Estudos Da Mitologia Bantu: Tata Nkasute Marília/SP - 2005

Estudos da
Mitologia
Bantu
Tata Nkasute
Marília/SP - 2005
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Estudos da Mitologia Bantu
SUMÁRIO
PREFÁCIO P. 003
CRIAÇÃO DO MUNDO P. 004
ESPÍRITOS NA VISÃO BANTU P. 007
RITOS FÚNEBRES P. 010
HAMBA P. 018
CLÃ DOS FERREIROS P. 032
NJILA P. 034
NKOSI P. 041
MUTÁ P. 047
KATÉNDE P. 050
KAVUNGO P. 052
NZAZI P. 056
KONGOLO P. 059
KITEMBU P. 063
KAYÁYÁ P. 066
KIXIMBI P. 071
NDANDA LUNDA P. 077
NZUMBA P. 090
MATAMBA P. 094
LEMBA P. 099
ANEXOS P. 103
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA P. 107
Tata Nkasute
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PREFÁCIO
COMO TRADICIONALISTA BANTU, SENTI NECESSIDADE DE

CONHECER E RESGATAR MINHA PRÓPRIA HISTÓRIA, UMA HISTÓRIA
ADORMECIDA, MAS JAMAIS ESQUECIDA. POIS, EM PONTOS, MESMO QUE
ISOLADOS, SEMPRE EXISTIU E ACREDITO QUE SEMPRE EXISTIRÁ ALGUÉM
TENTANDO DIZER QUE OS BANTU FORAM COMO UMA MOLA PROPULSORA
PARA O DESENVOLVIMENTO DO BRASIL.
FOI BASEADO NESTE PENSAMENTO, QUE LANCEI UM OLHAR AO

PASSADO E DEPAREI-ME COM A MINHA VERDADE E DENTRO DESTE
RESGATE, QUE ABRANGE TODA A NOSSA HISTÓRIA DESDE OS PRIMEIROS
TEMPOS ATÉ AS ÚLTIMAS CONQUISTAS DO MUNDO MODERNO, FOI QUE
TIVE A CERTEZA DE QUE UMA LACUNA PRECISA SER CORRIGIDA: “A
HISTÓRIA QUE NÃO FOI CONTADA”.
COM SATISFAÇÃO, COMPARTILHO PARTE DELA, ATRAVÉS DESTE

ESTUDO, COM TODOS AQUELES QUE, COMO EU, NECESSITAM DE UM OLHAR
AO PASSADO.
QUANTO TEMPO AINDA VAMOS CONTINUAR NA OMISSÃO? ATÉ

QUANDO TEREMOS UMA MEIA HISTÓRIA? MEIO MILÊNIO SE PASSOU DESDE
QUE NOSSA TRADIÇÃO CHEGOU, E NÓS PASSAREMOS TAMBÉM. MAS
JAMAIS ALGUÉM PODERÁ DIZER QUE NÃO TIVE HISTÓRIA E QUE MEUS
DESCENDENTES NÃO CONHECERAM SEUS ANTEPASSADOS DIVINIZADOS,
COMO TAMBÉM AS DIVINDADES ANTEPASSADAS.
E VOCÊ, COMO PASSARÁ? CONTANDO A SUA HISTÓRIA “DOS

OUTROS”?
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CRIAÇÃO DO MUNDO, SEGUNDO A TRADIÇÃO BANTU
NZAMBI ANPUNGU (DEUS PODEROSO) CRIOU O MUNDO E TUDO QUE

NELE EXISTE, CRIOU TAMBÉM UMA MULHER PARA SER SUA ESPOSA E PARA
QUE, POR SEU INTERMÉDIO, PUDESSE TER DESCENDÊNCIA HUMANA A FIM
DE QUE ESTA POVOASSE A TERRA E DOMINASSE TODOS OS ANIMAIS
SELVAGENS POR ELE CRIADO.
ELA SE CHAMARIA NÁ KALUNGA, EM RAZÃO DA FILHA, A QUAL IRIA

DAR À LUZ, CHAMAR-SE KALUNGA.
QUANDO KALUNGA ATINGIU A PUBERDADE, NZAMBI DECIDIU SAIR

PARA MOSTRAR A ELA TUDO QUE TINHA CRIADO E APÓS TRÊS MESES
RETORNARIA.
NA VIAGEM, LOGO AO ANOITECER, NZAMBI CONSTRUIU UMA

KUBATA (PALHOÇA) COM APENAS UMA CAMA. RECUSANDO-SE A DORMIR
COM O PAI, KALUNGA CORRE, CHORANDO. NZAMBI, PARA CONVENCÊ-LA, A
MANDA VOLTAR PARA NÃO SER DEVORADA PELAS FERAS. VOLTOU E
DORMIU COM SEU PAI DURANTE TODA A VIAGEM.
QUANDO RETORNARAM, NÁ KALUNGA VIU QUE SUA FILHA ESTAVA

GRÁVIDA. ENRAIVECIDA COM O FATO, ENFORCOU-SE EM UMA ÁRVORE
PERANTE NZAMBI E KALUNGA. NZAMBI NADA FEZ PARA IMPEDIR, PELO
CONTRÁRIO, ACHOU-A INDIGNA DE CONTINUAR SENDO SUA ESPOSA, POR
NÃO COMPREENDER OS DESÍGNIOS PARA POVOAR O MUNDO QUE ELE
TINHA CRIADO. AMALDIÇOOU-A E TRANSFORMOU-A NUM ESPÍRITO
MALIGNO, A QUEM DEU O NOME DE MULUNGI MUJIMO (VENTRE RUIM DA
PRIMEIRA MÃE QUE EXISTIU NA TERRA).
NZAMBI COMEÇOU A VIVER COM KALUNGA, QUE PASSOU A SE

CHAMAR TAMBÉM NDALA KARITANGA, CONSTITUINDO ASSIM A SEGUNDA
DIVINDADE.
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UM DIA, NDALA KARITANGA PASSOU A SONHAR COM SUA MÃE QUE

A INSULTAVA, DIZENDO QUE A DEVORARIA. NZAMBI TRANQÜILIZOU-A,
EXPLICANDO QUE AQUELA QUE TINHA SIDO SUA MÃE ERA AGORA UM
ESPÍRITO MAU, PEDINDO COMIDA.
NZAMBI FEZ UM MONTÍCULO DE TERRA NA PORTA DA KUBATA E

PEDIU PARA NDALA KARITANGA BUSCAR UM ANIMAL PARA O SACRIFÍCIO.
A MESMA, NO MOMENTO DA OFERENDA, DEVERIA DIZER: “MINHA MÃE,
ACABO DE VIR CHORAR-TE, AGORA NÃO VOLTES A TER COMIGO OUTRA
VEZ, PORQUE SE VOLTO A VER-TE,VOU PRENDER-TE” (MAM É NZANGA
KUDILA NI MALAMBA KINDALA KANA UIZA KUKALA NI KUAMI
AKAMÚKUA,NDA O KUDILA O KUJIBISA).
COM O TEMPO, KALUNGA OU NDALA KARITANGA DEU À LUZ A

NKUKU-A-LUNGA (INTELIGENTE), PASSANDO ESTE A SER A TERCEIRA
PESSOA DA TRINDADE DIVINA. QUANDO CRESCEU, NZAMBI DEU-LHE O
PODER DA ADIVINHAÇÃO.
NZAMBI ORDENOU QUE NKUKU-A-LUNGA SE CASASSE COM

KALUNGA PARA SE TORNAR PAI DE TODAS AS TRIBOS BANTU. ELES
CONCEBERAM DOIS FILHOS, O PRIMEIRO MASCULINO, SÁ MUFU, E O
SEGUNDO FEMININO, NÁ MUFU.
NZAMBI ORDENOU QUE SÁ MUFU SE CASASSE COM SUA MÃE E NÁ

MUFU COM SEU PAI, INFORMANDO-OS DE QUE DEPOIS DAQUELAS UNIÕES
AS SEGUINTES SE FIZESSEM SOMENTE ENTRE PRIMOS.
DESTAS UNIÕES, NASCERAM DO SEXO MASCULINO: KITEMBU-A-

BANGANGA, NDUNDU, NGONGA UMBANDA, KANONGENA, KAMBUJI E
OUTROS.
DO SEXO FEMININO: MUJUMBU, NDUMBA AU TEMBU, SAMBA

KALUNGA, KASAI, LUEJI, MUKITA E OUTRAS.
NZAMBI ENSINOU-OS A SE MULTIPLICAREM E A LUTAREM CONTRA

DOENÇAS E FEITIÇOS QUE OS SEUS DESCENDENTES VIESSEM A POSSUIR.
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APÓS DEIXAREM A VIDA TERRENA, CADA UM, DENTRO DA SUA

ATRIBUIÇÃO, SUPERVISIONARIA O MUNDO QUE NZAMBI HAVIA CRIADO.
NZAMBI DESPEDIU-SE E, LEVANDO UM CÃO QUE SEMPRE O

ACOMPANHAVA, DIRIGIU-SE PARA SANZALA KASEMBE DIÁ NZAMBI
(ALDEIA ENCANTADA DE DEUS), ONDE RECOMPENSA OS BONS E CASTIGA
OS MAUS.
NAQUELE TEMPO, AS ROCHAS ESTAVAM MOLES POR TEREM SIDO

FEITAS RECENTEMENTE, E, ATÉ HOJE, NO NORDESTE DE ANGOLA, PODE-SE
VER AS PEGADAS NA ROCHA DE NZAMBI E DO SEU CÃO AO LADO.
SEGUNDO A TRADIÇÃO, EXISTEM PEGADAS ORIGINAIS POR TODA A ÁFRICA,
CUJA COMPROVAÇÃO FOI FEITA PELA SEÇÃO DE ARQUEOLOGIA E PRÉ-
HISTÓRIA DO MUSEU DE DUNDO – ANGOLA.
A MORADA DE NZAMBI FICA ENTRE OS RIOS LUEMBE E KASAI,

JUNTO À NASCENTE DO MBANZE.
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ESPÍRITOS NA VISÃO BANTU
OS AFRICANOS, IMPLICITAMENTE, SISTEMATIZAM OS SEUS

ESPÍRITOS POR VÁRIAS CLASSES.
ENTRE OS QUIOCOS, PODEMOS DISTINGUIR AS MAHAMBAS DA

FAMÍLIA EXTENSA DA ALDEIA E DA TRIBO, OS AKIXI E OS IPUPU. A HAMBA
(PLURAL MAHAMBA) É SINÔNIMO MUITAS VEZES DE ESPÍRITO, DE ALMA
DOS CONSANGÜÍNEOS, NO ÂMBITO DA FAMÍLIA; DOS SOBAS E
MIANANGANA (FIDALGOS), NO ÂMBITO DA SANZALA E DA TRIBO.
ESSENCIAL E MATERIALMENTE, ELA SE RESOLVE NA

RECONSTITUIÇÃO DOS PERTENCES DOS DEFUNTOS, PORQUE O NATIVO NEM
SEMPRE SABE IDENTIFICAR OS SEUS PERTENCES DOS DE SEUS ANCESTRAIS,
PODENDO A HAMBA CONFUNDIR-SE COM O ESPÍRITO DO SEU POSSUIDOR.
O MUKU DOS MORTOS PODERÁ VIR A TERRA AVIVAR A SUA

MEMÓRIA AOS VIVOS. ÀQUELES QUE OS ESQUECEREM PODEM TRAZER A
MORTE, A DOENÇA, AS DIFICULDADES NA PESCA, NA CAÇA, NA
AGRICULTURA. É NECESSÁRIO FAZER ENTÃO AS MAHAMBA PARA OS
JIMUKU (SINGULAR MUKU) CASSAREM A SUA AÇÃO MALFAZEJA OU
IMPEDITIVA DO “BEM-ESTAR” DA VIDA, DO CURSO NORMAL DOS
ACONTECIMENTOS.
É DAQUI QUE OS NATIVOS NÃO ATRIBUEM AS DOENÇAS E A MORTE

A CAUSAS NATURAIS, A AGENTES EXÓGENOS E ENDÓGENOS DE NATUREZA
MATERIAL, MAS AOS ESPÍRITOS E AOS FEITIÇOS.
QUANTO A NÓS, O MUKIXI DEVE SER ENTENDIDO COMO UMA

INSTITUIÇÃO CRIADA PARA DISCIPLINAR CRIANÇAS E MULHERES NO
“COMPORTAMENTO TRADICIONAL DA TRIBO OU SUJEITÁ-LAS
INDIRETAMENTE À AUTORIDADE DOS GRANDES”. CORRESPONDENTE MAIS
EXATAMENTE AO FIM MORALIZADOR E PEDAGÓGICO TÃO GERAL A TODOS
OS POVOS COMO É O DA CONSTITUIÇÃO DO PAPÃO.
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DE INÍCIO, DEVERIAM ALGUNS FAZER AS SUAS MÁSCARAS, USÁ-LAS

E EXIBI-LAS. COM O ANDAR DOS TEMPOS, FORAM ELAS, NUMA IMITAÇÃO E
SIMBOLISMO MAIS RICOS, ACOMPANHADAS DE VÁRIOS ADORNOS E
GANHARAM TIPICIDADE. O DANÇARINO TORNOU-SE PROFISSIONAL, E, ELE
SENDO MORTO PELA FUNÇÃO SOCIAL DA MÁSCARA, FOI ELA ENTREGUE
AOS CUIDADOS E MESMO À VENERAÇÃO DOS HERDEIROS. ASSIM TEMOS O
MUKIXI TORNADO HAMBA, COM TODA SUA MÍSTICA E COMPLEXO MÁGICO
RELIGIOSO.
TALVEZ POSSAMOS TRADUZIR OS TCHIPUPU DOS QUIOCOS POR

FANTASMA. PELA DESCRIÇÃO DE MUITOS ESPÍRITOS, SE VÊ A
PREOCUPAÇÃO DE, POR RECEIO DELES, SE DISCIPLINAREM AS RELAÇÕES
SOCIAIS.
VÁRIOS NATIVOS DESCREVERAM, DE UMA MANEIRA CONCRETA E

BASTANTE PORMENORIZADA, AS EXPERIÊNCIAS OCORRIDAS COM IPUPU.
EVIDENTEMENTE QUE FORAM VÍTIMAS DE ALUCINAÇÃO, QUE SEMPRE SE
LIGAM A IDÉIAS JÁ CONCEBIDAS. NINGUÉM PODE “VER” UM ESPÍRITO SEM
ANTES TER DELE A REPRESENTAÇÃO. TODOS OS IPUPU SÃO, ENTRE OS
QUIOCOS, DE NATUREZA HUMANA.
OS CUANHAMAS DISTINGUEM QUATRO CLASSES DE ESPÍRITOS:

