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GLOBALIZAÇÃO, DEMOCRACIA E TERRORISMO

ERIC HOBSBAWM

OMPANHIA DAS LETRAS

Título original: Globalisation, democracy and terrorism

Tradução: José Viegas

Gênero: Sociologia e política

Numeração: rodapé - 182 pags

Contracapa

Nos dez textos que compõem este livro, o renomado historiador Eric
Hobsbawm, autor do clássico Era dos extremos, analisa a situação mundial
no início do novo milênio e trata dos problemas mais agudos que nos
confrontam. Nesta esclarecedora aula de história contemporânea, Hobsbawm
traça um painel do cenário político internacional ao discorrer sobre
temas como guerra e paz, imperialismo, nacionalismo e hegemonia,
ordem pública e terrorismo, mercado e democracia, o poder da mídia
e até futebol.

"O mais importante historiador ainda em atuação." - Sylvia Colombo,


Folha de S.Paulo

"Com grande lucidez e a concisão que lhe é natural, Hobsbawm esboça o


novo cenário do século XXI." - The Guardian "Globalização, democracia e
terrorismo dá uma boa idéia do vigor e da paixão com que este grande
intelectual investiga o mundo contemporâneo." - Sunday
Telegraph

Orelhas

Nesta coletânea de dez palestras e conferências, Eric Hobsbawm, um dos


maiores historiadores vivos, faz um balanço dos principais
temas que compõem o cenário internacional contemporâneo. Com a
profundidade que o caracteriza, o pensador inglês examina a política
atual adotada pelas grandes potências e não se exime de fazer
comentários afiados a respeito das tendências que têm marcado a evolução
da história recente.
Em textos leves e elegantes, Hobsbawm discute a democracia e a
anarquia, o nacionalismo e o terrorismo, o estado nacional e as
organizações transnacionais, a guerra e a paz, a violência e a ordem
pública, o poder da mídia, o futebol e a cultura contemporânea. Para o
autor, os efeitos nem sempre positivos da globalização, as dúvidas
e problemas que abalam a democracia, e a tragédia ainda não superada
do terrorismo, não são tratados apenas como questões teóricas, mas como
assuntos concretos ligados diretamente à vida cotidiana, influindo, por
exemplo, no aumento da violência urbana, no nível de empregos e nas
próximas eleições.
Longe de ser um otimista, Hobsbawm considera remotas as perspectivas
de uma paz mundial sólida no século XXI e ressalta o forte crescimento
das desigualdades econômicas e sociais, acentuadas pela
globalização baseada no conceito de mercado livre. Crítico impiedoso
do atual governo dos Estados Unidos, o historiador analisa as
impressionantes ações imperialistas desenvolvidas por Washington desde
o término da Guerra Fria, os erros que tem cometido e a necessidade
urgente de que aprenda as lições da história e evite contribuir para
que o mundo se torne cada vez mais um lugar de desequilíbrio político
e ambiental, caracterizado pela desordem, pelo conflito e pela
barbárie.

Eric Hobsbawm nasceu em Alexandria, em 1917, e educou-se na


Áustria, na Alemanha e na Inglaterra. Recebeu o título de doutor
honoris causa de universidades de diversos países. Lecionou até se
aposentar no Birkbeck College, da Universidade de Londres, e
posteriormente na New School for Social Research, de Nova York. De
sua autoria, a Companhia das Letras publicou Era dos extremos (1995),
Ecos da MarseIhesa (1996), Sobre história (1998), O novo século (2000)
e Tempos interessantes (2002).

GLOBALIZAÇÃO, DEMOCRACIA
TERRORISMO
COMPANHIA DAS LETRAS

GLOBALIZAÇÃO, DEMOCRACIA E TERRORISMO

ERIC HOBSBAWM
Globalização, democracia e terrorismo
Tradução

José Viegas

2ª reimpressão
OMPANHIA DAS LETRAS

Copyright (c) 2007 by Eric Hobsbawm


Título original
Globalisation, democracy and terrorism

Capa
Hélio de Almeida

Foto de capa
A fachada sul da torre sul (World Trade Center, Nova York), de Joel Meyerowitz.
Cortesia da
Galeria Edwynn Houk.
Preparação
Cacilda Guerra

Revisão
Ana Maria Barbosa
Valquíria Delia Pozza

índice remissivo
Luciano Marchiori,

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)


Hobsbawm, Eric, 1917
Globalização, democracia e terrorismo / Eric Hobsbawm;
tradução José Viegas. - São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

Título original: Globalisation, democracy and terrorism


ISBN 978-85-359-1130-5
1. Globalização - Aspectos sociais 2. Globalização - Aspectos
políticos 3. Mudança social 4. Terrorismo I. Título.

07-8664 CDD-327.1
Índice para catálogo sistemático:
1. Globalização: Aspectos políticos: Ciência política 327.1
[2008]

Todos os direitos desta edição reservados à


EDITORA SCHWARCZ LTDA.
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Telefone (11) 3707-3500
Fax (11) 3707-3501
www.companhiadasletras.com.br

Sumário

Prefácio____............................................ 9

1. Guerra e paz no século XX ........................... 21


2. Guerra, paz e hegemonia no início do século XXI ...... 36
3. Por que a hegemonia dos Estados Unidos difere da do Império Britânico
............................... 54
4. Sobre o fim dos impérios ............................ 77
5. As nações e o nacionalismo no novo século ........... 86
6. As perspectivas da democracia ...................... 97
7. A disseminação da democracia ...................... 116
8.0 terror............................................ 121
9. A ordem pública em uma era de violência ............ 138
10.0 império se expande cada vez mais ................. 152

Notas ................................................. 165


índice remissivo ....................................... 171

Prefácio
O século XX foi a era mais extraordinária da história da humanidade,
combinando catástrofes humanas de dimensões inéditas, conquistas
materiais substanciais e um aumento sem precedentes da nossa capacidade
de transformar e talvez destruir o planeta - e até de penetrar no espaço
exterior. Qual é a melhor maneira de refletir sobre essa "era dos
extremos" e imaginar as perspectivas da nova era que surge a partir da
antiga? Esta coleção de ensaios é a tentativa de um historiador de
examinar, analisar e compreender a situação do mundo no início do
terceiro milênio e alguns dos principais problemas políticos que nos
confrontam hoje. Eles suplementam e atualizam o que escrevi em
publicações anteriores, sobretudo a minha história do "breve
século XX", Era dos extremos, a entrevista sobre O novo século com
o jornalista italiano Antônio Polito e Nações e nacionalismo desde
1780. Essas tentativas são necessárias. Qual é a contribuição dos
historiadores para tal tarefa? Sua função principal, além de
relembrar o que outros esqueceram ou querem esquecer, é tomar
distância, tanto quanto possível, dos registros da época
9

contemporânea e vê-los em um contexto mais amplo e com uma


perspectiva mais longa.
Nesta coleção de estudos, mais que nada sobre temas políticos,
escolhi focalizar cinco conjuntos de questões que hoje requerem um
pensamento claro e bem informado: a questão genérica da guerra e da paz
no século XXI, o passado e o futuro dos impérios globais, a natureza e
o contexto cambiante do nacionalismo, o futuro da democracia liberal
e a questão da violência política e do terror. Todas elas têm lugar em
um cenário mundial dominado por dois desenvolvimentos correlatos: a
aceleração enorme e contínua da capacidade da espécie humana de modificar
o planeta por meio da tecnologia e da atividade econômica e a
globalização. O primeiro deles, infelizmente, não produziu até aqui um
impacto significativo sobre os que tomam as decisões políticas. A
maximização do crescimento econômico continua a ser o objetivo dos
governos, e não existe ainda uma perspectiva realista para que se
dêem passos efetivos que nos permitam enfrentar a crise do aquecimento
global. Por outro lado, desde a década de 1960, o avanço acelerado da
globalização ou seja, o mundo visto como um conjunto único de atividades
interconectadas que não são estorvadas pelas fronteiras locais-provocou
um profundo impacto político e cultural, sobretudo na sua forma
atualmente dominante de um mercado global livre e sem controles. Estes
ensaios não discutem esse ponto especificamente, sobretudo porque a
política é o principal campo da atividade humana que praticamente não
foi afetado pela globalização. Tratando de realizar a duvidosa tarefa de
quantificá-la, o índice de Globalização KOF (2007), da Suíça, não
teve dificuldades em encontrar indicadores de fluxos econômicos
e de informação, contatos pessoais ou difusão cultural (como o número de
lanchonetes McDonald's e de lojas da rede de móveis IKEA por habitante),
mas não conseguiu nenhuma medida melhor para a "globalização política"
do que o número de embaixadas em

10

determinado país e sua participação em organismos internacionais e em


missões do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Uma discussão ampla sobre a globalização está fora do escopo deste
livro. Contudo, três observações de ordem geral a respeito dela são
particularmente pertinentes para os temas aqui cobertos.
Primeiro, a globalização acompanhada de mercados livres, atualmente
tão em voga, trouxe consigo uma dramática acentuação das desigualdades
econômicas e sociais no interior das nações e entre elas. Não há
indícios de que essa polarização não esteja prosseguindo dentro dos
países, apesar de uma diminuição geral da pobreza extrema. Este surto
de desigualdade, especialmente em condições de extrema instabilidade
econômica como as que se criaram com os mercados livres globais na
década de 1990, está na base das importantes tensões sociais e políticas
do novo século. Na medida em que as desigualdades internacionais podem
também estar sofrendo pressões decorrentes da ascensão das novas econo-
mias asiáticas, tanto a ameaça aos níveis de vida relativamente
astronômicos dos povos do velho Norte quanto a impossibilidade prática
de alcançar algo parecido para as vastas populações de países como a
índia e a China produzirão suas próprias tensões internas e
internacionais.
Segundo, o impacto dessa globalização é mais sensível para os
que menos se beneficiam dela. Daí provém a crescente polarização
de pontos de vista a seu respeito, entre os que estão potencialmente
protegidos contra seus efeitos negativos - os empresários, que
podem reduzir seus custos utilizando mão-de-obra barata de
outros países, os profissionais da alta tecnologia e os formados em
cursos de educação superior, que podem conseguir trabalho em
qualquer economia de mercado de alta renda e os que não estão.
É por isso que, para a maior parte daqueles que vivem dos salários
provenientes dos seus empregos nos velhos "países desenvolvidos",
11
o começo do século XXI oferece um quadro sombrio, para não dizer
sinistro. O mercado livre global afetou a capacidade de seus países
e sistemas de bem-estar social para proteger seu estilo de vida. Em
uma economia global, eles competem com homens e mulheres de
outros países que têm as mesmas qualificações, mas recebem apenas uma
fração dos salários vigentes no Ocidente e sofrem nos seus próprios
países as pressões trazidas pela globalização do que Marx chamava
"o exército de reserva dos trabalhadores", representado pelos imigrantes
que chegam das aldeias das grandes zonas globais de pobreza. Situações
desse tipo não antecipam uma era de estabilidade política e social.
Terceiro, embora a escala real da globalização permaneça modesta, talvez
com a exceção de alguns países em geral pequenos e sobretudo na Europa,
seu impacto político e cultural é desproporcionalmente grande. Assim, a
imigração é um problema político substancial na maior parte das
economias desenvolvidas do Ocidente, ainda que a proporção dos seres
humanos que vivem em países diferentes daqueles em que nasceram seja
de apenas 3%. No KOF de globalização econômica de 2007, os Estados
Unidos estão em 39º lugar, a Alemanha em 40º, a China em 55º, o Brasil
em 60º, a Coréia do Sul em 62º, o Japão em 67º e a índia em 105º lugar,
embora todos, menos o Brasil, ocupem lugares algo mais altos na escala
de "globalização social" (o Reino Unido é a única grande economia que
está entre as dez primeiras tanto na globalização econômica quanto na
social). Conquanto, do ponto de vista histórico, esse fenômeno possa
ser temporário ou não, a curto prazo esse impacto desproporcionalmente
grande pode bem ter sérias conseqüências políticas nacionais e
internacionais. Minha opinião é a de que, de um modo ou de outro, a
resistência política, embora provavelmente não logre fazer reviver
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O ranking é baseado em dados de 2004.

práticas protecionistas formais, tenderá a desacelerar o progresso da


globalização dos mercados livres nos próximos dez ou vinte anos.
Espero que os capítulos sobre guerra e hegemonia, impérios e
imperialismo, o estado atual do nacionalismo e as transforma ções
da violência pública e do terrorismo façam sentido para o leitor sem
a necessidade de comentários adicionais do autor. O mesmo espero dos
dois capítulos sobre democracia, embora o autor tenha consciência de
que tentar demonstrar que uma das maiores vacas sagradas do discurso
político vulgar do Ocidente produz menos leite do que em geral se
presume é algo altamente controverso. No discurso público ocidental
de hoje falam-se mais bobagens e absurdos sobre a democracia, e
especificamente sobre as qualidades milagrosas atribuídas aos governos
eleitos por maiorias aritméticas de votantes que escolhem entre
diferentes partidos, do que, praticamente, sobre qualquer outra
palavra ou conceito político. Na retórica recente dos Estados Unidos,
a palavra perdeu todo contato com a realidade. Meus capítulos são uma
pequena contribuição à necessária tarefa de esfriar os ânimos por
meio do uso da razão e do bom senso, conservando, ao mesmo
tempo, o compromisso firme de um governo para o povo - todo
o povo, ricos e pobres, estúpidos e inteligentes, informados e
ignorantes -, mediante consulta a ele e com seu consentimento.
Os artigos aqui reunidos, sobretudo a partir de conferências
diante de platéias variadas, tentam enquadrar e explicar a situação
em que o mundo, ou grande parte dele, se encontra hoje. Pode ser
que eles ajudem a definir os problemas que nos confrontam no
começo do novo século, mas não propõem programas ou soluções
práticas. Eles foram escritos entre 2000 e 2006 e refletem, portanto,
as preocupações internacionais específicas desse período, que foi
dominado pela decisão tomada pelo governo dos Estados Unidos
em 2001 de afirmar uma hegemonia unilateral sobre o mundo,
condenando convenções internacionais até então aceitas, reservando-se
13

o direito de fazer guerras de agressão ou outras operações militares


sempre que o desejasse e levando-as à prática. Dada
a derrocada da Guerra do Iraque, já não é necessário demonstrar
que esse projeto era irrealista e a questão de saber se teríamos
desejado seu êxito não é, portanto, totalmente acadêmica. Não obstante,
deve estar claro, e os leitores precisam ter atenção para isso, que meus
ensaios foram escritos por um autor que tem críticas profundas a esse
projeto. Isso se deve em parte à força e à indestrutibilidade das minhas
convicções políticas, que incluem a hostilidade ao imperialismo, seja
o das grandes potências que afirmam estar fazendo um favor às suas
vítimas ao conquistá-las, seja o do homem branco que pressupõe, para si
próprio e para os arranjos que faz, uma superioridade automática sobre
as pessoas cuja pele tem outra cor. Deve-se também a uma suspeita
racionalmente justificável contra a megalomania, que é a doença
ocupacional dos países e dos governantes que crêem que seu poder e seu
êxito não têm limites.
A maior parte dos argumentos e mentiras que justificaram as
ações tomadas pelos Estados Unidos desde 2001, usados por políticos,
advogados remunerados ou não, articulistas, propagandistas, lobistas e
ideólogos amadores, americanos e britânicos, já não precisa tomar nosso
tempo. Contudo, fez-se também uma defesa, menos desabonadora, não
tanto
da Guerra do Iraque, e sim da proposição genérica da legitimidade e da
eventual necessidade de intervenções armadas internacionais para
preservar ou impor os direitos humanos em uma era de crescente barbárie,
violência e desordem. Para alguns, isso implica a desejabilidade de uma
hegemonia imperial mundial especificamente exercida pela única potência
capaz de estabelecê-la, os Estados Unidos. Essa proposi ção, que pode
ser chamada de imperialismo dos direitos humanos, passou a fazer parte
do debate público no transcurso dos conflitos balcânicos que derivaram
da desintegração da Iugoslávia comunista, especialmente na Bósnia, os
quais pareciam indicar que apenas o uso externo da força armada poderia
pôr fim a um massacre mútuo e infindável e que somente os Estados Unidos
tinham a capacidade e a vontade de usar tal força. O fato de que os
americanos não tinham interesses particulares - históricos, políticos
ou econômicos - na região tornou a intervenção mais vistosa e
aparentemente desinteressada. Tomei a devida nota disso nos meus
ensaios. Embora eles, especialmente o que se intitula "A disseminação
da democracia", contenham razões para rejeitá-la, algumas observações
adicionais a respeito dessa posição podem ser cabíveis. Ela é
fundamentalmente errada porque as grandes potências que buscam
implementar seus pontos de vista na política internacional podem fazer
coisas que convém aos defensores dos direitos humanos e têm consciência
do valor publicitário de fazê-lo, mas isso não faz propriamente parte
dos seus propósitos, os quais, quando elas julgam necessário, são
perseguidos com a crueza e a barbárie que constituem a herança do século
XX. A relação entre aqueles para quem uma grande causa da humanidade é
essencial e as ações de qualquer Estado pode ser de aliança ou de
oposição, mas nunca de identificação permanente. Mesmo os raros casos
de jovens Estados revolucionários que buscam genuinamente difundir sua
mensagem universal - a França depois de 1792, a Rússia depois de 1917,
mas não os Estados Unidos isolacionistas de George Washington - têm
duração curta. A posição típica de qualquer Estado é defender seus
interesses. Ademais, a defesa da intervenção armada de caráter
humanitário nos assuntos dos Estados baseia-se em três premissas: o
surgimento de situações intoleráveis no mundo contemporâneo -
normalmente o massacre ou o genocídio - que clamam por ela; a ausência
de modos alternativos para tratá-las; e a presunção de que os ganhos a
serem obtidos com a intervenção, são claramente superiores aos seus
custos. Todas essas premissas são por vezes justificáveis,

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embora, como o debate sobre o Iraque e o Irã comprova, seja rara a


existência de acordo universal a respeito do que constitui precisamente
uma "situação intolerável". Provavelmente houve consenso nos dois casos
mais óbvios de intervenção justificada: a invasão do Kampuchea pelo
Vietnã, que deu fim ao regime estar recedor dos "campos da morte" de
PolPot (1978), e a destruição do regime de terror de Idi Amin na Uganda,
pela Tanzânia (1979).
(Evidentemente, nem todas as intervenções armadas estrangeiras
rápidas e bem-sucedidas em situação de crise local produziram
resultados assim satisfatórios-para outros exemplos duvidosos,
considere-se a Libéria e o Timor Leste.) Em ambos os casos, o êxito
foi obtido por meio de incursões breves, que produziram efeitos
positivos imediatos e provavelmente alguns melhoramentos
duradouros, sem implicar o abandono sistemático do princípio
consagrado da não-intervenção nos assuntos internos dos Estados
soberanos. Na verdade, elas não tiveram implicações imperiais
nem envolveram os níveis mais amplos da política internacional.
Com efeito, tanto os Estados Unidos quanto a China continuaram
a apoiar o deposto Pol Pot. Essas intervenções adhoc não são relevantes
para quem queira defender a desejabilidade de uma hegemonia mundial
dos Estados Unidos.
Não é esse o caso das intervenções armadas dos anos recentes, que
foram, aliás, seletivas e não tocaram alguns dos casos de atrocidades
mais cruéis, em termos humanitários, notadamente o genocídio na África
central. Nos Bálcãs da década de 1990, as preocupações humanitárias
foram decerto um fator significativo, mas não o único. Provavelmente,
embora se tenha afirmado o oposto, a intervenção externa na Bósnia
ajudou a terminar a carnificina antes do que teria ocorrido se se
houvesse permitido o prosseguimento da guerra entre sérvios, croatas e
bósnios muçulmanos até sua conclusão natural, mas a região permanece
instável. Não está claro, de modo algum, se em 1999 a intervenção
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armada era o único caminho para resolver os problemas causados por uma
rebelião contra a Sérvia por parte de um grupo minoritário extremista
de nacionalistas albaneses no Kosovo nem, na verdade, se a verdadeira
razão para o fim da intransigência sérvia foi a ameaça de invasão ou a
ação da diplomacia russa. A base humanitária da intervenção era bem mais
duvidosa do que na Bósnia, e a própria situação humanitária pode ter
piorado, uma vez que a Sérvia se viu provocada a promover uma expulsão
em massa de albaneses do Kosovo e em decorrência das baixas civis
causadas pela própria guerra e dos meses de bombardeios destrutivos
sofridos pelo país. As relações entre sérvios e albaneses tam pouco se
estabilizaram. Mas as intervenções nos Bálcãs pelo menos foram rápidas
e decisivas a curto prazo, embora até aqui ninguém, além, talvez, da
Croácia, tenha razões para sentir-se satisfeito com os resultados.
Por outro lado, as guerras do Afeganistão e do Iraque, a partir
de 2001, foram operações militares dos Estados Unidos que não se
realizaram por razões humanitárias, embora tenham sido justificadas
perante a opinião pública humanitária com base na destituição de regimes
detestáveis. Mas, não fosse pelo Onze de Setembro,
nem mesmo os Estados Unidos teriam considerado a situação em qualquer
dos dois países como merecedora de uma invasão imediata. O Afeganistão
era aceito por outros Estados com base em um "realismo" já um pouco
antiquado; o Iraque, por sua vez, era condenado quase universalmente.
Ainda que os regimes do Talibã e de Saddam Hussein tenham sido
rapidamente derrubados, nenhuma das duas guerras levou à vitória, nem
mesmo ao alcance dos objetivos anunciados inicialmente - o
estabelecimento de regimes
democráticos consentâneos com os valores ocidentais e um forte sinal
para outras sociedades ainda não democratizadas da região. Ambas, mas
sobretudo a catastrófica Guerra do Iraque, acabaram sendo longas,
sangrentas, profundamente destrutivas e ainda
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prosseguem, ao tempo em que este texto está sendo escrito, sem


perspectivas de conclusão.
Em todos esses casos, a intervenção armada foi executada por
países estrangeiros com poder militar e recursos francamente
superiores. Em nenhum deles a intervenção gerou, até aqui, soluções
estáveis. Em todos os países assinalados, a ocupação militar e a
supervisão estrangeira prosseguem. No melhor dos casos, mas claramente
não no Afeganistão e no Iraque -, a intervenção pôs fim a guerras
sangrentas e produziu algum tipo de paz, porém os resultados positivos,
como nos Bálcãs, foram desanimadores. No pior dos casos - o Iraque
-, nenhuma pessoa séria pode negar que a situação do povo, cuja
libertação foi a desculpa oficial para a guerra, está pior do que antes.
A história recente das intervenções armadas nos assuntos de outros
países, mesmo as das superpotências, não é uma história de êxito.
Isso se deve, em parte, a uma premissa, que também está subjacente
ao imperialismo dos direitos humanos, de que os regimes bárbaros e
tiranos são imunes à mudança interna, de modo que apenas a força
externa pode extingui-los e produzir a conseqüente difusão dos nossos
valores e instituições políticas e legais. Essas premissas foram
herdadas dos dias em que os combatentes da Guerra Fria denunciavam o
"totalitarismo". Elas não deveriam ter sobrevivido ao fim da União
Soviética, ainda mais com o evidente processo de democratização interna
de alguns regimes não-comunistas detestáveis, autoritários, militaristas
e ditatoriais da Ásia e da América do Sul, depois da década de 1980.
Elas também se fundamentam na crença de que os atos de força podem
produzir instantaneamente grandes transformações culturais. Mas isso
não é verdade. A difusão de valores e de instituições através de sua
súbita imposição por uma força estranha é tarefa quase impossível, a
menos que já estejam presentes no local condições que os tornem
adaptáveis e sua introdução, aceitável. A democracia, os valores
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ocidentais e os direitos humanos não são como produtos tecnológicos de


importação, cujos benefícios são óbvios desde o início e que são
adotados de uma mesma maneira por todos os que têm condições de
usá-los, como uma pacífica bicicleta ou um mortífero AK 47, ou serviços
técnicos, como os aeroportos. Se fossem, haveria maior similaridade
política entre os numerosos Estados da Europa, da Ásia e da África,
todos vivendo (teoricamente) sob a égide de constituições democráticas
similares. Em uma palavra, a história tem muito poucos atalhos: lição
que o autor aprendeu, em boa medida, por ter vivido durante grande
parte do último século e pensado a respeito.

Por fim, uma palavra de agradecimento aos que proporcionaram a


ocasião para a apresentação inicial destes estudos. O capítulo 1
baseia-se em um texto escrito para o colóquio comemorativo do
Centenário do Prêmio Nobel da Paz (Oslo, 2001); o capítulo 2,
na Nikhil Chakravarty Memorial Lecture (Nova Délhi, 2004), conferência
que dei como convidado pela Indian Review of Books; o capítulo 3, em
q uma das conferências do ciclo Massey, na Universidade de Harvard,
em 2005; o capítulo 4, como discurso inaugural na cerimônia de outorgado
título de doutor honoris causa na Universidade de Tessalônica, Grécia,
em 2004; o capítulo 5 é uma considerável elaboração de um prefácio
escrito para uma nova edição alemã de Nações e nacionalismo (Campus
Verlag, Frankfurt, 2004); o capítulo 6 foi originalmente apresentado e
impresso como uma conferência do Athenaeum, naquele clube, em 2000; o
capítulo 7 foi publicado como contribuição a um número de Foreign
Policy dedicado às "idéias mais perigosas do mundo" (setembro/outubro
de 2004); o capítulo 8 teve um ponto de partida remoto em algumas notas
para um seminário sobre o terrorismo, na Universidade de Columbia, Nova
York, no começo
19

da década de 1990; o capítulo 9 foi apresentado no Birkbeck College


como conferência pública, fazendo parte de uma série sobre "Violência ",
em 2006; e o capítulo 10 foi escrito e publicado por Le Monde
Diplomatique em 2003. Gostaria também de agradecer aos colegas e a
outros que se deram ao trabalho de me ouvir e discutir minhas
apresentações, sobretudo em Nova Délhi, Harvard e Nova York. Como autor
profissional, devo um agradecimento aos meus editores
italianos, que foram os primeiros a sugerir que um conjunto de textos
como este tinha coerência suficiente para compor um pequeno livro digno
de ser publicado, e a Bruce Hunter e Ania Corless, que lograram
persuadir tanto a mim quanto a outros editores.
Por outro lado, devo desculpar-me pela ocorrência de duplicações,
inevitáveis em um livro baseado em diferentes palestras e conferências
dadas em ocasiões diversas. Eliminei algumas, mas eliminar todas teria
prejudicado a continuidade da argumentação em cada capítulo - e talvez
a própria sensação de que o livro forma um todo coerente. É possível
que elas também ajudem a ilustrar a argumentação de alguns capítulos,
por vezes demasiado compacta. Além do mais, certa dose de repetição faz
parte do arsenal de um autor que não consegue se libertar do hábito de
toda uma vida dedicada a ensinar, ou seja, a persuadir à medida que
expõe. Espero não ter exagerado na dose.
E. J. Hobsbawm, Londres, 2007
20

i. Guerra e paz no século XX.

O século XX foi o mais mortífero de toda a história documen-tada.


O número total das mortes causadas pelas guerras do século ou associadas
a elas foi estimado em 187 milhões de pessoas, o que eqüivale a mais
de 10% da população mundial em 1913.' Se consideramos 1914 como seu
início real, foi um século de guerras praticamente ininterruptas, com
poucos e breves períodos em que não houve conflitos armados organizados
em algum lugar. Ele foi dominado por guerras mundiais: ou seja, guerras
entre Estados territoriais ou alianças de Estados. O período entre 1914
e 1945 pode ser visto como uma única "Guerra dos Trinta Anos",
interrompida apenas por uma pausa na década de 1920 - entre a retirada
final dos japoneses do Extremo Oriente soviético, em 1922, e o ataque
à Manchúria, em 1931. A isso seguiram-se, quase imediatamente, uns
quarenta anos de guerra fria, a qual é compatível com a definição dada
pelo grande filósofo Thomas Hobbes à guerra, como algo que consiste
"não em batalhas apenas, ou no ato de lutar, mas em um lapso de tempo
em que a vontade de travar batalhas é suficientemente conhecida". Até
que ponto as ações em que
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as Forças Armadas dos Estados Unidos têm se envolvido desde o fim da


Guerra Fria em várias partes do mundo constituem uma continuação da era
da guerra mundial é matéria de debate. Não há dúvida, contudo, de que a
década de 1990 se mostrou plena de conflitos militares formais e
informais na Europa, na África e na Ásia ocidental e central. O mundo
como um todo não teve paz desde 1914 e não está em paz agora.
Não obstante, o século não pode ser tratado como um bloco
único, seja do ponto de vista cronológico, seja do geográfico.
Cronologicamente ele se divide em três períodos: a era da guerra
mundial, centrada na Alemanha (1914-45), a era da confrontação entre
as duas superpotências (1945-89) e a era posterior ao fim do sistema
clássico de poder internacional. Denominarei esse períodos com as
cifras i, n e m. Geograficamente, o impacto das operações militares
é altamente desigual. Com uma exceção (a Guerra do Chaco, de 1932-35),
não houve guerras significativas entre países (diferentes, portanto, das
guerras civis) no hemisfério ocidental (as Américas) no século XX.
As operações militares conduzidas por forças inimigas mal tocaram essas
terras, razão por que os bombardeios das Torres Gêmeas e do Pentágono
no Onze de Setembro foram tão chocantes. Desde 1945, as guerras entre
países desapareceram também da Europa, que fora, até então, a região
com mais campos de batalha. Embora a guerra tenha retornado ao Sudeste
da Europa no período m, é muito pouco provável que ela ocorra de
novo no resto do continente. Por outro lado, durante o período n,
guerras entre países, não necessariamente desvinculadas da confrontação
global, permaneceram endêmicas no Oriente Médio e no Sul da Ásia, e
guerras importantes diretamente derivadas dessa confrontação ocorreram
no Leste e no Sudeste da Ásia (Coréia, Indochina). Ao mesmo tempo, áreas
como a África subsaariana, que ficara comparativamente a salvo da guerra
no período I (com exceção da Etiópia, tardiamente submetida à conquista
colonial
22

pela Itália em 1935-36), tornaram-se teatro de conflitos armados


durante o período 11, e sofreram fortes episódios de carnificina e
sofrimento no período m.
Duas outras características da guerra no século XX sobressaem,
embora a primeira seja menos óbvia do que a segunda. No início do século
XXI, encontramo-nos num mundo em que as operações armadas já não estão
essencialmente nas mãos dos governos ou dos seus agentes autorizados,
e as partes disputantes não têm características, status e objetivos
em comum, exceto quanto à vontade de utilizar a violência. As guerras
entre países dominaram tanto a imagem da guerra nos períodos I e 11 que
as guerras civis e outros conflitos armados dentro dos territórios dos
países e dos impérios existentes ficaram obscurecidos. Até as guerras
civis que ocorreram no Império Russo depois da Revolução de Outubro,
assim como as que se verificaram após colapso do Império Chinês, podem
caber no marco dos conflitos internacionais, na medida em que não podem
ser vistas como independentes deles. Por outro lado, a América Latina
pode não ter visto exércitos cruzando as suas fronteiras no século XX,
mas foi cenário de importantes conflitos civis: no México depois de
1911, por exemplo; na Colômbia desde 1948, e em vários países da
América Central durante o período n. Não tem sido objeto de
reconhecimento geral o fato de que o número de guerras internacionais
diminuiu de maneira praticamente contínua desde meados da década de
1960, quando os conflitos internos passaram a ser mais comuns
do que as guerras entre países. O número de conflitos dentro das
fronteiras nacionais continuou a subir fortemente até se estabilizar
na década de 1990.
Mais conhecida é a perda de nitidez da distinção entre combatentes e
não-combatentes. As duas guerras mundiais da primeira metade do século
XX envolveram a totalidade das populações dos países beligerantes;
tanto os combatentes quanto os 23 não-combatentes sofreram. No
transcurso do século, no entanto, o preço da guerra deslocou-se cada
vez mais das forças armadas para a população civil, não só como vítima,
mas, de maneira crescente, como objetivo de operações militares ou
político-militares. O contraste entre as duas grandes guerras mundiais
é dramático: apenas 5% dos que morreram na Primeira Guerra Mundial eram
civis; na Segunda Guerra Mundial esse número subiu para 66%.
Supõe-se geralmente que de 80% a 90% das pessoas afetadas pelas
guerras atuais sejam civis. Essa proporção aumentou a partir do
fim da Guerra Fria porque a maioria das operações militares desde
então não foi conduzida por exércitos regulares, e sim por grupos
diminutos de soldados, regulares ou não, operando, em muitos
casos, armas de alta tecnologia e protegidos contra o risco de sofrer
baixas. Se bem que seja verdade que o armamento de alta tecnologia
tornou possível, em certos casos, o restabelecimento da distinção
entre objetivos militares e civis e, por conseqüência, entre combatentes
e não-combatentes, não há razão para duvidar de que as principais
vítimas das guerras continuarão a ser os civis.
Além disso, o sofrimento dos civis não é proporcional à intensidade
das operações militares. Em termos estritamente militares, a guerra de
duas semanas entre a índia e o Paquistão em torno da independência de
Bangladesh, em 1971, foi um conflito de dimensões
modestas, mas produziu milhões de refugiados. As lutas entre unidades
armadas na África na década de 1990 não envolveram muito mais do que
alguns milhares de soldados, em sua maioria mal armados, mas produziu,
no seu auge, quase 7 milhões de refugiados - número muito maior do que
em qualquer período da Guerra Fria, quando o continente africano era
cenário de guerras por procuração entre as superpotências. Esse
fenômeno não está restrito às áreas pobres e remotas. Em alguns
aspectos, o efeito da guerra sobre a vida civil é amplificado pela
globalização e pela crescente dependência do mundo com
24

relação a um fluxo constante e ininterrupto de comunicações,


serviços, tecnologias, entregas e suprimentos. Mesmo uma interrupção
relativamente breve desse fluxo - por exemplo, o fechamento do espaço
aéreo dos Estados Unidos por alguns dias após o Onze de Setembro-pode
ocasionar efeitos consideráveis e talvez dura douros sobre a economia
global.

Seria mais fácil escrever sobre o assunto da guerra e da paz no


século XX se a diferença entre ambas tivesse permanecido tão clara
quanto se esperava ao começar aquele século, nos dias em que as
Convenções de Haia de 1899 e 1907 codificaram as regras da
guerra. Supunha-se então que os conflitos ocorreriam sobretudo
entre países soberanos, ou, se tivessem lugar dentro do território
de um Estado em particular, entre partes opositoras suficientemente
bem organizadas para receber o status de beligerantes, reconhecido por
outros Estados soberanos. Supunha-se que a guerra se distinguia
flagrantemente da paz, através de uma declaração de guerra no início
e de um tratado de paz ao final. Supunha-se que as operações militares
distinguiriam claramente entre combatentes - reconhecíveis como tais
pelos seus uniformes, ou outros sinais de que pertenciam a forças
armadas organizadas - e civis não-combatentes. Estes deveriam, na
medida do possível, estar protegidos em tempos de guerra. Sempre se
entendeu que essas convenções não cobriam todos os conflitos armados,
civis e internacionais, em especial aqueles que derivavam da expansão
imperial dos países ocidentais em regiões que não estavam sob a
jurisdição de países soberanos reconhecidos internacionalmente,
ainda que alguns (mas claramente não todos) desses conflitos fossem
chamados de "guerras". Tampouco elas cobriam grandes rebeliões contra
Estados já estabelecidos, como o chamado Motim Indiano; nem as
atividades armadas recorrentes que tinham lugar em regiões que estavam
fora do controle efetivo dos Estados ou das autoridades imperiais que
nominalmente os que
25
governavam, tais como os assaltos e as lutas entre grupos rivais nas
montanhas do Afeganistão e no Marrocos. Não obstante, as Convenções de
Haia serviram ainda como linha de orientação na Primeira Guerra Mundial.
No transcurso do século XX, essa clareza relativa foi substituída pela
confusão. Em primeiro lugar, a linha que separa os conflitos entre
países e os conflitos no interior dos países - ou seja, entre guerras
internacionais e guerras civis - tornou-se difusa porque o século
XX teve como característica não só guerras, mas também revoluções e
desmembramentos de impérios. As revoluções ou as lutas de libertação no
interior dos Estados tinham implicações para a situação internacional,
particularmente durante a Guerra Fria. Reciprocamente, depois da
Revolução Russa, as intervenções dos Estados nos assuntos internos de
outros Estados tornaram-se comuns, pelo menos onde elas pareciam não
apresentar maiores riscos. Assim continua a ser.

Em segundo lugar, a distinção clara entre guerra e paz tornou-se


obscura. Exceto em alguns poucos lugares, a Segunda Guerra Mundial
não começou com declarações de guerra nem terminou com tratados de paz.
A ela seguiu-se um período tão difícil de classificar, seja como guerra,
seja como paz, no sentido habitual, que o neologismo "guerra fria"
teve de ser inventado para descrevê-lo. O caráter obscuro da situação
posterior à Guerra Fria é
ilustrado pelo atual estado de coisas no Oriente Médio. Antes da Guerra
do Iraque, nem a palavra "paz" nem a palavra "guerra" descreviam com
exatidão o que ocorria no Iraque a partir do encerramento formal da
Guerra do Golfo - o país continuava sofrendo bombardeios quase diários
por parte de potências estrangeiras -, tampouco se aplicavam plenamente
às relações entre palestinos e israelenses, ou ainda entre Israel e
seus vizinhos Líbano e Síria.
Tudo isso constitui uma herança infeliz das guerras mundiais do
século XX, e também da maquinaria cada vez mais poderosa e
26

maciça de propaganda de guerra e de um período de confrontação entre


ideologias incompatíveis e apaixonantes que trouxeram às guerras
elementos próprios das cruzadas, por serem comparáveis aos que se viram
nos conflitos religiosos do passado. Esses conflitos, ao contrário das
guerras tradicionais sob a vigência do sistema internacional de poder,
foram conduzidos com freqüência cada vez maior em torno de finalidades
não negociáveis, como a "rendição incondicional". Como tanto as guerras
quanto as vitórias eram vistas como totais, quaisquer limitações à
capacidade de ação dos beligerantes que pudessem ser impostas pelas
convenções que regularam as guerras dos séculos XVIII e XIX-inclusive
as declarações formais de guerra foram rejeitadas. O mesmo aconteceu com
quaisquer limitações ao poder dos vitoriosos para impor sua vontade.
A experiência já revelara que os acordos forjados pelos tratados de
paz podiam ser facilmente desfeitos. Nos anos recentes, a situação
complicou-se ainda mais com a tendência ao emprego do termo "guerra" nos
discursos políticos para designar o uso da força armada contra diversas
atividades nacionais ou internacionais vistas como anti-sociais - a
"guerra contra a máfia", por exemplo, ou a "guerra contra os cartéis das
drogas". A luta para controlar, ou mesmo para eliminar, essas
organizações ou redes, o que inclui grupos terroristas de pequena
escala, é bem diferente das grandes operações de guerra. Essa
terminologia imprecisa também confunde as ações de dois tipos distintos
de força armada. Uma - vamos chamá-la de "exército" - dirige-se contra
outras forças armadas com o objetivo de derrotá-las. A outra - vamos
chamá-la de "polícia"-dedica-se a manter ou restabelecer o grau
requerido de respeito à lei e à ordem pública dentro de
uma entidade política preexistente, tipicamente um país. A vitória,
que não tem necessariamente uma conotação moral, é o objetivo de
uma força; a apresentação dos violadores da lei à justiça, que, sim,
tem uma conotação moral, é o objetivo da outra.
27

No entanto, essa distinção é mais fácil de se fazer na teoria do


que na prática. O homicídio cometido por um soldado em batalha
não constitui, por si só, uma violação à lei, ao contrário do que
acontece com o homicídio em todos os Estados territoriais que
funcionam normalmente. Mas o que acontece se um membro do
Exército Republicano Irlandês (IRA) considera a si próprio como
beligerante, ainda que a lei do Reino Unido o considere um assassino?
As operações na Irlanda do Norte foram uma guerra, como sustenta o IRA,
ou uma tentativa de sustentar um governo legítimo de uma província do
Reino Unido diante da ação de violadores da lei? Uma vez que, além de
uma formidável força policial local, também um Exército nacional foi
mobilizado contra o IRA durante mais ou menos trinta anos, poderíamos
concluir que se tratou de uma guerra, a qual, contudo, foi conduzida
sistematicamente como uma operação policial, de maneira a minimizar as
baixas e os efeitos negativos sobre a vida da província. Afinal, houve
uma solução negociada-que, como é típico, ainda não produziu a paz,
mas simplesmente o prosseguimento da ausência de luta. Essas são
as complexidades e confusões das relações entre a paz e a guerra ao
iniciar-se o novo século. Elas são bem ilustradas pelas operações,
militares e outras, em que os Estados Unidos e seus aliados estão
engajados no momento presente.

