-;;odt ,ft()
to de sua experiência, ela não seria mais considerada uma causa,
mas uma ocasião de suas ações ou atitudes/ Mas, então, pode-se
pensar também que as ações de um homem, ou a norma que lhes
serve de fundamento - o caráter -, podem ser sujeitas a alte-
rações, apesar da invariabilidade de sua constituição, pois que a
condição dada não pode, como tal, ser considerada isolada. A ati-
tude, a apreciação e a valorização, que pertencem ao conjunto da
experiência ou são por êle indicadas, terão grande influência na
determinação das ações.
Tal concepção é bem plausível. Não há nenhuma temeridade
em afirmar que o homem tem, de certo modo. mna experiência
_de sua condição corporal. Sabemos que as condições gerais do
corpo, ainda que estejam dentro dos limites do fisiológico (como
o cansaço) ou fora dêles (como os processos mórbidos), são capa
zes de alterar nosso comportamento. Muitas vêzes não as perce
bemos e ch�gamos a nos admirar de nos "têrmos tornado outros".
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82 RUDOLF ALLERS
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l'HJCOLOGIA DO CARÁTER 83
J�cm, ou melhor, como um desalento - uma vez que certa elastici
dade lia cora}�<im ,iá é própria do homem e dada com sua natureza.
Por com,eguinfo, tôda deformidade. constitucional prejudica
o desenvolvimento normal do caráter. As crianças possuidoras de.
tais deformações apresentam, pcrtanto, sob o ponto de vista da
cducaçiw, cxigêncim1 csveciais. A desatenção a l;as exigências
tem sido, muitas vêzes, o motivo de erros pedar �os e desenvol
vimento:- desfovorúveis do caráter.
l>cve-sc exigir, portauto, que, cm tôdas as dificuldades de
edtlcaçi"lo, seja ouvido, an tes de tudo e incondicionalmente, um.
médico competente, isto é: um médico que esteja familiarizado,
tanto com os desvios de formação do caráter e suas condições, como
com as anormalidades elo corpo. 1
1
Seria sedutor pesquisar minuciosamente a conexão · entre
determinadas perturbações corporais e orgânicas e determinadas
formações caracterológicas. Poder-se-ia assim mostrar como
muitos desvios do caráter, que parecem causados naturalmentê
por alterações determinadas dos órgãos ou por deformações cons
titucionais, seriam explicáveis como modos inteligíveis de compor
tamento, reações compreensíveis a uma determinada expel'iência
da própria corporeidade. Tal pesquisa, contudo, pertence mais ao
quadro de uma caracterologia médica, ou de uma patologia do
caráter. Assim, não lhe podemos dar lugar aqui.
7. O conceito de compensação
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84 RUDOLF ALLERS
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 85
leva inicialmente, numa primeira fase por assim dizer, a um forta
lecimento da vontade de poder, a um impulso multiplicado e a uma
tentativa de valorizar-se, elevar-se e impor-se.
Há outros motivos corporais em ação, além da fraqueza cons
titucional do conjunto do organismo, ou da perturbação de sua
harmonia e, pois, de sua capacidade de produção, devidas à depre
ciação de órgãos isolados ou sistema de órgãos. Assim, por exem
plo, a pequenez do corpo. Pode ser que, por um conhecimento
desta, o homem, que se vê assim diminuído diante dos outros, seja
incitado a atos especiais de compensação. Não são poucos os
homens pequenos que se exibem uma destreza muscular especial,
tornando-se, por exemplo, notáveis alpinistas. Entre os famosos
generais, encontram-se alguns bem pequenos ( como Eugênio de
Savóia e Napoleão) e outros, raquíticos (como Narses).
De modo geral, pode-se considerar como regra, que os esfor
ços de compensação se dão, principalmente, no domínio particular
em que é sentida a insuficiência. Como exemplo clássico, pode ser
apresentado o maior orador da Grécia, Demóstenes, que, como se
sabe, tinha um defeito de locução e não se satisfez com a obtenção
de uma faculdade de falar igual à dos outros, mas alcançou êxito
e triunfo naquele mesmo domínio em que parecia condenado, para
sempre, à inferioridade. Naturalmente não se deve compreender
esta tese de um modo superficial, como se não restasse outra alter
nativa para o portador dêsses motivos primitivos e ligados, como
tal, à pessoa. Possuir um defeito de locução não significa, eviden
temente, uma perspectiva de eminência oratória. Mas o processo
de compensação tem, por certo, grande importância, principal
mente por ser previsível. Os dados primitivos só se podem, porém,
obter, como já explicamos, pelo processo da exclusão.
Se a compensação não pode ter êxito no próprio domínio em
que se dá a depreciação, ela será tentada em outro. Um dos exem
plos mais simples é dado pelo fato de que homens pequenos (natu
ralmente nem todos, mas seria incômodo fazer, aqui, uma classi
ficação) falam visivelmente alto. como se quisessem dizer: "Alto!
Aqui estou eu também! Prestem atenção a mim!", ou então: "Se
não me virem, pelo· menos terão que me ouvir!" . É talvez um
motivo idêntico que explica o hábito inato das crianças (que é, por
certo, na maioria das vêzes, um puro prazer de função) de falar
mais alto do que é necessário, ou de gritar. Aliás, o fato trivial,
de que todos acreditam dar uma ênfase maior a suas palavras ou
ordens quando gritam, mostra uma relação semelhante. Pelo ponto
de vista da compensação, em dominios diversos daquele em que se
deu primeiramente a depreciação, podem ser explicados muitos
.fatos, pelo menos em parte. É, por exemplo, o caso, muitas vêzes
observado, da intelectualidade dos corcundas (Moses Mendels
sohn), ou de sua maldade e inclinação para a intriga (Thersitas).
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86 RUDOLF ALLERS
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88 RUDOLF ALLli:RS
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 89
de tal criança se assemelha, sob muitos aspectos, à de um filho
mais moço.
Naturalmente, têm uma influência análoga tôdas aquelas
situações sociais em que a criança está numa posição pior. Tal
é o caso dos órfãos que, como tal, se sentem numa posição dife
rente e prejudicados em relação aos outros, ou dos enteados (mes
mo quando a madrasta, ou o padrasto, lhes dedicam todo o afeto;
porque as conversas imprudentes de outras pessoas, as observa
ções de seus colegas e as leituras fazem-nos compreender sua posi
ção especial) . Em tais crianças, a aflitiva miséria de sua situa
ção se torna particularmente mais clara pela comparação com os
colegas mais afortunados.
As anormalidades de caráter, relativamente tão comuns nos
filhos bastardos, não têm - do mesmo modo que os chamados
vícios da criança (por exemplo, a micção noturna) - nada a ver
com disposições hereditárias. Elas resultam, pelo contrário, muitas
vêzes, de condições situativas durante o crescimento, de uma cria
ção imperfeita e, antes de tudo, do fato de tais crianças aprende
rem, muito cedo ainda, quão desagradável é, para sua mãe, a pre- ·
sença delas. Mesmo as crianças nascidas antes do matrimônio
ficam, muitas vêzes, apesar dos esforços conscientes em contrário,
feitos pelos pais, em situação pior que os nascidos do matrimônio.
O mesmo se dá com uma criança que deve sua existência a um
adultério da mãe - um motivo já tratado, em demasia, em tôda
a sorte de romances e narrativas.
Os filhos de pais divorciados também correm risco. Na maio
ria dos casos, quando o divórcio se dá por comum acôrdo - ou
por culpa comum - de ambos os cônjuges, determina-se que a
criança passe certo tempo com um dos pais e outro período com
o outro. Como seria uma raridade que pais divorciados seguissem,
em suas tentativas de influenciar o filho, a mesma direção, as.
crianças são, neste caso, arrastadas, para lá e para cá, entre duas.
condutas antagónicas. Sua insegurança aumenta. É fácil desen
volver-se nelas, seja um oportunismo vulgar, seja a faculdade de
usar máscara diante do pai, que lhe agrada menos, seja um senti
mento de forte prejuízo, com tôdas as suas conseqüências.
Deve atribuir-se importância muito especial à questão da
severidade ou suavidade na educação. É necessário tratá-la com
maior minúcia, mesmo porque tem importância prática imediata.
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90 RUDOLF ALLERS
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 91
que a atitude do discípulo - visada e finalmente obtida por tal
educação - seja verdadeira. Muitas vêzes é apenas um disfarce
devido ao oportunismo, ao medo, à fraqueza, etc., uma aparência
em que, talvez, o jovem creia, mas que, cedo ou _tarde, lhe será
tirada pela realidade da vida. Em terceiro lugar, o exemplo de
casos individuais não tem qualquer valor probante - aqui, como
em tudo o mais -, porque nada justifica a conclusão de que tal
pessoa seja assim por causa de tal educação, uma vez que é
possível que tivesse tido uma boa formação apesar disso. Para
responder a tais questões seria preciso ter um conhecimento mais
profundo das conexões da vida· individual em questão, do que o
que temos geralmente. Em quarto lugar, é também falho o argu
mento que apresenta os princípios educacionais de épocas passa
das e seus resultados favoráveis. Porque não se deve esquecer
que, se, por um lado, os fins últimos de tôda educação - confor
mar as atitudes de valor subjetivas aos valores objetivos - se
mantiveram inalteràvelmente os mesmos em todos os tempos, as
formas e meios segundo os quais se realizaram estão na dependên
cia do conjunto cultural. Isso é fácil de ver nos exemplos de
vidas santas, que sempre tíveram o mesmo fim ideal: compa
rem-se, por exemplo, as formas de viver de um Simeão Estilita,
um S. Benedito, um S. Francisco de Assis, um Santo Inácio de
Loiola e um S. Clemente Maria Hofbauer. Ou, se se quiser algo
mais demonstrativo, comparem-se duas santas sujeitas à mesma
regra: Santa Teresa de Jesus e Santa Teresinha do Menino Jesus.
Deve.se considerar, aqui, que não se trata - ou apenas se trata
em grau mínimo - de distinções individual-caracterológicas, já
que todos êstes santos são, de certo modo, tipos representativos
de·sua época e sua cultura.
Quando falamos dos inconvenientes da excessiva severidade,
não temos em vista apenas aquêles casos excessivos em que a
punição é feita com uma brutalidade impiedosa. Há também urna
severidade reprovável, que, contudo, não se utiliza de castigos
corporais, pelo menos dos maiores. O princípio fundamental da
severida,de repousa, de ordinário, em duas coisas: na am11liação
da dist:illncia, já naturalmente existente, entre os filhos e os pais
(ou educadores) e na falta de atençã<• às características ·individuais
da criança. Tal atitude do educador se dá, a meu ver, de boa fé,
por uma concepção errônea da natureza e da noção de autoridade.
Tal noção deveria, antes de tudo, ser compreendida em seu próprio
conteúdo, independentemente de seus traços acidentais de ordem
histórica.
Autoridade vem de "auctor" e esta palavra vem de "augere"
(aumentar, multiplicar). Auctor rei publúe - o aumentador da
nação - foi, em todos os tempos, um titulo de glória dos governos,
Na essência da autoridade, está o fato de que ela existe. para
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92 RUDOLF ALLERS
1. Os filhos devem ficar :ao cuiclado dos pais, ante!: de ter ;:dquiddo o
uso do livre-arbítrio. (S. TOMÁS - Suma Teo/. 2.2, q. 1 O •• J 2).
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 93
autoridade não sofre qualquer limitação no tempo. Por isso, um
homem nunca se pode emancipar da autoridade da Igreja, que
exprime, como o Cristo vivo, tôdas as verdades e leis, que o
homem, como tal e por si só, nunca poderia reconhecer. Há tam
bém uma autoridade, que deixa de existir quando se restaura uma
determinada situação. O cônsul romano e ditador, Lúcio Cornélio
Scilla, abandonou sua posição de poder quase absoluto, quando
'.'iu que a constituição e a paz tinham sido restauradas em Roma.
Poucos, na História, fizeram o mesmo e ainda menos numerosos
são os que o fazem no pequeno círculo de sua esfera de poder.
Todos, porém, recebem a paga dêsse ultrapassar de seus direitos,
resultante de uma consciência pessoal do poder ou de um gôsto
inato pelo mesmo.• Mas esta paga é uma expiação e tanto mais
grave quanto não se limita à própria pessoa, mas envolve também
os outros.
Que deve existir a autoridade, é uma concepção de certo modo
nrrnigada no íntimo da natureza humana, já que as formas "anár
quicas" da vida em comum não se podem realizar, ou não podem
ser pensadas sem contradição. Mas tal conhecimento é tão pouco
explícito e vivo, de comêço, em qualquer homem, como qualquer
outra coisa. :il:le deve sér desenvolvido, desdobrado e tornado vivo,
antes que o reconhecimento da autoridade (e, em última análise,
o da existência de uma ordem hierárquica do Ser em geral), possa
tornar-se verdadeiro e absolutamente preciso, de modo a poder
suportar, sem oposições, as provas impostas pela realidade da
existência humana. Uma irrupção brutal de autoridade no àutodo
mínio ingênuo de uma vida ainda liberta do sentimento de culpa
pessoal e de qualquer idéia de responsabilidade não é um meio
adequado de obter o reconhecimento da autoridade em geral, nem
do educador em particular. A autoridade deve ser construída na
própria alma infantil e nunca outorgada do exterior. Mas o único
meio de construí-la é o amor. Só a autoridade que deriva do amor
é uma autoridade propriamente dita; só ela pode reclamar, como
fundamento, o amor de Deus. A autoridade que se impõe· por si
mesma e que serve à glorificação (palavra bem elucidativa quando
a entendemos ao pé da letra) da própria pessoa, do próprio por
tador da autoridade é, em sua raiz última, uma obra do Diabo.
Não foi êle quem pronunciou o sinistro: "Non serviam" e fêz a
nossos primeiros país a cínica promessa: "Eritis sicut Dii"?
Quase sempre, a severidade excessiva vem de uma. falsa idéia
da autoridade. Mesnio quando os homens acreditam honestamente
exercer esta severidade em benefício de suas vítimas, verifica-se,
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p s I e o L o G I A 1) o e A Jt Á T E R 101
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102 RUDOLF ALLERS
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PSICOLOGIA DO CAJtÁ'l'F.Jt 103
hilid ade e do desenvolvimento 1le nma vontade corre11pondente,
constitui um mérito, que mmca 11crf1 demm1iadamcnte louvado,
d as teorias de Au·mm AnL1�1t. 1
Sem dúvida, 11:10 teria Hido 1wccHHÍlrio tornar a deAcohrir êAte
fato fundamental e tornar II acentuar irna influência t.odo-pode-
1·osa na formnçfio elo caralcr, HC a hiHtúria eHpiritual dm1 últimos
anos, ou mesmo dos últimos Héculo!l, não nm! l.ivcHm! afaHtado in
teiramente das antigas conccpçõeH que, cm último análise, se ba
seiam na Revelação. Ao ver :rnrgir no penHamento filoH6fico e es
peculativo de nossoH dias, um número cada vez maior de motivos,
que estiveram em ação no npogeu da filosofia católica, escolástica
e medieval, mas que foram quase soterrados pela Renascença e o
Iluminismo, começa-se a dar também uma vida nova a velhas
idéias e conhecimentos, nas ciências empíricas e práticas, tais
como: pedagogia, sociologia, psicologia e concepções da natureza
burnana em geral. Isso não significa, de modo algum, uma dimi
nuição do espírito inventivo daqueles que nos voltam a apresen
tar essas teorias. Apenas nos ensina a compreender as novas
teorias, como um aspecto parcial de um movimento histórico-espi
ritual mais amplo, dando-nos, assim, elementos para separar
aquilo que tem valor maior, do que vale menos. Não poderemos
nos deter aqui na tentativa de recompor os traços essenciais deste
movimento histórico-espiritual, que J()EL designou, engenhosa
mente, como uma quíntupla Renascença. 2 Basta dizer que muita
coisa que hoje parece, a muitos, nova e revolucionária repousa
nas bases firmes que lhe foram assegurados pelo diligente traba
lho de pensamento de épocas passadas.
Passemos agora à questão da vontade de associação, Disse
mos que era, como a vontade de poder, uma tendência fundamen
tal do ser humano. Mas, ao contrário desta, não aparece, aqui,
uma analogia biológica, universalmente espalhada pelo reino dos
seres vivos, como é, por exemplo, em relação à vontade de poder,
a tendência à conservação própria. Há, sem dúvida, sociedade en-
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104 RUDOLF ALLERS
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PSICOLOGIA DO CARÁTI-:Jt JfJ5
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106 RUDOLF ALLERS
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 107
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108 RUDOLF ALLERS
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 109
lindo dele," o homem de ciência assume uma atitude pré-cientí
fica, ao iniciar suas experiências. Querer desenvolver uma con
cepção do universo a partir de um único àomínio de fatos (ainda
por cima encarado de um ií.nico ponto de vista) é, por mais amplo
que seja êsse domínio, o mesmo que fazer a ingênua tentativa de
apoiar uma pirâmide em seu vértice. Uma concepção do universo
pressupõe um conhecimento do universo o não apenas o de deter
minadas faces do caráter humano, ou de sua evolução normal e
anormal. E' tão absurdo chamar à própria psicologia individual
uma concepção do universo, como acreditar que tal concepção
possa ser feita, a partir dela. Um exame crítico de tais empre
endimentos mostra sempre que inúmeras pressuposições, de ori
gem estranha, estavam ocultas ou inexpressas no autor estudado
e foram introduzidas na construção integral de seu pensamento.1
Para compreender, agora, o papel da vontade de associação
no desenvolvimento normal do caráter - isto é: num desenvolvi
mento que não deixa produzir-se um conflito insolúvel com a rea
lidade e permite um modo de vida compatível com as normas dos
valores objetivos - temos que voltar aos conceitos, já expostos,
de compensação e supercompensação (ver pág. 86).
A criancinha se acha, como explicamos, numa situação obje
tiva de subordinação natural, que é percebida, subjetivamente,
como depreciação. Uma compensação imediatamente realizável
no mundo ambiente só será possível, portanto, de modo mui res
trito. Tal tentativa aparece na forma de todos os modos de com
portamento que visam colocar a criança numa posição central.
Inofensiva em certos limites e natural em tôda a criança, entanto
que tolerada e reconhecida, essa tentativa deve ser, porém, con
siderada corno um sinal ameaçador de desvio na evolução do ca
ráter, logo que atinge certo grau e, em particular, quando a
conduta anterior da criança faz reconhecer a escolha de urna ori
entação que se afasta da vida, da realidade e da sociedade. Vol
taremos depois a este assunto.
Como, porém, o mundo ambiente real não dá muita margem
a essas tentativas ·de compensação, a criança é levada, na exte
riorização de seu impulso para compensar a vivência da deprecia
ção, a escolher um outro caminho. Êsse caminho é o da fantasia.
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,·
110 RUDOLF ALLERS
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 111
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112 RUDOLF ALLERS
guinte: "Se isso não me acontecer, não farei aquilo que me é or
denado, ou farei aquilo que me é proibido". Mas o que se espera
do homem é que faça, por livre decisão, o Bom e o Justo, por se
rem bons e justos incondicionalmente - quer sejam ou não, rea
lizados, por seu intermédio, nossos desejos.
Como tudo, esta atitude deve ser também_ conquistada. Ela
existe talvez no homem como possibilidade, mas necessita atuali
zar-se. A atitude puramente natural do homem, que lhe fica, por
assim dizer, na superfície, é a de considerar os próprios desejos
corretos, mesmo em relação aos acontecimentos do mundo que se
jam inteiramente independentes de sua própria pessoa. A ver
dade disso é mostrada numa forma de reação, muito comum, em
bora se exprima nas formas mais diversas - a desilusão. Porque
a desilusão não significa senão a admiração, o prazer e a revolta
pelo fato de que o mundo das coisas e do homem se atreva a ser
diferente e portar-se de modo diferente, do que pensava o indiví
duo. Sob a desilusão, está propriamente uma exigência, que pode
parecer louca quando a expressamos, mas que provém de tendên
cias secretas e, em primeiro lugar, de uma vontade de poder que
não foi devidamente corrigida. Esta exigência se traduz assim:
"Se as coisas corressem bem, o mundo teria de obedecer às mi
nhas idéias e desejos". Mas, em seu extremo, ela diz simples
mente: "Se fosse onipotente ... " As enganadoras palavras de
tentação da serpente continuam a soar.