OVAKUAMUNGU, OUNIKIFA, OIPUMBU E OILULU. AS DUAS PRIMEIRAS
CLASSES SÃO DE ORIGEM HUMANA. OS OVAKUAMUNGU SÃO OS ESPÍRITOS
DAQUELES QUE, EM VIDA, POSSUÍRAM QUALQUER PODER MÁGICO. CASO
CONTRÁRIO, FAZEM PARTE DO GRUPO DOS OUNIKIFA.
OS ESPÍRITOS OILULU, COM EXCEÇÃO DOS OUTROS, SÃO MUITO

COMUNS NO SUDOESTE DE ANGOLA. AINDA NÃO FOI AVERIGUADA A SUA
VERDADEIRA NATUREZA, TALVEZ ESPÍRITOS DOS ANTIGOS POTENTADOS.
SÃO SINÔNIMOS DE ESPÍRITOS MALFEITORES.
DE UM MODO GERAL, OS ESPÍRITOS DA NATUREZA HUMANA

ESCALONAM-SE CONSOANTE ÁS CLASSES DAS PESSOAS QUE FORAM EM
VIDA SEU HABITÁCULO. MAS NEM SEMPRE É SUFICIENTE ESTE CRITÉRIO
CLASSIFICADOR.
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OS GANGUELAS DISTINGUEM, PRIMEIRAMENTE, ENTRE ESPÍRITOS

BONS E MAUS. OS CAZUMBIRIS E OS MANDUMBA ESTÃO NO PRIMEIRO
GRUPO.
AO LADO DOS ESPÍRITOS, OS AFRICANOS CRIAM SEUS GÊNIOS, E HÁ

GÊNIOS “CIVILIZADORES” DE DIVERSAS SORTES.
OS GANGUELAS TÊM DOIS GÊNIOS: UM QUE EXISTE NO AR E

PROVOCA OS FENÔMENOS ATMOSFÉRICOS; O OUTRO, NO FUNDO DA TERRA,
FAZ CRESCER AS PLANTAS.
OS POVOS DA REGIÃO DE CACONDA ACREDITAM NA EXISTÊNCIA DE

UM GÊNIO, A QUE CHAMAM EMBELEGENDJE. ESTE POSSUI CORPO HUMANO
E GRANDE CABELEIRA, PASTOREIA TODOS OS ANIMAIS DA SELVA, E É, POR
ISSO, O PATRONO DA CAÇA.
ENTRE OS QUIOCOS É DESIGNADO MUANGI, QUE É O GIGANTE COM

UM SÓ OLHO (COMO O CICLOPE ULISSES),UM SÓ BRAÇO, CABELOS
COMPRIDOS E DESGRENHADOS. É O GÊNIO DAS FLORESTAS E TAMBÉM O
PADROEIRO DOS CAÇADORES.
PARA OS BOSQUIMANOS E HOTENTORES, GOBA É UM GÊNIO MACHO,

HABITANDO O AR E GOVERNANDO OS ASTROS E OS FENÔMENOS
ATMOSFÉRICOS; KO É O GÊNIO FÊMEA, SUBTERRÂNEO, QUE FAZ CRESCER
AS PLANTAS E DÁ VIDA À TERRA.
SÃO OS AFRICANOS LEVADOS A CRIAR OS SEUS ESPÍRITOS E OS

SEUS GÊNIOS: OS ESPÍRITOS, PARA OS FATOS E FENÔMENOS DIRETAMENTE
RELACIONADOS COM O HOMEM; OS GÊNIOS, PARA OS FENÔMENOS SOBRE
OS QUAIS ELES, OS HOMENS, NADA PODEM.
ISSO É UM POUCO DA NATUREZA ESPIRITUAL ANGOLA/KONGO.
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RITOS FÚNEBRES
SÃO, JUNTO COM OS RITOS DE PUBERDADE, AS CERIMÔNIAS

RELIGIOSAS E OS RITOS MELHOR OBSERVADOS E SOLENIZADOS DA
SOCIEDADE BANTO. COMO OS RITOS DE INICIAÇÃO, ESTÃO CHEIOS DE
CONTEÚDO RELIGIOSO, APARATO LITÚRGICO E PARTICIPAÇÃO
COMUNITÁRIA.
NOS RITOS FÚNEBRES, SEM DESCULPA, DEVEM PARTICIPAR TODOS

OS FAMILIARES, OS QUAIS SE JUNTAM À COMUNIDADE. OS BANTOS
PATENTIAM AS SUAS RAÍZES CULTURAIS, FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS,
“DOGMAS” RELIGIOSOS E CELEBRAM, COM SOLENIDADE, O MISTÉRIO DA
VIDA PARTICIPADA.
NENHUM OUTRO RITO CHEGA A ATINGIR A SUA TRANSCENDÊNCIA.

CARACTERIZA AS SUAS CRENÇAS E CONSOLIDA UM DOS VALORES
RELIGIOSOS MAIS PRECIOSOS: A CERTEZA DA SOBREVIVÊNCIA DO HOMEM
NO ALÉM-TÚMULO. COSTUMA SE DIVIDIR, COMO IREMOS VER, EM TRÊS
ETAPAS CORRELATIVAS E COMPLETIVAS: RITOS DE SEPARAÇÃO, RITOS DE
MARGINALIZAÇÃO E RITOS DE AGREGAÇÃO.
O SEU VALOR PRINCIPAL RADICA O QUE ELES CONSIDERAM EM

“RITOS DE PASSAGEM” PORQUE CONDICIONAM O TRÂNSITO NORMAL
DESTE MUNDO PARA O LUGAR ONDE O DEFUNTO CONTINUARÁ SUA
EXISTÊNCIA.
PELO NASCIMENTO, O BANTO “PASSOU” A ESTE MUNDO E PELOS

RITOS DE PUBERDADE, À SOCIEDADE. PELOS RITOS FÚNEBRES SE
RESTABELECE A COMUNHÃO QUE LHE ASSEGURA A SOBREVIVÊNCIA.
CONSIDERAM O DEFUNTO COMO UM SER EM DEVIR, EM PROJETO, QUE
DEVE CHEGAR À PLENITUDE, À REALIZAÇÃO DEFINITIVA DE
ANTEPASSADO.
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ENCERRAM TAL CAUSALIDADE MÍSTICA, QUE SE CONVERTE NA

ÚNICA PONTE DE PASSAGEM ENTRE OS DOIS MUNDOS. SE O RITO FOR
REALIZADO SEGUNDO A TRADIÇÃO E O DESEJO DOS ANTEPASSADOS, O
DEFUNTO CHEGARÁ AO SEU DESTINO TRANSFORMADO NA SUA REALIDADE
EXISTENCIAL, JÁ QUE SE OPERA UMA MUTAÇÃO ÔNTICA. SE, PELO
CONTRÁRIO, REALIZAREM COM DESCUIDO OU FOREM DEFORMADOS, O
DEFUNTO ESQUECIDO VAGUEARÁ SEM DESTINO, DESGRAÇADO, E O
OLVIDO DOS SEUS ACARRETA DESPRESOS E TERRÍVEIS VINGANÇAS PARA
OS VIVOS. CONVERTE-SE NUM PERIGO PERMANENTE E PODE OCASIONAR
MALES.
ESTES RITOS, EM DEFINITIVO, SÃO UM CULTO À VIDA, É O TRIBUTO

MAIS SOLENE QUE O BANTO LHE RENDE, PORQUE ASSEGURA VIDA
CONSTANTE AO SEU MEMBRO QUE “PASSOU” E ENRIQUECE A SUA
COMUNIDADE. SÃO CELEBRAÇÕES SOLENES DO DUBLO NASCIMENTO PARA
A VIDA MAIS RICA, INDIVIDUAL E COMUNITÁRIA.
COMO EXCEÇÃO, PARECE QUE CERTOS GRUPOS BANTOS

CAMITIZADOS, PORQUE DESEJAM APROPRIAR-SE DA FORÇA VITAL DE UM
DEFUNTO E EVITAR AS SUAS POSSÍVEIS CÓLERAS, “COMEM O DEFUNTO EM
COMUM NA NOITE DOS FUNERAIS, DEPOIS QUEIMAM OS OSSOS.
APROPRIAM-SE ASSIM DAS VIRTUDES DA MORTE E ASSEGURAM, PELO SEU
DESAPARECIMENTO, QUE NÃO VOLTARÁ A INQUIETÁ-LOS”.
SÓ “SE MORRE” VERDADEIRAMENTE QUANDO SE REALIZAM OS

RITOS SEGUNDO A TRADIÇÃO E A COMUNIDADE TEM A CERTEZA DE QUE O
DEFUNTO FOI RECEBIDO PELA COMUNIDADE DOS ANTEPASSADOS. O
DEFUNTO FICA NATURALIZADO NO ALÉM-TÚMULO, INTEGRA-SE NA
COMUNIDADE DOS ANTEPASSADOS PELA AÇÃO EFICAZ DOS VIVOS, QUE O
SITUAM EM SEU LUGAR, “FIXAM”-NO, EVITANDO QUE FIQUE VAGABUNDO E
DESPEITADO.
A FAMÍLIA E A COMUNIDADE PROMOVEM O DEFUNTO À CLASSE DE

ANTEPASSADOS, VINGAM-SE DO CAUSADOR DA MORTE, RESTABELECEM A
SOLIDARIEDADE E A ORDEM SOCIAL PERTURBADAS, ORDENAM A
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HARMONIA PACÍFICA, ASSEGURAM A PROTEÇÃO DO ANTEPASSADO E

REFORÇAM A AMIZADE ENTRE OS DOIS MUNDOS.
O DESMAZELO NESTES RITOS PODE CONSIDERAR-SE COMO A MAIOR

INFÂMIA CONTRA UMA PESSOA E O MAIS GRAVE ATENTADO CONTRA A
SOCIEDADE SAGRADA. SEM RITOS FÚNEBRES NÃO HÁ SOBREVIVÊNCIA
FELIZ.
VIVENCIAM, COM SOLENIDADE, A SOLIDARIEDADE DUPLA. TENTAM

E CONSEGUEM VIVER COM O DEFUNTO PRESENTE A ÚLTIMA FESTA
COMUNITÁRIA, PRENÚNCIO E TAMBÉM ÊXITO DA SUA VIVÊNCIA
COMUNITÁRIA NO MUNDO INVISÍVEL. SABEM QUE OS ANTEPASSADOS
ESTÃO PRESENTES E SATISFEITOS PORQUE OS SEUS DESCENDENTES
CONTINUAM A ESTIMAR A SOLIDARIEDADE E A CUMPRIR A ÉTICA QUE
LHES LEGARAM.
NÃO HÁ OUTRAS MANIFESTAÇÕES RELIGIOSAS ALÉM DA VIVÊNCIA

MÍSTICA DO AMOR COMUNITÁRIO, CELEBRADO COM A ÁGAPE. NÃO
ESQUEÇAMOS QUE A CELEBRAÇÃO COMUNITÁRIA DA SOLIDARIEDADE
CONSTITUI O CULTO MEDULAR DA RELIGIÃO TRADICIONAL.
SÓ RECEBEM HONRAS FÚNEBRES AS PESSOAS LIVRES E

SOCIALMENTE BEM COMPORTADAS. PODE VIVER COM OS ANTEPASSADOS
QUEM SE APRESENTAR COMO EXEMPLO PARA A COMUNIDADE OU, PELO
MENOS, NÃO TIVER DESVIRTUADO AS NORMAS SÓCIO-RELIGIOSAS E, ALÉM
DISTO, REALIZOU A CONTINUIDADE E FORTALECEU A SOLIDARIEDADE
VERTICAL.
A SOLENIDADE DOS RITOS É FEITA EM PROPORÇÃO COM O

PRESTÍGIO SOCIAL E, SOBRETUDO, COM A INFLUÊNCIA VITAL DO DEFUNTO.
OS CHEFES MERECEM HONRAS ESPECIAIS QUE SE REVESTEM DA MAIOR
SOLENIDADE, COM A REUNIÃO DA COMUNIDADE. ASSIM CONSERVAM O
SEU ESTATO SOCIAL NO OUTRO MUNDO E NÃO GUARDAM
RESSENTIMENTOS CONTRA AS SUAS COMUNIDADES QUE, POR OUTRO
LADO, DESEJAM SE PRESTIGIAR COM POMPOSAS FESTAS. AS COMIDAS,
BEBIDAS E DANÇAS ADQUIREM TAL RELEVO QUE NÃO HÁ FESTA QUE AS
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SUPEREM. NESSAS OCASIÕES, SACRIFICAM ATÉ QUINZE BOIS. AS FESTAS

PODEM SE PROLONGAR POR UM MÊS SE O CHEFE FOR IMPORTANTE.
ESTÁ BASTANTE ESPALHADO O COSTUME DE DEIXAR CORROMPER

O CADÁVER DO CHEFE ATÉ QUE A CABEÇA SE DESPRENDA DO TRONCO. O
CRÂNIO DEVE FICAR PARA O HERDEIRO COMO FEITIÇO PROTETOR. ÀS
VEZES, ARRANCAM-LHE AS UNHAS PARA FABRICAR PODEROSOS FEITIÇOS
OU MANTER VIVA A SUA PRESENÇA, JÁ QUE A SUA PERSONALIDADE SE
PROLONGA ATÉ AÍ. CONFIAM TANTO EM SEU PODER QUE, EM MUITOS
GRUPOS, OS DIGNITÁRIOS O SEPULTAM NUM LUGAR ESCONDIDO, POR
EXEMPLO, NO LEITO DE UM RIO, PARA EVITAR QUE SEJA ESQUARTEJADO E
A SUA CARNE DESTINADA A VIVIFICAR FEITIÇOS. É FREQÜENTE O CULTO À
MORTE DO CHEFE DURANTE MESES, ATÉ UM ANO ÀS VEZES. TALVEZ
TENTASSEM EVITAR CONVULSÕES SOCIAIS OU FOSSE EXIGIDO POR
SITUAÇÕES POLÍTICAS.
O LUTO PELO CHEFE PODE DURAR VÁRIAS SEMANAS E É OBRIGADO

PARA TODOS. O TRABALHO É PROIBIDO. EM ALGUMAS PARTES, A
INFRAÇÃO DO LUTO É CASTIGADA COM A MORTE. OS QUE MORRIAM
DURANTE O LUTO NÃO PODIAM SER ENTERRADOS.
OS ESCRAVOS NÃO TINHAM HONRAS FÚNEBRES, VISTO QUE A SUA