Existe agora, como durante todo o transcurso do século XX uma


ausência total de qualquer autoridade global efetiva que seja capaz de
controlar ou resolver disputas armadas. A globalização avançou em quase
todos os aspectos - econômico, tecnológico, cultural, até lingüístico,
menos um: do ponto de vista político e militar, os Estados territoriais
continuam a ser as únicas autoridades efetivas. Existem oficialmente
cerca de duzentos países, mas na prática apenas um punhado deles pesa
na balança, e há um, os Estados Unidos, que é esmagadoramente mais
poderoso do que os demais. Contudo, nunca nenhum país ou império foi
grande, rico
28

ou poderoso o bastante para manter a hegemonia sobre o mundo


político e muito menos para estabelecer a supremacia política e
militar sobre todo o planeta. O mundo é demasiado grande, complexo e
plural. Não existe nenhuma probabilidade de que os Estados Unidos, ou
qualquer outra potência singular, possam estabelecer um controle
duradouro, mesmo que o desejassem.
Uma única superpotência não pode contrabalançar a ausência de
autoridades globais, especialmente dada a falta de convenções relativas,
por exemplo, ao desarmamento ou ao controle de armamentos, com força
suficiente para serem voluntariamente aceitas como obrigatórias pelos
países principais. Alguma autoridade desse tipo existe, como as Nações
Unidas, os diversos órgãos técnicos e financeiros, como o Fundo
Monetário Internacional, o Banco Mundial e a Organização Mundial do
Comércio, e certos tribunais internacionais. Mas nenhum desses órgãos
tem algum poder efetivo além daquele que lhe é conferido voluntariamente
pelos Estados, ou por acordos entre eles, ou graças ao apoio de países
poderosos. Por mais que seja lamentável, essa situação não deve sofrer
modificações no futuro previsível.
Como apenas os Estados têm poder real, o risco é que as
instituições internacionais se mostrem ineficazes ou carentes de
legitimidade universal ao tentar lidar com questões como os "crimes
de guerra". Mesmo quando se estabelecem tribunais por acordo geral
(como, por exemplo, o Tribunal Penal Internacional, estabelecido pelas
Nações Unidas no Estatuto de Roma de 17 de julho de 1998), suas decisões
não serão necessariamente aceitas como legítimas e obrigatórias, ao
menos enquanto países poderosos tiverem condições de ignorá-las. Um
consórcio de Estados poderosos pode ter força suficiente para conseguir
que alguns violadores nacionais de países fracos sejam levados a esses
tribunais, o que talvez contribua para diminuir a crueldade dos
conflitos armados em certas áreas. Mas este é um exemplo do exercício
tradicional do poder e 29

da influência em um sistema internacional de Estados, e não da


implementação do direito internacional.
Existe, no entanto, uma diferença marcante entre o século
XXI e o XX: a idéia de que a guerra acontece em um mundo dividido em
áreas territoriais que estão sob a autoridade de governos efetivos que
detêm o monopólio dos meios de coerção e poder público deixou de ter
aplicação. Ela nunca foi aplicável a países em estado de revolução nem
aos fragmentos de impérios desintegrados, mas até recentemente, em sua
maior parte, os novos regimes revolucionários ou pós-coloniais - com a
exceção principal da China entre 1911 e 1949 - estabeleceram-se de maneira
bastante rápida como países e regimes sucessores mais ou menos
organizados e funcionais.
Nos últimos trinta anos, contudo, o Estado territorial perdeu,
por várias razões, o monopólio tradicional da força armada, boa parte
da sua própria estabilidade e do poder que anteriormente tinha e, cada
vez mais, o sentido fundamental da legitimidade, ou, pelo menos, da
aceitação da sua permanência, que permite aos governos impor obrigações
consensuais aos cidadãos, como o pagamento de impostos e o serviço
militar. O equipamento necessário à guerra, assim como os meios para
financiar guerras não-estatais, está hoje amplamente disponível a
entidades privadas.
Nesse sentido, o equilíbrio entre os Estados e as organizações
não-estatais modificou-se. Os conflitos armados dentro dos países
tornaram-se mais sérios e podem prosseguir durante décadas sem
perspectivas reais de vitória ou solução: Caxemira, Angola, Sri Lanka,
Chechênia, Colômbia. Em casos extremos, como em algumas
* Esse é, também, por definição, o caso em que determinados Estados
aceitam o direito humanitário internacional e afirmam unilateralmente o
direito a aplicá-los
a cidadãos de outros países em seus próprios tribunais nacionais,
como fizeram as cortes espanholas, apoiadas pela Câmara dos Lordes da
Grã-Bretanha, no caso do general Pinochet.
30

regiões da África, o Estado pode virtualmente deixar de existir;


ou, como na Colômbia, deixar de exercer o poder sobre uma parte
do território do país. Mesmo em países fortes e estáveis tem sido
difícil eliminar grupos armados não-oficiais, como o IRA, na
GrãBretanha, ou o grupo separatista basco ETA, na Espanha. O caráter
novo dessa situação está demonstrado pelo fato de que o país mais
poderoso do mundo, após ter sofrido um ataque terrorista, viu-se
obrigado a engajar-se em operações formais contra uma organização,
ou uma rede internacional pequena e não-governamental sem território
próprio e sem um Exército reconhecível como tal.

Como essas mudanças afetam o equilíbrio entre a guerra e a


paz nos próximos cem anos? Prefiro não fazer previsões sobre as
guerras que poderão ocorrer e sobre seus possíveis desfechos.
Contudo, tanto a estrutura dos conflitos armados quanto os métodos para
sua resolução modificaram-se profundamente com as transformações
sofridas pelo sistema internacional de Estados soberanos. A
dissolução da União Soviética significa que o sistema de grandes
potências, que comandou as relações internacionais por quase dois
séculos e que, com óbvias exceções, exerceu algum controle sobre os
conflitos internacionais, já não existe. Seu desaparecimento removeu
um importante entrave às guerras entre países e às intervenções armadas
de uns países nos assuntos de outros, enquanto durante a Guerra Fria
as fronteiras territoriais internacionais permaneceram basicamente
invioladas. Mesmo então o sistema internacional era potencialmente
instável, no entanto, graças à multiplicação de países pequenos e por
vezes demasiado débeis, que, contudo, eram oficialmente membros
"soberanos" das Nações Unidas. A desintegração da União Soviética e dos
regimes comunistas europeus aumentou claramente essa instabilidade.
31

Tendências separatistas de intensidade variada em Estados nacionais


até então estáveis, como Grã-Bretanha, Espanha, Bélgica e Itália,
podem bem ampliar-se no futuro. Ao mesmo tempo, o número de atores
privados no cenário internacional multiplicou-se.
Nessas circunstâncias, não é surpreendente que as guerras
transfronteiriças e as intervenções armadas tenham aumentado depois
do fim da Guerra Fria.
Que mecanismos existem para controlar e resolver esses conflitos?
Os cálculos não são promissores. Nenhum dos conflitos armados da década
de 1990 terminou com uma solução estável. A sobrevivência de
instituições, premissas e retóricas da Guerra Fria manteve vivas
velhas suspeitas, exacerbando a desintegração pós-comunista do Sudeste
da Europa e tornando mais difíceis as soluções para a área antes
conhecida como Iugoslávia.
Essas premissas da Guerra Fria, tanto as ideológicas quanto as
relativas à política de poder, terão de ser abandonadas se quisermos
desenvolver algum meio de controlar os conflitos armados. Também é
evidente que os Estados Unidos não conseguiram e inevitavelmente não
conseguirão impor uma nova ordem internacional (qualquer que seja ela)
por meio da força unilateral, por mais que as relações de poder
inclinem-se em seu favor no presente e mesmo que o país tenha o apoio
de uma aliança (de duração inevitavelmente curta). O sistema
internacional permanecerá multilateral e seu equilíbrio dependerá de
que as diversas entidades relevantes logrem concordar entre si, ainda
que um dos Estados goze de predominância militar. O grau de dependência
das ações militares internacionais tomadas pelos Estados Unidos com
relação a acordos negociados com outros países já ficou claro. Também
ficou claro que a solução política para as guerras, mesmo aquelas
em que os Estados Unidos estão envolvidos, será dada pela negociação,
e não pela imposição unilateral. A era das guerras que terminam
32

com a rendição incondicional não retornará no futuro previsível.


* O papel dos organismos internacionais existentes, sobretudo
a Organização das Nações Unidas, tem de ser repensado. Embora
esteja sempre presente e normalmente se recorra a ela, sua atuação
na resolução de disputas não é clara. Sua estratégia e sua operação
estão sempre à mercê das instabilidades da política de poder. A
ausência de um intermediário internacional considerado genui- namente
neutro e capaz de agir sem a autorização prévia do Con selho de
Segurança constitui a carência mais óbvia do sistema de solução de
controvérsias.
Desde o fim da Guerra Fria as decisões sobre a paz e a guerra
têm sido improvisadas. No melhor dos casos, como nos Bálcãs, os
conflitos armados tiveram fim graças à intervenção armada
externa, e o status quo ao final das hostilidades foi mantido pelos
exércitos de terceiras partes. Esse tipo de intervenção a longo prazo
foi aplicado por muitos anos pela ação de países fortes nas suas
esferas de influência (pela Síria no Líbano, por exemplo). Como
forma de ação coletiva, no entanto, só foi usado pelos Estados
Unidos e seus aliados (às vezes com o beneplácito das Nações Unidas,
às vezes não). O resultado até aqui tem sido insatisfatório para
todas as partes. Obriga os interventores a manter suas tropas
inde finidamente e a custos desproporcionais em áreas nas quais não
têm nenhum interesse particular e das quais não podem extrair
nenhum benefício. Torna-os dependentes da passividade da
população ocupada, a qual não se pode garantir; se houver
resis tência armada, forças relativamente reduzidas de "manutenção da
paz" dotadas de armamentos terão de ser substituídas por forças
muito maiores. Os países pobres e fracos podem se ressentir com
esse tipo de intervenção, pela lembrança que lhes traz dos dias do
colonialismo e dos protetorados, especialmente quando grande
parte da economia local se transforma em parasita das
33

necessidades das tropas de ocupação. Não está claro se de tais


intervenções pode resultar um modelo geral para o controle futuro dos
conflitos armados.
O equilíbrio entre a guerra e a paz no século XXI dependerá muito
mais da estabilidade interna dos países e da capacidade de evitar os
conflitos militares do que da construção de mecanismos mais eficazes
para a negociação e a solução de controvérsias. Com algumas poucas
exceções, as rivalidades e fricções internacionais que levaram a
conflitos armados no passado têm menos probabilidade de fazê-lo agora.
Comparativamente, hoje existem, por exemplo, menos disputas candentes a
respeito de fronteiras internacionais. Por outro lado, os conflitos
internos podem facilmente tornar-se violentos: o maior perigo de guerra
está no envolvimento de outros países ou de outros agentes militares
nesse tipo de conflito.
Os países que têm economias pujantes e estáveis e uma distribuição
de renda relativamente eqüitativa entre seus habitantes tendem a ser
menos vulneráveis - social e politicamente - do que os países pobres,
economicamente instáveis e com distribuição interna de riquezas
fortemente desigual. O aumento significativo da desigualdade econômica
e social dentro dos países ou entre eles reduzirá as possibilidades de
paz. Evitar ou controlar a violência armada interna depende ainda mais
imediatamente, contudo, dos poderes e da efetividade do desempenho dos
governos nacionais e da sua legitimidade perante a maioria dos
habitantes dos respectivos países. Nenhum governo pode, hoje, dar por
garantida a existência de uma população civil desarmada ou o grau de
ordem pública há tanto tempo vigente em grande parte da Europa.
Nenhum governo está, hoje, em condições de ignorar ou eliminar
minorias internas armadas. No entanto, o mundo está cada vez
mais dividido em países capazes de administrar seus territórios e
seus cidadãos efetivamente - mesmo quando afetados, como
34

estava o Reino Unido, durante décadas por ações armadas efetuadas por
um inimigo interno - e um número crescente de territórios cujo entorno
é demarcado por fronteiras oficialmente reconhecidas com governos
nacionais que flutuam entre a debilidade, a corrupção e a não-existência.
Essas áreas produzem lutas internas sangrentas e conflitos
internacionais, como os que temos visto na África central. Não há,
apesar de tudo, perspectivas imediatas de melhoras duradouras nessas
regiões, e a continuação do enfraquecimento dos governos centrais nos
países instáveis, assim como o prosseguimento da balcanização do mapa
do mundo, sem dúvida provocarão um aumento do perigo de conflitos
armados. Um prognóstico tentativo: no século XXI, as guerras

provavelmente não serão tão mortíferas quanto foram no século XX. Mas a
violência armada, gerando sofrimentos e perdas desproporcio nais,
persistirá, onipresente e endêmica-ocasionalmente epidêmica -, em
grande parte do mundo. A perspectiva de um século de paz é remota.
35

2. Guerra, paz e hegemonia no início


do século XXI
O tema é a guerra, a paz e a hegemonia, mas considerarei os
problemas atuais na perspectiva do passado, como é a prática entre
os historiadores. Não podemos falar sobre o futuro político do mundo, a
menos que tenhamos em mente que estamos vivendo um período em que a
história, ou seja, o processo de mudanças na vida e na sociedade humana
e o impacto que os homens impõem ao meio ambiente global, está se
acelerando a um ritmo estonteante. Neste momento, ela está evoluindo a
uma velocidade que põe em risco o futuro da raça humana e do meio
ambiente natural.
Quando caiu o muro de Berlim, um americano incauto anunciou o fim da
história. Evito, portanto, usar uma expressão tão claramente
desacreditada. Não obstante, no meio do século passado entramos
subitamente em uma fase nova da história que acarretou o fim da história
como a conhecemos nos últimos 10 mil anos, isto é, desde a invenção
da agricultura sedentária. Não sabemos para onde estamos indo.
Tentei esboçar os contornos dessa quebra dramática e súbita
na história do mundo no meu livro sobre o "breve século XX" (Era
36

dos extremos). As transformações tecnológicas e produtivas são óbvias.


Basta pensar na velocidade da revolução das comunicações, que
virtualmente aboliu o tempo e a distância. Em 2004, a internet mal
completou dez anos. Também assinalei quatro aspectos sociais desse
processo, que são relevantes para o futuro das nações. Refiro-me ao
forte declínio do campesinato, que até o século XIX formava a grande
base da raça humana e o alicerce da economia; à correspondente ascensão
de uma sociedade predominantemente urbana e sobretudo ao aparecimento
das hipercidades, cuja população se mede em oito cifras; à substituição
de um mundo de comunicação oral por um mundo baseado na leitura e na
escrita universais, à mão ou à máquina; e, finalmente, à transformação
da situação das mulheres.
O declínio do número de pessoas que trabalham no setor agrícola da
humanidade é óbvio no mundo desenvolvido. Hoje, ele representa 4% da
população ocupada nos países da OCDE (Organização para a Cooperação e
o Desenvolvimento Econômico) e 2% nos Estados Unidos. Mas isso também
se faz notar em outras regiões. Em meados da década de 1960, ainda
havia cinco países europeus com mais da metade da população ocupada
nessa área, onze nas Américas, dezoito na Ásia e, com três exceções
(Líbia, Tunísia e África do Sul), toda a África. A situação
de hoje é inteiramente diferente. Praticamente já não existe nenhum país
com mais de 50% de agricultores na Europa, nas Américas e inclusive
no mundo islâmico-até no Paquistão o número caiu para menos de 50% e
na Turquia a população camponesa caiu de três quartos para um terço
do total. Mesmo as grandes fortalezas da agricultura camponesa do
Sudeste Asiático foram tomadas em diversos lugares - na Indonésia,
caíram de 67% para 44%, nas Filipinas, de 53% para 37%, na Tailândia,
de 82% para 46%, na Malásia, de 51% para 18%. Em 2006, até a China, cuja
população tinha 85% de camponeses em 1950, tem hoje cerca de 50%
nesse setor. Com
37
efeito, com exceção da maior parte da África subsaariana, os únicos
bastiões sólidos que restam da sociedade rural - digamos, com mais de
60% da população ocupada em 2000 - estão nos antigos impérios britânico
e francês no Sul da Ásia - índia, Bangladesh, Mianmar e os países da
Indochina. Mas, em vista da aceleração da industrialização, por quanto
tempo mais? No final da década de 1960, a população agrícola de Taiwan
e da Coréia do Sul era a metade da população total; hoje ela representa
8% e 10%, respectivamente. Dentro de poucas décadas, teremos deixado de
ser o que a humanidade sempre foi desde seu surgimento - uma espécie
cujos membros se dedicam sobretudo à coleta, à caça e à produção de
alimentos. Deixaremos também de ser uma espécie essencialmente
rural. Em 1900, apenas 16% da população mundial vivia em
cidades. Em 1950, esse número já havia crescido para quase 26%, e hoje
ele está próximo da metade (48 %).1 Nos países desenvolvidos e em
muitas outras regiões do globo, as zonas rurais, mesmo nas áreas
agrícolas produtivas, são desertos verdes, em que praticamente
não se vêem seres humanos fora dos seus veículos ou de pequenos
ajuntamentos populacionais. Mas a extrapolação aqui se torna
mais difícil. É verdade que os velhos países desenvolvidos são fortemente
urbanizados, mas eles já não tipificam a urbanização atual, que toma a
forma de uma fuga desesperada do interior em direção ao que chamamos
hipercidades. O que está acontecendo com as cidades no mundo
desenvolvido - mesmo aquelas que crescem nominalmente - é a
suburbanização de áreas cada vez maiores no entorno dos centros
originais. Hoje, apenas dez das cinqüenta maiores cidades e apenas
duas das dezoito cidades com mais de 10 milhões de habitantes estão na
Europa ou na América do Norte. As cidades com mais de 1 milhão de
habitantes que mais crescem estão (com a única exceção do Porto, em
Portugal) na Ásia (vinte), na África (seis) e na América Latina (cinco).
Sem falar nas 3" outras conseqüências dessa evolução, ela altera
fortemente - e de maneiras difíceis de prever, em especial nos países em
que os chefes de governo e os parlamentos são eleitos-o equilíbrio
político entre a população urbana, altamente concentrada, e a população
rural, geograficamente dispersa.
Falarei pouco sobre a transformação educacional, uma vez
que os efeitos sociais e culturais da alfabetização generalizada não
podem ser facilmente separados dos efeitos sociais e culturais da
revolução súbita e totalmente sem precedentes nos meios de
comunicação públicos e pessoais, da qual estamos todos participando.
Quero mencionar apenas um fato significativo. Há hoje vinte países em
que mais de 55% dos grupos de idade mais avançada continuam estudando
depois da educação secundária. Mas, com a única exceção da Coréia do
Sul, todos estão na Europa (tradicionalmente capitalista e ex-
socialista), América do Norte e Oceania. No que diz respeito à capacidade de
gerar capital humano, o velho mundo desenvolvido ainda mantém uma
vantagem substancial sobre os principais países emergentes do século
XXI.
Com que velocidade a Ásia, e particularmente a China e a índia,
poderão aproximar-se dele?
Não quero dizer nada aqui sobre a maior de todas as mudanças
sociais do último século, a emancipação da mulher, exceto quanto a uma
única observação que suplementa o que acabo de dizer. A emancipação das
mulheres encontra seu melhor indicador no grau em que elas alcançaram,
ou mesmo ultrapassaram, a educação dos homens. Não é necessário frisar,
aqui na índia, que há certas partes do mundo que ainda estão atrasadas
a esse respeito.

Dentro desta nossa perspectiva ampla das transformações


inéditas que ocorreram nestes últimos cinqüenta anos, vamos
enfocar com maior detalhe os fatores que afetam a guerra, a paz e
39

o poder no começo do século XXI. Aqui, as tendências gerais não


valem necessariamente como orientação para o exame das realidades
práticas. É evidente, por exemplo, que no transcurso do século XX a
população mundial (fora das Américas) deixou de ser governada, como
quase toda ela o era, de cima para baixo, por monarcas hereditários ou
por agentes de potências estrangeiras. Ela agora vive em uma série
de Estados tecnicamente independentes, cujos governos reivindicam sua
legitimidade fazendo referência ao "povo" ou à "nação", na maioria
dos casos (o que inclui até os chamados regimes totalitários), e buscam
confirmá-la por meio de eleições ou plebiscitos, reais ou espúrios, ou
através de grandes cerimônias públicas realizadas periodicamente para
simbolizar o vínculo entre a autoridade e "o povo". De uma maneira ou
de outra, o povo deixou de ser composto por súditos, que se
transformaram em cidadãos e que passaram a incluir no século XX não só
os homens, mas também as mulheres. Até que ponto, contudo, isso nos dá
uma idéia da realidade, mesmo hoje, quando a maior parte dos governos
ostenta, tecnicamente falando, variados tipos de Constituições liberal-
democráticas, com eleições plurais, embora algumas vezes suspensas
por períodos de governos militares, que se proclamam temporários mas
muitas vezes duram longo tempo? Não muito.
Não obstante, existe uma tendência geral que se observa
provavelmente em quase todo o planeta. Trata-se da mudança da posição
do próprio Estado territorial independente, que, no transcurso do século
XX, tornou-se a unidade política e institucional básica na qual viviam
os seres humanos. Em seu berço original, na região do Atlântico Norte,
ele se baseava em várias inovações que se implantaram a partir da
Revolução Francesa. Tinha o monopólio do poder e dos meios de coerção -
armas, homens armados e prisões - e exercia controle crescente, por meio
de uma autoridade central e de seus agentes, sobre o que acontecia
no território
40

do país com base em uma capacidade cada vez maior de reunir


informações. O âmbito de suas atividades e seu impacto sobre a
vida diária dos cidadãos cresceu, assim como sua capacidade de
mobilizar os habitantes em função da lealdade destes ao Estado e à
nação. Essa fase do desenvolvimento do Estado alcançou o auge
cerca de quarenta anos atrás.
Pense, por um lado, no sistema de "bem-estar social" da
Europa ocidental da década de 1970, no qual o "consumo público"
- ou seja, a proporção do produto interno bruto usada para propósitos
públicos e não para consumo ou investimento privados - chegava
basicamente a 20% ou 30%. Pense, por outro lado, na disposição dos
cidadãos não apenas para deixar que as autoridades públicas lhes
cobrassem impostos que permitiam a arrecadação dessas somas enormes,
mas também para deixar-se recrutar aos milhões para lutar e morrer
"pelo país", durante as grandes guerras do último século. Por mais
de duzentos anos, até a década de 1970, a ascensão do Estado moderno
deu-se de forma contínua e independentemente da ideologia e da
organização política - liberal, socialdemocrata, comunista ou fascista.
Isso já não acontece. A tendência se reverteu. Temos uma economia
mundial em rápida globalização, baseada em empresas privadas
transnacionais que se esforçam ao máximo para viver fora do alcance das
leis e dos impostos do Estado, o que limita fortemente a capacidade
dos governos, mesmo os mais poderosos, de controlar as economias
nacionais. Com efeito, graças à prevalência da teologia do mercado
livre, os Estados estão, na verdade, abandonando muitas das suas
atividades diretas tradicionais - serviços postais, polícia, prisões
e mesmo setores importantes das Forças Armadas - em favor de empresas
privadas com fins lucrativos. Estima-se que atualmente 30 mil ou
mais desses "contratados privados" armados estejam atuando no Iraque.
Graças a esse desenvolvimento e à inundação do planeta com armas leves mas
41

altamente efetivas durante a Guerra Fria, a força armada já não é um


monopólio dos Estados e de seus agentes. Mesmo Estados fortes e
estáveis, como a Grã-Bretanha, a Espanha e a Índia, aprenderam a
conviver por longos períodos com organizações de dissidentes
armados efetivamente indestrutíveis e por vezes portadores de
ameaças diretas ao próprio Estado. Testemunhamos a rápida
desintegração, por diversas razões, de numerosos Estados-membros das
Nações Unidas, na maior parte dos casos, mas não na totalidade deles,
produtos da desintegração dos impérios do século XX nos quais os
governos nominais são incapazes de exercer controle real sobre boa parte
do território, da população e até de suas próprias instituições.
Impressiona muito, também, o declínio da aceitação da legitimidade
do Estado e da aceitação voluntária de obrigações perante as autoridades
governamentais por parte dos habitantes, seja como cidadãos, seja como
súditos. Se não houvesse, por parte de vastas populações e durante a
maior parte do tempo, essa disposição de aceitar como legítimo qualquer
poder estatal efetivamente estabelecido - mesmo o poder de um pequeno
grupo de estrangeiros -, a era do imperialismo dos séculos XIX e XX
teria sido impossível. As potências estrangeiras tiveram dificuldades
graves apenas nas raras áreas em que tal disposição não estava presente,
como o Afeganistão e o Curdistão. Mas, como o Iraque demonstra, a
obediência natural das pessoas diante do poder, mesmo um poder com
superioridade militar incontrastável, desapareceu, e com ela também os
impérios. E não é só a obediência dos súditos que está erodindo
rapidamente, mas também a dos cidadãos. Duvido muito que qualquer país
possa hoje empreender grandes guerras com exércitos recrutados prontos
para lutar e morrer sem vacilação "pelo país". Poucos países do
Ocidente ainda podem confiar, como a maior parte dos chamados "países
desen- volvidos" antes podia fazê-lo, em uma população que era ordeira e
42

imbuída do respeito à lei, exceto nos casos de criminosos e outros


marginais que sempre existem nos desvãos da sociedade. A proliferação
extraordinária de meios tecnológicos, e outros, de manter os cidadãos
sob vigilância o tempo todo (com câmeras em locais
públicos, escuta
telefônica, acesso a dados pessoais e a computadores etc.) não aumentou
a efetividade do Estado e da lei, mas tornou os cidadãos menos livres.
Tudo isso está ocorrendo na era de uma globalização dramaticamente
acelerada, que gera crescentes disparidades regionais no nosso planeta. A
globalização produz, pela sua própria natureza, crescimentos
desequilibrados e assimétricos. Isso também põe em destaque a
contradição entre os aspectos da vida contemporânea que estão sujeitos à
globalização e às pressões da padronização global - a ciência, a
tecnologia, a economia, várias infra-estruturas técnicas e, em menor
medida, as instituições culturais - e os que não estão sujeitos a ela,
principalmente o Estado e a política. A globalização leva logicamente,
por exemplo, a um fluxo crescente de trabalhadores migrantes das áreas
pobres para as ricas, mas isso produz tensões políticas e sociais
em diversos países afetados, sobretudo entre os países ricos da velha
região do Atlântico Norte, ainda que, em termos globais, esse movimento
seja modesto: mesmo hoje, apenas 3% da população mundial vive fora do país de
nascimento. Ao contrário do que acontece com as movimentações do
capital, das trocas comerciais e das comunicações, os Estados e a
política têm logrado, até aqui, impor obstáculos eficazes às migrações
dos trabalhadores.
O desequilíbrio novo e mais notável que a globalização econômica
criou, além da enorme desindustrialização da economia soviética e das
economias socialistas da Europa oriental na década de 1990, é a
progressiva mudança do centro de gravidade da economia mundial das
regiões lindeiras do Atlântico Norte para regiões da Ásia. Isso ainda
está em seus estágios iniciais, mas vem se
43

acelerando. Não há dúvida de que o crescimento da economia mundial nos


últimos dez anos foi puxado em grande medida pelos dínamos asiáticos e,
acima de tudo, pela extraordinária taxa de crescimento da produção
industrial da China - 30% em 2003, em comparação com 3% para o mundo
como um todo e 0,5% para a América do Norte e Alemanha.
* É claro que isso ainda não modificou de maneira mais profunda os
pesos relativos da Ásia e do velho Atlântico Norte - os Estados Unidos, a
União Européia e o Japão continuam a representar entre si 70% do produto
mundial -, mas o simples tamanho da Ásia já está se fazendo sentir. Em
termos de poder de compra, o Sul, o Sudeste e o Leste da Ásia já
representam um mercado que é dois terços maior do que o dos Estados Unidos.

Como essa mudança global afetará a força relativa da economia americana


é, naturalmente, uma questão vital para as perspectivas
internacionais do século XXI. Retornarei a este ponto mais adiante.

Aproximemo-nos ainda mais do problema da guerra, da paz e da


possibilidade de uma ordem internacional no novo século. À primeira
vista, pareceria que as perspectivas de paz mundial devem ser superiores
às do século XX, com seu registro sem paralelos de guerras mundiais e
outras formas de morte em escala astronômica. Contudo, uma pesquisa
recente na Grã-Bretanha, que compara as respostas dadas em 2004 a
perguntas formuladas inicialmente em 1954, revela que o medo de uma
guerra mundial hoje é maior do que era então.3 Esse medo se deve,
em grande parte, ao fato cada vez mais evidente de que vivemos em uma
era de conflitos armados endêmicos de extensão mundial, que em geral se
travam no interior dos países, mas que são magnificados por

* Austrália, França, Itália, Reino Unido e Benelux tiveram crescimento negativo


(CIA World Facibook até 19 de outubro de 2004).
44

impervertçôCN estrangeiras. Embora a dimensão militar desses conflitos


Ifijit pequena, quando avaliada nos termos do século XX, eles cauiHili
um impacto relativamente enorme e duradouro sobre a poptilucão civil,
que é, cada vez mais, sua maior vítima. Desde a qucdti do muro de
Berlim, voltamos a viver em uma era de genocídio c de transferências
compulsórias e maciças de populações, como as que ocorreram em regiões
da África, do Sudeste da líuropa e da Ásia. Estima-se que ao final de
2003 havia cerca de 38 milhões de refugiados, dentro e fora de seus
próprios países, cifra que é comparável ao vasto número de pessoas
deslocadas ao final du Segunda Guerra Mundial. Uma ilustração simples:
em 2000, o número de mortes relacionadas com a guerra em Mianmar não
ditava acima de quinhentos, mas o número de "deslocados internamente",
sobretudo devido às atividades do Exército de Mianmar, era de cerca
de 1 milhão. A Guerra do Iraque confirma essa característica: guerras
menores, nos padrões do século XX, provocam vastas catástrofes.
A forma típica de guerra do século XX, a guerra entre países,
está em forte declínio. Neste momento, nenhum desses conflitos
tradicionais está ocorrendo, embora eles não possam ser excluídos
em diversos cenários da África e da Ásia, ou onde a estabilidade
interna ou a coesão dos países existentes esteja em risco. Por outro
lado, o perigo de uma grande guerra global, provavelmente decorrente
da falta de vontade dos Estados Unidos de aceitar o surgimento da
China como superpotência rival, não diminuiu, embora não seja imediato.
As possibilidades de evitar tal conflito são melhores do que as de
evitar a Segunda Guerra Mundial depois de 1929. Não obstante, essa
guerra permanece como uma possibilidade real dentro das próximas décadas.
Mesmo sem as guerras tradicionais entre países, pequenas ou
grandes, atualmente poucos observadores realistas esperam que o
novo século nos traga um mundo sem a presença constante de
45

armas e violência. No entanto, devemos resistir à retórica do medo


irracional com a qual governos como os do presidente Bush e do
primeiro-ministro Blair buscam justificar uma política imperial
para o mundo. Exceto como metáfora, não pode haver algo como
a "guerra contra o terror", ou o "terrorismo", mas apenas contra
atores políticos particulares que o empregam como tática, não
como programa. Como tática, o terror é indiscriminado e moralmente
inaceitável, quer seja usado por países, quer por grupos não oficiais.
A Cruz Vermelha Internacional reconhece a maré montante da barbárie ao
condenar ambos os lados na Guerra do Iraque. Há também muito medo
de que pequenos grupos terroristas possam empregar agentes biológicos
letais; mas, infelizmente, há muito menos medo com relação aos perigos
maiores e imprevisíveis que surgirão se e quando a nova e crescente
capacidade científica de manipular os processos vitais, inclusive a
vida humana, escapar ao controle, o que certamente ocorrerá. Contudo,
são irrisórios os perigos reais para a estabilidade do mundo, ou para
qualquer país estável, que decorrem das atividades das redes terroristas
pan-islâmicas contra as quais os Estados Unidos proclamaram sua
guerra global, ou mesmo da soma de todos os movimentos terroristas
que atuam hoje, qualquer que seja o lugar. Embora eles matem muito mais
gente do que seus predecessores - mas muito menos do que os Estados -,
o risco de vida que causam é mínimo do ponto de vista estatístico.
E, do ponto de vista da agressão militar, eles praticamente não
contam. A menos que esses grupos ganhassem acesso a armas nucleares - o
que não é impensável, mas não chega a ser uma perspectiva imediata
q-, o terrorismo pede cabeça fria, e não histeria.

E, no entanto, a desordem mundial é real, assim como a perspectiva


de outro século de conflitos armados e de calamidades
46

humanas. Será possível colocar essas tendências novamente sob algum


tipo de controle global, como aconteceu, salvo por um período de trinta
anos, durante os 175 anos que transcorreram entre Waterloo e o colapso
da União Soviética?
O problema é hoje mais difícil por duas razões. Primeiro, as
desigualdades geradas pela globalização descontrolada dos mercados
livres, que crescem muito rápido, são incubadoras naturais de
descontentamentos e instabilidades. Recentemente observou-se
que "não se pode esperar que nem mesmo as instituições militares
mais avançadas sejam capazes de superar uma situação de colapso
geral da ordem jurídica",5 e a crise dos Estados a que me referi torna
essa possibilidade mais plausível do que no passado. E, segundo, já
não existe um sistema internacional plural de grandes potências
como o que logrou evitar que um colapso geral se transformasse
em guerra mundial, exceto na era das catástrofes, de 1914 a 1945.
Esse sistema baseava-se na presunção, que vem desde os tratados
que encerraram a Guerra dos Trinta Anos, no século XV, de um
mundo constituído por Estados cujas relações se pautavam por
regras, especialmente a não-intervenção nos assuntos internos de
cada um, e em uma clara distinção entre guerra e paz. Nenhum
desses dois pontos mantém-se válido em nossos dias. Ele baseava-se
também na realidade de um mundo de poder plural, mesmo na pequena
"primeira divisão" dos países, o punhado de "grandes potências" que se
reduziu após 1945 a duas superpotências. Ninguém podia prevalecer de
maneira absoluta, e mesmo as hegemonias regionais (com exceção de uma
boa parte do continente americano) mostravam-se apenas temporárias.
O fim da União Soviética e a superioridade militar incontrastável dos
Estados Uni-dos puseram termo a esse sistema de poder. Por outro lado, a
ação política dos Estados Unidos a partir de 2002 levou à condenação
das obrigações contraídas em tratados e também das próprias convenções
que compunham a arquitetura do sistema internacional,
47

em função de uma supremacia supostamente duradoura na


guerra ofensiva de alta tecnologia que fez desse país o único capaz
de empreender ações militares importantes e com rapidez em
qualquer parte do mundo.
Os ideólogos americanos e os que os apoiam vêem esses desdobramentos
como o início de uma nova era de paz mundial e de crescimento econômico
sob o comando de um império americano global e benevolente, que eles
comparam, erroneamente, kpaxbritannica do século XIX. Erroneamente
porque, do ponto de vista histórico, os impérios não criam paz e
estabilidade no mundo à sua volta, ao contrário de seus próprios
territórios. Inversamente, era sobretudo a ausência de conflitos
internacionais de grande porte o que os mantinha em existência, como
aconteceu no caso do Império Britânico. Quanto às boas intenções dos
conquistadores e às suas realizações positivas, isso pertence à esfera da
retórica imperial. Os impérios sempre se justificam, e às vezes com
grande sinceridade, em termos morais - seja afirmando que promovem a
disseminação (na versão deles) da civilização ou da religião entre
os bárbaros, seja (na versão deles) da liberdade entre as vítimas da
opressão (alheia), ou como campeões dos direitos humanos. Claro que os
impérios alcançaram alguns resultados positivos. A afirmação de que o
imperialismo levou idéias modernas a um mundo atrasado, que não tem
validade hoje, não era inteiramente espúria no século XIX. Por outro
lado, a afirmação de que ele acelerou significativamente o crescimento
econômico dos clientes imperiais não resiste à análise, pelo menos fora
das áreas em que os próprios europeus se estabeleceram no ultramar.
Entre 1820 e 1950, o produto per capita médio de doze países da Europa
ocidental multiplicou-se por 4,5, enquanto na índia e no Egito ele mal
chegou a crescer.6 Quanto à democracia, todos sabemos que os impérios
fortes a mantêm em casa; só os impérios em declínio a concederam, e
na menor dose possível.
48

Mas a verdadeira questão refere-se a saber se o projeto, sem


precedentes históricos, de dominação do mundo por um único
país é possível e se a superioridade militar admitidamente incon
trastável dos Estados Unidos é adequada para estabelecê-la e mantê-la.
A resposta em ambos os casos é não. Com freqüência armas criam
impérios, mas é preciso mais do que armas para mantê-los, como diz o
velho ditado do tempo de Napoleão: "Você pode fazer qualquer coisa
com baionetas, menos sentar em cima delas". Especialmente hoje, quando
até uma força militar esmagadora não consegue produzir por si só a
aquiescência tácita. Na verdade, a maioria dos impérios da história
governou indiretamente, por meio das elites nativas que muitas vezes
operavam as instituições locais. Quando se perde a capacidade de
conseguir amigos e colaboradores suficientes entre os súditos, as
armas por si sós não bastam. Os franceses aprenderam que nem mesmo 1
milhão de colonizadores brancos, um exército de ocupação de 800 mil
homens e a derrota militar dos insurgentes, mediante o massacre e a
tortura sistemáticas, não lograram manter a Argélia francesa. Mas p
or que temos de fazer essas perguntas? Isso nos traz ao enigma com
o qual quero concluir minha conferência. Por que os Estados Unidos
abandonaram as políticas que mantiveram uma hegemonia real sobre a
maior parte do globo, ou seja, as partes não-comunistas e não-
neutralistas, depois de 1945? A capacidade americana de exercer essa
hegemonia não estava baseada na destruição dos inimigos nem em forçar
seus dependentes a alinhar-se devido à aplicação da força militar.
O uso desse instrumento estava então limitado pelo medo do suicídio
nuclear. O poder militar dos Estados Unidos era relevante para a
hegemonia apenas na medida em que era preferível a outros poderes
militares, ou seja, na Guerra Fria, a Europa da OTAN (Organização do
Tratado do Atlântico Norte) desejava seu apoio contra o poderio militar
da União Soviética.
A hegemonia americana na segunda metade do século XX não
49

se deveu às bombas, e sim à sua enorme riqueza e ao papel crucial


que sua gigantesca economia desempenhou no mundo, especialmente nas
décadas posteriores a 1945. Além disso, do ponto de vista político, ela
se deveu a um consenso geral dos países ricos do Norte no sentido de
que suas sociedades eram preferíveis às dos regimes comunistas. E onde
esse consenso não existia, como na América Latina, resultou de uma
aliança com as elites governantes e os exércitos locais, que temiam
a revolução social. Do ponto de vista cultural, ela teve por base a
atração exercida pela afluente sociedade de consumo, vivenciada e
propagada pelos Estados Unidos, que foram seus pioneiros, e pelas
conquistas mundiais de Hollywood. Do ponto de vista ideológico, o país
sem dúvida se beneficiou da reputação de defensor exemplar da
"liberdade" con-tra a "tirania", exceto nas regiões em que sua aliança
com os inimigos da liberdade era demasiado óbvia.
Tudo isso poderia sobreviver facilmente ao fim da Guerra Fria
- como de fato ocorreu. Por que os demais não buscariam a liderança da
superpotência que representava o que a maioria dos outros países já
adotava - a democracia eleitoral - e que era a maior de todas as
potências econômicas comprometidas com a ideologia neoliberal que se
impunha em todo o mundo? A influência dos Estados Unidos e dos seus
ideólogos e executivos era imensa. Sua economia, embora perdesse pouco a pouco
o papel central que tinha no mundo e a dominância que exercia na
indústria e mesmo no campo dos investimentos diretos, desde a
década de 1980,* continuava a ser enorme e a gerar riquezas prodigiosas.

