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Para o poeta Octavio Paz, a poesia é a Memória feito imagem e convertida em outra
voz. A poesia é sempre a “outra voz”, porque “é a voz das paixões e das visões; é de outro
mundo e é deste mundo, é antiga e é de hoje mesmo, antiguidade sem datas” (1993, p.
140). No dizer de Paz, os poetas têm sido a memória de seus povos, pois “cada poeta é uma
pulsão no rio da tradição, um momento da linguagem. Às vezes os poetas negam sua
tradição mas só para inventar outra” (1993, p. 108-109). A invenção lírica se projeta do
presente para o futuro. O poeta é ciente de sua tarefa: ser elo da corrente, uma ponte entre
o ontem e o amanhã. Entretanto, no findar do século XX, ele “descobre que essa ponte está
suspensa entre dois abismos: o do passado que se afasta e o do futuro que se arrebenta. O
poeta se sente perdido no tempo” (PAZ, 1982. p. 69). Nesse sentido, ao recriar sua
experiência, leva avante um passado que é um futuro. O tempo possui uma direção, um
sentido, ou seja, “ele deixa de ser medida abstrata e retorna ao que é: concretude e dotado
de direção. O tempo é um constante transcender” (PAZ, 1982. p. 69).
A função essencial do tempo na estruturação da imagem do mundo reside, conforme
Octavio Paz, no fato de que o homem, dotado de uma direção e apontando para um fim, faz
parte de um processo intencional (1991, p. 97). Os atos e as palavras dos homens são feitos
de tempo. Assim, a cronologia está fundamentada na própria crítica. Já a poesia é tempo
revelado, isto é, o enigma do mundo que se transforma em “enigmática transparência”. O
poeta diz o que diz o tempo, até quando o contradiz, pois ele é capaz de nomear o
transcorrer, e ainda, “torna palavra a sucessão” (PAZ, 1991, p. 98).
A poesia é potência capaz de dar sentido à vida. Ao buscar a essência da linguagem,
o artista realiza o poder mágico através das palavras enquanto mediação, comunicação e
exercício de construção de sentidos.
Para o filósofo Gaston Bachelard, o homem sonha através de uma personalidade de
uma memória muito antiga. Ele mira-se em seu passado, pois toda imagem para ele é
Universidade Estadual de Maringá – UEM
Maringá-PR, 9, 10 e 11 de junho de 2010 – ANAIS - ISSN 2177-6350
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Essa afirmativa de Durand pode ser verificada nos textos de Virgínia Vendramini,
quando aborda a temática da infância enquanto fator não só de (re)memorização nostálgica
do passado, mas também como desdobramento de imagens que convergem para esse
período da vida, pois os elementos catalisadores – infância e memória – dão formas
estéticas à relação e confluências com e na própria obra de arte literária.
Frente às “faces do tempo” e à cristalização da “memória”, o homem se vê isolado,
ilhado, mesmo estando rodeado por uma multidão. Mergulhado em um mundo de imagens e
realidades que dão uma configuração à própria vida, ele é sabedor da sua condição
existencial: a solidão habita a sua vida. Ou seja, ela é experiência viva que se concretiza não
só enquanto recolhimento, mas, acima da tudo, como sentimento intrínseco frente à
sensação de isolamento e vazio vivenciado pelo sujeito humano.
Em Amor, poesia, sabedoria, o filósofo Edgar Morin define a poesia como amor,
estética, gozo, prazer, participação e, principalmente, vida (1998, p. 59). Ela é, igualmente,
a manifestação de possibilidades infinitas da indeterminação humana. Já a criação poética
tem o poder de reativar os conceitos analógicos e mágicos do mundo e, também, despertar
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que pertence a uma estratégia de comunicação: dispositivo que tem a capacidade, por
exemplo, de regular o tempo e as modalidades de recepção da imagem em seu conjunto ou
a emergência da significação” (DAVALLON. In: PAPEL da memória, 1999, p. 30. Grifo
do autor). Constata-se, que as afirmações do autor vão ao encontro das correspondências
imagéticas que aparecem no texto de Vendramini. As imagens, presentes no texto, têm o
poder de (re)configurar os acontecimentos a partir de uma observação atenta do sujeito
poético, que registra o seu “estar no mundo” ao “rememorar o passado”. Daí a força da
imagem enquanto “um operador de memória no seio de nossa cultura” (1999, p. 30), como
afirma Davallon.
Na criação literária a poeta Virgínia Vendrami (re)inventa mundos e dá sentido à
vida através das palavras. Assim, a palavra-memória é uma força que impulsiona a poeta a
atingir seus sonhos, objetivos e realizações.
Palavra poética e memória são elementos basilares na poesia de Virgínia
Vendramini. Ao elaborar uma poiesis alicerçada em um mundo de (re)significações, a poeta
realiza um fazer poético direcionado à condição humana e ao sentido de transitoriedade.
Os textos de Virgínia Vendramini – lapidados no cinzel da memória – instauram um
procedimento poético em que a palavra poética tem o poder de despertar no leitor uma
atenção voltada para as coisas mais simples, sensíveis, pois a linguagem é sinal de vida e
permanência.
Referências
DAVALLON, Jean. A imagem, uma arte da memória? In: PAPEL da memória / Pierre
Achard... [et al.]; tradução e introdução de José Horta Nunes. Campinas, SP: Pontes, 1999.
DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário: introdução à
arquetipologia geral. Trad. Hélder Godinho. São Paulo: Martins Fontes, 1997 (Ensino
Superior).
MORIN, Edgar. Amor, poesia, sabedoria. Trad. Edgard de Assis Carvalho. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1998.
PAZ, Octavio. O arco e a lira. Trad. Olga Savary. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982
(Coleção Logos).
PAZ, Octavio. Convergências: ensaios sobre arte e literatura. Trad. Moacir Werneck de
Castro. Rio de Janeiro: Rocco, 1991.
PAZ, Octavio. A outra voz. São Paulo. Siciliano, 1993.
ROSA, António Ramos. O conceito de criação na poesia moderna. COLÓQUIO/LETRAS,
Lisboa, n. 56, julho, 1980.
VENDRAMINI, Virgínia. Matizes. Maricá, RJ: Blocos, 1999.
_____. Primavera urbana. Rio de Janeiro: Blocos, 1997.
_____. Rosas não. Rio de Janeiro, 1995.