Para que o homem aceite e se eleve a esta posição de submis
são às leis da realidade, quer na vida natural quer na sobrenatu
ral, é necessário que se inclua na sociedade e que possua a von
tade de associação. Só na união viva com os outros, encontra au
xílio contra seu isolamento e solidão, no meio deste mundo enor
me e terrível. Só pela consciência de ser um entre muitos conse
gue libertar-se <la impressão de incapacidade pessoal, penosa
mente produzida por sua vontade de auto-afirmação, e é capaz de
uma submissão voluntária ao que, simplesmente, existe e vale. In
tegrado na vida da comunidade e, por meio dela, consegue, então,
o homem tornar adcquada8 à realidade as fantasias de futuro e
os planos c1ue trouxe <la infância. Pois só quando reconhece que
aquela situação, que despertou nele a impressão de uma deprecia
ção própria, não é uma condição pessoal sua, nem provém de culpa
sua, jú que pertence à natureza humana, não mais precisará, para
salvar a consciência de seu valor, da 'esperança de imagens enga
nadoras, formadas na névoa longínqua" nem precisará mais que
rer tornar-se igual a Deus, para "brincar com as nuvens e os ven
toa". Porque, então, f!e limitará ao que está compreendido nas
"íronteiraH da humanidade". Sem dúvida, são exatas as palavras
de Gm,THJ�.
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P S I C O L O G I A D O C A ll Á ·r E ll 113
"Se ele se apoiar, com i;eus 0,9SOS firmcfl e cheios de tutano,
sôbre a terra firme e dururlouru, não chegará a comparar-se com
o carvalho ou a videira".
Deve ser novamente dito que, de tudo o que foi explicado,
pode ser concluída a imporlância de uma adequada rclução com a
sociedade, mesmo pam o desenvolvimento do sobrenatural que há
no homem. Pois que, se a atitude interior de humildade é necessá
ria como condição preliminar da afirmação du vontade de socie
dade, é claro que uma posição correta em relação ao sobrenatural
deve também depender <léssc pressuposto.
Se quisermos dedicar, naH páginas a Heguir, alguma atenção
às formas especiais de desenvolvimento do caráter, devemos es
clarecer ainda uma questão: como a vontade de associação da cri
ança pode ser - não despertada, pois que é uma tendência fun
damental - mas cuidada e desenvolvida, e quais os momentos,
interiores à criança ou pertencentes às atitudes dos circunstan
tes, que podem perturbá-Ia ou impedí-la.
A sociedade, uma vez que fato dado, não pode ser posta de
lado em qualquer vida humana. Nenhum homem se pode colocar,
de fato, fora da sociedade, já que pertence, essencialmente, a ela.
Mesmo o "associai" está prêso à sociedade. Só um homem intei
ramente indiferente à sociedade poderia ser considerado livre
desta ligação. Não existe, porém, tal homem. Ao negar a alguma
coisa os direitos sôbre sua própria pessoa e ao negar, em pala
vras ou atos, suas obrigações para com essa coisa, o homem está
afirmando sua ligação a ela. O que ele combate com paixão, é re
conhecido em sua própria natureza. O ódio é uma ligação, tal
como o amor. Só a indiferença suprime qualquer ligação. O ódio
ainda se pode transformar em amor, mas é raro que este nasça
de uma pura indiferença. "Tivesses sido quente, ou tivesses sido
frio ... mas foste morno e eu te cuspi com a minha boca". Não
é tarefa da educação incluir o homem na sociedade, porque êle
já é, por sua natureza, um membro dela. Sua tarefa é fazer com
que experimente esta dependência e facilitar a afirmação subje
tiva desta situação objetiva.
Para que seja possível, ao homem em desenvolvimento, a in
clusão e a participação ativa na sociedade, esta deve ser, de certo
modo, aproximada dele. Ele precisa experimentá-la, aprender a
conhecê-la, não como se pode conhecer um objeto de ciência, mas
como é aproximada e confiada à criança tôda a realidade - ou
seja: pouco a pouco e por um contacto vivo. Se é verdade que a
vontade de associação é, de certo modo, periférica e secundária,
em relação à vontade de poder e à tendência de auto-afirmação,
porque estas são imediatamente ligadas à própria pessoa, então,
a vontade de sociedade necessitará de um cultivo especial e po..
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er
PSICOLOGIA DO CARÁTER 119
atitude não teria um valor ético e significaria, simplesmente, covar
dia e fuga. Não é também por ser o mundo cruel e insatisfatório,
que se deve "fugir" dêle e dedicar-se à vida monástica. Pois, então,
onde estaria o sacrifício? Só existe sacrifício, quando aquilo a que
se renuncia tem um valor. Só quem considera o mundo belo e
cheio de valor, pode renunciar a êle, por ver diante de si algo
ainda mais belo e mais digno. Assim, a solução negativa do proble
ma do matrimônio conterá, se tiver algum valor, acima de tudo,
uma plena e integral afirmação do matrimônio e da família. Como
seria errôneo - e até mesmo ilógico - querer negar a existência
de um valor, quando o valor e a dignidade foram confirmadas
pela instituição de um sacramento, feita pelo próprio Deus.
Mas o semelhante e o companheiro de trabalho não são uma
mesma coisa. Por certo, o conceito de trabalho não deve ser com
preendido unilateralmente e em sentido estrito. Ser um compa
nheiro de trabalho significa, apenas, ocupar um lugar na linha de
frente em que a humanidade luta pelo progresso da cultura -
seja no domínio do espírito, no da economia, no da ordem social,
ou em qualquer outro. Tal lugar será ocupado também por aquêle
que apenas se dedica a orações e meditações. Não será talvez
supérfluo insistir nesta observação. Porque, em virtude daquela
solidariedade humana para o bem e para o mal, que, como disse
mos, não é dada apenas pela Revelação, mas pode ser concluída
pelo pensamento especulativo, tal vida não é apenas proveitosa
para o indivíduo que a pratica, mas para todos os homens. Aliás,
não pode existir uma vida inteiramente contemplativa, O próprio
contemplativo é obrigado a executar determinados trabalhos, mes
mo os puramente ísicos.
Mas o trabalho significa sempre uma colaboração. O traba
lho pode ser definido como uma criação de valores que possuem
uma existência para além do tempo de atividade. Todo o trabalho
é uma realização visível e concreta de valores; todo êle está pois
subordinado à lei moral e a pressupõe. Nesta dupla ligação -
por um lado, à lei moral, e, pois a seu prolongamento último, o
sobrenatural, e, por outro lado, como colaboração, à sociedade -
se funda o valor educativo e ético do trabalho. Ninguém, que se
decide a trabalhar, pode subtrair-se à afirmação final da socie
dade. (Donde a significação e o alcance do emprêgo da chamada
"trabalhoterapia") .
Embora possa produzir alegria e satisfação, o trabalho é, em
última análise, um esfôrço, e, de certo modo, como nos diz a
Sagrada Escritura, um castigo, ou, pelo menos, uma conseqüência
da queda (1, Moisés, 3, 17-19) . Se, porém, em sua essência, a
punição terrena imposta ao homem é, ao mesmo tempo, o meio
, ·e o comêço de um triunfo sôbre a ação condenável e uma prova
de confiança na natureza íntima do homem, julgada melhor do
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PSICOLOGIA DO CARÁTER. 125
uma indicação ela reação ( influências ambientais, destino) não
pode ser obtida. Esta posição metódica eleve ser considerada
indispensável em tôdas as considerações e trabalhos caracteroló
gicos. Um dos méritos da psicologia individual é a grande impor
tância dada a essa posiçfw. Sem dúvida, há, de outro lado, um
justificável encarecimento da tese, fundada· também cm princí
pios metódicos, que afirma a absoluta igualdaclc de tôdas as pes
soas e atribui tôdas as diferenciações apenas às influências do
.ambiente. Esta opinião, desfigurada por vêr,cs até o grotesco, tem,
a meu ver, duas origens: uma é devida a uma concepção do mundo,
de que não trataremos aqui; a outra resulta ela técnica terapêu
tica. De fato, acredita-se que a injustificabilidade ela vivêneia de
def)l"eciação só pode ser demonstrada quando se afirma a igual
dade de todos os homens. Diremos, porém, que isso é errôneo,
embora não o possamos explicar aqui minuciosamente. Sua base
é uma insuficiente fundamentação ontológica-metafísica do sis
tema.
Contra a concepção, aqui apresentada, da impossibilidade de
poder supor traços de caráter finais, imutáveis e espontâneos
(isto é: de origem não-reativa), objetar-se-á, talvez, que muitos
homens submetidos às "mesmas" influências podem apresentar
traços de caráter mui diversos. Sôbre isto, diremos o seguinte:
Conhecemos certos traços, que podem ser atribuídos, em comum,
aos homens mais diferentes, quando êstes foram criados, e se
acham ainda, em condições idênticas de vida. São, por exemplo,
todos aquêles tipos que se intitulam caracteres 'profissionais e de
estado: o oficial, o funcionário, o camponês, o professor, o agente,
o médico, etc. Muitos atos são tão "característicos" de determi
nada profissão, que até mesmo o mais inculto pode reconhecer
fàcilmente um membro dessa profissão. Sem dúvida devemos pes
<J.Uisar quais dessas marcas "características" pertencem realmente
ao caráter e quais delas são apenas "exteriorir.ações", em que o
momento propriamente caracterológico consiste apenas numa
apropriação de tais exteriorizações. Há, contudo, verdadeiros tra
ços de caráter, que ultrapassam as exteriorizações e são condicio
nados pela profissão e o estado. Vendo, então, que, na realidade,
condições de vida "idênticas" - como as de determinada profis
são e especialmente as que dão, também, aos que lhe pertencem,
uma certa situação (por exemplo: o oficial, o padre, o camponês)
- ocasionam sempre, em todos os seus representantes, os mesmos
traços, chega-se à conclusão de que, onde não aparecer em condi
ções "idênticas" tal uniformidade, existe uma "igualdade" aparen
te, mas não real. 11: difícil, de fato, encontrar dois homens que
tenham tido, na realidade, as "mesmas" condições de vida. Ternos,
pois, que ficar em um non liquet, que nos vemos obrigados a expri
mir ao modo seguinte: uma convicção definitiva de que determi-
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 127
é, mais uma vez, enfraquecer sua coragem de viver. Seria bom
que se colocasse, após o eterno "niio deves, niio tens permissão
e não podes", o "podes, devcl:I e tens pcrmii:1são". Tenho a impres
são de que tõdn a nossa cduc11çiio deixa de lado, demasiadamente,
os momentos positivos da capacidade natural e do auxílio sobre
natural. Daí resulta uma forte acentuação dos perigos, que não é
equilibrada pela das possibilidades correspondentes de oposição
existentes na pessoa moral e natural. A conseqüência será, natu
ralmente, que o homem não se sinta preparado para a vida e tenho
medo.
2. O medo da criança .
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128 RUDOLF ALLERS
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 129
Morte". Não é de admirar que ela não se libertasse do medo para
o resto da vida. Por certo, o próprio pai sofria de medo. Mas a
filha não havia herdado, mas apenas aprendido êsse temor. Eis
uma interessante contribuição para a questão da hereditariedade
das qualidades psíquicas.
Todos os momentos, que já mostramos capazes de aumentar
a insegurança, prejudicar o desenvolvimento da consciência do
valor próprio e impedir o aparecimento da vontade de associação
têm possibilidade de criar o medo. De modo que se pode afirmar
com muita probabilidade que o medo das crianças, desde que não
se baseie numa fraqueza vital, é um produto da educação. No
primeiro caso - o da fraqueza vital - é necessário, evidente
mente, adotar de início uma orientação cuidadosa e cheia de tato,
a fim de levar a criança a triunfar do medo - noutras palavras:
é preciso saber fazer surgir uma atitude interior, pela qual o
medo perca sua justificativa.
Falaremos mais tarde sôbre o medo na vida dos adultos.
Queremos mostrar agora que, no futuro da maioria das dificulda
des de educação, o medo age como uma fôrça impulsora. Para que
se compreenda isso, é preciso esclarecer que o medo originário de
ser incapaz e de se mostrar sem valor não pode ser experimentado
de modo claro em sua pura forma. Porque, para representar-se
êsse medo, é preciso ter já a possibilidade de compreender a depre
ciação e a falta de um valor pessoal e próprio. Mas é intolerável
pensar nisso, mesmo como possibilidade. Possuir um valor pró
prio e estar seguro de si, são, para a vivência, uma e mesma coisa.
Duvidar, nesse caso, já não é ter. Dêsse modo, o medo originário
encontra sua expressão em formas múltiplas: em parte, apoiando
se em outros objetos que se apresentam como pretexto para o
temor e, em parte, ocultando-se por trás de tôda a sorte de
disfarces.
São fáceis de observar aquelas formas de medo, que apare
cem em tôdas as situações, em que a preservação do julgamento
se faz por intermédio de outra pessoa. O acanhamento, o emba
raço e o medo aos estranhos e às situações novas estão entre estas
formas. Rir ou zombar de uma criança tímida por essa sua atitude,
ou castigá-la, é mostrar uma completa ignorância do assunto.
Pode acontecer, num ou noutro caso, que uma criança, obrigada
por tais medidas, se veja constrangida a "vencer" sua timidez,
porque o medo dos efeitos da educação se torna nela ainda maior
que o sentido diante de estranhos. Mas o medo primitivo não é
Posto de lado por isso e pode-se esperar, com grande probabili
dade, que aparecerá de forma ainda mais perturbadora, na própria
infância ou mais tarde, sob o aspecto de neuroses mais ou menos
graves. A criança tímida ou medrosa precisa de estímulo e não
de castigo.
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 131
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182 RUDOLF ALLh&S
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134 RUDOLF ALLERS
pelas frutas, que não eram boas e foram lançadas fora, mas pelo
rôubo em si mesmo. E o que atrai no roubo, como em qualquer
outra infração de um mandamento ou proibição, é, como observa
êsse santo, com tôda a razão, o fato de que, no momento de trans
gredi-los, podemos nos julgar mais poderosos e maiores do que
quem nos deu a ordem.
Se quisermos uma confirmação dessa interpretação tão clara,
é fácil encontrá-la no fato de que basta, muitas vêzes, proibir-se
alguma coisa, para que ela seja feita, ou suspender uma proibição,
para que a coisa perca inteiramente o atrativo. Lembro-me de
uma menina que tinha pensamentos e tendências de compulsão
a roubo; acreditava sentir uma inclinação invencível pelos doces
e costumava surripiá-los às escondidas, dos criados. Alguém teve
então a idéia de deixar, à sua disposição, açúcar, chocolate, etc.
A partir dessa ocasião "êles não lhe deram mais prazer, como ela
própria dizia". A uma senhora, que se queixava de que o filho,
de oito anos, se metia em tôdas as poças de lama, apesar de suas
proibições, aconselhei a deixar de falar nisso. Êsse jovem deixou
também de ter prazer, logo que sua ação deixou de ser proibida
e passou a ser permitida e, até mesmo, favorecida.
Fazer o proibido representa sempre, portanto, um triunfo
secreto ( embora fictício), uma vitória sõbre o proibidor, uma pro•
va (le fôrça e grandeza próprias. Também todo o pecado, como
diz S. Agostinho, é sempre uma tentativa do homem, para elevar-se
acima ele Deus. "Eritis sicut Dii" - a velha expressão é defor
mada e parece mesmo que o homem, não contente de ser seme
lhante a Deus, quer ainda ser mais que Êle.
A mentira aparece, então, a serviço de uma vontade de poder
fransviada. Ela deve proteger a esta e suas :ições. Se tal incli
nação pode ·estar profundamente arrnigada na natureza humana,
como sinal e efeito de sua natureza decaída, a compreensão e o
conhecimento podem, contudo, libertar a esta ou colocá-la acima
daquela inclinação. A verdade nos liberta1·á do pecado, disse
S. Agostinho na passagem já citada. Que verdade devemos reco
nhecer? Por certo a da reprovação do pecado, da sublimidade elo
mandamento, da majestade de Deus, a que injuriamos, e de seu
Amor, que desprezamos. Mas há mais: a incrível loucura da
intenção de igualm·-se a Deus, a completa desesperança de um
empreendimento de engan:í-io ou superá-lo. Podet·-se-ia alguém
arriscar ao temor da consciência, ao medo de ser descoberto e
1mniclo e a tôdas as mús conseqüências e circunstfincins do nto
proibido, se tivesse clara consciência da absoluta desesperança de
atingir o seu fim? Importa, pois, que o homem obtenha um conhe
cimento rle seu própl"Ío fim e reconhec:a que não se ti-ata ele roubar
pet·as, ou mesmo de roubar simplesmente (embora tal ato possa
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U1g1tahzadocornCarnScannGr
PSICOLOGIA DO CARÁTER 135
ser revestido do brilho enganador do heroísmo), mas de imitar a
grandeza de Deus e, mesmo, de querer ultrapassar essa grandeza.
Não fica suprimida ou diminuída a responsabilidade, pelo
fato de que o homem não conhece, ou conhece mal, na maioria
das vêzes, esta sua finalidade. Mas é importante para a psicolo
gia da desobediência e da ação criminosa, e também para a técni
ca da educação e direção das almas, que essa falha seja suprimida,
provàvelmente logo de início, se se quiser que o agente tenha
consciência desta sua posição última e interior. Tôda criança sadia,
tôda aquela em que a consciência de si mesma não foi profunda
mente afetada, tôda aquela que não é levada, para conservar ou
defender sua consciência, a empregar tôda a sorte de ardis, é
capaz de compreender que o motivo, agindo por trás da ação proi
bida, é urna luta pela grandeza e o poder e que tal motivo carece
de sentido e é improdutivo. A má ação merece castigo ( e a crian
ça, como dissemos, compreende isso) . Não se deve, pois, substi
tuir simplesmente o castigo pelo ensinamento e a explicação. Mas
também não nos devemos contentar apenas com o castigo. Deve-se,
de preferência, em períodos de calma, quando nenhuma travessura
foi feita, conversar amável, mas seriamente, com a criança e
deixá-la responder, à maneira do diálogo socrático, para que ela
obtenha por si mesma o conhecimento. Ê mais cômodo, sem dúvi
da, castigar simplesmente, sem se preocupar com os motivos que
levaram a criança a tais ações. Mais cômodo, sem dúvida, mas
também mais perigoso e, na maioria das vêzes, menos eficaz.
Na execução oculta do proibido e no encobrimento pela men
tira, que se lhe segue, mostra-se imediatamente que o indivíduo
não tem a coragem de uma revolta aberta. Nesse ponto é justa
a declaração, que o educador indignado dirige, após a descoberta
do ato, ao que o praticou: que seria ''mais bonito" fazer as coisas
às claras; e que "o mais revoltante nisso é o embuste". Quem
assim fala, desconhece, porém, que, entre. os motivos da ação e
as razões que condicionam sua forma, a falta de coragem ocupa
um lugar importante. Ao covarde, que já sofre com sua covardia,
a declaração de que não devia ser covarde, faz o mesmo efeito que
dizer que seus olhos deviam ser azuis, já que o fato de ser covarde
constitui, para êle, uma certeza e um sofrimento. Assim, as
admoestações indicadas acima, têm, por certo, razão, mas não são
pedagógicas, nem eficientes. Elas têm tanta razão de ser, como
aquela espalhada opinião de que o neurótico deve1·-se-ia compor
tar ele modo diferente do que faz, dever-se-ia dominar, ou não
entregar-se, etc. Do ponto de vista objetivo, isto é, exato: que a
ação exigida está dentro das possibilidades da pessca, é o que de
monstra, em vários casos, a cura. J\,Ias, do ponto de vista do
neurótico, essas declarações não são apenas falsas, mas sem senti
do e, portanto, extremamente prejudiciais. Se a criança, que foi
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136 RUDOLF ALLEllS
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PSÍCOLOGIA DO CARÁTER 137
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138 RUDOLF ALLERS
4. Crianças ameaçadas
Como o ensaio constitui uma preparação para um ato sério
e o brinquedo da criança uma preparação para o trabalho e domí
nio das tarefas, assim também o brinquedo em comum e a convi
vência com outras crianças é, como já se disse, uma preparação
e um treinamento da vontade de associação, indispensável para
a vida real.
