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QUER OBSERVAR ATRAVÉS DO MEU OLHO?

Tamille Veloso1

RESUMO: o referente ensaio busca, a partir das obras de Lewis Carroll e Clifford
Geertz, discorrer sobre a visualização do que é comum ao outro através de nossas
próprias predefinições, ou seja, o erro de lidar com a realidade do outro com base nas
nossas respectivas categorias. Essa escrita tem como objetivo a tentativa de
ressignificar o modo como visualizamos e interpretamos um costume que foge da
nossa realidade, afastando-se de julgamentos epistêmicos e morais, e observando
através de critérios estéticos.

O ENIGMA DAS TEIAS

Uma teia não se defini pela sua aparência


Uma teia também é a sua essência
Também é a essência de quem a criou
A teia conta a história de quem a formou
Em qual sentido ela foi criada?
Qual enigma ela guarda?
Em quais meios ela foi traçada?
Nem todas as teias são iguais
Cada uma contém particularidades que as diferenciam das demais
E se você quiser tentar entender a teia feita por outro alguém
Deixe de lado as estruturas da teia que te mantém

- Tamille Veloso

Na obra A Interpretação das Culturas, Clifford Geertz defende a ideia de que as


culturas devem ser interpretadas como textos e não por meio de métodos científicos.
Para embasar essa teoria, ele afirma em sua escrita que a cultura seria uma “teia de

1Graduanda, Universidade Federal da Bahia, Brasil


tamillefernandes@ufba.br
significados que o homem teceu”, sendo ela composta por um conjunto de enigmas
internos, e que essa teia não deve ter o seu real sentido elaborado através da sua
imagem superficial, e sim que a real compreensão do seu conjunto de significados só
seria alcançada por intermédio do deciframento desses enigmas (FREITAS, R.;
BATITUCCI, E., 2010). Em outros termos, quando se é presenciado um ritual
religioso, um hábito local ou qualquer outra manifestação cultural que não dialogue
com os seus costumes, é necessário que o indivíduo busque entender o sentido de
tal manifestação, ou seja, observar não apenas a aparência da teia, mas também se
indagar como e por que ela foi tecida.

AS TRÊS REAÇÕES

Quer ver através do meu olho?


Ou prefere por meio da tua realidade me julgar?
Sendo que envolvida pelo seu ego
Minha diversidade jamais terá lugar
Me observe por meio de uma extensão de si
E jamais poderá verdadeiramente observar a mim
Minha alteridade radicalizada
Desafia a suas predefinições já traçadas
Assim como Alice
Que partindo de suas próprias categorias
Não conseguia entender os encantos do País das Maravilhas

- Tamille Veloso

Observa-se, partindo do pressuposto do tópico anterior, que para a obtenção de


um verdadeiro conhecimento sobre o grupo de sentidos que formam as
manifestações culturais de um outro indivíduo, é necessário olharmos para essas
diversidades de forma simplória, sem o carregamento do nosso próprio pacote
semiótico. Dessa forma, Lewis Carroll apresenta por meio da narrativa de sua obra
Alice no País das Maravilhas as três reações possíveis de um indivíduo quando ocorre
o conflito de contato entre duas estruturas culturais altamente distintas: choque,
adaptação e transbordamento.
A priori, Alice fica em constante estado de choque ao se deparar com as
maravilhas e, o que seria para ela, as estranhezas daquele mundo desconhecido:
"Puxa! Puxa! Como tudo está tão estranho hoje! E ontem as coisas estavam tão
normais!"; "Eu devo estar sendo punida por isso agora, suponho, afogando me em
minhas próprias lágrimas! Isso sim será uma coisa estranha. Entretanto, tudo está
estranho, hoje”.

(...)quando o Coelho tirou um relógio do bolso do


colete, e olhou para ele, apressando-se a seguir,
Alice pôs-se em pé e lhe passou a ideia pela mente
como um relâmpago, que ela nunca vira antes um
coelho com um bolso no colete e menos ainda com
um relógio para tirar dele. (CARROLL, L., 2007)

Após passar pela fase do choque, Alice começa a criar um certo tipo de
adaptação ao local: lidando com a realidade do outro a partir das suas próprias
categorias. Logo, ela inicia uma série de comparações entre o seu mundo e aquele
mundo encantado.

"Bem! Eu tenho visto muitos gatos sem sorriso",


pensou Alice, "Mas um sorriso sem um gato! É a
coisa mais curiosa que já vi em toda minha vida!".
(CARROLL, L., 2007)

Por fim, uma conversa entre a protagonista e uma lagarta falante marca o início
da última fase:

A Lagarta e Alice olharam-se uma para outra por


algum tempo em silêncio: por fim, a Lagarta tirou o
narguilé da boca, e dirigiu-se à menina com uma
voz languida, sonolenta. "Quem é você?",
perguntou a Lagarta. Não era uma maneira
encorajadora de iniciar uma conversa. Alice
retrucou, bastante timidamente: "Eu não sei muito
bem, Senhora, no presente momento, pelo menos
eu sei quem eu era quando levantei esta manhã,
mas acho que tenho mudado muitas vezes desde
então. (CARROLL, L., 2007)

Esse diálogo apresenta uma mudança de perspectiva da protagonista: ainda


que fique em choque quando algo novo do País das Maravilhas acaba surgindo pelo
seu caminho, Alice não mais as comparas com as suas respectivas manifestações
culturais já conhecidas, mas sim, começa a duvidar da segurança que elas a
passavam, questionando até mesmo quem ela é. Isso marca o momento no qual Alice
se permite verdadeiramente viver a experiência daquele mundo, sem comparar essa
teia de significados com nenhuma outra, deixando-se transbordar finalmente por essa
nova cultura.

REFERÊNCIAS

CARROLL, L. Alice no País das Maravilhas. São Paulo: Martin Claret, 2007. Título
original em inglês: Alice’s Adventures in Wonderland (1866).

Freitas, R.; Batitucci, E. A falácia da interpretação da cultura como texto. Lua Nova:
Revista de Cultura e Política, 2010

GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar,1978.

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