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Alicis Especularis

Adriana Peliano

Jan Svankmajer
John Tenniel

Num enerdia de verão, aos 7 anos de idade, olhei através do espelho de Alice. Encontrei uma
menina enigmágica que logo me perguntou: Quem é você? Ela não aceitou meu nome como
resposta: assim é como você é chamada, retrucou. De súbito nossos espelhos se refletiram
entre as curvas do espaço-tempo como um myse en abyme. Naquele instante perdi meu nome
no espelho. Hoje busco novas Alices em aventuras labirínticas atravessando múltiplas artes. Me
reinvento em Ali-se e seus tantos nomes que se expandem em uma inesgotável criação de
eus: Alis, A lys, Alyssos, Alastos, Allistos, Alussas, Alions, entre outras crises e devires: reino
das alicinações.

Kenneth Rougeau

Com Alices reviajo no país dos espelhos por caminhos espiralados e mergulho numa floresta
misteriosa onde se perde e se encontra essa menina rompiecabezas, plurilíngua, borboletra
alicenógena, proliflora desejos em casulos oníricos, fantasmagorias deliram
psicodelícias. Amaravilhas. Vislumbro um rio de florosofias errantes, espelhos líquidos,
clepsidras lúdicas, Lúcia no céu com diamantes. Sonhos de Escher dançam geometrias
impossíveis. Cabelos revoam anéis de Moebius.
Trevor Brown

Aliceoscópios são uma singular criação catóptrica, uma arte de conceber engenhos especulares
que criam visões insólitas, perspectivas paradoxais, geografias exdruxulistas, cartografias
escalafobéticas. Num golpe de máquina o espelho mutante de Alice viaja através de tempos
loucos e sonhos quânticos em uma inesgotável “sede do infimito”. Sua experimentação exige
constante movimento, um amor pelo estranho e indomesticável, libertando armadilhas do
conhecido. Alikezan! Alices extrapolam saberes cômodos e estagnados e vão viver novas
aventuras desafiando fontes de desejos e desfiando teias e constelações em feixes de
fabulações. CURIOUSER and curiouser! Estou me esticando agora como o maior telescópio
jamais visto. Adeus pés!

René Magritte
Surrealices nos convidam a atravessar os espelhos de Magritte, janelas para o invisível, sonhos
dentro de sonhos, inclassificáveis confabulando com impossíveis atrás dos pensaventos. Nos
‘livros de Próspero’ de Peter Greenaway, um dos vinte e quatro livros é composto por páginas
de diferentes espécies de espelhos. Cada página produz um reflexo metamórfico devolvendo
inesgotáveis imagens de Alices quem somos. Sua leitura se faz nascente de fluxos cósmicos de
criação de sentidos, mágica pulsante de investigação de si-m. Monstros do espelho, uni-vos!

Michele Lapointe

Alice foi a heroína vitoriana de um estrambólico e feraz livro de histórias infantis. Viajou para a
Disneylândia e foi capturada em ondas de colonização de sonhos. Mergulhou em habit roles e
num fluxo rebelde, irradiou wanderlands. Hoje respira novos artes em jogos de ser o não
ser. Eu... eu... nem eu mesmo sei, senhora, nesse momento ... eu ... enfim, ei quem eu era,
quando me levantei hoje de manhã, mas acho que já me transformei várias vezes desde então.

Em diferentes encarnações novas Alices não buscam reproduzir em imagens o que está escrito
nos livros, mas de viajar em suas veias e teias, entre mergulhos, travessias e cogumelias.
Inúmeras alicinações podem ser criadas desvairando em paradoxos, línguas inventadas, desejos
nômades, metamorfoses sem cabeças, sonhos dentro de sonhos, caminhos erráticos, risos
loucos pairando no ar, desloucamentes. Ao invés da pergunta: quem é Alice, hoje desdobram
caminhos para quem Alice pode tornar-se...

Adriana Peliano

Na travessia dos mil anos o espelho de Alice explodiu em milhares de pedaços, proliferando
no imaginário coletivo novas meta-alices numa ampulheta magicósmica, aliceoscópio de
alicinações. Nesse universo de mundos possíveis, procuram-se artistas movidos pelo desejo de
rebelar os modelos alienados da menina e suas viagens cem sentidos. Hoje extrapolam Alices
que entorpecem a imaginação e se desdobram em estereótipos que aprisionam e banalidades
que insistem em empobrecer a vida e a arte. Em suas desventuras, exércitos de Alices bebem
da garrafa escrito “clichês”. Mas Alice had got so much into the way of expecting nothing but
out-of-the-way things to happen, that it seemed quite dull and stupid for life to go on in the
common way.”