* Em 1980, a participação dos Estados Unidos correspondia a cerca de 40% dos


investimentos estrangeiros diretos; entre 1994 e 2005, alcançava a média de
apenas 14%, contra uma média de 43% para a União Européia (UNCTAD -
Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, World
Economic Outlook [Genebra, 2006]," Overview", p. 19). 50

Os condutores da sua política imperial sempre haviam tido o cuidado de


cobrir a realidade da supremacia americana sobre seus aliados com o
bálsamo de uma "coalizão consensual" autêntica. Eles sabiam que, mesmo
depois do fim da União Soviética, os Estados Unidos não estavam sós
no planeta. Mas também sabiam que atuavam no jogo global com as cartas
que eles mesmos haviam distribuído, com regras que lhes eram favoráveis,
e que não era provável o surgimento de nenhum país rival com força
comparável e com interesses globais. A primeira Guerra do Golfo,
genuinamente apoiada pelas Nações Unidas e pela comunidade
internacional, assim como a reação imediata ao Onze de Setembro
demonstravam a força da posição dos Estados Unidos na era
pós-soviética.
Foi a política megalomaníaca dos Estados Unidos, a partir do
Onze de Setembro, que destruiu quase por completo as bases políticas e
ideológicas da sua influência hegemônica anterior e deixou o país com
poucos elementos, além de um poder militar francamente atemorizante, que
pudessem reforçar a herança da era da Guerra Fria. Não há uma lógica para
isso. Provavelmente pela primeira vez na sua história, os Estados Unidos
se vêem praticamente isolados no cenário internacional e impopulares
junto à maior parte dos governos e dos povos. A força militar dá relevo
à vulnerabilidade econômica do país, cujo enorme déficit comercial é
compensado pelos investidores asiáticos, que têm, no entanto, interesse
cada vez menor em apoiar um dólar enfraquecido. Dá relevo também ao
poderio econômico relativo da União Européia, do Japão, daÁsia oriental
e mesmo do bloco organizado de produtores primários do Terceiro Mundo.
Na OMC (Organização Mundial do Comércio), os Estados Unidos já não podem
negociar com os clientes. Com efeito, não será a própria retórica
agressiva, justificada por implausíveis "ameaças à América", que
5i

indica um sentimento básico de insegurança com respeito ao


futuro global do país?
Francamente, não consigo entender como o que ocorreu a
partir do Onze de Setembro nos Estados Unidos pôde permitir a
um grupo de alucinados políticos pôr em execução planos há
muito acalentados de uma atuação unilateral em busca da supremacia
mundial. Creio que isso indica uma crise crescente na sociedade
americana, que encontra expressão na divisão política e cul tural mais
profunda ocorrida naquele país desde a guerra civil e numa aguda divisão
geográfica entre a economia globalizada das duas costas marítimas e
o interior, vasto e ressentido; entre as grandes cidades, culturalmente
abertas, e o resto. Hoje, um regime de direita radical busca mobilizar
os "verdadeiros americanos" contra alguma força externa malévola e
contra um mundo que não reconhece a singularidade, a superioridade e o
destino manifesto dos Estados Unidos. O que temos de compreender é
que a política global americana não é voltada para fora, e sim para
dentro, por mais que seu impacto sobre o resto do mundo tenha sido
grande e desastroso. Ela não foi concebida para produzir um império ou
uma hegemonia efetiva. Tampouco a doutrina de Donald Rums feld-guerras
rápidas contra adversários fracos, seguidas por retiradas também
rápidas - foi concebida para produzir uma conquista global efetiva.
Isso não a faz menos perigosa. Ao contrário. Como já ficou evidente,
ela destila instabilidade, imprevisibilidade e agressão e terá
conseqüências não desejadas e quase certamente desastrosas. Com efeito,
o perigo de guerra mais óbvio que existe hoje deriva das ambições globais
do governo incontrolável e aparentemente irracional que está em Washington.
Como haveremos de viver neste mundo perigoso, desequili brado e
explosivo, em meio a grandes deslizamentos das placas tectônicas
nacionais e internacionais, sociais e políticas? Se estivéssemos
conversando em Londres, eu alertaria os pensadores liberais
52.

do Ocidente, profundamente abalados pelos problemas de direitos humanos


em diversas partes do mundo, para que não se deixem iludir pela crença
de que a intervenção armada americana em outros países tem motivação
igual à deles ou tem boas possibilidades de produzir os resultados
que eles desejariam ver. Espero que isso não seja necessário aqui em
Nova Délhi. Quanto aos outros governos, o melhor que podem fazer é
demonstrar o isolamento e, por conseguinte, os limites do atual poder
mundial dos Estados Unidos, recusando-se, firme e polidamente, a
somar-se a novas iniciativas propostas por Washington que possam
levar a ações militares, particularmente no Oriente Médio e na Ásia
oriental.
Dar aos Estados Unidos a melhor chance de voltar da megalomania para
uma política externa racional é a tarefa mais imediata e urgente da
política internacional. Pois, queiramos ou não, eles continuarão a ser
uma superpotência, na verdade uma potência imperial, mesmo em uma era
que indica seu evidente declínio econômico relativo. Esperamos,
contudo,
que seja uma superpotência menos perigosa.
53

Por que a hegemonia dos Estados Unidos difere da do Império Britânico

Diz-se que a história são os discursos. Não há como entender


essa expressão a menos que entendamos a linguagem em que as
pessoas pensam, conversam e tomam decisões. Entre os historiadores,
que se sentem tentados pelo que se denomina "a virada lingüística", há
mesmo alguns que argumentam que são as idéias e os conceitos expressos
nas palavras características do período que explicam o que aconteceu e
por que aconteceu. Os tempos em que vivemos e o tema desta minha
conferência no ciclo de Massey são o bastante para deixar-nos céticos
quanto a essas proposições. Ambas estão saturadas com o que o filósofo
Thomas Hobbes chamou de "discurso insignificante", discurso sem sentido,
e suas subvariedades, o "eufemismo" e a "novilíngua" de George Orwell,
ou seja, o discurso que tem o propósito deliberado de falsear e
desorientar. Mas, a menos que os fatos mudem, mudar as palavras tampouco
os muda.
Os debates atuais a respeito do tema do "império" são bons
exemplos, mesmo que deixemos de lado o elemento da propaganda e a
simples hipocrisia literária. Eles se referem às implicações
54

da reivindicação de hegemonia global por parte do atual governo dos


Estados Unidos. Os que favorecem essa idéia tendem a argumentar que
os impérios são bons e os que se opõem a ela tendem a mobilizar a longa
tradição dos argumentos antiimperialistas. Mas esses argumentos e
contra-argumentos, na verdade, não se relacionam com a história real
dos impérios. Eles tentam adaptar palavras velhas a desenvolvimentos
históricos que não necessariamente se ajustam às realidades antigas.
Isso faz pouco sentido histórico. Os debates atuais são particularmente
nebulosos porque a analogia mais próxima à supremacia mundial pela qual
luta o atual governo americano é um conjunto de palavras-"império",
"imperialismo", que estão em franca contradição com a autode- finição
política tradicional dos Estados Unidos e que adquiriram impopularidade
quase universal no século XX. Elas também estão em franco conflito
com certos aspectos altamente valorizados e ardentemente defendidos no
sistema de valores políticos do país, como "autodeterminação" e "lei",
seja a interna, seja a internacional. Não nos esqueçamos de que tanto
a Liga das Nações quanto as Nações Unidas foram essencialmente projetos
lançados e articulados por presidentes dos Estados Unidos. Também são
preocupantes os fatos de que não há precedentes históricos para a
supremacia que o governo americano está tratando de estabelecer e de
que qualquer bom historiador e todos os observadores racionais do
cenário mundial percebem com grande clareza que esse projeto
está quase que inevitavelmente destinado ao fracasso. O mais inteligente
dos integrantes da escola neo-imperial, o excelente histo riador Niall
Ferguson, não tem dúvidas a respeito desse provável fracasso, embora
o lamente, ao contrário de pessoas como eu Quatro desenvolvimentos
estão por detrás das tentativas atuais de reviver o império mundial como
modelo para o século XXI. O primeiro é a extraordinária aceleração da
globalização a partir da década de 1960, acompanhada das tensões que
surgiram, por
55
conseqüência, entre os aspectos econômicos, tecnológicos, culturais e
outros desse processo e o principal campo da atividade humana que até
aqui tem se mostrado impermeável a ela - a política. A globalização,
na forma atualmente dominante do capitalismo de mercado livre, trouxe
também um aumento espetacular e potencialmente explosivo das
desigualdades sociais e econômicas, tanto no interior dos países quanto
internacionalmente. O segundo é o colapso do equilíbrio
internacional de poder existente desde a Segunda Guerra Mundial, que
manteve ao largo tanto o perigo de uma guerra global quanto a
desintegração de grandes áreas do mundo no rumo da desordem e da
anarquia. O fim da União Soviética destruiu esse equilíbrio, mas penso
que ele já começava a fraquejar a partir do final da década de 1970. As
regras básicas desse sistema, estabelecido no século XVI, foram
formalmente condenadas pelo presidente Bush em 2002, em especial
o princípio de que os Estados soberanos, agindo oficialmente, respeitavam
as respectivas fronteiras e não se envolviam nos respectivos assuntos
internos. Com o fim do equilíbrio estável entre as superpotências, como
se poderia assegurar a estabilidade política do planeta? Em termos
mais gerais, qual seria a estrutura de um sistema internacional
destinado a uma pluralidade de poderes, mas no qual, ao final do século,
só restava um?
O terceiro desenvolvimento é a crise dos chamados Estados
nacionais soberanos, que haviam se tornado, na segunda metade
do século XX, uma forma de governo quase universal para a população
mundial, e que tiveram reduzida a sua capacidade de desempenhar as
funções básicas relativas à manutenção do controle sobre o que acontece
nos seus territórios. O mundo entrou na era dos Estados incapazes e,
em muitos casos, a era dos Estados falidos ou fracassados. Essa crise
também se tornou aguda a partir de 1970, aproximadamente, quando mesmo
Estados fortes e estáveis, como o Reino Unido, a Espanha e a França,
tiveram de aprender a
56

viver durante décadas, em seus próprios territórios, com grupos


armados, como o IRA, o ETA e os separatistas corsos, sem ter o poder
de eliminá-los. O banco de dados da Universidade de Uppsala
registrou incidentes de guerra civil armada no período de 2001 a
2004 em 31 Estados soberanos.
O quarto desenvolvimento é o regresso das catástrofes humanas
maciças, que incluem a expulsão de populações e o genocídio, e, com
elas, a volta do medo generalizado. Assistimos também ao
reaparecimento de algo como a peste negra da Idade Média, com a
pandemia da aids, ao nervosismo global ante a possível extensão de
uma "gripe aviaria", que até aqui não matou mais do que algumas
dezenas de seres humanos, e uma espécie de histeria escatológica
presente no tom de boa parte das discussões públicas sobre os efeitos
do aquecimento global. A guerra e a guerra civil voltaram à Europa -
houve mais conflitos desde a queda do muro de Berlim do que durante
todo o período da Guerra Fria-com um impacto pequeno em termos dos
soldados envolvidos e das baixas em combate, em comparação com as
guerras de massa do século XX, mas desproporcionalmente vasto sobre a
população não-combatente.
No final de 2004, estimava-se que havia quase 40 milhões de refugiados
fora dos seus países e muitos outros, cada vez mais, dentro deles,'
o que é similar ao número de "pessoas deslocadas" em conseqüência da
Segunda Guerra Mundial. Essas imagens desoladoras, concentradas que
estão em algumas poucas áreas do globo e visíveis nas telas das nossas
casas quase ao mesmo tempo em que ocorrem, exercem sobre o público dos
países ricos um impacto imediato e muito maior do que antes. Pense
apenas nas guerras dos Bálcãs na década de 1990. É evidente que as
pessoas nos países ricos sentiram que algo precisava ser feito a
respeito da situação terrível em que muitas das áreas mais pobres
aparentavam estar mergulhando.
Em síntese, o mundo parecia clamar, com progressiva intensidade
57

por soluções supranacionais para os problemas supranacionais ou


transnacionais, mas não havia nenhuma autoridade global com a capacidade
de tomar decisões políticas, para não falar do poder de executá-las.
A globalização sai de cena quando se trata de política, seja interna,
seja internacional. As Nações Unidas não têm poder ou autoridade
próprios, dependem da decisão coletiva dos Estados e podem ser
bloqueadas pelo poder absoluto de veto que pode ser exercido por cinco
membros. Mesmo as demais organizações internacionais e financeiras do
mundo pós-1945, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco
Mundial, só podem desenvolver ações efetivas com o patrocínio das grandes
potências (o chamado"Consenso de Washington"). O único órgão
que não sofre essa limitação, o GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e
Comércio, desde 1995 Organização Mundial do Comércio -
OMC), tem encontrado obstáculos reais na oposição dos países à
conclusão de acordos. Os únicos atores efetivos são os Estados. E,
em termos de poder militar capaz de executar ações importantes
em escala global, só existe hoje um Estado que pode desenvolvê-las, os
Estados Unidos.

"A melhor defesa da idéia de império é a defesa da idéia de


ordem." Em um mundo crescentemente desordenado e instável, é
natural que se sonhe com algum poder capaz de estabelecer a
ordem e a estabilidade. Esse sonho se chama império. É um mito
histórico. O império americano, com suas esperanças de uma pax
americana, tem como imagem a assumida pax britannica, período
de globalização e de paz mundial no século XIX associado à assumida
hegemonia do Império Britânico, paz que, por sua vez, tinha como imagem
e razão do seu próprio nome a pax romana do antigo Império Romano.
Mas isso é conversa mole. Se a palavra paxtem algum sentido nesse
contexto, é por referir-se ao estabelecimento
58

da paz dentro de um império, e não internacionalmente. E mesmo assim a


referência é em grande parte falsa. Os impérios da história raramente
deixaram de conduzir operações militares nos seus próprios territórios e
com certeza o fizeram nas suas fronteiras em todos os tempos.
Simplesmente essas operações não afetavam a vida civil de suas
metrópoles. Na era do imperialismo dos séculos XIX e XX, as guerras
contra os não-brancos ou outras coletividades inferiores, as "raças
inferiores e sem lei" de Rudyard Kipling, normalmente não se contavam
entre as guerras propriamente ditas, às quais as regras usuais se
aplicavam. Hew Strachan com razão pergunta: "Que acontecia com os
prisioneiros tomados nos conflitos coloniais britânicos, fora os da
Guerra dos Bôeres [que era vista como uma guerra entre brancos]?
Que processos jurídicos foram aplicados com regularidade?". Os
"combatentes ilegais" do presidente Bush no Afeganistão e no Iraque,
aos quais não se aplicam nem a lei nacional nem a Convenção de Genebra,
têm seus precedentes imperialistas.
A paz mundial e mesmo a paz regional têm ficado fora do
alcance do poder de todos os impérios até aqui conhecidos pela
história e certamente estão fora do alcance de todas as grandes
potências dos tempos modernos. Se a América Latina é a única
parte do mundo que tem estado basicamente imune às guerras
internacionais significativas por quase duzentos anos, isso não se
deve à Doutrina Monroe, que foi "por décadas [...] pouco mais do
que um blefe ianque", nem ao poder militar dos Estados Unidos,
que nunca esteve em condições de coagir diretamente nenhum
país da América do Sul. Até o momento em que este texto está
sendo escrito, esse poder foi empregado habitualmente apenas
contra os países anões da América Central e das ilhas do Caribe, e
mesmo aí nem sempre de maneira direta. A intervenção militar,
incluindo as tentativas de impor "mudanças de regime", foi praticada
no México (ou no que restou dele depois da guerra de 1848),
59

entre 1913 e 1915, ao tempo do presidente Wilson. O que foi defi-nido


como seu "programa de imperialismo moral", que "colocou o poder dos
Estados Unidos para apoiar um esforço contínuo e por vezes errático de
forçar a nação mexicana a atender às suas próprias e mal concebidas
especificações",* resultou em desastre. Contudo, depois de Wilson,
Washington decidiu, sabiamente, não fazer jogos de guerra com o único
país grande do seu quintal caribenho. Não foi o poder militar que
propiciou a dominação dos Estados Unidos sobre o continente americano.
A Grã-Bretanha, é claro, como sugere a expressão "esplêndido
isolamento", sempre teve consciência de que não podia controlar o
sistema de poder internacional do qual fazia parte e não manteve
presença militar significativa no continente europeu. O Império
Britânico beneficiou-se enormemente do século de paz entre as
potências, mas não o criou. Eu resumiria as relações entre os impérios,
as guerras e a paz do seguinte modo: os impérios, como o Império
Britânico, por exemplo, formaram-se principalmente pelas agressões e
pelas guerras. E foram também as guerras-normalmente, como bem observa
Niall Ferguson, as guerras entre impérios rivais - que os desfizeram.
Ganhar grandes guerras mostrou ser tão fatal para os impérios quanto
perdê-las: essa é uma lição da história do Império Britânico que
Washington deveria aprender. A paz internacional não é criação dos
impérios, e sim o que lhes dá a chance de sobreviver. O excelente livro
Forgotten armies [Exércitos esquecidos] nos dá um quadro vivido de como o
poder e a hegemonia européia no Sudeste Asiático, que pareciam
tão esplêndidos e seguros, entraram "em colapso em questão de semanas,
em 1941-42.

Deixando de lado a Espanha do século XVI e talvez a Holanda


do século XVI, a Grã-Bretanha, de meados do século XVIII a meados
do século XX, e os Estados Unidos, a partir de então, são os únicos
exemplos de impérios genuinamente globais com horizontes políticos
gfobais, e não meramente regionais, o mesmo valendo para seus recursos
de poder - a supremacia naval para a Grã-Bretanha do século XIX e a
supremacia aérea para os Estados Unidos do século XXI, ambos apoiados por
uma forte rede mundial de bases operacionais. Isso não era e não é
suficiente, uma vez que os impérios dependem não apenas de vitórias
militares e de segurança, mas também de um controle duradouro.
Por outro lado, a Grã-Bretanha do século XIX e os Estados Unidos do século
XX também usufruíram de um recurso que nenhum império anterior tivera
ao seu alcance, nem poderia ter tido, na ausência da globalização
moderna: o domínio da economia industrial do mundo.
Assim o fizeram não só pelo tamanho dos seus aparatos produtivos,
como verdadeiras "usinas do mundo" - os Estados Unidos, no seu auge da
década de 1920 e novamente depois da Segunda Guerra Mundial, representavam
cerca de 40% da produção industrial (manufatureira) do mundo10 e em
2005 ainda eram o maior produtor, embora apenas com 22,4% do "valor
industrial agregado"." Também ambos dominaram como modelos econômicos,
como pioneiros técnicos e organizacionais, como indicadores de
tendências e ainda como os centros do sistema mundial de fluxos
financeiros e de produtos comerciais e como os países cujas políticas
financeiras e comerciais determinavam em grande medida as características
desses fluxos. Ambos, é evidente, exerceram também uma influência
cultural desproporcional, que se deve, principalmente, à globalização
da língua inglesa. Mas a hegemonia cultural não é um indicador de
poder imperial nem depende muito dele. Se assim fosse, a Itália,
desunida, pobre e sem poderes, nunca teria dominado a vida internacional
artística e musical do século XV ao XVI. Além disso, quando o poder
cultural sobrevive ao declínio do poder material e do prestígio dos
países que antes o propagavam, como o Império Romano ou a monarquia
absoluta francesa, torna-se mera relíquia do passado, a exemplo da
nomenclatura militar derivada da França ou o sistema métrico decimal.
É lógico que devemos distinguir entre os efeitos culturais
diretos da dominação imperial direta e os efeitos da hegemonia
econômica, assim como entre ambos e os desenvolvimentos pós imperiais
independentes. A disseminação do beisebol e do críquete foi realmente um
fenômeno imperial, pois esses jogos só se implantaram nos lugares onde
estiveram baseados soldados britânicos ou americanos. Mas isso não
explica o triunfo dos esportes verdadeiramente globais, como o futebol, o
tênis ou, para os executivos, o golfe. Todos eles foram inovações
britânicas do século XIX, como quase todos os esportes praticados
internacionalmente, inclusive o montanhismo e o esqui. Alguns, como as
corridas de cavalos, provavelmente devem sua organização ao
prestígio internacional da classe dominante inglesa do século XIX,
que também impôs ao mundo o estilo de vestir dos homens das
classes altas, assim como o prestígio de Paris impôs a moda às mulheres
das classes altas. Outros, sobretudo o futebol, tiveram suas raízes na
diáspora mundial dos britânicos contratados no século XIX pelas suas
firmas no exterior e outros mais (golfe) talvez se devam à participação
mais do que proporcional dos escoceses no desenvolvimento do império e
da economia. O certo é que eles superaram em muito suas origens
históricas. Seria absurdo ver a Copa do Mundo de futebol como um exemplo
do "poder de persuasão" da Grã-Bretanha.

Volto-me agora para as diferenças cruciais que existem entre


os dois países. A primeira grande diferença é o tamanho potencial
da metrópole. As ilhas têm fronteiras fixas e a Grã-Bretanha, por
62

tanto, não tem fronteiras terrestres e vivas como os Estados Unidos.


Em ocasiões pretéritas, ela fez parte de impérios continentais europeus
- nos tempos romanos, depois da conquista normanda e, por um momento,
quando Maria Tudor se casou com Filipe da Espanha -, mas nunca foi a
base de tais impérios. Quando os países que integram a Grã-Bretanha
geraram excessos populacionais, esses excedentes migraram para formar
colônias no ultramar e as ilhas britânicas tornaram-se uma grande fonte
de emigrantes. Já os Estados Unidos foram e continuam a ser essencialmente
receptores, e não emissores de populações. Seus espaços vazios foram
preenchidos com o crescimento da sua própria população e com
imigrantes, que até a década de 1880 vinham principalmente das
regiões setentrionais e centrais da Europa ocidental. Juntamente
com a Rússia (sem contar o êxodo dos judeus russos para Israel),
os Estados Unidos são o único grande império que nunca desenvolveu uma
diáspora significativa de emigrantes. Ao contrário da Rússia desde sua
fragmentação, em 1991, os Estados Unidos ainda não a tiveram.
Os americanos expatriados constituem uma porcentagem menor da população
de qualquer país da OCDE (Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico) do que os expatriados de qualquer outro país
da mesma OCDE, com exceção do Japão.13
O império americano, ao que me parece, é a conseqüência
lógica dessa forma de expansão através do continente. Na sua
juventude, os Estados Unidos viam sua república como aberta a
toda a América do Norte. Aos colonos que trouxeram consigo para
a América formas de convivência de populações densas, a nova
terra parecia não ter nem dono nem fim. Com efeito, dado o rápido
e não-deliberado quase genocídio da população indígena, devido
ao impacto das doenças européias, isso lhes pareceu ainda mais
verdadeiro. Mesmo assim, hoje ficamos surpresos com o fato de
que a famosa"tese da fronteira" de Frederick Jackson Turner, sobre
63

o desenvolvimento da história americana, não encontrou nenhum


lugar para os nativos americanos, que, afinal, tinham estado obviamente
presentes na América de Fenimore Cooper. A América do Norte não era, de
modo algum, uma"terra virgem", mas a implan-tação de formas européias
de economia e o uso extensivo do território implicavam o afastamento dos
nativos, mesmo que não levemos em conta a convicção dos colonos de que
Deus lhes dera a exclusividade do uso daquelas terras. Afinal de contas,
a Constituição americana excluía especificamente os nativos da
comunidade política das "pessoas que usufruíam do direito natural" às
"benesses da liberdade". Evidentemente, a eliminação completa só era
possível nos lugares em que a população original era relativamente
pequena, como na América do Norte e na Austrália. Onde isso não
ocorria, como na Argélia, na África do Sul, no México e, como se
viu depois, na Palestina, mesmo as grandes populações colonizadoras
tiveram de viver junto com as grandes populações nativas, ou melhor, em
cima delas.
Frisemos novamente que, ao contrário da Grã-Bretanha e de
todos os demais países da Europa, os Estados Unidos nunca se
viram como parte integrante de um sistema internacional de
potências políticas que rivalizam entre si. Esse era, precisamente, o
sistema que a Doutrina Monroe buscava excluir do continente
americano. Nesse hemisfério de dependências descolonizadas, os
Estados Unidos não tinham rival. Tampouco tinham o conceito de
dependência colonial, uma vez que todas as áreas da América do
Norte deviam ser integradas, mais cedo ou mais tarde, como parte
dos Estados Unidos, inclusive o Canadá, que eles tentaram sem
êxito separar do Império Britânico. Ao país parecia, portanto,
problemático tomar territórios adjacentes que não se enquadrassem
nesse modelo, principalmente por não terem sido colonizados,
nem serem colonizáveis, por brancos ingleses - por exemplo,
Porto Rico, Cuba e as dependências do Pacífico. Entre esses territórios,
64

somente o Havaí chegou à condição de estado. O Sul dos Estados Unidos,


caso se tornasse uma nação escravocrata independente, por estar
acostumado às diferenças entre uma população livre e uma massa
populacional não-livre e à integração com o sistema global britânico de
comércio, bem poderia ter se transformado em algo mais similar a um
império europeu, mas foi o Norte que prevaleceu: livre, protecionista e
tendo por base do seu desenvolvimento um mercado interno ilimitado.
O resultado foi que a forma característica do império americano fora da
sua base continental não se assemelharia nem à Comunidade Britânica
nem ao Império Britânico. Não podia conceber "domínios", isto é, a
separação gradual de áreas de colonização branca, com ou sem nativos
circundantes (Canadá, Austrália, Nova Zelândia e mesmo África
do Sul), uma vez que não mandava colonos ao exterior. Em todo
caso, como o Norte ganhou a guerra civil, a secessão de qualquer
parte da União já não era possível nem do ponto de vista legal nem
do político e não constava mais da agenda ideológica. A forma
característica de poder dos Estados Unidos fora do seu próprio
territórionão correspondia nem à colonial nem à de um governo indireto
dentro de um esquema colonial de controle direto, mas sim a um sistema
de Estados satélites e solícitos. Isso era essencial, sobretudo porque o
poder imperial dos Estados Unidos até a Segunda Guerra Mundial não era
global, e sim regional - confinado efetivamente ao Caribe e ao Pacífico.
Assim, ele nunca logrou ter uma rede de bases militares próprias e
exclusivas que fosse comparável à do Império Britânico, que ainda
conserva muitas dessas bases, embora elas tenham perdido todo o seu
antigo significado. Nos nossos dias, diversas bases cruciais para o
poder dos Estados Unidos no exterior estão tecnicamente no território de
algum outro Estado, que, como o Uzbequistão, pode lhe retirar a
autorização de uso.
Segundo, os Estados Unidos são filhos de uma revolução -
65

talvez, como argumentou Hannah Arendt, a mais duradoura das


revoluções da história das revoluções modernas, as que tiveram
impulso nas esperanças seculares do Iluminismo do século XVIn.
Se os Estados Unidos desenvolvessem uma missão imperial, ela
teria por base a implicação messiânica da convicção fundamental
de que sua sociedade livre é superior a todas as demais e está destinada
a tornar-se o modelo global. Como observou Tocqueville, sua política
seria inevitavelmente populista e antielitista. Na Grã-Bretanha, tanto a
Inglaterra quanto a Escócia fizeram suas revoluções nos séculos XVI
e xvti, mas elas não perduraram, e seus efeitos foram reabsorvidos em um
regime capitalista modernizador, porém socialmente hierarquizado,
governado até boa parte do século XX pelas redes de parentesco de uma
classe dominante baseada na propriedade rural. Um império colonial pode
facilmente inserir-se nesse esquema, como ocorreu com a Irlanda.
A Grã-Bretanha com certeza tinha plena convicção da sua superioridade
com relação a outras sociedades, mas absolutamente nenhuma crença
messiânica na conversão de outros povos à maneira britânica de governar,
nem nenhum desejo de operá-la, nem sequer no campo mais próximo da sua
tradição ideológica nacional, ou seja, o protestantismo anticatólico.
O Império Britânico não foi construído por missionários nem foi feito
para eles. Com efeito, o império desencorajou fortemente a atividade
missionária em sua principal possessão, a índia.
Terceiro, desde o Domesday book* o reino da Inglaterra, e
depois de 1707 a Grã- Bretanha, construiu-se em torno de um centro
seguro de estabilidade jurídica e governamental na condução do Estado
nacional mais antigo da Europa. A liberdade, a lei e a hierarquia
social se harmonizavam com uma autoridade estatal soberana
* Domesday book levantamento das terras inglesas, executado por ordem de
Gui lherme, o Conquistador, em 1086. (N. E.)
66

singular, "o rei no Parlamento". Note que em 1707 a Inglaterra


estabeleceu uma união com a Escócia, sob um governo central único,
e não em um pacto federativo, embora a Escócia permanecesse separada
da Inglaterra em todos os demais aspectos - lei, religião, estrutura
administrativa, educação e até o som da sua língua. Nos Estados Unidos,
a liberdade é a adversária do governo central, ou mesmo de qualquer
autoridade estatal, que, além disso, já é deliberadamente limitada
pela separação dos poderes. Compare a história da fronteira dos Estados
Unidos com a própria história britânica, ou com a canadense. Os heróis
do velho Oeste americano são pistoleiros que fazem a própria lei ao
estilo de John Wayne em um território sem lei. Os heróis do Oeste
canadense são os Mounties, a polícia montada federal, fundada em 1873,
que mantinha a lei e a ordem no país. Afinal, a lei de 1867 (o British
North America Act), que criou o Domínio do Canadá, declara como seus
objetivos "a paz, a ordem e o bom governo", e não "a vida, a liberdade e
a busca da felicidade".
Permita-me fazer uma breve menção a uma outra diferença
entre os dois países considerados como nações: a idade. Assim
como precisam de uma bandeira e de um hino, os Estados nacionais também
precisam, para estabelecer-se como nações modernas, de um mito fundador,
que é geralmente proporcionado pela história dos ancestrais. Mas os
Estados Unidos não podiam usar a história ancestral como mito fundador,
ao contrário da Inglaterra, ou mesmo da França e da Rússia
revolucionárias, veja que o próprio Stálin pôde usar Alexandre Nevski
para mobilizar o patriotismo russo contra os alemães. Os Estados Unidos
não dispunham de ancestrais anteriores à chegada dos primeiros ingleses
no seu território que pudessem ser utilizados para esse fim, uma vez
que os puritanos definiam-se precisamente como não sendo índios, e
estes, como os escravos, estavam, por definição, fora do conceito de
"povo" utilizado pelos pioneiros da nova nação. Ao contrário dos
67

criollos da América espanhola, eles não podiam mobilizar memórias de


impérios indígenas-astecas ou incas-em suas lutas pela independência.
Não puderam, tampouco, integrar as tradições heróicas dos povos
guerreiros nativos, embora seus intelectuais os admirassem, quando mais
não seja porque a política seguida pelos colonos levou os que seriam os
candidatos mais óbvios à cooptação com base em uma ideologia americana,
a Confederação Iroquesa, a uma aliança com os britânicos. O único povo
que vinculou sua identidade nacional aos índios norte-americanos era
europeu-os galeses, escassos e isolados, cujos românticos exploradores
acreditavam que os índios eram descendentes do príncipe Madoc, que,
segundo sua crença profunda, havia descoberto a América antes de

Colombo, e formaram a comunidade de fala galesa dos mandans, no rio


Missouri. E, como os Estados Unidos foram fundados por uma revolução
contra a Grã-Bretanha, a única continuidade com o velho país que não
foi interrompida foi a cultural, ou, mais precisamente, a lingüística.
Observe, contudo, que mesmo nesse campo Noah Webster tentou quebrar a
continuidade ao insistir em uma ortografia separada.
Assim, a identidade nacional dos Estados Unidos não pôde ser
construída a partir de um passado comum com os colonizadores,
mesmo antes da imigração maciça dos não anglo-saxões. Ela teve
de ser construída principalmente com base na sua ideologia
revolucionária e nas novas instituições republicanas. A maior parte das
nações européias tem o que se denomina "estrangeiros hereditários",
vizinhos permanentes, por vezes com memórias de séculos de
conflitos, em contraste com os quais elas se definem. Os Estados
Unidos, cuja existência nunca foi ameaçada por nenhuma guerra
além da civil, só têm inimigos que se definem ideologicamente: os
que rejeitam o estilo de vida americano, quem quer que sejam eles.
68

O que vale para os países vale para os impérios. Também sob


esse ângulo, a Grã-Bretanha e os Estados Unidos são bem diferentes.
O império-formal ou informal-foi um elemento essencial tanto para o
desenvolvimento econômico quanto para o poderio internacional da
Grã-Bretanha. Mas isso não ocorreu com os Estados Unidos. Crucial para o
país foi sua decisão inicial de não ser um Estado entre Estados, e sim
um gigante continental, a caminho de ter uma população continental. A
terra, e não o mar, foi decisiva para seu desenvolvimento. Ele foi
expansionista desde o começo, mas não no mesmo sentido dos impérios
ultramarinos, como o castelhano e o português do século XVI, ou o holandês do
século
XV, ou mesmo o britânico, que podiam ter por base, e normalmente era
assim, países de dimensões e populações modestas.
Parecia-se mais com a Rússia, expandindo-se pelas planícies a partir
do núcleo central de Moscou, até se estender "do brilho de um mar
ao de outro", ou seja, do Báltico ao mar Negro e ao Pacífico. Os
Estados Unidos sem um império continuariam a ser o país com a
maior população do hemisfério ocidental e a terceira maior do
mundo. Mesmo a Rússia, hoje reduzida ao que era antes de Pedro,
o Grande, continua a ser um gigante em termos relativos, sobretudo
pelos recursos naturais que seu vasto território abriga. A
GrãBretanha sem seu império foi e é apenas uma economia de porte
médio entre muitas e sabia que assim era, mesmo quando governava
a quarta parte da terra e da população do planeta.
Mais relevante ainda é o fato de que, como a economia britânica
tinha uma ligação essencial com as transações econômicas globais, o
Império Britânico foi, sob diversos pontos de vista, um elemento central
no desenvolvimento da economia mundial no século XIX. Isso não se deve
ao fato de que ele era um império formal. Não há territórios coloniais
britânicos significativos na América Latina fora da área do Caribe, e
a Grã-Bretanha nunca se dispôs a empregar força militar ou naval,
embora pudesse tê-lo feito
69

com facilidade. E, no entanto, até a Primeira Guerra a América


Latina era muito mais ligada à economia mundial coordenada
pelos britânicos do que à dos americanos: os investimentos britâ-nicos
eram mais de duas vezes maiores do que os dos Estados Unidos em 1914,'9e
eram fortes mesmo no México e em Cuba, onde se concentravam os capitais
americanos. Com efeito, a Grã-Breta-nha do século XIX era uma economia
complementar à do mundo em desenvolvimento. Até a década de 1950, pelo
menos três quartos dos enormes investimentos britânicos estavam nos
países em desenvolvimento. Mesmo no entreguerras, bem mais do que a
metade das exportações britânicas dirigia-se a regiões formal ou
informalmente britânicas. Por isso, a ligação do Cone Sul da América
Latina com a Grã-Bretanha o fez prosperar enquanto ela durou e, em
comparação, a ligação dos Estados Unidos com o México produziu
basicamente uma fonte de mão-de-obra barata para o vizinho do Norte.
Com a industrialização da Europa continental e dos Estados Unidos,
a Grã-Bretanha logo deixou de ser a fábrica do mundo, salvo no que toca
à construção da estrutura dos transportes internacionais, mas continuou
a exercer os papéis de comerciante, banqueiro e exportador de capital
em nível mundial.
Tampouco devemos nos esquecer de que no auge da sua supremacia econômica a
Grã-Bretanha constituía de fato o mercado munqdial de produtos
primários , alimentos e matérias-primas. Apesar da modéstia do seu
território e da sua população, até a década de 1880 ela comprava a
maior parte do algodão cru e 35% da lã nas transações internacionais e
consumia algo como a metade de todo o trigo e de toda a carne e a maior
parte do chá vendidos no comércio internacional.
A economia americana não teve e não tem essa vinculação
orgânica com a economia mundial. Ela é, de longe, a maior econo-mia
industrial do planeta, e o impacto que causou e causa no mundo deve-se
às dimensões continentais e à originalidade ianque
70

em termos de tecnologia e organização empresarial, que a transformou em


modelo para o resto do mundo desde a década de 1870 e especialmente no século
XX, quando o país despontou como a primeira sociedade de consumo de
massas. Até o período de entreguerras, sob forte protecionismo, ela
dependia quase que totalmente dos recursos e dos mercados internos. Ao
contrário da Grã-Bretanha, o país foi, até o último período do século
XX, um importador relativamente modesto de produtos de base e um
exportador desproporcionalmente pequeno de bens e de capitais.
No auge do seu poder industrial, em 1929, a economia americana
exportava cerca de 5% do seu produto interno bruto (a preços de
1990), contra 12,8% da Alemanha, 13,3% do Reino Unido, 17,2%
da Holanda e 15,8% do Canadá." Com efeito, apesar de ter a prima-zia
industrial global desde a década de 1870, com 29% da produção industrial
mundial, a fatia americana das exportações globais manteve-se menor do
que a da Grã-Bretanha até as vésperas da crise de 1929. Ela continua
a ser uma das economias menos dependentes do comércio internacional
em todo o mundo - muito menos do que a própria área do euro. Embora
a partir da Primeira Guerra Mundial o governo dos Estados Unidos tenha
incentivado os exportadores americanos com isenções fiscais e
facilidades na lei antimonopólio, as empresas do país não contemplaram
seriamente penetrar nas economias européias até meados da década de
1920, e também esse avanço foi afetado pela Grande Depressão.
Em termos gerais, a conquista econômica do Velho Mundo pelo
Novo Mundo é algo que ocorreu durante a Guerra Fria. Não há garantia
de que dure muito.
Diferentemente dos avanços globais da Grã-Bretanha no
século XIX, essa conquista resultou apenas parcialmente do que se
poderia denominar a divisão global do trabalho entre os países
industrializados e os países em desenvolvimento (produtores
primários). O grande salto dado a partir da Segunda Guerra Mundial
71

baseou-se nas trocas cada vez mais globalizadas entre as economias,


complementares e rivais, dos países desenvolvidos industrializados, o
que constitui a razão por que o hiato entre o mundo pobre e o mundo
desenvolvido ampliou-se notavelmente. Mas é também a razão por que o
mergulho na globalização à base de mercados livres torna até a mais
forte das economias nacionais dependente de forças que ela não pode
controlar.
Este não é o lugar para analisarmos as mudanças recentes na
distribuição geográfica do poder econômico dos antigos centros
localizados em ambos os lados do Atlântico para as regiões dos
oceanos Índico e Pacífico, nem a conseqüente vulnerabilidade
daqueles. Os dois aspectos são evidentes. As vantagens históricas
que permitiram à maior parte dos habitantes da América do Norte,
das partes favorecidas da Europa, do Japão e da Oceania desfrutar,
no início deste novo século, de um produto interno bruto per capita
pelo menos cinco vezes maior do que a média mundial 7 e de um
nível de vida principesco em comparação com o de 1900, em condições
inigualadas de seguridade social, estão erodindo. Os que no passado
beneficiaram-se desproporcionalmente de uma economia de mercado
globalizada podem deixar de fazê-lo, e os pioneiros da globalização
podem tornar-se suas vítimas. Amaior das agências de publicidade
americanas, que no século XX abriu o mundo para a nova maneira de
vender, a J. Walter Thompson, foi comprada em 1987 por um serviço de
propaganda britânico que agora opera quarenta companhias em 83 países.
Diante da industrialização da Europa e dos Estados Unidos,
a Grã-Bretanha vitoriana, ainda maciçamente industrial, ainda o
maior comerciante e o maior investidor do mundo, transferiu
seus mercados e investimentos de capital para seu império formal
e informal. Os Estados Unidos do começo do século XXI não têm essa
opção. E, além do mais, nem poderiam tê-la, porque já não são um grande
exportador de bens e capitais e pagam pela alta
72

