AUTOGESTÃO NA HABITAÇÃO
SOCIAL:
Uma experiência no Bairro santa Maria em
Aracaju-Se
Aracaju, 2017
Foto da capa: Atelier Populaire - École de Beaux Arts. Paris, 1968.
SIÇA DRIELY DE SOUZA CHAGAS
Aracaju
2017
SIÇA DRIELY DE SOUZA CHAGAS
Aprovada em ____/____/____.
Banca examinadora
Orientadora - UNIT
Avaliador Externo
Dedico esta pesquisa à todas as pessoas que, de
alguma forma, constroem a luta pela moradia.
AGRADECIMENTOS
Não queria ser piegas, mas não poderia concluir a pesquisa ignorando todas as pessoas
que se envolveram comigo nesse processo e que sozinhos, não caminhamos tão longe. Afinal,
é sobre isso que a pesquisa fala: trabalho coletivo.
Á minha mãezinha, que além de mãe é minha melhor amiga e absolutamente sempre
acreditou em mim. Eu realmente não teria permanecido nessa cidade, não fosse o seu amor
enorme que me protege.
Á minha família que amo tanto mas em especial aos meus avós que são pai e mãe ao
mesmo tempo, sempre zelaram pelos meus estudos e nunca mediram esforços pra me ver
caminhar pra onde quer que fosse; e ao meu pai, que do jeitinho dele, me faz sentir protegida
e amada de forma imensa.
Á minha namorada, por me cuidar com tanto carinho em todos os momentos que eu
pensei que desabaria e, por todos os outros. Eu amo a nossa amizade e como você se faz
presente de uma forma incrível.
Aos meus amigos mais maravilhosos desse mundo, Rafa e Mari. Nós somos tão
diferentes e mesmo assim, nossa amizade é tão incrível porque ela é sincera. Obrigada por
aguentar meus momentos mais chatos.
Á minha orientadora, Helô, maravilhosa. O momento que você chegou aqui nessa
cidade, pra mim, pareceu incrível e predestinado. Obrigada por compartilhar tanto, por
dedicar seu tempo extra a me orientar e me ajudar a descobrir a autogestão, mas sempre
pondo os pés no chão.
Á Lygia, por ser sempre acessível e compartilhar tanto, estando em aula ou não. Eu
admiro muito a professora urbanista que você é.
Á Sheila, por todo o conhecimento compartilhado durante o estágio e por ser sempre
tão compreensiva.
Palavras-chave: habitação social, política habitacional, autogestão, Minha Casa Minha Vida.
ABSTRACT
The monograph deals with the housing production of social interest by self-management. This
practices of self-management in Brazil starts in the 80s due to interactions between the
academia, technicians and social movements as they come together to raise issues related to
the right to the city and their right to act in the city's production. This modality of production
was strengthened by the social programs Solidarity Credit and My House, My Life - Entities,
both part of the Lula Government. Thus, a case study was developed of an enterprise within
the scope of My House My Life - Entities in Aracaju city, with the purpose of investigating
within the project processes, the self-management present in its participatory practices and the
reflex product of these actions.The method used in the study is based on three guiding axes:
Access to the Earth, which investigates the processes and strategies for obtaining the land;
Productive Aspects, which brings the relation between the project and the shell-work based
on the architectural and urban quality and the mutirão relations with the construction site, as
well as the technical and social advisory services based on their relationship with the
beneficiary families and the Organizing Entity; as also the operation of Social Work
developed in Self-management as a resulting practice from the organizational structure,
which includes mobilization with families, training spaces and the performance of the
monitoring committees stated in the program norms. Therefore, this paper proposes a
hypothesis that in the sphere of My House My Life - Entities, the process of the enterprise is
submitted to different arrangements among its agents, in which is possible to obtain multiple
results that may contemplate or only permeate the concept of self-management.
TABELA 1_ EVOLUÇÃO DOS DADOS SOBRE INADIMPLÊNCIA DAS COHABS - BRASIL - 1971/1974
........................................................................................................................................... 26
TABELA 2_FINANCIAMENTOS HABITACIONAIS CONCEDIDOS ATRAVÉS DE SFH ATÉ 31 DE
DEZEMBRO DE 1980 ............................................................................................................ 26
TABELA
3_INVESTIMENTOS DO GOVERNO FEDERAL*EM HABITAÇÃO DISTRIBUIDOS POR FAIXA DE R
ENDA (1993‐2002) ............................................................................................................. 37
TABELA 4_ AMPLIAÇÃO DAS RENDAS PARA O MCMV .............................................................. 47
TABELA 5_ UNIDADES HABITACIONAIS CONSTRUÍDAS PELO PROGRAMA DE ARRENDAMENTO
RESIDENCIAL – PAR – 2001 - 2009 .................................................................................... 71
TABELA 6_PROJETOS HABITACIONAIS ARACAJU 2000-2014 .................................................... 75
TABELA 7_ PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL – PAR EMPREENDIMENTOS E
UNIDADES HABITACIONAIS 2001-2008 ............................................................................. 77
TABELA 8_ PRODUÇÃO ATUAL MCMV ..................................................................................... 77
TABELA 9_ ARACAJU - DISTRIBUIÇÃO DAS UNIDADES HABITACIONAIS E DÉFICIT
HABITACIONAL 2009 A 2014 ............................................................................................. 78
TABELA 10_ COMPOSIÇÃO DO CONSELHO MUNICIPAL DE HABITAÇÃO EM ARACAJU ............. 83
LISTA DE GRÁFICOS
CA – Compra Antecipada
EC – Estatuto da Cidade
OP – Orçamento Participativo
SM – Salário Mínimo
TP – Terreno Próprio
O interesse pelo tema se deu em meados de 2015 com o primeiro contato in loco, com
a luta pela moradia na comunidade da Vila Autódromo no Rio de Janeiro, facilitada pelo
envolvimento com a construção do Enea Rio 2015 - Encontro Nacional dos Estudantes de
Arquitetura e Urbanismo (ENEA), promovido pela Federação Nacional dos e das Estudantes
de Arquitetura e Urbanismo (FENEA). A comunidade naquela época sofria com demolições
ilegais e um cenário devastado em um contexto de posturas higienizadoras e repressoras
vindas do governo atual na produção da futura cidade Olímpica.
Conhecer as líderes dos movimentos, e compartilhar mesmo que por quinze dias dessa
luta fizeram-me elucidar algumas questões e, ao ver os interesses privados se sobressaírem em
detrimento de uma comunidade me fez sentir, um pouco na pele, como na prática, a nossa
política habitacional é preconceituosa e opressora.
1
A assessoria técnica se refere a um grupo que fornece assistência para a concepção e execução de projetos.
2
KOKUDAI, Sandra (2014). AT e Autogestão e As Experiências no Brasil. In: Assistência Técnica e Direito à
Cidade. FNA.
19
A autogestão está inserida na produção da habitação social enquanto bandeira de
alguns movimentos de moradia. As suas lutas estão baseadas na compreensão do controle e
participação popular na implementação de Políticas Públicas que a contemplem. Assim,
Kokudai (2014) afirma que o controle das etapas de construção vai além da construção em si,
mas enquanto um processo de inserção das comunidades tornando-as atuantes, onde, se
comparada ás práticas de mercado, quando as famílias controlam o processo, é possível
combater o desperdício e a corrupção que pode haver neste sistema.
21
2. O PERCURSO DA AUTOGESTÃO ALIADO A HABITAÇÃO SOCIAL NO
BRASIL
A autogestão, em seu primeiro conceito, significa a gestão coletiva e, em alguns países
socialistas, gestão de uma empresa a partir de seus trabalhadores 4; ou seja, trata-se das
transformações das relações de produção.5 O objetivo desta seção, entretanto, é a abordagem
da autogestão dentro da produção de habitação de interesse social e a sua trajetória aliada à
trajetória das políticas habitacionais no Brasil. O foco aqui abordado da autogestão busca
entender esse processo a partir da perspectiva da população das classes sociais mais baixas,
estas, excluídas do mercado formal, mas que, buscaram a sua forma de autoconstruir com seus
próprios recursos financeiros e mão de obra; se encontrando na maioria das vezes em terrenos
da cidade informal e carentes de infraestrutura urbana.6
Dessa forma, percebe-se que esteve o povo a construir suas casas e sua história: "A
autoconstrução, o mutirão, a auto-ajuda, a ajuda mútua são termos usados para designar um
processo de trabalho calcado na cooperação entre as pessoas, na troca de favores, nos
compromissos familiares, diferenciando-se portanto das relações capitalistas de compra e
venda da força de trabalho."7 Para uma melhor compreensão, é importante salientar a
diferença entre autoconstrução (mutirão) e a autogestão que será abordada na pesquisa. A
primeira se refere à ação de construir, com a própria força de trabalho em regimes de mutirão
e trabalho coletivo, e a segunda não necessariamente implica a participação na obra em si,
mas sim a gestão e a tomada de decisões de forma autônoma e democrática; se distinguindo
ambas da heterogestão, produzida por empreiteiras.8
4
AUTOGESTÃO. In: DICIONÁRIO AURÉLIO. Disponível em: https://dicionariodoaurelio.com/autogestao.
Acesso em 17 set. 2017.
5
No âmbito da arquitetura e do urbanismo, conceito defendido por Sérgio Ferro, Flávio Império e Rodrigo
Lefébvre na Arquitetura Nova - movimento surgido na década de 60 que questionava as relações de produção no
canteiro de obras e a autonomia por meio do trabalho livre.
6
A opção habitacional para a maioria da população cobre consiste em cortiços, favelas, loteamentos clandestinos
- localizados na periferia das metrópoles -. Logo, a autoconstrução torna-se a única solução possível para estas
camadas populares. (AZEVEDO, 1989, P. 116)
7
MARICATO, E., 1982, p. 71
8
OLIVEIRA, 2012
22
ser de fato, democrática, é resultante de um processo das pressões realizadas diante o poder
público no qual a academia, técnicos e movimentos sociais uniram os seus conhecimentos
para pleitear questões relacionadas ao direito à cidade diante do poder público; conseguindo
destes, respostas que contemplam as questões sociais; tais relações serão abordadas nos
subcapítulos seguintes.
Ainda que carregasse uma visão de banco, o BNH e as demais políticas de habitação,
tem na sua trajetória a tentativa de atingir as camadas populares e as exigências sociais; dessa
forma, criou-se alguns mecanismos que ao longo do tempo facilitaram a obtenção de crédito e
posteriormente a correção das dívidas causadas pela aquisição, ainda que em baixo custo.10
9
Fundação da Casa Popular- Criada em 1946 no Governo Dutra como primeiro órgão brasileiro de política
habitacional.
10
AZEVEDO, S., VINTE E DOIS ANOS DE POLÍTICA DE HABITAÇÃO POPULAR (1964-86): CRIAÇÃO,
TRAJETÓRIA E EXTINÇÃO DO BNH, P. 112.
23
programas como o Programa de Financiamento da Construção ou Melhoria da
Habitação de Interesse Social (FICAM) em 1977, é reformulado o Programa de
Lotes Urbanizados (PROFILURB) em 1978, volta a tabela price para a correção da
dívida do mutuário em 1979, nesse ano ainda é criado o PROMORAR, e em 1980 o
Programa Nacional de Habitação para o Trabalhador Sindicalizado (PROSINDI).
(MARICATO, 1987: p.54)
É assim, como Maricato explica acima, que a forma popular de construção de moradia
- a autoconstrução - é institucionalizada pela primeira vez enquanto política pública no Brasil.
No contexto do estado de São Paulo - pioneiro, nessas questões no Brasil -, essas ações estão
também ligadas à eleição de Franco Montoro em 1982. Montoro propôs ações que
dialogavam com os movimentos populares e que apoiavam a autoconstrução. Nesse contexto,
segundo Royer (2002), as iniciativas do Governo do Estado nesse período foram resultados de
pressões dos movimentos de moradia que, desde 1981 seguiam em ritmo crescente. Assim, é
importante ressaltar as primeiras reuniões no Centro Pastoral Belém, a partir de 1985; estas
dariam origem posteriormente à União dos Movimentos por Moradia (UMM). (TATAGIBA e
TEIXEIRA, 2016) No âmbito municipal, na cidade de São Paulo, no governo de Mário
Covas (1983-1985), acontecem experiências significativas que introduziriam a ideia da
autogestão enquanto modelo de gestão para a produção de habitação social, assim, financiado
pelo Promorar, surge o Mutirão da Vila Nova Cachoeirinha, na Zona Norte de São Paulo; este
será abordado mais a frente ainda neste subcapítulo.
