Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Belo Horizonte
Faculdade de Letras da UFMG
2005
ELKE BEATRIZ FELIX PENA
Belo Horizonte
Faculdade de Letras da UFMG
2005
2
À minha mãe pelo amor às Letras.
3
AGRADECIMENTOS
À minha família, Pai, Paulo, Lane, Kyvia, Pedro, Kalil e Lucas, pelo constante e
infalível apoio.
Às amigas de sempre, Ana Elisa e Mel, pelas longas conversas sobre teorias e
projetos.
Aos novos e queridos amigos, Denise Araújo, Vanderlice, Willian Menezes, Cida da
Mata, Cláudia, Maria, Graça, Tatiana e Carla, pelas boas risadas e importantes
discussões e indicações.
4
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................. 08
2.1 Metodologia........................................................................................................ 38
2.1.1 Periódicos........................................................................................................... 38
2.1.2 Artigos e Ensaios................................................................................................ 39
2.2 A Análise Comparativa....................................................................................... 41
2.2.1 Definições X Textos........................................................................................... 43
2.2.2 Normas e Apresentação X Textos...................................................................... 52
3.1 Desdobramentos.................................................................................................. 65
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................... 78
5
RESUMO
6
ABSTRACT
7
INTRODUÇÃO
8
O que motiva a designação de artigo para alguns textos e ensaio para outros no âmbito
intrínsecas dos textos? A distinção do texto acadêmico em gêneros como ensaio ou artigo é
afetada pelo agenciamento ideológico do nome que o designa? Essas são perguntas cruciais
Esta investigação teve o seu início numa pesquisa que abrangia vários textos do
uma estrutura textual comum a todos os textos que são produzidos dentro do domínio
discursivo científico. Como nos diz Leibruder (2002, p. 229), o texto científico tem como
produtores deste texto, especialistas que escrevem para especialistas, respeitando uma série de
convenções próprias ao jargão científico. Quanto a isso, Leibruder (2002, p. 230-231) diz:
neutralidade.
Esta visão do discurso totalmente objetivo da ciência vem de uma concepção em que o
cientista é somente um “porta voz da verdade”, como afirma Leibruder (2002, p.231). O
9
cientista é aquele que assume a posição de “intermediário entre a natureza e o homem”. Desta
forma, julga-se não existir a presença do cientista como sujeito naquele trabalho, mas sim,
objeto”.
Ainda nessa fase inicial do trabalho, reunimos vários textos científicos e, dentre todos,
dois chamaram a nossa atenção. Primeiro, uma tese de doutorado em Literatura em que tanto
a introdução quanto a conclusão eram narrativas que, a princípio, nada tinham a ver com uma
autores”. Na introdução, o autor narra suas sensações ao se ver, depois de oito anos, na
rodoviária de Curitiba, sua cidade natal. Na conclusão, fala de seu retorno à Mariana, Minas
Gerais, onde vive. Seguem os dois trechos retirados do primeiro parágrafo da introdução e da
conclusão, respectivamente.
rodoviária de Curitiba faz a síntese de dois dias de visita (...) Mas tudo é
novo, como se meus olhos vissem aquelas imagens pela primeira vez, ainda
que com a sensação de dejà vu. (...) Estilos, aspecto físico, vocabulário,
anos de pesquisa, pode perceber que ali há um pouco de cada grupo que
10
praça da Sé, observo o palco e os efeitos especiais tomando uma cerveja num
de História. No trabalho, havia trechos que são pouco comuns em textos desta natureza, e a
impressão que tínhamos ao fazer a leitura é a de que não havia muito de “direto e objetivo”
em algumas passagens, havia poesia, como no excerto que fala sobre o casarão onde os
documentos (cartas pessoais do final do século XIX e início do XX) foram encontrados.
Mas esses elementos não aparecem somente em partes descritivas do texto. No embasamento
teórico do seu trabalho, o autor procura falar ao leitor sobre a metodologia que emprega.
(Idem, p. 36)
científico descritas por Leibruder? Ou seja, se pensarmos o cientista como autor, podemos
dizer que em seu texto haverá marcas de subjetividade que serão diferentes de outros textos,
também científicos. São textos que cumprem o seu objetivo de transmitir conhecimentos no
âmbito da ciência, que se constituem de provas, dados, conclusões, e que possuem a estrutura
alunos e professores produtores destes textos, percebemos que dois gêneros muito presentes
nestes periódicos - o artigo e o ensaio - não tinham suas características (ou melhor dizendo,
aparecimento de uma linguagem mais “solta” ou mais “livre” em alguns artigos como sendo o
A partir deste momento, observamos que a definição do que seja um ensaio científico
não estava muito clara para as pessoas produtoras e leitoras destes textos. Observamos que os
limites entre os dois gêneros, ensaio e artigo científicos, eram muito tênues, sendo muitas
(p.05). Na página seguinte, apresenta os textos da revista como ensaios: “Assim, pela ordem
autora como artigo, que aparece sem nenhuma apresentação à parte, e, logo após, são listados
1
Revista do Programa de Pós-Graduação em Letras-UFF,n.10, 1 semestre 2001, p.1-216.
12
outros ensaios do volume. Os dois gêneros aparecem em uma mesma listagem encabeçada
Na página 10, temos o título ‘ensaio’, abrindo caminho para os dez textos que compõem a
revista.
Desta forma, pareceu-nos que ainda havia muito o que se discutir a respeito da
constituição destes dois gêneros, visando suas semelhanças, suas diferenças e seus pontos de
que nos inserimos, porque os dois gêneros em muitos casos não se diferenciam? Em revistas
que definiam a diferença entre os dois gêneros. Porém, mais de uma vez, encontramos textos
no corpo da revista que iam de encontro a essas classificações. Havia uma distância entre o
que se falava sobre o gênero e o que era o gênero. Também de uma revista para outra, havia
muita diferença entre o que uma chamava de ensaio e artigo e o que a outra dizia sobre os
mesmos.
2
Em Tese – Pos-Lit-UFMG, Ano 3, vol.3, dez, 1999, p.1-104.
13
Constatou-se num primeiro exame que os escritores têm
texto. (p.1246)
Dessa forma, temos dois gêneros, com dois nomes diferentes e definições diversas
(que vai desde embasamento teórico até número de páginas) que muitas vezes, posso dizer até
Por essa dificuldade de definir tais gêneros, ao montarmos o nosso corpus, nos
preocupamos em reunir somente textos que traziam explicitamente no resumo a que gênero
textual “pertencem”, de acordo com o seu produtor. Decidimos também, por uma questão
metodológica, reunir textos de apenas uma área e optamos pelas Ciências Humanas e Sociais.
