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Eu, monstro meu

(Susy Shock)

Eu, pobre mortal, equidistante de tudo; eu, R.G vinte milhões quinhentos e
noventa e oito zero sessenta e um; eu, primeiro filho da mãe em que depois me tornei;
eu, velha aluna dessa escola dos suplícios, amazona do meu desejo; eu, cadela no cio do
meu sonho vermelho: eu reivindico o meu direito a ser um monstro. Nem homem, nem
mulher, nem XXY nem H2o.

Eu, monstro do meu desejo, carne de cada uma das minhas pinceladas, tela
azul do meu corpo, pintora do meu caminho. Eu não quero mais títulos para carregar, eu
não quero mais cargos nem armários onde me encaixar, nem o justo nome que me
reserve nenhuma Ciência.

Eu, borboleta alheia à modernidade, a pós-modernidade, à normalidade,


oblíqua, vesga, silvestre, artesanal. Poeta da barbárie com o húmus do meu cantar, com
o arco-íris do meu cantar, com o meu esvoaçar: Reivindico o meu direito a ser um
monstro! E que outros sejam o normal, o Vaticano normal, o creio em deus e virgíssima
normal, os pastores e os rebanhos do normal, o Honorável Congresso das Leis do
Normal, o velho Bolsonaro do Normal.

Eu só trago a luz dos meus fósforos, a face do meu olhar, o tato do que é
ouvido e o jeito vespal do beijar. E terei uma teta da lua mais obscena na minha cintura
e o pénis ereto das cotovias galdérias e 7 sinais; 77 sinais; que raio estou eu a dizer…!
777 sinais da endiabrada marca da minha Criação. A minha bela monstruosidade, o meu
exercício de inventora, de rameira dos pombos. O meu ser EU, entre tanto parecido,
entre tanto domesticado, entre tanto metido até à ponta dos cabelos em um novo título
para carregar. Banheiro de damas? Ou de cavalheiros? Novos cantos para inventar.

Eu: trans… pirada, molhada, nauseabunda, germe da aurora encantada, a


que não pede mais permissão e está raivosa de luzes maias, luzes épicas, luzes párias,
Marias Madalenas menstruadas, bizarras. Sem bíblias, sem tábuas, sem geografias, sem
nada! Só o meu direito vital a ser um monstro, ou como me chame, ou como me saia,
como me permita o desejo e a porra da gana! O meu direito a explorar-me, a reinventar-
me, a fazer da minha mutação o meu nobre exercício, veranear-me, outonar-me,
invernar-me, os hormônios, as ideias, o cú e toda a alma.

Amém.

Tradução e adaptação de Yo Monstruo Mio, de Susy Shock. Disponível em:


<http://susyshock.blogspot.com/2008/03/yo-monstruo-mio.html>.

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