11
" O índice de inadimplência andava por volta de 90%. Muitos moradores provindos de favelas e cortiços nunca
pagaram qualquer prestação." (MARICATO, E. Política Habitacional no Regime Militar, p. 43, 1987)
24
12
resolver essas questões, a exemplo, o "arrocho salarial" - que diminuiu o poder de compra
do salário mínimo. Assim, o BNH passa a reduzir consideravelmente os investimentos para
as famílias de menores rendas e aumentar para o então chamado "mercado médio"13, uma vez
que as taxas de juros eram mais altas e o índice de inadimplência era menor se comparado ao
das classes mais pobres; assim, segundo Sérgio de Azevedo, a saída da crise se daria pela
reformulação da política habitacional.14
Dessa forma, a única saída para as famílias pobres era recorrer a ocupação da cidade
informal em favelas e loteamentos clandestinos nas periferias das cidades em regime de
autoconstrução.15 Para Bonduki, o grande equívoco dessa política foi, justamente, ignorar
esses processos que passaram a ocorrer, sem estruturar uma ação que fosse significativa para a
organização desses processos alternativos de ocupação da cidade e que pudesse estimular a
capacidade organizativa das comunidades, assim, acentuando um intenso processo de
urbanização informal.16 É importante salientar que a observação feita por Bonduki explicita o
contexto nacional de atuação do BNH, uma vez que acontecem de forma pontuais as
relevâncias dadas a estes processos e que, como está sendo apresentado, ainda assim é
marcado pela descontinuidade das suas ações e o acirramento com os movimentos sociais.
Diante dos contextos esclarecidos, é notório como a questão da habitação enquanto
direito básico - este a ser incluído posteriormente na Constituição Federal de 1988 - até então
não fora primordial. A ideia de aliar os objetivos sociais da política de habitação com o
modelo empresarial resulta numa ferramenta de sustentação da economia apostando sempre
nos investimentos do setor privado e no estímulo da produção e enriquecimento do setor
imobiliário e da construção civil.
Tabela 1_ Evolução dos dados sobre inadimplência das COHABs - Brasil - 1971/1974
CLIENTELA UNIDADES %
FINANCIADAS
Mercado popular* 1.004.84 35,0
Mercado econômico** 627.824 21,8
Mercado médio*** 1.241.175 43,2
Total 2.873.883 100,0
*Cohabs e habitações construidas diretamente pelo BNH para população de baixa renda.
**Cooperativas Habitacionais, Institutos, Mercado de Hipotecas
***SBPE e Recon
Fonte: Banco Nacional de Habitação (BNH), Departamento de Planejamentos e Coordenação (Dplan).
Rio. 1981 apud AZEVEDO, Sérgio de; ANDRADE, 2011.
Nos últimos anos do Regime Militar, o país se encontrava numa conjuntura política de
reivindicações pelas eleições diretas para presidente e pela Constituinte; dessa forma
continuava a crescer a mobilização popular, fazendo nascer movimentos sindicais que viriam
26
também pleitear a questão da moradia. Em 1985, com o fim desse regime, ocorre a crise17 do
Sistema Financeiro da Habitação 18 e da necessidade de exigir-se novas formas de governança
e novos sujeitos para atuar dentro da política habitacional; o início da Nova República viria a
propor essas modificações. Dessa forma, uma comissão para propor sugestões é criada e nela
é agregada a Associação dos Arquitetos do Brasil19 a fim de fomentar debates que envolvesse
os domínios universitário, entidades de classe e associações. Explica Azevedo: " a maioria das
propostas giravam em torno de temas como descentralização, prioridade social e criação de
instrumentos de equilíbrio financeiro, através da modifIcação da legislação em vigor."20 No
entanto, em 1986 o atual presidente, José Sarney, abortou esse processo e decretou a extinção
do BNH.
Ao ser extinto, suas funções precisaram ser divididas22 entre o Banco Central, a Caixa
Econômica Federal (CEF) - enquanto gestora do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
(FGTS), o Ministério de Desenvolvimento Urbano (MDU) - responsável pela política
habitacional dos programas tradicionais e a Secretaria Especial de Ação Comunitária (SEAC),
reponsável pelos programas alternativos enquanto alguma das medidas pontuais que foram
tomadas pelo Estado e, ainda que não tenham sido levadas à frente no sentido de uma
reestruturação da política habitacional, precisam ser citadas enquanto embriões da autogestão
em resposta ao que pleiteavam os movimentos.
17
"A recessão econômica atingiu plenamente a indústria da construção e o mercado imobiliário no início dos
anos 80." (MARICATO, E, 1987: p. 85)
18
O Sistema Financeiro da Habitação (SFH) foi criado em meados da década de 60, pela Lei nº 4.380, de 1964,
no âmbito de uma reformulação geral do Sistema Financeiro Nacional. A Mesma Lei instituiu a correção
monetária, com o objetivo de abrir o mercado para a colocação de títulos do governo e viabilizar financiamentos
de longo prazo. (Fonte: <http://www.resimob.com.br/a-historia-do-sfh-sistema-financeiro-da-habitacao/> Acesso
em: 15 set. 2017)
19
Instituto de Arquitetos do Brasil- IAB é entidade de livre associação de arquitetos e urbanistas brasileiros, que
se dedica a temas de interesse do arquiteto, da cultura arquitetônica e de suas relações com a sociedade. Fundado
no Rio de Janeiro em 26 de janeiro de 1921. (Fonte:< http://www.iab.org.br/quem-somos> Acesso em: 15 set.
2017)
20
AZEVEDO, S., VINTE E DOIS ANOS DE POLÍTICA DE HABITAÇÃO POPULAR (1964-86): CRIAÇÃO,
TRAJETÓRIA E EXTINÇÃO DO BNH, P. 118.
21
BONDUKI, 1994a apud TATAGIBA; TEIXEIRA, 2016.
22
SANTOS, 1999 apud MOREIRA, A. F. 2009
27
Programas alternativos baseados na autoconstrução foram lançados - alguns já citados
-; em 1985 tem-se o Programa Mutirões, vinculado ao PPS (Programa de Prioridades Sociais)
e, em 1987 o Programa Nacional de Mutirões Habitacionais, coordenado pela SEAC.
24
No contexto de crise financeira vale ressaltar a Resolução nº 1.464 de 26/02/88 que
resulta na restrição de crédito por parte da CEF às companhias e associações, ampliando
25
assim, créditos destinados ao setor privado para o âmbito da habitação - situação que até
hoje dificulta o acesso à cidade formal pela priorização do setor privado enquanto produtor da
habitação de interesse social. É importante também se voltar para o objeto de estudo desta
pesquisa, a autogestão na habitação de interesse social, e ressaltar que a experiência acima
citada não se trata da prática de uma autogestão, uma vez que lhe é somente aplicado o regime
de mutirão afim de baratear a mão de obra e ficando o Governo à cargo de subsidiar as demais
necessidades, não envolvendo os beneficiários numa gestão participativa.
Moreira (2009) avalia que, nesse período, a política habitacional parecia ter boas
chances dentro do privilégio da existência de um Ministério que cuidaria diretamente da
questão da habitação, porém no decorrer dos anos passa a existir um "troca-troca"26
ministerial responsável por tal atribuição, logo, passa-se a ter na esfera institucional uma
desarticulação, o que justificaria a falta de continuidade de propostas para substituir a política
habitacional anterior.
23
" A visão neoliberal pretende a mínima intervenção do Estado em todas as esferas, inclusive na da política
social e na de habitação." (CARRION, K. B. O., NOVA POLÍTICA HABITACIONAL: UMA VELHA
QUESTÃO, p. 297)
24
Ação que previu restrições financeiras de acesso ao crédito.
25
MOREIRA, 2009
26
"Ao longo do governo Sarney, a SEAC-
Secretaria Especial de Ação Comunitária esteve vinculada inicialmente ao Ministério do Planejamento, à Casa
Civil da Presidência, depois passou a fazer parte do Ministério da Habitação e Bem‐Estar Social, do Ministério
da Previdência e, por fim, vinculou‐se ao Ministério do Interior. " (MOREIRA, 2009)
28
Em 1988, com a Nova Constituição, que prevê o fim da centralização político-
administrativa, permite então uma autonomia às cidades e a sua gestão:
"Quando o Guilherme veio pra gente tinha aquele filmezinho dele, que ele ia,
passava, mostrava em tudo que era favela [...] Aí ele passou o Projeto do Uruguai.
Quando ele passa, então, ele explicou bem o que era Ajuda-Mútua, que a gente
tinha que ajudar um ao outro [...] Nós ia saber o que era uma comissão de compras,
nós ia construir a nossa casa, sabe? Ia ver o que era uma casa de boa qualidade,
nós ia tomar consciência. E quando ele explicou tudo direitinho, ele com toda a
calma, passando parte por parte do filme, a partir daquele momento eu sentia que o
pessoal, assim, já tinha ficado encantado. Vimos que o Promorar não tinha nada a
ver. Pensamos: agora nós vamos chegar lá! Aí todo mundo no ônibus: “a gente vai
batalhar por esse projeto, a gente vai trabalhar pra esse projeto sair”. Nesse
momento, a gente encostou junto do Guilherme e falou: “Olha Guilherme, você
nunca mais vai deixar a gente."
27
Sobre a experiência da Vila Nova Cachoeirinha consultar BARAVELLI (2006)
29
organizada é capaz de propor direcionamentos organizacionais na busca por uma política
democrática. Em 1985 é realizado o segundo encontro que reúne os movimentos de moradia
de São Paulo e o Grupo de São Bernardo 28. De acordo com o contexto de São Paulo enquanto
palco principal das primeiras experiências de mutirão e autogestão, Baravelli (2006), ressalta
o intervalo de 1989 a 1992, como precursor dos programas de moradia por autogestão de São
Paulo29.
28
Associação Comunitária de São Bernardo, formada em 1983 para gerir o fundo de greve do Sindicato do
Metalúrgicos e que promoveu um mutirão - a Vila Comunitária. (BARAVELLI, 2006: p. 98)
29
"Foram nestes anos que os empreendimentos de moradia social por autogestão passaram de experiências-
pilotos estritamente controladas pela companhia habitacional do município a parte ativa e integrante das políticas
de promoção habitacional da Prefeitura Municipal de São Paulo." (BARAVELLI, 2006: p. 96)
30
(Baravelli 2006, apud. Bonduki, 1992)
30
prefeituras e criando uma interrupção de planejamento, e a consequente dificuldade da
inserção do poder popular. É em fevereiro de 1989 que a Prefeitura junto à nova equipe da
Secretaria de Habitação divulga o "Programa de Ação Imediata", onde provia de diretrizes
gerais para a mudança do cenário da habitação social que tendenciavam, claramente, a busca
por uma gestão democrática. Algumas dessas diretrizes são citadas por Ronconi:
Nos novos projetos habitacionais será dada prioridade a demanda organizada pelos
movimentos de luta por moradia ou de urbanização de favelas (...) apoio técnico à
construção de moradias por iniciativa das próprias famílias ou por associações de
construção comunitária e financiamento ao material básico de construção..
(RONCONI, 1995, p. 20)
31
BARAVELLI, 2006, p. 102
32
MESTRADO REGINA DE FÁTIMA, P. 91
33
Fundo De Atendimento À População Moradora Em Habitação Subnormal - FUNAPS
31
O FUNAPS passou então a atuar efetivamente na política habitacional e era dirigido
pela Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano e executado pela Superintendência
de Habitação Popular (HABI) e a Companhia Habitacional de São Paulo (COHAB); é
importante lembrar que além do FUNACOM34, era ação da HABI
as intervenções em área de risco em favela e a urbanização de favela comunitária (URBANC
OM).35 O que demonstra mais uma ação voltada para a redemocratização a partir da
organização da cidade informal.
34
FUNAPS COMUNITÁRIO
35
" Os mesmos princípios autogestionários foram utilizados nas intervenções em Cortiços, casos do Mutirão
Celso Garcia e Madre de Deus, e também em alguns processos de urbanizações de favela." (Bonduki, apud
Moreira, Fernanda Accioly. 2009)
32
conquista popular na luta por direitos e uma crítica prática aos poderes ideológicos
existentes."36
Partindo então para esse alcance nacional, pode-se citar algumas experiências
baseadas na autogestão na produção da habitação de interesse social e seu alcance na década
de 90; para isso, pode-se citar a experiência das Cooperativas dos Correios na Região
37
Metropolitana de Porto Alegre - com origem aliada a criação do Orçamento Participativo
(OP)38 -, o governo municipal passa a incentivar a formação das cooperativas com a criação,
em 1993, do Programa de Cooperativas Habitacionais; a experiência de Belo Horizonte que
implanta em 1994 o Fundo Municipal de Habitação Popular e
o Conselho Municipal de Habitação39 e, assim como em Porto Alegre, implementou o OP,
este, em seguida, evoluiu para o Orçamento Participativo de Habitação (OPH), posteriormente
surge o Programa de Apoio à Moradia por autogestão por sugestão de técnicos da
Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte (URBEL)40 que realiza alguns trabalhos
juntamente ao Projeto Alvorada e a assessoria técnica da Usina CTAH, como a exemplos a
Urbanização de Senhor dos Passos (1993-1994) e Zilah Sposito (1993-1998).
36
Chauí, Marilena (1992). Apresentação: Construindo a Utopia Democrática. In: Bonduki, Nabil. Habitação e
Autogestão: construindo territórios de utopia. Rio de Janeiro: Fase.
37
Sobre a experiência das Cooperativas em Porto Alegre consultar WARTCHOW (2012)
38
Implantado em 1989, é instrumento importante de participação popular. " O OP é um processo dinâmico que
se adéqua periodicamente às necessidades locais, buscando sempre um formato facilitador, ampliador e
aprimorador do debate entre o Governo Municipal e a população." Fonte:
<http://www2.portoalegre.rs.gov.br/op/default.php?p_secao=1129> acesso em 24/09/2017.
