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Eu tive o raro privilégio de viajar por aí, vivendo e trabalhando com pessoas negras em

diversos contextos. Isto tornou-me sensível ao modo como precisamos compreender a


especificidade de diferentes situações. Ao falar de Pan-Africanismo, ao falar de solidariedade
internacional no interior do mundo negro, seja qual for o setor que nele habitamos, temos
uma série de responsabilidades. Uma das mais importantes delas é definir nossa própria
situação. A outra é apresentar essa definição a outras partes do mundo negro, na verdade a
todo o mundo progressista. Uma terceira responsabilidade, e eu penso-as em ordem de
prioridade, é ajudar quem está em diferentes setores do mundo negro a refletir sobre a
especificidade da sua experiência.
Que nos enderecemos à nossa própria gente é a primeira prioridade – é assim que analisamos
aonde estamos. Em segundo lugar, podemos dizer a outros participantes na luta do Terceiro
Mundo: aqui está a análise, da nossa perspectiva, do que está acontecendo. Essas pessoas vão
apropriar-se dela e farão com ela o que pensarem ser adequado. Mas se elas têm um certo
senso de internacionalismo, levarão ela muito a sério. Elas dirão: este é o modo como um povo
vê a si mesmo. E apenas terceiramente então estarei em posição para dizer: a sua luta move-
se nesta direção, ou é assim que a sua análise parece estar funcionando, ou à luz de nossa
experiência aqui ou ali, gostaríamos de questionar este ou aquele aspecto.
Penso que isso deva ser dito logo à partida, em particular por haver uma tendência no interior
da comunidade negra neste momento a esperar uma certa determinação e completude nas
respostas a qualquer que sejam as questões levantadas. As pessoas estão à procura de
respostas, mas para ser franco, às vezes procuram-nas de maneira de algum modo pouco
criativa, já que não é algo realmente criativo virar-se para alguém e perguntar qual é a
resposta no sentido mais global do sentido desta palavra.

Há a tendência a se pensar que alguém em algum lugar tem a chave da questão, e eu não acho
que ninguém dentro desta sociedade ou nenhuma pessoa ou grupo tem essa chave, menos
ainda ousaria dizer que eu, vindo do exterior, teria. Mais do que isso, eu nem sequer estou
vindo de uma situação revolucionária aonde poderíamos dizer que passamos por esta
experiência ou triunfamos, e com base nessa prática temos uma importante experiência para
sumarizar e passar aos nossos irmãos e irmãs e camaradas em luta. Enquanto estivermos
presos à nossa própria luta, luta que no Caribe ainda possui um baixo nível de organização e
avanço, não me sinto realmente livre para falar com o nível de autoridade que às vezes as
pessoas parecem esperar. Digo tudo isto na esperança de que, seja o que eu comentar a
seguir, seja julgado à luz disto.

Também quero ressaltar como, nesta conjuntura, os diferentes padrões de desenvolvimento


nas várias partes do Terceiro Mundo podem às vezes serem confusos a pessoas em outros
setores do mesmo Terceiro Mundo. Se isto não é compreendido por completo, corre-se o risco
de incorrer em graves generalizações excessivas. Eu tenho em mento a questão da raça e da
classe, e o modo como este debate é retrato aqui [nos EUA], nomeadamente: raça e classe
correspondem respectivamente a nacionalismo e socialismo. Algo do mesmo debate corre
através do mundo Pan-Africano, mas não necessariamente na mesma forma, ou sem que
emerja das mesmas condições históricas. Portanto seria irrealista esperar que as respostas
fossem as mesmas, ou mesmo que as preocupações em particular fossem as mesmas seja
numa área ou noutra.
Os Moçambicanos, Angolanos e Guineenses, por exemplo, têm um maneira de sempre insistir
na prioridade da classe sobre a raça, numa linguagem similar à empregada hoje nos Estados
Unidos; mas o contexto é muito distinto, já que eles não estão presos a uma luta de negros
contra brancos. Quando falam sobre raça, ou quando dizem que uma certa posição não
deveria ser classista e não racista, o mais das vezes eles têm certas contradições em suas
próprias sociedades entre os ditos mulatos e os negros. Pode ser que haja algumas pessoas em
Angola que dizem que esta deve ser dos Angolanos negros, defendendo a expulsão dos
mulatos: é este o tipo de debate que é muitas vezes subliminar aos pronunciamentos de
Agostinho Neto ou Samora Machel acerca da questão raça-classe. Apesar de não querer entrar
nesse debate, penso que devemos ter atenção para não sermos presas de generalizações
supostamente válidas a todo o mundo Pan-Africano, já que, ainda que partilhemos uma
história comum de exploração e opressão, temos muitos aspectos do nosso dilema atual sobre
os quais, com o fim de maior precisão analítica, generalizar não ajuda. Temos que olhar para
cada especificidade histórica e o contexto do qual certos conceitos e termos se originam.
Mais do que isso, há também a questão de que, enquanto não se faz uma revolução,
tendemos a estar em contínua desvantagem quando nos defrontamos com outros povos que a
fizeram. É muito fácil que a visão de [Amílcar] Cabral seja generalizada, já que essa visão
representa não apenas a visão de um revolucionário, mas a visão de uma revolução, e de uma
revolução bem-sucedida.
No entanto, mesmo neste caso, temos de ter cuidado para que aquilo que saiu da mais bem-
sucedida revolução dos últimos tempos não se torne um modelo definitivo para toda gente.
Isto não acontece apenas no interior do mundo Pan-Africano. Tende a acontecer em todo o
lado. A Revolução Russa se torna o modelo definitivo da Revolução Chinesa que por sua vez se
torna o modelo definitivo das suas sucessoras, sendo Cuba a última palavra em revolução na
América Latina. Isso pode se tornar um impedimento à criatividade que só pode ser
ultrapassado quando se faz a própria revolução. A análise negra neste país falará com
autoridade do povo negro americano apenas quando nós realmente fizermos uma revolução.
Antes dela ser feita, o povo negro deste país não pode esperar ter suas posições respeitadas
seja em qual for o fórum internacional, como o Sexto Congresso Pan-Africano. Estas
clarificações iniciais devem ser mantidas em mente.