Por isso é que vemos crianças, cuja posição na sociedade é
obscura ou aparece sob uma falsa luz, naufragar, mais cedo ou
mais tarde, nos problemas da realidade. E' por êsse motivo que
aparecem os chamados "pontos perigosos" do desenvolvimento;
são tôdas aquelas épocas, em que a criança entra numa nova situa
cão. Se não está suficientemente preparada, ela desenvolverá cer
tos traços desagradáveis, de acôrdo com o grau de insegurança
que sente, antes da realização dessa situação ou por ocasião dela.
Ou então, se tiver alguma coragem, só recuará quando tiver feito
a vã tentativa de se tornar senhora da situação. Êsses pontos
perigosos são, por exemplo, a vinda de um novo irmãozinho, o
ingresso na escola, a mudança de escola e a entrada numa escola
superior; por vêzes, a simples mudança de ambiente (por exem
plo, pela transferência para uma cidade estranha ou devida à época
da puberdade) produz os mesmos efeitos, A estas duas últimas
dedicaremos, porém, nma exposição especial.
Se uma criança se mostra tímida ao entrar para a escola.
podemos ver aí um sinal inconfundível de preparação imperfeita
para a sociedade. E!.'.I teme as outras crianças, teme não poder
alcançar qualquer posição entre elas, perder-se na massa, não me
recer qualquer atenção e, portanto, ver confirmada sua tímida
crença secreta na p1·ópria falta de valor.
A pessoa expedente descobrirá em tais crianças, mesmo an
tes da situação de preservação da vontade de sociedade demons
trada ao ingressar na escola, muitos traços que deixam advinhar
sua natureza. Criarn;as que se agarram à mãe, se escondem atrás
dela, se ocultam dos estranhos, procuram cobrir :1s costas - de
preferência encostnndo-se i1s paredes ou mó,·eis quando elevem
dar uma respostn - meter-se afrús de cadeiras, desviar os olhos,
etc., são suspcitns de urna Yo1itade deficiente de associacão. A
criança bem preparada para a sociedade fica desembai·açada
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 139
diante das pessoas, com a cabeça erguida, numa atitude que, por
certo, não agradará a muitos pedagogos inclinados à severidade
e à acentuação da própria autoridade, mas que, em sua natural
e ingênua certeza de si, é tão bela, do ponto de vista estético, como
agradável, do ponto de vista humano.
A exposição minuciosa de todas essas atitudes e modos de
comportamento, que se verificam nas dificuldades de educação,
nas chamadas falhas de caráter infantis, nas manifestações ner
vosas e, até mesmo, na chamada criminalidade infantil, ficará
para um capítulo ulterior. Vamos nos voltar, agorn que .i á foram
debatidos alguns traços especiais importantes, para a descrição
de determinados tipos infantis.
Para isso, precisamos ter diante dos olhos o que se segue. Os
traço3, que serão apontados agora, são necessàriamente algo exa
gerados, ou seja: representam a configuração dos casos extre
mos, em que as manifestações a observar se reúnem com um
cunho bem nítido no tipo em estudo. Esses casos extremos não
são abstrações: há, na realidade, muitos deles. l\fos há também,
naturalmente, inúmeras crianças do mesmo tipo e em situação
idêntica, a que eles só se aplicam aproximadamente. Na verdade,
11enhum representante de um dado tipo deixa de ter os traços in
dicados. Mas, 11a maioria das vezes, eles não aparecem tão forte
mente, -nem têm, todos, a mesma intensidade. Não se deve, por
tanto, criticar determinada descrição - a do filho único, por
exemplo - pelo fato de se conhecei· um caso em que estes traços
parecem ausentes, em grande parte ou na totalidade. Porque em
primeiro lugar é preciso, para descobri-los, um olho exercitado e
atento a esses característicos e, em segundo, porque o tipo pode
não ser sempre bem •expresso. Nem todo pedaço de quartzo cris.
talizado é uma bela pirâmide hexagonal, embora pertença à na
tureza do quartzo cristalizar em tal forma. Uma outra observa
ção preliminar: mesmo que os sinais, que caracterizam uma de
terminada situação da infância, possam ser encontrados em cer
tas crianças, isso não signific.1, df;! modo algum, que todas se de
vam desenvolver em determinada direção. Nem o estado corpÓ•
reo, nem a estrutura do ambiente constituem fatalidades imutá
veis. Não há motivo algum para um pessimismo p·edagógico, quan
do se mostra, por exemplo, que o filho único corre perigo sob cer
tos aspectos. Porque todos esses perigos são essencialmente eYi•
távei�, e tanto mais, quanto mais os conhecemos.
Vamos, agora, considerar a série de situações típicas, deter
minar seus momentos específicos e que podem agir na formação
do caráter e denunciar as atitudes e modos de reação da criança.
1. O /ilho único - O isolamento constitui a essência de sua
Fítuação: em primeiro lugar, todos os cuidados, cai·inhos e medi.
<las educativas se concentram sobre ele, e, em segundo lugar, ele
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140 RUDOLF ALLERS
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 141
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142 RUDOLF ALLERS
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PSICOLOGTA DO CARÁTER 143
Numa família numerosa, não é tão sentido o fato de que o
mais velho se desprenda dos laços dos seus e procure seu próprio
caminho, casando ou seguindo uma carreira. Ficarão os outros
: mais velhos e, depois, ainda os outros, até o caçula. Mas com o
filho único, que enchia a casa ele risos e gritos quando pequeno,
cujo desenvolvimento foi acompanhado com alegria e preocupa
çáo, que constitui a própria vida dos pais, a quem se deram todas
as possibilidades de uma perfeição profissional, moral e humana
e cuja emancipação foi vista com temor - êste filho único, quan
do abandona o lar, deixa apenas o frio e o vácuo, quase como na
morte. Os pais passam, entfto, a viver mais das recordações que
do presente ( "Lembras-te quando ... ") Isso provém de que êles
não compreendem bem as necessidades do filho adulto e esperam
ainda dele, o mesmo comportamento da infância. Pensam então:
"como era antigamente uma criança amável! E agora? Raramen
te nos vem visitar. Tornou-se inteiramente outro". Sim, ele deve
ter-se tornado outro, pois vive noutro tempo e deve ter-se liber
tado, porque precisa viver sua própria vida. Não se deve desco
nhecer que há sempre, na vida dos pais, um elemento trágico e
que êste é aumentado no caso do filho único. Por mais que se
queira, aqui, "tomar o partido da criança", uma vez que ela é o
homem futuro e o membro futuro da Igreja, deve-se também pro
curar compreender um pouco os pais e seu ponto de vista. E' inú
til, por outro lado, tornar compreensível e aproximar psicologi
camente da criança - mesmo da pequenina - os pontos de vista
e modos de pensar dos pais. Já observei muitos casos de sucesso,
nesse ponto. Por esse meio, uma relação perturbada entre os pais
e o filho é, não raro reajustada, como, por exemplo, quando aque
les insistem em seu direito e querem impor ao filho certa atitude.
Pelos motivos expostos, são especialmente críticas, para o fi
lho único, tôdas essas situações de proteção em que aparece a
auto-afirmação nas situações difíceis e, acima de tudo, a subordi
nação à sociedade e a afirmação desta. Pode-se dizer, por exem
plo, que o ingresso na escola é um bom teste para verificar se a
criança, apesar de filho único, está preparada para a sociedade.
Esse momento da vida não decorrerá, por certo, tão fàcilmente,
nas crianças dêsse tipo, como nas outras. Será preciso sempre,
para adaptação à sociedade da classe e ao regulamento escolar,
um tempo maior que o médio. Quando, porém, não surgem situa
ções catastróficas, nem temor ou desgosto visível em relação à es
cola e quando o progresso nos estudos não fica abaixo da média,
pode-se dizer que os perigos resultantes da situação singular
foram evitados e que não se devem mais temer conseqüências
graves.
2. O filho mais velho se encontra, antes do nascimento de
!'leus irmãos, na situação do filho único. Se ele ficar vários anos
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144 RUDOLF ALLERS
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 145
Uma certa compensação pelo "destronamento" é dada, então,
�o mais velho, quando há certa diferença de idade, não só pela
identificação com os pais, como também pela posição de autori
dade que lhe é dada, como fiscal dos outros, colaborador em sua
educação, etc. Tal disposição pode ser benéfica para o mais ve
lho, mas é, na maioria dos casos, fatal para os mais moços. Em
inúmeros casos, vemos situações de desafio, desobediência, re
volta e, até mesmo, de criminalidade e desleixo incipientes, desa
parecer imediatamente, logo que se retira a autoridade do irmão
mais velho sôbre os menores e se coloca, a êstes, exclusivamente
sob a jurisdição paterna.
Não nos devemos esquecer de que, em muitos e muitos casos,
os irmãos maiores têm desempenhado, com êxito real, perante os
menores, o papel de pai ou de mãe. Isso se dá, ou quando desapa
receram os pais, ou quando estes abondonam si.a missão educa
tiva, ou finalmente, quando os filhos não encontram mais carinho
de sua parte. Mas, então, a situação se torna inteiramente dife
rente. O exercício da autoridade educativa exige também, da par
te dos mais velhos, muito tato e carinho. Os mais novos sabem
muito bem, que, pela hierarquia natural, não estão submetidos ao
mais velho, mas são iguais a ele. Portanto, para que essa autori
dade, de certo modo usurpada, possa ser tolerada pela sensibili
dade ingênu_a dos pequenos, é preciso que seja exercida com gran
de habilidade (nascida, não de saber ou de princípios, mas do
.amor e da verdadeira compreensão da obra moral da autoridade).
E' o que não ocorre na maioria dos casos. Não que se trate, pro
priamente, de uma culpa. Ao contrário: está na natureza das coi
sas e nas condições psicológicas, que esse irmão mais velho, in
vestido de uma autoridade que, de antemão, não lhe pertence, se
incline a acentuar sua posição e suas medidas (de cujo direito e
meios não se sente inteiramente .seguro) e, por seus excessos,
produza represálias ainda mais sérias. O resultado será deplorá
vel para ambas as partes, na maioria das vezes. Se puder ser evi
tada essa abdicação da autoridade paterna em favor do primogê
nito, mesmo parcial, deveremos evitá-la.
Quando os mais novos têm, por exemplo, grande vivacidade,
os mais velhos são sossegados; quando aqueles são desordenados,
eates têm uma inclinação para o pedantismo.
Em especial, quando os mais velhos, ou o mais velho, são
apontados aos outros como um exemplo (o que é muito desagra
dável para estes e tem efeito contraproducente) pode acontecer
que os primeiros, fortalecidos em sua consciência de si mesmos,
se comportem de acôrdo com o desejo do educador. Mas há tam
bém um certo perigo nisso, porque a vida real costuma ser muito
parca em tais reconhecimentos e, em muitas situações, a antigui
dade não dá direito. Isso nos dá, aliás, uma perspectiva da psic0--
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 147
5. Desvalorização
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 149
fazê-la executar pelos que têm poder e autoridade. Os métodos
d� que se podem utilizar para êsse intento são: a delação, a trai
çao e a calúnia.
Utilizei.me, com plena consciência, da enérgica designação
de '.'t:aição". Ela é considerada do ponto de vista da criança. Há
tra1çao e quebra de confiança, para esta, quando alguém, que é
seu cúmplice numa ação má (mesmo não sendo perversa) dá co
nhecimento disto aos pais, educadores, inspetores, etc., Conside
rado do ponto de vista da ordem legal objetiva, tal procedimento
pode ter um valor positivo. Estamos aqui diante de uma questão
bastante equívoca. Deve.se considerar, porém, que sentimos to
dos um certo desagrado, quando ouvimos, por exemplo, que o
membro de uma quadrilha traiu a esta e a seu chefe. Por certo,
a prisão da quadrilha e a eliminação de crimes ulteriores é dese
jada por todos e nos felicitamos a nós e à sociedade, quando isso
é conseguido. Não nos sentimos, porém, inclinados a louvar o
"traidor". Isso não é devido a uma possível influência do "ban
dido romântico", mas a uma arraigada apreciação do valor da fi
delidade. Além disso, a traição não é motivada por um conheci
•mento das exigências da legalidade objetiva ou da sociedade, mas
por considerações egoísticas. O mesmo se pode dizer do "traidor"
infantil. As crianças, para quem as noções de ordem legal obje
tiva e de um corpo social a proteger não existem, ou são muito
obscuras, e que consideram sua vida como diversa da dos "gran
des", vêem, no delator, um traidor. Para elas, as crianças devem
ser solidárias com as crianças e o compactuar de uma delas com
a autoridade é traição. Contudo, dirá alguém, as crianças devem
ser educadas no reconhecimento de uma ordem; ora, isto é difí
cil senão impossível, se o educador também condena, por seu
lado como traição, aqueles modos de proceder; seria talvez me
lhor: ensinar à criança, que as normas objetivas da Moral e do
Direito estão acima de seu companheirismo. Que devemos fazer
então?
Eu responderia que esta situação inquietadora e difícil será
tanto mais rara, quanto menos artigos de regulamento forem
apresentados às. crianças. Há também aqui, uma razão para a exi
gência, já apresentada por nós, de que não se multiplique inutil
mente o número de proibições.
Dever-se-ia, além disso, mostrar à ériança a importância das
normas de direito e logo, de início, demonstrar como são justas
suas próprias regras não-escritas de sociedade infantil. Mas, nem
por isso, se deve dar abrigo ou elogiar a· delação. Correr-se-ia o
perigo, assim procedendo, de abalar sensivelmente a vivência de
solidariedade da criança, que é, por certo, o fundamento da vi
vência de solidariedade do adulto. Em particular, dever-se-ia es
clarecer às crianças, que, para fiscalizar e julgar suas ações, é
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 151
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IV. O IDEAL DE CARATER E O EFEITO
DO EXEMPLO
1. Nota preliminar
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154 RUDOLF ALLERS
vel, fui mal educado, esta ou aquela condição deveria ter sido rea
lizada, etc: A segunda f6rmula diz: "Dever-se-ia (os outros) ser
assim ou poder ser assim, mas não o sou". Desse tipo é, por exem
plo, o ideal daquele homem que, sendo franzino e baixo, diz, con
tudo: "Na verdade, o homem deve ser forte e alto", ou da mulher
que diz: "Na verdade, ela {outra) deveria ser um homem".
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 155
quaisquer que sejam, darão apenas motivo a uma vivencia fan
tástica do ideal, ou à consciência de sua absoluta inatingibilidade.
Em relação ao modo de geração, ou às fontes do ideal de ca
ráter, deve ser acrescentado que há duas forças em ação. Pri
meiro, o conhecimento das leis de valores efetivas e da hierarquia
de valores, e, segundo, o do processo já anteriormente apreciado,
de compensação e supercompensação. Não se pode, naturalmente,
querer atribuir tôdas as formas de ideal, apenas e unicamente
aos efeitos de compreensão. Quem o fizer, desconhecerá a dupla
determinação de tôda a conduta e vivência humanas, que vêm, ao
mesmo tempo, do eu e do não-eu. A tentativa de fazer, da com
pensação ou supercompensação, a fonte exclusiva da formação de
ideais, só pode ser considerada como resultado de uma extrema
concepção naturalístico-psicológica e deve ser, portaIJto, rejei
tada. Por outro lado, é de extrema necessidade uma observação
cuidadosa deste fator subjetivo. Porque ele está, de fato, estrei
tamente associado à geração do ideal e seu desprezo prejudicará,
muitas vezes, os esforços feitos pelo educador, para aproximar o
discípulo de determinadas exigências do ideal.
3. Significação do ideal
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PSICOLOGIA DO CARÁTER Jf,9
4. Ambição
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PSICOLOGIA DO CARÁTER lGl
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 163
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 1G5
mas comumente, no caso de um resultado negativo . Porque êste
último resultado pode ser devido, tanto à atualização de obstá
culos interiores (principalmente o desânimo) como à ausência
das faculdades previstas. Também aqui é necessário um estudo
pormenorizado. A única conclusão que podemos tirar, por en
quanto, destas experiências é que um julgamento sôbre a presen
ça e, mais ainda, sobre a ausência ele detcrminaclas possibilida
des é extraordináriamente difícil e que, portanto, muitos ele tais
julgamento& são errôneos, quando feitos precipitadamente. Acres
centemos que isso é verdadeiro, tanto para as possibilidades po
sitivas como para as negativas, sendo que, nestas últimas, as coi
sas se acham invertidas, porque, em geral, se é inclinado a acei
tar mais depressa a presença de "más disposições".
Esta afi1·mação de que as possíbilidades subjacentes são di
fíceis de conhecer é válicla, não só para o observador e o educa
dor, como, em maior grau, para a própria pessoa, ao julgar-se a
si mesma. Já mostramos, antes, a dificuldade fundamental, acen
tuando, com SCHELER, seus caracteres secundários em relacão a
um observador estranho.
Na verdade, a experiência já nos mostrou, centenas de ve
zes, que há, no homem, possibilidades insuspeitadas que se mani
festam a nós, inesperadamente, em detel'minadas condições. Que
transformações não foram operadas no homem por um amor ver
dadeiro, que obras não foram realizadas por um homem vulgar
sob o efeito do entusiasmo e quantas vezes não fomos surpreen
didos por uma ação "em que não acreditaríamos"?
Havia em nosso hospital de campanha, um convocado polo
nês, que era considerado um inútil e nunca tinha mostrado incli
nações ou desejos de sacrifício e altruísmo. Mas, quando irrom
't)eu um incêndio na aldeia, ele foi o único a precipitar-se numa
casa incendiada, para salvar das chamas uma criancinha.
Muitos homens acreditam que já "esgotaram", por assim di
zer, tudo o que tinham em si e "não podem ir além" (no sentido
moral, principalmente). Acreditam não poder ser melhores e
mais amáveis, ou, de modo geral, não poder ser outros. São o que
são. Assim pensam e assim pensam deles os outros, porque vêem
que este homem, já há muitos anos, não se modifica e é sempre
o mesmo. Sim, é um bom homem, não faz mal à ninguém, cumpre
corretamente suas obrigações, mas nada tem de especial - nada
mais espera de si e de seus semelhantes. Quão espalhada é esta
opinião! Como parece quase evidente! Entretanto, é uma opinião
inteiramente falsa. E' tão falsa, que é contraditada quase diària
mente. Contudo, os homens perseveram nela. Por que se aferram
tanto a esta concepção falsa, não é fácil saber. Um dos motivos
é que a crença na constância e na imutabilidade do próximo (e do
pr6prio eu) parecem dar lugar a uma determinada segurança.
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lGG RUDOLF ALLERS
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 167
tanto, não é preciso mostrar o fato de que, sob a ação da Graça,
pede surgir, num homem, o inesperado. É provável, em verdade,
que a Graça complete apenas o já existente ("gratia non tollit na
turam, sed perficit"). Mas, é também possível que seja criada urna
coisa inteiramente nova. Portanto, o argumento não tem uma de
cisiva fôrça probante. Entretanto, a vida individual, como a da
humanidade através ela História (começando esta, bem entendido,
com o pecado original) não é outra coisa, em ge:ral, senão uma
realização sucessiva de todos os valores colocados conw possibili
da,cles. A passagem da potência ao ato - para usar os conceitos
da Escolástica - é a essência e o sentido da vida humana. Estou
convencido de que a tensão entre o já realizado e o a realizar, sob
a forma de possibilidade de valores que permanecem no núcleo da
pessoa, esta "queda de valor" como a denominarei, constitui o ver
dadeiro motor, a verdadeira fôrça propulsara, por meio da qual é
mantido o movimento da vida. Quando um homem realizou, até
o fim, as possibilidades de valor que trazia dentro de si,_ pode
cessar sua vida, pode morrer. É por isso, a meu ver, que tantos
rnntos morrem moços. Consideremos, por exemplo, a vida de
São Luís Gonzaga, São João Berchman, Santa Teresinha do
Menino Jesus ou suas irmãs de Ordem - santas não canonizadas,
como Maria da Santíssima Trindade, Angélica de Jesus e tantas
outras. Não teremos a impressão inevitàvel de que tôdas estas
pessoas nada mais tinham a fazer sôbre a terra e que realiza
ram tôdas as suas possibilidades? Se tantos dêsses jovens
santos morreram no meio de terríveis sofrimentos, não é porque
esta permanência na dor e na enfermidade era a última de suas
realizações! Devemos admirar-nos, mais uma vez, da finura e
profundeza de uma expressão da linguagem. De fato: dizemos
dêsses homens, que "tiveram uma realização precoce (früh
Vollendete) . mes realizaram o que nêles havia pan·. realizar . São .
portanto, completos porque tôdas as possibilidades do valor, que
havia nêles, se tornaram \'.alares reais. Sem dúvida, a recíproca
não é verdadeira; a vida de um homem não termina, quando êle
realizou tôdas as suas possibilidades de valores. A maioria das
vidas humanas entra em declínio, sem realizar t.ais possibilida
des. Enquanto um homem vive, há, nêle, valores a realizar.