39
Estes contendo representantes da sociedade civil e poder executivo. (SOUZA, 2007 apud MOREIRA, 2009)
40
Moreira, Fernanda Accioly, 2009
33
Figura 01_Zilah Sposito sob assessoria técnica Usina_ctah
Fonte: Site Usina - Disponível em < http://www.usina-ctah.org.br/zilahsposito.html> Acesso em: 25 set. 2017
Fonte: Site Usina - Disponível em < http://www.usina-ctah.org.br/zilahsposito.html> Acesso em: 25 set. 2017
34
anteriores foi possível a construção de mais 61 unidades por meio da autogestão e ajuda
mútua.41
41
Segundo Moreira, 2009;
35
questões sociais foram concebidas de modo a serem enfrentadas de modo isolado e
desarticulado.
Logo, é possível perceber o retrocesso dentro dessa política no que diz respeito à
concepção da habitação; se contrapondo ao que apresenta as políticas baseadas na produção
autogestionárias, que rompe com a ideia da habitação enquanto um produto. Na esfera das
políticas habitacionais para a população de baixa renda, foram mantidos os programas ativos
na gestão anterior - Habitar Brasil e Pró-Moradia, antigo Morar Município -. Entretanto, como
condição para participação dos programas descritos acima, era necessário a comprovação da
capacidade de pagamento do mutuário, estar adimplente com o pagamento do FGTS e a
disponibilidade de recursos para a contrapartida exigida que variava de 10 a 20%43
Diante dessas exigências, fica concluído como a população que não possuía renda, era
alijada desse processo, continuando assim, sem direito à subsídios que garantissem o seu
direito à moradia. Já em 1999 a CEF envia ao governo a proposta do Programa de
Arrendamento Residencial (PAR) destinado à famílias com renda entre quatro e seis salários
mínimos, estas selecionadas pelo município e prioritariamente pertencentes a regiões
metropolitanas com mais de 100 mil habitantes.44 Nesse processo, a CEF possuía propriedade
42
Moreira, 2009
43
Souza, 2006
44
Moreira, 2009
36
fiduciária das unidades, fato que pode comprovar o estado de vulnerabilidade das camadas
mais populares dentro dessa política financeira. Dessa forma, explicita Souza (2005): " De
uma forma geral, a política FHC foi capaz de criar mecanismos dinamizadores do mercado
privado de habitação, beneficiando as classes média e alta, e engendrando os motores da
economia por meio do incentivo ao setor de construção civil." (NAIME, 2009, p.81).
81,6 % da população têm renda familiar mensal inferior a três salários mínimos e co
ncentra 90,3% do déficit habitacional, estaríamos caindo numa contradição. Isso por
que a maior parte da população brasileira (81,6%) compõe um perfil de renda que nã
o tem capacidade de endividamento para acessar crédito habitacional, e ainda oferec
e alto risco de inadimplência, ou seja, não apresenta condições adequadas exigidas p
elo mercado para acessar um financiamento habitacional. (MOREIRA, 2009: p. 78)
Assim, ao tomar como base a gestão Itamar e FHC, encontra-se mais uma vez a
prioridade dada aos investimentos para a população com renda acima de 3 salários mínimos,
ou seja, a população que correspondia ao déficit habitacional continuava a ser deixada a
segundo plano comprovando como a política financeira dos programas não eram pensadas
para a sua permanência.
Tabela
3_Investimentos do Governo Federal*em habitação distribuidos por faixa de renda (1993‐2002)
37
al e precária) o seu problema de moradia resultante da isenção, ao longo da história,
por parte do Estado de sua responsabilidade ao alinhar‐se à diretrizes e interesses do
setor privado(...)Para se ter uma dimensão da importância desse fato, somente entre
1995 e 1999 do total de 4,4 milhões de unidades habitacionais novas
empreendidas no país, 700 mil foram promovidas pela iniciativa privada e pelo setor
público, as demais (3,7milhões) foram auto‐empreendidas pela população.
(BRASIL/MCID, 2004 apud MOREIRA, 2009: p.79)
Assim, para garantir a efetivação dessa gestão participativa, foram criados ferramentas
que garantissem o seu alcance nos diversos segmentos da sociedade. Dessa forma é que foi
criado o Conselho Nacional das Cidades - consiste na consolidação de conselhos estaduais e
municipais, de atuação prevista no Estatuto da Cidade (EC)46, as Conferências das Cidades e
o Conselho Curador do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (CGFNHIS).
45
MOREIRA, 2009
46
Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001.
38
Logo, enquanto fruto dos conselhos participativos, tem-se a Política Nacional de
Habitação (PNH), elaborada em 2004 e tem enquanto objetivo principal “retomar o processo
de planejamento do setor habitacional e garantir novas condições institucionais para promover
o acesso à moradia digna a todos os segmentos da população” (BRASIL/MCID, 2009 apud
NAIME, 2009). Em relação aos investimentos feitos no âmbito do financiamento
habitacional, percebe-se um aumento considerável se comparado aos governos anteriores.
Dessa forma, Moreira (2009) identifica os três principais focos referentes à produção
habitacional e ao seu financiamento, são eles: incentivo à produção de mercado, ampliação
de recursos e ajuste no foco.
Assim, no que diz respeito ao redirecionamento do foco dos investimentos que a partir de
agora passa a atender a real demanda do déficit habitacional. Isso se deu
a partir da Resolução nº 460 de 2004 e, posterior alteração pela Resolução nº 518 de 2006 do
Conselho Curador do FGTS, onde, ainda concedidos pelas Cartas de Crédito Individual,
foram melhor distribuídos conforme as rendas.
39
Gráfico 2_ Distribuição de subsídios do FGTS por faixa de renda
40
Na esfera dos avanços tem-se em 2005 a aprovação da primeira lei de iniciativa
popular47 que está em pauta desde o fim da década de 80 através das bandeiras levantadas
pelos movimentos populares e até então tramitava pelo Congresso Nacional sem retornos, o
Sistema e o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS/FNHIS), anteriormente
chamado de FNMP. O SNHIS veio para reunir todos os agentes,instrumentos e ações
relacionadas à produção de habitação de interesse social, em que estão incluídos os conselhos,
órgãos, e instituições de administração, além de englobar o Ministério das Cidades, CEF,
Conselho das Cidades e o CGFNHIS. (BRASIL/MCID, 2008 apud MOREIRA, 2009).
No entanto, segundo Naime (2009), o Programa parece ter “dupla paternidade”. Por
um lado, o PCS seria fruto de antigas reivindicações a respeito da habitação
associativa e da autogestão, levadas ao Ministério das Cidades e ao Conselho das
Cidades por quatro organizações integrantes da coordenação do Fórum Nacional de
Reforma Urbana. De outro, seu objetivo era dar destino aos recursos acumulados
pelo FDS, que até então não haviam sido utilizados, e geridos pela CEF – cujos
técnicos, os responsáveis pela concepção, normatização e formato final do PCS,
desconheciam as reivindicações das organizações sociais acerca da produção
associativa da habitação e da autogestão. (CAMARGO, 2016: p. 64)
4747
Lei Federal nº 11.124.
41
Ainda assim, é importante destacar a relevante ação vinda dos movimentos populares ao
conquistarem mais uma bandeira representativa para a gestão democrática e que possuía um
caráter de inserção popular, entretanto, se mostra difícil estar à mercê dos arcabouços
políticos e seus arranjos muito bem esquematizados. Dessa forma, esse cenário configura
mais um momento do que talvez possa-se chamar de "cabo de força" entre o que reivindicam
os movimentos populares e os instrumentos que serviam aos interesses políticos, este, por
muitas vezes ligados aos interesses privados; neste contexto, a criação do PCS se mostra
enquanto ápice no movimento de "vai-e-vem" das conquistas populares.
Tem uma série de indicadores aí que demonstram que ela [a CEF] é, acima de tudo,
um banco, que ‘tá’ envolvido com o processo de acumulação. E é exigido isso dela,
pelos seus próprios princípios... ela tem que dar lucro na escala bancária brasileira.
Ela não investe no microcrédito, ela não investe no financiamento da produção; ela
investe da mesma forma que os bancos privados: no crédito consignado, onde tem,
digamos assim, a possibilidade de ganho garantida... ela não arrisca nada além. Não
tem uma gestão estatal, é um banco de lógica privatista, apesar de ser uma
burocracia pública e ter discurso de banco público, de banco social (RAMOS -
Gerente do PCS no MCidades, em entrevista, 2009 apud NAIME, 2009: p. 121).
Dessa forma, nos primeiros anos de sua aplicação, diversas críticas foram recebidas pelas
organizações dos movimentos, cujas se fundavam na incompatibilidade entre as regras do
programa - baseadas em critérios bancários - e as características dos beneficiários de baixa
renda. Dessa forma, as regras do PCS consistia em quatro opções de modalidades para
as associações: (1) aquisição de material de construção, (2) aquisição de terreno e construção,
(3) construção em terreno próprio e (4) conclusão, ampliação ou reforma de unidade
habitacional. Ficava à cargo das associações decidir também qual o regime de construção
utilizado entre: autoconstrução, mutirão ou administração direta - onde melhor se encaixa o
conceito de autogestão. Assim, o valor do investimento poderia ser composto pelos recursos
referentes ao terreno, projeto (este limitado à 1,5% do valor da obra), construção, materiais de
construção, despesas de legalização e seguros; dentro destes, 95% poderiam ser financiados,
entretanto 5% deveria ser uma contrapartida financeira dos beneficiários, podendo ser
resultado de parcerias com agentes facilitadores como prefeituras ou governo do estado ou
enquanto mão de obra de mutirante. Em relação ao pagamento do financiamento, o prazo de
carência limitava-se a 12 meses a partir da assinatura de contratos, o prazo máximo de
amortização era de 240 meses e o valor das parcelas podia chegar a 25% da renda familiar.
(CAMARGO, 2016) Ainda nessa questão, Camargo (2016) aponta dificuldades que as
associações encontraram no momento de efetivar a contratação dos empreendimentos.
42
A despesa inicial significativa teve que ser aportada pela associação ou como
contrapartida pelas próprias famílias, sem que tivessem a garantia da efetivação do
contrato. Outros aspectos, como a falta de assessoramento às entidades, a falta de
capacitação e de estrutura institucional, as limitações técnicas das agências da CEF
espalhadas pelo país e a falta de flexibilidade das exigências, a exemplo da
regularidade prévia dos terrenos, levaram à extrema morosidade dos processos de
análises, que demoram até dois anos para aprovação das propostas. (CAMARGO,
2016: p. 67)
43
Em novembro de 2007, acontece a 3ª Conferência das Cidades, o que ocasionou numa
reestruturação do PCS. Estabelecidas pela Resolução nº 121, de 09 de janeiro de 2008, a
Instrução Normativa 14, de 25 de março de 2008 coloca o programa na sua segunda fase,
chamando-o Programa Crédito Solidário 2 (PCS 2). A principal alteração veio a reduzir as
responsabilidades financeiras das famílias e adotou regras mais flexíveis ao programa, para
isso foi criada uma conta estabilizadora por empreendimento. Para isso eram investidos ao
longo do período de amortização recursos gerados no mercado financeiro que serviriam para
efetuar o pagamento dos seguros e taxas de análise cadastral, eximindo assim dos
beneficiários essa responsabilidade e reduzindo o valor das prestações. Com esta mesma
normativa, foi possível flexibilizar a análise cadastral "na qual 20% das famílias poderiam ter
seu cadastro comprometido com a SERASA (Centralização dos Serviços Bancários S/A) e o
SPC (Serviço de Proteção ao Crédito). Por outro lado, a obrigatoriedade de demonstrar
capacidade de pagamento e a controle rígido em relação à inadimplência permaneceram."
(Camargo, 2016: p. 68)
44
Gráfico 4_ Ritmo anual das contratações do PCS (junho 2004/agosto 2011)
45
Assim, em 2009 é implantado no Governo Lula um novo programa habitacional, o
Minha Casa Minha Vida (MCMV), em que é importante ressaltar mais uma vez o contexto no
qual são inseridos novos programas habitacionais; assim, seguindo a mesma ideia do BNH, o
MCMV nasce no contexto de crise econômica e vem para estimular as atividades da
construção civil, com o discurso novamente da resolução do déficit habitacional, mas
sobretudo, obedecendo ao segmento econômico popular de mercado. (CAMARGO, 2016)
Assim, o MCMV nasce com uma bandeira baseada em metas quantitativas e se propõe a
construção de 1 milhão de casas. Para isso, diferente dos outros programas, ele se subdivide
em grupos de atuação em três faixas de renda com diferentes fontes de recursos. A primeira
etapa do programa compreende o período de 2009 a 2010 instituída pela Medida Provisória
459, de 25 de março de 2009 e posteriormente convertida para a Lei 11.977, de 7 de julho de
2009. A segunda etapa do programa (MCMV 2), é iniciada em 2011 e instituída pela Lei
12.424, de 16 de junho que dobra a meta da primeira etapa propondo a construção de 2,4
milhões de moradias.
48
Disponível em: http://www.brasil.gov.br/infraestrutura/2016/10/caixa-inicia-financiamentos-da-faixa-1-5-do-
programa-minha-casa-minha-vida. Acesso em 03 out. 2017.