De modo a exemplificar a posição que defendo, Malcolm X e os Panteras Negros enquanto


grupo podem ser utilizados. Em dado momento, Malcolm X ingressou no movimento negro
nacionalista; era um ponto muito precoce do movimento pelos direitos civis, e Malcolm X foi
percebido por toda a gente por aquilo que ele era, um representante da ala esquerda do
movimento nacionalista daquele momento. Naquela circunstância mundial particular, ele tinha
de ser respeitado por aquilo que dizia. Se fôssemos apenas repetir aquilo que ele disse neste
momento, em 1975, tal repetição não teria muita credibilidade. As pessoas diriam: está bem,
mas para onde vamos a partir daqui? Malcolm X foi respeitado enquanto um líder nacionalista,
enquanto um dos mais avançados nacionalistas neste país se comparado com tudo o que
acontecia naquele momento.

Já no caso do segundo grupo, os Panteras Negras, já havia de fato um início da emergência da


questão de classe enquanto algo distinto da ênfase dada à raça neste país, mas expressa em
termos pouco específicos. O que os Panteras Negras diziam era: deveria haver uma ênfase na
classe ao invés de uma ênfase na raça. Isto foi imediatamente aceito pela esquerda. Foi
compreendida enquanto uma posição muito razoável, já que esta é a posição derivada das
experiências de Moçambique, Angola e outros países do Terceiro Mundo. Mas estou certo de
que a delegação Afro-Americana do Sexto Congresso Pan-Africano, incluindo aí os
progressistas, não foram capazes de impor suas visões sobre pessoas que vieram com a moral
adquirida nas lutas do FRELIMO ou a Revolução Cubana. As pessoas Afro-Americanas não
puderam impor sobre as outras qualquer análise específica derivada dos Estados Unidos. Isto
se expressou através da grande relutância que tinha a esquerda no congresso de acomodar-se
a qualquer palavreado que mesmo sugerisse a categoria de raça como algo viável. No
comunicado final, houve declarações que chegaram ao ponto de dizer que o Pan-Africanismo
não reconhece a raça ou a tribo ou qualquer coisa do tipo. No entanto, a raça do povo negro
neste país não deve ser dispensada enquanto uma etnia divisiva no interior de um país
Africano que vocês querem superar. Somos todo um povo. Como pode uma posição Pan-
Africana dizer-nos que não devemos reconhecer a raça?
É porque quando dizem raça, eles têm concepções distintas desta palavra em mente. O único
modo que nos permite convencer a esquerda internacional – e com isso falo, primeiramente,
sobre a internacional do Terceiro Mundo, antes mesmo de considerar a esquerda da Inglaterra
ou França ou a União Soviética – de que falar sobre a raça não é uma maneira curiosa de
escamotear o imperialismo ou coisa do tipo é através da ação revolucionária; a mera força da
análise não será suficiente para tornar essa posição válida. No fazer da revolução, a teoria no
qual sua prática se baseia deve ser levada a sério. Na minha compreensão da esquerda
internacional, eles permanecerão céticos e preconceituosos em relação a qualquer posição
que tente apreender a raça num sentido mais fundamental porque há um conjunto de
estereótipos reais expressos em suas reações a essa posição. Querem saber se você está
falando de algo do tipo “De Volta à África” ou eles querem pensar que você está falando sobre
sobre Pan-Africanismo ao invés de comunismo, do mesmo modo em que fala George Padmore
sobre a questão no título de seu livro [Pan-Africanism or Socialism? New York: Anchor Books,
1972].

É muito difícil. Eu trabalhei no comitê do Sexto Congresso Pan-Africano e foi difícil até com que
ficassem sentados para ouvir uma apresentação que dizia que aquelas de nós pertencentes ao
mundo Pan-Africano, ou à luta negra, que não têm problemas com a abordagem marxista ou o
internacionalismo, tendo-os como nossos objetivos, sentimos que há problemas muito
peculiares aos Estados Unidos e que as pessoas lá devem lidar com a questão da raça, integrá-
la na sua análise e não apenas acomodarem-se com o simplismo de que a classe é
fundamental e o racismo desaparecerá no curso da luta de classes. Não penso que essa
posição seria aceita sem algum avanço positivo no campo prático.

O meu ponto é que mesmo as Cubanas, quando falam em negro/branco ou questões raciais,
terão como foco de atenção, naturalmente, a sociedade Cubana. Em grande medida,
generaliza-se com base na própria experiência histórica, e as pessoas cubanas tenderiam a
pensar raça significa o mesmo em Cuba e nos Estados Unidos.
Em Cuba, não houve problemas para a aliança entre trabalhadores brancos e negros porque a
classe trabalhadora branca em questão também era colonizada, situada numa área periférica
da metrópole e o seu sistema de produção capitalista. Enquanto que nos Estados Unidos, a
classe trabalhadora branca é uma classe trabalhadora imperialista. Penso que não possa
compreender plenamente o que isso significa quem viveu fora desse contexto. Eu,
pessoalmente, não vivi. Tento compreender isso em virtude de aqui estar, muitas vezes
falando a pessoas que vivem aqui, socializadas no interior daqui – para compreender o porquê
dessa diferença básica. A minha reação a brancos e ao comportamento de brancos na minha
própria sociedade não é o mesmo que ao comportamento dos brancos nesta sociedade. Eu
não penso que isso possa se tornar visível às cubanas ou qualquer outro povo até que façamos
algum avanço na luta.
Portanto, eu penso que não seja apenas uma questão de análise. Alguém como James Boggs já
vem falando disso por muito tempo. O que tende a acontecer é que se alguém se manifesta
com esta posição, apenas enquanto posição, é provável que ela seja rebaixada. Olham para a
pessoa e dizem: bem, quem é esta pessoa, outra autoproclamada Marxista independente? É
algum trotskista? Mais uma tendência à Padmore? Há sempre este sentimento, não apenas
sentimento como também comportamento, por parte da esquerda internacional dominante
ao classificar e categorizar qualquer posição que venha de um dado país. Esse sentimento
nunca se remedia até que o povo daquele país passe a se movimentar.