demanda de bens que já não podem produzir, contraindo dívidas


com os novos centros da indústria mundial. É o único caso de um
grande império que também é um grande devedor. Com efeito,
com a exceção dos setenta anos transcorridos entre a Primeira
Guerra Mundial e 1988, o fenômeno global é que sua economia
sempre esteve em débito. 28 O acervo de capitais, visíveis e
invisíveis, acumulado pela economia americana desde 1945 é vultoso e
não está sujeito a uma erosão rápida. Contudo, a supremacia dos
Estados Unidos não pode deixar de ser agudamente vulnerável ao
seu declínio relativo e à transferência do poderio industrial, do
capital e da alta tecnologia para a Ásia. Em um mundo globalizado,
o "poder de persuasão" do mercado e da americanização da cultura já não
adicionam vigor à superioridade econômica americana. Os Estados Unidos
foram os pioneiros dos supermercados, mas na América Latina e na China
quem está na vanguarda é a cadeia francesa Carrefour.
O império americano, ao contrário do britânico, é constantemente
forçado a apelar para sua própria força política. A empresa global
americana esteve mesclada com a política desde o início, ou pelo menos
desde o momento em que o presidente Wilson se dirigiu a uma convenção de
vendedores em Detroit, em 1916, e disse que a filosofia americana da
"democracia dos negócios" devia tomar a liderança na "luta pela
conquista
pacífica do mundo".
Sem dúvida, sua influência sobre o mundo dependia tanto de ser
um modelo para as empresas quanto do seu próprio tamanho,
mas ela também se deveu à sorte de ter ficado imune às catástrofes de
duas guerras mundiais que exauriram as economias da Europa e do Extremo
Oriente, enquanto a sua própria economia prosperava. Os governos
americanos tampouco ignoravam o enorme poder que essas circunstâncias
davam à diplomacia do dólar. "Temos de financiar o mundo em uma escala
importante", pensava Woodrow Wilson, "e os que financiam o mundo têm de
73

compreendê-lo e governá-lo com o espírito e com a mente."30


Durante a Segunda Guerra Mundial e após seu desfecho, da Lei de
Empréstimo e Arrendamento de 1940 ao empréstimo à Grã-Bretanha de 1946,
a política de Washington não escondia que o seu objetivo era tanto o
de derrotar o Eixo quanto o de enfraquecer o Império Britânico.
Durante a Guerra Fria, o crescimento global das companhias
americanas deu-se sob o patrocínio do projeto político dos Estados
Unidos, com o qual a maioria dos dirigentes empresariais, assim como a
maioria dos americanos, estava identificada. Em troca, dado seu poder
mundial, a convicção do governo de que as leis do país deveriam
prevalecer nos negócios feitos pelos americanos em qualquer parte do
mundo deu às companhias americanas uma considerável força política,
o que se vê na frase de 1950 (muitas vezes citada erroneamente): "O que
é bom para o país é bom para a General Motors, e vice-versa".
Evidentemente, a primeira economia de consumo de massa beneficiou-se
muitíssimo da ascensão das afluentes sociedades de consumo de massa
da Europa nas décadas douradas de 1950 e 1960. Afinal, ela havia
desenvolvido a capacidade produtiva, as grandes corporações, as
instituições, as técnicas e até a linguagem desse tipo de sociedade. Como
disse um novelista francês, ainda em 1930, a propaganda vendia
não apenas os produtos, mas também os adjetivos usados para
descrevê-los. Essa é a essência da hegemonia cultural americana,
muito mais do que a sorte de que o inglês, graças ao Império Britânico,
tenha tomado as feições de uma língua global. Não obstante, além do seu
efeito de demonstração, as principais contribuições dos Estados Unidos
para o desenvolvimento econômico mundial no século XX tiveram razões
políticas: o plano Marshall na Europa, a reforma agrária no Japão

ocupado, os gastos militares com as guerras da Coréia e do Vietnã. Sem


a supremacia política sobre o "mundo livre" na Guerra Fria, será que o
simples tamanho da economia dos Estados Unidos bastaria para impor
74
o estilo americano de fazer negócios, suas agências de avaliação de
crédito, suas firmas de auditoria e suas práticas contratuais, para
não falar do "Consenso de Washington" para as finanças internacionais,
como padrão global de comportamento? Pode-se duvidar.
É por essas razões que o Império Britânico não é e não pode
ser o modelo para o projeto americano de supremacia mundial,
exceto quanto a um aspecto. Os britânicos conheciam seus limites
e especialmente os limites, presentes e futuros, do seu poder militar.
Como país de peso médio que sabia ser impossível manter para sempre a
coroa dos pesos pesados, a Grã-Bretanha escapou da megalomania provocada
pela doença ocupacional dos candidatos a conquistadores do mundo.
Ela ocupou e governou mais áreas e mais populações em todo o mundo do
que qualquer outro Estado jamais fez ou parece capaz de fazer, mas sabia
que não mandava nem podia mandar no mundo inteiro e não tentou fazê-lo.
Sua Marinha, que gozou de supremacia efetiva nos oceanos por longo
tempo, não era uma força adequada a esse propósito. Uma vez
estabelecida sua posição global, por meio de guerras e agressões
bem-sucedidas, a Grã-Bretanha manteve-se o mais possível à margem
da política dos países do continente europeu e completamente à
margem do continente americano. Ela tratou de manter o resto do
mundo em bases suficientemente estáveis para continuar fazendo seus
negócios, mas não dizia o que cada um tem de fazer. Quando a era dos
impérios ultramarinos ocidentais chegou ao fim, em meados do século XX,
a Grã-Bretanha reconheceu "os ares de mudança" antes de outros países
colonizadores. E, como sua posição econômica não dependia do poder
imperial, e sim do comércio, ela se ajustou mais facilmente à perda
política, como já o fizera na sua derrota mais dramática-a perda das
colônias americanas. Os Estados Unidos aprenderão essa lição? Ou
serão tentados a manter sua posição global, que está em processo de
erosão, com
75

base na força político-militar? Se assim procederem, poderão promover


não a ordem, mas a desordem global; não a paz, mas o conflito global;
não o progresso da civilização, mas o da barbárie?
Como dizia Hamlet, eis a questão. Só o futuro dirá. Como os historiadores
- ainda bem - não são profetas, não tenho a obrigação profissional de
dar-lhes uma resposta.
76

4- Sobre o fim dos impérios


Permitam-me agradecer-lhes por me outorgarem o título de doutor
honoris causa nesta ilustre universidade. Tessalônica é um nome que tem
grande significado para mim, não apenas como judeu, que não pode deixar
de relembrar as glórias e a tragédia da maior comunidade judaica do
Mediterrâneo, mas também como socialista e historiador do trabalho
humano. O socialismo da Grécia uniu-se pela primeira vez à Segunda
Internacional por meio da Federação dos Trabalhadores de Salônica.
Como Salônica foi, por tanto tempo, uma cidade multinacional, seu
movimento trabalhista teve, e não podia deixar de ter, o sentido do
internacionalismo. Cito um dos seus primeiros líderes, que disse que esse
era um movimento "ao qual todas as nacionalidades podem aderir sem ter
de abandonar sua língua e sua cultura". Salônica foi a cidade que se
levantou contra o governo de Metaxas em 1936 e foi a vítima da sua
ditadura. É uma honra receber este título da sua universidade e
também recebê-lo em uma cidade como esta. Por favor, aceitem
meus agradecimentos.
77

Espera-se que os novos doutores façam uma palestra inaugural.


Proponho-lhes algumas observações sobre o fim dos impérios. Quando eu
nasci, todos os europeus viviam em países que faziam parte de impérios,
no sentido tradicional das monarquias ou no sentido colonial que a
palavra tinha no século XIX, exceto os cidadãos da Suíça, dos três países
escandinavos e das antigas dependências do Império Otomano nos Bálcãs.
E alguns destes, como, por exemplo, os habitantes de Tessalônica,
tinham acabado de sair do Império Otomano, logo antes da Primeira Guerra
Mundial. Os habitantes da África, quase sem exceção, viviam em
impérios, assim como os habitantes das ilhas do Pacífico e do Sudeste
Asiático, grandes e pequenas. Não fosse pelo fato de que o velho
Império Chinês deixou de existir uns seis anos antes do meu nascimento,
seria possível dizer que todos os países da Ásia faziam parte de
impérios, novos ou antigos, com exceção, talvez, da Tai lândia
(então conhecida como Sião) e do Afeganistão, que mantinham algum tipo
de independência entre potências européias rivais. Apenas as Américas,
ao sul dos Estados Unidos, consistiam essencialmente em países que nem
eram nem tinham dependências coloniais, embora certamente fossem
dependentes do ponto de vista econômico e cultural.
No transcurso da minha vida tudo isso mudou. A Primeira
Guerra Mundial reduziu a cacos o império dos Habsburgo e completou a
desintegração do Império Otomano. Não fosse pela Revolução de Outubro,
esse também teria sido o destino do império do czar da Rússia, já
muito enfraquecido, como foi o do império alemão, que perdeu tanto a
Coroa quanto as colônias. A Segunda Guerra Mundial destruiu o potencial
imperial da Alemanha, que alcançara breve realização com Adolf Hitler, e
destruiu também os impérios coloniais da era imperial, grandes e
pequenos: o britânico, o francês, o japonês, o holandês, o português
e o belga, assim como o que restava do espanhol. (Diga-se de passagem
que ela
78

também pôs fim à incursão relativamente breve dos Estados Unidos no


terreno do colonialismo formal de modelo europeu, nas Filipinas e
alguns outros territórios.) Por fim, ao final do século passado, o
colapso dos regimes comunistas europeus determinou o fim da Rússia, tanto
como a entidade multinacional que era no tempo dos czares quanto no
império soviético, que existiu, mais brevemente, na Europa central e
oriental. As metrópoles perderam seu poder, assim como suas dependências.
Só uma possível potência imperial persiste.
Trinta anos atrás, a maioria de nós aplaudiu essa mudança
impressionante no cenário político do mundo, e muitos continuam a
aplaudir. Mas hoje a contemplamos a partir da perspectiva de um novo
século confuso, ao qual parecem faltar a ordem e a previsibilidade
relativas da era da Guerra Fria. A era dos impérios terminou, mas até
aqui nada tomou efetivamente seu lugar. O número de países independentes
quadruplicou desde 1913, alimentado pelos remanescentes dos antigos
impérios. Mas, se, em teoria, vivemos hoje no mundo de Estados nacionais
livres que, segundo os presidentes Wilson e F. D. Roosevelt, devia
substituir o mundo dos impérios, na prática vivemos no que já se
percebe como uma forma altamente instável de desordem global, tanto no
contexto internacional quanto no interior dos países. Um bom
número-provavelmente um número crescente-de tais entidades políticas
parece incapaz de exercer as funções essenciais dos Estados territoriais
ou sofre ameaças de desintegração por parte de movimentos secessionistas.
E, pior, desde o fim da Guerra Fria vivemos em uma era em que os
conflitos armados, incontroláveis ou quase incontroláveis, tornaram-se
endêmicos em grandes áreas da Ásia, da África, da Europa e em partes do
Pacífico. Voltam a ocorrer massacres em nível de genocídio e expulsões
em massa de populações ("limpezas étnicas") em escalas que já não víamos
desde os anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial. Quem
79
pode se surpreender com o fato de que em alguns países os sobreviventes
dos impérios hoje lamentam seu fim?
De que forma esses impérios devem ser recordados? A natureza da
memória, a oficial e a popular, depende, até certo ponto, da quantidade
do tempo transcorrido desde o desaparecimento do império e de se ele
deixou herdeiros. O Império Romano, tanto o do Ocidente quanto o do
Oriente, foi destruído de forma tão completa e há tanto tempo que não
tem herdeiros, apesar de que a marca que deixou no mundo, mesmo fora da
área ocupada por ele, é gigantesca. O império de Alexandre acabou para
sempre, assim como o de Gêngis Khan e o de Timur Lang, e tal como o dos
umaiadas e o dos abássidas. Em época mais recente, o império dos
Habsburgo foi destruído de maneira radical em 1918 e tinha uma
estrutura não-nacional, de modo que não chegou a haver uma continuidade
efetiva entre ele e o pequeno Estado-nação que hoje chamamos de Áustria.
Com freqüência, no entanto, alguma continuidade existe, sobretudo porque
o fim de tantos impérios é ainda muito recente e tantas vezes é
acompanhado, nos antigos Estados metropolitanos, por períodos de
considerável tensão política e psicológica. É verdade que hoje nenhum
país que já deteve um império colonial tem a intenção ou a esperança
de uma restauração; mas, quando as metrópoles dos antigos impérios
sobrevivem como países efetivos, normalmente como Estados-nações,
ocorre entre elas a tendência a ver os tempos passados de grandeza
com orgulho e nostalgia. Existe também uma compreensível tentação de
exagerar os benefícios que os impérios alegadamente teriam oferecido aos
seus súditos enquanto existiam, como a manutenção da lei e da ordem
nos seus territórios e, com mais justificação, o fato de que vários -
embora não todos - impérios desaparecidos eram mais tolerantes com a
multiplicidade étnica, lingüística e religiosa do que os Estados
nacionais que lhes sucederam. Contudo, como uma vez assinalou um
estudioso dos impérios
80

ao analisar a notável história social que o professor Mazower escreveu


a respeito de Salônica, "essa teoria sobre os impérios é boa demais
para ser verdadeira".1 A realidade dos impérios não deve ficar à mercê
da nostalgia seletiva.
Há apenas uma forma coletiva de memória imperial que tem
implicações práticas nos nossos dias. Trata-se do sentimento de
que o poder superior dos impérios, de conquistar e governar o
mundo, baseava-se em uma civilização também superior, facilmente
identificável com uma superioridade moral ou mesmo racial. No século
XIX, ambas as premissas tinham curso, mas a experiência histórica da
Alemanha nazista eliminou as reivindicações de superioridade étnico-
raciais do discurso político educado.
No entanto, permanece, mais tácita do que abertamente articulada, a
reivindicação ocidental de superioridade moral. Ela encontra expressão
na convicção de que nossos valores e instituições são superiores aos dos
demais e podem, e até devem, lhes ser impostos, para seu próprio
benefício, pela força das armas, se necessário for. A afirmação de
que historicamente os impérios e o imperialismo levaram a civilização
aos povos atrasados e substituíram a anarquia pela ordem é duvidosa,
embora não de todo espúria. Do século III ao VI da nossa era, os impérios
foram, na maioria, produto de conquista militar por parte de tribos
guerreiras procedentes dos confins das civilizações da Ásia e do
Mediterrâneo. Dado seu atraso cultural, pouco aportaram aos
conquistados, freqüentemente mais avançados do que elas, limitando-se à
força das suas espadas, e, nos casos em que permaneceram nas terras dos
povos derrotados, ao propósito de valer-se da sua infra-estrutura e dos
seus conhecimentos. Apenas os árabes, que levaram consigo sua
língua escrita e sua nova religião, acrescentaram algo de novo. Os
europeus que colonizaram as Américas, a Ásia e o Pacífico tinham
efetivamente uma superioridade tecnológica sobre as sociedades
locais, mas não a tinham, até o século XIX, com relação às sociedades
81

asiáticas e a algumas islâmicas. Com o tempo, os territórios coloniais


foram se integrando em uma economia mundial centrada no Ocidente. Mas
pode-se perfeitamente perguntar quão positivo terá sido o balanço da era
colonial para os habitantes das Américas que não sejam descendentes dos
imigrantes europeus que ali se estabeleceram. A mesma pergunta pode ser
feita com relação aos habitantes da África subsaariana.
Entre seus antigos súditos, a memória dos impérios é mais
ambígua. Em sua maioria, as colônias e demais dependências dos
antigos impérios transformaram-se em países independentes, que
necessitam, como todos os demais, por mais novo e inédito que
seja seu surgimento, uma história e uma bandeira. Assim, a memória
que têm do antigo império é quase sempre dominada pela história da
criação do novo país, que tende a tomar a forma de um mito fundador de
luta e libertação. Como é natural, esses povos tendem também a
desenvolver uma visão uniformemente negativa da era do domínio colonial.
Em grande parte dos casos, isso
pede uma dose de ceticismo histórico. Essas narrativas costumam
exagerar o papel independente das forças de libertação, subestimar
as forças locais que não se envolveram nos movimentos de libertação
e supersimplificar o relacionamento entre o império e a população
subjugada. Mesmo nos países que têm uma longa tradição de lutas de
libertação, a separação do império foi, normalmente, um processo mais
complexo do que a história oficial nacionalista conta. A verdade é que
raramente a revolta dos povos subjugados foi o único fator causador do
fim dos impérios.
O relacionamento entre os impérios e seus súditos é complexo porque
as bases do poder dos impérios duradouros também são complexas. O poder
militar e a decisão de empregar a coerção e o terror podem permitir
breves períodos de ocupação estrangeira, mas não uma dominação duradoura,
especialmente quando essa dominação é exercida, como quase sempre
aconteceu, por um
82

número muito reduzido de estrangeiros, tanto em termos relativos


quanto absolutos, na generalidade dos casos. Lembremo-nos de
que o número de civis britânicos que se ocupavam em governar os
400 milhões de indianos do império nunca foi superior a uns 10
mil. Historicamente, os impérios podem ter sido formados pela
força militar e consolidados pelo terror - "choque e perplexidade",
na expressão do Pentágono dos Estados Unidos -, mas, para perdurar, eles
careciam de dois instrumentos principais: a cooperação com os interesses
locais e a legitimidade do poder efetivo, em conjugação com a exploração
da desunião dos adversários e dos súditos (divide et impera). A situação
atual no Iraque ilustra as dificuldades que até o mais poderoso dos
ocupantes enfrenta quando esses fatores não estão presentes.
Mas, por essa mesma razão, a era dos impérios não pode ser
revivida, e menos ainda por uma única superpotência. Um dos
maiores trunfos do imperialismo ocidental, formal ou informal,
era o de que, na sua primeira acepção, a "ocidentalização" era a
única forma pela qual as economias atrasadas podiam modernizar-se
e os países fracos podiam fortalecer-se. Isso dava aos impérios
ocidentais e às metrópoles modernizantes dos impérios tradicionais a boa
vontade implícita das elites locais que se interessavam em superar o
atraso. E isso acontecia mesmo quando os modernizadores nativos
voltavam-se contra os governantes estrangeiros, como na índia e no
Egito. Paradoxalmente, o hino nacional indiano foi escrito por um
antigo funcionário civil nativo do Raj britânico. Contudo, a globalização
da economia industrial internacionalizou a modernização. A Coréia do
Sul tem pouco a aprender dos Estados Unidos, que importa seus técnicos
em computação da índia e exporta os trabalhos feitos por eles para o
Sri Lanka, enquanto o Brasil produz não só café, mas também jatos
executivos. Os asiáticos podem acreditar ainda na utilidade de mandar
seus filhos para estudar no Ocidente, onde com freqüência têm
83

como professores acadêmicos asiáticos emigrados, mas a presença


dos ocidentais nos seus países, para não falar do exercício da
influência e do poder político local, já não é necessária para a
modernização das suas sociedades.
No entanto, os candidatos à constituição de novos impérios
enfrentam um obstáculo ainda maior. Já não podem contar com
a obediência dos súditos. E, graças à herança da Guerra Fria, os que
se recusam a obedecer têm agora acesso a armas suficientemente
poderosas para manter à distância os países fortes. No passado, os
países podiam ser administrados por um número comparativamente mínimo
de estrangeiros porque a dominação de qualquer regime com poder
efetivo era aceita pelos povos que estavam acostumados a ser governados
hierarquicamente, ou por nativos, ou por estrangeiros. O governo
imperial, uma vez estabelecido, normalmente só encontrava resistência
por parte de pessoas que rejeitavam todo tipo de poder central, nativo
ou estrangeiro, e que em geral viviam em áreas montanhosas, como os
berberes, afegãos ou curdos, fora do controle das capitais. E mesmo
eles sabiam também que tinham de coexistir com o poder superior do
sultão, do czar ou do rajá. Hoje, como se vê nos antigos territórios
franceses da África, a presença das tropas francesas, por si só, não
pode garantir a manutenção dos regimes locais, como aconteceu
nas décadas posteriores à descolonização formal. Hoje, até o
emprego total do poder armado dos governos tem se mostrado
insuficiente para manter o controle do território sem desafio
durante décadas - no Sri Lanka, na Caxemira indiana, na
Colômbia, na Faixa de Gaza e na margem ocidental do Jordão,
assim como em certas áreas de Belfast. Existe, na verdade, uma
crise geral do poder e da legitimidade do Estado, mesmo nos territórios
de países europeus antigos e estáveis, como a Espanha e o Reino Unido.
Nessas circunstâncias, não há perspectivas para um retorno
84

ao mundo imperial do passado e muito menos para uma hegemonia imperial


global, que não tem precedentes na história, por parte de um único
país, os Estados Unidos, por maior que seja sua força militar. A era
dos impérios está morta. Teremos de encontrar outras maneiras de
organizar o mundo globalizado do século XXI."
85
elias

5. As nações e o nacionalismo
no novo século
Atualmente existe uma ampla literatura acadêmica a respeito
da natureza e da história das nações e do nacionalismo, produzida
sobretudo desde a publicação de diversos textos seminais, na
década de 1980.1 A partir daí, o debate sobre o tema tem sido con-
tínuo. Contudo, como estamos na entrada do século XXI, uma
breve pausa pode ser útil para considerarmos as notáveis mudanças
históricas que ocorreram nas últimas décadas e que provavelmente o
afetarão. A principal delas é o surgimento de uma era de instabilidade
internacional iniciada em 1989, cujo fim ainda não se pode prever.
Esse é o propósito da presente nota.
Hoje é mais fácil avaliar as conseqüências duradouras do fim
da Guerra Fria, assim como da União Soviética e da sua esfera de
influência, ambas as quais podem ser vistas, retrospectivamente,
como forças politicamente estabilizadoras. Desde 1989, e pela primeira
vez na história européia desde o século XV, deixou de existir um sistema
de poder internacional. As tentativas unilaterais em prol do
estabelecimento de uma ordem global até aqui não tiveram êxito.
Enquanto isso, a década de 1990 viu uma notável balcanização
86

de grandes regiões do Velho Mundo, sobretudo por meio da desintegração


da União Soviética e dos regimes comunistas nos Bálcãs, o que provocou a
maior ampliação no número de Estados soberanos internacionalmente
reconhecidos desde a descolonização dos impérios europeus entre o fim
da Segunda Guerra Mundial e a década de 1970. A composição das Nações
Unidas aumentou em 33 países (mais de 20%) desde 1988. Esse período viu
também o aumento dos chamados "Estados falidos", onde ocorre o virtual
colapso da efetividade dos governos centrais, ou uma situaçãoendêmica
de conflito armado interno, em diversos Estados nominalmente
independentes em certas regiões, notadamente a África e a região dos
Estados ex-comunistas, mas também em pelo menos uma área da América
Latina. Com efeito, durante alguns anos, depois do fim da União
Soviética, mesmo seu principal Estado sucessor, a Federação Russa,
parecia prestes a somar-se ao grupo dos "Estados falidos", mas os
esforços do governo do presidente Putin em favor da restauração de um
poder governamental efetivo sobre todo o território do país parecem ter
tido êxito, exceto no que se refere à Chechênia. Não obstante, grandes
áreas do planeta permanecem instáveis, tanto interna quanto
internacionalmente.
Essa instabilidade é dramaticamente acentuada pelo declínio
do monopólio da força armada, que já não está nas mãos dos
governos. A Guerra Fria deixou em todo o mundo um enorme
suprimento de armas pequenas, mas muito potentes, e outros ins-
trumentos de destruição para usos não-governamentais, que
podem ser facilmente adquiridos com os recursos financeiros disponíveis
no gigantesco e incontrolável setor paralegal da economia capitalista
gglobal, em fantástica expansão. A chamada "guerra assimétrica" que
aparece nos debates estratégicos atuais dos Estados Unidos consiste
precisamente na capacidade desses grupos armados não-estatais de
sustentar-se quase que indefinidamente em luta contra o poder do Estado,
nacional ou estrangeiro.
87

Um resultado perturbador desses desenvolvimentos foi uma


recaída global em uma das maiores epidemias de massacres, genocídios
e "limpeza étnica" desde os anos que se seguiram imediatamente à
Segunda Guerra Mundial. As 800 mil pessoas mortas emRuanda, em 1994,
constituem apenas o maior de uma série de assassinatos em massa e de
expulsões em massa, estas ainda mais freqüentes, na década de 1990 -
na África ocidental e central, no Sudão, nas ruínas do que antes fora a
Iugoslávia comunista, na Transcaucásia, no Oriente Médio. O número de
mortos e mutilados, inflacionado pela série praticamente ininterrupta
de guerras e guerras civis daquela década, ainda pode ser difícil de
estimar, mas o fluxo decorrente de refugiados e de deslocados certamente
teve, nesse período terrível, a mesma ordem de grandeza, com relação às
populações envolvidas, que alcançara na Segunda Guerra Mundial e no
período subseqüente. Em 2005, o Alto Comissariado das Nações Unidas para
os Refugiados estimou que a organização se preocupava com um total de
20,8 milhões de pessoas, fortissimamente concentradas em certas regiões
do Oeste e do Centro-Sul da Ásia, da África e do Sudeste da Europa, ou
provenientes delas; mas a Statistics of Uprooted People [Estatística de
Pessoas Deslocadas], do Church World Service (dezembro de 2005),
registra 33 milhões de pessoas e outras estimativas ainda acrescentam
mais 2 milhões.
Durante a Guerra Fria, o duopólio das superpotências havia
mantido, como regra, a integridade das fronteiras nacionais contra
ameaças internas e externas. Desde 1989 essas defesas a priori
dissolveram-se com a desintegração do poder central em muitos dos
países nominalmente independentes e soberanos que se estabeleceram
entre 1945 e 2000 e mesmo em outros mais tradicionais, como a Colômbia,
por exemplo. Amplas áreas do mundo viram- se, portanto, revertidas a uma
situação em que, por várias razões ou com vários pretextos, países
efetivamente fortes e estáveis inter
88

vêm pela força das armas em regiões que já não estão devidamente
protegidas pela estabilidade internacional nem controladas pelos
seus próprios governos. Em regiões importantes como o mundo
islâmico, o ressentimento contra invasores e ocupantes ocidentais,
depois de um período relativamente breve de emancipação dos
controles imperiais, voltou a ser um fator politicamente poderoso.
O segundo elemento novo que afeta o problema das nações e
do nacionalismo é a aceleração extraordinária do processo de
globalização nas décadas recentes e seu efeito sobre o movimento e a
mobilidade dos seres humanos. Ela afeta tanto os movimentos
transfronteiriços temporários quanto os duradouros, e a escala em
ambos os casos não tem precedentes. Assim, ao findar o século,
cerca de 2,6 bilhões de pessoas foram transportadas anualmente
pelas linhas aéreas de todo o mundo, o que corresponde a uma
média de quase uma viagem de avião por ano para cada dois habitantes
do planeta. Quanto à globalização das migrações internacionais em massa,
sobretudo, como é normal, das economias pobres para as ricas, a escala
é grande, particularmente em casos como os dos Estados Unidos, Canadá
e Austrália, que não impuseram limites mais estritos à imigração.
Esses três países receberam quase 22 milhões de imigrantes provenientes
de todas as partes do mundo entre 1974 e 1998, total superior ao da
grande era da imigração anterior a 1914 e duas vezes maior do que a
taxa de influxo anual daquele período.2 Nos anos transcorridos entre
1998 e 2001, esses três países receberam um influxo de 3,6 milhões de
pessoas.
Mas mesmo a Europa ocidental, que há muito tempo é uma região
de emigração em massa, recebeu quase 11 milhões de estrangeiros
durante esse período. O influxo acelerou-se na entrada do novo
século. De 1999 a 2001, um total de cerca de 4,5 milhões de pessoas
entrou nos quinze países da União Européia. Para citarmos apenas
um exemplo, o número de estrangeiros que vivem legalmente na
Espanha mais do que triplicou entre 1996 e 2003, passando de meio
89

milhão para 1,6 milhão e dois terços destes provêm de fora da


União Européia, sobretudo da África e da América do Sul.3 A fantástica
cosmopolitização das grandes cidades dos países ricos é uma conseqüência
visível. Em resumo, na Europa, a pátria original do nacionalismo,
as transformações da economia mundial estão desfazendo o que as guerras
do século XX, com seus genocídios e transferências em massa de populações,
pareciam produzir, ou seja, um mosaico de Estados nacionais etnicamente
homogêneos.
Graças à revolução tecnológica no custo e na velocidade dos
transportes e comunicações, os emigrantes de longo prazo do
século XXI, ao contrário dos do século XIX, já não estão efetivamente
separados das suas comunidades de origem, como antes estavam,
a não ser por cartas, visitas ocasionais ou, no máximo, através do
"nacionalismo de longa distância" das organizações de emigrantes
que financiavam organismos políticos dos seus países de nascimento.
Prósperos emigrantes hoje circulam entre suas casas, ou mesmo seus
trabalhos e negócios, no país antigo e no novo. Os aeroportos da América
do Norte ficam inundados nos feriados por centro-americanos que se
dirigem a alguma cidadezinha de El Sal vador ou da Guatemala, levando
presentes eletrônicos. As festas familiares em um país - o antigo ou
o novo - são freqüentadas por amigos e parentes de três continentes.
Mesmo os mais pobres podem fazer telefonemas baratos para Bangladesh
ou para o Senegal e enviar remessas regulares, cujo valor duplicou entre
2001 e 2006 e que hoje sustentam as economias dos seus países,
proporcionando algo como 10% do produto interno bruto do Norte da
África e das Filipinas, 10% a 16% da América Central e do Caribe
e mais ainda com relação às tristes economias de países como a
Jordânia, o Líbano e o Haiti.4 O número de países que permitem dupla
nacionalidade dobrou de 1995 a 2004, quando chegou a 93 Estados.5
Com efeito, a emigração já não implica uma escolha duradoura entre os países.
90

Ainda não é possível julgar os efeitos dessa extraordinária


mobilidade transfronteiriça sobre os conceitos mais antigos de
nação e nacionalismo, mas não há dúvida de que eles serão substanciais.
Como Benedict Anderson observou com acuidade, o documento crucial de
identidade do século XXI não é a certidão de nascimento do Estado
nacional, e sim o documento internacional de identidade - o passaporte.
Qual é a profundidade com que a nacionalidade plural, real ou potencial
- por exemplo, a origem americana de políticos de antigos países
comunistas, a identificação de judeus dos Estados Unidos com os governos
israelenses - tem afetado ou pode vir a afetar a lealdade de um cidadão
a um Estado nacional?6 Qual é o significado dos direitos e obrigações de
"cidadania" nos Estados em que uma proporção substancial dos
seus habitantes, em qualquer momento que se escolha, está
ausente do território nacional ou em que uma proporção substancial dos
residentes permanentes tem direitos inferiores aos dos cidadãos
nacionais? Dada a escala dos movimentos, legais e clandestinos, qual é o
efeito do declínio do poder do Estado para controlar o que acontece no
seu território, ou mesmo - como a recente falta de confiabilidade dos
censos nos Estados Unidos e na Grã- Bretanha parece indicar-para saber
quem nele reside? Essas são perguntas que temos de formular, mas que
ainda não podemos responder.
O terceiro elemento, a xenofobia, não é novo, porém sua escala e
suas implicações foram subestimadas nos meus próprios trabalhos sobre o
nacionalismo moderno. Mesmo na Europa, berço histórico das nações e
do nacionalismo, e, em menor grau, em países como os Estados Unidos,
formados em grande parte pela imigração em massa, a nova globalização
de movimentos reforçou a longa tradição popular de hostilidade econômica
à imigração em massa e de resistência ao que se vê como ameaças à
identidade cultural coletiva. A força real da xenofobia é percebida no
91

fato de que a ideologia do capitalismo globalizado dos mercados


livres, que se implantou nos principais governos nacionais e
instituições internacionais, fracassou redondamente no estabelecimento
da livre movimentação internacional da força de trabalho, ao contrário
do que ocorreu com o capital e o comércio. Não há governo democrático
que tenha condições de apoiá-la. Contudo, esse avanço evidente da
xenofobia reflete os cataclismos sociais e a desintegração moral do
final do século XX e da época atual, assim como os grandes movimentos
internacionais de população. A combinação é naturalmente explosiva, em
especial em países e regiões étnica, confessional e culturalmente
homogêneos e desacostumados a grandes influxos de estrangeiros. Por
essas razões, propostas de transformação de capelas protestantes que já
não são utilizadas em mesquitas para uma florescente religião de
imigrantes causaram recentemente um rápido clamor em países tranqüi-los
e tolerantes como a Noruega, reação que, ademais, será com certeza bem
compreendida por todos os leitores deste livro nas velhas pátrias
européias do nacionalismo.
A dialética das relações entre a globalização, a identidade
nacional e a xenofobia é enfaticamente demonstrada pela atividade
pública que combina esses três elementos: o futebol. Graças à televisão
global, esse esporte universalmente popular transformou-se em um
complexo industrial capitalista de categoria mundial (embora de tamanho
modesto, em comparação com outras atividades de negócios globais).
Como já se disse, e muito bem: "Dessa dicotomia entre, por um lado, o
'nacional', último refúgio das paixões do mundo antigo, e, por outro, o
'transnacional', trampolim do ultraliberalismo do mundo novo, resulta,
para os amantes do futebol, assim como para os meios que gravitam em
torno desse esporte, uma verdadeira esquizofrenia, extremamente complexa
[...] que ilustra perfeitamente o mundo ambivalente no qual
todos nós vivemos".7
92

Praticamente desde que adquiriu um público de massa, esse


esporte tem sido o catalisador de duas formas de identificação grupai:
a focai (com o clube) e a nacional (com a seleção nacional, composta com
os jogadores dos clubes). No passado, elas eram complementares, mas
a transformação do futebol em um negócio mundial e sobretudo o
surgimento extraordinariamente rápido de um mercado global de jogadores
nas décadas de 1980 e 1990 (especialmente depois da decisão tomada em
decorrência do "caso Bosman", em 1995, pela Corte Européia de Justiça)
criaram uma crescente incompatibilidade entre os interesses empresariais,
políticos e econômicos, nacionais e globalizados, e o sentimento
popular. Essencialmente, o negócio global do futebol é dominado pelo
imperialismo de umas poucas empresas capitalistas com nomes de
marcas também globais - um pequeno número de superclubes
baseados em alguns países da Europa, que competem entre si
tanto nas ligas nacionais quanto, preferivelmente, nas internacionais.
Seus jogadores são recrutados em todo o mundo. Com freqüência apenas uma
minoria-e, por vezes, uma pequena minoria - dos jogadores tem a
nacionalidade do país onde se situa o clube. A partir da década de 1980,
eles provêm cada vez mais de países não-europeus, especialmente da
África, que tinha cerca de 3 mil jogadores atuando nas ligas européias
em 2002. Esses desenvolvimentos tiveram um efeito triplo. Do ponto
de vista dos clubes, provocaram um considerável enfraquecimento da
posição de todos aqueles que não estão no circuito das superligas
internacionais e dos supertorneios e em especial nos clubes dos países
exportadores de jogadores, notadamente nas

* Os dezoito clubes que buscaram estabelecer uma "superliga" européia


constituem-se de três clubes de cada um dos seguintes países:
Inglaterra, Itália, Espanha, Alemanha e França; dois da Holanda; e um
de Portugal. Note-se que houve um movimento similar, feito por clubes
das ligas européias menores, em favor de uma "Liga Atlântica".
93

Américas e na África. A crise dos outrora altivos clubes de futebol


do Brasil e da Argentina o comprova.9Na Europa, os clubes menores
mantêm-se em competição com os gigantes em grande medida comprando
jogadores baratos (por exemplo, iniciantes estrangeiros talentosos),
na esperança de revendê-los como estrelas já descobertas aos
superclubes. Jovens da Namíbia jogam na Bulgária; da Nigéria, em
Luxemburgo e na Polônia; do Sudão, na Hungria; do Zimbábue, na Polônia
etc. O segundo efeito está em que a lógica transnacional da
empresa de negócios entrou em conflito com o futebol como expressão de
identidade nacional, tanto pela tendência a favorecer torneios
internacionais entre superclubes, em detrimento dos torneios tradicionais
das copas e dos campeonatos nacionais, quanto porque os interesses dos
superclubes competem com os das seleções nacionais, que são as
portadoras de toda a carga política e emocional da identidade nacional
e que têm de ser formadas por jogadores que tenham o passaporte do
país. Ao contrário dos superclubes, que, na verdade, podem por vezes
sermais fortes do que as próprias seleções dos seus países, estas não
são permanentes. Hoje elas tendem a ser conjuntos de jogadores, muitos
dos quais - a maioria, em casos extremos como o do Brasil-jogam em
clubes estrangeiros, que perdem dinheiro a cada dia em que eles se
ausentam, durante os períodos mínimos necessários para que treinem e
joguem com suas seleções. Do ponto de vista dos superclubes e dos
superjogadores, o clube tende a ser mais importante do que o país.
No entanto, os imperativos não-econômicos da identidade nacional têm
tido força suficiente para afirmar-se no contexto do jogo e mesmo para
impor o torneio internacional de seleções, a Copa do Mundo, como o
elemento principal e mais poderoso da presença econômica global do
futebol. Com efeito, para muitos dos países africanos e para alguns dos
países asiáticos cujos jogadores se tornaram famosos (e ricos) na
economia dos grandes clubes, a existência
94

da seleção nacional de futebol estabeleceu, em alguns casos pela


primeira vez, uma identidade nacional independente das identidades
locais, tribais ou religiosas. Pois "a comunidade abs-trata de milhões
aparece com mais realismo em um grupo de onze pessoas do mesmo país".10
Na verdade, até o nacionalismo inglês, recentemente revivido, encontrou
sua primeira expressão pública com a exibição da bandeira da Inglaterra
(diferente das da Escócia, do País de Gales e da Irlanda do Norte) nos
jogos da seleção inglesa de futebol.
O terceiro efeito pode ser visto na crescente proeminência do
comportamento xenofóbico e racista entre os torcedores (esmagadoramente
masculinos), sobretudo os dos países imperiais. Eles ficam divididos
entre o orgulho que sentem pelos superclubes e pelas seleções nacionais
(o que inclui seus jogadores estrangeiros ou negros) e a crescente
importância que competidores provenientes de povos há tanto tempo
considerados inferiores alcançam nos seus cenários nacionais. Os
periódicos surtos racistas que acometem os estádios de países sem
história anterior de racismo - Espanha, Holanda - e a associação do
"hooliganismo" com a extrema direita política são expressões dessas
tensões.
Não obstante, como já observamos, a xenofobia também
reflete a crise de uma identidade nacional culturalmente definida
no contexto dos Estados nacionais, nas condições de acesso universal à
educação e à informação e em uma época em que a política das
identidades coletivas exclusivas, sejam étnicas, religiosas ou de
gênero e estilo de vida, busca expressamente a regeneração de uma
Gemeinschaft [comunidade] em uma Gesellschaft [sociedade]
cada vez mais remota. O processo que transformou camponeses
em franceses e imigrantes em cidadãos americanos está sendo
revertido e dissolve as grandes identidades, como a do Estado
nacional, convertendo-as em identidades grupais auto-referentes,
ou mesmo em identidades particulares não-nacionais, sob o lema
95

ubi bene ibi pátria [onde existe o bem, aí está a pátria]. E isso, por
sua vez, reflete, em grande medida, a diminuição da legitimidade
do Estado nacional para os que vivem no seu território, assim
como das exigências que esse Estado pode fazer aos seus cidadãos.
Se os Estados do século XXI agora preferem fazer suas guerras com
exércitos profissionais, ou mesmo através da terceirização de serviços
bélicos, não é apenas por razões técnicas, mas porque já não se pode
confiar em que os cidadãos se deixem ser recrutados, aos milhões, para
morrer no campo de batalha em nome dos seus países. Homens e mulheres
podem estar preparados para morrer (mais provavelmente para matar) por
dinheiro, ou por algo menor, ou por algo maior, mas, nos lugares onde
se originou o conceito de nação, não mais pelo Estado nacional.
Qual será seu substituto, se é que haverá algum, como modelo
geral de governo popular no século XXI? Não sabemos.
96

6. As perspectivas da democracia
Há palavras com as quais ninguém gosta de se ver associado
em público, como racismo e imperialismo. Há outras, por outro
lado, pelas quais todos anseiam por demonstrar entusiasmo, como
mãee meio ambiente. Democracia é uma delas. Você se lembrará de
que, nos dias do que normalmente se conhecia como "socialismo
real", mesmo os regimes mais implausíveis ostentavam-na em seus
títulos oficiais, como a Coréia do Norte, o Camboja de Pol Pot e o
Iêmen. Hoje, é claro, é impossível encontrar, com a exclusão de
algumas teocracias islâmicas e monarquias hereditárias asiáticas,
qualquer regime que não renda homenagens oficiais, constitucionais e
editoriais a assembléias e presidentes pluralmente eleitos. Qualquer
Estado que possua esses atributos é oficialmente considerado superior
a qualquer outro que não os possua, como, por exemplo, a Geórgia pós-
soviética com relação à Geórgia soviética e um regime civil corrupto no
Paquistão com relação ao regime militar. Independentemente da história
e da cultura, os aspectos constitucionais comuns à Suécia, Papua-Nova
Guiné e Serra Leoa (quando aí exista algum presidente eleito) colocam
oficialmente
97

esses países em uma classe e o Paquistão e Cuba na outra. Por isso,


a discussão pública e racional da democracia é necessária e singularmente
difícil.
Além disso, desprezando toda retórica, como hoje assinala o
professor John Dunn, ainda que de maneira breve, "pela primeira
vez na história humana há uma única forma de Estado claramente
dominante - a república democrática, constitucional, representativa e
moderna",1 embora também seja necessário assinalar que a maior
proporção de sistemas políticos estáveis que seriam vistos como
democráticos por observadores imparciais está hoje em monarquias, as
quais parecem ter sobrevivido melhor nesse ambiente político, ou seja,
na União Européia e no Japão.
Com efeito, na oratória política do nosso tempo, que em sua
quase totalidade pode ser descrita, nas palavras do grande Leviatã
de Thomas Hobbes, como "discurso insignificante", o termo "democracia"
tem como significado esse modelo-padrão de Estado; e isso significa um
Estado constitucional, que oferece a garantia do império da lei e de
vários direitos e liberdades civis e políticas e é governado por
autoridades, que devem necessariamente incluir assembléias
representativas, eleitas por sufrágio universal e por maiorias numéricas
entre todos os cidadãos, em eleições realizadas a intervalos regulares
entre candidatos e/ou organizações que competem entre si. Os
historiadores e os cientistas políticos podem recordar-nos, e com razão,
de que esse não é o significado original de democracia e de que com
certeza não é o único. Mas, para meus propósitos aqui, isso não é
relevante. A democracia liberal é o que nos confronta hoje, e suas
perspectivas são o tema da minha exposição.
Será algo mais pertinente lembrar que não há uma conexão
necessária ou lógica entre os vários fatores do conglomerado que
compõe a "democracia liberal". Estados não-democráticos podem
ser construídos com base no princípio do Rechtstaat, ou estado de
98

direito, como eram, sem dúvida, a Prússia e a Alemanha imperial.