Portanto, enquanto viver um honiem, êle não poderá ·dizer de si
(nem os outros dêle), que nenhuma coisa nova e inaudita possa
surgir dêle . Não são apenas as comoções extraordinárias, como
o entusiasmo, o perigo e o verdadeiro amor, que podem fazer
surgir, num homem, algo inesperado. Acontecimentos bastante
triviais têm o mesmo efeito. A doença, palavras fugazes ditas
por alguém, uma experiência que nada tem de extraordinário
podem produzir uma agitação, sem que se saiba por quê.
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168 R.UDOLF ALLERS
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cr
PSICOLOGIA DO CARÁTER 169
nião só pode ser mantida, se se acreditar que o melhor desen
volvimento possível de cada indivíduo assegurará também o
bem-estar da coletividade. Assim, julga-se que, de certo modo, os
interêsses egoísticos ele cada um se contrabalançam e equilibram,
de modo que, por uma espécie de resultante mecânica de fôrças
pode originar-se um estado favorável do conjunto da coletividade.
Não poderemos fazer, aqui, uma crítica dessa concepção. Baste
-nos dizer que essa orientação pedagógica se baseia numa deter
minada concepção do universo e também numa correspondente
posição político-econômica.
Já vimos que, em todo homem, age, desde o início, a vontade
de poder, de tal modo que, sem a correção correspondente da
vontade de sociedade, aquela vontade se desenvolveria até o in
finito. Portanto, se fôssem removidos, no desenvolvimento de um
homem, todos os obstáculos prejudiciais ao "livre desenvolvimento
da personalidade", a tendência primitiva da vontade de poder
tomaria a dianteira. Não se pode, pois, falar num verdadeiro
desenvolvimento de tôdas as possibilidades subjacentes no ho
mem, pois que uma delas não achará obstáculo algum, e tôdas
as outras serão esmagadas. A idéia de uma ediwaçiio livre e sern
resfrições, para um desenvolvimento completo da personalidade,
mostra-se, portanto, contraditória em si mesma: o resultado é
inatingível em virtude dos próprios meios empregados. Teremos
ainda ocasião de explicar, como êsse ideal de autarquia, de domí
nio do próprio eu - quer seja pôsto pelo educador ou pelo pró
prio indivíduo - é pouco apropriado para resolver satisfato
riamente os problemas da vida e fornecer uma existência sem
atritos. O que a experiência mostra, pelo contrário, é que a im
posição de uma finalidade, no sentido de tal ideal, trará, cedo ou
tarde, um conflito com as fôrças e leis da realidade e, finalmente,
tornará o indivíduo ainda menos capaz para a vida.
Por outro lado, é sem dúvida exato, que o desenvolvimento
das possibilidades existentes numa pessoa (as positivas, natu
ralmente) constituir uma tarefa da educação e, mais, uma tarefa
moral da própria pessoa. Sem dúvida, não será a primeira ou a
maior das tarefas, porque, nem para a reflexão natural, nem
para a que se funda na religião, o indivíduo pode ser considerado
o fim mais elevado. Uma autonomia moral dêsse tipo é errônea,
traz péssimas conseqüências na vida e não pode ser justificada
filosoficamente. As inúmeras dificuldades daqueles que vêem no
aperfeiçoamento próprio, o fim mais importante da vida reli
giosa, provam que tal atitude é incapaz de fornecer um desen
volvimento calmo e bem sucedido e, ao contrário, serve justa
mente para perturbá-lo. O padre BICHLMAIER, S. J. mostrou uma
vez, com razão, que o aperfeiçoamento próprio nunca pode ser o
fim primordial da vida religiosa e que êste deve estar, pelo con-
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170 RUDOLF ALLERS
6. Grandeza e heroísmo
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 171
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172 RUDOLF ALLERS
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 173
Considerações idênticas podem ser feitas sôbre o ideal de
grandeza. Ela é ainda mais perig-osa que a fôrça. O momento
da fôrça pode ser vivido e está associado a uma revelaçfw ativa <lr,
homem; há nêle um imperativo de ação, um convite ii. coraifcm
pessoal e uma necessidade de que a própria pessoa tome urna
posição. A consciência da fôrça é, por outro lado, inteiramente
independente do puro êxito exterior, uma vez que é meclicla pelo
grau de oposições a vencer. Mas a grandeza está, pelo contrário,
dificilmente ligada à própria vivência: ela depende muito mais ela
opinião dos outros. O atributo de grandeza não é, cm geral, uma
coisa de que nos possamos revestir; êle nos é dado pelos contem
porâneos, ou pela posteridade. Porque devemos compreender bem
claramente que a grandeza, como ideal de caráter, nunca significa,
por certo, a grandeza da produção, mas apenas a grandeza do êxilo
junto aos outros. Neste sentido, a grandeza e a fama são conceitos
equivalentes.
Portanto, a grandeza é alguma coisa que não pode ser visada,
imediata e inicialme11te, como fim proposto. Ocorre aqui o mesmo
que com outras coisas. A satisfação, a felicidade e a perfeição
também não se podem visar imediatamente: elas são dadas, como
prêmio, ao homem que cumpriu satisfatoriamente determinadas
condições objetivas da vida.
Na verdade, alguém pode, com razão, julgar-se "um grande
homem", mesmo quando não é reconhecido como tal pela maioria.
Conhecemos, pela História, expressões de homens emh1entes, que
não tiveram êxito quando vivos, mas previram com segurança, a
admiração da posteridade. Tufas êsses homens não se preocupam
de ser grandes, mas de produzir alguma coisa, de servir à hunm
nidade com suas obras. No fundo, eram servidores e cumpridores
de uma missão e não aspirantes ao Panteão. Nüo entrará 110 círculo
dos imortais aquêle que pensa igualar-se a êles, mas, apenas,
aquêle que serve a uma obra e a uma tarefa.
Se apresentarmos, às crianças e jovens, as grandes figuras
históricas, como foram na verdade - isto .é: como servidores,
humildes realizadores de um trabalho que a elas se impunha e
assim foi realmente a maioria delas - então, nada haverá a
opor a tal ensino de ideais. Quando, porém, se coloca num 11ri
meiro plano o motivo da "Grandeza", faz-se nascer uma falsa
ambição, que, não sendo satisfeita na maioria dos casos, produ
zirá resultados estranhos. Sem dúvida, Heróslratos conseguiu o
que desejava: ainda hoje, depois de tantos séculos, conhecemos
o nome do homem que incendiou o templo de Diana, cm Éfeso.
lVIas conhecemô-lo, como um exemplo horrível.
O mesmo se dá com o ideal de heroísmo. A atitude heróica só
tem um valor imanente, pela idéia em vista da qual se executa.
Ao julgar os heróis trazemos conosco, a meu ver, restos de admi-
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 175
vez, sonhado com o heroísmo. ll:le fêz o que julgava seu dever; e
como a idéia de Dever foi mesmo em tal situação, o fio condutor
de seu comportamento, êle tornou-se um herói. Pode-se mesmo
afirmar, que um homem qualquer pode tornar-se, automàtica
mente, um herói, desde que as circunstâncias o exijam e desde que
coloque o ideal acima de sua própria pessôa, a realização acima do
sucesso e o dever acima de seu próprio instinto de conservação.
A guerra tem mostrado que alguns homens, em cujos pensamen
tos e sentimentos o heroísmo nunca representou papel algum, po
dem tornar-se heróis. Em muitos deles, o heroísmo resultou de
pensamentos de dedicação e exaltação especiais, menos 'heróicos",
relativamente, que os dos outros.
O ideal heróico traz, para a formação da vida do homem, tôda
a sorte de perigos. f:le penetra e se encrava bem no fundo da
alma, porque concorda com a tendência primitiva do homem para
a vontade de poder. :itle pode tornar-se uma exigência do homem
e de seu destino, estendendo-se por tôda a vida. :ttle se transforma
numa atitude permanente de tal modo que só através da atitude
heróica pode o homem compreender o sentido integral da vida e
a conservação do próprio valor. A realidade não proporciona, con
tudo, muitas oportunidades de conservar sua atitude heróica. Por
que o heroísmo cotidiano da paciência e do amor não tem muita
importância aos olhos dessas pessoas. Levados pela necessidade de
mostrar seu heroísmo, mesmo quando o destino invejoso se opõe
a isso, estes homens se refugiam na fantasia, ou recorrem a tôda
sorte de artifícios e manobras, a fim de aparentar um heroísmo
simplesmente fictício. Conheceremos, mais tarde, um desses tipos
- o do homem levado ao martirio por essa necessidade de heroís
mo (um martírio aliás supérfluo, pois que não se baseia em exi
gências objetivas). O martírio é, como nos mostram os contos in
dianos, o heroísmo dos fracos; o herói indiano que, a mercê do
inimigo, não pode mais mostrar seu heroísmo pelo triunfo, mos
tra-o no poste do suplício. Também aqui predomina a influência
da posição de extremo subjetivismo, já citada a propósito do ideal
de fôrça: a posição dos mártires parecerá digna, em si e por si,
ao invés de ser levado em conta, como base de uma apreciação, o
valor pelo qual êles sofrem. Outro resultado da necessidade de he
roísmo a qualquer prêço pode ser visto naqueles homens que acei
tam sempre uma "causa perdida". Admira-se em geral os homens
que "defendem uma posição perdida". Isso se deve, em parte, a
meu vêr, à ilusão de uma metáfora tirada das situações da guerra,
onde tal atitude tem um bom sentido. Esquece-se que a posição
perdida é a única em que a derrota pode trazer uma fama igual
ou maior que a da vitória. Por isso, homens que não confiam na
vitória, embora desejem o papel de heróis, sentem-se atraídos por
tais posições, especialmente quando a derrota ( como se dá nos ca-
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176 RUDOLF ALLERS
7. Sôb1·e a humildade
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 171
�. não só permitida, mas até necessária e que o desejo de reconhe
eirnento devia ser considerado natural e admissível. De modo ge
ral, pensar que não se é nada, não é verdadeiro. O que importa é
achar um justo meio, entre a necessidade de atenção a si mesmo
e o amor-próprio excessivo, entre o desejo permitido de reconhe
cimento e a vaidade errônea. Mas não é fácil perceber êsse meio
termo, o que só se consegue por uma luta constante; é mais cô
moda, sem dúvida, renunciar a essa luta e fazer-se um nulo. Na
verdade, tinha razão o perspicaz condutor de almas: tal atitude
de desprezo de si e autocondenação não é, muitas vezes, outra coisa
senão uma forma de fuga - não apenas uma fuga àquela luta,
mas a tôdas as outras tarefas da vida. Os homens que mantêm
tal atitude querem, aparentemente, exprimir o seguinte: "Como se
pode exigir ou esperar de mim que produza ou realize alguma
coisa, se sou uma criatura tão mesquinha e sem valor'!" E sua
conduta exprime, por outro lado: "Vós, meus companheiros, át:
veis ser indulgentes para comigo, aceitar a intenção pelo ato e ser
bondosos para mim, porque, sou um zero!".Quando SóCRATES, na
praça principal de Atenas, viu aproximar-se, com um manto es
farrapado, um daqueles filósofos que desprezavam o mundo, de
clarou-lhe: "ó Cleanto l A vaidade está à espreita, através dos bu
racos de teu manto!"
Quando um tal homem, que pensa nada, valer e afirma nada
cobiçar, caminha de ânimo levantado pelo mundo, cumpre com
exatidão as tarefas da vida, produz mais e trabalha melhor que
os outros, então sua atitude é verdadeira e cheia de valor. Porque
êle encontrou, realmente, aquêle "isolamento" de si mesmo e das
coisas, de que falavam tão bem a mística e a ascética da Idade
-Média alemã. Mas, quantos dêstes homens existem? A maioria dos
que fazem tais declarações, ou afetam usar comportamento, que a
elas equivale, não é desanimada, estreita, acanhada? Não são, para
os semelhantes, mais uma carga e, mesmo,, um desgôsto, do que
uma alegria? Vi uma série deles que não estavam, de modo al
gum, bem adaptados às condições ele sua vida, nã.o possuiam
aquela "liberdade dos filhos de Deus" e, acima de tudo, careciam,
em alto gráu, do verdadeiro amor. Pelo contrário tais homens são,
muitas vezes, de sentimentos farisaicos, duros ao julgar os outros
e, numa palavra: sem amor. Afetam uma atitude - diz o anôni
mo eclesiástico já citado - que é forçada, e· faz que sua piedade
pareça, aos circunstantes, antes repulsiva do que agradável.
Tal ideal, por mais justo que seja em si, mesmo, pode levar
a uma orientação falsa da pessôa, conduzindo-a a um caminho
que não corresponde a seu estado interior, nem às leis do conjunto
do Ser a que pertence. Desse modo, surgem motivos para diversas
e, muitas vezes, importantes distorções do· caráter. O perigo não
está tanto na natureza do próprio ideal é visto e aceito pelo ho-
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178 RUDOLF ALLERS
8. Uma objeção
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 179
posição de natureza idêntica; mas a disposição é, de certo modo,
um estado da pessôa, ou, pelo menos, um hábito; se, portanto, a
ação segue a disposição (opera,ri sequitur esse) e a disposição está
lígada a pessôa, a formação da pessôa deverá ser o fim mais ele
vado do homem e, por conseguinte, da educação. Ora, aqui se apre
senta um dilema: ou a atenção do homem, ao contrário do que dis
semos, deve ser dirigida para sua própria pessôa, seu modo; ou,
então sendo justas as nossas ob;,ervações anteriores, a educação
não pode atingir seu fim próprio, dada a pressuposição de que a
formação da conduta deve basear-se na da pessôa. Dêsse modo, se
a educação não se dirige para a pessôa, ela perde de vista o seu
fim, mas, se se dirige para a pessôa tornará impossível a própria
Essa dificuldade, à primeira vista considerável, pode ser re
solvida do seguinte modo. A pessôa como tal não se dá a si mesma
como objeto. Ou, como ensinava a filosofia aristotélica: o sujeite,
nunca pode ser objeto par-a si mesmo. Poderíamos, aqui, apoiar
-nos em observações anteriores, que afirmavam ser a auto-observa
ção uma forma posterior, enquanto que a observação de outrem
é uma atitude original e primeira. Mas, será possível a auto
observação? Apreendemos, nela, fenômenos de consciência, os mo
dos e maneiras pelas quais se apresentam os objetos - coisas do
mundo exterior, estados das coisas, verdades, valores. Mas a pró
pria apreensão, o voltar-se do eu para seus objetos, não pode ser
apreendida. Sabemos alguma coisa sôbre isto, vivemos até esta
orientação da percepção, mas, como objeto de reflexão, ela nos
aparece apenas como retomada, como uma apresentação renovada
pela memória - não em sua plenitude viva, mas desbotada, rí
gida e sem a mobilidade anterior. Se isso é verdadeiro para a con
duta, que é a atualização do eu, é ainda mais verdadeiro para êste,
que é o centro de onde irradiam tôdas as ações. Nunca o eu se po
derá tornar objeto para êle mesmo. (Quanto à pessôa, êle será.
talvez algo mais do que aquilo que aparece como nosso eu em tôda
vivência, embora de modo vago). Se o eu olha para si mesmo (ou
acredita olhar), seus olhos encontrarão apenas uma imagem des
figurada do que foi e não seu ser atual e presente. Porque o eu está
sempre no lugar de onde se olha e não no lugar para onde se olha.
Veremos, depois, que o fato fundamental da vivência de si mesmo
torna impossível um completo conhecimento de si mesmo. Daí a
necessidade da orientação espiritual. Não desejamos, porém, insis
tir mais sôbre êste ponto. Para rebater a objeção anteriormente
formulada, torna-se necessária a afirmação de que o eu, ou a pes�
sôa, nunca poderá, de modo geral, dirigir sua atenção para si mes
mo e que, portanto, o aper-feiçoamento da própria pessôa não se
pode fazer, no sentido em que se entende comumente, isto é: como
um fim que se visa ou se procura atingir. Porque é claro que, para
pôr como um fim na modificação de alguma coisa, deveríamos ter
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180 RUDOLF ALLERS
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 181
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 185
mento de sua adaptabilidade, ou inadaptabilidade, a um dever re
conhecido.
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186 RUDOLF ALLERS
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PSICOLOGIA DO CARÁ'l'J,It 187
oculto um perigo bem considerável. Por hmo deve-11c ter 11frio cui
dado em implantar fortemente esses ideais na crian1;a. No fundo,
existe apenas um ideal: o da objetividade, da dedicação, do 11crvÍ•·
ço. Há, também, no fundo, uma única virtude - a vontade hu
milde de conformar-se com a vontade de Dem1 - e um único JlC·
cado - a revolta contra a vontade divina. "Il princípio de] cadcr
fu il maledetto superbir".
Em múltiplas formas, difíceis de ver, moHtra o org-ulho 11ua
natureza; êle se disfarça por trás de inúmeras máscaras. Do mes
mo modo que o demônio aparece, por ver.es, como um an.io da lur.,
assim também o orgulho se encobre sob as vc1:1tcs ela humildade.
Não é nos modos pelos quais se apresenta, que se pode, na maioria
das vezes, conhecê-lo. Só nos efeitos dessa atitude interior, muitas
vezes profundamente oculta no homem, é que êle se revela. Sua es
sência consiste numa posição absoluta rla própria pcsHôa, numa
recusa de tôda ligação. Daí as conseqüências postcrioreH: um Üm•
lamento, ou, pelo menos, uma fuga da realidarlc - na sociedade,
no trabalho, no amor, ou, finalmente, na relação com o divino .
A educação tem, aqui, uma difícil tarefa: nchar mn meio
têrmo, entre as medidas que podem abafcir a vivência do vrtlór
próprio e as que conduzem a uma posição absol1iia da pesslia. EHsa
via média é difícil de descobrir e de seguir, pois não se trata de
obter um compromisso entre os dois extremos perigosos, mas de
realizar uma verdadeira síntese. Assim, para usar um aimagem,
0 meio têrmo não se acha apenas no meio, mas também acima dos
dois polos. Êle não é, pois, a média de um "ora aqui, ora ali", como
um pêndulo entre dois extremos; o que deve é ser um "tanto um
como outro", um equilíbrio no meio de tensões opostas. O homem
deveria compreender, que só toma consciência do próprio valor e
da absoluta unidade de sua pessôa, justamente pelo conhecimento
de que só pode ter êsse valôr próprio, enquanto se sabe e se sente
um elemento de uma totalidade superior.
Estes paradoxos e contradições (que, não são, aliás, maiores
que as outras antinomias da vida humana) acham sua expressão
- ou melhor, seu símbolo - na sobrevivência de Cristo na Igreja,
considerada uma comunidade santificada. Mas a Igreja pode tam
bém estar viva no indivíduo, quando êste afirma: "Não sou eu
quem vive, mas Cristo que vive em mim".