Nesta sociedade, eu não encontrei nenhuma organização negra que se possa chamar, em
qualquer sentido, uma organização negra representativa, com clara percepção de sua direção.
Agora, isso é muito bem sabido. Mas não sei se é pedir demais à principal sociedade
imperialista no presente momento. A questão do atraso é, por certo, uma concepção
temporal, e esta concepção importante dependendo no quão distante e dentro de quanto
tempo esperamos pela realização de mudanças. Se, por exemplo, sua referência temporal é
apenas uma questão de anos e você diz, houve uma luta até 1969, de 69 a 75 não houve
realmente uma luta – eu diria que eu não penso que essa seja uma escala temporal efetiva.
Isso seria prender a nossa referência temporal à nossa própria vida, à nossa concepção de
horas e meses que vão passando, e é impossível impor a nossas vidas à história.
Nosso povo está engajado a um processo nesta sociedade desde a escravidão até o presente.
Vendo as coisas desse jeito, compreenderíamos que as mudanças do pós-Guerra desta
sociedade foram mais velozes e mais significantes que quaisquer mudanças prévias com
excepção da abolição da escravidão. Isto é verdadeiro numa escala global. Vendo-a do ponto
de vista de uma perspectiva história ampla, estamos falando sobre a transição de uma era
história para outra. Estamos falando de tentar criar uma completamente nova sociedade,
diferente da sociedade capitalista. Neste contexto mais geral, em que falamos legitimamente
em termos de décadas, eu não fico nem um pouco perturbado se parece haver um hiato de
dois ou três anos numa dada atividade.
Eu diria que este momento histórico, em sua generalidade, certamente toma direções
distintas. O meu sentimento acerca da direção que agora toma é que há um número de
pessoas tentando pensar sobre sérios problemas. Não estou certo de que isso é um atraso em
comparação ao fato de que há três anos um número de pessoas poderia estar tacando fogo
nas áreas interiores da cidade. Não sei se tal atitude representa mais uma luta ou um
movimento do que pessoas em luta consigo mesmas para tentar entender em que ponto
estão, que é o que eu acho que está acontecendo agora.
Muito do que foi feito no movimento pelos direitos civis era muito espontânea. A maioria,
historicamente positiva. A maioria delas nos ajudou a avançar para a posição na qual nos
encontramos, algumas não eram positivas. Mas todas elas devem ser tomadas como parte de
um movimento generalizado historicamente necessário. O fato é que, no presente momento,
as pessoas estão tentando lidar com a fraqueza histórica causada pela falta de uma ideologia
coerente. É porque é agora se levanta a questão que toda gente aceita que a carência é
enorme, e assim nós devemos também compreender a necessidade histórica por detrás das
procuras atuais. Não se trata de uma aberração histórica. Não é uma lacuna. Eu penso que é
uma resposta à necessidade histórica.
Falarei apenas daquilo que realmente vi porque não quero me dar a grandes formulações. O
que vi é que as pessoas estão tentando lidar com a questão do por onde, a nível ideológico,
nós pessoas negras nos movemos? Tanto quanto me concerne, este é um debate mais
generalizado, visto que este é um centro imperialista, do que aquele que sei estar a ser feito
entre a classe trabalhadora britânica, do que aquele feito entre a classe trabalhadora branca
deste país, do que aquele feito entre a classe trabalhadora francesa ou mesma a sua
intelligentsia. Aqui, um povo que veio pela estrada de uma efetiva luta pelos direitos civis, não
pelo socialismo ou qualquer outra coisa, um povo que atingiu um certo ponto de ruptura, que,
diferente da classe trabalhadora branca, está se perguntando questões fundamentais acerca
da reorganização da sociedade e o que isso significa a nível teórico.
Este extenso debate que ouvi, que li, alguns deles impressos antes de eu vir para cá, no
entanto tem algumas limitações. Com vista a um criticismo específico, eu provavelmente
deveria me concentrar nelas ao invés dos pontos fortes do debate. A primeira crítica principal
tem a ver com como essas questões são colocadas, já que as questões resolvem-se
dependendo da maneira como as colocamos, o quão claramente as colocamos, e em como
tudo isso nos leva a uma certa conclusão. Neste debate a questão é, por vezes, nem sempre,
mas por vezes, colocada bastante cruamente enquanto uma questão entre nacionalismo ou
socialismo, raça ou classe. O Artigo, com o qual muitas de vocês sem dúvida se tornarão mais
familiarizadas, desde do seu aparecimento no The New York Times, tendeu a dizer que há uma
cisão tremenda entre nacionalistas e socialistas. Esta é uma simplificação excessiva do debate,
e eu diria que nem toda gente, diria até talvez a maioria das pessoas no debate, realmente diz
que é a raça ao invés da classe, ou é o nacionalismo ao invés do socialismo. Esta é uma das
formas de se colocar a questão: deveria ser isto ou aquilo? Não me parece ser uma questão
particularmente viável para se responder, mesmo porque o nacionalismo e o socialismo, quase
que por definição, se olharmos para os termos, não são mutuamente exclusivas.
O nacionalismo é a luta pela totalidade de um povo. Socialismo ou pode significar uma
ideologia ou um novo estágio da sociedade. O nacionalismo poderia levar ao socialismo ou ao
capitalismo. Poderia incorporar uma ideologia socialista ou capitalista. Logo, essas coisas não
são antitéticas. Seria melhor se as enquadrássemos desse modo. O debate seria mais frutífero
se as pessoas dissessem: o povo negro está necessariamente engajado numa luta nacional que
é a forma sua luta, e aquilo que é crítico compreender é se a ideologia e os objetivos dessa luta
são socialistas.
Talvez uma questão mais significativa, que muitos irmãos e irmãos colocam, é assumir que se o
nacionalismo e o socialismo estão inter-relacionados, assumir que se classe e raça estão inter-
relacionadas, em qual dos dois se deve colocar a ênfase? Estamos mesmos aí para enfatizar o
socialismo ou deveríamos desenfatizá-lo ao prosseguirmos? Analiticamente, deveríamos
colocar a ênfase sobre a raça ou sobre a classe? O que deriva do quê aí?