As constituições, mesmo as que são efetivas e operacionais, não
têm de ser democráticas. Sabemos, desde Tocqueville e John Stuart
Mill, que a liberdade e a tolerância para com as minorias freqüentemente
são mais ameaçadas do que protegidas pela democracia.
Sabemos também, desde Napoleão m, que regimes que chegam ao poder por
meio de golpes de Estado podem continuar a receber apoio majoritário
genuíno mediante o apelo sucessivo ao sufrágio universal (masculino).
E-para escolher apenas alguns exemplos recentes - nem a Coréia do Sul
nem o Chile das décadas de 1970 e 1980 sugerem um vínculo orgânico entre
capitalismo e democracia, ainda que ambos sejam tratados quase como
gêmeos siameses na retórica política dos Estados Unidos. De toda maneira,
como aqui estamos lidando com a prática política e social dos nossos
dias, e não com teorias, essas questões podem ser vistas como nuances
acadêmicas, salvo na medida em que sugerem que grande parte da
defesa que se faz da democracia liberal baseia-se mais em seu componente
constitucional liberal do que em seu componente democrático ou, mais
precisamente, eleitoral. A defesa do voto livre não se faz porque ele
garante os direitos, mas porque permite ao povo (em teoria) livrar-se de
governos impopulares.
Contudo, há três observações críticas que têm relevância
mais imediata.
A primeira é óbvia, mas seu significado não é sempre reconhecido.
A democracia liberal, como qualquer outra forma de regime político,
requer uma entidade política no interior da qual possa ser exercida,
normalmente o tipo de Estado conhecido como "Estado nacional". Não é
aplicável a campos em que tal entidade não exista ou não pareça em
processo de vir a existir, o que se observa principalmente nos assuntos
globais, por mais urgentes que sejam nossas preocupações nesse sentido.
Qualquer que seja a maneira pela qual a descrevamos, a política das
Nações Unidas
99

não pode ser inserida no marco da democracia liberal, exceto como


figura de linguagem. E está por ver-se se a da União Européia como
um todo pode sê-lo. Essa é uma ressalva de grande substância.
A segunda observação lança dúvidas sobre a proposição amplamente
aceita - e universalmente incorporada ao discurso público americano - de
que o governo liberal-democrático é sempre, ipsofacto, superior, ou pelo
menos preferível ao governo não-democrático. Isso é, sem dúvida,
verdadeiro, fazendo-se tabula rasa de todos os demais fatores, mas nem
sempre se pode fazer tabula rasa de todos os demais fatores. Não
pedirei que se considere o caso da empobrecida Ucrânia, que incorporou
a política democrática (mais ou menos) ao preço de perder dois terços
do modesto produto nacional bruto que gerava nos tempos soviéticos.
Veja antes o caso da Colômbia, uma república que, para os padrões
latino-americanos - o critério hoje aceito universalmente -, tem um
passado quase único de governo democrático, constitucional e
representativo virtualmente contínuo. Dois partidos que rivalizam nas
eleições, o Liberal e o Conservador, têm se mantido em competição, como
requer a teoria. A Colômbia nunca esteve sob o poder de militares ou de
caudillos populistas por mais do que breves momentos. E, no entanto,
embora o país não tenha se envolvido em guerras internacionais, o número
de pessoas assassinadas, mutiladas e expulsas de suas casas nos últimos
cinqüenta anos chega a milhões. Esses números são, por certo,
incomparavelmente superiores aos de qualquer outro país desse continente
notoriamente infestado de ditaduras militares. Não estou
sugerindo que os regimes não-democráticos sejam melhores do
que os democráticos. Simplesmente recordo o fato, tantas vezes
ignorado, de que o bem-estar dos países não depende da presença
ou da ausência de um tipo de arranjo institucional, por mais
recomendável que este seja, do ponto de vista moral.
A terceira observação foi expressa na frase clássica de Winston
100

Churchill: "A democracia é o pior de todos os governos, com a exceção


de todos os demais". Embora a frase seja normalmente considerada como um
argumento a favor da democracia representativa liberal, ela é, na
verdade, a expressão de um profundo ceticismo. Qualquer que seja a
retórica nas campanhas eleitorais, os analistas políticos e os próprios
participantes mantêm-se extremamente céticos a respeito da democracia
representativa de massas como maneira de governar, ou como qualquer
outra coisa. A folha de serviços da democracia é essencialmente
negativa. Mesmo como alternativa a outros sistemas, ela só pode ser
defendida com um suspiro de resignação. Isso não importou muito durante
a maior parte do século XX, uma vez que os sistemas políticos que a
desafiaram - tanto a direita como a esquerda autoritárias até o fim da
Segunda Guerra Mundial e principalmente a esquerda autoritária até o fim
da guerra fria - eram patentemente horríveis, ou pelo menos
assim pareciam à maioria dos liberais. Antes que a democracia
representativa liberal passasse a sofrer esses desafios, seus defeitos
intrínsecos como sistema de governo eram evidentes para a maior
parte dos pensadores sérios, assim como para os que se dedicavam
à sátira. Com efeito, isso era discutido ampla e francamente mesmo
entre os políticos, até que se tornou desaconselhável para eles dizer
em público o que realmente pensavam a respeito da massa de votantes
de quem dependia sua própria eleição. Nos países onde a tradição dos
governos representativos estava estabelecida havia muito tempo, ela
era aceita não só porque os sistemas alternativos pareciam ser piores,
mas também porque, ao contrário do que ocorrera na terrível era das
guerras e das catástrofes econômicas mundiais, muito poucas pessoas
sentiam a necessidade de um sistema alternativo - particularmente em uma
era de prosperidade geral, que melhorou as condições de vida até dos
pobres, e de sistemas robustos de bem-estar social. Não é de modo algum
certo que muitas partes
101

do planeta que hoje têm governos nominalmente representativos desfrutem


efetivamente desse estado de felicidade.
É e sempre foi muito fácil criticar a retórica de campanha da
democracia liberal como maneira de governar. No entanto, uma
coisa é inegável: "o povo" (qualquer que seja o grupo humano definido
como tal) é hoje a base e o ponto comum de referência de todos os
governos nacionais, exceto os teocráticos. E isso não só é inevitável
como está certo, pois, se o governo tem algum propósito, este tem de
ser o de falar em nome de todos os cidadãos e zelar pelo bem-estar
deles. Na era do homem comum, todos os governos são do povo e para o
povo, embora seja evidente que, do ponto de vista operacional, eles
não podem ser governos feitos pelo povo. Esse era um terreno comum a
democratas liberais, comunistas, fascistas e nacionalistas de todos os
tipos, ainda que suas idéias diferissem quanto à maneira de formular,
expressar e influenciar a "vontade do povo". É a herança comum que o
século XX, o século das guerras totais e das economias coordenadas,
deixou para o século XXI. Tem por base não só o igualitarismo de povos,
que já não querem aceitar uma posição de inferioridade em uma escala
social governada por "superiores", mas também o fato de que até aqui as
economias, os sistemas sociais e os Estados nacionais modernos não
conseguem funcionar sem o apoio passivo e mesmo a mobilização e a
participação ativa de muitos de seus cidadãos. A propaganda de
massas foi um elemento essencial mesmo em regimes que estavam
prontos para aplicar coerção ilimitada sobre seus povos. Nem as
ditaduras logram sobreviver por muito tempo quando seus súditos perdem
a disposição de aceitar o regime. Essa foi a razão pela qual, quando
chegou o momento, os regimes chamados "totalitários" da Europa oriental,
juntamente com os que lhe permaneciam fiéis no aparelho estatal e com
seus mecanismos de repressão, que mantinham boas condições de
organização, desapareceram rapidamente e em silêncio.
102

É a herança do século XX. Continuará ela a ser a base do


governo popular, inclusive da democracia liberal, no século XXI? O
argumento desta palestra é que a fase atual do desenvolvimento
capitalista globalizado a está afetando e que isso terá e já está tendo
sérias implicações para a democracia liberal, tal como é atualmente
entendida. A política democrática baseia-se em duas premissas, uma
moral, ou, se você preferir, teórica, e outra de ordem prática.
Moralmente falando, ela requer que a maior parte dos cidadãos, o que
se presume ser a maior parte dos habitantes do país, apoie expressamente
o regime. Apesar de sua natureza internamente democrática, os arranjos
adotados pelos brancos da África do Sul no tempo do apartheid, regime
que excluiu permanentemente da política a maior parte da população,
não podem ser considerados democráticos. O ato de expressar assentimento
à legitimidade do sistema político, por meio do voto periódico nas
eleições, por exemplo, pode ter importância pouco mais do que
simbólica, e, com efeito, é um lugar-comum entre os cientistas
políticos reconhecer que, em países com cidadania de massas, apenas
uma minoria modesta participa constante e ativamente dos assuntos do
Estado ou das suas organizações de massas. Isso é útil para os
dirigentes e, na verdade, políticos e pensadores moderados há muito
tempo mostram preferência por certo grau de apatia política.2 Mas esses
atos são importantes. Hoje nos defrontamos com um divórcio bastante óbvio
dos cidadãos com relação à esfera da política. A participação nas
eleições parece estar caindo na maior parte dos países de democracia
liberal. Se a eleição popular é o critério principal da democracia
representativa, até que ponto se pode falar da legitimidade democrática
de uma autoridade eleita pela terça parte do eleitorado potencial, como
é o caso do Congresso dos Estados Unidos, ou, como no caso de governos
locais na Grã-Bretanha ou do Parlamento europeu, por algo como
10% ou 20% do eleitorado? Ou até de um presidente dos Estados
103

Unidos eleito por pouco mais da metade dos 50% dos americanos
com direito a voto?
Do lado prático, os governos dos Estados-nações, ou dos
Estados territoriais modernos - quaisquer governos -, apóiam-se em três
presunções: primeiro, que eles têm mais poder do que qualquer outra
unidade que opere em seus territórios; segundo, que os habitantes dos
seus territórios aceitam mais ou menos de bom grado sua autoridade;
e terceiro, que eles podem proporcionar aos habitantes serviços que de
outra maneira não poderiam ser prestados com efetividade, como é o caso
da manutenção da lei e da ordem. Nos últimos trinta ou quarenta anos,
essas presunções têm perdido cada vez mais a validade.
Em primeiro lugar, mesmo sendo consideravelmente mais
fortes do que quaisquer rivais internos, como os últimos trinta
anos na Irlanda do Norte bem revelam, até os Estados mais fortes,
estáveis e efetivos perderam o monopólio absoluto da força coercitiva.
Isso é facilitado em grande parte pela inundação de instrumentos de
destruição novos e portáteis, agora facilmente acessíveis a pequenos
grupos dissidentes, e pela extrema vulnerabilidade da vida moderna a
atos de desorganização súbita, embora tênue. Em segundo lugar, os dois
pilares mais fortes do governo estável começaram a fragilizar-se,
notadamente (nos países com legitimidade popular) a lealdade voluntária
e a prestação de serviços dos cidadãos ao Estado, e (nos países que não
a têm) a disposição de obedecer ao poder estatal estabelecido e
esmagador. Sem o primeiro pilar, as guerras totais baseadas no serviço
militar obrigatório e na mobilização nacional teriam sido tão impossíveis
quanto aumentar a renda do Estado até seu nível atual, que, permita-me
lembrar, ultrapassa 40% do produto interno bruto em alguns países e
chega a algo como 20% mesmo nos Estados Unidos e na Suíça.
Sem o segundo, como revela a história da África e de grandes
regiões da Ásia, pequenos grupos de europeus não teriam conseguido
104

manter o domínio colonial por gerações e a um custo relativamente modesto.


A terceira presunção vem sendo afetada não só pelo enfraquecimento
do poder do Estado, mas também, desde a década de 1970, pelo retorno, por
parte de políticos e ideólogos, a um laissezfaire ultra- radical, que
critica o Estado e sustenta que seu papel tem de ser reduzido a qualquer
preço. Essa linha argumenta, mais por convicção teórica do que por
evidência histórica, que todo e qualquer serviço que as autoridades
públicas podem proporcionar ou são indesejáveis ou podem ser fornecidos
pelo "mercado" de maneira melhor, mais eficiente e mais barata. Desde
então, a substituição dos serviços públicos (e, aliás, também os serviços
cooperativos) por serviços privados ou privatizados tem sido maciça.
Atividades características dos governos nacionais ou locais, como
as dos correios, prisões, escolas, fornecimento de água e mesmo
serviços sociais, têm sido transformadas em empresas de negócios
ou entregues a elas; e os funcionários públicos, transferidos para
agências independentes ou substituídos por contratistas comerciais.
Até segmentos da atividade bélica têm sido terceirizados. E,
evidentemente, o modus operandi da empresa privada com fim
lucrativo tornou-se o modelo ao qual até o governo aspira. Na
medida em que isso acontece, o Estado tende a confiar nos mecanismos
econômicos privados para substituir a mobilização ativa e passiva dos
seus cidadãos. Ao mesmo tempo, não se pode negar que, nos países ricos
do mundo, os triunfes extraordinários da economia põem à disposição
da maioria dos consumidores mais do que o governo ou qualquer ação
coletiva jamais prometeu ou propiciou em tempos menos ricos.
Mas aí está precisamente o problema. O ideal da soberania
do mercado não é um complemento à democracia liberal, e sim
uma alternativa a ela. É, na verdade, uma alternativa a todos os
tipos de política, pois nega a necessidade de decisões políticas, que
105

são justamente aquelas relativas aos interesses comuns ou grupais


que se distinguem da soma das escolhas, racionais ou não, dos
indivíduos que buscam suas preferências pessoais. Em todos os
casos, ela sustenta que o processo seletivo contínuo de descobrir o
que as pessoas desejam, que o mercado (e as pesquisas de mercado)
proporciona, é necessariamente mais eficiente do que o recurso ocasional
ao método tosco de contar votos em eleições. A participação no mercado
substitui a participação na política. O consumidor toma o lugar do
cidadão. Francis Fukuyama chega a argumentar que a escolha de não
votar, assim como a escolha de ir a um supermercado e não à lojinha da
esquina, "reflete uma escolha democrática que as populações fazem.
Elas querem a soberania do consumidor".3 Sem dúvida, querem. Mas essa
escolha é compatível com o que tem sido visto como um sistema político
liberal-democrático?
Assim, o Estado territorial soberano, que é o elemento essencial
da política, democrática ou qualquer outra, está hoje mais fraco do que
nos períodos anteriores. O alcance e a efetividade das suas atividades
são menores do que nos períodos anteriores. Seu controle sobre a
obediência passiva e sobre os serviços ativos dos seus súditos ou
cidadãos é declinante. Os dois séculos e meio de crescimento ininterrupto
do poder, do alcance, das ambições e da capacidade de mobilizar os
habitantes dos Estados territoriais modernos, qualquer que seja a
natureza ou a ideologia dos seus regimes, parecem ter chegado ao fim.
A integridade territorial dos Estados modernos (o que os franceses
chamam de "República una e indivisível") já não é tida como
inquestionável. Dentro de trinta anos haverá uma Espanha, ou uma
Itália, ou uma Grã-Bretanha una e indivisível, como fulcro primordial
da lealdade dos seus cidadãos? Pela primeira vez em um século e meio,
essa pergunta pode ser realisticamente formulada. E todas essas coisas
não podem deixar de afetar as perspectivas da democracia.

106

Em primeiro lugar, a relação entre os cidadãos e as autoridades


públicas torna-se mais remota e seus vínculos, mais atenuados.
Houve um declínio acentuado daquele "caráter divino que destaca" não só
os reis shakespearianos, mas também os símbolos públicos de coesão
nacional e de lealdade do cidadão em qualquer sistema político legítimo,
especialmente o democrático: a presidência, a monarquia e, talvez de
maneira mais intensa na Grã-Bretanha, o Parlamento. O que reflete melhor
esse declínio do que o simples fato de que a imagem oficial do Parlamento
britânico que aparece nas nossas telas de televisão mal tenta disfarçar
o grande número de cadeiras verdes vazias entre as poucas figuras humanas
presentes? Seus anais já não são publicados, nem mesmo em folhas
soltas, exceto para servir como confrontações teatrais ou anedotas.
Houve um declínio acentuado dos movimentos ou mecanismos
políticos que mobilizam os pobres coletivamente e que davam
algum significado real à palavra "democracia".
Em conseqüência, houve um declínio na vontade dos cidadãos de
participar da política, assim como na efetividade da maneira
clássica - a única legítima, segundo a teoria convencional - de exercer
a cidadania, ou seja, a eleição, por sufrágio universal, dos que
representam "o povo" e estão por isso mesmo autorizados a governar
em seu nome. Entre as eleições - ou seja, por vários anos, normalmente
-, a democracia existe apenas como ameaça potencial à sua reeleição
ou à dos seus partidos. Mas isso é claramente irrealista, tanto do ponto
de vista dos cidadãos quanto do dos governos. Daí a crescente vulgaridade
intelectual da retórica pública dos políticos democráticos, especialmente
em confronto com dois elementos do processo real da política
democrática que se vêm tornando cada vez mais cruciais: o papel da
imprensa moderna e a expressão da opinião pública por ação (ou
inação) direta.
Pois esses são os meios através dos quais algum controle é
107

exercido sobre as ações dos governos entre as eleições. Seu


desenvolvimento também compensa o declínio na participação cidadã
e na efetividade do processo tradicional do governo representativo.
As manchetes e, mais ainda, as irresistíveis imagens de televisão
são o objetivo imediato de todas as campanhas políticas, porque
são muito mais efetivas do que a mobilização de dezenas de
milhares de pessoas. E evidentemente muito mais fáceis de obter.
Já vão longe os dias em que todo o trabalho do gabinete de um
ministro se paralisava para que se desse resposta a um questionamento
crítico do Parlamento. É a perspectiva da publicação das
investigações nos jornais que consome as atenções nas salas dos
políticos e até dos chefes de governo. E não são os debates parlamentares
nem mesmo as políticas editoriais que provocam as expressões de
descontentamento público, tão patentes que até os governos que contam com
as mais seguras maiorias têm de dar-lhes atenção nos períodos não
eleitorais - como as que se referem ao imposto de renda, aos impostos
sobre os combustíveis e aos alimentos transgênicos. (Não estou discutindo
aqui se esses descontentamentos são justificados.) E, quando essas
questões surgem, não adianta minimizá-las como manifestações de minorias
atípicas e não-eleitas, embora muitas vezes seja esse o caso.
O papel central da grande imprensa na política moderna é flagrante.
Graças a ela, a opinião pública é mais poderosa do que em qualquer
período anterior, o que explica a ascensão ininterrupta das profissões
que se especializam em influenciá-la. Menos compreendido é o vínculo
crucial que existe entre a política de imprensa e a ação direta, ou
seja, a ação vinda de baixo e que influencia diretamente os principais
tomadores de decisões, ignorando os níveis intermediários da
representação governamental oficial. Isso é particularmente óbvio quando
tais níveis intermediários não existem, isto é, nos assuntos
transnacionais. Estamos todos familiarizados com o chamado efeito CNN:
O sentimento
108

politicamente poderoso, mas totalmente desestruturado, de que


"algo precisa ser feito" em função das imagens televisivas de terríveis
atrocidades cometidas - no Curdistão, no Timor ou onde quer que seja
-, cuja força é tão grande que gera em resposta ações governamentais
mais ou menos improvisadas. Mais recentemente, as demonstrações em
Seattle e em Praga mostraram a efetividade que têm as ações diretas
bem enfocadas, realizadas por pequenos grupos atentos às câmeras, mesmo
sobre organizações construídas para serem imunes aos processos políticos
democrá ticos, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial.
Se hoje aparecem editoriais como "Líderes financeiros do mundo
escutam advertências",4 isso se deve, pelo menos em parte, aos
fotogênicos combates havidos entre grupos violentos de manifestantes
com balaclavas negras e policiais antidistúrbio armados com capacetes
e escudos, como nas batalhas medievais, que apareceram na maior parte
das manchetes e destaques da imprensa.
Tudo isso revela o que talvez seja o problema mais imediato e
sério para a democracia liberal. Em um mundo transnacional e
cada vez mais globalizado, os governos nacionais coexistem com
forças que têm pelo menos o mesmo impacto sobre a vida diária
dos cidadãos e que estão, em diferentes graus, fora do seu controle.
E, no entanto, eles não têm a opção política de abdicar ante as forças
que lhe escapam ao controle, ainda que quisessem fazê-lo. Declarações
de impotência a respeito das tendências históricas dos preços do
petróleo não são tema de política porque, quando algo não sai bem,
os cidadãos, inclusive executivos de empresas, têm a
convicção, não destituída de fundamento, de que o governo pode
e deve fazer algo a respeito, mesmo em países como a Itália, onde
praticamente nada se espera do Estado, ou os Estados Unidos,
onde grande parte do eleitorado não acredita no Estado. Afinal, é
para essas coisas que o governo existe.
Mas o que é que o governo pode e deve fazer? Mais do que no
109

passado, ele vive sob uma incessante pressão da opinião pública e


é sensível a ela - e por isso a monitora continuamente. Isso restringe
suas escolhas. Não obstante, os governos não podem parar de governar.
Na verdade, seus peritos em relações públicas insistem em que eles têm
de aparecer constantemente aos olhos do público como entidades que estão
governando, o que, como bem reflete a história britânica recente,
significa uma multiplicação de gestos, anúncios e, por vezes, projetos
de lei desnecessários. Contudo, mesmo sem o imperativo das relações
públicas e ao contrário dos sonhos dos que desejariam ver um mundo
inteiramente (e benignamente) governado pela "mão invisível" de Adam
Smith, as autoridades públicas de hoje vêem-se constantemente às voltas
com a tomada de decisões a respeito de interesses comuns que são
ao mesmo tempo técnicos e políticos. E, nesses casos, os votos
democráticos (assim como as escolhas dos consumidores no mercado) não
oferecem nenhuma orientação. No máximo, eles serão
um freio ou um acelerador. As conseqüências ambientais do crescimento
ilimitado dos meios de transporte e as melhores maneiras de tratar
dessa questão não se descobrem simplesmente fazendo
um plebiscito. Além disso, tais maneiras podem bem ser impopulares.
E em uma democracia não é bom dizer ao eleitorado o que ele não quer
ouvir. Como se podem organizar racionalmente as finanças do Estado,
se os governos estão convencidos de que qualquer proposta de aumento da
carga tributária em qualquer parte significa um suicídio eleitoral? Ou
se as campanhas eleitorais se tornam, por isso mesmo, concursos de
perjúrios fiscais e se os orçamentos governamentais são exercícios de
encobrimento? Em síntese, a "vontade do povo", ainda que expressa, não
pode determinar as tarefas efetivas e específicas do governo. Tal como
observado pelos pouco lembrados teóricos da democracia Sydney e
BeatriceWebb, a propósito dos sindicatos, ela, a "vontade do povo",
não julga os projetos, e sim o resultado deles. E as conseqüências
110

são imensuravelmente superiores quando ela se expressa contra, e


não a favor. E, quando alcança vitórias negativas maiúsculas, como
o fim de cinqüenta anos de governos corruptos na Itália e no Japão,
não é capaz de discernir por si mesma uma alternativa. Vejamos se
conseguirá fazê-lo na Sérvia.
No entanto, o governo é para o povo. Seus efeitos devem ser
julgados em função do que ele faz para o povo. Ainda que desinformada,
ignorante ou mesmo estúpida, a "vontade do povo" é indispensável, por
mais que sejam inadequados os métodos para
revelá-la. De que outro modo poderíamos avaliar a maneira pela
qual as soluções técnico-políticas para os problemas da humanidade,
mesmo aquelas que são tecnicamente corretas e satisfatórias de outros
pontos de vista, afetam a vida de seres humanos reais? Os
sistemas soviéticos fracassaram porque não havia trânsito de mão
dupla entre os que tomavam as decisões "no interesse do povo" e os
que as recebiam como imposição. A globalização de estilo laissezfaire
dos últimos vinte anos cometeu o mesmo erro. Ela foi obra de governos
que sistematicamente removeram todos os obstáculos que se lhe antepunham,
seguindo os conselhos dos economistas
mais influentes, autorizados e tecnicamente competentes. Depois
de vinte anos sem prestar atenção nas conseqüências sociais e
humanas de um capitalismo global incontido, o presidente do
Banco Mundial chegou à conclusão de que, para a maior parte da população
mundial, a palavra "globalização" sugere "medo e insegurança" em vez de
"oportunidade e inclusão".5 Até Alan Greens pan e o secretário do Tesouro
dos Estados Unidos, Larry Summers, concordam em que "a antipatia à
globalização é tão profunda" que o recuo das políticas de mercado e o
retorno ao protecionismo "são possibilidades reais".
E, no entanto, é inegável que na democracia liberal dar atenção
à vontade do povo torna mais difícil o ato de governar. As soluções
ideais praticamente já não estão à disposição dos governos.
111

Sfto aquelas nas quais os médicos e os pilotos de avião confiavam


no passado e ainda tentam confiar hoje, em um mundo cada vez
mais desconfiado. Elas tinham por base a convicção popular de
que nós e eles compartilhamos os mesmos interesses. Não dizíamos a
eles como servir-nos, pois como não somos peritos não poderíamos
fazê-lo, mas, até que algo de errado acontecesse, nós lhes dávamos
nossa confiança. Poucos governos - o que não se aplica aos regimes
políticos - gozam hoje dessa fundamental confiança antecipada. Nas
democracias liberais, isto é, multipartidárias, eles raramente contam
com a maioria real dos votos, para não dizer do eleitorado. (No Reino
Unido, desde 1931 nenhum partido obteve mais de 50% dos votos; e, desde
a coalizão do tempo da guerra, nenhum governo representou uma maioria
clara.) As velhas escolas e os velhos dínamos da democracia, os partidos
e organizações de massas, que no passado proporcionaram aos
"seus"
governos essa confiança apriorística e apoio constante, esfa-
celaram-se. Na imprensa, onipresente e todo-poderosa, co-pilotos
sem volante nas mãos proclamam uma competência rival à do
governo e comentam ininterruptamente seu desempenho.
Nessas circunstâncias, para os governos democráticos a solução
mais conveniente, e em muitos casos a única, é manter a tomada das
decisões o mais afastada possível do alcance da publicidade e da própria
política, ou pelo menos contornar o processo da governança

representativa, o que significa, em última análise, o eleitorado e as


atividades das assembléias e outras agências eleitas por ele. (Os
Estados Unidos - reconhecidamente um caso extremo - só conseguem
funcionar como um Estado governado com coerência porque os presidentes
por vezes encontram maneiras de contornar os rituais do Congresso
democraticamente eleito.) Mesmo na Grã-Bretanha, a notável centralização
de um poder decisório que já era forte veio acompanhada da diminuição
das atribuições da Câmara dos Comuns e de uma transferência
112

maciça de funções para instituições não-eleitas, públicas e privadas,


tanto durante os governos conservadores quanto durante os trabalhistas.
Boa parte das decisões políticas é negociada nos bastidores. Isso
aumentará a desconfiança dos cidadãos com relação aos governos e o mau
conceito que eles têm dos políticos. Os governos se empenharão em uma
guerra de guerrilha permanente contra a coalizão formada entre a imprensa
e os interesses de campanha, minoritários e bem organizados. A imprensa
verá cada vez mais como sua função a publicação daquilo que os governos
prefeririam manter em silêncio, ao mesmo tempo em que depende
dos propagandistas das instituições que ela deve criticar para preencher
suas telas e páginas. Aí está a ironia de uma sociedade baseada em um
fluxo ilimitado de informações e lazer.
Qual é, então, o futuro da democracia liberal nesta situação?
No papel, ele não parece muito desanimador. Exceto a teocracia
islâmica, já não há movimentos políticos poderosos que desafiem,
em princípio, essa forma de governo e nada indica que isso venha
a ocorrer no futuro imediato. A segunda metade do século XX foi a
idade do ouro das ditaduras militares, que constituíram, para os
regimes eleitorais do Ocidente e das ex-colônias, uma ameaça
muito mais forte do que o comunismo. O século não parece tão favorável
a elas-nenhum dos numerosos Estados ex-comunistas escolheu esse caminho
- e, de qualquer maneira, praticamente todos esses regimes carecem da
coragem das convicções antidemocráticas e se proclamam simplesmente
defensores da Constituição até a data (não especificada) do retorno ao
regime civil. Isso não quer dizer que estejamos testemunhando o fim dos
governos instalados por soldados e tanques nas esquinas das cidades,
sobretudo nas muitas regiões em que prevalecem a pobreza e a
inquietação social.
Enfim, quaisquer que fossem as expectativas antes dos terremotos
econômicos de 1997-98, já está claro, agora, que a utopia de

"3

um mercado de tipo laissez-faire, global e anárquico não aconte cerá.


A maior parte da população mundial, e com certeza os que
vivem em regimes de democracia liberal que merecem o nome,
continuará, portanto, a viver em Estados operacionalmente efeti vos,
embora, ao mesmo tempo, em algumas regiões menos felizes, o poder e a
capacidade administrativa do Estado tenham virtualmente se desintegrado.
A maior parte dos membros das Nações Unidas tratará de tirar o melhor
proveito possível de um sistema político novo, ou (como em grandes áreas
da América Latina) de um sistema que lhes é, ainda que intermitentemente,
familiar. Não dará certo sempre, mas algumas vezes pode ser que sim.
A política, por conseguinte, continuará. Como continuaremos a viver em
um mundo populista, em que os governos têm de levar em conta "o
povo", e o povo não pode viver sem os governos, as eleições democráticas
também continuarão. Hoje existe um reconhecimento praticamente universal
de que elas dão legitimidade e proporcionam aos governos, paralelamente,
um modo conveniente de consultar "o povo" sem necessariamente assumir
qualquer compromisso muito concreto.
Em resumo, enfrentaremos os problemas do século XXI com um conjunto
de mecanismos políticos flagrantemente inadequados para resolvê-los.
Esses mecanismos estão efetivamente confinados no interior das fronteiras
dos Estados nacionais, cujo número está em crescimento, e se defrontam
com um mundo global que está fora do seu alcance operacional. Nem sequer
está claro até que ponto eles podem ser aplicados em territórios vastos e
heterogêneos que têm esquemas políticos comuns, como a União
Européia. Eles se defrontam e competem com uma economia
mundial que opera efetivamente por meio de instâncias bem distintas,
para as quais considerações de legitimidade política e de comunidade de
interesses não são aplicáveis - as empresas transnacionais. Essas
empresas contornam a política na medida das
114

possibilidades, que são muitas. Acima de tudo, os mecanismos


políticos enfrentam os problemas fundamentais do futuro do
mundo em uma era em que o impacto das ações humanas sobre a
natureza e o próprio planeta como um todo tornou-se uma força
de proporções geológicas. A solução, ou a mitigação, desses problemas
requererá - tem de requerer - medidas que, com quase toda a certeza, não
encontrarão apoio na contagem de votos nem na determinação das
preferências dos consumidores. Esta não é uma perspectiva encorajadora,
seja para a democracia a longo prazo, seja para o planeta.
Enfrentamos o terceiro milênio como o irlandês anônimo
que, perguntado sobre o caminho para Ballynahinch, refletiu e
disse: "Se eu fosse você, não começaria por aqui".
Mas é por aqui que temos de começar.
115

7. A disseminação da democracia
Estamos atualmente engajados no que pretende ser um reordenamento
planejado do mundo, protagonizado pelos países poderosos. As guerras do
Iraque e do Afeganistão são apenas uma parte de um esforço supostamente
universal de criação de uma nova ordem mundial por meio da
"disseminação da democracia".
Essa idéia não é apenas quixotesca: é perigosa. A retórica que
envolve essa cruzada implica que tal sistema é aplicável de forma
padronizada (ocidental), que pode ter êxito em todos os lugares,
que pode remediar os dilemas transnacionais do presente e que
pode trazer a paz, em vez de semear a desordem. Não é verdade.
Com justiça, a democracia é popular. Em 1647, os Levellers
divulgaram, na Inglaterra, a poderosa idéia de que "todo governo
depende do livre assentimento do povo". Eles se referiam ao voto
para todos. Evidentemente, o sufrágio universal não assegura
nenhum resultado político particular, e as eleições não podem nem
sequer assegurar sua própria perpetuação - do que dá testemunho a
República de Weimar. Tampouco é provável que a democracia eleitoral
produza resultados convenientes às potências hegemônicas
116

ou imperiais. (Se a Guerra do Iraque dependesse da livre


expressão do assentimento da "comunidade internacional", ela
não teria ocorrido.) Mas essas incertezas não diminuem a atração
exercida pelas eleições democráticas.
Além dessa popularidade da democracia, vários outros fatores
explicam a crença, ilusória e perigosa, de que sua propagação
por parte de exércitos estrangeiros é factível. A globalização sugere
que os assuntos de interesse humano geral estão se encaminhando
para um patamar universal. Se os postos de gasolina, os iPods e os
fanáticos da informática são iguais em todo o mundo, por que as
instituições políticas não podem sê-lo? Essa visão subestima a
complexidade do mundo. A recaída na carnificina e na anarquia
que ocorreu de maneira tão visível em boa parte do planeta tam-
bém contribuiu para tornar mais atraente a idéia da disseminação
de uma nova ordem. Os Bálcãs pareceram demonstrar que áreas de
conflitos e catástrofes humanas requerem, se necessário, a intervenção
militar de países fortes e estáveis. Na ausência de uma governança
internacional efetiva, alguns interesses humanitários continuam dispostos
a apoiar uma ordem mundial imposta pelo poder dos Estados Unidos.
Contudo, é sempre bom suspeitar quando as potências militares afirmam
estar fazendo favores às suas vítimas e ao mundo ao derrotar e ocupar
países mais fracos.
Mas pode ser que outro fator seja o mais importante: os Estados
Unidos mantêm-se prontos, com a necessária combinação de megalomania
e messianismo derivada das suas origens revolucionárias. Hoje, eles
são inexpugnáveis em sua supremacia tecnomilitar, estão convencidos da
superioridade do seu sistema social e, desde 1989, carentes de uma
percepção concreta-que nunca faltou nem mesmo aos grandes impérios
conquistadores - de que seu poder material tem limites. Tal como o
presidente Woodrow Wilson, um caso espetacular de fracasso internacional
à sua época, os ideólogos de hoje vêem nos Estados Unidos o funcionamento
117

de uma sociedade-modelo: uma combinação de estado de direito,


liberdade, empresas privadas competitivas e eleições regulares e
disputadas em sufrágio universal. Só falta refazer o mundo à imagem
e semelhança dessa "sociedade livre". Essa idéia está sendo
perigosamente subestimada. Embora a ação das grandes potências possa
ter conseqüências moral ou politicamente desejáveis, uma identificação
com ela é perigosa porque a lógica e os métodos da ação do Estado não
são iguais aos dos direitos universais. Todos os países existentes põem
seus próprios interesses em primeiro lugar. Se eles têm o poder
necessário e se o objetivo é considerado suficientemente importante, os
países encontram maneiras de justificá-lo e os meios para alcançá-lo (
embora raramente em público) - em particular quando crêem que Deus está
do seu lado. Tanto os impérios bons quanto os maus produziram os
aspectos bárbaros da nossa época, aos quais agora se soma a
"guerra contra o terrorismo".
Além de ameaçar a integridade dos valores universais, a campanha
para disseminar a democracia não terá êxito. O século XX demonstrou
que os países não conseguem simplesmente refazer o mundo ou abreviar
as transformações históricas. Tampouco podem produzir mudanças sociais
com o simples transplante de instituições através das fronteiras. Mesmo
no interior dos Estados nacionais territoriais, as condições para um
governo efetivamente democrático são raras: um país real, que goze de
legitimidade, assentimento e capacidade de mediar conflitos entre grupos
internos.
Sem esse consenso, não há um povo que seja o soberano único e, por
conseguinte, não há legitimidade para as maiorias aritméticas.
Quando falta esse consenso-seja religioso, étnico ou ambas as coisas
-, a democracia fica suspensa (como no caso das instituições
democráticas da Irlanda do Norte), o país se divide (como na Tche
coslováquia), ou a sociedade cai em guerra civil permanente (como
no Sri Lanka). A "disseminação da democracia" agravou conflitos
118

