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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA – UFBA

FACULDADE DE DIREITO – FDUFBA


CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ESTADO E DIREITO DOS POVOS E
COMUNIDADES TRADICIONAIS
DISCIPLINA: DIRB 81 – TÓPICOS DE ANTROPOLOGIA
DOCENTE: MARIANA BALEM
DISCENTE: LUCI ELZA NASCIMENTO
POLO: SÃO FRANCISCO DO CONDE

JUDICIALIZAÇÃO: NOVO PARADIGMA PARA EXERCÍCIO DA LIBERDADE


RELIGIOSA.

O Censo Demográfico de 2010 mostra que houve crescimento na diversidade dos grupos
religiosos no Brasil. Dos dados coletados a partir da população total recenseada (161.
016.785), se auto declararam católicos 64,6%, a população evangélica (pentecostal, de missão
e não determinadas) 22,2%, 2% de espíritas, 8% sem religião e 0,3% os adeptos do
candomblé e umbanda.

Embora o perfil religioso da população brasileira se mantenha, segundo o IBGE a histórica


maioria de católicos vem reduzindo desde o primeiro Censo, cuja proporção já chegou a ser
de 99,7% e um outro dado é, em 30 anos, o aumento do percentual de evangélicos 6,6% para
22,2%.

A utilização de dados estatísticos serve para demonstrar que a hegemonia católica vem
sofrendo polarização, ou seja, “a sociedade brasileira está passando por um processo de
transição religiosa que é notório” (PIERUCCI, 2012). Os registros censitários demonstram a
migração de católicos para outras religiões, ou mesmo para nenhuma, dado ao número de
brasileiros que se dizem sem religião.

Esse lento vir a ser, ao mesmo tempo matemático e falastrão, vai pouco a pouco
desfigurando nosso velho semblante cultural com a introdução gradual, mas nem por
isso menos corrosiva, de estranhamentos e distâncias, descontinuidades e respiros no
batido ramerrão do imaginário religioso nacional.1

A migração pressupõe liberdade de escolha religiosa, logo na ampliação da diversidade


religiosa no Brasil. Hoje, a sociedade brasileira goza de liberdade religiosa e exercita o
convívio entre as religiões diferentes, razão pela qual estamos num processo de revalorização,
principalmente, por ser exercitado sema regulação do Estado, laico por deliberação.

A liberdade religiosa tem uma dimensão jurídico-subjetiva que se ampara na liberdade de


pensamento, conforme exemplifica José Afonso da Silva, o qual afirma que, “em sua
exteriorização, é forma de manifestação de pensamento, embora tenha conteúdo mais
complexo devido às implicações que gera”.2

De forma mais ampla, Weingartner Neto3 afirma que o direito fundamental de liberdade
religiosa tem correlação direta com a liberdade de consciência, segundo o qual o princípio
está em autorizar até ausência de crença e dá soberania ao direito de consciência com base na
“gestão de valores do espírito”, aspecto relevante para a autodeterminação de cada pessoa
humana.

Na Constituição Federal Brasileira de 1988, a liberdade religiosa, enquanto direito


fundamental,
está presente em seu artigo 5º, e explicita no inciso VI - é inviolável a liberdade de
consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida,
na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias, da mesma forma no inciso
VII que determina - que trata do direito de assistência religiosa nas entidades civis e militares
de internação coletiva - e no inciso VIII que trata da não privação de direitos por motivo de
crença religiosa - objeção de consciência.
1
SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 251.
2
WEINGARTNER NETO, Jayme. Liberdade religiosa na Constituição: fundamentalismo, pluralismo, crenças, cultos. Porto
Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007. p.80.
3
WEINGARTNER NETO, Jayme. Liberdade religiosa na Constituição: fundamentalismo, pluralismo, crenças,
cultos. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007. p.80.
Assim, conforme a Carta Magna ninguém possa ser molestado, nem impedido, direta ou
indiretamente, de praticar o culto correspondente a suas crenças religiosas, ou o contrário. Da
mesma forma, práticas de culto que ultrapassam o espaço geográfico dos templos e a moral e
as regras de conduta própria de cada organização religiosa.

É nesta perspectiva, que um dentre tantos casos de limitação da liberdade religiosa, serve para
análise. A Ação Civil Pública nº 33226-39.2011.4.01.3300 movida pelo Ministério Público
Estadual- Ba e Federal, contra Ademir Oliveira dos Passos, proprietário de uma área contígua
ao terreiro, na qual estava construindo um loteamento, paralise qualquer ação de construção,
derrubada, reforma ou alteração no local que interfira nos cultos, rituais e andamentos
próprios do candomblé no terreiro ‘Zô Ogodô Malê Bogun Seja Hundê’, conhecida como
Roça do Ventura, localizado no município de Cachoeira, a 110 km de Salvador4.

O demandado, em outubro de 2010, com o objetivo de construir um loteamento no local onde


funciona o templo religioso Zô Ogodô Malê Bogun Seja Hundê, determinou que prepostos
seus invadissem a área com um trator e destruíssem sete hectares de mata, derrubando árvores
sagradas centenárias, alterando a ‘Lagoa de Nanã’ e causando danos ao ‘Barracão da Roça de
Cima’, utilizado para a realização de ritos e estoque de materiais de uso próprio, e destruindo
locais de culto, que acontecem há mais de um século. Com esta ação o demandado além de
desrespeitar a liberdade religiosa, violou área em processo de tombamento pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Este é um caso que pode ser considerado de sucesso pois o Estado age como garantidor dos
direitos daquela comunidade, no entanto, se levarmos em consideração os inúmeros caso que
não chegam ao Judiciário, demonstram que nos que se refere à garantia dos direitos do povo
de santo, extrapola os limites da norma constitucional, tendo em vista a crescente
judicialização para garantia do exercício da liberdade religiosa.

Luís Roberto Barroso esclarece acerca da judicialização:

A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do


modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade
4
Análise de sentença judicial apresentada na disciplina Direito Constitucional dos Povos e Comunidades
Tradicionais, lecionada pelo Mestre Gabriel Marques.
política(...) Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão
política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário e (...)envolve
uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na
linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade5.

Este esclarecimento, demonstra o quanto tem sido corriqueiro a efetivação do direito


fundamental à liberdade religiosa, em detrimento do constitucionalismo e da democracia,
pois, é exercida através de decisão judicial e estas devem proteger o indivíduo e da
comunidade, mas não está imune à intolerância religiosa, pois mesmo entre os nossos
julgadores há aqueles que seu convencimento demonstram desconhecimento das religiões de
matriz africana e preconceitos culturais e históricos, os mesmos que levaram à judicialização
do direito à liberdade religiosa.

5
BARROSO. Luís Roberto. JUDICIALIZAÇÃO, ATIVISMO JUDICIAL E LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA.
Disponível em: http://www.cnj.jus.br/eadcnj/mod/resource/view.php?id=47743. Acesso em: 30/10/2017.

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