Procuramos investigar todos os tipos de material que nos falariam sobre estes dois
dúvidas que nos fizeram ir à procura de outras fontes: tamanho, tema, suporte, linguagem,
estrutura. Não conseguíamos ver diferenças entre os textos classificados como ensaios e os
14
Os manuais trouxeram diferenças importantes, mas logo percebemos que não se
confirmavam na prática de produção destes gêneros. Nem mesmo as normas das revistas
onde os textos foram publicados esclareciam estas diferenças, pois elas além de não serem
muito claras, muitas vezes não utilizavam a palavra ensaio, apesar de possuir ensaios em seu
corpo.
Assim, surgiram as perguntas que abrem o nosso trabalho. Por que há gêneros tão
rígidos em suas características e outros tão “maleáveis” como nos pareceu o ensaio e o artigo
científicos? Essa questão, que nos remete às questões iniciais, não nos era respondida por
nenhum estudo que conhecíamos até então. Na estrutura destes gêneros, não estava a resposta,
nem mesmo na “situação social particular” em que são produzidas, uma vez que aparecem em
situações comunicativas muito semelhantes. Havia alguma outra instância que não
conseguíamos, de início, determinar. Para demonstrar o percurso que nos levou a algumas
respostas às questões que levantamos, dividimos nosso texto em três capítulos, além da
trabalho de Dias, que insere nos estudos sobre Gêneros Textuais a Teoria da Enunciação,
demos voz a Rastier que nos traz a noção de corpus, deslocando a unidade da esfera do texto
para a do corpus de um gênero. Como todo gênero é construído por uma textualidade,
buscamos este conceito em Guimarães e Orlandi, que explicitam a relação estreita entre a
textualidade e a historicidade discursiva, nos levando a perceber que o corpus proposto por
Rastier pode ser heterogêneo e trazer lacunas que fazem com que um texto transite por mais
Pêcheux. Como tudo isto - textos, discursos, gêneros, corpus - não está fora de uma
15
da ciência e da não-ciência e em Foucault a Ordem do Discurso que delimita o(s) poder(es)
que dão a um texto o estatuto que ele necessita para pertencer a esta ordem.
Este primeiro capítulo foi dividido em duas partes. Na primeira, falamos sobre a noção
O segundo capítulo diz respeito à análise (ou análises) feita na pesquisa, com alguns
de dois outros estudos, além dos que já faziam parte da pesquisa: Orlandi, com um trabalho
Fechando o trabalho, mas não finalizando os estudos sobre o tema, há o capítulo das
16
CAPÍTULO 1
O Texto: Enunciação e Constituição de Gêneros
17
1.1- DE GÊNEROS A CORPUS
Os estudos sobre gêneros e tipos textuais muito se desenvolveram nos últimos anos,
desde o início da Lingüística Textual em que o foco de estudo deixou de ser a frase e passou a
ser o texto. Com isto, a partir de necessidades de ampliação do olhar do lingüista e do objeto
pesquisado, o texto, surgiram os estudos dos gêneros que caminharam para o que temos hoje:
estamos lidando com uma série de textos que produzimos e que interpretamos a partir da
Como pertencemos a uma sociedade que se localiza histórico e socialmente num espaço de
estes fatores quando produzimos algum texto. Apesar de Orlandi tratar o histórico-social
diferentemente dos autores desta perspectiva lingüística, como discutiremos neste trabalho,
achamos que sua afirmação “não somos animais em interação (...) somos sujeitos vivendo
Desta forma, todo texto produzido está inserido em um contexto que vai muito além
afirma:
18
Os gêneros não são entidades naturais (...), mas são artefatos
desaparecer e outros podem ser modificados. Como exemplo, podemos citar os gêneros
surgidos com o advento da Internet: temos o e-mail que é uma mistura de outros gêneros
como carta, bilhete, telefonema. Mas ele não é nenhum deles, é uma nova composição surgida
de outros gêneros. Podemos dizer que os gêneros surgem ou se modificam a partir de uma
necessidade comunicativa.
“aspectos lexicais, sintáticos, relações lógicas, tempo verbal” (p.23). Formam um conjunto
tipos são classificados de acordo com as seqüências lingüísticas que os compõem. Vale
lembrar que não existe um gênero constituído apenas por um tipo: numa narração podemos
encontrar seqüências de descrição e/ou argumentação, etc. Estamos, portanto, quando nos
referimos à classificação do tipo textual, trabalhando com predominância. Por exemplo, nos
gêneros que trabalharemos em nossa pesquisa – artigo e ensaio científicos – predomina o tipo
comunicativas” (p.23). A sua classificação depende de fatores como “canal, estilo, conteúdo,
gêneros existentes que se transformam, formando outros. E há outros inúmeros que surgem
ou desaparecem.
20
Uma vez dito que os gêneros textuais são produzidos dentro de determinada situação
histórico-social, precisamos também falar sobre as instâncias ou esferas onde estes gêneros
existem. Para isto, temos que lidar com a noção de domínio discursivo.
determinado domínio.
Para exemplificar e ilustrar o que falamos, vejamos como ficariam os textos do nosso
circulam): científico – instância em que são produzidos textos que têm o objetivo de
dissertações.
produzido em uma situação específica pertence a um determinado gênero, que tem como sua
21
deslocamento do olhar do pesquisador, e esse é um dos motivos da sua importância, é o de
Dias (2004), que procura estabelecer relações entre gêneros textuais e modos de enunciação,
presente pesquisa. Faremos, então, uma exposição das obras que serviram, de suporte para o
intertexto”. Aqui não podemos entender contexto somente como a situação de comunicação
em que determinado texto é produzido. Para o autor, o contexto é muito mais abrangente que
isto, ele não é determinado e constituído somente em um momento específico, e sim, em uma
relação entre textos e os discursos que lhes dão pertinência. O autor não desconsidera a
22
l’écrit connaît une autre forme de contextualité, celle qui va de texte à
nunc, mais aussi de ce qui n’est past là: il dèborde alors la situation.
(p.106)
Este contexto intertextual para nós é muito importante, pois é necessário para o
reconhecimento do gênero a que um texto pertence, sua relação com outros textos do mesmo
grupo, ou que apresentam uma normatividade, como explicita Rastier. Mas, antes de falarmos
determinado gênero, que evocamos quando produzimos outros textos do mesmo grupo.