46
Tabela 4_ Ampliação das rendas para o MCMV
Previa-se gerar empregos num setor da economia capaz de mobilizar diversos outros
setores associados: desde a indústria extrativista e produtora dos materiais básicos
da construção civil, até a indústria moveleira e de eletrodomésticos, ativadas no
momento da entrega das chaves (SANTO AMORE, 2015: p 16 e 17 apud
CAMARGO, 2016 : p. 74).
47
Entretanto, com o histórico de aplicação de políticas habitacionais que possibilitaram a
autogestão enquanto modelo de produção na gestão Lula, surge em 2009 um braço do
MCMV, que se apresenta enquanto resposta ao que continuavam a pleitear os movimentos
sociais. É fundado o Minha Casa Minha Vida - Entidades que se incorporava ao Programa
Crédito Solidário. O programa é voltado para entidades sem fins lucrativos, o que incluía
associações e cooperativas com bandeiras autogestionárias.
Sobre o Minha Casa Minha Vida Entidades, localizado na faixa 1 do MCMV, pode-se
dizer que suas regras derivam do PCS e outra parte equivale ao MCMV destinado às
construtoras; entretanto ela se diferencia por centralizar à Entidade Organizadora (EO) a
responsabilidade pelo contrato, seleção, organização e indicação dos beneficiários, cujos
devem se enquadrar nas regras gerais do programa, o que inclui a inscrição e a submissão aos
critérios do CadÚnico49. Entretanto, se diferenciando do PCS, a equação de financiamento no
MCMV-E não considera o valor financiado, mas a capacidade de pagamento de cada família
diferenciadamente. Isso é possível pela estruturação do programa estar subdividida por faixas
de renda, o que se mostra um critério mais justo. Em melhoria ao PCS, excluiu-se a
necessidade de análise cadastral e consequentemente o despendimento que isso causava às
famílias; entretanto, incluiu-se como regime de construção a Empreitada Global; essa, atribui
às construtoras a responsabilidade de todo o andamento da obra; vale ressaltar que, para
construções verticalizadas, a CEF exige que seja obrigatoriamente em regime de Empreitada
Global, salvo exceções em que a Entidade comprove experiência em gestão de obras desse
porte, porém isso pode se mostrar enquanto uma dificuldade de inserção do regime de
autogestão e administração direta por parte das EO.
49
Instrumento Federal para coleta de dados e informações com o objetivo de identificar todas as famílias de
baixa renda existentes no País. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2010/03/cadunico.
Acesso em 03 out. 2017
48
Nesse contexto, Camargo confere ao MCMV Entidades um modelo de autogestão ao qual
chama "produção autogestionária à brasileira", em que:
50
recorrência de um mesmo tipo sendo inserido em diferentes contextos. Isso pode ser
justificável na lógica de mercado inserida na intenção das construtoras ao se envolverem
nessa produção, entretanto, visto que a lucratividade não movimenta as ações das
organizações populares, existe o questionamento e o levantamento de hipóteses para essa
produção tão semelhante ainda que na esfera das entidades:
Dessa forma, percebe-se que, ainda com instrumentos possíveis para a realização de
uma prática autogestionária na produção da habitação de interesse social, estes encontram
barreiras na estrutura organizacional do programa - fato que se assemelha à programas
anteriores, vide PCS - criam manobras que passam a dificultar as suas ações. Assim, um outro
dado relevante mostra o quantitativo das habitações construídas no âmbito do MCMV-E nos
estados brasileiros comparados ao quantitativo do déficit habitacional desses mesmos estados
apresentados no Gráfico 05. Embora o objetivo do programa não seja vencer o déficit
habitacional, é possível constatar a sua ineficiência, e questionar os destinos que estão sendo
dados à essas unidades habitacionais, uma vez que o número da sua produção é superior ao
quantitativo do déficit.
51
Gráfico 5_ MCMV - Entidades: Percentual do Déficit Habitacional 2010 e Percentual de Unidades
Habitacionais Contratadas por Estado (Janeiro, 2015)
Composto por 384 UH (192 UHs em cada empreendimento) adaptados. As áreas dos
apartamentos são de 56,00m² e 63,00m² para dois e três dormitórios respectivamente e conta
com um centro comunitário em cada empreendimento enquanto edifícios complementares.51
A partir do programa que compõe o empreendimento e das áreas das UH's é possível perceber
50
Todas as informações sobre os processos do projeto estão disponíveis em:
http://habitararquitetas.com.br/producoes-academicas/CONJUNTOS-VERTICALIZADOS-MCMV.pdf Acesso
em: 15 out. 2017
51
CAMARGO, 2016
53
o alto nível com relação a outros conjuntos do MCMV - sem entidade envolvida - e que esse
exemplo não se enquadra na esfera dos empreendimentos de má qualidade citados
anteriormente.
Dessa forma, para mostrar como as soluções projetuais são também consequências dos
arranjos organizacionais, é importante ressaltar a especificidade desse caso em relação ao
"duelo" entre assessoria técnica e construtora. A princípio a Usina CTAH, em 2009, foi
convidada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) para realizar um estudo do
conjunto para o que seria futuramente o empreendimento. Entretanto, o projeto previsto
possuía unidades duplex - solução ainda não viabilizada pelo MCMV -; previsão de áreas
públicas separadamente dos condomínios; estrutura metálica52, característica considerada
pouco convencional por alguns agentes, incluindo a Companhia de Desenvolvimento
Habitacional e Urbano (CDHU) 53- cedente do terreno -.
52
Entretanto, a Usina CTAH possui experiência na utilização desse tipo de estrutura, inclusive, em
empreendimentos com regime de autogestão e mutirão, como é o caso do COPROMO em Osasco (1990-1998) e
Paulo Freire na Cidade Tiradentes (1999-2010).
53
A CDHU é um dos maiores agentes promotores da moradia popular no Brasil e também intervém no
desenvolvimento urbano das cidades, de acordo com as diretrizes da Secretaria da Habitação e atua no Estado de
São Paulo. Disponível em: < http://www.cdhu.sp.gov.br/a_empresa/apresentacao-cdhu.asp> Acesso em: 20 out.
2017
54
projeto apresentado pela CDHU se apresenta ineficiente e a Usina CTAH é novamente
convidada em 2012 para retomar o acompanhamento, agora partindo do projeto da CDHU
que já estava com a aprovação em andamento.
Assim, como fica perceptível na figura 05, o diagnóstico da Usina CTAH encontra problemas
como o reservatório ocupando espaço desnecessário no térreo, área excessiva para circulação,
janelas voltadas para orientação com maior insolação, sala sem ventilação direta e tamanhos
desproporcionais para área de serviço e quartos. Dessa forma, o projeto seguiu com o paralelo
entre a construtora Esecon e Usina CTAH, resultando na divergência dos usos dos espaços.
55
Figura 06_ Propostas de parcelamento do trecho oeste realizadas pela Construtora Esecon e pelo Usina
56
Prefeitura - durante a gestão de Marcelo Candido (2005-2012), do Partido dos Trabalhadores -
que lhes concedeu o direito de uso de dois terrenos nas proximidades dos bairros onde
residiam os trabalhadores; contou com a presença dos arquitetos da assessoria técnica USINA
CTAH, em que foi apresentado a metodologia do trabalho autogestionário que se realizaria.
"Ao final da assembleia as famílias se manifestaram por voto unânime a favor do processo de
autogestão e contrárias à realização por construtoras."54 Dessa forma, o momento de
esclarecimento sobre o processo e o reconhecimento por parte das famílias do compromisso
com esse modelo de gestão se faz imprescindível para o bom funcionamento do projeto
participativo.
Assim, nessa esfera de participação, a assessoria técnica começou a realizar um processo para
a concepção do projeto que se diferencia do exemplo apresentado anteriormente. Foram então
realizadas atividades juntamente às famílias que incluíram o debate de gênero no espaço de
moradia e a problematização das plantas padrão do programa MCMV. Para isso, a Usina, com
uma metodologia didática, utilizou ímãs como representação dos móveis em escala 1:10,
colando-os em uma lousa, para que as famílias em grupo pudessem formular os ambientes a
partir das suas necessidades.55
54
ATA da Assembleia, disponível em: http://taniamaria-5dezembro.blogspot.com.br/2011/06/primeira-
assembleia-autogestao.html Acesso em 16 out. 2017
55
Usina CTAH, Entre o Projeto e o Canteiro, 2016.
57
Figura 07_Processo de concepção participativo com as famílias e assessoria técnica Usina CTAH
Figura 8_Processo de concepção participativo com as famílias e assessoria técnica Usina CTAH
59
Figura 11_ Tipologia 03 Mutirões Tânia Maria e Cinco de Dezembro
60
Figura 12_Perspectiva do Projeto para os Mutirões Tânia Maria e Cinco de Dezembro
Assim como diversas outras cidades brasileiras, Aracaju possui as raízes do seu
desenvolvimento pautadas na segregação socioeconômica; e isso pode ser explicado a partir
do contexto de seu surgimento. Aracaju torna-se oficialmente capital de Sergipe no dia 17 de
março de 1855 e isto acontece devido interesses econômicos em transferir de São Cristóvão -
61
a fim de, responder à política mercantil e capitalista no Brasil daquela época - e, assim,
estabelecer a construção da capital em área que favorecesse o contato de importação e
exportação.
56
LOUREIRO, 1983 apud CARVALHO, 2013
62
criada, enquanto uma sociedade de economia mista57 por resulução do Conselho de
Desenvolvimento Econômico de Sergipe58 (CONDESE). O primeiro conjunto habitacional
construído pela COHAB/SE data de 1968 - Conjunto Castelo Branco I -. Juntamente à
COHAB/SE, estava inserido no programa do SFH, o Instituto de Cooperativas Habitacionais
(INOCOOP); entretanto, ao contrário da COHAB/SE que desempenhava o papel de construir
casas para a população com renda entre 01 a 05 salários mínimos, o INOCOOP era
responsável pela provisão dessas habitações para a população com renda entre 05 a 10
salários e, através de empreiteiras.
Com a valorização do solo a partir dos vazios urbanos ocasionados pelo distanciamento das
implantações dos conjuntos habitacionais populares - citados acima - pode-se começar a
traçar a tendência especulativa imobiliária que continha nas ações das políticas habitacionais.
Fato que contribui para a negação do direito à cidade, intencionalmente, enquanto instrumento
de enriquecimento do setor imobiliário e da construção civil, ressaltando que, isso não seria
possível sem a participação, consciente, também do estado nesse processo, uma vez que, a
implantação da infraestrutura necessária é de sua atribuição.
No ano de 1973 é sancionada a Lei que executa no âmbito estadual o Plano Nacional
de Habitação Popular (PLANHAP).59 Essa lei que previu o alinhamento da política estadual
com a nacional, determinava ações que pudessem alcançar tal objetivo. Eram eles: "elaborar
planos, programas e projetos de acordo com os objetivos do PLANHAP, fiscalizando-os por
meio de suas entidades administrativas diretas e indiretas; integrar o Estado e entidades de
administração direta e indireta no Sistema de Habitação Popular (SIFHAP); instituir o Fundo
Estadual de Habitação Popular (FUNDHAP); “promover a reestruturação da COAHB/SE e
fazê-la ajustar-se permanentemente, às normas de organização de operações baixadas pelo
BNH”. (CARVALHO, 2013). Entretanto, embora tenha estruturado modificações
57
Lei 1917/74 - “Art. 3º - Para os fins desta lei, considera-se: [...] III - Sociedade de Economia Mista - a entidade
dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para exploração de atividade que o Estado
venha a exercer mediante a associação de capitais governamentais e privados, sob a forma de sociedade
anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria ao Estado e a Entidade da Administração
Indireta”
58
Decreto n° 470, de 31 de março de 1959 e atualmente extinto.
59
Lei Nº 1805, De 07 de Novembro De 1973.
63
organizacionais importantes, é válido ressaltar que esta não alcançou os objetivos descritos no
Art. 1º:
Em 1983 novas mudanças organizacionais administrativas virão atingir mais uma vez
a COHAB/SE e sua estrutura. Agora deixaria de ser vinculada à Secretaria da Justiça e da
Ação Social; e passa a ser subordinada à Secretaria de Habitação e Previdência Social
(SEHAP).61 É a primeira secretaria ligada diretamente ao governo do estado, que tratava
especificamente da questão habitacional.
60
Lei Nº 1917, de 18 de Dezembro de 1974.
61
Lei N° 2.410, de 14 de Março De 1983
64
construção dos conjuntos nessas cidades circunvizinhas gerou um amplo processo de
metropolização, o que fortaleceu a segregação sócio-espacial entre o centro e a periferia.
França (1999), aponta que a opção pela casa pré-moldada era uma opção muito
dispendiosa e que não possuía conforto térmico, além de não ter qualidade arquitetônica
assinalando a sua baixa qualidade e pouca durabilidade; dessa forma, afirma que os altos
custos contribuíram para a descapitalização da COHAB-SE e que o mutirão serviu apenas
como propaganda política como uma forma de manutenção do poder na tentativa de
demonstrar agilidade na resolução dos problemas da comunidade usando o trabalhador.
No cerne dessa questão, Francisco de Oliveira (2006), faz uma crítica62 aos regimes de
mutirão aplicados enquanto solução habitacional de forma generalizada. Ele defende que a
industrialização nesse período estava se fazendo sob os recursos da classe trabalhadora, que
autoconstruía a sua habitação e assim, rebaixava o custo de reprodução da força de trabalho.