Elena Kalis
O país das maravilhas e o país do espelho podem estimular o encontro com o desconhecido, a
incerteza e o mistério. Jardins de alicismos buscam o que é inexprimível pela palavra, o
invisível, jorrando possibilidades inesgotáveis que habitam nas margens e entrelinhas. Menina
caleidoscópio, jogo de reflexos múltiplos e simultâneos, fragmentos que cruzam monstrologias
e alimentam nossos rios, riscos e risos. Alice nos convida a mergulharmos no poço profundo e
atravessar o espelho desafiando as loucuras que nos atravessam. Como escreveu Paulo Mendes
Campos em carta para sua filha Maria da Graça: Este livro é doido, Maria. Isto é: o sentido
dele está em ti.

Yayoi Kusama

“As aventuras de Alice dentro da toca do coelho ou através do espelho encoraja


a procurarmos outras brechas para penetrarmos no maravilhoso.”

Pierre Mabile
Frédéric Delanglade

"O artista terá, tal como Alice no país das maravilhas, que atravessar o espelho da retina para
alcançar uma dimensão mais profunda."

Marcel Duchamp
Alain Gauthier

"Com a prudência que lhe confere a sua inteligência matemática e o seu sentido de humor
Lewis Carroll escolheu a barca do sonho para atravessar mais confortavelmente o espelho dos
olhos de Alice."

Frédéric Delanglade
Margarita Prachatika

“lewis carroll olhou através do espelho e encontrou uma espécie de espaço-tempo que é o
modo normal do homem eletrônico. antes de einstein, carroll já havia penetrado o universo
ultrassofisticado da relatividade. cada momento, para carroll, tinha o seu próprio espaço e o
seu próprio tempo. Alice cria o seu próprio espaço e tempo."

Marshall Mcluhan
Hajime Sawatari

"Tudo quanto possuímos de poético e também de absurdo se apresenta nos livros de Alice. Ao
descer pela toca do coelho, Alice passa a habitar – como quando atravessa o espelho – um pais
diferente do conhecido, como quando fechamos os olhos e nos percorremos. As surpresas
despontam de todos os lados. Quem somos, afinal?"

Cecília Meirelles
Alice por enquanto é o mergulho e a travessia.
Viajante da coleção de eus da especialice Adriana Peliano.

Menina Sonho

Adriana Peliano é fundadora da Sociedade Lewis Carroll do Brasil, que não se cansa de
alicinar em suas buscas cosmicômicas.

Salvador Dali

artigo publicado originalmente no site FORA DE MIM.


Consultas:

BURSTEIN, Mark. To Catch a Bandersnatch. 1970 / 2004. Não publicado.


CAMPOS, Paulo Mendes. Para Maria da Graça. In: Para gostar de ler, crônicas. São Paulo:
Ática, 1979, v.4, p.73-76.BURSTEIN, Mark. To Catch a Bandersnatch. 1970 / 2004.
Disponível em: <http://www.lewiscarroll.org/wp-
content/uploads/2010/03/ToCatchaBandersnatch.pdf>
CAMPOS, Augusto de. O anticrítico. São Paulo: Companhia das letras, 1986.
DALI, Salvador. Si: En Torno Al Metodo Paranoicocritico y Otros Textos. Barcelona: Ariel,
1977.
DELANGLADE, Frederic. ALYS: Divagation Onirique inspiree par Alice au pays des
Merveilles de Lewis Carroll. Paris: Joseh Foret e Frederic Delanglade,1958.
DELEUZE, Gilles. Lógica do Sentido. São Paulo: Perspectiva, 1974.
HOPTMAN, Laura. Yayoi Kusama. Phaidon Press: 2000.
MABILLE, Pierre. Mirror of the marvellous. Inner Traditions Rochester, Vermont. 1998.
MEIRELLES, Cecília. Problemas da literatura infantil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
PRECIOSA, Rosane. Produção estética: notas sobre roupas, sujeitos e modos de vida. São
Paulo: Anhembi Morumbi, 2005.

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