À partir d’un texte, l’intertexte est ce par quoi l’on accède par
l’ensemble des connexions opérées par la lecture et que l’on peut appeler
gênero. Esta estabilidade é efetivada pela normatividade que existe em cada gênero. É esta
normatividade, ou seja, as regularidades de cada gênero, é que nos fará perceber de que
gênero estamos tratando. Por isso, a importância do intertexto e do contexto acima descritos.
Todo gênero tem uma história, que forma seu corpus, nomenclatura dada por Rastier.
O corpus é constituído pelas regularidades do gênero. Dessa forma, fazer análise do gênero de
23
um texto é fazer análise do seu corpus. Temos, de acordo com essa concepção, uma memória
discursiva da formação daquele gênero. Usamos neste trabalho o termo memória discursiva de
acordo com Pierre Achard (1999). Segundo este autor, há uma repetição, tomada por uma
Apesar desta repetição e regularização dos discursos, a história não forma uma memória
autônoma, é necessário um texto atual que a busque. Desta forma, a enunciação é tomada
como “operações que regulam o encargo, quer dizer, a retomada e a circulação do discurso”
(Achard, 1999, p.17). Ainda segundo Achard, a memória nunca é fielmente reproduzida num
enunciado, sendo esse enunciado o ponto de partida para o entendimento de uma regularidade.
Retomando Rastier, o texto deixaria de ser uma unidade terminal, como considerado
até então por estudiosos da Lingüística de Gêneros, passando este estatuto para o corpus.
lês signe, ni même la phrase, mais le texte (oral fixé ou écrit), dont
romances. A outra face dos romances são os outros romances já produzidos e que formam, na
24
memória discursiva deste gênero, o seu corpus. A partir da normatividade do todo, ou seja, do
científicos, temos que buscar neles as regularidades existentes em outros textos pertencentes à
Sabemos da existência de regras nas sociedades, que impõem critérios para o que
produzimos. O que produzimos como discurso sempre será afetado pelas regras advindas de
Pensemos em outra área em que o texto também sirva como um objeto de análise: a
História.
“Documento/monumento”, veremos como este autor define, dentro de uma nova perspectiva
de estudo da História, o que seria um texto como fonte para um pesquisador da área. O autor
demonstra que todo documento histório é construído pelo discurso, sendo, assim, afetado por
ideologias existentes em cada tempo, em cada sociedade. O documento não tem valor de
a ser manipulado, ainda que pelo silêncio. O documento é uma coisa que
25
existe um documento-verdade. Todo o documento é mentira. Cabe ao
Temos, então, que pensar em algo que controle esta subjetividade que perpassa os
documentos para que as narrativas históricas não sejam desvinculadas do campo da ciência.
nos interessa em seu estudo é que, ao fazer isto, observa as relações de subjetividade e
objetividade desta disciplina. Para este autor, o fato histórico não existe sem o acontecimento
de linguagem que envolve este fato, ou seja, há uma relação entre os nomes (personagens) da
história e o acontecimento em que estão envolvidos, que são as forças que produzem estes
nomes, as enunciações que sustentam o nome. As palavras seriam relacionadas aos nomes,
É necessária a “assinatura da ciência” para que uma narrativa deixe de ser “literatura”
que os funda e os explica. (...) Ele vai ver o que está por trás das
palavras. (p.40)
que o autor chama de triplo contato nesta construção: científico, narrativo e político, que se
articulam dando espaço ao que pertence à não-história e à história. Esta “batalha” da “não-
26
é ela (a tradição) também que, deslocando-se da polêmica política à
dizem. (p.30)
Considerando tanto Le Goff quanto Rancière, percebemos que há um “poder” que faz
com que um texto se desloque (e permaneça) do passado para o presente. Estes discursos da
Foucault, em “Ordem do discurso”. Nas sociedades, temos regras a seguir uma vez que até a
podemos relacionar Le Goff a Foucault quando este demonstra as redes de poder em que os
(Dias, 2004:02)
27
suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo
Em relação à interdição, o autor demonstra que as palavras não podem ser utilizadas
por qualquer pessoa. Não temos o direito de dizer o que queremos a qualquer momento e da
forma que desejamos. Há aqui uma relação entre ‘desejo e poder’: o discurso não só manifesta
razão e loucura. Foucault nos relata como a loucura foi segregada durante décadas e a não
Com isto, percebemos que há regras de circulação dos discursos em que há a aceitação
O terceiro princípio é, segundo o autor, o mais abrangente, uma vez que os dois
primeiros estão relacionados a ele. Em todas as épocas, procurou-se estabelecer critérios para
história.
28
tantos séculos de nossa história, ou qual é, em sua forma muito geral, o
tipo de separação que rege nossa vontade de saber, então é talvez algo
A vontade de saber tem a ver tanto com um suporte institucional, quanto com o modo
como o saber existe em uma sociedade: sua valorização, sua distribuição e atribuição.
e as disciplinas.
esquecer que Foucault não trabalha com o autor empírico, aquele que assina. Apesar de não
desconsiderar este autor e de reconhecer seu papel em algumas sociedades, tratará do autor
referente a um conjunto de textos que se agrupam enquanto discursos de acordo com suas
Para controlar a produção dos discursos, tem-se o último procedimento deste grupo: as
29
Numa outra direção, é percebida a delimitação dos discursos através do que Foucault
chamou de rarefação dos sujeitos que falam, ninguém entrará na “ordem do discurso” se não
O que irá definir a qualificação dos indivíduos que falam, para que ocupem posições e
suposta ou imposta das palavras, seu efeito sobre aqueles aos quais se
Para Dias (2004), as questões relacionadas à ordem do discurso são importantes para a
sua primeira pergunta: “o que fundamenta o reconhecimento dos textos em gêneros?” que tem
a ver com a pergunta que colocamos no início do nosso texto , guia de nossa reflexão.
Os textos fazem parte de um agrupamento maior de textos afins que, para Rastier,
formam seu corpus. Corpus este que irá carregar regularidades de um determinado gênero.