Ou seja, parte-se do pressuposto que ao autoconstruir em massa, passa-se a haver a
desvalorização do trabalhador assalariado das construções baseando-se na lógica da oferta e
da procura.
Partindo então para o contexto da extinção do BNH (1986), onde as suas funções
foram transferidas para a CEF; a nível estadual e municipal, a COHAB-SE se transformara
em Companhia Estadual de Habitação e Obras públicas - CEHOP63. A partir dessa mudança,
outras funções além da provisão da habitação passam a incorpora-la; assim, enquanto
construtora e fiscalizadora das obras públicas do Governo do Estado, passa a se
responsabilizar pela implantação de escolas, postos de saúde, penitenciária, áreas de lazer, etc.
Assim, entre 1988 e 1998 ocorreu uma diminuição dos investimentos para os
empreendimentos de habitação social. Carvalho (2013) indica que a produção dessa década se
resume a apenas 1.384 unidades habitacionais, por meio do programa federal PRONHAP e do
estadual FICAM, enquanto somente o INOCOOP produziu 1.462 unidades. É importante
acentuar aqui como essa produção é mísera se comparada à dos períodos anteriores e
estabelecer o comparativo em relação à produção da INOCOOP - voltada para a população de
5 a 10 salários mínimos - nessa mesma época, destacando o aumento na produção da
habitação para a população mais abastada e que não correspondia ao déficit habitacional.
63
Lei n° 2.960
66
Entretanto, sobre ações na década de 90 e, de acordo com publicação da SEPLAN
(1995), algumas medidas foram tomadas para conter o déficit habitacional diante da
diminuição dos investimentos do Governo Federal; a Fundação de Desenvolvimento do
Estado de Sergipe (FUNDESE) passou também a produzir essas UH's em regime de mutirão,
com verba do Orçamento Geral do Estado. (TRAMA, 1995 apud CARVALHO, 2013)
Assim, enquanto modo de disfarce para uma "participação popular", Souza (2009)
também aponta para essas casas populares que foram levantadas em sistema de Mutirão,
cedendo o material e utilizando a mão de obra dos futuros moradores como forma de
barateamento do investimento. No entanto, essa situação estabelece um cenário que se
diferencia totalmente das propostas de mutirão que continham a autogestão como
procedimento organizacional do processo, como foi o caso da Gestão Erundina em São Paulo
- explicitado na seção 2. Entretanto é importante ressaltar que, nesse âmbito, os movimentos
populares - a nível nacional - evoluíram o seu discurso por toda problematização acerca dos
mutirões e passaram a levantar a bandeira "por menos mutirão e mais autogestão", 64 por
compreender que a inserção no processo de gestão é muito mais importante e democrática.
É então nesse contexto, em 1998, que Aracaju e Nossa Senhora do Socorro passam a
integrar o Programa Habitar Brasil/BID que tinha o objetivo de promover intervenções em
assentamentos subnormais, através de dois subprogramas: o chamado DI - Desenvolvimento
Institucional de Municípios e o UAS – Urbanização de Assentamentos Subnormais.
64
LOPES, João Marcos, 2006
65
Lei Orgânica do Município- Art 1° - Parágrafo único
67
O DI, tinha por objetivo construir, ampliar ou modernizar a capacidade institucional
dos municípios para a melhoria das condições habitacionais das famílias de baixa renda. E o
UAS, com a finalidade de implantar os projetos integrados de "assentamentos subnormais" a
partir da compreensão da regularização fundiária enquanto instrumento e a implantação de
infraestrutura urbana e de recuperação ambiental nessas áreas, garantindo a participação
popular na concepção e implantação dos projetos.
No ano de 2001, é instituída a Lei Federal 10.257/2001 que cria o Estatuto da Cidade
enquanto instrumento que regulamente o capítulo da política urbana presente na Constituição
Federal de 1988. Esse instrumento visa garantir o papel social da cidade e da propriedade e, a
democratização da política urbana. Embora o Estatuto só tenha sido regulamentado em 2001,
os governos municipais, estimulados pela ideia do fortalecimento da gestão local iniciaram
seus processos antes mesmo da aprovação do instrumento.
Dessa forma, de acordo com diagnóstico do PEMAS, dos mais de 460 mil habitantes
que residia no município (2001), mais de 15% da população viviam em 14.845 domicílios
situados em 52 áreas em condições de subnormalidade. Entretanto, o déficit habitacional do
município, alcançou 23.751 domicílios. Em que, dadas as condições naturais do sítio de
Aracaju, a maioria desses assentamentos estavam situados em locais alagados ou sujeitos à
inundações.
Assim, apesar da situação crítica da maioria das habitações diagnosticadas nas AEIS (
Áreas Especiais de Interesse Social) no Município de Aracaju, o PEMAS aponta para a
insuficiência ou inexistência dos instrumentos municipais de política habitacional e ainda se
68
encontravam fortemente desarticulados. A ausência de um órgão gestor de uma política
habitacional, refletia nos "poucos registros de uma atuação efetiva do município na produção
de unidades habitacionais, ficando restrito à eventuais recuperações de moradias afetadas por
inundações ou fenômenos semelhantes." (PEMAS, 2006: p. 122)
66
Lei Municipal n°4024/2011
70
Outro conjunto habitacional instalado pela PMA foi o conjunto habitacional Vitória da
Resistência , no bairro Lamarão, que substituiu a ocupação da antiga Salina São Marcos;
proposto em 2012 e concluído em março de 2014 ofertou 410 UH's. A PMA passou então a
acompanhar e prestar assistência técnica aos moradores de modo a regular o que pode ou não
ser feito ou modificado nas unidades que foram entregues. (PMA - Diagnóstico de Aracaju,
2015) Dessa forma, buscou-se chegar a resultados que se diferenciem dos citados acima na
experiência do Bairro 17 de Março.
67
Lei Nº 10.188, de 12 de Fevereiro De 2001
71
11 Res. Alto da Boa Vista 266 - 2003
12 Res. Pousada Verde 112 - 2003
Res. Villa Vitória 407 Capucho 2004
13
14 Res. Villa Velha 240 - 2004
15 Res. Morada do Sol 160 - 2004
16 Res. Brisa Mar 496 Z. Expansão 2004
17 Res. Horto Do Carvalho I 238 Z. Expansão 2004
18 Res. Costa Nova I 200 Z. Expansão 2004
19 Res. Costa Nova II 200 Z. Expansão 2004
20 Res. Sen. Gilvan Rocha 176 Farolândia 2004
21 Res. Costa Nova IV 122 Z. Expansão 2005
22 Res. Costa Nova III 122 Z. Expansão 2005
23 Res. Horto do Carvalho II 185 Z. Expansão 2005
24 Res. Águas Belas 180 Z. Expansão 2005
25 Res. Santa Fé 176 Jabotiana 2006
26 Res. Padre Melo I 160 Farolândia 2006
27 Res. Padre Luis Lemper 160 Farolândia 2006
28 Res. Franco Freire I 240 Aeroporto 2006
29 Res. Sergio Vieira de Melo 500 S. Conrado 2006
30 Res. Nova Canaã 144 Lamarão 2006
31 Res. Santa Maria 126 Aeroporto 2006
32 Res. Rio Poxim 160 Jabotiana -
33 Res. Campo Belo 140 - -
34 Res. Franco Freire II 240 Aeroporto 2007
35 Res. Jose Rosa de O. Neto 208 Jabotiana 2008
36 Res. Dr. Armando Domingues 160 Olaria 2008
37 Res. Tennyson Fontes 160 Jabotiana 2007
38 Res.Drº Armando Domingues 160 Olaria -
Total 6.830
Fonte: PMA - Diagnóstico de Aracaju, 2015: p. 6-7
No ano de 2009, o PAR fora substituído pelo Programa Minha Casa Minha Vida -
PMCMV (Lei Federal n°11977/2009), atual programa de atuação nacional. Criado pelo
72
Governo Federal no contexto da crise econômica vivida no ano anterior (2008), aprece
enquanto aparato para impulsionar o país economicamente e, para isso, ampliaria o acesso ao
mercado habitacional para atendimento das famílias com renda de até 10 salário mínimos
(SM).
Dessa forma, desde que foi implantado até o ano de 2013, o MCMV construiu mais de
44 empreendimentos, numa soma de 10.572 UH's. Essa produção corresponde à 62,45% da
produção total em Aracaju; localizando-se majoritariamente nas zonas norte, oeste e sul e em
bairros na Zona de Expansão. Entretanto, apenas 02 empreendimentos foram voltados para a
população de 0 a 03 salários mínimos e, ainda assim, localizados em bairros distantes da
malha urbana consolidada; o que soma 650 moradias, sendo que, 95,7% do déficit
habitacional correspondiam à faixa de renda de 0 a 3 salários mínimos. (PMA - Diagnóstico
de Aracaju, 2015)
À vista disso, segundo o Diagnóstico de Aracaju (PMA, 2015) cerca de 88% do total
dos beneficiários do programa em Aracaju estão inseridos na faixa de 3 a 10 salários mínimos.
Esses dados demonstram a ação arbitraria do programa à nível local, uma vez que o PNH
estabelece a redistribuição dos subsídios investidos na decorrência da possibilidade de
inserção nas políticas de financiamento privada da habitação por parte das camadas de maior
renda, em que estas, passam a ser privilegiadas em detrimento da atuação para a maior parcela
correspondente ao déficit habitacional.
Na esfera das medidas a partir de ações com caráter participativo, no ano de 2010, foi
elaborado o Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS) por intermédio da
participação da população a partir das discussões sobre as questões habitacionais na 3°
Conferência das Cidades e pelo envio de sugestões através site da PMA.
No ano de 2013, foi iniciada a construção de 580 moradias no bairro Porto D’Antas,
em área cedida Gerência Regional do Patrimônio da União - GRPU. Construído com recurso
Federal através do Programa Pró-Moradia69. As moradias foram destinadas às famílias de
baixa renda que viviam em condições precárias, às margens de mangues (área de preservação
permanente pela Legislação Federal e de interesse ambiental pelo Plano Diretor), às margens
da Avenida Euclides Figueiredo, no entorno do Conjunto Porto D’Antas.
Figura 13_ Ocupação irregular em área de interesse ambiental no bairro Porto D'antas
68
PMA- Plano Local de Habitação de Interesse Social, 2011
69
Programa do Governo Federal para famílias de baixa renda, o qual utiliza recurso do FTGS e contrapartida so
solicitante para oferecer financiamento a Estados, Municípios, Distrito Federal e empresas públicas não
dependentes atendam famílias com renda mensal de até R$ 1.395,00.
74
recuperação ambiental de áreas degradadas como o manguezal dos bairros Coroa do Meio e
no Santa Maria, com o plantio de árvores no Morro do Avião.
Entretanto, essa produção de iniciativa do Poder Público, é ínfima se comparada à
produção habitacional de programas destinados à iniciativa privada, a exemplo do PAR, no
qual de 2001 a 2008, totalizam-se 6.850 unidades habitacionais em sete anos, ou seja,
corresponde a um número ainda maior do que o produzido pelo Estado e Município, durante
catorze anos.
Tabela 6_Projetos Habitacionais Aracaju 2000-2014
75
Figura 14_ Projetos Habitacionais Aracaju 2000-2014
76
Tabela 7_ Programa de Arrendamento Residencial – PAR Empreendimentos e Unidades Habitacionais 2001-
2008
77
Concluído 5.698
FDS Em 1.525 3.004
Execução
Habitação de Concluído 1.479
Interesse Paralisado 1 Empreendimento 15.431
Social Em 2.532 12.427
PNHR Execução
Concluído 9.895
Paralisado 7 Empreendimentos
Elaboração da autora. Fonte: CAIXA, 2017
A pouca produção para as operações de habitação de interesse social, são marcadas
pela dificuldade do acesso à terra urbanizada, barata e que viabilize a produção, visto a
grande demanda de terra para outras faixas. Assim, as famílias que possuem a renda de 3 a 10
salários mínimos, encontram uma maior oferta de moradias, porque a sua construção e venda
é mais favorável ao mercado imobiliário.
Tabela 9_ Aracaju - Distribuição das Unidades Habitacionais e Déficit Habitacional 2009 a 2014
Até 3 % De 3 a 10 % Total
SM SM
Déficit Habitacional (2010) 19.955 95,70 896 4,30 20.851
Número de Unidades Projetos 6.704 100 0 0 6.704
Habitacionais PAR 0 0 6.850 100 6.850
MCMV 1.262 12,64 8.724 87,36 9.986
Total 7.966 33,84 15.574 66,16 23.540
Fonte: FRANÇA, 2016: p. 178
Assim, diante dos dados apresentados, embora os programas carreguem o discurso da
redução do déficit habitacional, o que se constata, é o inverso. As famílias que possuem renda
de até 3 salários mínimos, correspondem à 95,7% do déficit, não são alvo central dos
programas de moradia e isso é decorrente dos diversos arranjos que compõe a produção da
habitação. Ou seja, a produção da habitação será resultado da relação entre os seus agentes
produtores, onde, deve ser levado em consideração o que pleiteiam os movimentos sociais e
os resultados obtidos a partir das suas demandas. Dessa forma, o subcapítulo seguinte,
78
abordará os agentes produtores dessa habitação e as consequências obtidas na inversão das
prioridades.