étnicos e produziu a desintegração de países em regiões multinacionaispu


multicomunitárias, tanto depois de 1918 quanto depois de
1989, o que nos dá uma perspectiva desanimadora.
Além de ter possibilidades muito baixas de êxito, o esforço de
disseminar a democracia ocidental padronizada sofre também de
um paradoxo fundamental. Em grande medida, ela é concebida
como solução para os perigosos problemas transnacionais dos nossos dias.
Uma parcela crescente da vida humana ocorre atualmente fora do âmbito
de influência dos eleitores - em entidades transnacionais públicas e
privadas que não têm eleitorados, ou pelo menos eleitorados
democráticos. Uma democracia eleitoral não pode funcionar efetivamente
fora de unidades políticas como os Estados nacionais. Os países
poderosos estão, portanto, tratando de disseminar um sistema que até
eles próprios consideram
inadequado para enfrentar os desafios da nossa época. A Europa o
comprova. Um organismo como a União Européia pôde evoluir no rumo de
uma estrutura poderosa e efetiva precisamente porque não tem um
eleitorado maior do que o reduzido número (ainda que crescente) de
Estados-membros. Não fosse pelo seu "déficit democrático", a União
Européia não iria para nenhum lugar, e não pode haver nenhum futuro para
seu Parlamento porque não existe um "povo europeu", e sim um conjunto
de"povos-membros", dos quais menos da metade se deu ao trabalho de
votar nas eleições parlamentares da União Européia em
2004. A "Europa" é, hoje, uma entidade que funciona, mas, ao contrário
dos Estados-membros, ela não goza de legitimidade popular nem de
autoridade eleitoral. Não surpreende, assim, que os problemas tenham
surgido logo que a União Européia foi além das negociações entre os
governos e se tornou tema de campanha eleitoral nos Estados-membros.
Por mais desejável que seja, a democracia não é um instrumento eficaz
para resolver os problemas globais ou transnacionais.
119

O esforço de disseminar a democracia também é perigoso por


um motivo mais indireto: dá às pessoas que não usufruem dessa
forma de governo a ilusão de que ela realmente governa os que
vivem sob sua vigência. Mas será verdade? Hoje sabemos algo a res-
peito da maneira pela qual foram tomadas as decisões de ir à guerra
contra o Iraque em pelo menos dois países de inquestionáveis cre-
denciais de boa-fé democrática: os Estados Unidos e o Reino
Unido. Sem mencionar seu envolvimento com problemas com-
plexos de ocultamentos e enganos, a democracia eleitoral e as
assembléias participativas tiveram pouco a ver com esse processo.
As decisões foram tomadas em privado por pequenos grupos de
pessoas, de um modo que não é muito diferente do que teria ocor-
rido em países não-democráticos. Por sorte, a autonomia da imprensa
não pôde ser tão facilmente posta de lado no Reino Unido.
Mas não é a democracia eleitoral que necessariamente assegura a
liberdade da imprensa, os direitos dos cidadãos e um poder judiciário
independente.
120

8.0 terror
A natureza do terror político mudou no final do século XX?
Comecemos com o inesperado aumento da violência em uma ilha
até então pacífica, Sri Lanka, compartilhada por uma maioria de
cingaleses budistas (cuja religião e cuja ideologia são altamente
hostis à violência) e uma minoria tâmil, cujos membros migraram
a partir do Sul da índia séculos atrás e também acorreram à ilha
como mão-de-obra para os cultivos de exportação no final do
século XIX. (O hinduísmo que eles professam tampouco é propenso à
violência.) O movimento antiimperialista no Sri Lanka não tinha
grande militância nem era particularmente efetivo e o país conquistou
a liberdade mansamente-na verdade, como um subproduto da independência
da índia. No seu tempo de colônia, o Sri Lanka tinha um Partido
Comunista diminuto e, curiosamente, um Partido Trotskista muito mais
forte, ambos liderados por pessoas cultas e afáveis, membros da elite
ocidentalizada e ambos, como bons marxistas, avessos ao terrorismo.
Não havia tentativas de insurreição. Após a independência, o país tomou
um rumo moderadamente socialista, que trouxe excelentes resultados
121

para o bem-estar e a expectativa de vida da população. Em síntese,


para os padrões asiáticos, o Sri Lanka era, antes da década de 1970,
uma rara ilha de civilidade, como a Costa Rica e (também até a
década de 1970) o Uruguai na América Latina. Hoje, o país se afoga
em sangue.
Os tâmeis, minoria de 25% da população, sobre-representada
nas profissões mais intelectuais, desenvolveram um ressentimento
compreensível contra um regime cingalês que, na década de 1950,
decidiu trocar o inglês pelo cingalês como língua oficial do
governo. Na década de 1970, um movimento separatista tâmil, não
sem o apoio de um estado do Sul da índia, desenvolveu organizações
armadas, antecessoras do atual grupo de libertação Tigres
Tâmeis, que vem conduzindo uma guerra civil efetiva desde meados da
década de 1980. Eles são mais conhecidos como os grandes
pioneiros - e provavelmente os maiores operadores - dos homens-bombas.
Apropósito, sua ideologia é secularista, sem a usual motivação religiosa.
Os tâmeis não têm força suficiente para fazer a secessão e o Exército
do Sri Lanka é demasiado fraco para derrotá-los em termos militares. A
intransigência de parte a parte ensejou a continuação da guerra, apesar
de várias tentativas (índia, Noruega) de promover um acordo.
Enquanto isso, duas coisas aconteceram na sociedade cingalesa
majoritária. Tensões etnolingüísticas criaram uma forte rea ção
cingalesa, que tomou a forma de uma ideologia baseada no budismo e em
um conceito de superioridade racial, uma vez que a língua cingalesa é
indoeuropéia ("ariana"). Curiosamente, esse racismo está na tradição da
índia hinduísta e, na verdade, no Sri Lanka, como no Paquistão, o
velho sistema de castas ainda pode ser observado por baixo da superfície
igualitária oficial. Ao mesmo tempo, no início da década de 1970, o Front
de Liberação do Povo [Janatha Vimukthi Peramuna - JVP], um grupo de
esquerda baseado principalmente na juventude cingalesa culta que não
122

encontrava empregos convenientes e em idéias castristas com


toques de maoísmo, além de um grande ressentimento contra a velha elite
sociopolítica, organizou uma importante insurreição, a qual foi
derrotada com certa dureza, o que levou muitos jovens à prisão por
algum tempo. A partir dos vestígios dessa rebelião juvenil, ao estilo
de maio de 1968, surgiu uma organização militante e terrorista baseada
sobretudo no campo e que modulava o maoísmo original com um apaixonado
chauvinismo cingalês racista e budista. Na década de 1980, o JVP
organizou uma campanha de assassinatos sistemáticos contra adversários
políticos, que transformou a política em uma atividade de alto risco.
(A recém-saída presidente do Sri Lanka viu seu pai, exprimeiro-ministro,
seu marido serem assassinados na sua frente e perdeu um olho em
tentativas similares de assassinato contra ela própria.) O terror também
foi usado sistematicamente para impor o controle sobre as
aldeias e vilas do interior.
Tal como no caso do movimento maoísta Sendero Luminoso,
no Peru, na década de 1980, é impossível saber até que ponto o JVP
tinha apoio popular inicial, até que ponto esse apoio se esvaiu por
causa do terror e até que ponto, por outro lado, o terror foi
contrabalançado pelo ressentimento contra a repressão governamental e
gerou ceticismo a respeito dos revolucionários. Duas coisas são
claras. O JVP tinha apoio de massa em setores da população trabalhadora
rural cingalesa, cujos membros cultos propiciavam-lhe os
quadros; e o jvp praticava muitos assassinatos, na maior parte das
vezes protagonizados por um conjunto de pessoas que na América
Latina seriam chamados sicários, ou assassinos de encomenda. O
assalto do JVP ao poder foi derrotado da mesma maneira, ou seja,
em processo equivalente às "guerras sujas" latino-americanas, que
visavam à eliminação dos chefes e dos quadros rebeldes. Estima-se
que, até meados da década de 1990, cerca de 60 mil pessoas tenham
perdido a vida nesses conflitos. Desde suas origens, no final da
123

década de 1960, o JVP tem estado ora dentro, ora fora do esquema
da política oficial no país.
Parece evidente que o Sri Lanka é apenas um exemplo do
notável aumento da violência política na última parte do século
XX, assim como da sua mutação. Outro exemplo, ainda mais
importante, é a ascensão e a justificação teórica dos assassinatos
indiscriminados como uma forma de terrorismo de grupos
pequenos. Com raras exceções, essa prática fora condenada pelos
movimentos terroristas mais antigos e evitada por movimentos
recentes, como o ETA, na Espanha, e o IRA Provisório, na Irlanda do
Norte. No mundo muçulmano, as justificativas teológicas - por
exemplo, a permissão de matar como "apóstata" qualquer pessoa
que viva fora de uma forma de ortodoxia altamente restritiva -
parecem ter sido revividas no começo da década de 1970 por um
grupo extremista pré-Al-Qaeda que se separou da já tradicional
Irmandade Muçulmana, no Egito. O decreto religioso da assessoria
religiosa de Osama bin Laden que autorizou o assassinato de inocentes só
foi emitido em 1992.1
A questão do "porquê" é demasiado ampla para este ensaio,
além de ser difícil desemaranhá-la de um aumento generalizado,
nas sociedades ocidentais, dos níveis de aceitação da violência e da
ação não-institucional, tanto em imagens quanto na realidade.
Isso se segue a um longo período em que, na maior parte dessas
sociedades, a expectativa era de que a civilização propiciasse o
declínio permanente dessas manifestações.
Seria tentador dizer que a violência social generalizada e a
violência política não têm nada a ver uma com a outra, uma vez que
alguns dos piores surtos de violência política podem ocorrer em
países com notável tradição de não-violência política e social, como
Sri Lanka e Uruguai. Todavia, as duas não podem manter-se separadas em
países de tradição liberal, quando mais não seja porque
esses são os países em que a violência política não oficial destacou-se
124

no terço final do século XX, assim como, em conseqüência, a


contraviolência do Estado, usualmente maior. Países ditatoriais ou
autoritários deixam pouca margem para isso enquanto permane-
cem no poder, do mesmo modo que oferecem pouco campo de
ação para atividades políticas não-oficiais e não-violentas.
O aumento da violência em geral faz parte do processo de
barbarização que tomou força no mundo desde a Primeira Guerra
Mundial e que focalizei em outros trabalhos. Seu progresso é
particularmente notável nos países com Estados fortes e estáveis e
instituições políticas liberais (em teoria), em que o discurso público e
as instituições políticas distinguem apenas dois valores absolutos
e mutuamente excludentes - a "violência" e a "não-violência".
Essa foi uma outra forma de estabelecer a legitimidade do monopólio
da força coercitiva por parte do Estado nacional, que acom-panhou o
desarmamento da população civil nos países desenvolvidos no século XIX,
com exceção dos Estados Unidos, que, por conseguinte, toleraram um grau
maior de violência na prática, embora não em teoria. Desde o final da
década de 1960, os Estados perderam em parte esse monopólio de poder
e de recursos e perderam também algo mais do sentido de legitimidade
que faz com que os cidadãos respeitem a lei. Isso basta para explicar em
grande medida o aumento da violência.
A retórica liberal nunca foi capaz de reconhecer que nenhuma
sociedade opera sem alguma violência na política-ainda que na forma
quase simbólica de piquetes de greve ou de demonstrações de massa-e que
a violência tem graus e regras, como todos sabem em sociedades onde
ela faz parte do tecido das relações sociais e como a Cruz Vermelha
Internacional tenta constantemente fazer recordar aos barbarizados
beligerantes do século XXI.
A casuística teológica ou legal da Al-Qaeda e dos defensores da
"rendição" é necessária precisamente porque as regras tradicionais que
eles quebram - as restrições do Corão ao assassinato e a
125

repulsa à tortura - têm raízes muito profundas. Mas, quando as


sociedades ou grupos sociais que não estão acostumados a um
grau elevado de violência social vêem-se envolvidos por ela, ou
quando as regras da normalidade se rompem nas sociedades
tradicionalmente violentas, os limites estabelecidos para o emprego
ou para o grau da violência podem desaparecer. É minha impressão, por
exemplo, que as rebeliões camponesas tradicionais, se se leva em conta
o caráter relativamente brutal da vida e do comportamento rural,
normalmente não são particularmente sangrentas
e em geral são menos sangrentas do que a repressão que sofrem.
Nas ocasiões em que elas derivaram em massacres ou atrocidades,
quase sempre essa atitude foi dirigida contra pessoas específicas, ou
categorias de pessoas e propriedades-por exemplo, contra casas
de pessoas abastadas -, enquanto outras eram especificamente
poupadas por terem boa reputação. Os atos de violência não eram
arbitrários, pois quase se pode dizer que faziam parte de um ritual
determinado pela ocasião. Não foi a revolução de 1917, e sim a
guerra civil na Rússia que gerou os massacres rurais naquele país.
Mas, quando os freios ao comportamento costumeiro falham, os
resultados podem ser terríveis. Uma das razões pelas quais os
narcobandidos colombianos tiveram tanto êxito nos Estados Unidos,
creio eu, foi o fato de que em sua luta contra os rivais eles deixaram
de seguir a velha convenção machista de não matar as mulheres e
os filhos dos adversários.
Essa degeneração patológica da violência política aplicase tanto a
forças insurgentes quanto às do Estado. Ela resulta tanto da anomia
crescente da vida dos centros urbanos, especialmente entre os jovens,
quanto da disseminação da cultura da droga e da posse privada de armas.
Ao mesmo tempo, o declínio da velha instituição do recrutamento militar
e o surgimento de soldados profissionais em tempo integral - em
particular das forças especiais de elite-anulam as inibições de homens
que permanecem essencialmente
126

civis e não têm o espírito corporativo dos agentes do Estado dedicados


apenas ao uso da força. Enquanto isso, ocorreu uma abolição virtual dos
limites convencionais que se aplicavam ao que pode ser mostrado, dito e
escrito em uma imprensa onipresente e onienvolvente. As imagens, os
sons e as palavras que descrevem a violência em suas formas extremas
fazem parte da vida cotidiana, e os controles sociais que se antepunham
à prática dessa violência ficaram, em conseqüência, enfraquecidos.
Na Rússia soviética - ou pelo menos nas cidades que dispunham de dados
criminológicos adequados -, algo entre 80% e 85% dos homicídios eram
praticados sob influência do álcool. Hoje já não se precisa desse
supressor de inibições.
Existe, no entanto, um fator mais perigoso na geração da violência
sem limites. É a convicção ideológica, que desde 1914
domina tanto os conflitos internos quanto os internacionais, de
que a causa que se defende é tão justa, e a do adversário é tão
terrível, que todos os meios para conquistar a vitória e evitar a derrota
não só são válidos como necessários. Isso significa que tanto os
Estados quanto os insurgentes sentem ter uma justificativa moral
para o barbarismo. Viu-se na década de 1980 que jovens militantes do
Sendero Luminoso podiam perfeitamente matar dezenas e dezenas de
camponeses sem nenhum problema de consciência: afinal, eles não estavam
se comportando como indivíduos que agissem com base em sentimentos
pessoais a respeito do que ocorria, mas como soldados dedicados a uma
causa.2 Tampouco os homens do Exército ou da Marinha que treinavam
recrutas na prática de técnicas de tortura nos corpos de prisioneiros
políticos eram necessariamente sádicos e embrutecidos em sua vida
privada. Tal como os ss, que eram efetivamente punidos em casos de
assassinatos particulares, ao mesmo tempo que eram treinados para
cometer assassinatos em massa com toda a calma,3 isso tornou suas
atividades mais, e não menos, condenáveis. A ascensão do
127

megaterror no século passado não reflete "a banalidade do mal", e


sim a substituição dos conceitos morais por imperativos superiores.
No entanto, pelo menos inicialmente, o caráter imoral desses
procedimentos pode ser reconhecido, como nos regimes militares
da América Latina, quando podia acontecer de todos os militares
argentinos de uma unidade serem obrigados a tomar parte em sessões
de tortura, para que entre eles se criasse um vínculo de cumplicidade
em torno do que já então era considerado uma infâmia coletiva.
Pode-se temer que a aceitação da tortura tenha se tornado tão rotineira
que essas medidas já não precisem ser tomadas no
século XXI.
A ascensão da barbárie tem sido contínua, mas não uniforme.
Ela atingiu o nível máximo de desumanidade entre 1914 e o final
da década de 1940, a era das duas guerras mundiais e de suas
conseqüências revolucionárias, e a de Hitler e Stálin. A Guerra Fria
trouxe uma clara melhoria no Primeiro e no Segundo Mundo - os países
desenvolvidos capitalistas e a área soviética, - mas não no Terceiro
Mundo. Isso não significa que a barbárie tenha na verdade diminuído.
No Ocidente, esse foi o período (aproximada-mente 1960-85) em que se
produziu o surto de torturadores treinados oficialmente e ocorreu uma
onda sem precedentes de regimes militares na América Latina e no
Mediterrâneo, que faziam a "guerra suja" contra seus próprios cidadãos.
Todavia, muitos tinham a esperança de que após a grande mudança de 1989
o nevoeiro de guerras religiosas que saturou o século se disper-
saria, dissipando, assim, uma das fontes principais do barbarismo.
Infelizmente isso não aconteceu. Por um lado, a escala dos sofrimentos
humanos aumentou terrivelmente na década de 1990 e, por outro lado, as
guerras religiosas que eram alimentadas por ideologias seculares
expandiram-se com o retorno a várias formas de fundamentalismo religioso
que se manifestam em cruzadas e contracruzadas.
128

Além do sangue derramado e da destruição causada pelas


guerras entre países ou por eles apoiadas (por exemplo, a Guerra do
Vietnã, as confrontações indiretas entre as superpotências na
década de 1970 na África e no Afeganistão, as guerras indo-paquistanesas
e entre Irã e Iraque), houve três grandes episódios ou surtos
de violência e contraviolência política desde a década de 1960.
O primeiro foi um renascer do que se pode chamar apropriadamente de
"neoblanquismo", nas décadas de 1960 e 1970, que consistiu em
tentativas por parte de certos grupos de elite, em geral pequenos e
autoproclamados, empenhados em derrubar regimes ou em alcançar
objetivos nacionalistas-separatistas por meio da ação armada. Esse
tipo de violência limitou-se basicamente à Europa ocidental, onde tais
grupos, compostos sobretudo por integrantes da classe média e em geral
carentes de apoio popular fora das universidades (exceto na Irlanda do
Norte), valiam-se muito de atos terroristas capazes de atrair a atenção
da imprensa (a Fração do Exército Vermelho na Alemanha Ocidental) e
também de golpes bem focalizados e capazes de desestabilizar a alta
política de seus países, como o assassinato do suposto sucessor do
general Franco em 1973 (pelo ETA) e o seqüestro e a morte do primeiro-
ministro da Itália, Aldo Moro, em 1978 (pelas Brigadas Vermelhas). Na
América Latina, esses grupos tentaram sobretudo iniciar guerrilhas e
operações armadas com unidades maiores normalmente em áreas rurais,
mas, em alguns casos (Venezuela, Uruguai), também nas cidades.
Algumas dessas operações foram bastante sérias - nos três anos da
insurreição dos Montoneros, na Argentina, as forças regulares e
irregulares sofreram 1642 baixas (entre mortos e feridos) ."As
limitações desses grupos ficaram particularmente claras nas guerrilhas
rurais, em que é necessário um grau substancial de apoio popular, não
só para o êxito, mas para a própria sobrevivência dos guerrilheiros.
As tentativas, feitas por organizações estranhas ao ambiente local, de
implantar movimentos
129

guerrilheiros segundo o modelo cubano sofreram derrotas espetaculares em


toda a América do Sul, exceto na Colômbia, onde amplas áreas do país
estavam fora do controle do governo central e das Forças Armadas.
O segundo, que só tomou forma já pelo final da década de
1980 e expandiu-se enormemente com as agitações civis e o
colapso dos Estados na década de 1990, é principalmente étnico e
religioso. A África, as áreas ocidentais do islã, o Sul e o Sudeste da
Ásia e o Sul da Europa foram as regiões mais afetadas. A América
Latina permaneceu imune aos conflitos étnicos e religiosos, a Ásia
oriental e a Federação Russa (exceto pela Chechênia) quase não
foram afetadas, a União Européia envolveu-se apenas através de
uma xenofobia crescente, mas não sangrenta. Em outras áreas, a
onda de violência política produziu massacres em escalas desconhecidas
desde a Segunda Guerra Mundial e trilhou os caminhos que mais depressa
levaram à volta do genocídio sistemático. Ao contrário dos
neoblanquistas europeus, aos quais em geral faltava apoio popular, os
grupos ativistas desse período (Al Fatah, Hamas, Jihad Islâmica da
Palestina, Hezbollah, Tigres Tâmeis, Partido dos Trabalhadores do Curdistão
etc.) contavam com o apoio maciço do público e com uma fonte permanente
de recrutamento. Por essa razão, os atos de terror individuais não
eram praticados por esses movimentos, exceto quando essa era a única
resposta possível ao poder militar esmagador do Estado ocupante (como na
Palestina), ou em guerras civis, como resposta ao armamento amplamente
superior dos adversários (como no Sri Lanka).
Nesse período surgiu uma importante inovação que se mostrou
singularmente terrível: o homem-bomba. Ele tem origem como uma derivação
da revolução iraniana de 1979, impregnado da poderosa ideologia islâmica
xiita, que idealiza o martírio, e foi empregado pela primeira vez com
o objetivo de produzir efeitos decisivos em 1983, contra os americanos,
pelo Hezbollah, no
130

Líbano. Sua eficácia foi tão clara que a prática se estendeu aos
Tigres Tâmeis em 1987, ao Hamas, na Palestina, em 1993, e à AlQaeda e
outros extremistas islâmicos, na Caxemira e na Chechênia, em 1998-2000.
O outro desenvolvimento mais notável do terrorismo individual e de
pequenos grupos desse período foi a clara retomada do assassinato
político. Se a época de 1881 a 1914 foi a primeira idade do ouro do
homicídio político de alto nível, entre os meados das décadas de 1970 e
de 1990 deu-se a segunda: Sadat no Egito, Rabin em Israel, Rajiv Gandhi
e Indira Gandhi na índia, uma série de líderes no Sri Lanka, o suposto
sucessor de Franco na Espanha e os primeiros-ministros da Itália e da
Suécia - embora a motivação política seja duvidosa neste último caso.
Ocorreram também tentativas de assassinato contra o papa João Paulo II e o
presidente Reagan em 1981. As conseqüências desses atos não foram
revolucionárias, ainda que eles, por vezes, tenham produzido efeitos
políticos específicos - como em Israel, na Itália e talvez na Espanha.
No entanto, o alcance universal da televisão desde então fez
com que as ações politicamente mais efetivas não mais fossem as
que visavam diretamente os dirigentes políticos, e sim as que buscavam o
máximo impacto na divulgação. Afinal, atos assim puseram fim à presença
militar formal dos Estados Unidos no Líbano na década de 1980, na
Somália na década de 1990 e, com efeito, na Arábia Saudita depois de
2001. Um dos sinais infelizes de barbarização está na descoberta, pelos
terroristas, de que, sempre que
tenha vulto suficiente para aparecer nas telas do mundo, o assassinato
em massa de homens e mulheres em lugares públicos tem mais valor como
provocador de manchetes do que todos os outros alvos das bombas, com
exceção dos mais célebres e simbólicos.
Na terceira fase, que parece predominar no início do século
atual, a violência política tornou-se sistematicamente global, seja
por causa das políticas adotadas pelos Estados Unidos no governo
131

do presidente George W. Bush, seja pelo estabelecimento, talvez


pela primeira vez desde o anarquismo do fim do século XIX, de um
movimento terrorista que opera conscientemente de maneira
transnacional. Nesse caso, o apoio popular voltou a ser irrelevante.
A estrutura inicial da Al-Qaeda parece ter sido a de uma organização de
elite, mas sua operação se dá por meio de um movimento descentralizado,
no qual células pequenas e isoladas são criadas para atuar sem nenhum
apoio da população ou de qualquer outro tipo, e sem necessitar de base
territorial. Com isso, ela, ou uma rede difusa de células islâmicas por
ela inspiradas, conseguiu sobreviver à perda de uma base no Afeganistão
e à marginalização da liderança de Osamabin Laden. É característico
desse período o fato de que as guerras civis ou outros conflitos que não
se inserem no contexto global, como os conflitos que prosseguem no
Sri Lanka, na Colômbia ou no Nepal, ou ainda os problemas do colapso dos
Estados na África, despertam um interesse apenas intermitente no
Ocidente.
Dois aspectos caracterizavam esses novos movimentos. Eles
consistiam em pequenas minorias, mesmo quando essas minorias
gozavam da simpatia passiva das massas em cujo nome pretendiam atuar, e
seu modus operandi típico era a ação de pequenos grupos. As chamadas
"unidades de serviço ativo" do IRA Provisório não contavam, segundo
consta, com mais do que duzentos ou trezentos indivíduos em momento
algum, e eu duvido que as Brigadas Vermelhas na Itália ou o ETA basco
fossem maiores. O mais terrível dos movimentos terroristas
internacionais, a Al-Qaeda, provavelmente não tinha mais do que 4 mil
indivíduos nos seus dias de Afeganistão.6 A segunda característica
(com raras exceções, como a Irlanda do Norte) era a de que seus
integrantes "eram em média mais cultos e de condição social mais alta
do que outros membros da comunidade à qual pertenciam".7 Os candidatos a
recrutas da Al-Qaeda que receberam treinamento no Afeganistão
132

na década de 1990 eram, segundo a descrição, "das classes média e


alta, quase todos de famílias bem estruturadas [...] com educação
universitária e forte inclinação pelas ciências naturais e pela
engenharia [...] poucos procedentes de escolas religiosas". Mesmo na
Palestina, onde eles representam os diversos segmentos da população
dos territórios ocupados, inclusive uma proporção alta dos que vivem
em campos de refugiados, 57% dos homens-bombas têm instrução superior à
do nível secundário, em comparação com apenas 15% da população de idade
similar.
Apesar de pequenos, esses grupos têm mostrado capacidade
suficiente para que os governos mobilizem forças enormes, em ter mos
relativos ou mesmo absolutos, para combatê-los. Mas aqui ocorre uma
divergência interessante entre o Primeiro e o Terceiro Mundo (enquanto
durou, o Segundo Mundo, dos regimes comunistas, ficou totalmente
imune a esses movimentos, mesmo quando à beira do colapso). Na Europa
como um todo, pelo menos durante os dois primeiros períodos
considerados, a nova violência política foi enfrentada com força
limitada e sem maiores alterações nos governos constitucionais, apesar
da ocorrência de momentos de histeria e de alguns sérios excessos no uso
do poder, especialmente por parte da polícia e das Forças Armadas
formais ou informais. Terá sido assim porque os movimentos europeus não
apresentavam riscos maiores para os regimes nacionais? Isso era e
continua a ser verdadeiro, embora os movimentos separatistas na
Irlanda do Norte e no País Basco tenham chegado perto de conseguir seus
objetivos políticos, com a ajuda da pressão armada do IRA e do ETA.
Provavelmente também é verdade que as polícias e os serviços secretos
europeus tinham e têm eficiência suficiente para infiltrar-se em muitos
desses movimentos, sobretudo o IRA e provavelmente as Brigadas Vermelhas
da Itália. Contudo, é significativo que, apesar de certos episódios de
crueldade na luta antiterrorista por parte de "entidades oficiais
desconhecidas", nem na
133

Irlanda do Norte nem na Espanha ocorreram "guerras sujas" na


mesma escala e com o mesmo grau sistemático de tortura e terror
que vimos na América Latina, onde o combate ao terrorismo
superou em muito a violência política dos revoltosos, mesmo
quando estes se dedicavam a cometer atrocidades, como os senderistas do Peru.
Essas famigeradas "guerras sujas" dirigiam-se essencialmente
contra esses grupos e muitas vezes eram conduzidas por pequenas
forças de profissionais especializados, correspondentes às dos
terroristas minoritários. Assim, na América Latina, o objetivo dos
regimes torturadores, na medida em que não constituíam uma
degeneração patológica da política, não era, normalmente, impedir o
aumento do número de participantes nas atividades subversivas, mas,
mais concretamente, obter informações dos ativistas a respeito dos seus
grupos. O objetivo dos esquadrões da morte tampouco era a prevenção,
e sim, acima de tudo, livrar-se de pessoas por eles consideradas
culpadas sem correr os riscos dos atrasos legais e das absolvições.
O terror contra populações inteiras, vistas como dissidentes, como na
África do Sul ao tempo do apartheid e na Palestina, é quase sempre
brutal, mas mais episódico e pontual.
O número de pessoas mortas na Palestina antes da segunda intifada foi
quase certamente menor do que o dos que "desapareceram" no Chile de
Pinochet. Pode-se dizer que o avanço da barbarização foi tal que as
campanhas repressivas que produzem apenas um cadáver ou dois por dia
são hoje consideradas como de nível inferior ao dos massacres, que
automaticamente produzem manchetes. Mesmo assim, as autoridades de
países como a Colômbia e o Peru lutaram suas guerras contra as
guerrilhas rurais com ferocidade incomum.
A globalização da "guerra contra o terror", desde setembro de
2001, e a retomada das intervenções armadas estrangeiras por
parte de uma grande potência que condenou formalmente em
134

2002 as regras e convenções até então aceitas para os conflitos


internacionais pioraram a situação. O perigo real das novas redes
terroristas internacionais para os regimes dos países estáveis do
mundo desenvolvido, assim como da Ásia, continua a ser desprezível. As
dezenas ou centenas de vítimas de bombas nos sistemas de transporte
público em Londres e em Madri não são capazes de interromper a
capacidade operacional de uma cidade grande além de algumas horas.
Por mais horripilante que tenha sido a carnificina de 11 de setembro
de 2001 em Nova York, o poder internacional dos Estados Unidos e suas
estruturas internas não foram afetados em nada. Se ocorreram efeitos
negativos posteriores, eles não se deveram à ação dos terroristas, e
sim à do governo americano. A índia, a maior democracia do mundo, é um
bom exemplo da capacidade de resistência de um país estável. Apesar de
ter perdido dois chefes de governo nos últimos vinte anos pela ação
de assassinos, o país convive com uma situação de guerra de baixa
intensidade na Caxemira, com uma ampla gama de movimentos
guerrilheiros nas províncias do Nordeste e com uma insurreição
marxista-leninista (naxalita) em certas áreas tribais - e ninguém
sequer sonharia em dizer que ela não é um país estável e em perfeita
ordem operacional.
Isso ressalta a fraqueza relativa e absoluta dos movimentos
terroristas da fase atual. Eles são sintomas, e não agentes históricos
significativos. E isso não deixa de ser válido nem em razão de que,
graças às mudanças nos armamentos e nas táticas, pequenos grupos e até
indivíduos agora podem causar muito mais dano per capita do que antes,
nem em função dos objetivos utópicos sustentados por alguns grupos
terroristas ou a eles atribuídos. Operando em países estáveis, com
regimes estáveis e sem o apoio de setores relevantes da população, eles
são um problema policial, e não militar. Mesmo quando o terrorismo
de pequenos grupos faz parte de um movimento geral de dissidência,
como são os rebentos da Al
135

Qaeda na resistência iraquiana, eles não são a parte mais importante nem
a parte militarmente mais efetiva do movimento, e sim adendos marginais.
Quanto às operações conduzidas fora do
ambiente de uma população simpatizante, como os homens-bombas palestinos
em Israel ou um punhado de jovens muçulmaqqnos fanáticos em Londres,
pouco valor elas têm além da propaganda. Nada disso significa que não
sejam necessárias importantes medidas policiais internacionais para
combater o terrorismo de pequenos grupos, especialmente do tipo
transnacional, quando mais não seja pelo perigo que existe de que no
futuro esses grupos logrem adquirir um artefato nuclear e a capacidade
de usá-lo. Seu potencial político, que é sobretudo destrutivo, é
claramente muito maior em países instáveis ou em decomposição, em
particular no mundo muçulmano no Oeste da índia, mas não deve ser
confundido com o potencial político de uma mobilização religiosa maciça.
É compreensível que esses movimentos criem grande nervosismo entre
as pessoas comuns, sobretudo nas metrópoles do Ocidente e especialmente
quando os governos e a imprensa se empenham em gerar um clima de medo,
para alcançar seus próprios propósitos, e dão publicidade máxima às
ações. (É difícil lembrar que antes de 2001 a atitude-padrão,
inteiramente racional, dos governos diante desses movimentos - ETA,
Brigadas Vermelhas, IRA-visava "negar-lhes o oxigênio da publicidade"
tanto quanto possível.) Trata-se de um clima de medo irracional. A
política atual dos Estados Unidos tenta reviver os terrores
apocalípticos da Guerra Fria, quando já não lhe é plausível inventar
"inimigos" para legitimar a expansão e o emprego do seu poder global.
Repito aqui que os perigos da"guerra contra o terror" não provêm dos
homens-bombas muçulmanos.
Todas essas coisas em nada diminuem a dimensão da crise
global verdadeira que se expressa nas transformações por que
136

passa a violência política. Elas parecem refletir os profundos


desequilíbrios sociais causados em todos os níveis da sociedade pelas
alterações mais rápidas e intensas jamais experimentadas pela
humanidade, social e individualmente, dentro do período de vida
de um ser humano. Elas parecem refletir uma crise dos sistemas
tradicionais de autoridade, hegemonia e legitimidade do Ocidente
e sua dissolução no Oriente e no Sul, assim como uma crise dos
movimentos tradicionais que pretendiam proporcionar alternativas a eles.
Elas têm sido exacerbadas pelos fracassos da descolonização em certas
regiões do mundo e pelo fim de um sistema internacional estável - na
verdade, de qualquer sistema internacional - desde o colapso da União
Soviética. E elas se revelarão estar além dos poderes utópicos dos
neoconservadores e neoliberais que acreditam na exportação dos valores
liberais do Ocidente por meio da expansão dos mercados e das
intervenções militares.
137

9. A ordem pública em uma era


de violência
Um dia, na década de 1970, a Associação dos Chefes de Polícia disse
ao governo britânico que já não havia condições de impedir desordens
públicas nas ruas, como antes, sem uma nova lei de segurança pública.
Poucos anos depois, creio que no começo da década de 1980, fui convidado
a um colóquio em um lugar da Noruega e notei que o folheto de propaganda
do hotel em que se realizava o evento - um centro de convenções normal
em um lugar turístico de belas paisagens - proclamava que as janelas do
edifício eram à prova de balas. Na Noruega? Sim, na Noruega.
Quero começar esta conferência com esses dois incidentes. Nossa
era tornou-se mais violenta, inclusive nas imagens. Não há dúvida
a respeito. Esta conferência é sobre o que isso significa e sobre
como os governos podem proporcionar proteção à vida normal
dos cidadãos. Ela se refere sobretudo à Grã-Bretanha, onde o
aumento da violência pública (revelada nos índices de criminalidade) é
particularmente expressivo. Mas o problema não se limita a um único
país. Nem se refere apenas ao terrorismo. O tema é muito mais amplo.
Inclui, por exemplo, a violência nos campos de
138

futebol, outro fenômeno historicamente novo que surgiu na


década de 1970.
Como sugere minha lembrança da Noruega, é patente que
grande parte dessa violência é possibilitada pela extraordinária
explosão da oferta e disponibilidade global de armas destrutivas
poderosas que estão ao alcance de pessoas e grupos privados.
Armas baratas e portáteis, que podem ser manuseadas por qualquer um.
Originalmente, isso era uma conseqüência da Guerra Fria, mas, como esse
é um negócio lucrativo, a produção continuou a aumentar. Em todas as
décadas desde a de 1960, o número de empresas que produzem essas armas
vem aumentan do, especialmente na Europa ocidental e na América do Norte.
Em 1994, havia trezentas companhias em 52 países no negócio
das armas pequenas, 25% mais do que em meados da década de
1980. Em 2001, a estimativa já era de quinhentas empresas. Em
outras palavras, os Kalashnikovs, rifles de assalto AK 47, desen-
volvidos originalmente na União Soviética durante a Segunda
Guerra Mundial, são uma forma absolutamente terrível de arma
leve e, de acordo com o Bulletin ofthe Atomic Scientists, algo
como 125 milhões deles circulam hoje pelo mundo. Podem ser
encomendados pela internet, pelo menos nos Estados Unidos, em
Kalashnikov USA. Quanto aos revólveres e às facas, quem é que sabe?
Mas é evidente que a desordem pública, mesmo na forma
extrema do terrorismo, não depende de equipamentos caros e de
alta tecnologia, como ficou demonstrado em 11 de setembro de
2001. Os seqüestradores dos aviões que destruíram as Torres Gêmeas só
estavam armados com facas pequenas. Os grupos armados mais duradouros,
como o IRA e o ETA, utilizam sobretudo explosivos, alguns dos quais
podem ser feitos em casa. Os perpetradores do atentado de 7 de julho de
2005 em Londres produzi-ram seu próprio explosivo. E, se os informes
mais recentes forem
139

corretos, esse massacre custou aos seus autores apenas umas centenas
de libras no total. Além das suas vidas, naturalmente. Assim,
ainda que saibamos que o mundo de hoje está mais cheio de coisas
que matam e mutilam do que em qualquer outro período da história, esse
é apenas um dos dados do problema. Está mais difícil manter a ordem
pública? Claramente, os governos e os dirigentes empresariais pensam que
sim. O tamanho das forças policiais na Grã-Bretanha aumentou em 35%
desde 1971. Para cada 10 mil cidadãos havia, ao final do século, 34
agentes de polícia, em comparação com 24, trinta anos antes (um aumento
de mais do que 40%). E não estou sequer contando o meio milhão de
pessoas que se estima estarem empregadas nos ofícios de segurança,
como guardas e profissões semelhantes - setor da economia que se
multiplicou nos últimos trinta anos, desde que a Securicor sentiu-se
suficientemente grande para ter suas ações cotadas na Bolsa, em 1971.
No ano passado já havia umas 2500 firmas nessa área. Como se sabe, a
desindustrialização da Grã-Bretanha gerou um grande número de pessoas
sadias para as quais conseguir um emprego como guarda de segurança é
uma das poucas oportunidades de trabalho disponíveis. Pode-se dizer que
a economia, em vez de basear-se no princípio de que "um ajuda o outro",
pode um dia basear-se na oferta maciça de empregos em que "um
vigia o outro".
Não é só o emprego de mão-de-obra que aumenta. Também
aumenta o emprego da força. Os especialistas em controle de massas
dispõem hoje de quatro tipos principais de instrumentos para
enfrentar manifestações violentas: químicos (por exemplo, gás
lacrimogêneo); "cinéticos", como armas de dispersão, balas de borracha
etc; jatos de água; e tecnologias de atordoamento. Aqui está
uma lista de países que ilustra as variações entre o enfoque tradicional
e o moderno no campo real do controle de massas. A Noruega não emprega
nenhum dos quatro; Finlândia, Holanda, índia e
140