NULA INFLUÊNCIA SOCIAL NÃO OS TORNAVA TEMIDOS, NEM HAVIA
INTERESSE EM OS PRESTIGIAR COMO ANTEPASSADOS. TAMBÉM NÃO SÃO
NECESSÁRIAS QUANDO MORRE UM ESTRANGEIRO, JÁ QUE ESTE NÃO
PARTICIPA DA INTERAÇÃO DERIVADA DA CONSANGÜINIDADE E POR ISSO A
COMUNIDADE NÃO TEM NENHUM INTERESSE EM O NATURALIZAR ENTRE
OS ANTEPASSADOS.
A INFÂMIA DE CERTAS ENFERMIDADES OU A BRUTALIDADE DO

ROMPIMENTO DA FAMÍLIA NÃO OFERECE GARANTIAS DE UMA AÇÃO
BENÉFICA. ALÉM DISTO, SERIA UM ASSUNTO AOS ANTEPASSADOS. ASSIM,
SÃO EXCLUÍDOS DO GRUPO DOS ANTEPASSADOS OS LEPROSOS, OS QUE
MORREM DE ACIDENTE, OS SUICIDAS, OS TARADOS PSÍQUICOS, OS
EPILÉTICOS E OS CELIBATÁRIOS.
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AS CRIANÇAS, SOBRETUDO SE AINDA NÃO FORAM “CHAMADAS”, E

OS JOVENS RECEBEM HONRAS MUITO MAIS SIMPLES, E A COMUNIDADE
NÃO PRECISA LHES PRESTAR CULTO. PELA SUA IMATURIDADE E POUCA
INFLUÊNCIA VITAL, NÃO PREOCUPAM.
OS QUE VIOLARAM COM GRAVIDADE A ÉTICA COMUNITÁRIA,

CRIMINOSOS, LADRÕES, VÍTIMAS DE ORDÁLIOS, INIMIGOS PÚBLICOS E,
SOBRETUDO, OS FEITICEIROS CONFESSOS OU ACUSADOS NÃO RECEBEM
HONRAS FÚNEBRES. A SOCIEDADE CONDICIONA A HONRA AOS
ANTEPASSADOS COM COMPORTAMENTO ÉTICO.
LOGO DEPOIS DE MORRER, ENTERRAM OS FEITICEIROS, QUASE

SEMPRE MUTILADOS (PARTINDO-LHES AS PERNAS, POR EXEMPLO) PARA
QUE NÃO VOLTEM, OU ABANDONAM-NOS AOS ANIMAIS, OU QUEIMAM-NOS
E DISPERSAM AS CINZAS OU LANÇAM-NAS ÀS ÁGUAS. EM ALGUNS GRUPOS,
TAMBÉM SOFREM ESTA SORTE OS QUE MORREM DE FOME. TEM-SE RECEIO
DE QUE, SE FOREM ENTERRADOS DENTRO DO TERRITÓRIO COMUNITÁRIO,
ELES A PROPAGUEM.
ESTAS REPRESÁLIAS DA COMUNIDADE PROVAM QUE A ESTRUTURA

COERCITIVA É A MAIS FIRME GARANTIA DA ÉTICA.
HÁ GRUPOS QUE CRÊEM QUE OS CONDENADOS POR FEITIÇARIA SE

REVESTEM NO ALÉM DE UM CORPO INSIGNIFICANTE, REPUGNANTE, COM
CHEIRO NAUSEABUNDO E COM CABELEIRA ENCARNADA. LEVAM UMA
VIDA ERRANTE POR REGATOS EMANANCIAIS, ENCARNAM EM BESTAS OU
EM GATOS (POR ISSO REJEITAM ESTE ANIMAL) E COMEM CARNE HUMANA.
CASTIGADOS A NÃO PARTICIPAR NA VIDA DOS SEUS PARENTES, DEDICAM-
SE A TRANSTORNAR O RITMO DE VIDA INDIVIDUAL E COMUNITÁRIO. PELA
SUA ÍNDOLE MALÉVOLA, INVEJA, RESSENTIMENTOS E VINGANÇA, PODEM
OCASIONAR TODA A ESPÉCIE DE MALES, INCLUSIVE, CONVULSÕES SOCIAIS.
ATÉ CONSEGUEM POSSUIR INDIVÍDUOS. RODAM À NOITE PELAS ALDEIAS E
INTERVÊM NO FEITICISMO. PODEM APARECER AOS VIVOS EM FORMA DE
ESPECTROS OU FANTASMAS. A SUA VISÃO PRODUZ A MORTE DO VISITANTE
OU DE ALGUM FAMILIAR.
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LOGO QUE UMA PESSOA MORRE, OS SEUS FAMILIARES COMEÇAM A

CHORAR, A GRITAR E A DANÇAR SEM CESSAR, COM RITMO CADENCIADO E
MONÓTONO. LAMENTAM A SUA PERDA, CHAMAM-NO PELO SEU NOME,
AGRADECEM OS SEUS FAVORES, EXALTAM AS SUAS VIRTUDES,
AMALDIÇOAM O CAUSADOR DA MORTE E DESEJAM A FELICIDADE AO
DEFUNTO. OS PARENTES E AMIGOS ACOMPANHAM A GRITARIA COM
GESTOS, CONTORÇÕES E DANÇAS. ASSIM DEMONSTRAM AOS
ANTEPASSADOS A BONDADE DO FALECIDO, QUE PROCURAM CONTENTAR
PARA QUE NÃO REGRESSE CARREGADO DE INFLUÊNCIAS NEFASTAS. AS
FESTAS, ALÉM DISTO, ENTRETÊM E DÃO CORAGEM AO DEFUNTO
ENQUANTO ESPERA A SUA TRANSFORMAÇÃO EM ANTEPASSADO. LAVAM O
CADÁVER, VESTEM-LHE AS MELHORES ROUPAS, PERFUMAM-NO OU
BESUNTAM-NO COM ÓLEO DE PALMA. ALGUNS GRUPOS DEPOIS DE O
DESNUDAR E ANTES QUE LHE CHEGUE A RIGIDEZ, COLOCAM-NO NA
POSIÇÃO EM QUE DEVE SER ENTERRADO: SENTADO DE CÓCORAS, COM OS
BRAÇOS SOBRE O PEITO. COBREM-NO COM UM PANO, MANTO OU PELE DE
BOI E FICA SENTADO NUMA CADEIRA OU DEITADO NUMA ESTEIRA. ASSIM
PRESIDE AS FESTAS. OS FAMILIARES E OS AMIGOS PASSAM PELA SUA
FRENTE A SAUDÁ-LO ANTES DE PARTICIPAR DOS RITOS.
ESTA PREPARAÇÃO DO CADÁVER NÃO SÓ HONRA A SUA FAMÍLIA

COMO PRIVILEGIA O DEFUNTO, QUE SE APRESENTA COM DIGNIDADE NO
ALÉM-TÚMULO.
NÃO PRATICAM NENHUM GÊNERO DE MUMIFICAÇÃO, EMBORA, ÀS

VEZES, ESVAZIEM O CADÁVER, APERTANDO-LHE O VENTRE.
LOGO QUE UMA PESSOA MORRE, SAEM OS EMISSÁRIOS A

COMUNICAR A NOTÍCIA A PARENTELA. TODOS TÊM DE SER AVISADOS,
AINDA QUE SE ENCONTREM DISTANTES, PORQUE O PARENTE QUE NÃO FOR
AOS RITOS PODE SER ACUSADO DA FEITIÇARIA CAUSADORA DA MORTE.
ALÉM DISTO, É UM DOS MOMENTOS EM QUE MAIS SE ACENTUA O
SENTIMENTO DE SOLIDARIEDADE COMUNITÁRIA, JÁ QUE COLABORAM
COM O PARENTE PARA QUE ENCONTRE A PAZ.
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MESMO QUE TRABALHEM NA CIDADE, DEIXAM AS OBRIGAÇÕES E

DESLOCAM-SE A SUAS ALDEIAS. SOMENTE CIRCUNSTÂNCIAS EXTREMAS
PODEM IMPEDIR A PARTICIPAÇÃO NAS FESTAS FÚNEBRES DE UM
FAMILIAR.
AS CERIMÔNIAS DURAM DIAS, O CADÁVER COSTUMA CHEGAR A SE

DECOMPOR, ABUNDAM A COMUNIDADE DE BEBIDA, MATAM BOIS, CABRAS,
PORCOS E GALINHAS. CADA FAMÍLIA CONTRIBUI COM ALGUM PRESENTE,
AS MULHERES PREPARAM AS BEBIDAS TRADICIONAIS, OS INSTRUMENTOS
DE MÚSICA ARRANCAM E A DANÇA COMEÇA. COMENDO E BEBENDO,
CONVERSANDO E DANÇANDO, PASSANDO VÁRIOS DIAS. SÃO AS GRANDES
FESTAS DA SOCIEDADE BANTU. E COMO A MORTALIDADE É GRANDE E A
PARENTELA EXTENSA, ENCONTRAMOS O BANTO EM FREQÜENTES FESTAS.
NÃO SE ESQUECEM DE DERRAMAR UM POUCO DE SANGUE DAS

VÍTIMAS AO REDOR DO CADÁVER PARA QUE PARTICIPE TAMBÉM OU, COM
ELE, ASPERGEM AS PAREDES DA CASA PARA MOSTRAR AO DEFUNTO E AOS
ANTEPASSADOS QUE OS SACRIFÍCIOS CRUENTOS SÃO PROPICIATÓRIOS E
IMPERATÓRIOS. DE VEZ EM QUANDO, UM DOS PARENTES CHEGA JUNTO DO
CADÁVER E OFERECE-LHE UM BOCADO OU UM GOLE QUE ENTORNA A SEUS
PÉS OU LHE INTRODUZ NA BOCA. ESTAS COMIDAS E BEBIDAS TENTAM
DIMINUIR A TRISTEZA DO MORTO PARA QUE SE CONFORME COM A
MUDANÇA OPERADA.
SUSPEITAMOS TAMBÉM QUE ESTE SACRIFÍCIO DE VÍTIMAS ANIMAIS

ENCERRA UM CONTEÚDO SAGRADO, SACRIFICIAL E, INCLUSIVE, DE
ALIANÇA, QUE HOJE SE PERDEU OU QUE NÃO MAIS SE CONSEGUE CAPTAR.
A DANÇA E A ALEGRIA EXTERIORIZAM O PRAZER DA PARTICIPAÇÃO

CONSEGUIDA “MISTERIOSAMENTE”. ASSIM, MUNDO INVISÍVEL E VISÍVEL
FUNDEM-SE NA MAIS EFICAZ COMUNHÃO E O DEFUNTO HONRADO TORNA-
SE DEFINITIVAMENTE COMUNGANTE-PARTICIPANTE COM OS DOIS
MUNDOS.
A MAIORIA DOS GRUPOS SACRIFICA ANIMAIS, SOBRETUDO

BOVINOS, SOMENTE NESTAS FESTAS. EMBORA PRECISEM DE PROTEÍNAS E
Tata Nkasute
17
SENDO O BANTO UM APRECIADOR INCANSÁVEL DE CARNE, RESERVAM OS

SEUS ANIMAIS PARA OS ALAMBAMENTOS E PARA OS SACRIFÍCIOS
PROPICIATÓRIOS. OS RITOS FÚNEBRES, PELA ABUNDÂNCIA DE ANIMAIS
MORTOS, DESEMPENHAM UMA MISSÃO COMPENSADORA DO EQUILÍBRIO
ALIMENTÍCIO E DA ERRADA DIETÉTICA.
ESTES RITOS TERMINAM COM UMA REFEIÇÃO QUE CONSOLIDA A

FAMILIARIDADE. DECORRE NO MEIO DE MUITA ALEGRIA PORQUE O
DEFUNTO JÁ ESTÁ SATISFEITO EM CONPANHIA DE SEUS ANTEPASSADOS E
PRONTO A REVIGORAR A SUA COMUNIDADE.
Tata Nkasute
18
HAMBA (SINGULAR) OU MAHAMBA (PLURAL)
HAMBA PODE DESIGNAR MUITOS ASPECTOS, TAIS COMO ESTADOS

DE POSSESSÃO, INSTRUMENTOS DE ADIVINHAÇÃO, ISTO É, TODOS OS
SÍMBOLOS E FIGURAS QUE SE ACHAM NO CESTO DO ADIVINHO (GRANDE
PARTE ESCULPIDOS EM MADEIRA), CERTAS PARTES DE ÁRVORES, RAÍZES,
FOLHAS,GALHOS E FRUTOS, TRONCOS DE ÁRVORES GROSSEIRAMENTE
ESCULPIDOS, FIGURAS DE BARRO, PEQUENAS BONECAS VESTIDAS DE FIOS,
MINIATURAS DE CERTOS INSTRUMENTOS DE MÚSICA, MINIATURAS DE
CERTAS FERRAMENTAS LIGADAS À AGRICULTURA E À CAÇA, UMA GRANDE
VARIEDADE DE ESCULTURAS EM FORMA HUMANA E ANIMAL, PEDAÇOS DE
PELE DE CERTOS ANIMAIS, CASCOS DE TARTARUGAS, PEDAÇOS DE ROCHAS
CONSAGRADAS.
HAMBA SÃO DIVIDIDOS EM DUAS GRANDES CATEGORIAS: HAMBA

OBJETO, QUE CONSTITUEM A MAIOR PARTE, E HAMBA FORÇA, NÃO
OBJETOS E QUE TAMBÉM NÃO SÃO REPRESENTADOS.
HAMBA SÃO CAPAZES DE FAZER COISAS QUE OS VIVENTES NÃO

PODEM FAZER, ESTES HAMBA SÃO HABITAÇÕES DOS ANTEPASSADOS.
OS TSHOKWÉ DIZEM QUE SÃO OS SEUS ANCESTRAIS, SEUS SANTOS,

SEUS DEFUNTOS. MUITOS DELES DIZEM QUE OS MAHAMBA SÃO TUDO.
O QUE TODO HAMBA TEM EM COMUM É O "TATSCHI NGUZU", ISTO É,

FORÇA, PODER E, DENTRO DESTA CATEGORIA HAMBA, TEMOS O YITUMBO
(PLURAL) OU TSHITUMBO (SINGULAR) QUE SÃO MAGIAS, REMÉDIOS,
ENCANTAMENTOS, MEDICAMENTOS.
TODOS OS HAMBA, OU QUASE TODOS, RECEBEM OFERENDAS

DEPOSITADAS, ÀS VEZES, PRÓXIMO AOS ALTARES E ORATÓRIOS, ONDE SÃO
OFERECIDAS AOS ANCESTRAIS: PRECES, CÂNTICOS INVOCATÓRIOS E AS
INVOCAÇÕES.
OS HAMBAS SÃO CLASSIFICADOS QUANTO À:
Tata Nkasute
19
1. MATÉRIA DE QUE ELES SÃO FEITOS – ANIMAL, VEGETAL E MINERAL.