Em conclusão: o único ideal de caráter que pode ser plena•
mente justificado pelas condições essenciais da existência e da
natureza humana, por mais variáveis que sejam essas condições
- individuais, culturais, nacionais, etc. - representa uma tensão,
dentro dos limites de uma forma de vida que é uma unidade de
:polos contraditórios: indivíduo e sociedade, valor :próprio da pes•
sôa e valor da totalidade, finitude da criatura e vocação para par•
ticipar da vida divina. Não é necessário explicar que essas exigên•
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188 RUDOLF ALLERS
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V. SôBRE A CARACTEROLOGIA DO SEXO
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PSICOLOGIA DO CARÁTER HJl
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192 RUDOLF ALLERS
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PSJCOLOGIA DO CARÁTER 193
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194 RUDOLF ALLERS
vos. Nos povos em que a forma da sociedade pode ser, mais ou me
nos, classificada com um matriarcado, as mulheres exercem a caça
e a pesca e os homens cuidam dos rebanhos e teares; em conse
qüência, os homens adquirem traços "femininos" e as mulheres,
traços "masculinos". Não eston em condições de julgar essas pro
vas, sob o ponto de vista de sua validade etnográfica e histórica.
Contento-me, portanto, com registrá-las. Mas a exigência metódica
apresentada por VAERTING é, sem dúvida, justa; se quisermos reco
nhecer as propriedades da psiquê e do caráter dos sexos, fundadas
na natureza última da sexualidade, não <levemos comparar a mu
lher com o homem numa "cultura predominantemente masculina",
na qual êste possui hegemonia; o que se deve fazer é traçar um pa
ralelo entre o homem dominante e a mulher dominante, ou entre
os dois sexos respectivamente subordinados, em cada uma das or
ganizações sociais correspondentes.
Não podemos utilizar êste processo, porque não temos à nossa
disposição o respectivo material de fatos. Não o poderíamos,
talvez, mesmo que os dados de VAERTING fôssem de absoluta con
fiança. Parece possível, contudo, avançar na solução do problema,
com métodos puramente caracterológicos.
A questão dos limites do domínio comum a ambos os sexos e
dos círculos essencialmente específicos de cada sexo é de grande
importância para a solução dos dois problemas. Em primeiro
lugar, é provável que os dois sexos se pudessem entender com
facilidade, se suas atitudes se apresentassem como modificações
reativamente condicionadas de uma região humana comum a
ambos os sexos. Seria necessário, além disso, um esfôrço, baseado
nessa reflexão compreensiva, de que nos temos utilizado cons
tantemente em nossas explicações. Em segundo lugar, poderia ser
esclarecida a questão incontestável da "igualdade de direitos"
baseada na igualdade afirmada e a da necessária diversidade de
posição social e de trabalho, que é uma conseqüência da afirma
ção da desigualdade.
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 195
que, só há pouco tempo, começou n "emancipar-se". É certo que
a "emancipação" é coisa nova. Mas, por que foi assim? A res
posta de que as mulheres careciam de cultura, estavam encerradas
em casa, etc., omite a questão. Porque a falta de cultura das
mulheres não era uma causa, mas um efeito de sua ausência de
impulsos de emancipação . Penso que o movimento de emancipação
só apareceu tão tarde, porque também só muito tarde, chegou a
mulher a uma situação expressamente desfavorável. Esta situa
ção desfavorável não existiu sempre, mas foi apenas uma com;e
qüência da técnica e da industrialização ele nossa vida. Enquanto
a mulher era o centro econômico da família, enquanto o bem
-estar físico de todos os membros da família dependia de seu tra
balho, ela não precisava da emancipação, porque, tendo embora
uma situação diferente da do homem, não tinha uma posição me
nos importante. Que se leia um dêsses livros destinados, ainda no
comêço do século XIX, a instruir as donas ele casa e as mães sôbre
suas atividades e deveres. Depois que a mulher tinha cuidado de
tudo - roupas, velas, sabão -, muitas outras coisas tinham de
ser dispostas na casa. Quanto mais necessidades da vida fossem
satisfeitas pela dona de casa; tanto mais importante era o seu
papel. Deve-se reconhecer, naturalmente, que êsse processo ele
jndustrialização, por meio do qual foram retirados, cada vez mais,
os vârios encargos da mulher, vinha sendo preparado há muito
tempo, do mesmo modo que a máquina não surgiu repentinamente,
mas teve uma longa e lenta história anterior. Mas, do mesmo
modo que o século XIX viu um desenvodvimento revolucionário
do maquinismo, êle viu, também, uma rápida queda de funções
e de importância da mulher. Se não houve, nos séculos anterio
res, qualquer "questão feminina", nfü) foi porque as mulheres
fôssem estúpidas, covardes ou incultas, ou (como declara, por
vêzes, um racionalismo, que chega, em sua trivialidade, aos limi
tes da tolice), porque eram mantidas, à fôrça, pelo homem, nessa
situação, mas simplesmente porque sua situação nada tinha de
discutível. Isso se deu apenas, quando uma transformação tão re
volucionária se operou nela, em virtude dos motivos econômicos
e sociais já indicados. Parece que as mulheres de hoje não podem
mais imaginar-se, em um papel, que era representado por suas
colegas de sexo há algumas gerações atrás. Mesmo que o pudes
sem imaginar, elas desprezariam essa forma de vida dos séculos
passados. Nfw havia, outrora, uma "questão feminina", porque
não havia uma concorrência rlos dois sexos, num mesmo plano:
suas vidas decorriam em regiões diferentes e, dentro de cada uma
destas, o valor próprio do homem, ou da mulher, podia atingir
um acabamento e uma expressão completa. Pelo fato de que as
�ulheres não estão, hoje em dia, satisfeitas corri sua situação,
nao se deve concluir que sempre tivessem pensado assim, embora
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196 RUDOLF ALLERS
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 197
nas ao fato de que a menina não seja, ao nascer, tão bem rece
bida como o menino; o desgraçado "apenas" acompanha a menina
tôda sua ,·ida e não abandona a própria mulher adulta; ela não
se pode libertar dêle: êle persegue-a até o fim.
Assim cresce a menina, desde o princípio, numa atmosfera
de inferioridade. O efeito dessa experiência é ainda mais refor
çado, na maioria dos casos, pelo fato de que ela descobre, logo,
que tal desvalor não se dirige apenas à sua própria pessoa, mas
a todo seu sexo. Esta descoberta se faz, porém, pela posição que
a mãe assume na casa. Se o desvalor fôsse de sua própria pessoa,
a criança poderia, supondo que circunstâncias ou influências
favoráveis viessem em seu auxílio, ser levada à convicção de que
tal julgamento dos que a cercavam era erradçi e que poderia,
logo, conseguir provar o contrário, lutando para realizar alguma
coisa e preservar um lugar na vida. Mas se o desvalor é neces
sàriamente do sexo feminino - ao qual pertence e sempre per
tencerá a criança - e se esta verificar que tal desvalor é atri
buído à sua própria mãe, que lhe parece tão superior e inaces
sível, então, não há como escapar, e a fatalidade da depreciação
torna-se inevitável. Acontece, porém, que - sem qualquer ela
boração mental - se estabelece, na menina, uma consciência da
depreciação, que não se associa à sua própria pessoa, mas ao seu
sexo, e, por i;,so, tem raízes ainda mais profundas.
Os motivos que contribuem para a formação dessa vivência
de depreciação, necessàriamente ligada ao fato da própria con
dição feminina, são de várias espécies. Explicá-los, em tôdas as
suas minúcias, nos levaria longe. A importância do assunto e o
grande alcance dos efeitos de tal vivência, justificam, porém,
mais algumas palavras a seu respeito.
Já mostramos a desvalorização encontrada geralmente pela
menina. Ela se torna particularmente evidente, quando há, numa
família, um menino entre várias meninas, ou uma menina entre
vá.rios menino;;. O caso de uma posição especial, tanto para o me
nirw como para a menina, é sempre perigoso. Quando várias me
ninas :;;e acham diante de um irmão, a fato de que elas formem
um2. comunidade equilibra, de certo modo, a formação da vivên
cia de depreciação especificamente feminina e, embora sem anu
lá-la c0mpletamf::nte, pode impedir suas conseqüências mais gra
YE::õ. O mais ameaçado, nessa situaçã(J, é, antes, o menino, que,
sem crJntribuir para isso, e apenas pela sua própria existência,
!'ê':: acl-:a r,urna situação E:xcepcional, que pode produzir o mimo.
;_ pr;:::iç;;.r; f::sr;E:dal de uma menina entre vários meninos, nas
c:rc Jr,st�r.r;:as aqui consideradas, pode produzir, ao contrário,
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l'SICOLOGIA no CAllÁ'l'l-:lt 19!)
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200 RUDOLF ALLERS
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 201
bém se dá com a familia. É, na verdade, muito simples atribuir
à mulher tôda a decadência da família, tal como a vemos hoje em
dia, ou falar da corrupção feminina, ou queixar-se da moda. Mas
diante de seus defeitos, o homem logo recua. A palavra de Jesus
sôbre o argueiro e a trave no ôlho, nunca teve uma confirmação
tão grotesca, como nas críticas dirigidas à mu'!her pelo homem.
Tenho, de um modo geral, a impressão de que sempre houve
um número maior de boas espôsas do que de bons maridos, por
maiores que sejam as dificuldades das espôsas. Julgo também,
que o amor feminino se aproxima muito mais daquele ideal de
amor de que nos fala o apóstolo S. PAULO.
Ao indagarmos quais os efeitos das experiências, aqui des
critas em relação à própria posição da família e da mulher em
geral, sôbre o desenvolvimento posterior da menina, não deve
mos esquecer que existe ainda uma série de outros motivos, que
podem reforçar a crença num papel inferior da mulher e, que,
portanto, o êrro de tal opinião não será, quase nunca corrigido,
mas sempre mais fortemente arraigado. A circunstância de que,
na maioria das vêzes, nos preocupamos mais com a vida futura
do menino e procuramos sondar melhor os desejos vocacionais
dêste do que os da menina, é a causa de que, para trabalhos
iguais, a recompensa da mulher seja, em geral, inferior à do
homem, e de muitas outras coisas mais. Uma série de outros
motivos, como a desigualdade nos domínios da política e do di
reito de sucessão, influi sôbre a possibilidade de aquisição de
uma profissão, como se verifica em vários casos. Não nos inte
ressa indagar, se a supressão destas distinções seria boa em
tôdas as circunstâncias. Mas que elas não podem mais ser man
tidas, nas presentes relações sociais e econômicas, é o que não
será necessário provar.
Há, por tudo isso, bastante razão para que a mulher sinta,
embora não claramente, que sua posição é .insatisfatória e secun
dária. A nota dominante de seu sentimento de vida será, quase
necessàriamente, a de que o sucesso, a importância, a grandeza e
o poder são atributos do homem e que só êste, portanto, é uma
pessoa, ao passo que a mulher deve sempre ficar atrás dêle.
Aquêle sentimento específico de justiça que faz, sempre, com que
a pessoa conclua, da posição exterior, o valor interno - o que,
na verdade, é muitas vêzes objetivamente falso, mas, que, em
seu sentido último, como hierarquia ideal do mundo, é, certa
mente, verdadeiro - leva as mulheres a concluir que sua má
posição e suas fracas perspectivas resultam, em última análise,
do valor inferior de sua própria natureza. E como, desde cedo,
devem reconhecer que esta má posição não é devida à sua pessoa,
mas ao seu sexo, elas verão a depreciação, não em suas pessoas,
mas em sua condição feminina. Por isso, tôdas as outras conse-
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202 RUDOLF ALLERS
/
quencins da v1vencin ele cleprecinção - s11rgicln, em parte, ime
diatamente e, em pnrte, pela vin da compensação e da supercom
pensação - se fü,Rociam n êssc rato ela condiçfto feminina.
A psirolop-ia inrli\'irlual criou, pnra os efeitos ele uma vivência
<la deprcciaçiio lnrncada na feminilidade, a exprc!-lsão, pouco feliz,
de "protesto masc11lino". Q11r.r-se dizer, com isso, que a mulhe1·
se re\·olta contra sua situação, ou, mais: contra sua própria na
tureza. renC'g-ando-a e protestando contra ela. Em conseqüência,
ela dese_i:wá ser o oposto do que é, isto é: um homem. Como,
porém. a meu ver, esta fórmula é uma construção errônea ria
lingua�em, não queremos utilizá-la. Ao abandonar, porém, esta
expres�ão não de,·emos esquecer, de codo algum, que a psicolo
gia individual foi a primeira a mostrar claramente tôdas essas
coisas.
Veremos, ainda que essa injustificada exaltação da impor
tância e do papel do homem no interior da ordem social. tem,
também, para êle, conseqüências críticas. Em primeiro lugar,
por�m. devemos analisar a questão de saber se os traços de
caráter, comumente observados nas mulheres, podem ser dedu
zidos das experiências já descritas e da vivência de depreciação
que delas resulta, com todos os seus efeitos próximos e remotos.
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 203
de$ignação, a ponto de tornar extremamente duvidosa sua justi
iicação. A freqüência de doenças nas mulheres, mesmo nos casos
de igual gra,·idade, é, em geral, menor que nos homens. A mor
talidade feminina, apesar das passagens importantes do parto e
do re!'guardo, é inferior à do homem. A vida média é tamhém
maior nas mulheres. Que tais fatos não têm relacão com as con
dições exteriores, é o que prova a circunstância cÍe, já na morta
lidade dos recém-nascidos, haver uma percentagem maior para
os meninos do que para as meninas. Nascem mais meninos que
meninas, mas, já no primeiro ano de vida, o número destas é
maior. O excesso inicial de meninos e sua transformacão num
excesso de meninas, torna-se ainda mais expressiYo, q�ando se
incluem na contagem os natimortos e os mortos prematuros. 1
É indubitável que o sexo feminino tem uma vitalidade maior.
Poderíamos dizer que, em relação à resistência oposta às in
fluências nocivas à vida, as mulheres deveriam ser consideradas,
antes o sexo forte do que o sexo fraco.
A resistência aos grandes sofrimentos é maior na mulher
que no homem. Não é só porque ela sofre as fadigas e dores da
gravidez e do parto, que nunca serão exigidas de um homem.
Poder-se-ia objetar que as mulheres são destinadas, por natu
reza, a êsses trabalhos, se bem que, com isso, não se pudesse
desmentir o fato de sua capacidade de suportar os sofrimentos
e os esforços. Contudo, podemos observar que, também nas diver
sas enfermidades, as mulheres demonstram paciência maior.
É certo que a mulher exibe grande resistência diante do sofri
mento. Não importa averiguar se isto se dá por motivos bioló
gicos ou morais. O que importa é a existência de tal fato.
l\Ias não é só em suportar os sofrimentos impostos - corno
os das enfermidades - que as mulheres se revelam, em média,
superiores ao homem. Isso ocorre também no caso das fadigas
voluntàriamente aceitas. Se bem que, entre os homens, alguns
sejam capazes de grandes sacrifícios, principalmente quando se
trata ele uma idéia, a capacidade de sacrifício das mulheres pode
ser, em geral, ainda maior. Que se pense em tudo o que elas
podem fazer, ao cuidar, não só de seus próprios filhos, como dos
doentes em geral.
Costuma-se falar na fraqueza física •das mulheres. Por certo
são raras, entre elas, as que se empregam como carregadores ou
ferreiros. Encontram-se, porém, especialmente entre as popula
ções elos campos e, mais ainda, entre os povos primitivos, mulhe-
1·es extraordinàriamente fortes. Deve-se considerar também, que
certos trabalhos físicos, como, por exemplo, o cuidado prolongado
de um doente, são aceitos pela mulher sem qualquer queixa.
1. C. BUCCURA , Die Geschlrchrs.,ntmchiede (Leipzig, 1913).
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204 RUDOLl' Al,LEltS
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 205
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206 RUDOLF .ALLERS
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 207
ralmente, nesses homens, uma repugnância, mais ou menos pro
nunciada, para as atividades especialmente "masculinas". N a
maioria elos casos, êles se preocupam bastante com sua saúde
dando-lhe uma atenção que chegam à hipocondria. Vários dêle�
renunciam, quase inteiramente, a qualquer esfera da vida: mui
tas vêzes é a da profissão, já que não se sentem "homens para
êste trabalho", muitas vêzes, também, é o domínio erótico e,
muitas vêzcs, o da pura sociabilidade. Quanto a essa última,
muitos clêles procuram e conseguem realizar relações sociais ;
niio, porém, nos círculos e camadas a que pertencem, por sua
origem, educação e profissão. Êles se unem a tipos expresimmente
ma�culinos, de que se tornam, por assim dizer, seguidores (por
vêzes com uma nota mais ou menos distinta de homossexualidade,
que não existe, contudo, na maioria dos casos) ou convivem,
quase que exclusivamente com mulheres, representando, então,
um papel hemafrodita especial, que não é propriamente masculi
no, ou pertencem a um círculo estético e exclusivo de indivíduos
semelhantes, ou, finalmente, procuram a convivência de pessoas
ele camada social inferior. Êstes traços são mais importantes,
para julgar essa modalidade de conduta, do que a "feminilidade"
que nela aparece insistentemente. Seria melhor, ao invés ele qua,
lificar êsses homens como "femininos", denominá-los "não-mas
culínos". Mas a linguagem não tem um têrmo que exprima a ne
gação da masculinidade. Por isso consideramos "mulher" a um
homem que não é homem. O que há, porém, de essencial, nesses
homens, é a sua atitude negativa em relação ao papel impôsto
pelo seu sexo. Êles têm uma analogia com aquelas mulheres, que
estão descontentes com os trabalho e a situação de seu sexo e com
o próprio sexo a que pertencem. É evidente que elas não poderão
renegar sua natureza: podem, apenas, proceder como se a rene
gassem. O mesmo se dá com o homem que nega sua masculinidade.
Ambos - a mulher que quer ser homem e o homem feminino -
são pessoas que fogem, ou desejariam fugir, por qualquer mo
tivo das tarefas que lhes são impostas. O que nos interessa é o
fat� de que êste homem feminino tem, como qualquer mulher,
uma tendência à emotividade intensa, ao passo que as mulheres
representando um papel masculino (das quais há várias tonali
dades), demonstram emotividade relativamente inferior.
Poder-se-ia dizer, portanto, que a maior ou menor emotivi
dade são a característica dos papéis dos dois sexos, respectiva
mente. Essa circunstância não contraria a afirmação de que um
vivo sentimento da vida é a característica fundamental da mu
lher. Deve-se porém acrescentar que, em caso de necessidade, é
natural que alguém apresente uma emotividade superior, ou a
conduta correspondente a tal emotividade. Mas é inteiramente
incompreensível, que uma pessoa, a cuja essência última corres-
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208 RUDOLF ALLERS
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 211
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212 RUDOLF ALLERS
5. Maternidade
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 213
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I' :-; 1 G O r. O (l IA D O CARÁTER 215
t'rl('IÍO ,:0111,11/1:tn, tl1n-011tl: lfillo o período da fuventude, seria er
r,i11ta..
M:rn a 1wparaçiio completa dos sexos não é também aconse
lhf1vel. Como preparaçfio à realiclacle da vida, são necessárias a
co11viv,111cía, a cnopcraçã<, no trabalho e a vida em comum, com
memhroH 1le ouf.ro sexo. Aqueles que são criados em completa se
paraçiío ele JJeHHÍ1:w do outrn sexo, apren<lem dificilmente a tratar
com e:ü:rn qnnndo a vicia o exige. Daí provêm muitas dificuldades
no m:1lrimílllin e, lambém, na profissfw. Muitas profissões tornam
ncceHHúrio um entenrlimento entre ambos os sexos. O magistério,
a medicina e o cuidado dai; almas, por exemplo, são profissões
parn ambm; os :-wxm;, Elas elevem i;er conhecidas por ambos, não
:qwnaH atravéi; do estudo doi; livros, mas, com aquela compreen
Hiio viva e real, emhorn irrefletida, que só a realidade pode for-
1iecc1·.
Jt:m relaçfio à formação do caráter dos sexos, ao auxílio e à
ccluca��iio preservadora do desenvolvimento das possibilidades, é
mais l'itcil, ele mo1fo geral, dar conselhos negativos do que conse
lhos positivos. Talvez que a natureza humana - quando não lhe
,;üo opostos ohstúculos, quando é apoiada nessa base essencial que
é a vontade de podei· e quando o educador evitou todos os desvios
ocasio1rndos por mcclidas irracionais e conduta errônea - possa,
por si mesma, dirigir-se num caminho certo. Certamente, para
que :t menina se torne mulher e o menino se torne homem é pre
eüm sentirem que os papéis, relativos a seu sexo e sua qualidade
de membros da comunidade, são adequados a êles e não podem
depreciá-los. Ainda mais: é preciso que tenham confiança em sua
possibilidade de resolver as tarefas que lhes são impostas. Tam
bém nêsse ponto, a preservação da coragem, ou o afastamento do
c.lcsftnimo, constituem condição indispensável.