Todos os textos são afetados por formações discursivas, que trazem, explícita ou
implicitamente, marcas não só textuais, como também ideológicas. Os gêneros que formam
Foucault, de uma atualização desta repetição: “O novo não está no que é dito, mas no
renovação deste gênero em relação aos elementos referentes tanto à textualidade do gênero
30
O corpus, além de uma normatividade, comportaria também espécies de
Foucault, os discursos obedecem a uma ordem, com todas as suas regras e determinações, os
1º- Os gêneros artigo e ensaio científicos pertencem a corpus que não possuem
2º- Segundo a nossa análise (capítulo 2), os dois gêneros demonstram regularidades
entre si e entre seus corpus , o que dificulta a classificação e separação dos mesmos. A
questão do lugar de ocupação destes dois gêneros não falaria mais alto do que sua estrutura
Na segunda parte deste capítulo, trabalharemos com três autores que discutirão
questões importantes para nossa reflexão à respeito dessas “lacunas” encontradas nos corpus
de alguns gêneros.
Para ele, enunciação deve ser vista como um acontecimento histórico, ou seja, “um
acontecimento de linguagem” afetado pelo “interdiscurso” que se manifesta como “um espaço
de memória do acontecimento”.
3
Optamos por grafar sempre esta palavra na forma singular “corpus”, apesar de sabermos que o plural seria
“corpora” (latim).
31
a língua funciona na medida em que um indivíduo ocupa uma posição de
(p.65)
Nesta perspectiva, Guimarães não considera o texto como uma entidade empírica, e
sim, uma categoria que, como tal, requer uma determinação conceitual específica para sua
configuração.
Desta forma, a textualidade não estaria relacionada ao sujeito falante físico, mas à
32
O autor considera, então, as operações de textualidade e seus procedimentos
“processos da construção da ilusão de unidade”. Como exemplo, ele trabalha com o que
memória discursiva.
O autor descarta a noção de coerência, pois a considera, do modo como vem sendo
consistência, seria a eficácia do texto ao seu gênero, isto é, a ‘sintonia’ dos seus elementos ao
seu corpus, buscando, aqui, o estudo de Rastier, mesmo sabendo que o primeiro autor não
Apesar deste ponto de interseção entre os dois autores, há uma questão importante em
Guimarães que, para nós, completaria as reflexões sobre corpus de Rastier: a heterogeneidade
do corpus de um gênero, uma vez que pertencem a uma memória discursiva que engloba um
33
A coesão e a consistência são o lugar do presente como tempo da
Esta historicidade discursiva é tão importante para Guimarães quanto para Orlandi
(1996). A autora, em seu texto “Exterioridade e ideologia”, afirma que não há significação na
língua sem que haja história. Para ela, há uma relação indissociável entre o sujeito, a língua e
com a língua e com a história, para que signifique” (p.28), o sujeito ocupa posições de sujeito
proporciona o sujeito a realizar o efeito de literalidade de que tanto necessita para a instituição
do sentido da língua.
Para ela, existe uma exterioridade discursiva, o interdiscurso, afetado por formações
ideológicas, que estabelece relações pertinentes que permitem que o sujeito construa “sua
Desta forma, podemos dizer que os gêneros textuais são constituídos desta memória, pois são
Mais uma vez, confirma-se, a nosso ver, a visão de corpus de Rastier, mas também
aqui, há uma definição de língua que nos leva a mais uma vez questionar a homogeneidade do
Segundo Orlandi:
Deste modo, existe, sim, uma normatização necessária para a caracterização dos
gêneros e o reconhecimento do seu corpus, mas tanto Guimarães como Orlandi contribuem
Sabemos que na língua não há regras, mas regularidades, desta forma, o que determina
suas marcas. Não podemos nos esquecer que o que vai determinar o recorte do interdiscurso é
Fica impossível pensar que o corpus de um determinado gênero não possa trazer
Para este autor, há diferentes modos de dizer o que se diz. Os enunciados podem
remeter ao mesmo fato, mas não constroem as mesmas significações, que são construídas no
sempre.
Pêcheux.
relações de memória, que são sócio-históricas. É próprio do discurso se atualizar “só por sua
(p.56).
Temos que considerar que há gêneros mais e menos propensos a estes equívocos. O
que queremos dizer é que gêneros, como o requerimento, se mostram mais estruturalmente
fechados para a atualização enunciativa. Já gêneros marcados por subjetividade estão abertos
nossa análise.
36
CAPÍTULO 2
A Construção dos Gêneros Artigo e Ensaio
37
2.1- METODOLOGIA
periódico;
2.1.1 – PERIÓDICOS
Em meio a tantos periódicos das áreas, nos propusemos a trabalhar com aqueles que
instituições diferentes para que houvesse uma maior diversidade de temas e estilos nos textos
ALFA (UNESP)
DELTA (PUC)
EM TESE (UFMG)
38
ESTUDOS FEMINISTAS (UFSC)
GRAGOATÁ (UFF)
Nesta etapa tínhamos de decidir critérios para a seleção dos textos que seriam
muito as características dos exemplares da análise, uma vez que o número (07 ensaios e 07
artigos) já era bem reduzido, mas suficiente para o nosso objetivo dentro do tempo de
pesquisa que tínhamos (os dois anos do Mestrado). Desta forma, optamos, desde o primeiro
momento, por textos que já tinham sido publicados, pois entendemos ser uma forma de
confirmação do texto como aceito dentro do seu domínio (Marcuschi, 2002) e pertinente ao
seu corpus (Rastier, 1998). Uma outra exigência é a de que no texto, resumido ou expandido,
tivesse explícito o nome do gênero a que pertencia o mesmo, ou seja, para nós é
extremamente importante ter a classificação do gênero feita pelo seu autor. Muitas vezes o
39
autor não classificava seu texto da mesma forma que a revista o denominava, tanto que
ARTIGOS
3. CARVALHO, Maria Pinto de, Mau aluno, boa aluna? Como professores analisam
p.33-47, 2001.
ENSAIOS
40
1. ALEXANDRE, Marcos Antônio. A diferença entre o texto dramático e o texto
espetacular em seis obras apresentadas em Belo Horizonte entre os anos 1994 e 1998,
deste trabalho. Os estudos deste autor foram e são muito importantes para as pesquisas sobre
Marcuschi se refere inúmeras vezes, mas começaremos deste autor que foi nosso primeiro
41
Segundo este autor, gêneros textuais são realizações lingüísticas concretas definidas
Canal
Estilo
Conteúdo
Composição
Função
periódicos, características que pudessem determinar uma diferença entre os dois gêneros.
Estilo: não se tratando de estilo pessoal, mas do estilo geral dos textos
ensaios.
42
Composição: os dois gêneros possuem uma mesma estrutura: a do texto
ao universo científico.
Os dois gêneros na prática de sua produção são muito semelhantes. Por que, então,
receberiam designações diferentes? Por que são diferenciados nos manuais e em cursos de
produção de textos?