2. FORMA:
● ANTROPOMÓRFICA – HOMEM, DEUS OU ALGUM SANTO;
● ZOOMÓRFICA – HOMEM E ANIMAL;
● PITOMÓRFICA – FORMA DE PLANTAS E VEGETAIS;
● MISTAS – OBJETOS FEITOS DE VÁRIAS FORMAS, DE TUDO UM
POUCO.
3. CRONOLOGIA RELATIVA – TRANSMITIDA POR PARTE DOS ANCESTRAIS
QUASE MÍSTICOS.
4. FUNÇÃO – REPRESENTAR OS ANCESTRAIS CHEFES DA TERRA,
PROPICIA A CAÇA, O NASCIMENTO DE CRIANÇAS, DEFESA CONTRA
DOENÇAS, ADIVINHAÇÃO, ETC.
O CONJUNTO ONDE SE LOCALIZA O HAMBA É CHAMADO DE

MAKOMBE, AS CERCAS SÃO CHAMADAS TSHIPANGA E AS PRECES QUE NÓS
PRONUNCIAMOS NESTE LUGAR SÃO DESIGNADAS KUMBELELA, DO VERBO
KUKOMBELELA (ORAR).
OS TSHOKWÉ USAM UM TERMO PARA CERTOS ESPÍRITOS, POR

EXEMPLO: MUKIXI (SINGULAR) E AKISHI (PLURAL). ESTES SÃO ESPÍRITOS
DE CERTOS ANCESTRAIS QUE SE APRESENTAM SEMPRE DE MÁSCARAS. OS
MUKIXI NÃO SÃO DE ORIGEM TSHOKWÉ, ELES FORAM IMPORTADOS DOS
“LUNDA”.
AQUELE QUE USA O “LUKANO” (SÍMBOLO DO PODER TEMPORAL,

QUE É UM BRACELETE SAGRADO, CUJO SIGNIFICADO É SEMPRE O DE
ASCENDENTE DE UM ANCIÃO NOBRE DE GUERREIROS E CHEFES QUE TÊM
CONDUZIDO O POVO TSHOKWÉ ATÉ O LOCAL ONDE VIVEM ATUALMENTE) É
O RESPONSÁVEL PELA MONTAGEM DE UM HAMBA PRINCIPAL JUNTO COM
HOMENS DE FUNDAMENTAL IMPORTÂNCIA PARA A TRIBO.
VOU TENTAR DESCREVER AQUI PARTE DO RITUAL DE MONTAGEM

DE UM HAMBA DE CAÇA, APENAS PARTE, POIS ELE TEM A DURAÇÃO DE
TRÊS DIAS.
Tata Nkasute
20
NÃO PODEM ASSISTIR A ESTA CERIMÔNIA OS INDIVÍDUOS

CONSIDERADOS ESCRAVOS, CHAMADOS DE “TUPINJI” (SINGULAR RAPINJI).
É UMA CERIMÔNIA QUE É FEITA NO INÍCIO DO MÊS DE MAIO

QUANDO, EM ANGOLA, SE INICIA UMA ESTAÇÃO FRIA QUE SE CHAMA
CACIMBO.
O CAÇADOR, QUE ERA O CHEFE RESPONSÁVEL EM MONTAR O

HAMBA PRINCIPAL DA TRIBO, LEVAVA SEU EQUIPAMENTO COMPLETO:
FUZIL, FACA, MACHADO DE CAÇA, CARTUCHEIRA, GUARDADO EM UMA
CAIXA DE COURO QUE, FREQÜENTEMENTE, ERA ORNADA COM MOTIVOS
DECORATIVOS, ENCANTOS E HAMBA.
ELES ANDAM DENTRO DA VEGETAÇÃO À PROCURA DE ARGILA

FEITA DE FORMIGUEIRO E ESCOLHEM DOIS PEDAÇOS QUE ESTAVAM
FIXADOS NO CHÃO E SOBRE CADA UM TRAÇAM-SE OS OLHOS E ESBOÇA-SE
O NARIZ COM A AJUDA DE UMA FACA. EM SEGUIDA, PROCURA-SE UMA
PLANTA HERBÁCEA DAS CAMPINAS DO NORDESTE, NOMEADA DE
TSHISHINDJAKIIA. COM AS LONGAS FOLHAS TRANÇAM UM CORDELETE
QUE SERÃO UTILIZADOS PARA PENDURAR CADA UM DOS PEDAÇOS DA
ARGILA. DURANTE O ATO DE TRANÇAR AS FOLHAS, ELES CANTAM:
TRADUÇÃO
KAUTA MWAN’AM’EH! O PEQUENO FUZIL DE MEUS AVÓS.
NA HÁ NGONGA! OU DOS MEUS ANTEPASSADOS,
AKASE KA UIYANGA TUNAMBIA. A CARTUCHEIRA É PRECISO
QUE EU VOS LIGUE OU VOS
VINCULE
AOS GÊNIOS DA CAÇA.
DEPOIS ELE SE AMARRA COM UMA CORDA E CANTA AS MESMAS

PALAVRAS. EM SEGUIDA, ELE RETIRA OS IFIKA DO CHÃO, COLOCA SEU
FUZIL NO OMBRO E TOMA O CAMINHO DE VOLTA Á VILA. DURANTE O
CAMINHO, ELE CANTA SEMPRE ESTA CANTIGA:
TRADUÇÃO
Tata Nkasute
21
UTA WAM’EH KA WANGA O BRUXO OU FEITICEIRO NÃO

PODE NADA FAZER AO MEU FUZIL
MANANGULI TSHINGUNUNE KA ELE PODE COMER, NÃO PODE
WANGA TOCAR
UTA WAM’ÉH KA WANGA NÃO PODE NADA FAZER AO MEU
FUZIL
ANTES DISSO, ELE ESCOLHEU A CERCA DOS SEUS HAMBA E, ANTES

DE FAZER O BURACO PARA FINCAR OS MATUMBO E OS IFIKA, PREPAROU
UM NTUMBO TSHISUKULU TSHA MAYANGA OU TSHIKULU TSHA AJIMO,
QUE SERVEM PARA LAVAR OS SÍMBOLOS. ESTE NTUMBO É COMPOSTO DE
FOLHAS DE ÁRVORES DIVERSAS, COMO: TSHILAMA, KAJI KA MATUMBA,
MULOMBE E MUSOLE.
CAVAM-SE OS BURACOS ONDE SÃO COLOCADOS UMA OUTRA

PREPARAÇÃO TAMBÉM CHAMADA NTUMBO, COMPOSTA DE FOLHAS DE
ÁRVORE USHIYA E OVOS DE TSHILYAPAPUTU E DE ARGILA VERMELHA,
CHAMADA MUKUNDU. DURANTE ESSE TEMPO, O CAÇADOR ESTÁ CERCADO
DE OUTROS CAÇADORES, DE PESSOAS DA VILA E, ÁS VEZES, DE MULHERES
E, ATÉ MESMO, DE CRIANÇAS AINDA NÃO INICIADAS.
O BARRO OU ARGILA E A TERRA SÃO COLOCADOS EM DEVIDOS

PONTOS OU LUGARES. FREQÜENTEMENTE ESSA OPERAÇÃO É FEITA COM O
CONCURSO DE VÁRIOS HOMENS DA LINHAGEM, HABITANTES DA VILA.
DURANTE O TRABALHO DE MODELAGEM, ELES CANTAM SEMPRE O
SEGUINTE:
TRADUÇÃO
MAHEZO! VEM!
MAHEZO! VEM!
MAHEZO! VEM!
MAHEZO! VEM!
KAMPALANGA E LAVA-TE COM FORÇA,
KAUIYANGA Ò GÊNIO DA CAÇA.
Tata Nkasute
22
QUANDO ERA AINDA MUITO CEDO, ESPERAVAM A NOITE E, NO

MOMENTO EM QUE O SOL SE PUNHA, O CHEFE, SEMPRE RODEADO DE
PESSOAS DA VILA, COLOCA NA MÃO ESQUERDA UM PEDAÇO DE CABAÇA
COM FARINHA DE MANDIOCA E DIRIGE-SE AO REDOR DO LUGAR DOS
HAMBA. NESTA HORA, ELE, FAZENDO LARGOS GESTOS COM A OUTRA MÃO,
FALA:
YANGA YA KU TÁTA
UNATUKOLO YETWE
KASOKOTWE TSHA KUSEMA
KASOKOTWE TSHA NBUTO
KASOKOTWE KUPITA UPITE
KASOKOTWE TSHA KUSEMA TSHAMBO
JETU TSHA TUSUMBI
HALAPWILA NA KUHUKA NYI
TUKUNGANYALA
KUGANNYALA KUTSHIA IFO
MAHEZO!
MAHEZO!
MAHEZO!
MAHEZO!
KAMPALANGA!
KAUIYANGA
TRADUÇÃO
VEJAM, Ò ANCESTRAIS, QUE VOCÊS ERAM GRANDES CAÇADORES, COMO
NÓS OS ESTIMAMOS E NÃO OS ESQUECEMOS. NOSSA PROVA É ESTA PRECE
E ESTE SACRIFÍCIO.
QUE NOSSOS MENINOS E MENINAS CRESÇAM, QUE NOSSAS SEMENTES
GERMINEM NA TERRA, QUE SEMPRE POSSAMOS VIVER EM BOA SAÚDE E,
EM TODAS AS CIRCUNSTÂNCIAS, SEJAMOS ABENÇOADOS E QUE A CAÇA
ABUNDE E QUE NOS PROCURE A CARNE.
PRONUNCIANDO ESSA PRECE, O CHEFE ESPALHA SOBRE OS HAMBA

FARINHA DE MANDIOCA. DEPOIS ELE E TODOS OS ASSISTENTES PEGAM UM
Tata Nkasute
23
NTUMBO PREPARADO PREVIAMENTE COM ÁGUA E CASCA DE ÁRVORE

CHAMADA MUTUNDO, QUE ESTAVA DENTRO DE OUTRA CABAÇA, E
ESFREGA O CORPO DO UMBIGO PARA OS BRAÇOS. EM SEGUIDA, O CHEFE
REPETE A INVOCAÇÃO PROCEDENTE, SALPICANDO OU JOGANDO OUTRA
VEZ SOBRE OS HAMBA.
AGORA TODO MUNDO ESFREGA O CORPO COM A FARINHA, FAZ UM

TRAÇO SOBRE A FRONTE E RETORNAM A SUAS CASAS. DURANTE ESSE
TEMPO, FICAM INTERDITADAS AS RELAÇÕES SEXUAIS.
NO DIA SEGUINTE, O CHEFE, ACOMPANHADO DAS PESSOAS DA VILA,

APRESENTA-SE DIANTE DOS HAMBA, PORTANDO A PEMBA DENTRO DE UMA
CABAÇA. ELE ESFREGA OS HAMBA COM ESSA ARGILA E OS ASSISTENTES
FAZEM UM TRAÇO SOBRE A FRONTE E O PEITO, CANTANDO OS VERSOS
SEGUINTES:
AKASE KA UIYANGA TUNAMBIA

AKA UTA TWAMI TUNANGONGA
AKA KA UIYANGA TUNAMBIA
TRADUÇÃO
A CARTUCHEIRA É PRECISO.
QUE EU VOS LIGUE E VINCULE AO GÊNIO DA CAÇA.
ANTES DE FIXAR OS IFIKA, COLOCA-SE DENTRO DE UM BURACO OS

NTUMBO ANTERIORMENTE DESCRITOS, CHAMADOS USHIYA, WASHI OU
TSHILYAPUTU E JUNTAM UM POUCO DE PÓ DE MUKUNDU. DURANTE A
OPERAÇÃO ELE CANTA E OS ASSISTENTESREPETEM EM CORO:
MAHEZO!
MAHEZO!
MAHEZO!
MAHEZO!
KAMPALANGA!
KAUIYANGA.
Tata Nkasute
24
ELE FARÁ ENTÃO SEU TRABALHO: COLOCARÁ A MUTOPA

(INSTRUMENTO PARA DEFUMAÇÃO, FEITO NUMA CABAÇA), DEPOIS
DEFUMARÁ UM POUCO E FIXARÁ OS HAMBA NO SOLO, DIZENDO:
UTA WAM’EH KA WANGA

MANANGULI TSHINUNI KA WANGA
TRADUÇÃO
O BRUXO OU FEITICEIRO NÃO PODE NADA FAZER AO MEU FUZIL
ELE PODE COMER, NÃO PODE TOCAR.
NÃO PODE NADA FAZER AO MEU FUZIL.
REPETE-SE O CÂNTICO DURANTE O TRABALHO, SEGUIDO PELOS

OUTROS.
QUANDO OS AJIMO E A MAYANGA FOREM FIXADOS NO SOLO, ELE

DIZ NOVAMENTE:
MAHEZO!
MAHEZO!
MAHEZO!
MAHEZO!
KAMPALANGA!
KAUIYANGA.
EM SEGUIDA, ELE ENTRA EM SUA CASA, DEIXA SEU FUZIL, O

MACHADO DE CAÇA E SUA CARTUCHEIRA DENTRO DE ALGO CHAMADO
TSHIPANGA. LAVA-SE COM O TSHISUKULU TSHA MAYANGA.
À NOITE, ELE CONVIDA TODO MUNDO A SE APROXIMAR DO

TSHIPANGA E ENTÃO COLOCA NA MÃO UMA CABAÇA CONTENDO O
TSHISUKULU TSHA MAYANGA E A FARINHA DE MANDIOCA, QUE SÃO
DEPOSITADAS LENTAMENTE PERTO DOS HAMBA. ISSO É FEITO
PRONUNCIANDO-SE AS SEGUINTES PRECES, QUE SÃO SEMPRE REPRISADAS
PELOS ASSISTENTES:
MAHEZO!
MAHEZO!
Tata Nkasute
25
MAHEZO!
MAHEZO!
KAMPALANGA!
KAUIYANGA.
TRADUÇÃO
UNAGA U, NUNGWIVA HAMBA ESTA FARINHA VOCÊ ENTENDE, Ó
YAMI MEU HAMBA
MOMENE MUNGUIIA UM YAMBO AMANHÃ NÓS IREMOS À CAÇA E
KASHITU NGAMBO NÓS CAÇAREMOS A CAÇA
MAHEZO!
MAHEZO!
TRADUÇÃO
MUTUKESHI KUIINGA WANDA NINGUÉM NÃO PODERÁ VIVER
LUME KWATA KANYINE KASHITU SEM MATAR A CAÇA; QUANDO A
MAFWA GENTE ACHA UM ANIMAL, A
GENTE DEVE MATÁ-LO
MAHEZO!
MAHEZO!
MAHEZO!
MAHEZO!
TRADUÇÃO
HAMENE MUMAIIA TUNAII AMANHÃ NÓS IREMOS CAÇAR
KASHITU NGAMBO
MUTUIZA MUTU KUKOMBELELA QUEREMOS REZAR, ORAR,
MUTU KWAHA IFO NYI MANYINGA QUEREMOS TE DAR A CARNE E O
WANENGA HANGA UTWEHW SANGUE, PORTANTO EU TE
KUSEMA NYI KULELA NYI PERGUNTO SOBRE A NOSSA
KUHINDUKA,HAMBA LYAMI! SORTE, A SORTE DAS NOSSAS
CRIANÇAS; QUE OS NOSSOS
FILHOS VÃO BEM E QUE TODOS
TENHAM BOA SAÚDE, Ò MEU
HAMBA
Tata Nkasute
26
APÓS ESTA INVOCAÇÃO, AS PESSOAS ENTRAM EM SUAS CASAS,

DORMEM E, NA MANHÃ SEGUINTE, OS CAÇADORES PARTEM PARA A CAÇA
MUITO CEDO, PORTANDO SUAS ARMAS. ELES SE DIRIGEM AO LOCAL ONDE
ELES SABEM QUE HÁ A CAÇA.
A PROCURA DA CAÇA FOI REPLETA DE INCIDENTES, MAS

FINALMENTE ELES CONSEGUEM MATAR UM ANTÍLOPE. ELES RETORNAM À
CIDADE CANTANDO A SEGUINTE INVOCAÇÃO:
TSHIBINDA HEUA HEUA!