Estas são questões mais indicadas, mesmo que mesmo elas possam se tornar estéreis,
especialmente quando as pessoas tentam prová-las através daquilo que chamam de história. A
questão de que se a raça veio antes da classe, ou classe antes da raça. Assumir que a raça veio
antes da classe, então, historicamente, a raça precisa necessariamente o fator dominante. Ou
se foi o capitalismo que produziu a raça, então necessariamente a classe se torna o fator
dominante. Eu também não sei se ajudei muito neste debate, visto que eu argumentaria que é
muito claro o surgimento do racismo enquanto sistema apenas no interior do contexto
capitalista; mas duvido que alguém poderia partir disto para afirmar que, portanto, no
presente momento é a raça que deve ser subordinada à classe.
Em verdade, isso sequer começaria a definir o que é a raça e o que é a classe numa dada
sociedade, visto que raça e classe não são apenas absolutos, eles são conceitos e categorias
que emergem historicamente. Mesmo se uma delas emergiu historicamente antes da outra,
isso não resolve as questões da análise. Certamente, isso não nos resolve questões de
estratégia, a dizer, já que a raça veio antes da classe, portanto não deve haver aliança com
pessoas brancas. Eu não vejo a ligação entre as duas coisas. Essas são considerações lançadas
para ligar processos que eu não vejo como logicamente ligados. Um tipo pior de argumento
histórico é simplesmente dizer: olhe para história de alianças entre brancos e negros e verá
que elas sempre falharam; a inferência é de que, por isso, sempre falharão. Isto não é um
argumento histórico. Este é apenas um argumento circular. Talvez devesse constar numa
apostila de geometria: porque assim aconteceu, sempre acontecerá do mesmo modo.
Estes são aspectos do debate que eu gostaria de ver suprimidos, de maneira a que as pessoas
possam prosseguir a coisas mais essenciais, apesar de que eu penso que haja diferenças
essenciais entre a abordagem dita socialista e a dita nacionalista. Mas para focarmo-nos nessas
diferenças, precisamos parar de tentar nos envolver na tentativa de provar o que não se pode
provar, sobre se no presente momento devemos ou não entrar em dita alianças com pessoas
brancas ou o que quer que for.
O debate não tem lugar apenas nos Estados Unidos. Tem lugar também em África. Tem lugar
no Caribe e na América Latina, ainda que não precisamente nos mesmos termos, mas há
pessoas a endereçar esses problemas. Eles representam um desafio ao pensamento burguês.
Por mais complicado que esse problema principal possa parecer, e eu passarei a fazer críticas
sobre o que passa por ser o Marxismo no debate, eu não estou preparado para separar o
debate do movimento da história mundial. Eu vejo-o como um reflexo da crise generalizada do
capitalismo. Por necessidade, por haver uma crise real lá fora, uma crise no Vietnã, uma crise
na economia, ela precisa refletir-se na cabeça das pessoas como uma crise, forçando-as a
tentar e ir além dos limites da teoria no interior da qual elas operaram previamente.
Neste sentido, eu vejo o todo do debate como definitivamente dando um passo em direção ao
processo de emancipação total, um processo de muitas facetas. A sua faceta ideológica
consciente foi minimizada por muito tempo na história da luta. Desde a década de 20, quando
alguns problemas teóricos foram pela primeira vez levantados tem havido uma tendência a
não discutir a ideologia em nenhum sentido fundamental, isto é, o que é a ideologia burguesa
e o quão longe participamos nela e em que medida precisamos dela escapar? Não é suficiente
simplesmente que você estabeleça a sua ideologia chamando a si mesma de partidária do
black-power, ou chamando a si mesmo de nacionalista. Esta é a razão pela qual as pessoas
podem sair por aí falando sobre a ideologia do nacionalismo negro, ou a ideologia do Pan-
Africanismo, como se o próprio Pan-Africanismo fosse uma pura ideologia, ou como se toda a
gente que se intitula Pan-Africanista tenha a mesma ideologia.
O fato que hoje em dia as pessoas estejam como estão a levantar a questão particularmente
na sua forma ideológica, é paralelo aos Africanos desafiando o “Socialismo Africano”,
desafiando os velhos mitos burgueses e decidindo que, de fato, há uma luta de classes na
África e que é necessário compreendê-la; e que se quisermos mudar a África hoje em dia, ou
mesmo no Caribe, devemos enfrentar certos desafios à estrutura pequeno-burguesa. O
fenômeno do debate não pode ser puramente explicado com base em algo interno ao Estados
Unidos. É uma manifestação particular das contradições internacionais e totais no interior do
sistema capitalista.
Apesar de eu ter muitas críticas acerca do caráter do debate atual, é preciso ser bastante
explícito ao dizer que este debate mesmo é outra faceta do movimento de libertação,
independentemente dos argumentos ou do quão enganadas estão algumas pessoas que
participam nele. Penso que isto deva ser entendido muito claramente, já que há pessoas que
gostariam que não houvesse um debate porque ele está levantando questões sobre a natureza
do sistema capitalista e trazendo ao mundo uma diversidade de coisas. O sistema está dizendo
agora ao Vietnã: por favor, não diga nada, daqui 50 anos talvez tenhamos capacidade para
entender isso. Tenhamos uma moratória! É como um arquivo dizendo que deverá se passar 50
anos antes que possamos ter acesso aos seus registros; até lá, por favor não diga nada sobre o
Vietnã, nós não queremos saber. É importante para um sistema como este não ser examinado,
e o povo negro também é parte do resto da sociedade neste sentido. Algo que um número de
pessoas negras [ainda] deve dolorosamente aceitar é que, por mais negro que você se
professe, você também tem sido vítima da estrutura geral de pensamento da sociedade
branca. E umas das coisas que aconteceram por consequência disso é que algumas áreas do
pensamento foram completamente ignoradas. Algumas coisas são tomadas por garantidas
com base em certas assunções burguesas. Então, se essas assunções são questionadas hoje em
dia, isto é parte da nossa revolução.