Não foi muito fácil encontrar definições sobre ensaio científico. Nos manuais, tanto
a resenha
o resumo
dois gêneros, duas que se referem somente ao ensaio e a quarta que se refere ao artigo.
43
A opção por estas três últimas se deve, no primeiro caso, ao fato da autora em questão
ser uma pesquisadora que se dedicou ao estudo dos ensaios na década de noventa. Já em
relação à França (1998), como é um manual de normas para publicações muito consultado,
achamos ser interessante trabalhar com sua definição, que, segundo a autora, se baseou na
A) SEVERINO (1986)
empírica e bibliográfica, o autor do ensaio científico tem que produzir um estudo formal,
bibliográfico que o diferencia dos outros trabalhos científicos, lhe é devolvido nos adjetivos
B) SILVEIRA (1992)
Para esta autora, nos ensaios “não há bibliografia, somente notas e referências”.
Já na primeira frase deste texto, podemos ver que a autora ao mesmo tempo em que
dá ao ensaio características que o afastaria dos gêneros científicos, o traz de volta para este
campo, justapondo a estas definições palavras que pertencem ao campo do ciência. O ensaio
pela visão subjetiva (não-ciência) do autor, mas este autor é um escritor cientista (ciência).
C) MEDEIROS (1996)
especializado.
45
Estruturalmente são compostos de: título do trabalho, autor, credenciais
Podemos dizer que, de acordo com Medeiros, duas características definem o artigo: 1-
p. 112)
46
O ensaio não é descrito só como um trabalho científico, como acontece na definição
de artigo. A cientificidade do gênero ensaio é marcada pelas palavras que determinam o tipo
de exposição (metódica) que é feita no texto e o tipo de conclusão (original) a que se chega
num exame que deve ser “apurado”. O rigor científico também é demonstrado no uso das
palavras “seriedade”, “lógica” e “serenidade”. O autor do ensaio pode e deve ser original,
D) FRANÇA (1998)
Mais uma vez, o artigo científico aparece definido pela sua estrutura, ou forma.
Uma questão que nos chamou atenção tanto em Silveira, quanto em Severino foi o
fato de dizerem que no ensaio não há a preocupação de se apoiar com rigor “em
47
Todos os ensaios analisados possuem referências, fontes e referências bibliográficas. Alguns
possuem até notas de rodapé. No ensaio de Valeska (1999), temos exemplos de várias
encontramos artigos de vários tamanhos. Por exemplo, o artigo de Faraco (2001) possui
tamanho menor, foram encontrados ensaios grandes, como o de Süssekind (2002) com vinte
e quatro páginas e artigos curtos como o de Carvalho (1999) com um total de nove páginas.
gêneros. Observando o gênero artigo, o autor diz que o mesmo “apresenta resultados de
científicas, também. E o próprio autor confirma isto quando fala do ensaio. A já citada revista
Em Tese publica somente trabalhos referentes às teses e dissertações de alunos dos cursos de
Em relação à classificação dos ensaios como formais e informais, nos interessa o que
considera um ensaio formal, pois nos parece que é o que se refere ao ensaio científico.
assemelham. Em relação ao primeiro, não foi encontrado em nenhum artigo do nosso corpus
os itens agradecimentos e data. Já os outros itens foram encontrados tanto em artigos quanto
48
em ensaios. Tanto em um gênero quanto no outro, foram identificadas algumas variações em
relação a essa estrutura (ou categorias textuais, segundo Silveira), principalmente seqüenciais
e de abordagem de cada tópico, o que é comum, pois temos vários sujeitos produtores dos
textos. Essa estrutura é própria dos textos dissertativos e/ou argumentativo, portanto serve
bibliográfica.
texto.
Um último ponto que iremos abordar aqui é o caráter não finalizador do ensaio.
Silveira afirma que este gênero “propicia novas discussões, debates a partir de outra
perspectiva”. Esta não é uma característica do discurso científico como um todo? Qual
“saber” é finalizador?
forma:
4
Adotamos tipo textual de acordo com Marcuschi (2002)
49
Como se pôde observar, o tema dos empréstimos não é simples e
poemas) a negra tinta, com a qual tenta, mas não consegue, dominar a
Em qual das duas finalizações há uma avaliação com uma abertura maior para
discussões acerca do tema? Parece-nos que no primeiro caso, em que o autor apenas propõe
uma nova frente de trabalho em relação às suas reflexões. No ensaio a autora conclui de
50
forma muito mais assertiva sem levantar questões a respeito. Logicamente que todo estudo
Buscar estas definições dos dois gêneros nos trouxe dados interessantes apesar de não
Desta forma, podemos dizer que a diferença entre os gêneros não se encontra somente
ocorrem nos dois gêneros. Também, como podemos perceber, as definições são muito
diversas, indo desde tamanho do texto até a posição do autor perante o tema tratado.
diferença da designação?
percebemos que na constituição das definições poderíamos obter muitos dados que nos
interessam.
Orlandi (2001) nos diz que os processos de produção do discurso possuem três
circulação que se refere às condições em que este discurso circula, em qualquer contexto.
Observamos que as definições de artigo visam muito sua estrutura. O artigo científico
é definido por uma estrutura textual que o gênero deve seguir. Temos a confirmação disto em
Medeiros e França. Os dois autores apóiam sua definição do gênero na estrutura do mesmo:
tamanho, “título do trabalho, autor, credenciais do autor, locais das atividades; sinopse; corpo
51
apêndice, anexos, agradecimentos, data).” em Medeiros e “Cabeçalho; - Resumo (na língua
Ao definir o ensaio científico, os autores já não mais trabalham só com a forma destes
textos mas com o conteúdo dos mesmos, enfatizando suas características em relação a isto.
(Silveira); “apurado exame do assunto”, “seriedade dos objetivos e pela lógica do texto”,
dos adjetivos. Um adjetivo ou uma expressão que valha como tal está a todo momento
Há nestas definições não só uma descrição do que seja o gênero ensaio científico,
como acontece com o artigo, mas também o que podemos chamar de um ‘juízo de valor’
Concordamos com Orlandi (2001) que mais importante que colocar em questão o que
o texto diz é discutir como ele diz o que diz. Voltaremos a esta questão no terceiro capítulo.