HEUA A YAY’EH
HEUA A YAY’EH
KASA KA UIYANGA TUNAMBIA!
KA UTA MAM’EH MANGONGA!
AKASE KA UIYANGA TUNAMBIA!
HEUA A YAY’EH
TRADUÇÃO
TU ESTÁS CONOSCO, GÊNIO DA CAÇA! COM MEU FUZIL, MINHA
CARTUCHEIRA. TU ESTÁS CONOSCO, GÊNIO DA CAÇA!
ELES CANTAM ATÉ A CIDADE, ONDE A CAÇA É COLOCADA NO

INTERIOR DA CABANA DOS AJIMO E DOS MAYANGA. É NECESSÁRIO
EVIDENCIAR SE O ANIMAL NÃO FOI SANGRADO, E AS EVOCAÇÕES SE
SUCEDEM. DURANTE AS MESMAS, TODOS COSPEM NO CHÃO.
MAHEZO!
MAHEZO!
MAHEZO!
MAHEZO!
KAMPALANGA!
KAUIYANGA
NGAMBO!
JAFWA IFO
Tata Nkasute
27
NGAMBON JAFWA IFO KASHITU MUKA?

NGULUNGU!
MATE NYI MALENJI!
O CHEFE COLOCA-SE EM POSIÇÃO DE CORTAR A CAÇA, QUE JÁ

TERIA SIDO ATADA COM FOLHAS DE MWANGA. CONTA-SE ATÉ DEZ E
SANGRA-SE O ANIMAL. O SANGUE FLUI AINDA QUENTE QUANDO É
COLOCADO SOBRE OS HAMBA.
TODOS OS CAÇADORES PRESENTES COLOCAM-SE EM ORDEM, DE

FRENTE PARA SEUS HAMBA, DEPOSITANDO NELES SEUS FUZIS E ARCOS. AS
FOLHAS DE MWANGA FICAM SOBRE MPOKO E ESSES INSTRUMENTOS NÃO
DEVEM SER REMOVIDOS ANTES DA MANHÃ SEGUINTE.
A CAÇA É ENTÃO DIVIDIDA, MAS NINGUÉM AINDA PEGA A SUA

PARTE. O CHEFE CHAMA SUA PRIMEIRA MULHER E LHE DÁ UM POUCO DE
FARINHA DE MANDIOCA, COM A QUAL ELE FAZ BOLOS E COLOCA-OS COM
OS PEDAÇOS DO CORAÇÃO DA CAÇA SOBRE A CABEÇA DOS
ASSENTAMENTOS OU DOS SÍMBOLOS HAMBA.
DURANTE TODOS ESTES RITUAIS, OS CAÇADORES PRESENTES

PERMANECEM EM PÉ COM AS ARMAS NA MÃO E, CADA VEZ QUE O CHEFE
COLOCA O SANGUE E O BOLO DE MANDIOCA SOBRE O ASSENTAMENTO,
ELES AJUDAM, DIZENDO:
MAHEZO!
MAHEZO!
MAHEZO!
MAHEZO!
KAMPALANGA!
KAUIYANGA.
EM SEGUIDA, A MWATA MWALI MANDA PROCURAR UMA PANELA

DE CERÂMICA, E O CHEFE INTRODUZ UM PEDAÇO DE CARNE DA CAÇA QUE
É COZIDO PELA PRIMEIRA VEZ NO TSHIPANGA DOS HAMBA.
Tata Nkasute
28
A MWATA MWALI TOMA A PANELA E, AO MESMO TEMPO, TODOS OS

CAÇADORES PRESENTES, INCLUSIVE O CHEFE, OLHAM OS CANOS DOS FUZIS
QUE ESTÃO COLOCADOS NA BORDA DAS PANELAS LEVANTADAS.
PARA ESSE ATO, O SOBA JÁ TRANSPORTOU OS PEDAÇOS DE

MADEIRA INCANDESCENTE DA TSHOTA ATÉ AS CABANAS DOS HAMBA,
ONDE SE COLOCAM TAMBÉM TRÊS PEDRAS EM FORMA DE TRIÂNGULO,
MAIS A PANELA COM OS CANOS DOS FUZIS NA MÃO E A NAMWALI. NESTE
MOMENTO, ELES NÃO SÓ DANÇAM COMO CANTAM, E É O CHEFE QUEM
PUXA O CÂNTICO:
WATELEK’EH!
MAMA NAMAKOL’EH
IMBIYA WEMA PWILILI
MAMA NAMAKOL’EH!
COZINHA ,COZINHA
Ò MÃE NAMAKOLA
TRADUÇÃO
ESTA QUE NOS DÁ FORÇAS PARA RESISTIR FIRME
DEIXA COZINHAR BEM COMPLETAMENTE, Ó MÃE NAMAKOLA.
ELES REPETEM BEM LENTAMENTE SEMPRE A MESMA COISA,

COLOCAM A PANELA NO FOGO E DIZEM, EM SEGUIDA, O CÂNTICO:
MAHEZO!
MAHEZO!
MAHEZO!
MAHEZO!
KAMPALANGA!
NAGAMBO!
JAFWA IFO
MATE NYI MALENJI
NO FINAL, TODOS COSPEM NO CHÃO.
Tata Nkasute
29
A PANELA É COLOCADA NO FOGO, OS ASSISTENTES VÃO, CADA UM,

PARA SUAS CASAS, AS MULHERES PREPARAM OS BOLOS OU MINGAU DE
MANDIOCA.
QUANDO A CARNE JÁ ESTA COZIDA, A NAMWALI DIZ AO CHEFE QUE

APELA E CHAMA TODOS OS CAÇADORES. ESTES VÊM ACOMPANHADOS DE
SUAS FAMÍLIAS, MAS SEM OS ESCRAVOS.
PARA TIRAR A PANELA DO FOGO, ELES FAZEM OS MESMOS GESTOS,

CANTAM OS MESMOS CÂNTICOS E, MAIS ALTO, O PRIMEIRO VERSO:
WATELUL’EH,WATELUL’EH
MAHEZO!
MAHEZO!
MEHEZO!
MAHEZO!
MATE NYI MALENJI.
A CARNE DA CAÇA É ENTÃO DISTRIBUÍDA, MAS NINGUÉM PODE

COMER MAIS QUE O BOLO DE MANDIOCA.
ELES AGUARDAM O PÔR-DO-SOL E, POR VOLTA DAS 5H30MIN DA

TARDE, O CHEFE CHAMA OS HABITANTES DA VILA QUE RODEIAM O
TSHIPANGA, AGACHAM-SE, COLOCAM A MÃO NA TERRA E APLAUDEM
DUAS VEZES. O GRANDE CAÇADOR ENTÃO VAI INVOCAR OS ANCESTRAIS E
FALA PRIMEIRAMENTE AOS AJIMO:
MAHEZO!
MAHEZO!
MAHEZO!
MAHEZO!
KAMPALANGA!
KAUIYANGA.
TUKEZA KUNO KULI YENU MAKULWANA NYI A KAKA NYI A MATFU,NYI A
TÁTA, NYI A MÁMA. MUZE TUHEZ KUNWE KUTWEJIA ESHA MOKO MOKO!
WATA NYI HAMBA KESHI MUHAMBULUKA WATA NYI AJIMO KESHI KU
MUJIMO KA.
Tata Nkasute
30
HITUHINDUKA, HITUSEME, HITULELE, HITUSHEHE IFO, HITUPITSHI UPITE,

HITULIMI TSHIUNDU.
TUSHITU API UM YAMBO HEMI NGIMDO IJIMO MASANGO MUTULIMA
HATOMO.MBUTO YESWE HIMI KAPEMA,TUHINDUKA KAPEMA. MATE NYI
MALENJI!
TRADUÇÃO
CAÇAR NOSSA CAÇA, QUE TENHAMOS SEMPRE SORTE EM TODAS AS COISAS
DO MUNDO, QUE NÓS VIEMOS AQUI, Ò ANCESTRAIS, Ò ANTEPASSADOS, Ò
TIA, PAIS, MÃES. NÃO PENSEM QUE VIEMOS AQUI POR NADA, NÃO DEIXEM
ESCAPAR NOSSA CHANCE, QUE NOSSA SORTE SEJA PARA NOSSAS
MULHERES, ASSIM NÓS VAMOS PEDIR A SAÚDE PARA TODO. QUE AS
NOSSAS CRIANÇAS NASÇAM BEM, QUE A ALIMENTAÇÃO COZINHE BEM,
QUE A MANDIOCA POSSA BEM CRESCER E QUE OS ANIMAIS SELVAGENS
FIQUEM EM SEUS BURACOS NA FLORESTA, PORQUE ELES DESTROEM TUDO
E COMEM O FRUTO DE NOSSA VEGETAÇÃO. QUE O MILHO E AS SEMENTES
CRESÇAM E TODO MUNDO TENHAM BOA SAÚDE.
ENTÃO TODOS COSPEM NO CHÃO.
EM SEGUIDA, TODOS OS ASSISTENTES TOMAM A FARINHA DE

MANDIOCA QUE ESTÁ NO PRATO OU NA CABAÇA, DESENHAM UM TRAÇO
SOBRE SUAS FRONTES E SE VÃO. SOMENTE O CHEFE FICA DENTRO DA
TSHIPANGA, AGUARDA O PÔR-DO-SOL PARA ENTRAR NA SUA CASA.
DESDE ESSE MOMENTO, AS PROIBIÇÕES SEXUAIS FICAM SUSPENSAS,

O CHEFE DEVE DORMIR COM SUA NAMWALI E COM OS OUTROS DEVE
ACONTECER O MESMO.
NA MANHÃ SEGUINTE, ELES VOLTAM AO TSHIPANGA, O CHEFE OU O

GRANDE CAÇADOR TOMA A PEMBA E FAZ OS TRAÇOS DE NOVO SOBRE A
FRONTE E O PEITO DAS PESSOAS PRESENTES. EM SEGUIDA, ELE TOMA A
PEMBA NA BOCA E SOPRA SOBRE TODOS OS FUZIS E ARCOS DEIXADOS
SOBRE OS TAPUMES DOS HAMBA. DEIXA, COMO OFERENDA AOS AJIMO E
MAYANGA, O PEDAÇO DE CARNE COZIDO NO INTERIOR DA TSHIPANGA,
ONDE FICAM TAMBÉM O ITUMBO POR KUSUKULA TSHA MAYANGA E AS
Tata Nkasute
31
DUAS CABAÇAS, UMA COM FARINHA DE MANDIOCA E A OUTRA COM PÓ DE

PEMBA.
DESDE ENTÃO OS HOMENS COMEM A CARNE DA PRIMEIRA CAÇA,

SACRIFICADA AOS HAMBA. À NOITE, DÃO LUGAR AO TSHYANDA “GRANDE
DANÇA DOS TSHOWKÉ”, ACOMPANHADAS DE BEBIDAS, COMIDAS E
ALEGRIA EM TODOS OS CORAÇÕES.
Tata Nkasute
32
O CLÃ DOS FERREIROS
VÁRIAS SÃO AS FORMAS TOMADAS POR UM FERREIRO, ÀS VEZES,

MONSTRO, GUARDIÃO DE TESOUROS. ESTÁ LIGADO À CRIAÇÃO DO MUNDO,
É SÍMBOLO DA ATIVIDADE CELESTE, MANTÉM RELAÇÃO ÍNTIMA COM A
TERRA DE ONDE TIRA SUA MATÉRIA-PRIMA. É GRANDE FEITICEIRO,
DOTADO DE ALTA MAGIA, CUJO TRABALHO ERA RODEADO DE RITOS DE
PURIFICAÇÃO. LIGAVA-SE TAMBÉM ÀS CHUVAS E À CURA DAS
ENFERMIDADES, FAVORECIA A FERTILIDADE DAS MULHERES, ANIMAIS E
DAS ÁRVORES, ERA AQUELE CAPAZ DE UNIR ÁGUA E FOGO, RESULTANDO
NA GRANDE OBRA.
TALVEZ POR TODOS ESSES ATRIBUTOS, O CLÃ DOS FERREIROS ERA

TEMIDO E RESPEITADO POR TODOS OS POVOS BANTU, ENTRE OS QUAIS
SUCEDIAM A PRIMEIRA CLASSE TIDA COMO A MAIS IMPORTANTE – “O CLÃ
DOS CAÇADORES” – E QUE, NO DECORRER DO TEMPO, ACABARAM
ALCANÇANDO O MESMO PATAMAR, ASSUMINDO LUGAR DE CHEFES DE
“CANDA”, QUE SE FUNDAVA NO SANGUE E NO CULTO DOS ANCESTRAIS,
TORNANDO-SE MEDIADORES NÃO APENAS ENTRE OS MEMBROS DA
SOCIEDADE, PORÉM, DO MESMO MODO, ENTRE O MUNDO DOS MORTOS E O
DOS VIVOS.
FOI O CLÃ DOS FERREIROS QUE UNIFICOU OS GRANDES GRUPOS