Corrêa (2011), considera a produção do espaço como decorrente da ação dos agentes
sociais, com papeis não totalmente definidos, portadores de interesses, contradições e práticas
que podem partir de um objetivo comum ou individual. Dessa forma, o seu produto estará
sempre subordinado aos interesses de quem o produz.
Os proprietários fundiários, irão se interessar pelo uso mais rentável possível, uma vez
que a terra é mercadoria no espaço urbano. Logo, suas ações são interseccionais às
intervenções governamentais, uma vez que este tem a atribuição de garantir infraestrutura a
partir de investimentos públicos, o que consequentemente, irá valorizar o valor da sua terra, o
que dará margem para a especulação imobiliária. 70
Dentro desses proprietários fundiários, estão aqueles que também atuam diretamente
na produção da moradia, promovendo-a; ou seja, as construtoras e incorporadoras
imobiliárias. São elas que, geralmente, produzem habitação para o segmento social mais
70
" (…) uma forma pela qual os proprietários de terra recebem uma renda transferida dos outros setores
produtivos da economia, especialmente através de investimentos públicos na infraestrutura e serviços urbanos
(…)" Ou seja, a partir desses investimentos, e o consequente aumento do valor de troca da terra, o proprietário
aproveita-se e muitas vezes, estoca terras, com a intenção dessa valorização futura.
79
favorecido e que possui capacidade financeira de compra. Para esses investidores, a
construção dos imóveis para a baixa renda, somente será interessante, quando o Estado, tornar
viável através de políticas habitacionais (França, 2011). Para isso, tem-se as experiências
explicitadas na seção dois, vide COHAB's, PAR e MCMV.
71
Prefeitura Municipal de Aracaju, PLHIS, 2011.
80
Energia Elétrica – ENERGISA e de água e esgoto DESO, as quais também contribuem na
esfera pública para o setor de habitação de interesse social.
A ação local dos proprietários fundiários, dificulta a destinação da terra para habitação
de interesse social, porque estes detêm a propriedade de grande parte das terras não ocupadas
do município - que estariam disponíveis para habitação -. Dessa forma, eles detém o controle
sobre a ocupação dessas áreas, e acaba dificultando a sua destinação para a habitação de
interesse social, a partir dos altos custos praticados no mercado, o que resulta em práticas
especulativas. 72
Na cidade de Aracaju, os arranjos são dependentes da relação entre esses, que muitas
vezes giram em torno da produção e reprodução do capital. Com isso e, voltando-se para as
funções e deveres dos Poderes Públicos Municipais, é possível notar uma abstenção no que
diz respeito à produção da habitação social e isso é confirmado a partir da vagarosidade na
qual foram efetivados programas habitacionais de interesse social. (Tabela 9)
As ações voltadas para a questão da moradia, ficam restritas às diretrizes retiradas dos
diagnósticos municipais realizados: PEMAS (2006) e PLHIS (2011). Assim, as produções de
habitação de interesse social, são reservadas para os Programas Federais, com escassez de
programas no âmbito municipal.
Entretanto, neste momento existe um planejamento interno para ações conjuntas entre
a SEPLOG, EMURB e a Secretaria Municipal da Assistência Social (SEMASC) para
reformular a política habitacional do município e tem previsão para revisão do PLHIS até
agosto de 2018.73
Logo, mesmo que a produção através dos programas federais, tenham tido um
significado relativo na esfera quantitativa, o modo como ele acontece a partir da priorização
dos agentes imobiliários e a falta de utilização de recursos que os viabilizem em localidades
melhores e que garantam a sua boa inserção urbana, dificulta o acesso à cidade por parte
72
Idem;
73
Segundo Mariana Albuquerque, funcionária da SEPLOG, em entrevista realizada no dia 14 nov. 2017.
81
dessas camadas e continua a instituir a cidade segregada, mantendo-se a lógica de
funcionamento de programas anteriores como as COHAB's.
74
"O Conselho Municipal de Habitação é um canal institucionalizado de participação da população na gestão
habitacional da cidade. Sua finalidade é discutir e deliberar a respeito da política habitacional, além de
acompanhar e fiscalizar os programas a serem implementados e os recursos a eles destinados." (PMA, PLHIS,
2011: p.63)
82
Tabela 10_ Composição Do Conselho Municipal De Habitação Em Aracaju
Ainda assim, existe uma renúnicia por parte do Poder Público Municipal, das
demandas das classes mais baixas, uma vez que ele enquanto agente produtor de condições
para atuação de outros agentes e responsável pela aplicação das regulamentações urbanísticas
para uso e produção do espaço, estabelece critérios que não correspondem às necessidades das
camadas mais baixas - estas que compõe o déficit habitacional.
83
arrecadação, o projeto fora aprovado pelo Legislativo e os terrenos postos em leilão. O
Movimento Organizado dos Trabalhadores Urbanos (MOTU), realizou uma plenária com a
presença de vereadores para discutir a venda dos terrenos.75
75
Disponível em: < http://www.cmaju.se.gov.br/2016-04-11-19-21-08/2016-04-11-19-32-22/noticias/10097-
somente-quem-ve-a-mao-de-deus-em-todas-as-coisas-pode-colocar-todas-as-coisas-em-suas-maos-tenha-um-sp-
9050> Acesso em: 17 out. 2017
84
4. ESTUDO DO CONDOMÍNIO GETÚLIO ALVES BARBOSA NO ÂMBITO DO
MCMV-ENTIDADES
76
Ver Figura 16, p. TAL
77
A Entidade Organizadora pode ser uma cooperativa habitacional ou mista, associação ou entidade sem fins
lucrativos e tem a responsabilidade de reunir, organizar, e apoiar as famílias no desenvolvimento e execução dos
projetos habitacionais. (Caixa Econômica Federal - Manual de Implementação MCMV-E Disponível em:
https://www.caixa.gov.br/Downloads/habitacao-minha-casa-minha-vida/MANUAL_MCMV_ENTIDADES.pdf
Acesso em: 02 out. 2017)
78
O movimento ajudou na conquista da implantação de sistema de distribuição de água e energia para o
Loteamento e na abertura de vias de acesso. (Jussara Barbosa - coordenadora da SSMS, em entrevista realizada
no dia 07 nov. 2017)
79
O nome foi alterado porque nesse momento o movimento já fomentava a discussão da questão da moradia em
outros municípios: Lagarto, Salgado, Estância, Laranjeiras e Canindé do São Francisco. (Jussara Barbosa -
coordenadora da SSMS, em entrevista realizada no dia 07 nov. 2017)
85
proposta do projeto para o Condomínio Getúlio Alves Barbosa. Assim, a divulgação para
cadastramento e filiação das famílias com a Entidade, aconteceu boca a boca e através de
publicação no Jornal Cinform em março de 2012. Dessa forma, iniciaram-se as primeiras
assembleias com as famílias cadastradas para apresentação da ideia do projeto e para
explicitar o modelo autogestionário que seria praticado.
A proposta foi enviada à Caixa Econômica Federal em Julho de 2012, entretanto foi
contratado somente na segunda fase do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV II) em
Setembro de 2014 e o seu regime de construção é misto, ou seja, parte da mão de obra é
assalariada e contratada pela própria Associação e a outra parte é dada a partir de mutirão
realizado com as famílias beneficiárias aos finais de semana.
As principais origens da população beneficiária se dão pelos bairros Santa Maria, São
Conrado, Bugio, Coroa do Meio e Augusto Franco, em que residem majoritariamente em
condições precárias de moradia, casas cedidas e de aluguel; as suas rendas variam de 0 a 3
salários mínimos, entretanto, sua média equivale a 1 salário mínimo vigente. Assim, 57% da
população se referem à mulheres chefes de família, 7% à pessoas idosas e 3% com alguma
necessidade especial.
80
Os arranjos compreendidos nos processos autogestionários são compostos pelas diferentes relações entre seus
agentes, ou seja, as interações entre Estado versus Agente Financiador (CEF) versus Entidade Organizadora
(EO) versus Assistência Técnica e Social versus famílias beneficiárias.
87
terreno, concepção dos projetos arquitetônicos e urbanísticos, as relações no canteiro de obras
pela mão de obra assalariada e pelos mutirantes, assim como a atuação das assistências
técnica e social e a percepção das famílias beneficiárias sobre a sua presença neste modelo de
gestão.
Assim, a análise se baseou nas visitas de campo feitas ao canteiro de obras, à sede da
Entidade Organizadora; assim como, na análise dos dados coletados com a EO, com a Caixa
Econômica Federal (CEF) e, em entrevistas realizadas em campo e divididas em quatro
grupos de atuação. O primeiro, que se refere à Entidade Organizadora do projeto; o segundo,
às Famílias Beneficiárias do programa; o terceiro, à Assistência Técnica e Social envolvida; e
o quarto, a funcionários da Caixa Econômica Federal que acompanham o processo de
execução do empreendimento; para isso, os integrantes entrevistados das famílias
beneficiárias são identificados por letras a fim de preservar a sua identidade.
O método utilizado para o estudo de caso se baseia na sua análise a partir de três eixos
norteadores: o Acesso à Terra, que investigará os processos e estratégias para obtenção do
terreno dentro dos moldes do programa por parte da Entidade Organizadora (EO) e, o
envolvimento das famílias nessa etapa; Aspectos Produtivos, que fará a relação entre o
projeto e a obra a partir da qualidade arquitetônica e urbanística, da relação do mutirão com o
canteiro de obras, a atuação da Comissão de Acompanhamento de Obras (CAO) e da
Comissão de Representantes (CRE) e a relação entre Entidade Organizadora (EO) e a mão de
obra assalariada, assim como a atuação das assessorias técnica e social a partir da sua relação
com as famílias beneficiárias e com a Entidade Organizadora e a atuação do Trabalho Técnico
Social (TTS); a Autogestão, enquanto prática resultante da estrutura organizacional da
atuação da Associação para o acompanhamento e gestão da obra a partir do processo de
inclusão das famílias, o seu credenciamento, a mobilização política, espaços de formação, a
atuação da Comissão de Representantes (CRE) e, a administração financeira do
empreendimento. Dessa forma, os eixos norteadores para a análise foram divididos nas
subseções que se seguem como uma melhor forma de compreensão para o objeto estudado.
88
4.1 O ACESSO À TERRA
A busca pelo terreno foi feita pela Entidade de forma autônoma, sem ajuda de
corretores imobiliários e se iniciou juntamente à busca pelas famílias para integrar o projeto,
logo, estas não participaram do processo da busca e escolha do terreno. A primeira
dificuldade para acessar a terra se deu pela burocratização do processo de cadastro da
Entidade com o Ministério das Cidades que exigia Entidade registrada com CNPJ ativo há no
mínimo três anos e sem dívidas diante a Receita Federal.
Dessa forma, o grupo que compunha o que hoje é a Entidade (Sociedade Sergipana
Monte Sião) inicialmente atuava somente enquanto movimento social de base nas ocupações,
e em seguida resgatou a Associação Monte Sião81 a fim de legitimar a sua atuação na luta pela
moradia. Para isso, a Entidade necessitou prover de um alto investimento para quitar as
dívidas da antiga associação e instituí-la agora enquanto Sociedade Sergipana Monte Sião,
apta a se cadastrar no Ministério das Cidades.
81
Explicitado na seção anterior, p. 81
89
Figura 16_ Rendimento médio familiar por Bairro
Fonte: Adaptado de Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano De Aracaju – Diagnóstico Municipal, 2015
90
visualização da rua, o que ocasionam o seu isolamento em relação a ela e a escassez de
pessoas transitando, o que gera uma sensação de insegurança. 82
82
"(...) devem existir olhos para a rua, os olhos daqueles que podemos chamar de proprietários naturais da rua.
Os edifícios de uma rua preparada para receber estranhos e garantir a segurança tanto deles quanto dos
moradores devem estar voltados para a rua. (...) a calçada deve ter usuários transitando ininterruptamente, tanto
para aumentar na rua o número de olhos atentos quanto para induzir um número suficiente de pessoas de dentro
dos edifícios da rua a observar as calçadas." (JACOB, Janes. Morte e Vida de Grandes Cidades, ANO: p. 35-36)
91
Figura 18_Rua sem pedestres no trajeto do ponto de ônibus mais próximo até o empreendimento
Atualmente, existem nove linhas de ônibus que integram o Bairro Santa Maria às
demais localidades da cidade; ainda assim, somente três linhas chegam até o ponto mais
próximo do empreendimento e o tempo de espera entre um ônibus e outro, dura em torno de
40 minutos, além de que o ponto de ônibus não possui sinalização e infraestrutura adequada,
ficando resumida a um banco de madeira produzido pelos próprios moradores, mas que
encontra-se em mau estado de conservação.
92
Figura 20_ Localização do Condomínio Getúlio Alves Barbosa
Figura 21_ Famílias após o mutirão no ponto de ônibus mais próximo ao empreendimento
93
sua localidade83 -, e segunda, a então proprietária aceitou a condição de pagamento por meio
do parcelamento.
Dessa forma, o valor do terreno que custou R$350.000,00 (trezentos e cinquenta mil
reais), foi dividido pela quantidade de unidades habitacionais - no caso, 280 - e, dividido em
18 parcelas fixas. Assim, cada família aracaria com R$1.250,00 (mil duzendos e cinquenta
reais) para a compra do terreno e cada parcela ficaria aproximadamente em torno de R$70,00
(setenta reais).