Pensamos que as normas de publicação de cada revista nos dariam dados importantes,
uma vez que se espera encontrar lá as regras que deverão ser respeitadas pelos autores dos
52
textos encaminhados para a editoração. Mas, no caso da nossa investigação, muitas vezes só
encontramos regras para artigos científicos, o que pode ser justificado pelo pré-construído do
gênero, assegurado pelo gerenciamento do corpus pela ciência. Em algumas revistas, apesar
de publicarem ensaios não explicitavam nas normas o que chamavam de ensaios científicos.
comentava cada um dos textos daquela publicação. Mesmo assim, foi difícil fazer este
levantamento, uma vez que os textos em algumas revistas eram apresentados pelo seu
A) ALFA
a) Informações gerais
Sub-dividida em:
1- Apresentação
2- Estrutura do trabalho
3- Referências
4- Abreviaturas
5- Citação no texto
6- Notas
53
8- Figuras
traduções e textos de debate “voltados para um tema determinado pela comissão editorial.
O ensaio não é citado, apesar de falar em “textos de debates” que remete a definições
Não há exigências diferentes para cada um dos gêneros. A estrutura dos textos, por
Título
Nome do autor
Filiação científico
Palavras-chave (máximo 7)
Agradecimentos
Referências bibliográficas
Bibliografias consultadas
Apresentação
‘ensaio’ de Faraco.
54
A apresentação é assinada pelo “editor responsável”. Ao apresentar o texto de Silva,
sem explicitar o gênero textual. Também na apresentação do texto de Faraco não há menção
distanciamento entre o que está sendo chamado de ‘artigo’ e os outros textos classificados
como ‘trabalho’.
55
As autoras dos ‘artigos’ são “convidadas”, “dois nomes de reconhecida dedicação ao
(grifo nosso)
Este tratamento que diferencia autores e gêneros advém da memória discursiva tanto
dos gêneros como dos autores dos textos apresentados no que diz respeito ao âmbito da
citadas acima: “opiniões, debates, expressão de idéias” não estariam relacionadas ao ensaio e
B) DELTA
56
Estes trabalhos devem ser enviados em forma de: artigos, debates e questões e
problemas, retrospectivas, resenhas, notas de livro. Destes, o único gênero (ou seria seção?)
que tem uma definição explícita é a retrospectiva, “síntese crítica acerca do estado da
ciência”.
Dividida em :
1. Notas
2. Ênfase
3. Abstract / Resumo
4. Referência bibliográfica
5. Anexos
6. Tamanho:
Podemos perceber que as diferença entre os textos muito tem a ver com a sua
extensão em números de palavras. Mas achamos cabível a pergunta: estes são gêneros ou
57
que então o termo ensaio não aparece nesta revista? Será que a resposta estaria na afetação
que este termo recebe dentro do campo científico, como veremos mais adiante?
Apresentação
seguinte forma:
(...)
numa nova era, itensificando o diálogo que há muito vem travando com
“Discutir” e “pensar sobre”, de acordo com o que vimos na definições (2.2.1) são
características do gênero ‘ensaio’. Além disso, este texto é todo marcado por discussões
58
C) EM TESE
Apresentação
Após esta rápida apresentação dos textos, o editor fala da composição dos cursos do
programa em questão. Fecha dizendo que os “trabalhos” que estão publicados ali oferecem
* Esta é a única revista em que a denominação dada pelo editor difere da denominação dada pela revista.
Como a revista traz resultados de pesquisas, muitas delas originais, estes textos
deveriam, de acordo com as definições apresentadas, ser classificados como ‘artigos’ e não
como ‘ensaios’.
59
D) ESTUDOS FEMINISTAS
bibliografia.
1- artigo
Apesar da diferença aqui estar relacionada apenas à extensão dos textos, esta foi a
única revista dentre as pesquisadas que deixa clara a diferença que faz entre os gêneros artigo
e ensaio científicos.
60
Editorial
nosso ensaio para análise. Apesar de estar na seção “ensaio” e ‘caber’ na definição
Resenha – divulgar
Tivemos muitas dúvidas sobre como diferenciar ponto de vista de ensaio e dossiê de
artigo. Mais uma vez, temos a mistura entre o que é gênero, seção e assunto.
E) GRAGOATÁ
61
Esta revista aceita “originais sob forma de artigos inéditos e resenhas de interesse
Apesar de nas normas só haver estes dois gêneros, na apresentação aparecem outros,
Apresentação
Segundo as organizadoras que apresentam este número da revista, nos ‘ensaios’ serão
encontrados “desde reflexões teóricas de âmbito mais vasto até enfoques analíticos sobre
(p.05), que mais adiante são substituídos por “esses debates” (p.06). Um destes textos é o de
Elas, dentro desta classificação, citam os “textos voltados para questões mais
o texto de Alves, estudado por nós nesta pesquisa. Como o único gênero citado é o ensaio,
subdividiram pela abordagem dada por seus produtores ao tema proposto. Mas isto não fica
muito claro.
62
TEXTO DENOMINAÇÃO/AUTOR DENOMINAÇÃO/APRESENTAÇÃO
1- Há uma diferença entre a definições dos dois gêneros e a prática de produção dos
mesmos.
2- O gênero artigo científico tem definições mais voltadas para sua estrutura, não tendo
5- Há uma confusão dos termos usados nas normas para publicação ao fazer referência
63
CAPITULO 3
Artigos, Ensaios e Ciência: A Questão do Nome
64
3.1 - DESDOBRAMENTOS
Após a descrição do material analisado, podemos voltar aos autores das páginas 44 a
47 e verificar que as características dos artigos e ensaios científicos na prática não são
características dos artigos e dos ensaios que os afastam de suas definições canônicas ao
mesmo tempo que os aproxima a ponto de, em muitos momentos, ficarmos em dúvida em
reflexões a respeito dos gêneros textuais e os modos de enunciação. Quanto à relação entre o
texto e seu corpus, como proposto por Rastier, Dias (2004, p.04) afirma:
novos gêneros.
Como já dissemos no capítulo 1, alguns gêneros são mais propensos a estes equívocos
que outros, ou seja, gêneros como o requerimento se mostram mais estruturalmente fechados
para a atualização enunciativa. Já gêneros marcados por uma subjetividade maior estão
abertos a uma diversidade do uso destas regularidades. Consideramos tanto o gênero artigo
65
No acontecimento enunciativo, em que um texto ganha existência
‘renovam’ com o tempo. Uns mais, outros menos, lógico.” (idem, p.03)
Na perspectiva de Guimarães (1995) e Dias (2004), o que ocorre com os gêneros aqui
investigados é essa “fuga” ao seu corpus, o que causa muitas vezes a impressão de que os
textos pertencem a um mesmo gênero. O autor dos textos, o sujeito que ocupa a “função-
autor” na enunciação, produz de acordo com esta memória histórica dos gêneros a sua
atualização.
gêneros a ponto de ser difícil a definição de cada um deles, o que motiva o produtor destes
textos a classificá-los como artigo ou como ensaio, mesmo quando sua classificação vai de
Poderíamos pensar que seria somente uma questão de ‘escolha’ do autor que tem que
nomear a sua produção. Mas como vemos a enunciação como um acontecimento histórico,
não podemos acreditar que uma escolha fuja da memória discursiva do sujeito deste discurso.