Ninguém contestará que estamos, hoje em dia, muito longe de
uma cornlição satisfatória da sociedade. Ninguém será tão cego,
a ponto de afirmar que as mulheres estão, atualmente, em bôa si
tuaçflo (de modo geral; há, felizmente, um grande ni'.1mero delas,
cuja sorte é agradável e cuja situação, na vida, é adequada). Sem
dúvida, o fato de que, entre os "net·vosos" de todos os matizes, o
maior contingente seja fornecido pelas mulheres (embora não
seja pequeno o número de homens), constitúi prova de que as
mulheres se acham em piores situações de conflito do que a gene
ralidade dos homens. (Note-se, porém: êsse fato não prova uma
disposição ou constituição especial da mulher para as doenças
nervosas). Devemos exigir com insistência - tanto no interêsse
da normalidade individual como no da sociedade e, acima de tudo,
no da conservação de um apreciável nível ético-religioso - que
:it! comece pelo problema que foi aqui indicado. :esse é um dos pon
tos cm que a educação da criança e a reeducação do adulto se
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21fj 1t 1J J> o 1, 1" A 1, 1, Y. Jt B
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RUDOLF ALLERS
2. A essência da puberdade
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 210
Egsa observação tem cabimento, na verdade. Foi confirmaria
tantas vêzes, que não se 110cle clu:7irlar dela. E' discutível, porém,
que se devam reconhecer, sem maior exame, as com1cqiiimcías uni
versalmente tiradas rle tal observaç:to. Se comprecndermrn-1 que a
pess0n corpóreo-espiritual forma uma unidade inrliHHOlúvel r: que
uma modificação tle qualquer espécie deve sempre atigir trido o
conjunto, será ainda mais provável que as coisaR riossam ser en
carnd:rn ele outra maneira. E' certo que a ablação das glfrndulas
sextlllis (castração) torna impossível certos processos evolutivos,
ma:s ela não ocasiona a simples parada da evolução. O castrado
adulto é certamente um adulto, embora seja formado ele morlo rli
ferente, em comparação com um indivíduo cujo desenvolvimento
não foi perturbado. E' como se a retiraria das glándulas sexuais
subtraísse à evolução um domínio em que esta exerce normal
mente sua atividade, corno o faz noutras regiões do organismo.
nla:, os processos evolutivos, entanto que tais, não podem ser eli
minados, porque, em suas bases e origens, não são determinados
pela presença ou as condições de determinados órgãos, emhnra
exista tal determinação em relação às conseqüências de tais pro
cessos. A razão de ser do aparecimento de processos evolutivos
estú, porém, nos fundamentos últimos da unidade orgânica, a cuja
natureza pertence a possibilidade de evoluir. A puberdade normal
é ai:sinalada, via de regra, por uma aceleração especial do desen
volvimento. Não conheço qualquer prova de ter sido retardada a
velocidade dessa evolução em conseqüência de supressão das glfm
dulas sexuais (feita antes da maturidade sexual, evidentemente),
ou mesmo de que se tenha anulado, o que não seria impossível.
O que vemos na evolução sexual da puberdade é apenas uma
face do processo de transformação que se passa, por essa época,
na pessôa inteira. O domínio da patologia nos fornece ainda vá
rios casos notáveis, em que, em virtude de modificações patológi
cas na primeira infância (aos dois anos e meio por exemplo)
podem observar-se sintomas corpóreos cle maturidade sexual e ele
vação considerável da estatura, embora não haja qualquer modifi
cação correspondente no domínio espiritual. Isso prova que o pa
pel causal da maturidade sexual corpórea é certamente muito exa
gerado, em geral. Os fenômenos de tipo sexual são, de certo modo,
os mais impressionantes, mas não os mais importantes no pro
cesso de conjunto. Do mesmo modo que, na epilepsia, o ataque
epilético atraiu, por muito tempo, a atenção dos estudiosos, por
ser o sintôma mais dramático e evidente, até ser reconhecido
como um simples fenômeno parcial e não corno o que havia de
essencial no conjunto dêste processo mórbido, assim também, no
presente caso, nossa atenção se dirige para o que é mais evidente
e tem certa importância, embora seja apenas uma face do fenô
meno.
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 221
3. Influências escolares
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 223
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 225
sua conduta para com elas de acôrdo com as experíências obtidas
em sua relação com o pai.
Se bem que não se possa duvidar de que muitos erros são co
metidos na escola, deve ser salientado, por outro lado, que certos
J)ais, que se queixam das más relações entre alunos e professôres,
atribuindo ao professor tôdas _as culpas, criaram, por si mesmos,
através de seus próprios erros de educação, as bases de tais con
flitos. O mesmo se dá, aliás, quando os pais atribuem tôda a culpa
à criança e tomam, incondicionalmente, o partido do professor,
JJÍOrando, dêsse modo, ainda mais, a situação desfavorável exis
tente na escola. Êles deveriam ponderar que a alternativa "culpa
do mestre - culpa do aluno" não esgota, de modo algum a ques
tão e que existe um terceiro fator que, muito provàvelmente, deve
ser considerado o principal, a saber: seus próprios erros.
Da parte dos professôres podem também ser cometidos tan
tos erros e tomadas tantas medidas perniciosas, como as que indi
camos como fatais para o desenvolvimento posterior da criança
nas relações de pais e filhos. Não precisaremos entrar em minú
cias sôbre êste ponto. Desejamos, apenas, fazer algumas observa
ções de ordem geral.
Quando aprofundamos as coisas, vemos que a posição do pro
fessor não é perigosa para êle mesmo, nem para a formação de
sua própria pessôa. Quem lida, a maior parte de seu tempo, com
pessôas que não lhe podem ser superiores, nem devem sentir-se
tais no próprio interêsse dessa tarefa (como é o caso de um adulto
diante das crianças, ou de um conhecedor diante de ignorantes),
é levado a uma supervaloração do próprio eu e a uma espécie de
infalibilidade subjetiva. E' sabido como os professôres são leva
dos, fàcilmente, a tomar, perante outras pessôas, a mesma ati
tude que assumem diante das crianças, como se tornam doutriná
rios com sua família, como aparentam sempre, diante de seus se
melhantes, um conhecimento superior e como se revelam intole
rantes diante de tôda objeção. Em parte, êstes desvios caractero
lógicos só aparecem, na profissão de professor, de fórma derivada,
pôsto que já se achavam, talvez, no tipo de caráter que precedeu e
determinou a escôlha dessa profissão. No capítulo sôbre os carac
téres neuróticos e anormais, voltaremos a falar dêsse ponto. No
caso das crianças que, em conseqüência das influências desfavorá
veis do lar paterno, de sua posição como filhos únicos, etc., não se
acham preparadas para a conveniência escolar, a atitude acima
descrita do professôr acarreta, em particular, graves dificuldades.
A adaptação à escola e sua ordem, em vez de ser facilitada, torna
se, muitas vêzes, inteiramente impossivel.
Quando as impressões trazidas do lar jA haviam feito surgir
uma tendência a revoltar-se contra a ordem, ou mesmo (o que é
mais raro) quando tal tendência não tinha, ainda, sido sentida
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RUDOLF ALLERS
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 227
atrás" e isso significava para êle (que, como tantos maus alunos,·
admirava secretamente o professor) o mesmo que a certeza de não
poder conservar sua posição m elhorada. Aconselhei o professor a
substituir a perigosa exortação por uma outra frase, dizendo, por
exemplo, que era de esperar, de agora em diante, que aumentas
sem, cada vez mais, os progressos do aluno, já que êle tinha su
bido bastante e o caminho posterior era menos difícil. tste pro
cesso deu resultado, pois o que faltava ao aluno nãio era a cora
gem de fazer a subida, mas a de perseverar em seu caminho. De
pois disso, êle pôde repetir sempre a façanha de que, agora, se sa
bia capaz. Cumpre ser observado que um fim, que não é objetiva
mente muito alto, pode se apresentar como de imensa altitude para
aquêle que veio de muito baixo. Ou, como se costuma dizer:- quan
do o mercúrio sobe, no termômetro, de O a 16 há uma elevação
maior, do que quando sobe de 12 a 16 - contudo, apesar de tão
grande elevação, a temperatura é a mesma. 1
O caso citado não parece muito importante, do ponto de vista
caracterológico, por se tratar de um resultado didático, que se re
fere mais ao campo da inteligência. Encontramos, porém, atitudes
perfeitamente idênticas, nos casos em que predominam desvios
caracterológicos. Notemos, porém, aqui, que - como se verá,
ainda melhor, ao tratarmos de caracteres anormais - a estreita
associação, muitas vêzes observada entre os maus resultados es
colares e os desvios do caráter, não é sempre do tipo que comu
mente se pensa. A opinião comum é de que o menino aprende mal
por ter mau caráter, por ser vadio e negligente, por ter a cabeça
cheia de outras coisas, ou por cair no desleixo. Mas, em muitos
casos, as coisas são exatamente o contrário: a criança se torna
desleixada, pouco estudiosa e promove distúrbios, por causa de
aprender mal e por não acreditar em suas possibilidades de êxito
nos trabalhos escolares. Tal atitude é, em geral, ainda mais forta
lecida pela reação (aliás compreensível) dos professôres. Uma sé
rie de observações ensinou-se, porém, que, muitas vêzes, os auxí
lios no estudo, levand_o a criança a mostrar sua produção, podem
melhorar o caráter encoberto, mesmo nos casos em que outros
estão convencidos de ·que se trata de uma criania "degenerada",
"mal dotada", ou com "vícios hereditários". Aí\tes de exprimir
um julgamento moral definitivo, deveríamos conhecer um pouco
mais, a respeito das crianças e da alma humana, do que a maioria
dos que fazem tais julgamentos. E deveríamos, em primeiro lu
gar, conhecer o caso individual, melhor do que o faz a maioria dos
que o julgam.
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228
RUDOLF ALLERS
Não nos queremos deter, por mais tempo, no tema das influ
encias escolares, por mais int.cremmntc que seja, aprescntrmdo aqui
A •
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 231
5. Dificuldades na puberdade
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I
232 RUDOLF ALLERS
/
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 233
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234 .1
RUDOLF ALLERS
, . Já
ficll
dissemos que a tarefa de educar era particularmente di
na época da puberdade, exigindo um emprêgo ainda maior dE
compreensão, tato e dedicação, do que no caso das crianças meno.
res. A educação é, naturalmente, uma relação entre o educador e
o educando. E, como em tôdas as relações, a formação desta de
pende também de ambos os membros e, portanto, do educando.
Mas, exigir dêle um determinado comportamento, para que possa
ser educado, é evidentemente uma tarefa impossível. Porque a
primeira tarefa da educação já é a de fazer com que êle se torne
acessível às influências positivas. Podemos, porém, preparar o ho
mem em formação, isto é: dirigí-lo desde cedo, para que, apesar
dos obstáculos inerentes à puberdade, não se feche às influências
da educação.
Para que isso se dê, é. necessário, como já observamos, que
seja satisfeita urna condição: o jovem não deve ter perdido a con•
fiança natural, depositada pela criança no professor. Já acentua
mos, muitas vêzes, a importância da confiança. Verifica-se, agora,
que essa importância vai além do período da infância. Uma bôa
parte das dificuldades de educação na época da puberdade poderia
ter sido evitada, se a educação não tivesse impedido o acesso à vi
vência íntima do jovem. Se existir uma verdadeira relação de con
fiança entre pais e filhos, se êstes tiverem, em tôdas as circuns
tâncias, a consciência de que acharão naqueles uma compreensão
carinhosa e não uma repulsa e uma condenação, se, enfim, o filho
já estiver habituado a fazer dos pais seus conselheiros nos confli
tos interiores, então não será difícil conservar essa afinidade, mes
mo depois da infância propriamente dita, e levã-la, viva, àté a
maturidade. Se assim se passassem as coisas o afastamento entre
pais e filhos não seria, tantas vêzes, lamentado por ambas as
partes.
Não queremos repetir aqui, mais uma vez, o que jâ dissemos,
com bastante minúcia, sôbre êste ponto, Baste-nos acentuar ex
pressamente a importância extraordinária dêsse motivo - a con
fiança - para tôda a educação e tôda a relação entre pais e
filhos.
6. Modificações do caráter
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 235
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236 RUDOLF ALLERS
7. Sexualidade
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 237
dizer muitas vêzes, que o comportamento é causa da vivência.
Convém recordar que, de acôrdo com os nossos princípios metó
dicos, um modo de agir ou de portar-se só poderia ser compreen
dido pelas suas conseqüências reais e que a pura consideração da
vivência subjetiva, não nos poderia esclarecer sôbre a posição de
determinado ato no conjunto geral de uma vida. Na verdade, en
carado apenas como vivência subjetiva, o sexual parece derivar
da procura do prazer específico. Se, porém, a ação sexual é com
preendida num conjunto mais amplo, perceberemos a existência,
nela, de outros momentos que podem ser determinantes. Se nos
libertarmos da errônea consideração da independência da sexua
lidade, acima apontada, e encararmos uma conduta nesse domí
nio como o fazemos com qualquer outra, isto é: sob o prisma dos
cinco aspectos mencionados no Capítulo Primeiro (tendo pois em
vista a função de expressão de tôda conduta) tornar-secá claro,
antes de tudo, que o comportamento sexual não deve também ser
caracterizado apenas pelo "impulso sexual", mas pelo conjunto
inteiro da personalidade. A sexualidade de um homem é, como
qualquer comportamento seu em qualquer outro domínio da vida,
uma "expressão" de sua pessoa e seu caráter, ou, como já dis
semos, um "retrato" da pessoa e do caráter.
Talvez, sejam necessários mais alguns esclarecimentos.
t compreensível que a sexualidade, em sua formação individual,
dependa - como função ou como vivência - das condições
corpóreas do homem. Ê o que mostram os casos em que, devido
a doença ou perturbação do desenvolvimento, há uma diminuição,
demorada ou permanente, da sexualidade. Os casos de aumento
da sexualidade em conseqüência de processos mórbidos são menos
probantes. As perturbações mencionadas em primeiro lugar rela
cionam-se com uma falha ou perturbação dos órgãos ligados aos
fenômenos da· vida sexual. Pode-se conceber que um subdesen
volvimento dêstes órgãos terá como conseqüência um enfraqueci
mento dos processos sexuais. A recíproca não é, porém, válida:
um enfraquecimento dos processos não indica um enfraquecimento
das funções dos órgãos respectivos. Naturalmente, devemos
ponderar sempre tais possibilidades e procurar provas. Mas não
devemos aceitá-las sem maior exame, pois podem existir outras.
Deveria ser exata uma concepção que representasse tôdas as
funções do organismo como colocadas numa gradação hierárquica,
de tal modo que as produções periféricas justificassem a função
geral e tivessem uma certa independência, embora normalmente
influenciadas e dirigidas, em seu transcurso, pelas posições mais
centrais. A supressão de tais influências, sua interrupção, ou a
predominât�cia de um impulso antagônico podem, então, fazer
surgir manifestações idênticas às devidas à falta de função peri
férica. Porque o fato incontestável da orientação pelas posições
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238 JtUDOI.F AL!.ERS
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 239
ainda menor que o h. atividade sexual), quanto mais possam ser
influenciadas, direta ou indiretamente, pela vivência e, final
mente, quanto mais adequadas sejam, normalmente, à expressão
da vida afetiva (batidas de coração devidas à excitação, vô
mitos de enjôo, etc.).
Estas três condições aparecem também no caso do aparelho
sexual. Suas alterações dão lugar a vivências; elas são influenciá
veis, pelo menos indiretamente (por meio da fantasia) ; elas cons
tituem, enfim, fenômenos concomitantes da parte afetiva do
amor sexual e estão, quase sempre, em sintonia com esta esfera.
A afirmação de que o comportamento sexual de um homem e
sua vivência sexual - até então explicados por "fôrças do im
pulso", evidentemente orgânicas - podem depender, em grande
parte, da posição de conjunto da pessoa, é uma afirmação que
pode ser também justificada biolõgicamente, ou, se se quiser, an
tropológicamente. Se se compreende a posição de conjunto de
uma pessoa, ou a norma fundamental de sua orientação na vida,
de modo análogo a um plano conscientemente elaborado, poder
-se-á dizer (embora de modo rígido e unilateral) que: cada ho
mem tem a sexualidade correspondente a seu plano. Com isso
afirmamos também que o comportamento sexual de urna pessoa
néio é, absolutamente, uma coisa estática e imutável, mas pode
mudar, com a mudança de sua posição de conjunto. As "fôrças do
impulso" não são, também, coisas imutáveis, mas variam com a
atitude do homem diante dos problemas e exigência da vida.
Se tal opinião parece, de certo modo, extraordinária, ela pode,
contudo, reivindicar muitas verificações na prática . Mas quem
quiser verificá-la não deve, por certo, utilizar-se dos meios habi
tuais de constatação, mas pesquisar, com um trabalho cuidadoso
e uma imensa paciência, as raízes últimas da situação de con
junto da pessoa. Se puder descobrir tal situação e exercer in
fluência sôbre ela, poderá conhecer também a mutabilidade da
conduta e da vivência sexuais.
É claro que nos colocamos, neste ponto, em completa oposi
ção aos autores que vêem, ·na "constituição impulsiva" e outras,
um dado inevitável e, na conduta sexual do homem, uma coisa
originária - quer como disposição, quer como estado anterior.
Opomo-nos, assim, tanto à escola psicanalítica ( de que nos afas
tamos também por outros motivos e cuja tese julgamos absoluta
mente inconciliável com a concepção católica do universo) como
àqueles que consideram inevitáveis os conflitos sexuais (isto é
os que surgem entre a sexualidade e a moral) e os tomam como
sofrimentos, trabalhos e provações. Nossa opinião é, pelo con
trário, que a educação (da criança ou do adulto) pode conseguir
colocar a própria sexualidade (em sua expressão normal ou
"pervertida") dentrq de fronteiras razoáveis. Mas, raramente se
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240 RUDOLF ALLERS
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 241
eln própria considera reprovável e cuja realização lhe traz sem
pre desgôsto e remorso. Aplica-se aqui a descrição das Confissões
de SANTO AGOSTINHO, anteriormente reproduzida, e aquela frase
de SÃO PAULO de que não fazemos o bem que desejamos, mal 0
. mal que não queremos. "De onde vem êste incrível estado de
coisas, e por quê?"
É fácil ver, que só tratamos aqui de um caso especial de
conduta, que se apresenta, sob múltiplas metamorfoses, em todos
os domínios imagináveis da vida. É um caso de "fazer o proibido",
de que já encontramos, em SANTO AGOSTINHO, uma explicação.
Não há, pois, aqui, em essência, nenhum problema. í:ste só apa
rece: 1.0, porque tais ações constituem casos excepcionais em
cada pessoa e todos se admiram de que esta não tivesse conse
guido manter, nesse caso, a fidelidade aos princípios, como
sempre fizera, e, 2.0, porque esta manifestação é bastante
espalhada.
Antes de entrarmos mais detidamente neste assunto, deve
n10s fazer, ainda, uma observação. Aqui, como em tudo o mais,
é melhor prevenir que remediar. Mas as medidas preventivas só
podem ser, nesses casos, de ordem geral. Não convém mostrar cla
ramente o perigo a um jovem que desconhece tais conflitos, por
que o conhecimento de tais assuntos, sem a experiência própria,
só serve para despertar a curiosidade e dar origem ao que se
queria evitar. A profilaxia, deve, pois, consistir em preparar o
homem para os conflitos e dificuldades em geral, fazê-lo capaz de
sobrepujá-las e dar-lhe uma atitude correta em relação aos va
lores e aos mandamentos. Dessa maneira, muito se poderá evitar.