Logo, embora o MCMV-E seja destinado à famílias com renda de até três salários
mínimos, a maioria das famílias beneficiárias do projeto não constiutem essa realidade de
renda máxima, em que a média de renda dos beneficiários equivale à um salário mínimo.84 Ou
seja, ainda dentro de um programa voltado para a produção da habitação de interesse social, o
acesso à moradia ainda está muito ligado ao valor comercial do uso da terra, em que, quem
não consegue se inserir na sua lógica financeira, não se encaixa nos moldes do programa.
83
Conforme mostram as Figuras 14 e 15
84
Informação contida no levantamento feito no Projeto do Trabalho Técnico Social.
94
famílias que se inserem na realidade do défict habitacional brasileiro; o que tornava injusta a
disputa pelos espaços no MCMV-E, em que, o acesso à terra se dava enquanto uma primeira
dificuldade a ser enfrentada pelas famílias e Associação para dar os passos iniciais que
viabilizassem estudos para o projeto arquitetônico e urbanístico para garantir o
empreendimento do projeto.
Entretanto, aqui é preciso ressaltar que ainda com o instrumento da CA, as localidades
para os projetos se inserem na lógica de mercado e, como acontece com o caso do
Condomínio Getúlio Alves Barbosa, estes acabam por se inserir em locais distantes da área
central da cidade em um contexto com escassez de infraestrutura e empregos, o que faz com
que os beneficiários continuem tendo que se deslocar por longas distâncias para trabalhar, o
que reforça a segregação socioespacial na cidade.
Dessa forma, além dos instrumentos viabilizados pelo Porgrama Federal (MCMV-E),
a questão do acesso à terra está subordinado aos Poderes Municipais, uma vez que, os
recursos contidos no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano são trabalhadas para garantir
o acesso á moradia e a função social da propriedade urbana.
85
Prefeitura Municipal de Aracaju, Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Aracaju, 2000
95
Figura 22_ Recorte do Macrozoneamento PDDU - Aracaju
96
Figura 23_ Comércio local na rua do empreendimento
97
Figura 25_ Entorno do empreendimento
Fonte: PMA, Áreas de Diretrizes, PDDU, 2000 - Edição feita pela autora.
98
Com isso constata-se que se a AEIS tivesse sido extendida e, logo, compreendesse o
terreno em que localiza-se hoje o Condomínio Getúlio Alves Barbosa, a Entidade juntamente
às famílias, teriam instrumentos legais que viabilizariam o empreendimento sem as
dificuldades que envolveram o acesso à terra e o trabalho da assessoria técnica - melhor
abordado no subcapítulo 4.2, -. Para isso, destaca-se os artigos seguintes que compõe o
PDDU:
Art. 140 - Constitui objetivo das Áreas Especiais de Interesse Social - AEIS, o
aumento da oferta e disponibilidade de utilização do solo urbano, para
habitação social, dentro do território do município.
Art. 144 - O Executivo Municipal deverá, elaborar Plano de Urbanização para cada
AEIS, que definirá:
Ou seja, mesmo sendo uma área ainda não edificada e não utilizada, ela poderia ter
sido compreendida enquando Área de Especial de Interesse Social e, assim, instrumentos
previstos no Estatuto da Cidade (EC), poderia ter sido utilizado para conceder o uso da terra
para o fim da habitação social, logo, a Entidade poderia requerer o apoio do Executivo
Municipal para a concessão da terra - desonderando-os no processo de compra do terreno -,
em que, tratando-se do modelo autogestionário, esta deveria prover de assistência técnica, o
que isentaria a Entidade e as famílias dessa despesa, garantindo assim uma melhor
fiscalização e a prevenção de problemas técnicos; na qual, a Lei de Assistência Técnica87,
reforça o compromisso que o estado tem com as populações de baixa renda.
86
Todos os grifos feitos pela autora.
87
Lei Nº 11.888, de 24 de Dezembro de 2008.
99
interesse do Poder Público em garantir a sua aplicação e isso pode ser dado a apartir do seu
monitoramento e fiscalização por parte da população.
Para analisar os aspectos produtivos do Condomínio Getúlio Alves Barbosa, estes irão
corresponder às características do espaço projetado e construído abarcando o processo da sua
concepção, a relação do mutirão e da mão de obra no canteiro de obras e o seu produto a
partir também da influência da atuação das assessorias técnica e social.
100
falta de recurso para investir em um profissional com qualidade no acervo técnico. Dessa
forma, os projetos iniciais foram desenvolvidos na época (2011-2012) por um estudante de
engenharia e somente revisado e assinado posteriormente por um engenheiro que viria a ser
responsável inicial pelos projetos.
O projeto foi entregue à Caixa Econômica Federal (CEF) em julho de 2012 e assinado
somente em agosto de 2014, recebendo logo em seguida (outubro) a primeira parcela
correspondente ao financiamento. Entretanto, a segunda parcela que só saíra em maio do ano
seguinte (2015) não foi liberada em sua totalidade porque foi reconhecido pela CEF
problemas técnicos já no início das obras, o que começou a acarretar atrasos para o
andamento do projeto.
Nesse contexto, a mão de obra passou a evitar o trabalho no canteiro de obras, gerando
ainda mais atraso nas atividades e a dificuldade de relação com a Entidade Organizadora.
Assim, a CEF ao se colocar para fazer as medições de acompanhamento, chamadas medições
de PLS (Planilhas de Levantamento de Serviço)88, constatavam o atraso e acarretava em um
novo atraso para a liberação da verba.
88
"Documento assinado pelo responsável técnico pela execução da obra destinado a identificar os serviços
executados no período, quantidade realizada e a exata localização no empreendimento, apresentada para cada
medição de obra." (Caixa Econômica Federal, CADERNO DE ORIENTAÇÕES TÉCNICAS –
ACOMPANHAMENTO DE obras - FAR E MERCADO. Disponível em:
101
A liberação da verba por parte da CEF acontece por partes; elas correspondem à partes
de 8% do valor do financiamento. No início de cada mês é liberado 4% desse valor e somente
após a medição e comprovação dos serviçoes executados correspondentes à esses 4%, são
liberados mais 4% para finalização da etapa prevista. Essas planilhas são de responsabilidade
do técnico responsável pela obra, cabendo à CEF somente fiscalizar se o que foi produzido
corresponde ao que foi previsto.
<http://www.caixa.gov.br/Downloads/credenciamento-terceiros-
engenharia/COT_Acomp_eQualObraFAReMercado_FEV2015.pdf> Acesso em: 15 nov. 2017
102
todo os agentes externos à construtora, subcontratados, há maior certeza de se
alcançar qualidade e produtividade superior. (Noia, 2017: p. 176)
Dessa forma, poderia ter havido uma parceria da Entidade com uma construtora,
entretanto, isso não aconteceu visando um melhor produto das unidades habitacionais uma
vez que ela incorporaria um lucro para a execução das atividades, o que não acontece no caso
da Entidade; contudo, foi desconsiderado as problemáticas que poderiam haver durante o
processo, dando credibilidade ao responsável técnico contratado.
103
pela falta de programas, leis e incentivos governamentais direcionados à aplicação de uma
assistência técnica, na qual é reforçada a sua participação pela Lei de Assitência Técnica.89
89
Lei Nº 11.888, de 24 de Dezembro de 2008. A lei assegura o direito das famílias de baixa renda à assistência
técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social, a qual deve ser
promovida mediante o apoio financeiro da União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para a
execução de serviços.
104
Figura 27_Projeto Arquitetônico Condomínio Getúlio Alves Barbosa - Tipologia 01
A CEF dentro das instruções para elaboração do projeto, previa área útil mínima e
37m² no período em que foi contratado o emprendimento (MCMV II), embora hoje já na sua
terceira fase (MCMV III), este se estabeleça em 39m²90.Contudo, ainda que dada enquanto
dimensões mínimas, este é o padrão reproduzido na maioria das unidades habitacionais do
programa.91
90
Portaria nº 269, de 22 de março de 2017
91
"Boa parte dos empreendimentos MCMV são executados com áreas exíguas, próximas às especificações
mínimas ditadas pela Caixa, mesmo em casos de gestão pela modalidade entidades." KOKUDAI, S et. al, 2016:
p. 59)
105
Figura 28_Projeto Arquitetônico Condomínio Getúlio Alves Barbosa - Tipologia 02
Visto isso e de acordo com as plantas baixas das tipologias apresentadas, constata-se
que estas fogem da metragem convencional que perdura nos projetos concebidos na esfera do
programa e da qualidade na concepção dos espaços se comparadas às produções do Minha
Casa Minha Vida - Entidades feitos por empreitada global. A garantia dessa qualidade deve
ser atribuída ao modelo autogestionário que, ao excluir o lucro que haveria no caso da
mediação de uma construtora, consegue revertê-lo em um programa mais acessível.
Entretanto, com a ausência de croquis que possam explicar a evolução das ideias pra a
concepção do projeto arquitetônico, não é possível identificar os caminhos que foram traçados
a partir da colocação da opinião dos beneficiários nesse processo. As tipologias foram
apresentadas às famílias pela equipe técnica nas assembleias, e a partir dos pedidos para
aumento da dimensão dos cômodos, a equipe foi reajustando e apresentando novamente até
chegar a essa tipologia apresentada nas Figuras 27 e 28. Ainda assim, a partir das dimensões
106
dos cômodos, e por se tratarem de tipologias adaptáveis - prevê circulação para portadores de
92
necessidades -, os espaço de circulação entre o layout previsto, são satisfatórios, assim
como, os espaços para ventilação e iluminação dos cômodos atendem às normas estabelecidas
no Código de Obras Municipal.93
O espaço reservado para a varanda anexa à sala de jantar, é visto como um ponto
positivo, uma vez que não é frequente a inclusão desses espaços em tipologias apresentadas
ao Minha Casa Minha Vida - Faixa 1, que por se tratar da camada mais baixa, tem os seus
programas enxutos ao mínimo possível como forma de garantia do retorno necessário quando
produzido por construtoras; ou seja, uma das vantagem de se trabalhar no Minha Casa Minha
Vida - Entidades, através da autogestão, possibilita às tipologias uma maior liberdade para
ampliação do programa de necessidades, garantindo uma vivência mais confortável aos
futuros beneficiários.
92
De acordo com a NBR9050
93
Lei Nº 13 de 03/06/1966
107
Figura 30_ Cozinha em fase de obra - Tipologia 02
108
Figura 31_ Quarto 02 em fase de obra - Tipologia 02
109
O projeto urbanístico de implantação prevê, para além da construção dos cinco blocos
de unidades habitacionais, espaço para estacionamento, uma quadra poliesportiva, parque
infantil, guarita, depósito de lixo, espaços de convivência nas zonas entre os blocos e um
Centro Social que inclui salão de festas, brinquedoteca e uma sala de vídeo e jogos. Além da
doação de 1000m² para utilização da Entidade Organizadora com a implantação de um Centro
Comercial para alugueis de lojas como forma de gerar recursos para que a Entidade possa se
manter em funcionamento. A prioridade de aluguel desses espaços será dada às famílias
beneficiárias através do aluguel social. A construção desse último equipamentos (Centro
Comercial), não tem previsão de implantação pois ainda acontecerá a busca pelo recurso, uma
vez que não entra no valor de subsídio oferecido pela Caixa Econômica Federal.
Figura 33_Implantação
94
Fonte: Elaboração da autora
94
Elaborado a partir das maquetes e plantas baixas fornecidas pela Sociedade Sergipana Monte Sião.
110
Figura 34_Maquete Eletrônica - Equipamentos de Implantação
111
Condomínio Residencial, favorecerá a vitalidade das calçadas na rua do empreendimento,
porque atrairá um público, hoje, escasso nessa rua. (Figura 24)
112
As atividades desenvolvidas pelo mutirão são realizadas aos finais de semana e ficam
restritas à limpeza do canteiro de obras e movimentação de materiais. Elas são previstas para
acontecerem semanalmente, oito horas diárias no sábado ou oito horas diárias no domingo,
ficando a critério das famílias a escolha do dia. Durante os dias de atividades, eles tentam
fazer o revezamento entre quem limpa, transporta materiais, faz parte da comissão de crianças
- cuidando das crianças das demais mães mutirantes - ou faz o trabalho de assistência levando
água aos mutirantes durante o trabalho.
113
Figura 38_Famílias em mutirão na obra
Ainda que essa parcela de funcionários possa corresponder à uma quantidade ínfima,
vale ressaltar a importância contida nessas ações, as quais, não seria praticada caso a obra
estivesse sendo executada a partir de empreitada global e mediação com uma construtora;
uma vez que ela já possui a sua mão de obra, em que, muitas vezes terceirizadas. Ou seja, isso
confere um ponto positivo na relação que o novo empreendimento estabelece com a
localidade e sua população.
Assim, foi posta uma nova assistente social para dar continuidade ao trabalho;
entretanto ela não se identificava com o modelo autogestionário; e o trabalho que era
desenvolvido na prática com as famílias passou a ser dificultado. A assistente social passou a
desestimular as famílias e a se recusar a fazer a discussão da autogestão nas instâncias da
obra. Isso demonstra a dificuldade de acesso à profissionais que entendam a autogestão e
aceitem trabalhar com essa prática.