5
Talvez em outros campos, como o da Filosofia, o ensaio tenha marcas mais fortes que o diferencie do artigo, mas no campo
das Letras e das Ciências Sociais, em que realizei a pesquisa, isto não ocorre sempre com tanta clareza, como demonstrado.
66
Não é o sujeito que nomeia, ou refere, nem a expressão, mas o
Desta forma, ao denominar, faz-se a referência a algo, e ao se referir, não se pode fugir
Se a resposta a esta questão não se encontra na estrutura ou tema ou função dos textos
ou no suporte dos mesmos, já que são aspectos comuns aos dois gêneros, é necessário um
deslocamento do olhar que agora se volta não só para o texto como objeto empírico, mas ao
texto como pensado por Guimarães (1995), afetado pela historicidade do gênero a ser
produzido.
Como um autor se filia a elementos desta memória ao produzir o ‘seu’ texto? Que
aspectos desta memória são buscados? Quais os elementos da memória dos gêneros artigo e
ensaio científicos realizam no acontecimento o efeito pretendido pelo autor e que o faz optar
por um deles?
depois que abre o lugar dos sentidos, e um passado que não é lembrança
67
conviviabilidade de tempos, sem a qual não há sentido, não há
seu texto será afetada pela historicidade de cada um dos gêneros. Esta nomeação é um fator
designação que significa a partir de relações históricas. Assim, ao nomear o texto dentro de
nome tanto para o autor do texto quanto para os efeitos de sentido que pretende com o seu
texto.
Na ordem do discurso exposta por Foulcault, estes textos são textos autorizados dentro
do domínio científico, pois são publicações de revistas especializadas, que possuem uma
comissão (de membros também autorizados) que analisa e seleciona os textos que constituirão
o número da revista.
Também são textos aceitos como elementos do corpus, como propõe Rastier (1998),
uma vez que são reconhecidos como gêneros próprios do domínio científico. A publicação
Mais uma vez, através destas constatações, podemos estabelecer relações entre
gêneros e sua historicidade, já que tanto Foucault como Rastier estabelecem relações
68
históricas para a construção dos seus estudos. O pertencimento a uma ordem discursiva e a
textos aqui analisados possuem o sujeito que lhes dão forma enquanto textos – científicos –
ensaio – artigo.
(Guimarães, 2002, p.24) que irá, através dos textos ali publicados, enunciar categorias
pertinentes e relevantes para o círculo acadêmico-científico que terá acesso às revistas. Como
este locutor é um lugar de ocupação do sujeito (Guimarães, 2000 e 2002 & Orlandi, 1996),
sabemos que esta enunciação jamais será individual. A pertinência está aí, pois o elemento da
texto científico é afetado pela memória do corpus dentro desta ordem discursiva.
Assim, voltando aos nossos artigos e ensaios, acreditamos que ao denominar os textos,
‘artigo’?
Os dados que reunimos nesta pesquisa já revelam muito da ocupação de cada um dos
dois gêneros neste campo. Vimos que o artigo é o gênero recorrente nos manuais de produção
científica. Também não encontramos uma só revista dita científica que não tivesse artigos em
69
ARTIGO: sm. 1 mercadoria, mercancia. 2 Dir. parágrafo, item. 3 assunto, tópico,
conjunção. (p.61)
ENSAIO: ( dofr essai> lat. tard. exagiu) sm. Liter. Obra literária em prosa, analítica
ou interpretativa, sobre determinado assunto, porém menos aprofundada e/ou menor que um
Horizonte, encontramos:
ARTIGO: s. Do latim articulu – (vj. artelho), pela série articulu - > artigulu - >
artigoo - > artigo. Em 1339: << am pellos artygoos que lhe da parte do bispo e cabidoo foram
dados >> Desc., I, p. 56. Artigo em 1361: <<ao que dizem no trinta e três artigo que o papa
outorgara as dizemas >>, ibid., p. 113. O sentido gramatical do séc. XVI: << Artigo é huã das
partes da oraçam, a qual como ia dissemos na tem os latinos >>, João de Barros, Gramática,
ENSAIO: s. Do lat. exagiu, - / << peso, pesagem >>, mas atestado desde o séc. IV no
sentido de <<ensaio>>, talvez pelo cast. ensayo (este talvez do ant. prov. ensai). Séc. XVI:
<<Em Bacanôr fará cruel ensayo / No Malabar...>>, Lus., X, 59; talvez seja, porém, anterior,
pois o v. ensaiar no séc.XV: << E por em se emsayavã alguns em aquellas cousas que
70
A palavra ensaio, apesar de ter registros mais antigos que a palavra artigo, está muito
dos textos científicos, a aproxima de um fazer científico que procura trazer algo além das
‘certezas’ da ciência.
Bons exemplos disto nos são dados pelo historiador inglês Peter Burke (2001) em seu
“Um ensaio sobre ensaios”, em que cita vários ensaístas e a relação dos mesmos com este
gênero desde seu “criador” Montaigne. Vejamos o que Burke fala sobre o francês Michel de
‘essai’).
(...)
estudos sobre o seu amado Pernambuco em vez de fingir ser objetivo, Era
71
‘impressionismo’, seu foco em vivos detalhes da vida cotidiana. (p.01-02,
passim)
autores acima citados. Nos textos por nós pesquisados e em todos os textos, principalmente
sempre.
discursiva de cada um dos gêneros existe em dicionários, em manuais científicos, nas normas
será afetado por esta ‘rede’ de significações que sustentam estas duas palavras: ARTIGO e
ENSAIO, que vêm determinadas por outra palavra que também carrega uma série de
significações: científicos.
fazemos ao utilizarmos a língua) ao denominar seu texto, o locutor será afetado e ‘escolherá’
aquela rede de significações que irá promover, no acontecimento de linguagem em que está
nome, mas não enquanto algo próprio das questões de linguagem, mas
72
Passando para a análise da construção das definições dos dois gêneros, observando sua
textualidade (Guimarães, 1995), encontramos diferenças que são um dado importante para o
nosso estudo. Os gêneros, como já falado neste texto, têm sua organização como todo
discursiva dos seus usuários. O artigo e o ensaio científicos estão inseridos no domínio
discursivo da ciência. Como a memória destes gêneros é que determinará suas definições - o
que são, como são construídos, para que servem, onde e como devem ser utilizados - estas
materialização desta memória discursiva. Por isto, a forma pela qual os autores construíram
suas definições de artigo e ensaio científicos (item 2.2.1) faz diferença para a análise dos
gêneros.