ÉTNICOS BANTU, COMO CAÇADORES-GUERREIROS-FERREIROS, GRUPOS
QUE SE FORTALECERAM E SE ESPALHARAM POR TODA ÁFRICA E ASSIM,
SUPONHO EU, É QUE FORAM INTRODUZIDOS OS FERROS DENTRO DE NOSSA
CULTURA, HOJE INSTALADA AQUI NO BRASIL. CULTURA QUE ADOTOU O
FERRO COMO FORMA DE DIVINDADE, SÍMBOLO DE PODER, TALVEZ UMA
MARCA REGISTRADA DE NOSSOS ANCESTRAIS DIVINIZADOS “OS GRANDES
FERREIROS”.
Tata Nkasute
33
NESTE PENSAMENTO, PODEMOS HOJE OBSERVAR TODAS AS CASAS

DE CULTO, SEJAM ELAS BANTU, JEJE-YORUBANA, ETC., QUE NÃO
ENCONTRAREMOS UMA SEQUER QUE NÃO CULTUE OU NÃO TENHA
CULTUADO UMA DIVINDADE REPRESENTADA NO FERRO, QUANDO
SABEMOS QUE, EM KONGO/ANGOLA, ESTAS MESMAS DIVINDADES
ESTAVAM REPRESENTADAS NA NATUREZA E, MUITAS VEZES,
SIMBOLIZADAS EM MADEIRA OU ARGILA, MAS NUNCA, EM MEUS ESTUDOS,
ME DEPAREI COM ALGUMA SEQUER NO FERRO, POIS, MESMO OS
FERREIROS, CULTUAVAM A NATUREZA E, NA MAIORIA DAS VEZES, SUAS
DIVINDADES ERAM ÁRVORES, QUE SE POSICIONAVAM AO LADO DE RIOS.
TALVEZ TENHA SIDO DE UM EXAGERO DO CLÃ DOS FERREIROS
DESEMBARCADOS NO BRASIL QUE RESULTOU, NA MAIOR PARTE DAS
CASAS, NUMA FLORESTA DE FERROS, ESQUECENDO-SE QUE A ESSÊNCIA
ESTÁ NA TERRA, ÁGUA E SEUS DESCENDENTES (ÁRVORES, ETC.).
ELES PERPETUARAM UMA FORMA DE CULTO QUE DIFICILMENTE

CONSEGUIREMOS RETOMAR A SUA FORMA PRIMITIVA, MAS
INCANSAVELMENTE, EM PONTOS ISOLADOS, A VOZ DE NOSSOS
ANCESTRAIS NÃO SE CALA, FALANDO ATRAVÉS DE SEUS CO-
DESCENDENTES QUE DIVINDADE NÃO É O FERRO E QUE O FERRO É APENAS
UMA FORMA DE PERPETUAR A FORÇA E A IMPORTÂNCIA DO “CLÃ DOS
FERREIROS”, UMA MARCA REGISTRADA.
É DEFENDENDO ESTA TESE QUE DIGO QUE, MESMO ESTANDO NUM

PAÍS ONDE NOSSOS ANCESTRAIS ERAM CAÇADORES E AGRICULTORES
COMO OS NOSSOS PRIMITIVOS BANTU, FOMOS ENVOLVIDOS PELO “CLÃ
DOS FERREIROS”, OS QUAIS FIZERAM SIMBOLIZAR A DIVINDADE DA CAÇA
COM O FERRO, FICANDO ASSIM COMPROVADA A TESE DE QUE O “CLÃ DOS
CAÇADORES” AQUI DESAPARECEU, CUJAS DIVINDADES, REPRESENTADAS
POR ARGILA E MADEIRA, NÃO MAIS EXISTEM, COMO TAMBÉM AS
DIVINDADES DOS FERREIROS CONFUNDEM-SE COM FERROS.
Tata Nkasute
34
KONGO NJILA
KONGO NJILA, TÍTULO RESERVADO AOS GRANDES GUERREIROS DO

KONGO, APRESENTAM-SE NUS. ALGUNS SE DESTACAM USANDO PELES DE
FERAS, USAM TAMBÉM ENFEITES E LINDAS PENAS, MUITOS SÃO
HORRIVELMENTE DEFORMADOS E PINTADOS.
ELES REPRESENTAM UM EXÉRCITO DISCIPLINADO E DE EXTREMA

CORAGEM, PORÉM SUAS ARMAS OFENSIVAS SÃO POBRES E, PARA
GARANTIR AS TERRAS DO KONGO, UTILIZAM-SE DE TRIBUTOS COBRADOS
AO GRANDE “MANIKONGO”, SENHOR DO KONGO. ESTE APROVEITA PARA
FORTALECER SEUS EXÉRCITOS DE KONGO NJILA COM ARMAS COMO SETAS,
ARCOS, ESPADAS, FACAS, ALFANGES DE FERRO OU DE MADEIRA, QUE A
MUITOS FALTAM E APENAS SE DEFENDEM A CORPO NU, COM GRANDES
ESCUDOS.
ESTES EXÉRCITOS SÃO FREQÜENTEMENTE PASSADOS EM REVISTA

“AS SANGARAS”, DO VERBO KIKONGO “KU-SANGA”, CUJO SIGNIFICADO É
MOSTRAR-SE FIEL. NESTAS REVISTAS SÃO SIMULADAS BATALHAS NAS
QUAIS DEZENAS DE SOLDADOS ACABAM MORRENDO, POIS ALGUNS SE
APROVEITAM DA CONFUSÃO PARA VINGAREM SUAS OFENSAS PESSOAIS.
DURANTE A BATALHA SE OUVEM GRITOS, COMO: “QUEM PODERÁ
DERRUBAR O PODERIO DO NOSSO REI?”, “QUEM SE ATREVERÁ A LEVANTAR
ARMAS CONTRA OS SEUS POTENTÍSSIMOS EXÉRCITOS?”, “VIVA
ETERNAMENTE O NOSSO REI DO KONGO SOBRE O SOL E SOBRE TODOS OS
ASTROS!”, “FIQUEM EXTERMINADOS TODOS OS SEUS INIMIGOS!”.
TERMINADA A BATALHA, O GRANDE REI ORGULHOSO PROCURA

RECONHECER A EFICIÊNCIA DE SUAS TROPAS, POIS ELES
DESTEMIDAMENTE DESPREZAM A VIDA E O SANGUE. O REI PAGA TAL
SERVIÇO COM ABUNDÂNCIA DE ALIMENTOS E VINHO, QUE PROPORCIONAM
GRANDES APLAUSOS.
Tata Nkasute
35
QUANDO EM BATALHA REAL, O MANTIMENTO QUE OS EXÉRCITOS

LEVAM CONSIGO É MÍNIMO PARA TANTA MULTIDÃO. ENTÃO SE APODERAM
DE ALIMENTOS ENCONTRADOS EM CAMPOS E POVOADOS, MUITAS VEZES
SAQUEADOS, CAÇAM TODOS OS ANIMAIS QUE ENCONTRAM E NÃO POUPAM
NEM AS RAÍZES, BICHINHOS COMESTÍVEIS, SERPENTES, GAFANHOTOS E
ATÉ MESMO AS FORMIGAS. MUITOS MORREM DE FOME SEM ANTES CHEGAR
À BATALHA E OS DOENTES SÃO DEIXADOS PARA TRÁS, SERVINDO DE
ALIMENTO DAS FERAS OU, JULGANDO USAR COM ESTES A MISERICÓRDIA,
CORTAM-LHES A CABEÇA PARA NÃO SEREM PRISIONEIROS DOS INIMIGOS.
AO FINAL DA GUERRA, ESTES FEROZES E DISCIPLINADOS

GUERREIROS ESTÃO SEMPRE PRONTOS PARA SE POSICIONAR AO MENOR
BOATO DE GUERRA, VOLTANDO LOGO AO ENCONTRO DO INIMIGO.
MANI NJILA
NO REINO DE MATAMBA E NAS REGIÕES PRÓXIMAS, ENCONTRAMOS

OS MANI NJILA (SENHORES DOS CAMINHOS), CONSTITUÍDOS COMO CHEFE E
GUIA DE UM GRUPO.
CADA GRUPO CONTÉM DOIS MANI NJILA, O PRIMEIRO É CHAMADO

DE MUSSENGA E O SEGUNDO, DE KIKINDA. AMBOS LEVAM PÓS, ERVAS,
PEDRAS E SEMELHANTES BAGATELAS USADAS COMO AMULETO.
MEDIANTE ESSES OBJETOS, O MUSSENGA ENCANTA AS FERAS E, AO

ENTARDECER, CONVOCA OS COMPANHEIROS E, COM DESEMBARAÇO,
TRATA DE CONFORTÁ-LOS PARA QUE NÃO TENHAM MEDO, POR TER ELE JÁ
MARCADO UM CÍRCULO E COLOCADO NELE UM RECIPIENTE CHEIO DE
FILTROS MÁGICOS, DE MANEIRA QUE OS ANIMAIS MAIS FEROZES FUGIRÃO.
Tata Nkasute
36
O KIKINDA, RETAGUARDA DA COMITIVA, CUMPRINDO ELE TAMBÉM

SEUS DEVERES, FAZ UM RELATO AOS COMPANHEIROS DE QUE É
IMPORTANTÍSSIMA A VIGILÂNCIA DAS SENTINELAS.
MUITAS VEZES VIAJANDO, O GRUPO SE DEPARA COM A SERPENTE

“SUSI”, SERPENTE DE COR PRETA, COM DEZ PALMOS DE COMPRIMENTO,
QUE TEM O HÁBITO DE CUSPIR NO ROSTO UMA SALIVA TÃO PEÇONHENTA
QUE CEGA. DIZEM QUE O ÚNICO REMÉDIO PARA TAL É O LEITE MATERNO.
ESTE ENCONTRO É TIDO COMO AGOUREIRO E OS MANI NJILA SÓ
RETORNARÃO DA CAMINHADA SE FOR CONSTATADO, POR MEIO DE RITOS,
QUE O INFLUXO MALIGNO NÃO MAIS EXISTE.
ISSO ACONTECE TAMBÉM AO ENCONTRO COM CÃO, RATO, TIGRE,

LEÃO, DE MANEIRA QUE, TODO AQUELE DIA, TEIMAVAM EM NÃO DAR MAIS
UM PASSO E SOMENTE NO DIA SEGUINTE, A PARTIR DE UM ORÁCULO E
COM A GARANTIA DOS MANI NJILA, É QUE SEGUIAM NOVAMENTE SEU
CAMINHO.
MAS O ENCONTRO COM UMA LEBRE, UM COELHO, UMA CORDONIZ

OU OUTRO ANIMAL TÍMIDO, É SUFICIENTE PARA ENCORAJAR QUALQUER
EXÉRCITO. PORTANTO, CORRENDO ESTE BOATO NOTA-SE UMA ALEGRIA
GERAL E SE ALGUÉM CAPTURAR UM DESTES ANIMAIS SERÁ PROMOVIDO
DURANTE TODA AQUELA CAMPANHA.
ALÉM DISSO, SE ENCONTRAM OVOS DE PERDIZ, OS CHEFES TÊM

COMO RELIGIOSO COSTUME FAZER DELES COLARES, COMO FEITIÇO DE
GRANDE VIRTUDE PARA AUMENTAR A CORAGEM.
ENCRUZILHADA PARA OS BANTU
A ENCRUZILHADA LIGA-SE À SITUAÇÃO DE CRUZAMENTO DE

CAMINHOS QUE A CONVERTE NUMA ESPÉCIE DE CENTRO DO MUNDO.
Tata Nkasute
37
QUEM SE ENCONTRA EM UMA ENCRUZILHADA É, NESTE MOMENTO, O

VERDADEIRO CENTRO DO MUNDO.
LUGARES ONDE OCORREM APARIÇÕES, REVELAÇÕES POR

EXCELÊNCIA, AS ENCRUZILHADAS COSTUMAM SER ASSOMBRADAS POR
GÊNIOS OU ESPÍRITOS GERALMENTE TEMÍVEIS, COM OS QUAIS O HOMEM
TEM INTERESSE EM SE RECONCILIAR. É IGUALMENTE UM LUGAR DE
PASSAGEM DE UM MUNDO A OUTRO, DE UMA VIDA À OUTRA – PASSAGEM
DA VIDA À MORTE.
NAS REGIÕES DE FLORESTAS E SAVANAS, A ENCRUZILHADA

ASSUME A IMPORTÂNCIA DE ALGO SAGRADO. CADA VEZ QUE PASTORES SE
REÚNEM NUMA CLAREIRA, EM UM CRUZAMENTO DE CAMINHOS,
COSTUMAM BATIZÁ-LA ENCRUZILHADA DO ENCONTRO OU DA
RESIDÊNCIA. O LOCAL PASSA A SER SAGRADO APÓS UM RITUAL
ESPECÍFICO. O SENHOR DO CAMINHO – O INICIADO – ENTRA EM CONTATO
COM OS ESPÌRITOS QUE HABITAM O LUGAR, SEJA ATRAVÉS DE UM SONHO,
SEJA POR MEIO DE PLANTAS (ERVAS ESPECIAIS). CONFORME A DENSIDADE
OCULTA EXISTENTE NO LOCAL, ESTE SE TORNARÁ ACAMPAMENTO OU
ENCRUZILHADA DE ENCONTROS DURANTE MUITOS DIAS. AÍ SERÃO
OFERTADOS ANIMAIS: CABRAS MALHADAS, BOIS OU CARNEIROS. OS PIOS E
MOVIMENTOS DOS PÁSSAROS SERÃO INTERPRETADOS, PARTICULARMENTE
OS DA ROLA, POIS ELA É MENSAGEIRA DOS DEUSES E SEU CORAÇÃO NÃO
TEM NENHUMA AGRESSIVIDADE.
ENTRE OS BALUBAS, LULUAS E OUTROS BANTOS DO CASSAI,