Itália, apenas um, a saber, do tipo químico. Dinamarca, Irlanda,


Rússia, Espanha, Canadá e Austrália usam dois; a Bélgica e os pesos
pesados Estados Unidos, Alemanha, França, Reino Unido e mais a
pequena Áustria têm os quatro tipos prontos para a ação. É evidente
que a Grã-Bretanha, que antes se orgulhava de que sua polícia
andava completamente desarmada, já não vive no mesmo mundo ordeiro da
Noruega ou da Finlândia.
Como ocorreram esses desenvolvimentos? Acho que duas
coisas estão acontecendo. A primeira é a reversão do que Norbert
Elias analisou em uma obra chamada O processo civilizador, a
transformação do comportamento público no Ocidente a partir
da Idade Média. Ele se tornou menos violento, mais "educado",
mais atencioso; inicialmente no seio de uma elite restrita e depois
em escalas mais amplas. Mas hoje isso já não é verdade. Já nos
acostumamos tanto a ouvir xingamentos em público e ao uso coletivo
de linguagem deliberadamente rude e ofensiva que quase não nos
lembramos de quão recente é essa alteração, em termos compara-tivos.
Porra e merda há muito tempo são expressões comuns entre homens
especializados em atividades rudes, como soldados - embora eu não
conheça nenhum Exército ocidental que tenha o mesmo repertório de
obscenidades dos russos. De toda maneira, depois da guerra, quando
deixei o Exército, onde me familiarizei com essa prática, voltei para
um mundo de palavras mais doces.
Com certeza, nenhuma mulher usava esse tipo de linguagem, que
só começou a surgir como prática social ampla na década de 1960.
Lembrem-se de que antes dessa década a palavra "puta" ainda não
fazia parte da cultura impressa. A palavra "fuck", por exemplo, só
foi incorporada a um dicionário britânico em 1965, e a um americano em
1969.1 Ao mesmo tempo, as regras e convenções tradicionais
enfraqueceram-se. Parece claro, por exemplo, que a delinqüência juvenil
-entre catorze e vinte anos de idade-começou a crescer des
141

proporcionalmente na segunda metade da década de 1960. Jovens


do gênero masculino, estimulados pela testosterona e pela afirmação
sexual, sempre foram turbulentos, sobretudo quando se organizam em
grupos, algo que supostamente se mantinha dentro de limites por ser
tolerado em ocasiões especiais. Isso se aplicava também aos jovens bem-
educados, como os membros do "Clube dos Vagabundos", dos livros de P.
G. Wodehouse. Lembrem-se de que a propensão que eles tinham para
derrubar o capacete da cabeça dos policiais nas noites de corrida de
barco levou Bertie Wooster para a cadeia de Vine Street. Mas não é
apenas a erosão das regras e das convenções sociais, e sim também a
erosão das convenções e das relações no seio da família que
transformaram os rapazes no que os vitorianos chamavam de "classes
perigosas". Não vou mais falar sobre isso nem sobre o processo
mais longo de barbarização do século XX, que levou até a situações
de escândalo, quando alguns ideólogos do Ocidente chegaram a
oferecer justificativas intelectuais para a prática da tortura, mas é
claro que ele pesa na balança.
O segundo fenômeno, mais direto, também teve início na
década de 1960. Trata-se da crise do tipo de Estado em que todos
nos acostumamos a viver no século passado - o Estado nacional
territorial. Antes desse ponto de inflexão, durante 250 anos o
Estado vinha ampliando seus poderes, recursos, espectro de atividades,
conhecimento e controle sobre o que acontece no seu território. Esse
desenvolvimento ocorreu independentemente da política e da ideologia:
ocorreu nos Estados liberais, conservadores, comunistas e fascistas.
Alcançou o auge nos anos dourados do "estado de bem-estar" e da economia
mista depois da Segunda Guerra Mundial. Mas tudo isso estava baseado
na premissa ante-rior do monopólio da lei e da justiça estatal sobre
outras leis (por exemplo, o direito religioso ou o direito costumeiro).
O mesmo é válido para o monopólio do uso da força armada. No transcurso
142

do século XIX, a maior parte dos Estados do Ocidente eliminou a


posse e o uso de armas (salvo para o uso desportivo) por parte de
todos os cidadãos, exceto seus próprios agentes, e mesmo a prática
dos duelos no seio da nobreza. (Os Estados Unidos têm uma posição de
flagrante exceção nesse campo, entre os países desenvolvidos, pois tem
uma taxa crescente de homicídios nos últimos dois séculos, contra uma
taxa decrescente na Europa.)2Na GrãBretanha, as convenções chegaram
a proibir o uso de facas e adagas em lutas, por ser "antiinglês", e
criaram regras para as lutas de boxe e assemelhadas-as Regras de
Queensberry. Em condições de estabilidade social, até o poder oficial
passou a sair desarmado em público. No Reino Unido, os policiais só
andavam armados na Irlanda do Norte, conhecida pelo seu potencial
insurrecional, mas não na ilha maior. As revoltas públicas, arruaças e
marchas foram institucionalizadas, ou seja, reduzidas ou transformadas
em manifestações cada vez mais pré-negociadas com a polícia. O prefeito
de Londres, Ken Livingstone, acaba de recordar aos chineses que isso
é o que acontecia no Hyde Park e na Trafalgar Square desde a época
vitoriana. Isso era verdadeiro mesmo em países que consideramos
propensos à violência urbana, como a França, independentemente
das palavras de ordem incendiárias das manifestações de massa.3
Por isso a grande revolta estudantil de 1968 em Paris não causou
praticamente nenhuma morte em nenhum dos dois lados. O mesmo vale para
as mobilizações recentes que derrubaram a nova lei de empregos para
a juventude francesa.
Mas há outro elemento no enfraquecimento do Estado: alealdade que os
cidadãos lhe devotam, assim como sua disponibilidade para fazer o que o
Estado lhes pede, estão erodindo. As duas guerras mundiais foram lutadas
por exércitos de recrutas - ou seja, por soldados cidadãos preparados
para matar e morrer aos milhões "por seu país", como se diz. Isso já não
acontece. Duvido que qualquer governo que dê algum direito de escolha
aos seus
143

cidadãos nessa matéria - e mesmo vários dos que não dão -


possa fazê-lo. Esse é, certamente, o caso dos Estados Unidos, que
aboliram o serviço militar depois da Guerra do Vietnã. Mas, de
maneira mais discreta, isso também se aplica à disposição dos
cidadãos a cumprir a lei - ou seja, o senso de que a lei tem uma
justificação moral. Se sentimos que uma lei é legítima, ela é logo
acatada. Nós acreditamos que os jogos de futebol realmente precisam de
árbitros e bandeirinhas e confiamos a eles o exercício de uma função
legítima. Se não o fizéssemos, quanta força seria necessária para
manter o jogo em ordem? Muitos motoristas não aceitam a justificação
moral das câmeras de controle de velocidade e por isso não hesitam em
burlá-las. E, se vocês conseguirem trazer para casa algum contrabando,
ninguém vai pensar mal de vocês. Quando a lei carece de legitimidade e
o respeito a ela depende sobretudo do medo de ser apanhado e punido, é
muito mais difícil mantê-la vigente, além de ser mais caro. Acho que
há pouca dúvida de que hoje, por várias razões, os cidadãos têm menos
propensão a respeitar a lei e as convenções informais do comportamento
social do que antes.
Além disso, a globalização, a vasta ampliação da mobilidade
das pessoas e a eliminação em grande escala dos controles fronteiriços
na Europa e em outras partes do mundo tornam cada vez mais difícil para
os governos controlar o que entra e sai dos seus territórios e o que
ocorre neles. É tecnicamente impossível controlar mais do que uma fração
mínima do conteúdo dos contêineres que transitam pelos portos sem
reduzir o ritmo da vida econômica diária quase pela metade. Os
traficantes e os comerciantes ilegais valem-se amplamente dessa
facilidade, assim como da incapacidade dos Estados de controlar ou mesmo
monitorar as transações financeiras internacionais. O estudo mais recente
desse fenômeno, o livro Ilícito, de Moisés Naim, diz com franqueza que
"na luta contra o comércio ilícito global os governos estão
fracassando[...].
144

Não há simplesmente nada no horizonte que aponte para uma


rápida reversão dessa situação para as miríades de redes [...] do
comércio ilícito".
Todas essas coisas têm causado uma forte diminuição nos
poderes dos Estados e dos governos nos últimos trinta anos. Em
casos extremos, eles podem até perder o controle de partes dos
seus territórios. A Agência Central de Inteligência (CIA) identificou
em 2004, cinqüenta regiões do mundo sobre as quais os
governos nacionais exercem pouco ou nenhum controle. "Mas",
citando novamente o livro de Naim sobre a economia ilegal, "na
verdade é raro encontrar-se hoje um país que não tenha bolsões
de ilegalidade que, por sua vez, estão bem integrados em redes
globais mais amplas."4Em casos menos extremos, é possível para
os Estados estáveis e florescentes, como o Reino Unido e a Espanha,
conviver durante décadas com pequenos grupos armados em seus
territórios, como o IRA e o ETA, que os governos não são capazes de
eliminar por completo. E isso apesar do fato evidente de que as
informações de que dispomos sobre os países e as populações são hoje
muito maiores do que no passado. Embora a capacidade tecnológica das
autoridades públicas para observar os habitantes, escutar suas conversas,
ler seus e-mails e, como na Grã-Bretanha, vigiá-los com inumeráveis
câmeras de TV de circuito fechado supere a de qualquer governo no
passado, é provável que eles tenham menos conhecimento do que seus
predecessores a respeito de quem são e até quantas são as pessoas que
estão nos seus territórios em qualquer momento determinado,
onde elas vivem e o que fazem. Os organizadores dos censos
atuais têm muito menos confiança nas suas informações do que
tinham até a primeira metade do século XX - e com boas razões.
Esses fatores explicam por que mesmo Estados que funcionam bem
tiveram de ajustar-se, em certa medida, a um grau muito mais alto de
violência não-oficial do que no passado. Pensem
145

na Irlanda do Norte nos últimos trinta anos. Graças a uma combinação da


força com arranjos tácitos, a governança efetiva e a vida normal, o
que inclui os movimentos de entrada e de saída da província, tiveram
prosseguimento apesar de uma situação de quase guerra civil. Em todo o
mundo os ricos ajustam-se à ameaça dos pobres violentos formando
condomínios fechados, mais visíveis em áreas de expansão imobiliária
recente. Estima-se que existem cem deles na Inglaterra, pequenos na
maior parte dos casos, o que não é nada em comparação com os 7 milhões
de famílias que vivem nessas verdadeiras fortalezas nos Estados
Unidos, mais da metade das quais são comunidades "em que o
acesso é controlado com portões, códigos, cartões magnéticos e
guardas".5 Com o aumento da violência, essa tendência vem crescendo
rapidamente, o que pode ser confirmado por qualquer pessoa que tenha
estado no Rio de Janeiro ou na Cidade do México ao longo destes anos.
Há algo que se possa fazer para controlar essa situação?
Duas perguntas surgem. Primeira: os problemas de ordem
pública podem ser controlados em uma era de violência? A resposta tem
de ser afirmativa, embora não se saiba ainda em que medida. A violência
nos campos de futebol é um exemplo de como isso pode e vem sendo feito.
Ela surgiu como fenômeno de massas recorrente na Grã-Bretanha na década
de 1960 e foi amplamente copiada em outros países. Chegou ao ponto
máximo na década de 1980, com os terríveis incidentes de Bradford e as
39 mortes no estádio Heysel, em Bruxelas, durante a final da Copa da
Europa entre o Liverpool e a Juventus. Falou-se muito na necessidade de
medidas extremas, como cartões de identidade compulsórios,
mas, na verdade, desde então o "hooliganismo" reduziu-se muito
na Grã-Bretanha com o emprego de métodos mais moderados,
que incluem modificações técnicas, como a venda de ingressos
exclusivamente para lugares sentados, circuitos fechados de televisão,
146

melhor inteligência e coordenação, táticas policiais mais seletivas


o isolamento dos hooligansjá conhecidos além, ou melhor, em vez da
"contenção" geral dos torcedores visitantes tanto dentro quanto fora do
estádio. Paralelamente, a polícia desenvolveu a capacidade de
concentrar-se em incidentes mais sérios, uma vez que o controle da ordem
dentro dos estádios foi transferido para os funcionários dos clubes
locais. Todas essas coisas são mais caras, muito mais caras, tanto em
termos de dinheiro quanto de trabalho. Foram necessários 10 mil homens
para policiar o Euro 96 na Grã-Bretanha. Não vi as estimativas de gasto
em dinheiro e trabalho para Copa do Mundo da Alemanha, no verão de
2006. Mas o fato é que a melhoria foi obtida sem as medidas extremas
inicialmente sugeridas. Nova York também é um lugar bem mais seguro
do que era, como podem atestar todos os que se lembram de
como a cidade era perigosa e suja nas décadas de 1970 e 1980. Na
medida em que isso se deve ao prefeito Rudy Giuliani, pode ser
atribuído muito mais a mudanças nas táticas da polícia (tolerância
zero) do que aos acréscimos feitos ao seu armamento, que já era
impressionante.
Isso nos leva à segunda pergunta: qual deve ser a proporção
entre força e persuasão, ou confiança pública, no controle da ordem
pública? A manutenção da ordem em uma era de violência tem sido
mais difícil e mais perigosa, inclusive para os policiais, que usam
armas e tecnologias cada vez mais robustas, destinadas a repelir os
ataques físicos, e se assemelham a cavaleiros medievais com escu dos e
armaduras. A polícia sofre a tentação de ver-se como um corpo de "
guardiães", com conhecimentos profissionais especializados, separada
dos políticos, dos tribunais e da imprensa liberal, e criticada, com
ignorância, por todos eles. O mundo de hoje-e não apenas fora da Europa
- está cheio de aparelhos policiais e serviços de segurança que estão
convencidos de que, independentemente do que os governos e a imprensa
digam em público, não é o
147

estado de direito e sim a força (e, se necessário for, a violência) o que


assegura a manutenção da ordem, e também de que essa atitude
tem o apoio pelo menos tácito tanto dos governos quanto da opinião
pública. No Reino Unido, depois da tranqüilidade das décadas de 1950 e
1960, a reação inicial à nova situação, com o IRA, as greves dos
mineiros e os distúrbios raciais, foi a de aumentar a hostilidade
e levar as confrontações a um nível quase militar, mesmo na ilha
principal. O enfrentamento com os terroristas promoveu a militarização
da polícia. A orientação de "atirar para matar" provocou diversas vítimas
inocentes e, diga-se, evitáveis-a mais recente das quais foi o
brasileiro Jean Charles de Menezes. No entanto, felizmente a Grã-Bretanha
ainda não chegou, como é a tendência no continente europeu, ao ponto de
dotar-se de esquadrões especiais
antidistúrbios, como o CRS da França.
Por outro lado, duas coisas fazem parte da sabedoria básica da
polícia. A primeira é que os policiais não são utópicos e não pensam
em eliminar o crime de uma vez por todas; ele tem de ser reduzido
e controlado para que a população civil viva em paz. Isso faz com
que os policiais vejam com ceticismo as cruzadas políticas e, por
outro lado, também pode tentar alguns para o caminho da corrupção.
A segunda, ainda mais pertinente, é que as pessoas que compõem a ordem
pública devem ser protegidas, e não antagonizadas enquanto os policiais
isolam e perseguem os "baderneiros". A força ostensiva ou excessiva, em
especial quando dirigida contra grupos, pode antagonizar, se não o
público como um todo, os grandes grupos que supostamente podem conter
uma proporção maior de maus elementos: negros, adolescentes de áreas
degradadas, asiáticos, ou quem quer que seja. Se assim for feito, os
riscos para a ordem pública se multiplicarão. Um bom exemplo desse tipo
de situação ocorreu nos distúrbios do Carnaval de Notting Hill, na década
de 1970, desencadeados por uma operação policial de revistas pessoais
destinada a deter punguistas, que afetou um número excessivo de
148

pessoas e foi tomada pelos circunstantes como um ataque racial


dirigido contra negros. Esse é um perigo real. Durante o tumulto de
Brixton, em 1981, ninguém duvida de que a polícia agiu como se
todos os negros fossem arruaceiros potenciais, o que exacerbou as
relações com o público local. Felizmente, durante os problemas da
Irlanda do Norte, as forças policiais britânicas resistiram à tentação
de considerar todos os irlandeses da Grã-Bretanha como membros
potenciais do IRA. A manutenção da ordem pública, seja em uma era
de violência ou não, depende do equilíbrio entre a força, a confiança
e a inteligência.
Na Grã-Bretanha, em circunstâncias normais, descontados os
descontroles ocasionais, pode-se ter confiança, grosso modo, no
equilíbrio estabelecido pelo governo e pela força pública. Mas,
desde o Onze de Setembro, as circunstâncias já não são normais.
Estamos nos afogando em uma onda de retórica política a respeito
dos perigos terríveis e desconhecidos que vêm do estrangeiro - a
histeria das armas de destruição em massa, a inadequadamente
chamada "guerra contra o terrorismo" e a "defesa do nosso estilo de
vida" e contra inimigos externos mal definidos e seus agentes terroristas
internos. Trata-se de uma retórica que visa mais arrepiar os cabelos
dos cidadãos do que enfrentar o terror - com objetivos que deixo a
vocês a tarefa de identificar, pois arrepiar os cabelos e criar o pânico
é exatamente o que os terroristas querem fazer. O objetivo político
deles não é atingido pelo ato de matar, e sim pela publicidade dada aos
seus atos, que quebra a moral dos cidadãos.
Na época em que a Grã- Bretanha tinha um problema terrorista real
e contínuo, ou seja, as operações do IRA, a regra fundamental seguida
pelas autoridades encarregadas da luta contra o terror era, tanto quanto
possível, não dar nenhuma publicidade aos atos de terror e não anunciar
as contramedidas a serem tomadas.
Vamos então livrar-nos dessa balela. A chamada "guerra contra o
terror" não é uma guerra, exceto no sentido metafórico, assim
149

como quando se fala da "guerra contra as drogas" ou da "guerra


entre os sexos". O "inimigo" não tem condições de derrotar-nos
nem de causar-nos danos volumosos. Recente estudo sobre o terrorismo
global, feito pelo Departamento de Estado americano em 2005, enumera -
sem contar o Iraque, que é uma guerra de verdade - 7500 ataques terroristas no
mundo inteiro, com 6600
vítimas, o que sugere que a maioria dos ataques falhou. Estamos
enfrentando terroristas articulados em pequenos grupos, semelhantes
àqueles aos quais já estamos acostumados há muito tempo - mas com
duas inovações significativas. Ao contrário dos terroristas antigos,
eles estão dispostos a perpetrar massacres indiscriminados e podem mesmo
tê-los como objetivo predeterminado.
Com efeito, já praticaram um massacre com milhares de mortos,
alguns com centenas de mortos cada um e muitos com dezenas de
vítimas fatais. A outra é a arrepiante inovação histórica do
homem-bomba.
Essas mudanças são sérias, especialmente na era da internet e do acesso
generalizado a armas portáteis muito destrutivas.
Não nego que esta ameaça seja mais séria do que a do terrorismo
antigo e justifique medidas excepcionais por parte dos que se ocupam de
enfrentá-la. Mas devo repetir que isso não é nem pode ser uma guerra.
É basicamente um problema muito sério de ordem pública.
Mas a segurança pública, que as pessoas chamam de "lei e
ordem", tem como salvaguarda essencial as instituições e as autoridades
da vida civil em tempo de paz, o que inclui a polícia. As instituições
de guerra-ou sej a, sobretudo as Forças Armadas-são mobilizadas apenas
em situações de guerra e nas raríssimas ocasiões em que os serviços
públicos entram em colapso. Mesmo em situações parciais de guerra,
como na Irlanda do Norte, uma longa experiência mostrou-nos os perigos
políticos a que nos expomos quando a manutenção da ordem é feita por
soldados, sem uma força policial regular e separada do Exército.
Apesar de tudo o que
150

se tem falado sobre o terrorismo, nenhum país da União Européia


está em guerra nem é provável que venha a estar, e suas estruturas
sociais e políticas não são frágeis a ponto de se desestabilizarem
seriamente pela ação de pequenos grupos de ativistas. A fase atual
do terrorismo internacional é mais séria do que no passado pela
possibilidade de massacres deliberadamente indiscriminados,
mas não pela sua ação política ou estratégica. Eu diria que ele é
menos perigoso do que a epidemia de assassinatos políticos que
começou na década de 1970 e que não despertou a atenção da
grande imprensa porque não afetou a Grã-Bretanha e os Estados
Unidos. O próprio Onze de Setembro não logrou interromper a
vida de Nova York por mais do que algumas horas, e suas conseqüências
físicas foram equacionadas com rapidez e eficiência pelos serviços civis
normais.
O terrorismo requer esforços especiais, mas é importante não
perdermos a cabeça ao desenvolvê-los. Teoricamente, um país que
nunca perdeu a calma durante trinta anos de tumultos irlandeses
não deveria perdê-la agora. Na prática, o perigo real do terrorismo
não está no risco causado por alguns punhados de fanáticos anônimos, e
sim no medo irracional que suas atividades provocam e que hoje é
encorajado tanto pela imprensa quanto por governos insensatos. Esse é um
dos maiores perigos do nosso tempo, certamente maior do que o dos
pequenos grupos terroristas.
151

io. O império se expande


cada vez mais
A situação atual do mundo não tem precedentes. Os grandes
impérios globais que conhecemos, como o espanhol, nos séculos
XVI e XVII, e principalmente o britânico, nos séculos XIX e XX, têm
pouca similaridade com o que vemos hoje no império americano.
Vivemos em um mundo tão integrado, no qual as operações cotidianas
são tão interligadas, que qualquer interrupção - como a Síndrome
Respiratória Aguda Severa (SARS), por exemplo - provoca conseqüências
que, em questão de dias, expandem-se a partir de fontes desconhecidas,
na China, para transformar-se em fenômenos mundiais. Os efeitos
negativos sobre o sistema de transporte internacional, sobre as reuniões
internacionais e as organizações que os realizam, sobre os mercados
globais e mesmo sobre as economias dos países desdobraram-se com uma
velocidade impensável em qualquer período anterior.
É enorme o poder da tecnologia, em constante revolução na
economia e sobretudo na força militar, onde esse fator é hoje
mais decisivo do que em qualquer outro momento. O poder político em
escala global requer, nos nossos dias, um país extremamente
152

grande que detenha o domínio dessa tecnologia. Antes, a questão do


tamanho não era pertinente: a Grã-Bretanha, que dirigiu o maior
império do seu tempo, era apenas um país de tamanho médio, mesmo para os
padrões dos séculos XVII e XIX.
No século XVII, a Holanda, que tem as mesmas dimensões da Suíça,
tornou-se um ator mundial. Hoje seria inconcebível que um país que não
seja um gigante em termos relativos-por mais rico e tecnologicamente
avançado que seja - pudesse tornar-se uma potência global.
A política da nossa época é de natureza complexa. Os Estados
nacionais ainda são dominantes - o único aspecto da globalização em que
a própria globalização não funciona, mas trata-se de uma forma peculiar
de Estado, no qual quase todos os habitantes comuns têm papéis
importantes. No passado, os que tomavam as decisões geriam os países com
muita independência em relação ao que pensava o grosso da população,
e no final do século XIX e no início do XX os governos podiam mobilizar
o povo, o que hoje, em comparação, é praticamente impensável.
Por outro lado, o que a população pensa ou está disposta a fazer é
atualmente mais relevante para eles do que no passado.
A grande novidade do projeto imperial americano está em
que todas as demais grandes potências e impérios sabiam que não
eram os únicos e nenhum deles visou a dominação global. Nenhum se
acreditava invulnerável, mesmo os que se se viam como o centro do mundo
- como a China, ou o Império Romano no seu auge. A dominação regional era
o perigo maior para o sistema de relações internacionais em cuja
vigência vivemos até o fim da Guerra Fria. Não se deve confundir o
alcance global, que se tornou possível desde 1492, com a dominação
global.
O Império Britânico do século XIX foi o único verdadeiramente
global, no sentido de que operava em todo o planeta. Nessa medida, ele é
um possível precedente do império americano. Os
153

russos sonharam, no período comunista, com um mundo transformado, mas


sabiam bem, mesmo no zênite do poder da União Soviética, que a dominação
mundial estava fora de alcance e, ao contrário da retórica da Guerra
Fria, nunca tentaram seriamente atingi-la.
Mas as diferenças entre as ambições atuais dos Estados Unidos e as
daGrã-Bretanha de um ou dois séculos atrás são flagrantes. Os Estados
Unidos são um país fisicamente vasto, com uma das maiores populações
do mundo e que, ao contrário do que ocorre na União Européia, ainda
está em crescimento devido a uma imigração quase ilimitada. Há também
diferenças de estilo. O Império Britânico no seu auge ocupava e
administrava a quarta parte da superfície do globo. Os Estados Unidos
nunca praticaram um verdadeiro colonialismo, exceto durante um breve
período em que o colonialismo imperial esteve em moda, no final do século
XIX e no início do XX. Os Estados Unidos operavam com países dependentes
e satélites, sobretudo no continente americano, onde praticamente não
tinham competidores. Ao contrário da Grã-Bretanha, desenvolveram, no
século XX, uma política de intervenções armadas nesses países.
Como o instrumento decisivo dos impérios mundiais anteriores era a
Marinha, o Império Britânico tomou bases marítimas e postos de
abastecimento estrategicamente importantes por todo o mundo. É por isso
que a bandeira britânica tremula, até hoje, de Gibraltar a Santa Helena
e às ilhas Malvinas. Fora do Pacífico, os Estados Unidos só começaram a
sentir necessidade desse tipo de base depois de 1941, e as obtiveram
por meio de acordos com o que na época podia chamar-se legitimamente uma
coalizão consensual. Hoje a situação é diferente. Os Estados Unidos
perceberam a necessidade de controlar, direta ou indiretamente, um
número muito grande de bases militares.
Há diferenças importantes quanto à estrutura interna do país
154

e à sua ideologia. O Império Britânico tinha um propósito que era


britânico, mas não universal, embora a propaganda naturalmente
também indicasse motivações altruísticas. Desse modo, a abolição
do tráfico de escravos foi usada como justificativa para o poder
naval britânico, assim como os direitos humanos são hoje utilizados
com freqüência para justificar o poder militar dos Estados Unidos.
Por outro lado, os Estados Unidos, como a França e a Rússia
revolucionárias, são uma grande potência que tem por base uma revolução
universalista - e, por conseguinte, crê que o resto do mundo deveria
seguir seu exemplo e que deve até aj udar a libertar o resto do mundo.
Poucas coisas pode haver que sejam tão perigosas quanto os impérios que
buscam satisfazer seus próprios fins acreditando que estão fazendo um
favor à humanidade.
A diferença básica está em que o Império Britânico, embora
global (em certos sentidos ainda mais global do que o império
americano de hoje, uma vez que tinha o controle exclusivo dos
mares numa proporção que nenhum país atualmente consegue
ter do espaço aéreo), não visava o poder global, nem mesmo o
poder territorial, militar e político em regiões como a Europa e a
América. O império buscava defender os interesses básicos da
Grã-Bretanha, que eram interesses econômicos, com o mínimo de
interferência possível. Sempre teve consciência das limitações do
tamanho do seu território e dos seus recursos e, após 1918, tornou-se
agudamente consciente do seu declínio como império.
Mas o império global da Grã-Bretanha, a primeira nação
industrial, operava juntamente com a globalização, que o desenvolvimento
da economia britânica tanto fez avançar. O Império Britânico era um
sistema de comércio internacional no qual a indústria que se desenvolvia
na metrópole contava essencialmente com a exportação das manufaturas
para os países menos desenvolvidos. Em troca, a Grã-Bretanha tornou-se
o maior mercado importador de produtos primários de todo o planeta e,
ao deixar
155

de ser a fábrica do mundo, transformou-se no centro do sistema


financeiro global.
Não foi assim com a economia dos Estados Unidos. Ela tinha
por base o protecionismo das suas indústrias nascentes contra a
competição externa no seu mercado potencialmente gigantesco, o
que continua a ser um elemento significativo da política americana.
Quando a indústria do país se tornou globalmente dominante, o
livre-comércio passou a ser-lhe conveniente, como havia sido para os
britânicos. Mas uma das fraquezas do império americano do século XXI
está em que, no mundo industrializado de hoje, a economia dos Estados
Unidos já não é dominante como antes. O que o país importa em quantidades
enormes são as manufaturas
do resto do mundo, e por causa disso a reação dos interesses econômicos
e dos eleitores continua a ser protecionista. Há uma contradição entre
a ideologia de um mundo regido pelo livre-comércio controlado pelos
Estados Unidos e os interesses políticos de elementos significativos
que, dentro dos Estados Unidos, sentem-se enfraquecidos por ela.
Uma das poucas maneiras pelas quais essa fraqueza pode ser
superada é a expansão da produção e venda de armas. Essa é outra
diferença entre o Império Britânico e o americano. Especialmente
a partir da Segunda Guerra Mundial, a quantidade de armamentos nos
Estados Unidos em tempo de paz tem se mantido com constância em níveis
extraordinários, que não encontram precedente na história moderna.
Essa pode ser a razão para a permanência do que o presidente Dwight
Eisenhower denominou o "complexo industrial militar". Durante os
quarenta anos da Guerra Fria, os dois lados falavam e agiam como se uma
guerra estivesse em curso ou a ponto de começar. O Império Britânico
alcançou o apogeu no transcurso de um século (1815-1914) sem grandes
conflitos internacionais. Além disso, apesar da desproporção evidente
entre o poderio dos Estados Unidos e da União Soviética, o ímpeto
156

de crescimento da indústria bélica americana tornou-se muito


mais forte desde antes do fim da Guerra Fria, e prosseguiu sem se
abater até agora.
A Guerra Fria deu aos Estados Unidos a hegemonia sobre o
Ocidente. Mas isso se dava sob a forma da chefia de uma aliança.
Não havia ilusões a respeito da correlação de forças. O poder estava
em Washington e em nenhum outro lugar. Nesse sentido, a Europa
reconhecia, já então, a lógica de um império global dos Estados
Unidos. Porém, hoje, o governo americano reage contra o fato de
que o império americano e seus objetivos já não são genuinamente
aceitos. A coalizão consensual já não existe. Na verdade, a política
atual dos Estados Unidos é mais impopular do que a de qualquer
governo americano no passado e provavelmente do que a de qualquer outra
grande potência em todos os tempos.
Os americanos lideravam a aliança ocidental com um toque
de cortesia tradicional nos assuntos internacionais, quando mais
não seja porque os europeus estavam na linha de frente da luta
contra o Exército soviético, mas eles insistiam em que a aliança
devia estar permanentemente atada aos Estados Unidos em razão
da dependência da tecnologia militar americana; e persistiram em
sua oposição sistemática a que a Europa tivesse um potencial militar
independente. As raízes da fricção duradoura entre os americanos e os
franceses, que existe desde os tempos de De Gaulle, estão na recusa
francesa em aceitar como eterna uma aliança entre Estados e na sua
insistência em conservar um potencial independente para a produção de
equipamentos militares de alta tecnologia.
Mas, apesar de todas as suas tensões, a aliança era uma coalizão
consensual autêntica.
O colapso da União Soviética deixou os Estados Unidos na
condição efetiva de única superpotência, que nenhum outro
poder podia, ou sequer queria, desafiar. Não é fácil compreender
por que os americanos começaram de repente a alardear seu poder
157

de maneira tão extraordinária, cruel e antagonística, ainda mais


quando isso não corresponde nem às políticas imperiais comprovadamente
eficazes que foram desenvolvidas durante a Guerra Fria nem aos
interesses da própria economia dos Estados Unidos. As políticas que têm
prevalecido ultimamente em Washington parecem tão loucas para quem as
olha de fora que é difícil entender quais seriam suas verdadeiras
intenções. Mas é evidente que a afirmação pública da supremacia global
por meio da força militar é o que está na mente das pessoas que
atualmente têm o domínio, ou pelo menos um semidomínio, das decisões
políticas em Washing-ton. Seus propósitos permanecem obscuros.
É possível que tenham êxito? O mundo é demasiado complexo para que
um único país possa dominá-lo. E, com exceção da sua superioridade
militar em armamentos de alta tecnologia, os Estados Unidos contam
com trunfos decrescentes, ou potencialmente decrescentes. Sua economia,
embora grande, representa uma proporção decrescente da economia global
e é vulnerável tanto no curto quanto no longo prazo. Imagine se amanhã a
Organização dos Países Exportadores de Petróleo resolver trabalhar
suas contas em euros e não em dólares.
Ainda que os Estados Unidos conservem algumas vantagens
políticas, a maioria delas foi jogada pela janela nos últimos dezoito
meses. O país dispõe dos trunfos menores resultantes da dominação da
cultura mundial pela cultura americana e pela língua inglesa. Mas o
trunfo principal para os projetos imperiais, no momento, é o militar.
O império americano não tem competidores no setor militar e isso deve
prosseguir no futuro previsível. Tal situação não significa que essa
vantagem será absolutamente decisiva, só porque ela é decisiva em
guerras localizadas. Mas na prática ninguém, nem mesmo os chineses,
tem condições de competir com o nível tecnológico dos americanos.
Impõem e aqui considerações cuidadosas sobre os limites da superioridade
tecnológica.
158

É claro que os americanos, teoricamente, não querem ocupar


o mundo inteiro. O que eles querem é ir à guerra, colocar governos
amigos no poder e voltar para casa. Mas isso não vai funcionar. Em
termos puramente militares, a Guerra do Iraque foi um grande êxito.
Mas, como esse êxito foi puramente militar, negligenciaram-se os
aspectos relativos ao que se deve fazer quando se ocupa um país:
governá-lo, supri-lo e conservá-lo, como os britânicos fizeram no
modelo colonial clássico da índia. O modelo de "democracia" que os
americanos querem oferecer ao mundo através do Iraque é um não-modelo e
não tem relação com o fim proposto. A crença de que os Estados Unidos
não precisam de aliados autênticos entre os demais países nem de apoio
popular autêntico nos países que seus soldados conquistam (mas não
conseguem governar) é uma fantasia.
A Guerra do Iraque é um exemplo da frivolidade do processo
de tomada de decisões dos Estados Unidos. O Iraque é um país
que foi derrotado pelos americanos e se recusou a prostrar-se. Um
país tão enfraquecido que podia ser derrotado com facilidade. Ele
possui algo de valor - o petróleo -, mas a guerra foi basicamente um
projeto para mostrar poder perante o mundo. A política de que estão
falando os malucos de Washington, uma reformulação completa de todo o
Oriente Médio, não faz sentido. Se eles planejam derrubar o reino
saudita, o que é que vão pôr no lugar? Se realmente querem mudar o
Oriente Médio, sabemos que o que mais precisam fazer é pressionar
Israel.
O pai de Bush estava disposto a fazê-lo, mas o atual ocupante da Casa
Branca não está. Em vez disso, seu governo destruiu um dos dois Estados
garantidamente seculares do Oriente Médio e se prepara para agir
contra o outro, a Síria.
A vacuidade dessa política fica clara pela maneira como os
objetivos foram descritos em termos de relações públicas. Expressões
como "eixo do mal" ou "mapa do caminho" não constituem
159
linhas políticas, e sim simples sons que encerram seu próprio
potencial político. A linguagem artificial onipresente que tem
inundado o mundo nos últimos dezoito meses é uma indicação da
ausência de uma política efetiva. Bush não faz política, e sim uma
apresentação de palco. Dirigentes como Richard Perle e Paul Wblfowitz
falam como Rambo, tanto em público quanto em privado. A única coisa que
importa é o poder avassalador dos Estados Unidos. Em termos reais, eles
querem dizer que os Estados Unidos podem invadir qualquer país
suficientemente pequeno para conquistar vitórias rápidas. Isso não é uma
política. Nem vai funcionar. As conseqüências dessa situação para os
Estados Unidos serão muito perigosas. Internamente, o perigo real que
corre um país que se lança ao controle do mundo por meios essencialmente
militares é sua própria militarização. Esse perigo tem sido seriamente
subestimado.
Do ponto de vista internacional, o perigo é a desestabilização
do mundo. O Oriente Médio é apenas um exemplo disso: muito
mais instável agora do que dez ou mesmo cinco anos atrás. A ação
dos Estados Unidos enfraquece todos os arranjos alternativos,
formais e informais, para a manutenção da ordem. Na Europa, ela
afundou a Organização do Tratado do Atlântico Norte, o que não
chega a ser uma grande perda. Mas tratar de transformar a OTAN
no agente policial global em prol dos Estados Unidos é uma desfaçatez. A
ação americana sabotou deliberadamente a União Européia e visa
sistematicamente arruinar outra das grandes conquistas mundiais dos
últimos sessenta anos - os sistemas de bem-estar social, prósperos
e democráticos. A crise amplamente noticiada em torno da credibilidade
das Nações Unidas é muito menos dramática do que parece, uma vez que a
ONU nunca foi capaz de operar de maneira mais do que marginal, devido à
sua total dependência do Conselho de Segurança e do poder de veto
dos Estados Unidos.
160

Como pode o mundo confrontar - ou conter - os Estados


Unidos? Alguns, acreditando não ter poder para confrontá-los,
preferiram aderir. Mais perigosos ainda são os que detestam a
ideologia do Pentágono, mas apoiam o projeto americano acreditando que
seu avanço eliminará injustiças locais e regionais. Isso pode ser
chamado de imperialismo dos direitos humanos e foi alimentado pelo
fracasso da Europa nos Bálcãs, na década de 1990.
A divisão da opinião pública quanto à Guerra do Iraque mostrou
que existe uma minoria de intelectuais influentes, que inclui
Michael Ignatieff nos Estados Unidos e Bernard Kouchner na
França, que estava disposta a apoiar a intervenção americana porque
acreditava ser necessário o uso da força para remediar os males do
mundo.
é perfeitamente possível afirmar que existem governos tão ruins que seu
desaparecimento será um benefício para o mundo. Mas isso nunca poderá
justificar o perigo global trazido pela criação de um poder mundial que
basicamente não tem interesses específicos em um mundo que não chega a
compreender, mas tem a capacidade de intervir militarmente de maneira
decisiva onde quer que alguém faça algo que Washington não aprecie.
Contra esse pano de fundo, pode-se ver a pressão crescente
sobre a imprensa, porque, em um mundo em que a opinião pública
conta tanto, ela também sofre enormes manipulações. Durante a
Guerra do Golfo, em 1990-91, fizeram-se tentativas de evitar a situação
criada na Guerra do Vietnã, impedindo a presença da imprensa nas
proximidades da ação bélica. Mas elas não tiveram êxito porque a
imprensa, como a CNN, por exemplo, já estava em Bagdá, relatando
histórias que não se enquadravam nos cenários que Washington queria
divulgar. Desta vez, na Guerra do Iraque, o controle novamente não
funcionou, razão pela qual a tendência será buscar maneiras mais
efetivas de agir. Elas podem tomar a forma de um controle direto, e até
o último recurso do controle
161

tecnológico, mas a ação conjugada dos governos e dos donos


monopolistas dos meios de difusão será empregada para produzir
efeitos ainda maiores do que os obtidos com a Fox News, ou por
Silvio Berlusconi na Itália.
É impossível prever a duração da atual superioridade ameri cana.
A única coisa da qual temos certeza absoluta é que se trata de um
fenômeno historicamente temporário, como ocorreu com todos os impérios.
No período de nossa vida vimos o fim de todos os impérios coloniais, o
fim do chamado império dos mil anos dos alemães - que durou apenas
doze - e o fim do sonho da União Soviética de liderar uma revolução mundial.
Existem razões internas pelas quais o império americano
pode não ser duradouro, e a mais imediata delas é que a maioria
dos americanos não está interessada no imperialismo e na domi nação
mundial no sentido de governar o mundo. O que interessa a eles é o que
lhes acontece dentro dos Estados Unidos. A fragilidade da economia
americana é tal que em algum momento tanto o governo quanto os eleitores
americanos chegarão à conclusão de que é muito mais importante
concentrar os esforços na economia do que continuar a fazer aventuras
militares no exterior. Ainda mais porque essas intervenções militares
terão de ser pagas sobre-tudo pelos contribuintes americanos, o que não
ocorreu na Guerra do Golfo nem, em grande medida, na Guerra Fria.
Desde 1997-98 estamos vivendo uma crise da economia capitalista
mundial. Ela não entrará em colapso, mas, apesar disso, não é provável
que os Estados Unidos consigam prosseguir com seus ambiciosos projetos
internacionais e lidar, ao mesmo tempo, com sérios problemas internos.
Inclusive para os padrões dos pequenos negócios locais, Bush não tem
uma política econômica adequada para os Estados Unidos. E a atual
política internacional do seu governo não é particularmente racional
nem para os interesses imperiais americanos, nem para os interesses
globais, nem, com
162

certeza, para os interesses do capitalismo americano. Daí vêm as


divergências de opinião no seio do governo dos Estados Unidos.
A questão-chave do momento é: o que vão fazer os americanos
agora e como os outros países vão reagir? Alguns deles - como a
Grã-Bretanha, o único membro autêntico da coalizão dominante
-continuarão a apoiar tudo o que os Estados Unidos planejarem?
Essencialmente, seus governos devem indicar que há limites para o
que os americanos podem fazer com seu poderio. A contribuição
mais positiva até agora foi feita pelos turcos, que simplesmente disseram
que há coisas que eles não estão dispostos a fazer, mesmo sabendo que
valeria a pena. Mas, neste momento, a preocupação maior é, se não a de
conter, pelo menos a de educar, ou reeducar, os Estados Unidos. Houve
um tempo em que o império americano reconhecia a existência de
limitações, ou pelo menos a conveniência de comportar-se como se tivesse
limitações. Isso se devia basicamente ao fato de que tinha medo de
alguém mais, a União Soviética. Na ausência desse tipo de medo, é
preciso que o interesse próprio esclarecido e a cultura tomem seu lugar.
163

Notas
1. GUERRA E PAZ NO SÉCULO XX [pp. 21-35]

1. Estimativa de Z. Brzezinski, Out ofcontrol: Global turmoil on the eve


ofthe
21" century (Nova York, 1993); estimativa populacional de Angus Maddison, The
world economy: A millenial perspective (OCDE, Paris, 2001), p. 241.
2. Veja StiftungEntwicklung und Frieden, Globale Trends 2000: Fakten,
Analysen, Prognosen (Frankfurt a/M, 1999), p. 420, Schaubild 1.
3. Dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, The
state of the world's refugees 2000: Fiftyyears of humanitarian action (Oxford,
2000).
4.0 melhor guia neste tema é de Roy Gutman e David Rieff (eds.), Crimes
ofwar: What the public should know (Nova York e Londres, 1999).