Neste debate, há todo o tipo de garotada universitária e gente que há pouquíssimo tempo
vagava por aí, confusa. Quando ouvem que isto e aquilo, de reputação nacional, está em
debate, isto é projetado em suas vidas, fazendo com que passem a perguntar as mesmas
questões. Reconheço isto como um significante fato histórico. Este debate tem acontecido,
por, no máximo, 18 meses, desde o fim do Comitê de Suporte da Libertação Africana.
Começou com um enfoque estreito no início. Poucas eram as pessoas engajadas nele. Agora,
pela primeira vez desde a década de 20, o debate atingiu uma certa magnitude na comunidade
negra. E, é claro, não se trata apenas de uma repetição da década de 20 porque as pessoas
hoje falam de problemas diferentes, não sobre a repetição dos mesmos problemas.
O que tenho feito neste país, desde que aqui estou, é lidar não com um movimento
organizado, mas apenas e por toda a parte com campi universitários. Se eu tivesse tido a
oportunidade, teria gostado muito mais de lidar com movimentos muito mais organizados,
mas não tive. Não fui eu a questionar as pessoas. Aqui e ali, foram as pessoas que
questionaram a mim, pessoas cujas as faces seriam irreconhecíveis lá fora, não nomes, não
estrelas, não líderes, apenas pessoas numa sala de aula, majoritariamente estudantes. Ano
passado, apenas algumas delas teriam perguntas acerca da análise Marxista e a sua relevância.
No entanto, neste momento, a maioria dessas estudantes têm perguntas desse tipo. Não me
preocupa se tomam uma posição favorável ou contrária. Interessa-me o fato de que as pessoas
estão começando a considerar isso enquanto algo a ser discutido, num lugar aonde antes não
era. O mais longínquo que chegaram, na minha experiência, na década de sessenta foi quando
se conceberam radicalmente como pessoas negras. Estes eram os termos com os quais elas
conceitualizavam a si mesmas. Com efeito, o que as pessoas dizem agora é que, na procura por
uma solução, removeremos todas as barreiras na discussão e no debate. Elas podem não
chegar tão longe quanto eu esperaria, mas isso representa algo qualitativamente distinto do
que ocorria antes.
Veremos em breve se tal debate teve alguma importância ou não. Ele pode simplesmente
fracassar, esmorecer. Podemos estar a debater algo que, de início, não interessa. Mas aquilo
que percebi enquanto aqui estive, experimentei-o muito intensamente. As pessoas estão
tentando apreender novos parâmetros ideológicos. Um problema aparentemente periférico,
embora eu não pense que ele seja de todo periférico, marca o estilo do debate, a maneira
como ele é conduzido. Por ter me movimentado por aí e visto a sua intensidade, a sua quase
violência, em que as pessoas parecem se alinhar a um lado ou outro, eu sinto que a forma por
vezes assumiu mais importância que o conteúdo. Eu acredito que a abordagem às questões é
desnecessariamente opositiva e isso projeta um número de outras coisas que não têm nada a
ver com a substância do debate, como o papel histórico da pessoa no debate, se ela é
conhecida, o seu ego, etc.
Não posso apelar a que toda gente envolvida no debate seja legal e discuta isso na amizade. Eu
seria apenas um moralista ao fazê-lo, e não faria muito sentido. Mas se poderia dizer que
podemos conversar de um modo distinto aos que se intitulam Marxistas. Parece a mim que eu
poderia dizer a outro Marxista que, quando se está levando adiante um debate, devemos
abordá-lo de um modo particular. É preciso ter uma certa disciplina. É preciso compreender
que as contradições entre as pessoas não é a mesma coisa que a contradição com as pessoas.
É preciso compreender que o propósito do debate não é afastar nem intimidar. O propósito
não é fazer com que certas outras pessoas recuarem aos seus casulos e assim estagnarem-se,
mas sair lá fora e deixar com que as pessoas compreendam o poder das suas ideias e a relação
dessas ideias com as suas vidas e, ao mesmo tempo, assumir que a pessoa para qual se fala
não possui nenhum interesse especial de classe que a prenderia definitivamente a um velho
conjunto de ideias. Eu acredito que eu poderia dizer isso a outras pessoas negras que se
consideram Marxistas. Eu não sei se tenho direito de dizer isso a pessoas que se consideram
nacionalistas, de dizer-lhes, olha, você não pode debater dessa maneira vitriólica, e assim por
diante. Se quiserem debater desta maneira, realmente eu não tenho nenhuma base de apelo
além da moralização de dizer que somos irmãos.
Mas eu penso que para as ditas Marxistas isto é mais que um mero apelo moral. É uma
injunção para tal pessoa que Marxistas progressivos, revolucionários, pessoas seriamente
preocupadas com a mudança, não se comportem de modo contraproducente. Você não
formula seus argumentos de tal maneira a fazer com que as pessoas corram na direção
contrária ao invés de se aproximar para ouvir o que você tem a dizer.
Penso que podemos dizer a algumas pessoas envolvidas no debate que a questão da
abordagem é crucial, e que esse tipo de abordagem que se assemelha a apontar uma Magnum
pra cabeça de alguém e obrigá-la a escolher o socialismo é na verdade uma abordagem
contrarrevolucionária. Além disso, há a questão da humildade, da disciplina e do estudo, que
aqueles que entre nós pertencem à comunidade Marxista devem compreender. A humildade
deveria se expressar, em primeiro lugar, no confrontar de todas as nossas fraquezas. O
momento em que você começa a confrontar suas fraquezas você precisa ter uma humildade
real, porque você compreende que suas fraquezas são muitas. Mesmo que você tenha
vantagens no entendimento de algumas questões, provavelmente há muitas outras áreas que
lhe são pouco claras, e aí você precisa ter uma visão um pouco menos opositiva a quem você
considera estar para trás ou necessitando de clarificação. Com a humildade no seu próprio
caminho vai a tarefa, a tarefa imposta por si mesmo, de mais e mais estudo, já que para chegar
à posição de que nós precisamos de uma sociedade socialista, precisamos desenvolver
perspectivas socialistas científicas para a compreensão dessa abordagem.
Na verdade, a minha principal admoestação é a necessidade do estudo e do
autodesenvolvimento, para que o professar do Marxismo não se torne um fim em si mesmo.
Realmente, o que significa professar que se tomou para si uma visão Marxista do mundo? Isto