Apesar de tudo, muitos acontecimentos desagradáveis não po
derão, muitas vêzes, ser suprimidos. Mas sua primeira aparição
não deve ser tomada em sentido trágico. Não porque ela seja
insignificante (estamos longe de afirmar tal coisa!) mas porque,
de início, ela não é, muito provàvelmente, feita com pleno conhe
cimento. Se, por oca1!ião dessa aparição, ainda existe uma per
feita confiança entre pais e filhos, a remoção dessas dificulda
des, que não são, então, ocultadas, é uma tarefa fácil. Se tais
modo de agir já existem há muito tempo (desde o comêço da
maturidade por exemplo) a questão principal não é a de saber
como apareceram, mas como se conservam, apesar da repulsa.
Não se deve interpretar nossa opinião, como se considerás
semos afastada a chamada explicação sexual. Pelo contrário : co
locamo-nos no ponto de vista de que um conhecimento das coisas
da sexualidade é necessário e que êste conhecimento deve ser
transmitido à criança, antes que esta o obtenha de fontes incom
pentes e de uma maneira inadequada. A explicação compete aoB
p(l,ÍS e não d escola, Quando os pais não o podem fazer, ou quando
não possuem a confiança da criança, devem dar essa incumbên-
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242 RUDOLF ALLERS
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 243
essa conduta, cuja significação, vista sob tal aspecto, pode ser
assim formulada: Mesmo quando os impulsos e disposições natu
rais me obrigarem, expressamente, a ultrapassar a mim mesmo
e dirigir-me aos outros homens, desprezarei essa exigência de
abandonar minha própria esfera e ficarei encerrado em mim
mesmo - senhor de mim, autárquico, auto-suficiente. Tal é a
negação extrema da sociedade, mas apenas realizada num do
mínio da vida em que não é verdadeiramente necessária. Se um
homem não ousa renunciar à ligação social nos domínios social
e profissional, poderá exprimir esta sua atitude negativa no
domínio do erotismo. Tem sido observado que muitas pessoais,
que caem em faltas sexuais, haviam também chamado a atenção
com sua conduta anterior. Isso não se dá sempre, mas acontece
algumas vêzes. A interpretação usual de que o acanhamento, a
reserva, a disposição depressiva, a capacidade de produção dimi
nuída e outras manifestações semelhantes são conseqüências de
erros sexuais eminentemente prejudiciais, que produzem tôda a
sorte de efeitos no corpo e na alma, é, por certo, uma interpre
tação inexata. Aquelas conseqüências não resultam, de modo al
gum, do comportamento sexual em si mesmo, mas : ou são re
sultados do conflito em que se acha o agente (coin sua auto-re
preensão e autocondenação), ou não são, em geral, .conseqüências
propriamente ditas, mas simples sinais de determinada· atitude
fundamental de tôda a pessoa, associados ou paralelos à conduta
sexual. A posição da pessoa se acha, então, tão deformada (num
sentido amplo, tal posição se aproxima das que iremos estudar,
depois, como neuróticas) que se originam desvios, tanto nas ati
tudes sociais como nas sexuais.
Daí se conclui que um combate isolado às. faltas sexuais é, na
maioria dos casos, qRspropositado e ineficaz. Levar um homem a
lutar contra alguma coisa que lhe parece sobrepujá-lo, significa,
tão somente, submetê-lo a uma série de derrotas, que aumentarão
seu desencorajamento e tornarão mais profunda sua convicção de
estar condenado a estas ações (o que atribuirá à sua vontade fraca,
à sua perversidade, ao seu temperamento, às suas taras, etc).
Como, porém, a educação e a reeducação não devem atacar a peri
feria, mas o centro, será preciso, também aqui, realizar inicial
mente uma mudança da posição interior do homem, isto é: dar-lhe
nova coragem, nova confiança em si e nova vivência do pró
prio valor.
Quem examinar, com cuidado, a natureza de tais pessoas
(jovens ou adultas) descobrirá que não se acham deprimidas e
desencorajadas porque cometem faltas sexuais, mas, ao c�ntrá
rio, que cometem tais faltas por se sentirem . desencorll:J,adas.
Aparece então aqui, naturalmente, o· círculo fatal a que Ja nos
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244 RUDOL'F ALLERS
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 245
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 247
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248 RUDOLF ALLERS
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Vil. CARACTERES NEURóTICOS E CARACTERES
NORMAIS
1. Princípios gerais
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l' s I eoLoGIA D o e A lt A 'J' ]•] lt 2ríl
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252 RUDOLF ALLERS
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 253
·opostas às influências e finalidades educacionais, sem que possa
descobrir uma causa mórbida no corpo e que devem, portanto, ser
atribuídas a uma pura anormalidade caracterológica. Essa deter
minação conceituai contém entretanto em si (e o pressupõe) um
fundamento valorativo, que não pode ser aceito sem maior exame.
Por que "ser desagradável" ou ser "difícil" não são, em educação,
fenômenos objetivamente mensuráveis. Êles são expressos apenas
como julgamentos de valor por parte do educador. Por isso, de
pende muito da opinião dêste, saber como e quando se pode falar
de uma educação difícil. Há pais, que consideram um filho como
difícil de educar, só porque êle possuí uma vivaci1lade própria e
absolutamente normal. Outros, têm da diRciplina uma concepção
de primeiro sargento, exigindo uma espécie de obediência e con
duta regulamentares, que não poderão servir nunca para uma cri
ança sadia e só serão adequadas no máximo, a urna criança tímida.
Costuma-se julgar, que as descrições elogiosa;;, que os pais cari
nhosos fazem a �eus filhos, elevem ser, em grande parte, diminuí
das, por serem exagêros naturais. Mas é ainda mais necessário,
nas declarações desfavoráveis dos pais em relação às crianças, to
mar apenas urna fração como verdadeira. 1[uitas Yêzes, temos
visto pais que nos apresentam um filho corno "totalmente desti
tuído de dons", embora qualquer pessoa pouco experiente possa
ver claramente que a criança é bem dotada e possúi \'ivaciclade
intelectual. Ou, então, temos ouvido a indagaçiio: "Será esta crian
ça um imbecil ou um doente mental?", sem que, para tal hipó
tese, haja qualquer motivo. E - o que é pior - essas declarações
são feitas, na maioria das vêzes, diante da criança! Por i�so, só se
pode afirmar a dificuldade de educação, quando as exigências cio
educador se movem dentro de fronteiras razoáveis. Determinar,
com precisão, essas fronteiras, é impossível. Por conseguinte, deve
se sempre fazer um juízo aproximado, ou uma avaliação elas difi
culdades e da situação educacional, que existem em cada caso indi
vidual, sem fazer regras gerais. Naturalmente há muitos casos,
que, por sua conduta, merecem a designação "difícil de educar"
e são tão insociais, que nenhuma dúvida pode existir sôbre um
afastamento do normal, mesmo sem grande exame.
Na tentativa de determinar a natureza comum de todos os ca
sos de educação difícil, devemos, preliminarmente, retomar uma·
observação anteriormente indicada: em tôdas essas crianças, apa
rece, visível ou oculto, o temor. Mesmo nos casos, em que a des
crição dos pais, ou dos educadores, não faz pensar de início em
timidez e se apresentam, ao contrário, como ousadia, espírito em
preendedor, atrevimento, teimosia ou pura indiferença, é fácil des
cobrir o temor, se pesquisarmos certas peculiaridades do compor
tamento infnntil, para além do círculo de observações e descrições
dos pais. Eis aqui um garoto, dado a tôdas as travessura�, capaz
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254 RUDOLF ALLERS
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256 RUDOLF ALLERS
ficou, horas a fio, sozinho, a errar pelas ruas. Também foi expulso
de um jardim de infância, porque induzia as outras crianças às
piores travessuras. Enfim, para determinadas ações, demonstrava
esperteza, espírito empreendedor e .coragem. Procurava conseguir
a maior quantidade possível de açúcar e leite durante as refeições,
mostrando especial avidez pelo leite - especialmente o que se des
tinava ao irmão.menor. Seu pai era um operário de fábrica de ara
mes e a família vivia numa casinha bem primitiva, na parte de
fora da cidade; não tinham guarda-comidas, de maneira que à
mãe, para proteger o leite da cobiça do mais velho, colocava a gar
rafa num móvel alto; mas o menino punha uma cadeira sôbre a
mesa e, subindo por essa armação oscilante, procurava atingir· a
garrafa; tal ação exigia, por certo, urna coragem bem maior do
que fazia supôr sua timidez em outros casos. �!e fôra, em peque
nino, uma criança muito alegre e fácil de dirigir. Só ao terminar
seu terceii:o ano de vida, começou a demonstrar dificuldades. Nes
sa ocasião, importantes alterações realizaram-se em sua vida. O
irrnãozinho havia nascido, os pais tinham de/xado a casa da avó
materna, onde moravam com esta e uma irmã solteira. Essa casa
era uma grande habitação de arebalde, em que, por certo, havia
muito mais coisas a ver e sentir, do que na pequena casa em que
agora moravam. O mais velho conquistára o coração da avó (o
que é muito comum) e o menorzinho não lhe pôde arrebatar essa
posição de preferência. Mas, com a mãe· êle fôra afastado para um
segundo plano pelo pequeno concorrente. Verificou que o carinho
materno se voltava tanto mais para o bebê, quanto mais fraco
êste parecia ser, especialmente em seus primeiros mêses de vida.
Veio depois a mudança de habitação e êle se viu afastado da avó
e da tia, afastado da grande casa onde era apreciado e estimado
pelos do seu partido, ficando num isolamento em que não mais pos
suía o amparo das duas senhoras, só, com o irmãozinho que lhe
roubara o carinho e os cuidados da mãe. Sua conduta foi dominacla
pelos seguintes motivos: punição do concorrente, fazendo sentir à
êste que êle, o mais velho, também existia e tinha direito aos cui
dados da mão (cenas de vestir-se e calçar-se mal) ; apropriação
do que lhe era negado em proveito do pequeno, mesmo ao preço de
um risco e até de um perigo; tomada do papel de chefe, onde as
vantagens do rival favorecido pela mãe não se pudessem contra
pôr; demonstração ocasional de sua importância aos olhos da pró
pria mãe, tornando-se o centro de interêsse desta, pelo mêdo e os
cuidados que inspiravam suas fugas de casa e mesmo por más
ações, porque os "maus meninos" são objeto de atenção, mesmo
que recebam castigos. Considerada do ponto de vista do primogê
nito "destronado", não é uma tal conduta inteiraIJ1ente conseqüênte
e inteligível e não se assemelha, quanto à origem e execução, a um
plano bem refletido e elaborado cuidadosamente em vista de um
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I' 1:-l I C O 1, O(: 1 A ll O <: A lt Á 'r' 1,: lt 2!í7
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tfmeamcnte ao caso, com 1rrar1elu .'l:tJ:nc;id1ulc, urna 116ric! de outrmi
pcculiarldaclc.
Que fmr.cr nêssc caHo"! Naturnlment.u 11iio Hc: 11oderia rlar no
vamente :i criança a po:,dçiio prcrc\rn11cial q110 cleHcjava, porqm! :;cu
desejo estava ngora em almolut.o dt:imci\rdo com a realichule. Poclcr
-se-i:t-porém, tentar tl'arrnmitir ao menino o conhecimento <le que
aquela situaçiio 11iio é dcHe.iíw1:l, nem ú a (mica IJUe pode :-iutíafa
zer seu desejo de rcconhccimc11l,o e aprcciaçiio. Também se pode
ria, no mesmo tempo, tentar HeJ�uir outra rota, que satisfizesse,
tanto as necessidades subjetivas como aH exi1rências objetivas da
criança - aconselhando-lhe a :mlisfaçfto por intermédio das rea
lizações. Acon_selhamos à mãe, cm primeiro lugar, a não mais apre
sentar o filho menor como um exemplo, o que ela fizera, como é
natural, muitas vêzes (Que vergonha! O pequenino já sabe fazer
e tu, que és o maior, ainda és tão desajeitado!) e, em segundo lu
gar, a desenvolver no menino a consciência de seu valor, dando
-lhe certas tai'efas e elogiando-o por executá-las. Ela deveria, por
exemplo, ao invés de esconder o leite em cima do armário, confiar
ao menino a guarda da garrafa, dizendo-lhe, por exemplo, que o
guardasse do cachorro. !1:sses conselhos e muitos outros orientados
no mesmo sentido - fortalecer a consciência do valôr próprio por
meio de realizações e do reconhecimento destas - mostraram-se
razoáveis, a ponto de se ter o menino "tornado outro" (segundo
as próprias declarações da mãe ao voltar, algumas semanas depois,
·ã consulta). Sem dúvida, estávamos tratando com uma mulher ex
cepcionalmente inteligente, que estava resolvida, de antemão, a ou
vir nossos conselhos e tinha, pelo filho, um amor verdadeiro, em
bora não egoístico.
. Êste caso é bastante simples e claro. Mas deve-se admitir que '
uma pessoa qualquer, que se tivesse de haver com êle, não o teria i
compreendido e tratado da mesma maneira. Os novos pontos de
vista, especialmente os da psicologia individual, nos ensinaram a
vêr as coisas de modo diverso do habitual, a pôr a atenção em pe
culiaridades que não se procuraram anteriormente, a tirar conclu
sões, ·outrora consideradas secundárias, mas cuja importância é
. confirmada pelos sucessos práticos. Sempre conseguimos, por meio
de tais considerações e modos de tratamento, tornar compreensí
veis muitos casos, que, outrora, pareciam inteiramente obscuros e
de tratamento problemático. Algumas vêzes em curto tempo, ou
tras vêzes através de uma longa transformação de educação, con
seguimos reconduzí-los, de um desenvolvimento já orientado para
a insociabilidade, para um desenvolvimento normal. Mas o pressu
posto de todo sucesso, nêsses casos, é, antes de tudo, a assimila-
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I'SICOLOGIA J)O CARÁTER 259
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260 RUDOLF ALLERS
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 261
tão. Se conseguirmos conquistar a confiança das crianças depri
midas, melancólicas e sem alegria infantil, poderemos ouvir mui
tas fantasias e sonhos. A descrição, feita por essas crianças, é maís
ou menos, a seguinte: os pais chorando junto ao esquife de seu
filho; a impressão que fará o cortejo fúnebre; o professor que o
reprovou, ou iria reprová-lo, lá está, desesperado, fazendo as mais
amargas acusações a si mesmo ("Eis o que eu diria a êle se eu ... ",
disse um menino de onze anos a um colega, referindo-se ao inspe
tor, de sua turma) ; todo o mundo o lamentaria, considerando-o
uma vítima dos homens e condenaria as atitudes dêstes. E' fácil
vêr que há, por um lado, a idéia de ser, pelo menos na morte, um
centro de interêsse e, por outro, a necessidade da vingança.
Têm, pois, certa razão, os que lançam a culpa de tais aconte
, cimentos sôbre os adultos a quem está confiada a criança. Deve ser
'observado, aliás, que tal culpa não é acompanhada de responsabili-
1 dade, porque o educador em questão não tem a menor idéia das
1 dificuldades em que se acha envolvida a criança e não pode com
preender seu modo de representar o mundo. Por certo, poderiam
ser evitadas muitas tragédias, se alguém se dispusesse a compreen
der a criança e sua situação interior e tentasse conduzí-la ao cami
nho correto - supondo que seja possível convencer, às pessôas que
têm um papel predominante na imagem do mundo da criança, da
necessidade de se portarem de modo diferente do anterior.
Pode-se imaginar que prodigioso caminho deve percorrer, in
teriormente, uma criança, dêsde a alegria ingênua e natural da
vida, própria de sua idade, desde a coragem de viver e a conse
qüente esperança na vida, até o ponto em que considera sua vida
,como nada e deseja abandonã-la. Só as experiências que a crianca
realiza nos poucos anos de sua vida podem levá-la a afastar-se de
tôda atitude normal. Mas está nas mãos do educador, nas mãos das
pessoas adultas que cercam a criança, dar uma forma a essas expe
riências. Na verdade, todo o suicídio, ou tentativa de suicídio de
uma criança, é uma terrível acusação contra os que a cercam e de
veriam orientá-la, conduzí-la e fornecer-lhe uma correta imagem
do mundo.
Levaríamos muito tempo, se quiséssemos tratar, com maior
amplitude, de tôdas estas coisas. Bastarão talvez as observações
até agora feitas, para esclarecer, em linhas gerais, a natureza da
educação difícil e das medidas que se devem tomar· em relação a
ela. Quando tratamos da neurose, acrescentaremos mais alguns es
clarecimentos.
3. Neurose
Não trataremos, evidentemente, de discorrer, aqui, sôbre a
'clínica das várias formas da neurose, ou a imensa teoria relativa a
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262 RUDOLF ALLERS
elas. Não faz parte de nossa tarefa a descrição minuciosa dos fe
nônemos anormais que se apresentam no domínio do caráter hu
mano. Nosso fim principal é a descrição de alguns princípios fun
damentais, que, a nosso ver, têm grande importância na formação
do homem normal. Também as formas anormais de comportamen
to servirão apenas como ilustração das desagradáveis conseqüên
cias de um procedimento incorreto. Também por êsse motivo, só
poderemos fazer algumas observações sôbre o que há de geral e
esl;]encial nos caractéres neuróticos e noutras formações de caráter
encontradas nos neuróticos.
Ao renunciar a uma exposição das teorias sôbre a natureza e
a origem das neuroses, excluiremos também de nossas considera
ções tôda divergência crítica em relação a certos ensinamentos.
Observaremos apenas, em resumo, que julgamos inaceitável a teo
ria - aceita pela maior parte dos pesquisadores dêsse domínio -
que considera a neurose como dependente de certas alterações or
gânicas do córpo. A afirmação, de que um "sistema nervoso fraco"
é a base de tôdas as manifestacões neuróticas, é inteiramente falsa.
Ela provém, por sua vez, de �ma concepção essencialmente mate
rialista, que não pode nem quer ver outra coisa, senão as pertur
bações da natureza e da conduta humanas condicionadas pelas al
terações orgânicas. Ela é sustentada, hoje, apenas pelos autores
que não se podem libertar daquêle ponto de vista (já hoje essen
cialmente superado), ou não tentam alcançar uma real clareza na
formação dos conceitos - em especial os de causa e ocasião -
dando, por isso, uma interpretação grosseiramente falsa aos en
sinamentos da psicologia individual relativos à importância da de
preciação orgânica na formação elas neuroses. Mas por outro lado,
não nos podemos contentar com a concepção psicanalítica, contra
a qual podemos levantar uma série de objeções, a nosso ver ponde
ráveis. Reconhecendo, embora, no domínio dos fatos, o grande nú
mero de descobertas que foram promovidas pela pesquisa psicana
lítica (principalmente e quase que exclusivamente por FREUD),
devemos afirmar que a teoria é, em si mesma, de construção muito
deficiente e não pode, em conseqüência de sua intrínseca faltn de
lógica, suportar, de modo alg·um, mesmo uma crítica imanente. Já
lembramos atrás, que as hipóteses fundamentais de que se origi
nou a psicanálise se mostram inaceitáveis em si mesmas e sobre
tudo do ponto de vista de uma metafísica positiva e de unia con
cepção inteiramente católica do mundo. Parece-nos inteiramente
impossível que a filosofia católica e as verdades fundamentais da
fé nela contidas possam jamais ser postas em harmonia com os
p1:essupostos teóricos da psicanálise. Quem acreditar nisso não ob
servou bem os fundamentos axiomáticos da tese psicanalítica ou
a significação última da filosofia católica.