2. GUERRA, PAZ E HEGEMONIA NO INÍCIO DO SÉCULO XXI [pp. 36-53]

1. Paul Bairoch, De Jérichoà México: Villes etéconomies dans Vhistoire


(Paris,
1985), p. 634.
2. Patrick Radden Keefe, "Irak, America's private armies" New York Review
ofBooks, 12/8/2004, pp. 48-50.
3. Daily Mail (Londres), 22/11/2004, p. 19.
4. Margareta Sollenberg (ed.), States in armed conflict2000 (Uppsala,
2001);
165

Internai displacement: A global overview of trends and developments in 2003


(http://www.idpproject.org/global_overview.htm).
5. John Steinbrunner e Nancy Gallagher, "An alternative vision of global
security", Daedalus, verão de 2004, p. 84.
6. Angus Maddison, Véconomie mondiale 1820-1992. Analyse et statistique
(OCDE, Paris, 1995), pp. 20-1. Os dados sobre o Egito começam a partir de 1900.

3. POR QUE A HEGEMONIA DOS ESTADOS UNIDOS DIFERE DA


DO IMPÉRIO BRITÂNICO [pp. 54-76]

1. Niall Ferguson, Colossus: The rise and fali of the American empire (Lon-
dres, 2005).
2. Uppsala, Uppsala conflict data project (Armed conflicts 1945-2004),
prio.no/cwp/ArmedConflict. Consultado em 17/6/2006.
3. Dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, The
state ofthe world's refugees: Human displacement in the new millennium (Oxford,
2006), cap. 7,fig.7.1.
4. Ferguson, op. cit., p. XXviii.
5. TLS (Londres), 29/7/2005.
6. Ferguson, op. cit, p. 42.
7. Friedrich Katz, The secret war in México: Europe, the United States and
the
Mexican Revolution (Chicago e Londres, 1981).
8. Howard F. Cline, México, revolution to evolution (Oxford, Nova York e
Toronto, 1962), p. 141.
9. Christopher Bayly e Tim Harper, Forgotten armies: The fali ofBritish
Asia
1941-1945 (Londres, 2004).
10. Liga das Nações, Industrialisation andforeign trade (Genebra, 1943),
p. 13.
11. UNIDO Research UpdateNal (Viena, janeiro de 2006), tabela, p. 5.
l2.AnneHo\hnáer,Sexandsuits:TheevolutionofmoderndressCNovaYork,
1994).
13. Jean-Christophe Dumont e Georges Lemaitre, "Counting immigrants
and expatriates in OECD countries: A new perspective", OECD Social Employment
and Migration WorkingPapers AP 25 (OCDE, Paris, 2003/2006).
14. F. J. Turner, "Western state-making in the revolutionary era", American
HistoricalReviewI, 1/10/1895, pp. 70 ss.
15. Henry Nash Smith, Virgin land: The American west as symbol and myth
(Nova York, 1957).
166

16. Eric Foner, The story of American freedom (Londres, Basingstoke e


Oxford, 1998), p. 38.
* 17. Hannah Arendt, On revolution (Nova York e Londres, 1963).
18. Gwyn A. Williams, Madoc: The makingofa myth (Oxford, 1987).
19. Angus Maddison, Véconomie mondiale 1820-1992. Analyse et statisti-
ques (OCDE, Paris, 1995), tabela 3.3.
20. Calculado a partir de Herbert Feis, Europe, theworld's banker 1870-1914
(New Haven e Londres, 1930), p. 23, e Cleona Lewis, America's stake in
internatio-
nal investiments (Washington, D. C, 1938), ap. D, p. 606. A taxa de câmbio
dólar/libra foi estimada em 4,5:1.
21. Eric J. Hobsbawm, com Christopher Wrigley, Inàustry and empire (Lon-
dres, 1999, nova edição), tabela n32a.
22. Dr. F. X. von Neumann-Spallart, Uebersichten der Weltwirthschaft von
Dr.F.X. von Neumann-Spallart Jahrgangl883-84 (Stuttgart, 1887),pp. 189,226-
7,352-3,364-6.
23. Angus Maddison, The world economy: A millennial perspective (OCDE,
Development Centre, Paris, 2001), ap. F 5.
24. W. W. Rostow, The world economy: History and prospect (Londres e
Basingstoke, 1978), pp. 72-3,75.
25. The Economist, Pocket World in Figures, edição de 2004 (Londres, 2003),
p. 32.
26. Victoria de Grazia, Irresistible empire: America's advance through
twen-
tieth-century Europe (Cambridge, Mass., e Londres, 2005), p. 213.
27. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento-PNUD (United
Nations Program for Development - UNDP), World Report on Human Develop-
ment {Bruxelas, 1999), tabela 11.
28. Jeffry A. Frieden, Global capitalism (Nova York e Londres, 2006), pp.
132,381.
29. De Grazia, op. cit., p. 1.
30. Frieden, op. cit., p. 133.
31. E. D. Hirsch Jr., Joseph F. Kett e James Trefil, The new dictionary of
cultu-
ral literacy (Boston e Nova York, 2002).

4. SOBRE O FIM DOS IMPÉRIOS [pp. 77-85]

1. Jan Morris,"Islam's Lost Grandeur", The Guardian, 18/9/2004, p. 9-crí-


tica sobre Salônica, city of ghosts: Christians, Muslims and Jews 1430-1950, de
MarkMazower (Londres, 2004).
167

5. AS NAÇÕES E O NACIONALISMO NO NOVO SÉCULO [pp. 86-96]

1. Principalmente Ernest Gellner, Nations and nationalism (Oxford, 1983),


Bcnedict Anderson, Imaginedcommunities: Reflexionson theorigins and spreadof
Nationalism (Londres, 1983), e A. D. Smith, Theories of nationalism (Londres,
1983). Veja também Eric Hobsbawm, Nations and nationalism since 1780 (Cam-
bridge, 1990).
2. Angus Maddison, The world economy: A millennial perspective (OCDE,
Development Centre, Paris, 2001),p. 128.
i.ElPais, 13/1/2004, p. 11.
4. Stalker's Guide to International Migration, tabela 5,"Developing
country
remittance receivers" (2001);(http://pstalker.com/migration/mg_stats_5.htm).
5. (http://money.cnn.com/2004/10/08/real_estate/mil_life/twopassports/).
6. Benedict Anderson, The spectre of comparisons: Nationalism, Southeast
Asia and the world (Londres e Nova York, 1998) pp. 69-71.
7. Pierre Brochand, "Economie, diplomatie et football", em Pascal Boniface
(ed.), Géopolitique du Football (Bruxelas, 1998), p. 78.
8. University of Leicester, Centre for the Sociology of Sport, Fact Sheet
16:
The Bosman ruling: Football transfers andforeignfootballers (Leicester, 2002).
9. Cf. David Goldblatt, The bali is round: A global history of football
(Lon-
dres, 2006),pp. 777-9. Vejatambém"Futbol, futebol, soccer: Football in the Amé-
ricas", Institute of Latin American Studies Conference, 30-31/10/2003, Londres
(http://www.sas.ac.uk/ilas/sem_football.htm).
10. Eric J. Hobsbawm, Nations and nationalism (edição Canto), p. 142.

6. AS PERSPECTIVAS DA DEMOCRACIA [pp. 97-II5]

1. John Dunn, The cunning ofunreason: Making sense ofpolitics (Londres,


2000), p. 210.
2. Herbert Tingsten, Political behaviour: Studies on election statistics
(Lon-
dres, 1937), pp. 225-6; Seymour Martin Lipset, Political man: The social bases
of
politics (edição de capa mole, Nova York, 1963), pp. 227-9.
3. Prospect, agosto-setembro de 1999, p. 57.
4. International Herald Tribune, 2/10/2000, p. 13.
5.1bid.
168

8. O TERROR [pp. 121-37]


# 1. Sigo o relato de Lawrence Wright, The looming tower (Londres, 2006),
pp.
123-5,174-5.
2. Carlos Ivan Degregori et cã, Tiempos de ira y amor: Nuevos actorespara
viejos problemas (Lima, 1990) é excelente a respeito do fenômeno do Sendero
Luminoso.
3. Martin Pollack, The dead man in the bunker (Londres, 2006), sobre a vida
e a carreira de um proeminente oficial da ss.
4. Juan Carlos Marín, Los hechos armados: Argentina 1973-76(Buenos Aires
1996), p. 106, quadro 8.
5. Sigo a linha de argumentação de Diego Gambetta, com base no material
de Diego Gambetta (ed.), Makingsense of suicide missions (Oxford, 2005).
6. Gambetta, op. cit., p. 260.
7. Gambetta, op. cit., p. 270.
8. Wright, op. cit., pp. 327-8.
9. Gambetta, op. cit., pp. 327-8.

9. A ORDEM PÚBLICA EM UMA ERA DE VIOLÊNCIA [pp. I38-51]

1. Online etymological dictionary.


2. Eric Monkkonen, "Explaining American exceptionalism", American His-
tórica/ Review III, n" 1, fevereiro de 2006.
3. Danielle Tartakowsky, Lepouvoir estdans la rue: Crisespolitiques et
mani-
festations en France (Paris, 1998), "Conclusion", especialmente p. 228.
4. Moisés Naim, Illicit (Nova York, 2005).
5. Chris E. McGooey,"Gated communities: Acces control issues"
(www.crimedoctor.com/gated.htm).
169

índice remissivo
11 de setembro de 2001, ataques de, 17,
25,51,52,135,139,149,151
7 de julho de 2005, atentado a bomba
de (Londres), 139

abássidas, 80
ação direta, 108
Afeganistão, 17,18,26,42,78,129,132;
AlQaedano, 132
Afeganistão, guerra no: "combatentes
ilegais", 59; e democracia, 116
África: agricultura, 37; antigos territó-
rios franceses, 84; cidades, 38; con-
flito étnico e religioso, 130,132; e
futebol, 93,94; emigração, 90; Esta-
dos falidos, 87; experiência do im-
pério, 78,82,104; genocídio e trans-
ferências de populações, 45, 88;
guerras, 22,24,45,129
África central, 16,35
África do Sul, 64, 65,103,134; apar-
theid, 103,134
África subsaariana, 22,38
África, oeste da, 88
agricultura, 36,37
água, fornecimento de, 105
aids, 57
AlFatah,130
AlQaeda, 124,125,131,132,135
Alemanha, 22; "império dos mil anos",
162; Alemanha imperial, 99; Ale-
manha nazista, 81; campeonatos de
futebol, 147; clubes de futebol, 93;
crescimento industrial, 44; econo-
mia, 71; globalização, 12; império
alemão, 78; métodos de controle de
massas, 141; violência política, 129
Alexandre, o Grande, 80
alfabetização, 39
algodão, 70
Alto Comissariado das Nações Unidas
para os Refugiados, 88,165,166
América Central, 23,59,90
América do Norte: cidades, 38; cresci
171

mento industrial, 44; e o império


americano, 63, 64; economia, 72;
educação, 39; indústria de armas,
139
América do Sul ver América Latina
América Latina (América do Sul), 50,
59,70,114,122,123,128,129,130,
134; cidades, 38; ditaduras, 18,100;
e democracia, 100,114; emigração,
90; Estados falidos, 87; guerras, 23;
influência da economia britânica,
69, 70; supermercados, 73; violên-
cia política, 123, 129,134
Américas, 22,37,40,78,81,94
Amin, Idi, 16
anarquismo, 132
Anderson, Benedict, 91,168
Angola, 30
anomia, 126
aquecimento global, 10,57
árabes, 81
Arábia Saudita, 131
Arendt, Hannah,66,167
Argélia, 49,64
Argentina, 94,169; violência política,
129
armas: biológicas, 46; controle de ar-
mas, 29; de alta tecnologia, 24,157;
de destruição em massa, 149; dis-
ponibilidade de, 41, 84, 87, 104,
139,150; venda de, 156
armas nucleares, 46,49; e terrorismo,
136
Ásia, 122,135; agricultura, 37; cidades,
38; ditaduras, 18; e futebol, 94; eco-
nomias, 43, 73; educação, 38; ex-
periência do império, 78,81,104;
gastos militares, 74; genocídio e
transferências de populações, 45;
guerras, 45,79; monarquias here-
ditárias, 97
Ásia central, 22
Ásia ocidental, 22,88
Ásia oriental, 53,130
Ásia, Centro-Sul da, 88
Ásia, Leste da, 22,44,51,52,130
Ásia, Sudeste da, 22,37,60,78,130
Ásia, Sul da, 22,38,44,130
Associação dos Chefes de Polícia (Rei-
no Unido), 138
astecas, 68
"atirar para matar", política do, 148
Atlântico Norte, região do, 40,43
Austrália, 44,64,65,89,141
Áustria, 80,141

Bagdá, 161
Bálcãs, 16,18,33,57,78,87,117,161
Báltico, mar, 69
Banco Mundial, 29,58,109,111
Bangladesh, 24,38,90
beisebol, 62
Belfast,84
Bélgica, 32,141; império belga, 78
Benelux, 44
berberes, 84
Berlusconi, Silvio, 162
Bin Laden, Osama, 124,132
Blair, Tony, 46
Bósnia, 15,16
Bradford, incêndio no estádio em, 146
Brasil, 12,83,94; e futebol, 94
Brigadas Vermelhas, 129,132,133,136
British North America Act, 67
Brixton, tumulto de, 149
budismo, 122
Bulgária, 94
Bush.George (pai), 159
172

Bush, George W., 46, 56, 59,132,160,


162
*
Câmara dos Lordes, 30
Camboja (Kampuchea), 16,97
câmeras de controle de velocidade, 144
camponeses: assassinato de, 127; declí-
nio do campesinato, 37; rebeliões
de, 126
Canadá, 64,65,67,71,89,141
Caribe, 59,65,69,90
Carnaval de Notting Hill, distúrbios
no, 148
cartões de identidade, 146
Caxemira, 30,84,131,135
censos, 91,145
Chechênia, 30,87,130,131
Chile, 99,134
China, 11,30,45,152; apoio a Pol Pot,
16; campesinato, 37; crescimento
industrial, 44; educação, 39; globa-
lização, 12; Império Chinês, 23,78,
153; supermercados, 73
Churchill.Winston, 100
CIA (Agência Central de Inteligência),
145
cidadãos, 40,41,42; falta de confiança
no governo, 113; lealdade dos, 91,
95,96,104,106,143; participação
na política, 103,107
Cidade do México, 146
cingaleses, 121
CNN, 161; efeito CNN, 108
Colômbia, 23,30,84,88,100,130,132,
134; e democracia, 100; narcoban-
didos colombianos, 126
Colombo, Cristóvão, 68
"combatentes ilegais", 59
comércio ilícito, 144
complexo industrial militar, 156
comunicações, 25,37,43,90
Comunidade Britânica, 65
condomínios fechados, 146
Confederação Iroquesa, 68
Congresso dos Estados Unidos, 103,
112
conquista normanda, 63
Conselho de Segurança das Nações Uni-
das, 11,33,160
"Consenso de Washington", 58,75
Constituição dos Estados Unidos, 64
contrabando, 144
controle de massas, 140
Convenção de Genebra, 59
Convenções de Haia, 25,26
Cooper, James Fenimore, 64
Corão, 125
Coréia do Norte, 97
Coréia do Sul, 12,38,39,83,99
cosmopolitização, 90
Costa Rica, 122
crimes de guerra, 29
criollos, 68
críquete, 62
Croácia, 17
CRS (França), 148
Cruz Vermelha Intenacional, 46,125
Cuba, 64,70,98
Curdistão,42,109,130

De Gaulle, Charles, 157


delinqüência juvenil, 141
democracia, 13, 18, 50; "democracia
dos negócios", 73; democratização
interna, 18; disseminação da, 116,
117,118, 120; e capitalismo, 98; e
Estados nacionais, 99, 103, 104,
105,106, 115,118; e ideologia do
173

mercado, 105; e imperialismo, 48; e


Iraque, 159; e participação em elei-
ções, 103, 107, 119; e partidos de
massas, 112; e sátira, 100; mídia e,
107,108,112,113; perspectivas da,
97,98,99,100,101, 102,103,104,
105, 106, 107, 108, 109, 110, 111,
112,113,114,115
Departamento de Estado americano,
150
desarmamento, 29,125
descolonização, 84,87,137
desigualdade econômica e social, 11,
34,56
desindustrialização, 43,140
Detroit,73
Dinamarca, 141
diplomacia do dólar, 73
direito internacional, 30
direitos humanos, 53,155; imperialis-
mo dos, 14,18,161
distúrbios raciais, 148
dólar, 51,73,167
Domesday book, 66,67
Doutrina Monroe, 59,64
droga, cultura da, 126
Dunn,John,98,168
dupla nacionalidade, 90

educação, 39,95; escolas, 105


Egito, 48,83,124,131,166
Eisenhower, Dwight D., 156
"eixo do mal", 159
El Salvador, 90
eleições, participação em, 103, 107,
119
Elias, Norbert, 141
empresas transnacionais, 41,114

174
empréstimo à Grã-Bretanha (1946),
74
Escócia, 66,67,95
Espanha, 106; clubes de futebol, 93; e
conflito basco, 31, 42, 56, 84, 145;
imigração, 89; império espanhol,
60,78,152; métodos de controle de
massas, 141; racismo e futebol, 95;
separatismo, 32; tribunais, 30; vio-
lência política, 131,134
esportes, 62
Estados falidos e fracassados, 56,87
Estados nacionais: aumento em nú-
mero, 79, 87, 114; diminuição do
papel do Estado, 105; e democracia,
98, 99, 104, 105, 106, 114, 118; e
experiência do império, 80, 82; e
globalização, 28,58,153; e lealdade
dos cidadãos, 91,95,96; e monopó-
lio da força armada, 30,42,87,104,
106,125,143; e nacionalismo, 86,
87,88,89,90,91,92,93,94,95,96; e
ordem pública, 142, 143, 144,145;
mitos fundadores, 67; renda do
Estado, 104
Estados Unidos: "ameaças à América",
51; "imperialismo moral", 60; abo-
lição do serviço militar, 144; apoio
a Pol Pot, 16; autodefinição políti-
ca, 55; bases militares, 61,65, 154;
condomínios fechados, 146; desti-
no manifesto, 52; divisões internas,
51,162; e "guerra contra o terror",
45,46; e ameaça de guerra mundial,
45; e democracia, 13,49,99,159; e
economia da América Latina, 69,
70; e Guerra do Iraque, 120; e reso-
lução de disputas, 32,33,117; eco-
nomias^, 50,51,52,61,70,71,

72, 73, 74, 156, 157, 162; eleições


presidenciais, 103; em comparação
oím a Grã-Bretanha, 63,64,65,66,
67, 68; êxito dos narcobandidos
colombianos, 126; expansão cultu-
ral, 49,73,74,158; expansionismo,
69; falta de confiabilidade dos cen-
sos, 91; fechamento do espaço aéreo
após o 11 de Setembro, 25; frontei-
ras, 63,67; funções do Estado, 67,
109,112; globalização, 12; hegemo-
nia, 13, 14, 15,28,47-75,85, 117,
118,152-63; imigração, 63,68,89,
91, 154; impopularidade, 51, 53,
157; industrialização, 70, 71, 72;
inimigos ideologicamente defini-
dos, 68; intervenções na América
do Sul, 59; isolacionismo, 15; mé-
todos de controle de massas, 141;
militarização, 156,160; mito fun-
dador, 67,68; origens revolucioná-
rias, 66, 117; posse de arma, 125,
139,143; práticas colonialistas, 79,
154; protecionismo, 65, 71, 111;
reações ao terrorismo, 131, 135,
136; renda do Estado, 104; superio-
ridade militar, 47,48,49,50,58,85,
117,157,158; supremacia aérea, 61;
tamanho da população, 68,69,154;
taxa de homicídios, 143; tolerância
para com a violência, 125
ETA.31,57,124,129,132,133,136,139,
145
Etiópia, 22
euro: área do euro, 71
Europa, 155; "estrangeiros hereditá-
rios", 68; abolição de controles de
fronteiras, 144; agricultura, 37; ci-
dades, 38; clubes de futebol, 93;
colapso dos regimes comunistas,
32,79,102;eaOTAN,49,160; econo-
mias, 71, 72, 73, 74; educação, 38;
escala da globalização, 12; fabrica-
ção de armas, 139; fracasso nos Bál-
cãs, 160; guerras, 22,57,79; imigra-
ção, 90; industrialização, 70, 72;
ordem pública, 34; plano Marshall,
74; taxa de homicídios, 143; tecno-
logia militar, 157; violência políti-
ca, 133
Europa ocidental, 41; economias, 48;
imigração, 89; violência política,
129
Europa, Sudeste da, 22,45,88
expulsão de populações, 57
Extremo Oriente, 73; soviético, 21

Faixa de Gaza, 84
Federação Russa, 87,130
Ferguson, Niall, 55,60,166
Filipe da Espanha, 63
Filipinas, 37,79,90
Finlândia, 140
forças especiais de elite, 126
FoxNews, 162
Fração do Exército Vermelho, 129
França, 38, 44; clubes de futebol, 93;
esquadrão policial antidistúrbios,
148; fricção com Estados Unidos,
157; império francês, 38, 78; mé-
todos de controle de massas, 141;
monarquia absoluta, 62; perda da
Argélia, 49; república, 106; revolu-
cionária, 15,67,155; separatismo
corso, 56; violência urbana, 143
Franco, sucessor do general, 129
fronteiras internacionais, 34
Fukuyama, Francis, 106
175

Fundo Monetário Internacional, 29,


58,109
futebol, 62, 92, 93,94, 138,144, 146,
168; policiamento no, 147

galeses, 68
Gandhi, Indira, 131
Gandhi,Rajiv,131
GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e
Comércio), 58
Gêngis Khan, 80
genocídio, 15,16,45,57,63,79,130
Geórgia, 97
Gibraltar,154
Giuliani, Rudy, 147
globalização, 24,41,42,43,61, 72,73,
83, 144,155; antipatia pela, 111; e
debilitação da democracia, 102,109;
e mercado livre, 10,11,12, 47, 55,
72; e universalidade dos assuntos
de interesse humano, 117; globali-
zação do movimento, 89,91; limi-
tações políticas, 28,58,153
golfe, 62
Grã-Bretanha (Reino Unido), 106,163;
aumento das forças policiais, 140;
bases militares, 61,154; campeona-
tos de futebol, 146; centralização da
política, 112; classe dominante, 62;
comparação com os Estados Uni-
dos, 62,63,64,65,66,67,68; condo-
mínios fechados, 146; descoloniza-
ção, 75; e conflito com Irlanda do
Norte, 28, 31,42, 56, 84,145, 149,
150; e fundação dos Estados Uni-
dos, 68,75; e Guerra do Iraque, 120;
economia, 44,61,68,69,70,71,72,
140, 155; emigração, 63; falta de
confiabilidade dos censos, 91,146;
globalização, 12; medo da guerra,
44; métodos de controle de mas-
sas, 141; Parlamento, 106; resulta-
dos eleitorais, 112; separatismo,
32; supremacia naval, 61, 75,154;
tamanho e fronteiras, 62, 63, 69,
153,155; ver também Império Bri-
tânico
Grande Depressão, 71
grandes potências, 14,15,31,47,58,
59,118,153
Greenspan, Alan, 111
gripe aviaria, 57
Guatemala, 90
"guerra assimétrica", 87
guerra civil americana, 52,65,68
Guerra da Coréia, 22,74
Guerra do Chaco, 22
Guerra do Golfo, 26,51,161,162
Guerra do Iraque, 14,17,45, 46,117,
159; "combatentes ilegais", 59; con-
trole da mídia, 161; decisão de ir à
guerra, 120; divisão de opiniões so-
bre, 161; e democracia, 116, 117;
objetivos, 159; sucesso militar, 159
Guerra do Vietnã, 144
Guerra dos Bôeres, 59
Guerra dos Trinta Anos, 21,47
guerra fria, 18,21,26,32,33,50,51,57,
74, 79, 154, 157, 158, 162; conse-
qüências econômicas, 71,74; e de-
clínio na violência, 128; e disponi-
bilidade de armas, 42,84,87,139; e
integridade das fronteiras nacio-
nais, 88; fim da, 22, 24, 31,32, 49,
79, 86, 101, 153, 156; guerras por
procuração durante a, 24; invenção
do neologismo, 26; premissas e
176

retórica, 31,32,153,156; tentativa


americana de revivê-la, 136
Guéf ra Irã-Iraque, 129
guerras: "guerras sujas", 123,134;acor-
dos de paz, 32,33; civis e não-com-
batentes, 24,25,45,57; convenções,
25, 26,135; doutrina de Rumsfeld,
52; e impérios, 60; guerras civis, 22,
23,26, 88,130, 132; guerras mun-
diais, 21, 23, 26, 44, 73, 101, 128,
143; guerras religiosas, 128; guerras
totais, 102,104; instituições deguer-
ra, 150; medo da guerra, 44; perigo
de guerra global, 46,52,56; reação
às guerras nos Bálcãs, 57; retórica
de guerra, 26,27,45,149; século XX,
21,22,23,24,25,26,27,28,29, 30,
44,57,90,128; século XXI, 30,31,32,
33,34,35,44,45,46
guerras indo-paquistanesas, 129

Habsburgo, império dos, 78,80


Haiti, 90
Hamas, 130,131
Havaí, 65
Heysel, estádio, 146
Hezbollah, 130
hinduísmo, 121
hipercidades, 37,38
história, 54; fim da, 36
Hitler,Adolf,78,128
Hobbes, Thomas, 21,54,98
Holanda: clubes de futebol, 93; impé-
rio holandês, 60,69,78,153; méto-
dos de controle de massas, 140; ra-
cismo e futebol, 95
Hollywood, 50
homens-bombas, 122,136
homicídio, 28.127; político, IS11 tUUI
de, 143
"hooliganismo", 95,146
Hungria, 94
Hussein, Saddam, 17
Hyde Parle, 143

Idade Média, 57,141


Iêmen, 97
Ignatieff, Michael, 161
IKEA, 10
Iluminismo, 66
imperialismo, 13,14,18,42,48,55,59,
60,81,83,93,97,161,162; "moral",
60; fim da era do, 78; ver também
impérios
Império Britânico, 48, 54, 60, 65,66,
69,74,75,153,154,155,156; declí-
nio, 155; e descolonização, 75; e dis-
seminação da língua inglesa, 61,74;
e economia mundial, 60,64,65,69,
70, 72,155; e precedentes para os
Estados Unidos, 58, 60, 61,64, 65,
66,68,69, 70,72,74,152,153, 154,
155, 156; tentativas dos Estados
Unidos de enfraquecê-lo, 74
Império Otomano, 78
Império Romano, 58,62,80,153
impérios: alemão, 78; americano, 48,
58,59,73,74,75,152,153,154,155,
156, 157, 158, 159, 160, 161, 162,
163; aquiescência local em, 42,82,
83, 104; belga, 78; chinês, 23, 78,
153; conseqüências culturais dos,
61,62; debates atuais sobre, 54,55;
e democracia, 48; e descolonização,
75, 87; e mitos fundadores, 82;
espanhol, 60, 78,152; fim dos, 77,
78,79,80,81,82,83,84; francês, 38,
177

78; holandês, 60,69,78,153; japo-


nês, 78; nostalgia dos, 80; português,
69, 78; russo, 63,69, 78; soviético,
79; ver também Habsburgo, impé-
rio dos; Império Britânico; Império
Otomano; Império Romano
impostos, 30,41,81,108; e eleições, 110;
isenções fiscais, 71
incas, 68
Índia, 11,136,159; campesinato, 38; e
Caxemira, 84, 135; e dissidência
armada, 42,135; e Sri Lanka, 121;
economia, 48; educação, 39; expe-
riência do império, 83; globaliza-
ção, 12; hino nacional, 83; métodos
de controle de massas, 140; mis-
sionários na, 66; posição das mu-
lheres, 39
Indochina, 22,38
Indonésia, 37
Inglaterra, 66,67,116; clubes de fute-
bol, 93; condomínios fechados, 146;
futebol e nacionalismo, 95
insurreição dos Montoneros, 129
insurreição naxalita, 135
internet, 37,139,150
intervenções humanitárias, 14,15,16,
17,117
Irã, 16,129; revolução, 130
IRA (Exército Republicano Irlandês),
28,31,57,124,132, 133, 136, 139,
145,148,149,169; IRA Provisório,
124,132
Iraque, 16,26,41,42, 83; insurgência,
136; modelo de "democracia", 159
Irlanda, 66,141
Irlanda do Norte, 28,95,104,118,124,
129,132,133,143,146,149,150
Irmandade Muçulmana, 124
Israel,26,63,131,136,159
Itália: clubes de futebol, 93; conquista
da Etiópia, 23; crescimento econô-
mico negativo, 44; e democracia,
109,110; métodos de controle de
massas, 141; separatismo, 32; vio-
lência política, 129,131,133
Iugoslávia, 14,32,88

Japão, 21, 63; e democracia, 98, 111;


economia, 44,51,72; globalização,
12; império japonês, 78; reforma
agrária, 74
Jihad Islâmica, 130
João Paulo ii, papa, 131
Jordânia, 90
Jordão, rio, 84
judeus, 63,91
JVP (Front de Liberação do Povo), 122,
123,124

Kalashnikovs (AK47S), 139


Kampuchea ver Camboja
Kipling, Rudyard, 59
Kosovo, 17
Kouchner, Bernard, 161

lã, 70
Lei de Empréstimo e Arrendamento,
74
leis americanas, 74
Levellers, 116
Líbano, 26,33,90,131
Libéria, 16
Líbia, 37
Liga das Nações, 55,166
limpeza étnica, 88
língua inglesa, 61,158
linguagem ofensiva, 141
178

linhas aéreas, 89
Livingstone, Ken, 143
Londres, 52; atentado a bomba, 135
Luxemburgo, 94

Madoc, príncipe, 68,167


Madri, atentado a bomba em, 135
Malásia, 37
Malvinas, ilhas, 154
Manchúria,21
mandans,68
"manutenção da paz", forças de, 33
maoísmo, 123
"mapa do caminho", 159
Marrocos, 26
martírio, 130
Marx.Karl, 12
Mazower, Mark, 81,167
McDonald's, 10
Mediterrâneo, região do, 77,81,128
Menezes, Jean Charles de, 148
mercados: como alternativa à demo-
cracia, 105; e desigualdade, 11,56;
e globalização, 10,11,12,47,56,72;
fracasso dos, 114; ideologia dos,
92,105
Metaxas, Yanni, 77
México, 23,59,64,70
Mianmar,38,45
mídia: e democracia, 108,112,113; e
polícia, 148; e terrorismo, 131,135,
136,151; e violência crescente, 127;
pressão americana, 161
migração de trabalhadores, 12,43; ver
também movimentos populacio-
nais
Mill,JohnStuart,99
mineiros, greves de, 148
Missouri, rio, 68
moda, 62
monarquia", 78,97"M
Moro.Aldo, 12"*
Motim Indiano, 25
Mounties, 67
movimentos populacional", HV,
ver também migração dc traba-
lhadores
mulheres, 141; emancipação das, 37,
39
mundo islâmico, 37,89
Muro de Berlim, queda do, 36,45,57

nacionalismo, 9,10,13,19,86,89,90,
91,95,168
Nações Unidas, 11, 29, 33, 50, 51, 55,
58,88,99,160,165,166,167;ereso-
lução de disputas, 33; países-mem-
bros, 31,42, 87,114
Naim, Moisés, 144,145,169
Namíbia, 94
não-combatentes, 23,25
Napoleão Bonaparte, 49
Napoleão in, imperador, 99
nativos americanos, 64
Negro, mar, 69
neoblanquismo, 129
Nepal, 132
Nevski, Alexandre, 67
Nigéria, 94
Norte da África, 90
Noruega, 92,122,138,139,140,141
NovaDélhi,19,20,53
NovaYork.135,147,151
Nova Zelândia, 65

OCDE (Organização para a Cooperação


e o Desenvolvimento Econômico),
37,63
Oceania, 39,72
179

opinião pública, 17,107,108,110,161;


e polícia, 148
ordem pública, 27,34,138, 140, 146,
147,148,150,169
Organização dos Países Exportadores
de Petróleo, 158
Organização Mundial do Comércio,
29,51,58
Oriente Médio, 22,26,53,88,159,160
Orwell, George, 54
OTAN (OrganizaçãodoTratadodo Atlân-
tico Norte), 49,160

Pacífico, oceano, 64,69,78,154


Pacífico, região do, 65,72,79,81
País Basco, 133
Pais Fundadores, 67
Palestina, 64,130,131,133,134
palestinos, 26; homens-bombas, 133,
136
Papua-Nova Guiné, 97
Paquistão, 24,37, 98,122; e democra-
cia, 97
Paris, 62; revolta estudantil, 143
Parlamento Europeu, 103
Partido dos Trabalhadores do Curdis-
tão, 130
passaportes, 91,94
pax americana, 58
pax britannica, 48,58
pax romana, 58
Pedro, o Grande, 69
Pentágono, 22,83,161
Perle,Richard,160
Peru, 123,134
petróleo, 159; preços, 109
Pinochet, general Augusto, 30,134
plano Marshall, 74
pobreza, 11,12,113 •
PolPot,16,97
polícia, 27,41; aumento no tamanho
das forças da, 140; desarmada, 143;
e futebol, 147; e ordem pública,
138,140,143,147,148,150;reações
ao terrorismo, 133
Polônia, 94
Porto (Portugal), 38
Porto Rico, 64
Portugal, 38; clubes de futebol, 93;
império português, 69,78
Praga, 109
Primeira Guerra Mundial, 24, 26,70,
71,73,78,125
prisioneiros, 59,127
prisões, 40,41,105
privatização, 105
produtores primários do Terceiro Mun-
do, 51
produtos primários, 70,155
propaganda, 27, 74, 102; agências de
publicidade, 72
protecionismo, 71,111,156
protestantismo, 66
Prússia, 99
puritanos, 67
Putin,Vladimir,87

Rabin,Yitzhak,131
racismo, 95,97,122
Reagan, Ronald, 131
recrutamento, 126,130
refugiados, 24,45,57,88,133
Regras de Queensberry, 143
Reino Unido ver Grã-Bretanha
relações familiares, 142
rendição incondicional, 27,125
República de Weimar, 116
Revolução Francesa, 40
180

Revolução Russa, 26
revoluções, 26,66
Rio de Janeiro, 146
Roosevelt, Franklin Delano, 79
Ruanda, 88
Rumsfeld, Donald, 52
Rússia: guerra civil, 23, 126; Império
Russo, 23, 63, 69, 78; métodos de
controle de massas, 141; papel no
Kosovo, 17; recursos naturais, 69;
revolucionária, 15, 155; ver tam-
bém União Soviética

Sadat,Anwar, 131
Santa Helena, ilha de, 154
SARS (Síndrome Respiratória Aguda
Severa), 152
Seattle, 109
Segunda Guerra Mundial, 24,45, 56,
61,65,71,87,88,101,139,142,156;
baixas, 24,130; e desenvolvimento
do AK 47, 139; e o fim da era dos
impérios, 78; e pessoas deslocadas,
45,57,79,88; e política americana,
74; início e fim, 26
Segunda Internacional, 77
segurança, indústria da, 140
Sendero Luminoso, 123,127,169
Senegal, 90
Serra Leoa, 97
Sérvia, 17,111
serviços postais, 41
sindicatos, 110
Síria, 26,33,159
sistema métrico, 62
sistemas de bem-estar social, 12,160
Smith, Adam, 110
soldados, 24,57,62,113,126,127,141,
143,150,159
Somália, 131
SriLanka,30,83,84,118,121,122,123,
124,130,131,132
ss, 127,169
Stálin, Joseph, 67,128
Strachan, Hew, 59
Sudão, 88,94
Suécia, 97,131
sufrágio universal, 98,99,107,116,118
Suíça, 10,78,104,153
Summers, Larry, 111
supermercados, 73

Tailândia, 37,78
Taiwan, 38
Talibã,17
tâmeis, 122
Tanzânia, 16
Tchecoslováquia, 118
tecnologia militar, 157
televisão, 92,107,108,131
teocracias, 97,113
terrorismo: "guerra contra o terror",
46,118,134,136,149,150; e assas-
sinatos indiscriminados, 124,149;
e assassinatos políticos, 131,151; e
mídia, 131,135, 136; estatísticas,
150; fragilidade dos movimentos,
135; mudança na natureza do, 121,
122, 123, 124, 125, 126, 127,128,
129, 130, 131, 132, 133, 134,135,
136
Tessalônica, 19,77,78
Tigres Tâmeis, 122,130,131
Timor Leste, 16
Timur Lang, 80
Tocqueville, Alexis de, 66,99
tolerância zero, 147
tortura,49,126,127,134,142
"totalitarismo", 18
Trafalgar Square, 143
181

tráfico de escravos, abolição do, 155


Transcaucásia, 88
Tribunal Penal Internacional, 29
Tudor, Maria, 63
Tunísia, 37
Turner, Frederick Jackson, 63
Turquia, 37

Ucrânia, 100
Uganda, 16
umaiadas, 80
União Européia, 51,90,119,151,154; e
democracia, 98,100,114,119; eco-
nomia, 44, 50, 51; imigração, 89;
sabotagem dos Estados Unidos,
160; xenofobia crescente, 130
União Soviética, 31, 47, 49, 87, 139,
154,156, 162,163; colapso da, 18,
31,47, 51,56,86,87,137,157; fra-
casso do sistema, 111; homicídios
na, 127; império soviético, 79
urbanização, 38
Uruguai, 122,124,129
Uzbequistão, 65
velho Oeste americano, 67
Venezuela, 129
Vietnã, 16
vigilância, 43
violência: aumento da, 124,125,126,
138; e convicção religiosa, 127; po-
lítica, 129,130,131, 132,133, 134,
135,136; redução da, 141

Washington, George, 15
Waterloo, batalha de, 47
Webb, Sidney e Beatrice, 110
Webster, Noah, 68
Wilson, Woodrow, 60,73,79,117
Wodehouse, Pelham Grenville, 142
Wolfowitz, Paul, 160
World Trade Center (Torres Gêmeas),
22,139

xenofobia, 91,92,95,130
xiitas, 130
xingamentos, 141

Zimbábue, 94
182

1ª EDIÇÃO [2007] 2 reimpressões


ESTA OBRA FOI COMPOSTA PELA SPRESS EM MINION E IMPRESSA EM OFSETE
PELA GRÁFICA BARTIRA SOBRE PAPEL PÓLEN SOFT DA SUZANO
PAPEL E CELULOSE PARA A EDITORA SCHWARCZ EM JANEIRO DE 2008

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