apenas sugere que, ao invés de usar esta ferramenta, eu prefiro àquela; ao invés desta
fidelidade, eu prefiro aqueloutra; ao invés de servir a uma classe, eu desejo servir outra, que é
o interesse da classe trabalhadora de todas as comunidades. Mas isto dito, ainda se precisa ir
adiante, certamente enquanto um acadêmico, e enquanto um intelectual, fazer a análise com
base na metodologia marxista, e com base em ter responsabilidade intelectual para com a
classe trabalhadora, ao invés de tê-la com a burguesia.
Vê-se o diferencial aqui? Se você muda suas categorias, nós não estamos a falar de uma
distinção entre classe trabalhadora e povo negro. Há duas questões que envolvem a sua
responsabilidade com a classe trabalhadora naquilo que ela se distingue de uma
responsabilidade para com a burguesia. Muitas pessoas parecem pensar que, ao tendermos
para o socialismo, vamos para além da comunidade negra em direção à classe trabalhadora
que, como é óbvio, é tanto negra quanto branca. Essas pessoas não parecem ver esse
movimento enquanto um que move-se de um enquadramento ideológico fiel à burguesia –
essencialmente é esta a razão pela qual há tantas pessoas negras aí – em direção a um
enquadramento fiel à classe trabalhadora.
Em qualquer que seja o acontecimento, esta é uma tarefa que exige estudo, que exige um tipo
de disciplina que claramente não poderia ter emergido nesta sociedade ao longo do período
de poucos meses aos quais se limita este debate. Há, obviamente, um número de antigos
marxistas negros que são extremamente bem versados e muito disciplinados, mas na maioria
das vezes não são eles a se engajarem no debate mais imediato. Depois, há quem tenha
apenas ouvido falar do Marxismo, permitindo aos seus críticos chamá-lo de “Marxista
Instantâneo”, lançando comentários depreciativos. Agora, muitos desses críticos não está
realmente incomodado pelo fato dessas pessoas serem “Marxistas Instantâneos”, mas
incomodados pelo fato de serem Marxistas, querendo desafiar a segurança que tais críticos
têm em suas próprias mentes, tendo sido criados em determinada tradição. Mudar a sua
perspectiva de mundo implica muita insegurança. Muitas pessoas na comunidade negra, não
necessariamente devido a interesses de classe, não quereriam mover-se nessa direção; e por
não quererem mover-se nessa direção, elas se agarrarão a todas as fraquezas de aspirantes a
Marxistas, fraquezas como as suas atitudes, como o fato de não terem estudado com o
cuidado necessário ou por não saberem do que estão a falar, e assim por diante. Para evitar
esse tipo de armadilhas, é preciso que se encarreguem esses aspirantes a Marxistas, essas
pessoas jovens que tomam dessas ferramentas pela primeira vez, de uma imersão em um tipo
particular de estudo. Eu não gosto da palavra neófito, mas este é realmente o estágio no qual
nos encontramos. Estamos no estágio de tentar, enquanto neófitas, apreender um novo
mundo que nos foi deliberadamente velado.
No processo de estudo é igualmente importante que não estudemos meramente os textos
marxistas clássicos. O Marxismo não é apenas o estudo de alguns textos clássicos escritos para
alguma outra ocasião. Devemos entrar no espírito da análise, ser capazes de aplicá-la de forma
criativa à nossa própria situação. Na verdade, e mais uma vez, dizer isso não é nenhuma
novidade. Teóricos Marxistas, e mesmo alguma da juventude hoje em dia, dirão: queremos ser
Marxistas ou nós somos Marxistas e nós vamos aplicá-lo às nossas condições objetivas. Essa
declaração pode ser apregoada, mas na prática, pouquíssimos indivíduos estão engajados no
tipo de trabalho necessário à aplicação de uma teoria científica à nossa própria sociedade.
Pouquíssimos entre eles têm consciência do quão inadequado pode ser pegar a teoria de
algum outro e apenas imaginar que ela pode ser projetada à própria situação.
Para que não haja dúvidas, eu acredito que os socialistas envolvidos no movimento
nacionalista no Terceiro Mundo são, normalmente, mais capacitados a perseguir objetivos
nacionalistas do que os próprios nacionalistas. Mas à parte disto, algumas pessoas que se
intitulam nacionalistas, o setor conservador do movimento nacionalista, são capazes de
conseguir muito capital propagandístico, capital polêmico, com o fato de que esses indivíduos
Marxistas não estão profundamente relacionados à situação interna de suas nações. E porque
não estão relacionados, por apenas trazê-la ao fio da meada da história de alguma outra
pessoa, quando eles fazem alguma declaração sobre o que está acontecendo nos Estados
Unidos ou sobre o que deve ser feito, tal declaração pode soar realmente ridícula. Não apenas
ela falha em convencer as pessoas, como também pode ser evidentemente absurda por não
endereçar nenhuma parte da realidade de tal sociedade.
Vou citar um exemplo. Recentemente, numa conferência, um indivíduo fez uma fala acerca da
crise econômica atual na comunidade negra. Essencialmente, o que aquela pessoa fez foi fazer
uma exposição do primeiro capítulo do primeiro volume do Capital de Marx. Não há nada de
mal nisso no concernente às relações essenciais do capital e da alienação do trabalho e da
mais-valia, mas ele não disse nada sobre o povo negro exceto por inferência. No fim de tudo
isso, ele meio que sugeriu que aquilo que ele tinha estabelecido, que era a compreensão de
Marx acerca do desenvolvimento do capitalismo no que era o mais desenvolvido estado
capitalista de então, nomeadamente a Inglaterra, o que Marx viu em Manchester, foi aquilo
que ele, também, foi e viu em Detroit e Nova Iorque. Isso é tão patentemente absurdo que, se
a análise não pode ser transferida de uma maneira melhor, ela se revelará completamente
irrelevante. E para muitas pessoas, algumas porque são opostas a isso de qualquer maneira,
mas algumas porque não foram expostas a nada mais que isso, olharão para tal caricatura e
dirão: o que está acontecendo? Do que é que esse cara está falando? Ah, de novo os
Marxistas, aí estão eles! E então começarão a dizer: bem, a próxima coisa que dirá é que
precisamos ter uma aliança com a classe trabalhadora branca, coisa que já tivemos, e depois
vai pedir para que nos filiemos ao Partido Comunista. Também já estivemos nessa. Então há
sempre a possibilidade do cinismo, do deja vu entrar em cena.