Aquilo o que Rancière (1994) trata como ciência e não-ciência na relação entre
história e não-história, podemos aplicar aqui, ao notarmos que os gêneros artigos e ensaios
73
O artigo científico, que, como dissemos, é um gênero comum a todas as revistas e
manuais científicos, recebe da ciência o suporte para a entrada do texto em seu corpus, este
gênero não precisa de ‘salvamento’ para pertencer ao grupo dos gêneros científicos. Este
estatuto já lhe foi dado pela sua memória dentro deste domínio. A esfera da ciência já
Já o ensaio científico é afetado por um pré-construído que não o garante como parte
da ciência e, por isto, ainda há uma necessidade de se trazer este gênero textual para o campo
utilizar tantos adjetivos ou expressões caracterizadoras para definir os ensaios: “alto nível da
dos objetivos e pela lógica do texto”, “espírito crítico do autor” (Medeiros), parece acontecer
a tentativa de uma afirmação de que este gênero possui características necessárias para fazer
já sustentado pelo estatuto da ciência. E o ensaio ainda precisa fazer um ‘esforço’ para ser
inserido no corpus. O ensaio não está garantido no campo da Ciência, é um gênero que tem
ao corpus (como sendo da ciência). O artigo seria um gênero afetado pelo científico e o
74
CAPÍTULO 4
Considerações Finais
75
Não é um consenso a nomenclatura usada nos periódicos científicos para se referir a
gêneros e seções de revistas. Vimos que isto se mistura a todo momento. Nas normas para
publicação, muitas vezes o gênero nomeia a seção e o que deveria ser uma seção, torna-se um
gênero, como acontece na revista DELTA, em que uma das formas de trabalho apresentadas
pode ser “debates e questões e problemas” que aparece junto dos gêneros “artigos e
Revista Alfa que pede trabalhos na forma de: “artigos, retrospectivas, resenhas, traduções e
textos de debate. “Traduções e textos de debates” não seriam modalidades que viriam em
Os textos publicados nas revistas científicas lá estão porque foram autorizados a isso
por possuírem características exigidas para tal aceitação. O artigo é um gênero que traz em si
um pré-construído de científico e por isso deve estar presente em todos os periódicos que se
classificam como fazendo parte da ciência. Este gênero já tem o seu lugar assegurado pela
memória discursiva que carrega e o seu pertencimento já lhe é dado pela própria ciência. Não
é causa de estranhamento o fato deste gênero ser comum a todos os manuais e periódicos de
textos científicos.
Já o ensaio tem sua memória afetada por questões fora do que é entendido como
científico. Sempre muito relacionado ao literário, o ensaio precisa de um esforço maior para
ser aceito como um gênero científico. Isto, confirmamos na ausência do termo em alguns
manuais (como o de Lessa, que é apoiado na ABNT) e em algumas revistas. Outro fator
76
importante são as definições deste gênero, em que vimos uma preocupação para justificar o
Por isto, se torna tão relevante o estudo de Rastier que passa o estatuto de unidade do
texto para o corpus, fazendo com que a dimensão do que seja um gênero não fique restrita a
um contexto tão imediato como o que é tratado na Lingüística de Gêneros. E tão importante
quanto este estudo, são os outros que trouxemos para esta discussão, pois tratam da
E, a partir disto, podemos dizer que as nossas perguntas iniciais só poderão ser
classificarmos um gênero, temos que estudar seu corpus e toda a memória que afeta os outros
textos que fazem parte daquele conjunto, o acontecimento que torna aquele gênero pertinente
Assim, podemos dizer que os gêneros textuais se submetem aos modos de enunciação,
Achamos que este estudo não se esgota aqui, muito pelo contrário. Sabemos da
investigação com outros gêneros. Estamos, pois, satisfeitos em demonstrar que as categorias
até aqui estudadas são insuficientes para a definição dos gêneros textuais e em propor uma
nova categoria, a designação, não como elemento finalizador, mas como um elemento a mais,
constituinte do gênero.
77
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACHARD, Pierre . Memória e produção discursiva do sentido. In: ACHARD, Pierre (et al)
Papel da Memória. Campinas, SP: Pontes, 1999. p. 11-21.
BURKE, Peter. Um ensaio sobre ensaios. Folha de São Paulo, São Paulo, 13 Mai. 2001.
Disponível em: www.folha.uol.com.br/fsp/mais.
DIAS, Luiz Francisco. Modos de enunciação e gêneros textuais: em busca de um novo olhar sobre
gêneros de texto. In: FONSECA, M. C. Em torno da lingua(gem): questões e análises. Vitória da
conquista: UESB, 2004 (no prelo).
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Novo Aurélio séc. XXI. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1999.
FRANÇA, Júnia Lessa; VASCONCELOS, Ana Cristina de. Manual para normatização de
publicações técnico-científicas. 7ed. Belo Horizonte: UFMG, 2004.
LIMA, Kleverson T. São Caetano: Vestígios: no início do século XX. Mariana: PIBIC/CNPQ,
2001. Relatório.
MEDEIROS, João Bosco. Redação Científica: a prática de fichamentos, resumos, resenhas. São
Paulo: Atlas, 1991.
78
ORLANDI, Eni P Discurso e texto: formação e circulação dos sentidos. Campinas:Pontes, 2001.
______________. Divulgação científica e efeito leitor: uma política social urbana. In:
GUIMARÂES, Eduardo (org). Produção e circulação do conhecimento: estado, mídia e
sociedade. Campinas, SP: Pontes, 2001. p.21-30
.
_______________. Exterioridade e ideologia. Cadernos de Estudos Lingüísticos. Campinas, n.30,
1996. p. 27-33.
RANCIÈRE, Jacques. Os nomes da História: um ensaio sobre a poética do saber. Campinas, SP:
Pontes, 1994.
79