COSTUMA-SE DEPOSITAR NAS ENCRUZILHADAS OFERENDAS COMO:
FERRAMENTAS, ALGODÃO BRUTO, TECIDOS, ETC. PARA OS ESPÍRITOS
“SOBA” QUE CONSTANTEMENTE INTERVÊM NOS DESTINOS HUMANOS. SÃO
DEPOSITADOS, NAS ENCRUZILHADAS, OBJETOS TIDOS COMO IMPUROS, QUE
SÓ OS ESPÍRITOS CONSEGUEM NEUTRALIZAR OU TRANSMUTAR EM FORÇA
POSITIVA. MUITOS DESSES OBJETOS PERTENCERAM AOS SEUS MORTOS,
POIS ACREDITAM QUE OS ESPÍRITOS DAS ENCRUZILHADAS SÃO CAPAZES
DE ABSORVER AS FORÇAS ASSIM ELIMINADAS E QUE, PARA ESSES
Tata Nkasute
38
ESPÍRITOS, ELAS CONSTITUEM UMA ESPÉCIE DE ALIMENTO MAIS TARDE

DEVOLVIDO AOS HOMENS SOB FORMA DE DONS, LIVRE DE TODA
IMPUREZA. COSTUMAM INVOCAR A PROTEÇÃO DESSES ESPÍRITOS, EM
PARTICULAR, NOS MOMENTOS IMPORTANTES DA VIDA COLETIVA,
PRINCIPALMENTE NA ÉPOCA DA SEMEADURA.
A ENCRUZILHADA ENTÃO TOMA FORMA DE UM TRIBUNAL DIVINO,

DIVIDINDO E SELECIONANDO AS ALMAS, MANDANDO-AS PARA LESTE OU
OESTE, DIREÇÃO DO PARAÍSO OU DO INFERNO, A MEIO CAMINHO ENTRE O
MUNDO URANIANO TRANSCENDENTE.
AS APLICAÇÕES PRÁTICAS NA ENCRUZILHADA SÃO NUMEROSAS,

ASSIM, A TERRA DAS ENCRUZILHADAS ENTROU NA PREPARAÇÃO DOS
INGREDIENTES QUE SÃO UTILIZADOS NOS ORDÁLIOS E NAS OPERAÇÕES
DIVINATÓRIAS. É TAMBEM NAS ENCRUZILHADAS QUE AS MULHERES
LULUAS E BALUBAS (INCUMBIDAS DO CUIDADO DAS PLANTAÇÕES)
COSTUMAM DEPOSITAR OS PRIMEIROS FRUTOS DAS COLHEITAS.
SE A CIDADE ESTIVER AMEAÇADA PELA FOME, A POPULAÇÃO

INTEIRA SE DIRIGE EM PROCISSÃO ÀS ENCRUZILHADAS MAIS PRÓXIMAS A
FIM DE DEPOSITAR ALI OFERENDAS DE VÍVERES OU DE VELHOS
UTENSÍLIOS DOMÉSTICOS, DESTINADAS ÀS ALMAS DOS ANCESTRAIS.
NAS ENCRUZILHADAS, AINDA, É QUE AS MULHERES ACABAM DE

DESMAMAR UM FILHO, FICANDO ASSIM DISPENSADAS DA PROIBIÇÃO
COSTUMEIRA DE TEREM RELAÇÕES SEXUAIS DURANTE O PERÍODO DE
ALEITAMENTO, SACRIFICANDO UMA GALINHA BRANCA ÀS ALMAS DAS
CRIANÇAS MORTAS.
A ENCRUZILHADA ENCARNA O PONTO CENTRAL, O PRIMEIRO

ESTADO DA DIVINDADE ANTES DA CRIAÇÃO, É A TRANSPOSIÇÃO DO
CRUZAMENTO ORIGINAL DE CAMINHOS QUE O CRIADOR TRAÇOU NO
COMEÇO DE TODAS AS COISAS COM SUA PRÓPRIA ESSÊNCIA PARA
DETERMINAR O ESPAÇO E ORDENAR A CRIAÇÃO.
Tata Nkasute
39
PARA OS BANTU, QUANDO UMA PESSOA NÃO SABE QUAL CAMINHO

SEGUIR, OS NGANGA DIZEM ESTAR EM ESTADO DE PAMBWA
“ENCRUZILHADA”.
O QUE DIZEM ALGUNS DE NOSSOS VELHOS TATAS E NENGUAS SOBRE

NJILA!
● SEM NJILA TODOS OS ELEMENTOS DO SISTEMA E SEU DEVER

FICARIAM IMOBILIZADOS.
● NJILA TEM A VER COM A CRIAÇÃO.
● NJILA LEVA A PROPULSIONAR, A CRESCER, A TRANSFORMAR, A

COMUNICAR, AJUDA AS PESSOAS A SE DESENVOLVEREM E A
ADQUIRIREM UM BOM NOME.
● NJILA VAI CONOSCO AONDE VAMOS, ESTÁ EM TODOS OS LUGARES,

PORQUE ESTÁ DENTRO DE NÓS; VÊ TUDO QUE VEMOS, POIS VÊ COM
NOSSOS OLHOS; SABE O QUE VAI ACONTECER, POIS CONHECE TODOS
OS CAMINHOS E FAZ PARTE DA ARTE DIVINATÓRIA.
● NJILA ESTÁ RELACIONADO COM AS CAVIDADES DO CORPO – KAXI

MUTUÊ (CABEÇA), MUZUMBU E DIKUTU (CAVIDADE DA BOCA E
ESTÔMAGO), TUMBU (UMBIGO), KIVAJI (CAVIDADE DO ÚTERO).
● NJILA, QUANDO MAVILE, É O MASCULINO, LIGADO A TERRA E À

CRIAÇÃO.
● NJILA, QUANDO MAVAMBO, É FEMININO, LIGADO A TERRA E A

CRIAÇÃO.
● NJILA ASSUME A FALA EM BIOLÊ.
● NJILA ASSUME A FALA EM BIONATAN, QUANDO FEMININA.
● NJILA ALUVAIÁ É A RUA QUE RESTITUI O QUE RECEBE.
Tata Nkasute
40
● NJILA CARACOXI, QUANDO SE APRESENTA AJOELHADO.
● NJILA IMBERIQUITI, QUANDO SENTADO.
● NJILA KITUNGUEIRO, QUANDO EM PÉ. VESTE ROUPA E SE APRESENTA

DE VÁRIAS FORMAS.
SEJA NA VISÃO DE NOSSOS VELHOS OU NA VISÃO ÁFRICA

KONGO/ANGOLA, NJILA NUNCA EXISTIRIA SE O MUNDO NÃO FOSSE CRIADO
EM UMA ENCRUZILHADA, A VERDADEIRA CRUZ DOS BANTU.
Tata Nkasute
41
NKOSI / HOJI
NKOSI/HOJI, COMO A PRÓPRIA PALAVRA DIZ, TRAZ A

REPRESENTAÇÃO DO LEÃO, CLÃ DOS FERREIROS–GUERREIROS,
REPRESENTADOS ARCAICAMENTE PELOS UMBUNDUS QUE SE SUBDIVIDEM
EM GRUPAMENTOS ÉTNICOS COMO: AMBUIS, BAILUNDOS, BIENOS,
CACONDAS, CHICUMAS, DOMBES, GANDAS, HANHAS, LUMBOS,
QUISSANGES, SAMBOS, SELES, SUMBES OU PINDAS, UAMBOS.
ESTE CLÃ SE ESPALHOU POR TODO POVO BANTU E, ENTRE OS

NHANECA-HUMBE, FICOU CONHECIDO COMO OVAKWANYIME – DE
ONYIME, NOME ARCAICO PARA DESIGNAR O LEÃO. VALE A PENA
RESALTAR QUE OVA SERIA O PLURAL, OU SEJA, “OS DO LEÃO”.
MUITOS SÃO OS CLÃS, COMO: DA SERPENTE, ELEFANTE,

CROCODILO, FALCÃO, BOI, LEBRE, E TAMBÉM PODEM SER REPRESENTADOS
PELO SOL, INSETOS, PEIXES, ÁRVORES, PLANTAS, ETC.
O INDIVÍDUO PERTENCE, AO NASCER, A DOIS DESTES CLÃS, O

PATERNO E O MATERNO, QUE VÃO PREDOMINAR NAS RELAÇÕES
FAMILIARES E SOCIAIS. OS CLÃS SÃO EXALTADOS EM FORMA DE
JURAMENTO, CHAMADO “OVI-ANO” (DO VERBO OKU-ANA, QUE SIGNIFICA
JURAR), POR MEIO DE CANÇÕES, E FICA PROIBIDA A PRONÚNCIA DO CLÃ
PATERNO SEM MOTIVO GRAVE; QUEM O FIZER COM LEVIANDADE OU
MESMO POR DISTRAÇÃO, PAGARÁ UMA MULTA AOS VELHOS MEMBROS DO
CLÃ.
AS CANÇÕES SÃO FORMAS DE HISTORIAR SUA DESCENDÊNCIA,

UMA CASTA SAGRADA, ETC. SÃO USADAS TAMBÉM NO CASAMENTO,
QUANDO O NOIVO FAZ O JURAMENTO CLÂNICO, MAS NUNCA COMPLETO,
APENAS PARA APRESENTAÇÃO DIANTE DA NOIVA, MOSTRANDO SUA
LINHAGEM E IMPORTÂNCIA.
EIS AQUI UM CANTO CLÂNICO DO LEÃO:
Tata Nkasute
42
“FORAM A VIPUNDYA-HOLI (ERVA QUE SE DÁ AOS VITELOS) DA

ONGUÉLIA, FORAM AONDE BEBIAM OS ANTÍLOPES, FORAM AONDE SUBIAM
AS GAZELAS, FORAM A NDYILUVA, FORAM AO HOLE, FORAM AO
MUKONGO, FORAM A TYITUNTHILA-MATAKO (REGIÃO ONDE SE
ESCORREGA), FORAM À PLANÍCIE DAS VERRUGAS (PEQUENAS COLINAS),
FORAM AOS MONTÍCULOS QUE ATINGEM A DEZENA, FORAM A ‘PUNJAS’
(ONOMPHUNDYA, PEQUENO ANTÍLOPE – RAPHICEROS CAMPESTRIS) QUE
DÃO DE MAMAR, FORAM A BAMBIS (ANTÍLOPE – CEPHALOPHIS GRIMMI)
QUE NÃO TÊM FILHOS.
“OH! OS DO LEÃO! (OS DO BICHO PARDO). ESTÃO NAS MOITAS E

RUGEM!
“OH! OS DO PASSÁRO BRANCO! OS DO GROU ALVO!”
PERCEBEMOS QUE OS CLÃS FAZIAM ALIANÇAS CHAMADAS

“OTYISOKO”, MANTENDO UM PARENTESCO ENTRE SI NO CASO DO
OVAKWANYIME (LEÃO) E DO OVAKWANYANGE (GROU/GARCA BRANCA).
COMO VIMOS ACIMA NO CANTO, ENTRE OS OVAKWANYIME (LEÃO)

E OS OVAKWANGOMBE (BOI) NÃO HÁ ALIANÇA, POIS O LEÃO DEVORA O
BOI, MOSTRANDO ASSIM SUA SUPERIORIDADE. HÁ TAMBÉM UMA FORMA
DE DEPENDÊNCIA, COMO: OS TOTEM, QUE COMEM FIGO, SÃO ALIADOS DO
CLÃ DO FICUS HERBACIO E O DO ELEFANTE, ALIADO AO DO CROCODILO,
PORQUE O CROCODILO, SENHOR DAS ÁGUAS, DEU OUTRORA LICENÇA AO
ELEFANTE PARA BEBER NOS RIOS. O CLÃ DO BOI ERA ALIADO DO DA
PALMEIRA, PORQUE ESTA ÁRVORE FORNECE BORDÕES COM OS QUAIS OS
PASTORES SUSPENDEM AS CABAÇAS DO LEITE QUANDO LEVAM O GADO
EM TRANSUMÂNCIA E TAMBÉM PORQUE OS REBENTOS NOVOS DESTA
PLANTA SERVEM DE ALIMENTO PARA O GADO DURANTE O TEMPO SECO. O
CLÃ DENOMINADO NENÚFAR CONSIDERA-SE ALIADO DO DA ABELHA PELO
MOTIVO DE SUGAR O NÉCTAR DAS FLORES DAQUELA PLANTA E SÃO
ALIADOS DO CLÃ DAS ERVAS TODOS OS ANIMAIS SIMBÓLICOS QUE SE
NUTREM DAS GRAMÍNEAS.
VAMOS À ORIGEM NKOSI/HOJI.
Tata Nkasute
43
TUDO COMEÇOU NAS MONTANHAS “NANU”, NOME LIGADO AO

PLANALTO CENTRAL DE ANGOLA. HÁ MUITO TEMPO, QUANDO OS HOMENS
FORAM CRIADOS, HAVIA MUITOS LEÕES SOBERBOS E FEROZES. UM DIA, OS
HOMENS FILHOS DE NGANA NZAMBI, QUE CRIOU TAMBÉM TODOS OS
ANIMAIS DA TERRA, CHEGARAM À REGIÃO NANU. AMBICIOSOS,
CONSIDERAVAM QUE O MUNDO LHES PERTENCIA E QUE OS ANIMAIS
DEVERIAM VIVER EXATAMENTE ONDE ELES, OS HOMENS,
DETERMINASSEM. ASSIM OS HOMENS COMEÇARAM A SE APODERAR DA
REGIÃO NANU, MAS OS LEÕES SE OPUSERAM E, LIDERADOS PELO MAIS
FEROZ ENTRE ELES, PASSARAM A ATACAR EM GUERRA CONSTANTE; OS
HOMENS FORAM DIZIMADOS UM A UM, APENAS UM SOBREVIVEU AO
ATAQUE FEROZ, ESCONDENDO-SE NA FLORESTA E NA MONTANHA.
UM DIA, ESTE HOMEM FOI SURPREENDIDO, ENQUANTO DORMIA,

POR UM RUÍDO ESTRANHO E DEPAROU-SE COM UM LEÃO BEM PRÓXIMO.
NESTE MOMENTO, JÁ DISPOSTO A MORRER, RECONHECEU A RAZÃO DOS
LEÕES, DADO QUE OS HOMENS HAVIAM INVADIDO O SEU DOMÍNIO E POR
TAL MOTIVO MERECIAM O PIOR. TREMENDO FECHOU OS OLHOS E ESPEROU
A MORTE, POIS JÁ SENTIA O BAFO. MAS, SURPREENDIDO, VERIFICOU QUE
NÃO ERA UM MACHO E SIM UMA FÊMEA E A MESMA O ACARICIAVA COM A
LÍNGUA E, CHORANDO, DISSE AO ANIMAL: “ESTOU SÓ E VIVO SÓ, PEÇO QUE
NÃO ME MATES, POIS VOU SAIR DO TEU DOMÍNIO!”. E A LEOA RESPONDEU:
“FIQUE TRANQÜILO, NÃO QUERO LHE FAZER MAL, ESTOU VELHA E VIVO
SOZINHA, POIS NENHUM MACHO ME QUER, E ESTOU AQUI PARA QUE
AMENIZES MINHA SOLIDÃO”. A LEOA AFAGAVA O HOMEM QUE, LEVADO
PELO PRAZER, A POSSUIU.
O TEMPO PASSOU E UM DIA, O HOMEM FOI ACORDADO COM OS