É da nossa responsabilidade evitar cair neste tipo de armadilha. Mas, novamente, eu não acho
que eu poderia dizer ao nacionalista, tenha calma, compreenda que o irmão está apenas a
ingressar nesta disciplina, ele irá se virar e conseguir aplicá-la à sociedade, e assim por diante.
A razão é que isso pode não ser do interesse de classe dessa pessoa, desse nacionalista. Mas
quando se trabalha entre pessoas negras, cuja vasta maioria é potencialmente capaz de
internalizar a ideologia socialista, devemos assumir que é da nossa responsabilidade
demonstrar a sua relevância. Devemos nos certificar que as pessoas possam participar num
debate real sobre o que está acontecendo na sociedade. Pelo que ela vale, eu sinto que este é
o tipo de admoestação que eu daria a pelo menos algumas participantes do debate. Elas
precisam ser muito mais cuidadosas para evitar que sejam, ou mesmo pareçam ser, as porta-
vozes de uma análise alienígena. Não é nem uma análise, visto que o exemplo que dei trata de
uma não-análise. É na verdade uma posição fixa substituindo uma análise da sociedade.
Eu hesito em ser particularmente duro com quem quer que esteja envolvido no debate atual,
mesmo porque eu não tenho certeza se eu participasse nele, vivendo e estudando aqui, eu
traria respostas muito melhores. Apesar disso, eu poderia tentar clarificar melhor algumas
questões.
Olhando-a pragmaticamente, o que significa a singularidade da situação negra é que neste
momento é extremamente difícil para qualquer líder negro progressista operar fora dos limites
da comunidade negra. Neste momento em particular, nesta era, eu acredito que nossa história
impõe ao Marxista negro a necessidade de operar quase que exclusivamente, de certo
essencialmente, no interior da comunidade negra. Eu sei que soarei provavelmente herético
para muitos Marxistas porque eles dirão, mas é claro que o seu círculo é a classe trabalhadora
e você deveria, portanto, transcender ao invés de ser prisioneiro das divisões raciais no interior
da classe, porque essas divisões raciais são essencialmente divisões no nível subjetivo da
consciência. E assim vai o argumento tradicional, mas eu não estou nem um pouco convencido
por ele. Eles podem até estar certos, mas eu acho engraçado, e acredito que um número de
erros estratégicos deriva de se tomar a divisão racial enquanto algo meramente subjetivo e daí
portanto enquanto algo que podemos quebrar simplesmente conversando com o trabalhador
branco e expondo-o a uma lógica superior. Eu acredito que uma lógica superior funciona
apenas quando não há um interesse de classe enraizado. Talvez eu devesse ir adiante e dizer,
aonde não há privilégio histórico, porque enquanto não há uma aguda diferença de classe
entre trabalhadores brancos e negros, certamente há diferenças de privilégios históricos em
todos os respeitos – culturalmente, politicamente, economicamente, e em termos de
mobilidade social.
Todo o nosso debate acerca do caráter dessa diferença está baseado numa terminologia que
pode ser inadequada para lidar com esta situação. Para nós, neste momento, antes de
realizarmos a análise mesma, tudo deve estar em aberto. Esta não é uma tentativa de ser
ambivalente ou não tomar uma posição definitiva, mas apenas o reconhecimento de que, se
estamos lidando com uma situação nova, então muito frequentemente é necessária toda uma
nova terminologia de modo a aplicar a metodologia Marxista a uma situação completamente
nova.
Para exemplificar meu argumento, eu darei um paralelo que ajudará a mostrar a direção do
meu pensamento. Para Marx, era suficiente a distinção entre o proprietário da terra e o
camponês numa sociedade feudal, suficiente falar sobre camponeses, trabalhadoras, e o
capitalismo enquanto o feudalismo declinava e o capitalismo desenvolvia-se. Em alguns de
seus ensaios e escritos, Engels teve de ir um pouco mais ao fundo da questão camponesa, mas
não muito fundo. Tornou-se a tarefa de Lênin, que se concentrava numa sociedade muito
diferente, nomeadamente a Rússia, começar a falar seriamente da diferença no interior do
campesinato, e para isso ele passa a falar em campesinato rico, campesinato médio e
campesinato pobre. De fato, na China essa diferenciação tornou-se ainda mais crítica. Toda
uma nova estratégia na China foi baseada em não se tomar o campesinato como um todo, mas
trabalhar numa compreensão das relações entre o campesinato rico e o pobre. Mas veja,
ninguém disse que o conceito de campesinato tinha que ser jogado fora. Similarmente, parece-
me, sem que eu queira jogar fora o conceito de proletariado, que, sem dúvida, a diferença
entre proletariado negro e branco seja conceitualmente tão importante quanto a diferença
entre campesinato rico e campesinato pobre, que muitas das vezes era uma diferença