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ps I eoLo GI A D o e A It Á 'f E R 263
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264 RUDOLF ALLERS
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PSICOLOGIA DO CA?..-Í.7:ER
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266 RUDOLF ALLERS
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P S 1 (J O l, O G I A IJ O C A l( Á ·r E rt 267
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268 RUDOLF ALLERS
lham muito a êsses episódios. Não devemos por isso ser levados
à conclusão - comumente apresentada numa exposição ininteli
gente e pretensamente científica - de que a vida santa seja, em
si mesma, uma atitude neurótica, ou derive de tal atitude. Os
episódios neuróticos são, como se pode afirmar após observação
atenta dessas vidas, simples episódios, e representam, na reali
dade, determinadas passagens da vida, estádios intermediários
em que se realiza a luta contra o "eu, êsse déspota sombrio", que
deve ser dominado para que o homem possa atingir um nível de
vida mais alto. Ê claro, também, que tais episódios se podem re
petir, porque, correspondendo aos vários degraus de elevação do
homem, êles constituem, na expressão de TAULER, uma perfeita
"superformação" de sua pessoa; que o conduz a Deus. Por outro
lado, não se deve desconhecer, que a psicologia, ·com suas tenta
tivas de interpretação, só com cuidado se deve aproximar da
alta vida religiosa, porque há aqui, em ação, fôrças e motivos
que não podem ser compreendidos pela mais fina das análises
puramente psicológicas, nem determinados pelas categorias da
quela ciJncia. Parece-nos bem incorreto querer interpretar certos
fenômenos, como o da "noite dos sentidos", simplesmente como
neuróticos ou, de modo geral, como puramente naturais.
Se nos colocarmos (como ternos boas razões para fazer) no
ponto de vista de que a dominação final da falsidade·- essencial
e característica para a neurose - só pode ter um êxito completo
na vida santa, concluiremos que a saúde mental só pode medrar
no solo de uma vida santa, ou, pelo menos, de uma vida dirigida
para a santidade.
Um outro caminho nos levará também a êsse reconhecimento:
o da observação dos fatos. Nunca vi um caso de neurose, que não
contivesse, como problema e conflito ftltimos, o que se poderia, de
nominar uma questão metafísica não sol7tcionada: a da posição cio
homem em geral. Isso se dava em todos os casos, quer se tratasse
de pessoas religiosas ou irreligiosas, católicas ou não. A isso se
liga, talvez, o interêse filosófico, tantas vêzes observado nas pes
soas neuróticas. É falso ver ( como se faz muitas vêzes), nessa
problemática "metafísica", uma máscara para outras questões, ou
uma expressão de determinadas atitudes. Não há, por trás dela,
nem motivos impulsivos, nem vontade de poder. Trata-se apenas
da questão final e mais importante que pode inquietar o homem
e que êle julga não poder responder, nem mesmo colocar com
precisão. Compreendemos assim, que uma orientação espiritual
compreensiva, carinhosa, indulgente, paciente e puramente reli
giosa pode trazer, em muitos casos, com a correção da atitude
religiosa, também uma correção da neurose, porque uma tal in
fluência atinge, na realidade, o problema mais central. Sem dú
vida, nem todos êstes homens podem reconhecer êste problema
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270 RUDOLF ALLERS
5. O eqocentrismo da neurose
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rSICOLOGIA DO CARÁTER 271
t�m o qnc foltn à primeira" e degconhece também os fins dessa
nmla1\c. on nflo os compreende. Se obseryai·mos quantas vêzes
uma t:11 pe:,;::0oa no:,; oculta coisas de si mesma, "fecha os olhos"
- con::;cil'ntc ou scmiconscicntcmente - :1s dificuldades internas
l' cxkrnas e ni\o quer aceitar aquilo que reconhece como bom (não
qucn'1Hin, por exemplo, reconhecer seus defeitos), poderemos
c1>mpremler, cr0io eu, que se pode passar dessa atitude para a
ai ilude própriamente 11em·ólica por uma série de estádios su
ccssi\'os imperceptíveis.
Aquele::; aspectos da natureza neurótica, que se pensa poder
opor ü concepi;i\o aqni apresentada, tornar-se-i\o, sem ela, difíceis
de co1111n·cc1Hler.
ili l'l1\ \ll'Ínwiro lng:H', os sufl'imrnlos do 11c11rôtico: dores de
tôda sorte, sintomas de órgãos (a diminuiçáo das batidas do co
raçiío, por exemplo, ou as perturbações ela digestão), padecimen
tos psíquicos (como as r epresentações obses;:.ivas e o medo) e
muitas outras coisas cuja enumeraçi"lo pertence à dissertação clí
nica. Podemos compreender fàcilmente que, em muitos casos,
essas enfermidades podem ser utilizadas como urna desculpa con
vincenle para o afastamento, a renúncia às produções reclamadas
e, correspondentemente para uma exaltação da consciência da pro
dução subjetiva. O neurótico procede como a criança que, desejando
faltai· à escoln, alega dores de estômago, eml>orn tenha de renun
ciar�, seus pratos p1·ediletos e manter dieta. Dêsse modo, ela deYe
pagar, de certo modo, a custas de sua dispensa do trabalho.
A analotria com os automutilados da guerra é ainda mais escla
rccc<lom. Jú dissemos anteriormente, que obras de pouco valor,
realizactas em meio de obstúcnlos, podem parecer subjetivamente
maiores do que as de maior importúncia objetiva, mus que não
exigiram um autodomínio da própria pessoa.
Merece consideração um dos :tspectos dêsse sofrimento.
(Nunca se deve esquecer que, embora sejam fictícias as causas,
trnta-se de um sofrimento real e não, como alguns dizem leviana
mente, de um sofrimento "fingido"). Aquêle que deve suportar
constantemente um sofrimento e só consegue realizar algum tra
halho dcpoh, de dominar-se a si próprio, leva urna vida de martírio.
O martírio é, porém, o hernísmo dos fracos. Jú dissemos que êle
pode facilmente ser tomado como nm ideal de caráter (embora
não claramente consciente, por causa de suas contradições inter
nas) por todo aquêle para quem o heroísmo é considerado digno
ele esforços, embora acredite dever renunciar u êle em conse
<JUência 1lc sel1 destino. Aqui nfio há mais distinção entre a dor
física e o sofrimento moral, entre suportar os penosos sintomas
orgânicos e pcrm:rnccer num mundo, que é considerado, pessi
ml11Licmncut:c, como um vale de liigrimas.
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zn RUDOLF ALLERS
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)' S I G O I, O O I A l> O C A lt Á 'l' E lt 273
<�11,im, i11frH�·1i1•11 dcvc1111t•m :-mr 1mnidm1 H<m1 picclade. Como falta,
11onl111, no indiví1hl(I, o pmler de b1111i1· <lc mm "côrte" aquêle que
('onwku tni11 infraçiirni, afnBln-Be dêlc, fica ma1rnado, encolhe-se
ú•ritlo pnra d1•ulro de 11i nw1nno, torna-1.;e in:tcc11:iívcl e esquivo.
J� n i111·1•1•s:io da conhecida fra:ie: ".Tá que a montanha não se
nproximn de l\fanmé, Maomé l:lc HJH"oximará ela montanha". Mas
a 1wn�ihilidndc, dirÍl, aiml:t mai::1: "Se aR pequeninas oposições
,!iúrius po1!1•111 frrir tanto uma }1e3soa, como deverá sofrer ela
com t'(lllflito11 mai11 :,érios!" Dê:111c modo, a sensibilidade se torna
unrn 1•spécic de sinal de arlvertência, colocado no caminho do
hcnnem que duvida de .geu valor próprio', para avisá-lo, em tôdas
ns sitnn,õcs cm que pode ser chamado a preservar êste valor.
l\luilos homens, especialmente entre os neuróticos, experi
mentam comitantcmcnte amargas desilusões. O significado dessa
Yivêncin iwrh, talvez, mais claramente expresso, na seguinte frase
de uma senhora muito viajada, que foi minha paciente: "Tôdas
as vêze;;, em que chego a uma cidade estranha, eu· me desiludo.
Eln mio se parece nunca com o que eu imaginara!" Há, de fato,
cm tôrla desilusfio, um motivo de assombro revoltado, uma admi
ração de que o mundo e os homens se atrevam a ser diferentes
daquilo que o indivíduo esperava. Não se trata apenas de que o
homem, nessa atitude, queira exprimir que, se tudo corresse bem,
o mundo deveria orientar-se pela sua cabeça; mais ainda: isso
lhe preocupa tanto, que não pode compreender o paradoxo dessa
exig-ência, que terminaria na onipotência. Já que foram tantas
vêzes desiludidas (pensam essas pessoas) será melhor evitar os
homens, nada mais esperar e nada mais empreender. Mas tal de
silusfio não é senão o resultado da exigência excessiva de uma
vontade de poder insuperável, de um orgulho levado ao máximo,
que se quer tornar o legislador do universo.
A essa atitude interior, se associa um aspecto supersticioso,
enconti-ado muitas vêzes nos neuróticos. Muitos dêles têm predile
ção por práticas "mágicas", que devem afastar o azar ou trazer a
sorte, ou revelam tais pensamentos em suas imagens obsessivas,
como um de meus clientes que acreditava ter mau-olhado e, por
isso, evitava as pessoas (em consideração ao próximo e por gene
rosidade, segundo sua versão; por covardia, segundo a minha}.
tste doente estava convencido de que podia, em tôdas as circuns
tâncias, "esconjurar" essa influência malévola, quando concen
trava sua atenção muito tempo sôbre ela. No fundo, tais pessoas
se atribuem poderes mais ou menos sobrenaturais. lntimamente
ligados a isso são os vários "pressentimentos" de que são capazes
essas pessoas, os presságios que têm, aliás fáceis de explicar.
Quem não está certo do sucesso, mas não pode prescindir dêle,
agirá com precaução maior do que aquêlé que confia em sua es
trêla ou aceita a derrota. É, pois, própria do neurótico a atitude,
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276 RUDOLF ALLERS
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 277
em homens que, por profissão, deveriam conhecer a humanidade.
1!::sse orgulho exagera desmedidamente a singularidade realmente
existente do indivíduo. Finalmente, deve ser citado, como um dos
aspectos de grande importância, que o escrupuloso, um "hipocôn
drico espiritual" do maior quilate, está sempre e exclusivamente
ocupado com seu próprio eu, em virtude de seu escrúpulo (a que
deve atender, pois se trata da salvação eterna de sua alma).
Nunca vi um escrupuloso e nunca ouvi de nenhum, que tivesse
escrúpulos em relação ao amor ao próximo. O sexto mandamento,
o jejum, a difamação, a desatenção à missa, etc., podem ter algum
papel, mas não o amor ao próximo. É como se tais homens não
pudessem imaginar a existência do próximo: seu dever principal
é achar pretexto para escrúpulos ou dar ouvidos a êsses escrúpu
los. Aliás, a maioria dos escrupulosos que pude conhecer, eram,
ao mesmo tempo, excessivamente sensíveis (mais urna prova da
"delicada constituição de suas almas"), e mostravam bem clara
mente, aos olhos de um observador experiente, quanto seu pró
prio eu lhes enchia a vida e os pensamentos. São pessoas a quem
se pode aplicar, principalmente, a comparação já utilizada antes:
todos apertam convulsivamente, em suas mãos, um espelho, em
que só vêem a si mesmo e que lhes oculta totalmente o resto do
mundo. Tal pessoa é capaz de deixar de presentear seu velho pai,
se o aniversário dêste cair num domingo, só porque deve carregar
o embrulhinho do presente e isso lhe parece um "trabalho para
criados"; é capaz de sentir o mais absurdo dos temores por causa
de uma infração do jejum e fazer um terrível escândalo porque
deram, a urna colega de classe inferior, que se achava doente, o
melhor aposento da escola; é capaz de sentir-se com direito a ator
mentar sua mãe enfêrrna, porque esta não pôde rezar à noite o seu
terço, "cometendo, assim, um pecado mortal". A um exame pro
fundo, ou mesmo a uma observação superficial, muitos dêsses es
crupulosos se revelam - como os neuróticos de compulsão já es
tudados - inteiramente egocêntricos, duros e frios para· com o
próximo. Quando realizam uma "obra de amor" não o fazem pelo
amor, mas pelo "mérito", ou para que "não sejam repreendidos".
O eu é sempre o fim específico e último da ação e do pensamento;
o próximo é apenas um meio para um fim. Mas, para o que é de
gradado à condição de meio, não pode haver uma atitude de amor.
Embora não nos possamos ocupar detidamente do assunto,
queremos indicar que reaparece aqui, embora noutro plano, uma
atitude já encontrada por nós em certas anomalias sexuais. Tam
bém êstes homens amam apenas a si mesmos e são incapazes de
transpor a esféra de sua própria pessoa. E quando o fazem - na
fantasia ou na ,;ealidade - seus semelhantes servem, em geral,
apenas corno um meio para um fim. 11:ste fim, que é, aparentemente,
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278 RUDOLF ALLERS
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VIII. NOTAS SôBRE O CRESCIMENTO DE SI
MESMO E A AUTO-EDUCAÇÃO
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280 RUDOLF ALLERS
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 281
seus fundamentos e conseqüências, ao moral e, portanto, em últi1
ma análise, ao religioso. Porque um homem, por mais que se es
force, não poderá reprimir a exteriorização da hostilidade em qual
quer de seus aspectos, enquanto tiver muito de hostil em seus sen
timentos, já que isso será, de certo modo, sentido por seus seme
lhantes, acarretando reações correspondentes. Mesmo a maior
amabilidade não encobre, para as crianças, a frieza e a recusa in
teriores, do mesmo modo que a aparência de frieza não as impede
de agir como se estivessem diante de uma quente afeição, quando
há, sob tal aparência, o opôsto do que representa. A queixa de mui
tos homens - que alegam fazer todos os esforços para tratar amà
velmente os outros, sem encontrar qualquer retribuição, pois êstes
se mantêm afastados dêles - é, na maioria das vêzes, uma queixa
incorretamente formulada. Uma pequena variante deveria ser fei
ta nessa formulação: êles não fazem o menor esfôrço para ser
amáveis, mas apenas para fazer amabilidades. Há uma grande di
ferença de atitude interior, entre a renúncia à posição de uma exi1
gência e a renúncia à sua realização. Nem a mais completa arte de
disfarce e autodomínio pode eliminar essa diferença. Quantos ho
mens não dão, embora pudessem receber? Quantos não dão, apenas
para receber? São homens que tomam, ao dar alguma coisa, uma
atitude superior a sua dádiva traz sempre, em si mesma, um gesto
"de cima para baixo", lembrando, embora de modo imperceptível,
uma demonstração de favôr. Muitas vêzes, a análise mais perspi
caz não pode descobrir estas "nuances", quer no próprio ato de
dar, quer na atitude mental que o acompanha. Mas elas se reve
lam, se não olharmos para o indivíduo apenas quando êle dá, 1nas
também quando recebe. Se verificarmos que alguém dá com satis
fação e facilidade, mostra-se alegre e pronto ao obsequiar, mas
sente desagrado ao receber amabilidades e presentes em geral, tal
verificação representa um aviso, ou uma advertência, de que de
·vem ser submetidos a uma revisão a atitude e os motivos finais
dessa pessoa. Um homem muito sábio disse, uma vez, que havia
uma sordidez em dar e outra em receber. E' uma verdade. Não
poder receber deriva de um orgulho falso, nascido, em última aná
lise, de uma falta de consciência do valôr próprio, do mesmo modo
que a avareza é exclusivamente uma forma da vontade de poder
de um covarde, que se contenta com os meios do poder sem ter a
coragem de exercê-los. Portanto, uma pergunta importante, que
um homem desejoso de conhecer a si mesmo poderia fazer-se com
proveito, seria: "Podes pedir? Podes receber?".
A questão da possibilidade de receber deve, por um lado, so
frêr uma generalização e, por outro, uma limitação. Esta última
consiste em que é também naturalmente generoso o homem que é
capaz de pedir e mesmo de exigir, sem ter acanhamento nem sen
tir-se rebaixado, mas, ao contrário, pensando exercer um direito.
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2S2 RUDOLF ALLERS
3. O guia
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 283
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Jt U li O l, l•' A l, L E 1t 8
Quem sobe uma montanha deve saber que vai para o cume,
mas nfio precisa olhar para o cume. Deve <liirigr sua vista para o
caminho onde dará sem; próximos passos. Se olhar constantemente
para o cume, tropeçará nas pedras do caminho. Se fixar o olhar
no alto, o cume pat'ecerá sempre inatinglvelmente longínquo e não
perceberá o caminho que percorreu. Quando alguém se julga ca
paz de subir a tôda a pressa pelas encostas, logo lhe faltará o fô
lego. Ou, então, imaginará, de antemão, que um tal trabalho não
pode ser realizado e, como não se satisfaz senão com realizar o má
ximo, desistirá da ascenção. Ao invés, porém, de confessor nobre
mente, que a vitória completa tão desejada, não lhe acenou, êle
lança mão de tôda espécie de subterfúgios para justificar-se - err,
primeiro lugar consigo mesmo e depois com os outros - não só
por não ter feito a ascenção, como também por não a ter iniciado.
Deve-se compreender claramente, que muitas das dificuldades
da vida da pessoa não têm sua origem num infeliz estado inato,
nem na conduta da próximo, nem num destino especial, mas estão
firmemente ligadas às finalidades elevadas a que o homem adere
com tôdas as suas fôrças anteriores, sem que possa ou eleva con
fessá-las a si mesmo. Não o deve - porque a consciência do pró
prio valôr está ligada a êsses fins e, pelo menos para êle, serve de
consôlo na vida, dando-lhe a crença secreta numa vocação para o
mais elevado e o mais digno, que se antepõe à sua ausência de rea
lizações. Não o pode - porque a superioridade dêsses fins se tor
naria evidente a uma reflexão racional, que mostraria, assim, sua
impossibilidade e faria desmoronar a posição finalista do indivíduo
e, portanto, a construção baseada na consciência do valôr próprio.
Em numerosos casos, é, pois, necessário, que não se empre
gue o ''trabalho sobre si mesmo" numa luta diréta contra as difi
culdades de tôda a espécie, mas apenas numa luta contra seus mo
tivos geradores, que devem ser descobertos de início. Êste é, po
rém, um trabalho que, corno dissemos, não pode, em geral, ser rea
lizado pelo indivíduo isolado. Como êle desconhece o seu "ponto de
vista", êste acompanhará, sem que êle o note, tôdas as suas tenta
tivas de autoconhecimento, sem nunca revelar-se a êle. Mesmo
quando se conhecem profundamente os atalhos utilizados pelo es-
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 285
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28G lt U Jl O L J,' A 1, 1, E lt S
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 287
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288 RUDOLF ALLERS
6. A mor ao próximo
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PSICOLOGIA DO CARÁTER 289
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290 RUDOLF ALLERS
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PSICOLOGIA DO CÂRÁTER 291
subtrair-nos ao devêr de tornar úteis, para a obra da. educação, o
que julgamos ter adquirido na ciência, aprendido na técnica e
observado nas concepções em cho11ue. Sim, devemos empregá-los
na educação: das crianças que nos foram confiadas, se somos pais
ou professôres; dos enfêrmos, se somos médicos; dos homens em
geral, se somos mestres dos homens e se temos, ao nosso cuidado
e administração, sua salvação eterna.
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CONCLUSÃO
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2!14 ltlTllOl.l•' Al,1,1•:ltH
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fNDICE ANAUTICO
Prefácio •.• , •..• , •• •, • • • • •• • • • • • • • • · • • • • ••, •.................... 6
l11trod11ção •••• , •.• • ••• • • , ••• • • • • • • • •• • • , . , , • • •.••• , • • • • • . • • . •• • . 13
3. Signjf�cação ido ideal ........ ..... ..•...... ...... ..... . .... 1:,:,
4. :
Amb1çao ..•...•.••.•.•.•.•.•••....••..••... •• ..•,, • .•..•.,. ir,:,
5. Ideais verdadeiros e falsos ••..•......•..•••••... • ••....• . ... . lf,1
6. Grandeza e herofsmo •..•••• • . .•••• •...•••.....•..•... • . ..•. 170
7. Sôbre a humildade ••.••..•.•....•..•.•........ , .. . •. . .. . ... l 71',
8, u!11ª o�jeç�o O•••• o • •:A•",• o o 00 O•• o •"• . . O• O" O•••"• o" 00" 178
9. D1gressao sobre a consc1enc1a • •.•. • .•.. • .. . ..••. .... . . ..... .. lRO
10. Resposta à objeção ..•.•....••..•.....•••....•.•..•..•.. , .. . 1 Sl!i
11. O ideal do caráter ..••.• • •••....••....• • ......••.. . . ....... U�6
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{NDICE DE NOMES
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800 RUD0LF ALLERS
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fNDICE DE ASSUNTOS
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302 RUDOLF ALLERS
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