'Isso é coisa de movimento que quer ser do contra. Não existe isso, quem já viu, família
construir?' Eu tive um trabalho de mais de três anos discutindo com as famílias, mostrando
pra elas que elas iriam participar do projeto e, infelizmente, o social que nós contratamos,
desestimulou as famílias com esse discurso. Quando se reuniu aqui com as famílias foi
colocando que isso não existe, não. Dizendo que a parte delas do social é só fazer os cursos.
Então a questão da autogestão que eles tinham que tá levando, eles não trouxeram. Justamente
porque nós temos deficiência no Estado de pessoas que querem trabalhar dessa forma."
(Jussara Barbosa - Coordenadora da Entidade, em entrevista concedida em 7 nov. 2017)
116
A atuação do Trabalho Social durante as etapas prevê ações diversas de inclusão e
mobilização das famílias nos processos que envolvem o desenvolvimento do projeto, além de
promover atividades de capacitação e requalificação profissional como forma de encaminhá-
los ao mercado do trabalho.
Assim, dentro das atividades que vem sendo desenvolvidas no âmbito do Trabalho
Social executado pela Entidade, estiveram assembleias e palestras de instrução ás famílias ao
que estava sendo desenvolvido; estímulo à participação das famílias nos momentos
deliberativos, como exemplo as assembleias para apresentação dos projetos; palestra sobre
gestão condominial de modo a familiarizá-los nessa nova forma de organização na qual irão
se inserir; e cursos foram ofertados como a exemplo curso de pintura predial, culinária,
padeiro, corte e costura, artesanato, encanador, eletricista e está previsto o curso de rejunte de
pisos; este para prepará-los para essa etapa na obra, a qual será realizada pelos beneficiários
em mutirão.
117
4.3 AUTOGESTÃO
Na esfera do Programa Minha Casa Minha Vida - Entidades, para garantir o devido
acompanhamento e a avaliação da execução do projeto, exige-se a formação de duas
comissões. A Comissão de Representantes (CRE) e a Comissão de Acompanhamento de
Obras (CAO). Ambas devem ser compostas por, no mínimo, três participantes, dos quais um
necessita ser membro da Entidade Organizadora (EO) e dois, são futuros beneficiários do
empreendimento, em que, os membros não devem se repetir nas duas comissões. 95
95
Caixa Econômica Federal - Manual de Implementação MCMV-E Disponível em:
https://www.caixa.gov.br/Downloads/habitacao-minha-casa-minha-vida/MANUAL_MCMV_ENTIDADES.pdf
Acesso em: 02 out. 2017
118
Entretanto, para que a autogestão aconteça, dependerá de questões que irão além do
acompanhamento do projeto e obra, porque ela se configurará a partir dos arranjos
organizacionais do grupo e da sua compreensão de pertencimento sobre o projeto, bem como
a consciência política da sua participação nele; logo, essa é a margem que existe para a
interpretação de uma prática autogestionária em diversos níveis, em que, nenhum deverá ser
desconsiderado, uma vez que, os diferentes contextos sociais e políticos em que são aplicados,
diferenciará o seu molde nesses aspectos.
Dessa forma, existirão pormenores para garantir a consciência política da sua atuação
e a noção de pertencimento dentro do grupo; em que, serão considerados a sua mobilização
política, espaços de formação e outras comissões que se façam necessárias durante o projeto
de modo a contextualiza-los nessa esfera. Ou seja, ao tratar-se da organização de um grupo de
pessoas com diversas origens, pensamentos e ideologias, será necessária uma formação de
base que possa conscientiza-los do seu direito de atuação dentro das políticas que a autogestão
busca fomentar enquanto processo emancipatório.96
Partindo então do processo de seleção das famílias que começou no ano de 2011 a
partir da divulgação pelo Jornal Cinform e boca a boca, as pessoas passaram a ter
conhecimento do projeto. Assim, aos poucos as pessoas começaram a se dirigir à sede da EO;
em que, no momento do credenciamento era verificado os documentos comprobatórios de
renda, assim como a verificação se a família já continha Cadastro Único97 e caso contrário, a
orientação para o cadastro. No momento do cadastro, as famílias passaram a ser associadas à
Sociedade Sergipana Monte Sião, o que acarretou um pagamento mensal à Entidade como
forma de manutenção dos seus gastos, uma vez que ela se instituí enquanto entidade sem fins
lucrativos.
A fim de atrair a atenção das famílias para o cadastro, a Entidade divulgou os cursos
previstos para serem realizados durante as etapas do projeto. Os cursos oferecidos eram
variados: pintura predial, culinária, padeiro, corte e costura, artesanato, entre outros. Com
isso, a ideia de ministrar esses cursos para as famílias, partia da ideia do aprendizado de uma
nova atividade que pudesse servir como base para oportunidades de trabalho no futuro; além
96
É o que afirma FÁTIMA, (2011), ao analisar as diferentes percepções que observam a prática autogestionária,
em que, a autogestão enquanto ferramenta de transformação social emancipatória se constitui a partir da
realidade dos grupos organizados.
97
Instrumento de coleta de dados e informações com o objetivo de identificar todas as famílias de baixa renda
existentes no país. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2010/03/cadunico Acesso em:
06 nov. 2017
119
de que, o curso de rejunte de cerâmicas, foi estimado com o fim de treinamento para que as
famílias pudessem atuar no mutirão realizado no andamento da obra.
O primeiro contato com parte do conceito da "autogestão" por parte das famílias, se
deu no momento da filiação à Entidade, em que foi explicitado o modelo de gestão no qual
estavam se inserindo.98 Entretanto, somente ao longo das assembleias, as famílias que até hoje
se mantém no projeto, foram ganhando confiança e passaram a entender esse novo modelo de
funcionamento que se diferencia do já conhecido Minha Casa Minha Vida destinado às
construtoras.
Foi uma amiga que me apresentou, me falou como era e perguntou se eu acreditava.
Eu falei que ia ver. Aí quando chegou a reunião que teve a palestra e a explicação
tudo direitinho e que Jussara explicou tudo; a gente acreditou e tá no projeto.
(Beneficiária A, em entrevista realizada no dia 04 nov. 2017)
Desse modo, a CRE faz o acompanhamento dessas ações dentro das reuniões
convocadas pela Entidade Organizadora juntamente às outras famílias beneficiárias e atua
enquanto representantes nas reuniões convocadas pela Caixa Econômica Federal. Nas
assembleias, um parecer das ações administrativas e financeiras são dados, assim como, a
justificativa sobre as mudanças de materiais ou outras ações nessa esfera que se façam
necessárias. Assim, esses espaços são de caráter informativo, e as famílias não tomam
decisões no que diz respeito ás definições administrativas e financeiras. Contudo, visto a
quantidade de famílias no projeto (280 famílias), a autonomia dentro desses processos se
tornaria dificultoso; com isso, faz-se a ressalva da necessidade de atuação da CRE nesse
momento determinante juntamente à equipe administrativa, uma vez eleitas pelos demais
beneficiários enquanto procuradora.
Dentro das tantas variantes que entremeiam a prática da autogestão, o modo como as
famílias se sentirão inseridas no processo, será produto de uma vivência dentro de espaços
que a façam desenvolver a consciência coletiva. Logo, neste âmbito, a EO no caso estudado,
elaborou um Trabalho Técnico Social pautado no planejamento de atividades que contemplam
a prática em sociedade. Foi prevista a realização de palestra com o tema "Vida em
99
Melhor explicado na subseção 4.2
122
Coletividade" e oficina sobre Liderança. Para além disso, a prática do mutirão no canteiro de
obras, estimula a percepção empática sobre o outro e reflete a autogestão contida nas ações de
cunho colaborativo.
É tipo uma cooperativa em que um ajuda o próximo, porque aqui todo mundo
precisa de uma habitação que não tem condições de comprar uma casa. Então se
reúne todo mundo, faz uma equipe. Todo mundo ajuda um ao outro pra poder
construir o sonho da gente que é ter nossa própria casa. Então foi por isso que a
gente acreditou. Eu mesma acreditei na cooperativa porque é uma cooperativa que
trabalha com união. Eu tô limpando aqui, não sei se é meu mas eu faço como se
fosse meu. Por amor. Independente de quem seja ou de quem vai ser. Eu acho bonito
porque é tipo assim; o que Jussara faz, ela realiza um sonho de pessoas que não tem
condições de ter uma casa. Que paga um aluguel sem ter condições com um salário
mínimo, um salário e meio. Então, é um ajudando o outro pra no futuro ter uma vida
melhor. (Beneficiária A, em entrevista realizada no dia 04 nov. 2017)
É que não sabe valorizar aquilo que tem. Assim, por exemplo, se eu tenho isso aqui,
eu vou ter mais cuidado. Não vou quebrar, vou zelar mais. Então essas pessoas que
ganham fácil do MCMV que é só chegar, dar o nome e receber a casa é diferente
porque não suou. (Beneficiária B, em entrevista realizada no dia 04 nov. 2017)
Eu gosto de tá aqui porque você tá vendo o crescimento daquilo que é seu. Então é
suado, é tempo, é desgaste. Tem uma coisa que não dá certo um dia, você sabe o
motivo o qual não deu certo. Eu não conheço uma forma diferente; no caso, eu não
conheço como é participar de um outro processo. Mas eu gosto de tá aqui.
(Beneficiária C, em entrevista realizada no dia 11 nov. 2017)
100
Prefeitura Municipal de Aracaju, Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, 2000: p. 34
124
informações. Para isso, é importante ressaltar que no ano de 2015 101 foi elaborada uma nova
revisão para o PDDU102, no qual, estabelece-se na seção específica para a habitação de
interese social a atribuição do Sistema Municipal de Habitação sobre o incentivo de planos,
programas e projetos por meio de cooperativas habitacionais, com utilização do processo de
autogestão, e capacitação por meio de assistência técnica; entretanto a revisão não foi
aprovada no Legislativo.
No caso do Condomínio Getúlio Alves barbosa, embora haja uma assessoria técnica e
social, foram encontradas dificuldades de atuação, uma vez que, a experiência com esse
modelo é pioneira. Ou seja, a falta de incentivos, programas e ações que a regulamentem,
juntamente à escassez de profissionais para atuar enquanto assessoria técnica e social, se
mostra uma problemática na implantação da autogestão enquanto alternativa para a política
habitacional.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
101
Disponível em: <http://www.aracaju.se.gov.br/userfiles/anteprojeto-de-lei-pddu.pdf> Acesso em: 14 nov.
2017
102
Antes disso, foram feitas revisões nos anos 2005, 2010 e 2012, entretanto, nenhuma delas foi aprovada pelo
Poder Legislativo, permanecendo assim o PDDU 2000 vigente até os dias de hoje.
125
seriam procuradas no momento de entrada nas novas casas, fundada em uma ideia do "sonho
da casa própria" presente em muitas(os) brasileiras(os).
É fato, que de acordo com o grande número que representa o déficit habitacional do
país, ele não seria combatido sem o mercado da construção por este conseguir estabelecer
uma construção em massa. Contudo, o déficit habitacional não deve ser encarado somente na
esfera quantitativa, mas sim, qualitativa, principalmente no que diz respeito ao processo de
concepção das políticas habitacionais na qual irão se embasar. Ou seja, não adianta promover
uma política habitacional baseada em números, se não é levada em consideração a inserção
urbana dessas moradias, a qualidade projetual dos empreendimentos e a inclusão das famílias
de uma forma mais democrática e participativa.
Desse modo, ainda havendo uma produção habitacional voltada para as faixas de
renda mais baixa, a quantidade produzida é ínfima se comparada às produções voltadas para
as classes mais altas; ou seja, uma atuação contraditória que se repetiu por muitos programas
e permanece no retrato da produção do Minha Casa Minha Vida (MCMV), Programa de
Arrendamento Residencial (PAR) e demais programas atuais.
126
É certo que, com a possibilidade da Compra Antecipada dentro do Minha Casa Minha
Vida - Entidades, tentou corrigir um pouco essa distorção. Porém, ao mesmo tempo,
enfraquece os movimentos na conquista de terras públicas para Habitação de Interesse Social,
uma vez que, isenta o Estado a partir dessas alternativas. Para além disso, embora hajam
instrumentos legais, como a Lei de Assistência Técnica, que poderia ser utilizada enquanto
aliada, visto a escassez de profissionais a se inserir nesses espaços e a dificuldade encontrada
pelas associações na esfera dos problemas técnicos. Ou seja, isso é resultado de uma falta de
incentivos por parte do Poder Público, em tornar cada vez mais recorrente essas práticas.
127
Entretanto, o trabalho de conscientização do processo estabelecido pela Entidade com
as famílias, embora passando por dificuldades de aceitação e grande inadimplência nos
momentos participativos, demonstra conseguir atingir - ainda que incipiente -, conceitos
contidos na prática autogestionária como as questões de coletividade e a ideia do rompimento
com a lógica da moradia enquanto um produto, mas sim, conscientizando-os do processo.
Logo, fica clara a relevância do tema abordado, na qual se faz urgente a sua discussão,
visto o contexto de golpes e contenção de gastos destinados a essa habitação. Assim, espera-
se que a pesquisa contribua para o entendimento da autogestão na habitação social e as suas
dificuldades de inserção, a fim de contorná-las para a construção de uma política habitacional
que caminhe para uma governança democrática.
128
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