pequena com consequências políticas importantes. As diferenças entre o proletariado branco
como um todo e o proletariado negro como um todo devem, sem dúvida, ser mais
importantes que aquelas entre o campesinato pobre e médio ou mesmo entre o médio e rico
campesinato.
E mesmo assim, parecemos atolados. O termo proletariado tem uma significância mágica.
Começando pela predileção de que a classe é importante e que, daí, de algum modo o uso da
palavra proletariado é fundamental, parece que estamos preparados fazer apenas, e no
melhor dos casos, algumas concessões periféricas com base nessa assunção inicial. Poucas
pessoas estão dispostas a fazer o trabalho que James Boggs em alguns aspectos tentou fazer,
de olhar a classe trabalhadora através das linhas da raça e suas divisões historicamente e aí ver
incorporarem-se diferenças reais.
No presente momento, na medida em que queiramos dizer que há, na verdade, duas classes,
certamente devemos abrir nossas perspectivas. Esta é uma das coisas que sinto não ser
suficientemente feita. Neste sentido, não é exatamente com os neófitos que me preocupo.
Algumas pessoas que já algum tempo falam do Marxismo e apreenderam a teoria, na minha
opinião, não parecem querer livrarem-se de suas categorias anteriores. Isto é estranho, visto
que neste momento no Terceiro Mundo as análises atuais lidam com qualquer que seja a
situação que emerja. Na África ou na América Latina, as pessoas quase todos os dias às vezes
apenas cunham novos termos. Talvez isso esteja indo longe demais, mas ao menos isso nos
fala da sua disposição em reconhecer quando há novos fenômenos em cena, é preciso que se
reconheça eles como novos e não apenas imaginar que você está lidando com uma extensão
de algo que já acontecia no século XIX. Claramente há muitos novos fenômenos desde aqueles
tempos. O fenômeno de uma raça encrustada no interior de uma classe no modo particular em
que se situa e funciona a classe trabalhadora negra, definitivamente não se encontra em mais
nenhum outro lado. Eu não sei se tal terminologia é mais adequada para a análise do
momento presente.
É verdade que o modelo do povo negro enquanto uma “colônia interna” tem sido usado há um
bom tempo nos Estados Unidos, mas ele tem suas limitações. Não se direcionou de modo a
explicar realmente as características de uma classe trabalhadora numa colônia. Essas
características são representadas nos Estado Unidos entre o povo negro? Eu penso que esta
questão nunca foi explicitada claramente no uso deste modelo de “colônia interna”. De fato,
apenas agora as pessoas passaram a olhar com mais atenção às características específicas da
classe trabalhadora das colônias em comparação à da metrópole, reconhecendo as diferenças
salariais, a estrutura organizacional e o poder, o acesso ao Estado, e a percepção racial e
cultural. Todas essas diferenças distinguem um trabalhador capitalista ou um trabalhador da
metrópole capitalista daqueles que trabalham nas áreas periféricas do Terceiro Mundo. Se
olharmos para essas diferenças, poderíamos nos perguntar se podemos perceber tipos
semelhantes de diferenças no interior da história da classe trabalhadora negra dos Estados
Unidos. De fato, os negros tiveram um grau de acesso distinto aos meios de produção, se os
compararmos aos trabalhadores brancos. Enquanto trabalhadores brancos podiam ter
trabalhos assalariados, trabalhadores negros após a escravidão tornaram-se mão de obra
quase gratuita sob o regime sulista de mediania. Enquanto trabalhadores brancos podiam
conseguir empregos, trabalhadores negros constituíam a maioria dos desempregados. Eu
recentemente participei numa discussão aonde um irmão, um Marxista sério, tomou uma
posição anti-imperialista muito sério, mas dizia mesmo assim que a diferença entre um
trabalhador branco e um negro poderia ser reduzida a cerca de 100 dólares anuais. O que
aconteceu com toda essa história? Você quer dizer que se eu fosse por aí distribuindo 100
dólares por ano a mais a todo o trabalhador negro, eu eliminaria o problema? É óbvio que não
podemos reduzir o problema a esse tipo de variável elementar.
Nós precisaremos engajar-nos em um trabalho mais sério para examinar o que pode ser a
singularidade da situação Estadunidense. No entanto, eu penso que o que acontece é isso: o
povo negro comum sabe que a singularidade existe e se você aparecer com uma teoria que diz
que ela não existe, então você estará a brincar, porque sua teoria será irrelevante a eles, seja
isso resultado de uma falsa consciência ou não. Ninguém deveria ter uma consciência tão falsa
da vida do povo negra nesta sociedade ao ponto de não saber que a amplitude das escolhas
nesta sociedade não é fundada no mero fato de que um trabalhador negro ganha 100 dólares
a menos do que um branco.

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