RUGIDOS DA SUA COMPANHEIRA, VINDOS DO INTERIOR DA FLORESTA;
SURPREENDIDO VIU QUE O ANIMAL TINHA PARIDO QUATRO SERES
SEMELHANTES A SI PRÓPRIO, DOIS RAPAZES E DUAS RAPARIGAS. AO
AMANHECER, A LEOA MORREU E ESTES QUATRO FILHOS FORAM OS PAIS DE
TODOS OS POVOS DO NANU, QUE SÃO CONHECIDOS COMO AS GENTES DO
ALTO E DESCENDENTES DE OSI (LEÃO OU LEOA) E DE UM HOMEM.
Tata Nkasute
44
ATÉ HOJE, ENTRE OS OVIMBUNDO, INCLUINDO OS KYAKA, QUANDO

UM HOMEM COMUM SAÚDA O CHEFE, DIZ SEMPRE “OHOSI AKULU!”, ISTO É,
“SAÚDO-TE, AVÔ LEÃO!” E O CHEFE RESPONDE “NAKALUNGA!”, QUE
SIGNIFICA GRANDE ÁGUA, DEUS, CÉU, MORTE.
PARA ENTENDER MELHOR O QUE ACONTECEU, POIS SERIA

HUMANAMENTE IMPOSSÍVEL UMA DESCENDÊNCIA LEOA/HOMEM, ENTÃO
VAMOS VER PELO LADO HOMEM E NÃO-HOMEM.
OS ANTIGOS HABITANTES DO ALTO ERAM FERREIROS DOADORES

DE MULHERES (GRUPO EM QUE HAVIA MUITAS MULHERES) E OS DE BAIXO,
CAÇADORES-GUERREIROS-AGRICULTORES, RECEBEDORES DE MULHERES
(GRUPOS NÔMADES QUE MANTINHAM POUCAS MULHERES OU NENHUMA,
POR SEREM DA CASTA DE CAÇADORES GUERREIROS). NOTA-SE QUE, NA
LENDA, UMA LEOA VELHA, OU SEJA, OS MAIS ANTIGOS DO ALTO E O
CAÇADOR JOVEM DE BAIXO.
CONTA TAMBÉM A LENDA QUE UM SOBREVIVEU, CERTO QUE SE

ESTABELECERAM OS DE BAIXO.
QUANTO A HOMENS E NÃO-HOMENS, OS DE CIMA, FERREIROS, QUE

POSSUÍAM PODERES QUE ULTRAPASSAM OS DOS HOMENS VULGARES,
FREQÜENTEMENTE, PERTENCEM A CASTAS CONSIDERADAS SAGRADAS.
VALE A PENA FRISAR QUE, QUANDO UM FERREIRO MORRE, ELE SE
TRANSFORMA EM UM LEÃO, SENDO QUE CONSIGO LEVA PONTAS DE
LANÇAS, ENXADA, E, NO INÍCIO DOS TEMPOS, ERAM SACRIFICADOS SERES
HUMANOS, DUAS MULHERES E QUATRO CRIANÇAS PARA QUE O
ACOMPANHASSEM.
DESTA UNIÃO, FERREIROS/GUERREIROS-CAÇADORES, NASCE

ENTÃO O HOMEM GUERREIRO COM FORÇA DE LEÃO, QUE USA UMA LANÇA
COM PONTA DE FERRO OU FACÃO. DIGO LANÇA COM PONTA DE FERRO,
POIS, ATÉ ENTÃO, OS DE BAIXO ERAM INFERIORES EM ARMAS, JÁ QUE AS
PONTAS DE SUAS LANÇAS ERAM DE MADEIRA E TAMBÉM DE CERA
INFERIOR À DA ABELHA, UMA CERA CUJA DENOMINAÇÃO ERA “E-LOJI”;
SOMENTE DEPOIS DE SE ESTABELECEREM JUNTO AOS FERREIROS É QUE
Tata Nkasute
45
CONHECERAM A FORJA. ANTES DISSO, ERAM DIZIMADOS COMO CONTA A

LENDA.
A REPRESENTAÇÃO LEÃO DÁ-SE EM RAZÃO DA QUANTIDADE DE

VEZES QUE UM LEÃO COPULA POR DIA COM A FÊMEA, MOTIVO PELO QUAL
O CLÃ É LIGADO À FERTILIDADE/PROCRIAÇÃO, ALÉM DE SUA CAPACIDADE
DE CAÇA E PELA FEROCIDADE DO GUERREIRO.
EM TODO GRUPO BANTU, ATÉ ONDE TIVEMOS INFORMAÇÕES,

NKOSI/HOJI/TAMBWA É UTILIZADO EM FORMA DE UM LEÃO MOLDADO NA
ARGILA, NA QUAL COLOCAM-SE FOLHAS GORDAS E PARTE DE ÁRVORES DA
VIDA E DE ANIMAIS, FORMANDO ASSIM UM ITUMBO (FILTRO MÁGICO). É
DIFERENCIADO NA MONTAGEM QUANDO UTILIZADO PELO NDOKI, O QUE
NÃO CABE AQUI DETALHAR. MAS UMA COISA É CERTA “SEMPRE FOI
MOLDADO NA ARGILA” E NUNCA NO FERRO, APENAS SUA ARMA É DE TAL
MATERIAL.
SERVEM-SE DESTE NKISI/HAMBA PESSOAS COM PROBLEMAS DE

FERTILIDADE, AS QUAIS TÊM, JUNTO DO ÍDOLO TAMBÉM MOLDADO EM
BARRO, UM CASAL HOMEM/MULHER, QUE RECEBE OFERTA DE AVES
COMPARTILHADAS COM O NKISI/HAMBA; O MESMO ACONTECE COM OS
CAÇADORES QUE TÊM DIFICULDADE DE ENCONTRAR A CAÇA E COM
ALDEIAS QUE O UTILIZAM PARA SEUS CUIDADOS E PROTEÇÃO. MAS NEM
SEMPRE ELE APARECE COMO BENFEITOR E SIM, COMO UM COMEDOR DE
ALMAS, UTILIZADO PELOS NDOKI (FEITICEIROS) QUE O EVOCAM PARA A
VINGANÇA. NESSE CASO, É EXTREMAMENTE GUERREIRO E DEVORADOR,
MATA SEM PIEDADE.
QUANDO HOJE OUVIMOS DIZER “NKOSI MÚKUMBU”, OU SEJA, LEÃO

(NKOSI) E CO-DESCENDÊNCIA (MÚKUMBU), VOLTAMOS AO PASSADO EM
QUE ERA DITO “OHOSI AKULU” (EU TE SAÚDO, AVÔ LEÃO).
CURIOSAMENTE ENCONTRAMOS, AO SUL DE MOÇAMBIQUE, OS

ANGUNES, COM SUAS LAVOURAS, MAS, SOBRETUDO, PASTORES, DISPERSOS
E ISOLADOS NOS CAMPOS. ORGANIZAVAM-SE FAMILIARMENTE – HOMEM,
SUAS MULHERES, FILHOS, NETOS E NORAS AO REDOR DE UM CURRAL,
Tata Nkasute
46
ONDE SE GUARDAVA O REBANHO. AS CABANAS TINHAM A FORMA DE

COLMÉIA, VESTIAM SANDÁLIAS E MANTAS DE COURO. ESTE HOMEM,
CHEFE, REPRESENTAVA O TÍTULO DE “NHÔSSI”, QUE TAMBÉM SIGNIFICAVA
UM COBERTOR DE PAPA, ARTIGO DE IMPORTAÇÃO QUE PROVOCOU FORTE
VENDA DE BOIS. DURANTE MUITOS ANOS, ESSE ARTIGO REGULOU ESTA
EQUAÇÃO DE PREÇO: UM COBERTOR GRANDE, UM BOI.
É PROVAVEL QUE O FUNDAMENTO DE PREFERÊNCIA SEJA SEU

ASPECTO PELUDO E A IMITAÇÃO DA PELE DE ANIMAIS DE QUE
ANTIGAMENTE SE SERVIAM. FOI, COM CERTEZA, ESSA REMINISCÊNCIA QUE
INSPIROU A DESIGNAÇÃO POR QUE O COBERTOR É, EM TODA A PARTE,
CONHECIDO COMO “NHÔSSI” (LEÃO OU PELE DE LEÃO).
Tata Nkasute
47
MUTÁ
ENTRE OS TSHOKWÉ, O PRIMEIRO CAÇADOR MITOLÓGICO DE TODOS

OS TEMPOS É KAWA KA TSCHIMBUNDU, CONSIDERADO UM HAMBA
PODEROSO PRESCRITO PELO “TAHI” (ADIVINHO) NA MAIORIA DAS VEZES
EM QUE HÁ NECESSIDADE DE HARMONIZAR O CAÇADOR.
MUTÁ É UM HAMBA ENCONTRADO ENTRE OS TSCHOKWÉ, NO QUAL

APARECE COMO UMA DIVINDADE DOS CAÇADORES TERRESTRES. SUA
REPRESENTATIVIDADE É UM CÃO, AQUELE CAPAZ DE FAREJAR A CAÇA,
COMPANHEIRO INSEPARÁVEL DOS CAÇADORES E QUE TAMBÉM RECEBE
ITUMBU (FILTROS MÁGICOS) PARA ADENTRAR AS MATAS.
MUTÁ APARECE SEMPRE, NOS CULTOS, ACOMPANHADO DE

SAMBONGO (FIGURA MASCULINHA) E NAMBONGO (FEMININA) QUE TÊM
COMO PRIMEIRA FUNÇÃO TORNAR A CAÇA BENÉFICA, PROTEGENDO OS
CAÇADORES DE “NGONGOLA” (CICLOPE DE UM OLHO SÓ), QUE RESIDE NAS
FLORESTAS. ACOMPANHA TAMBÉM MUTÁ O HAMBA SAMUKISHI (O
SENHOR DAS MÁSCARAS), AQUELE QUE RECEBE A PRIMEIRA MENGA DO
ANIMAL ABATIDO E QUE SOMENTE DEPOIS SERÁ OFERTADO A MUTÁ.
PORTANTO, DENTRO DE UM TSHIPANGA (CERCADO ONDE SE ENCONTRAM
OS HAMBA), MUTÁ NUNCA SE APRESENTA SÓ.
NAS REGIÕES DE LUANDA, ENCONTRAMOS MUTAKALOMBO, O

QUAL APARECE COMO UMA DIVINDADE DOS ANIMAIS AQUÁTICOS E SOB
AS SUAS ORDENS ENCONTRAM-SE: KAIONGO (SUA ESPOSA) QUE TAMBÉM
ESTÁ LIGADA AOS ANIMAIS TERRESTRES, DINHANGA DE KITÚXI (CAÇADOR
VITIMADO), ÚII DE GONGO (DEUS DA CAÇA E PROTETOR DO CAÇADOR
VITIMADO), UHETO XOIOIO (ANTIGO SERVIÇAL DA SERRA LEOA), SUCO
(ANTIGA MULHER DA KISSAMA), MUXIMA (ANTIGA MULHER DA NOVA
KISSAMA), SAMBA ZUNDO OCUPA TAMBÉM O LUGAR DE ESPOSA DE
MUTAKALOMBO.
Tata Nkasute
48
OSCAR RIBAS NOS DIZ:

MUTAKALOMBO ESPÍRITO QUE SUPERINTENDE NA ESFERA DOS
ANIMAIS AQUÁTICOS. ENTIDADE ESPIRITUAL DA FAUNA AQUÁTICA.
FOI CÔNEGO, SAIU DE PORTUGAL, ANDOU POR MUITAS LOCALIDADES
E MORREU VELHO, RAZÃO POR QUE ASSIM É INVOCADO NOS SEUS
CÂNTICOS. FINOU-SE NUM MONTÍCULO DE SALALÉ, NUM MUSSEQUE DAS
IMEDIAÇÕES DE LUANDA.
É ÚNICO COM ESSE NOME, PASSADO A ADOPTAR NAS ACTUAÇÕES.
SEU CÃO É O JACARÉ, DE QUE SE SERVE PARA PUNIR UMA FALTA GRAVE
(1994, P.204).
NAS PESQUISAS FEITAS POR MIM ATÉ AGORA, SÓ ENCONTREI

MUTAKALOMBO COMO DIVINDADE AQUÁTICA, QUE UTILIZA SEU JACARÉ
(OU CROCODILO) PARA ARREBATAR MULHERES NA BEIRA D'ÁGUA COM A
FINALIDADE DE SERVI-LO. AQUELAS QUE CONSEGUEM SOBREVIVER E
RETORNAM, RECEBEM O PODER DE MUTAKALOMBO PARA SACERDOTE.
FICA CLARA A DIFERENÇA DE MUTÁ PARA MUTALAKOMBO

QUANDO OSCAR RIBAS CITA QUE O “CÃO” DE MUTAKALOMBO É O JACARÉ,
POIS O CÃO (CACHORRO) SERVE A MUTÁ, DIVINDADE DOS ANIMAIS
TERRESTRES.
JUNTO COM MUTÁ, ENCONTRAMOS MUTANJINJI, DIVINDADE

FEMININA QUE SUPERINTENDE A ESFERA DOS ANIMAIS TERRESTRES, É A
“ENTIDADE DA FAUNA TERRESTRE”.
ENCONTRAMOS TAMBÉM KABILA QUE SERVE A MUTANJINJI E TEM

LIGAÇÃO COM MUTAKALOMBO, SUA FUNÇÃO É A DE PASTOR. QUANDO UM
CAÇADOR NÃO CONSEGUE ABATER UMA PEÇA DE CAÇA, E, POR
INTERMÉDIO DUM XINGUILADOR “FEITICEIRO-NGANGA”, SUPLICA A
KABILA SUA INTERVENÇÃO, ESTE LHE PROPORCIONA ALGUNS ANIMAIS
QUE FURTA AO AMO, DIFÍCIL DE ACEDER A TAIS PEDIDOS.
APÓS A CAÇADA, O CAÇADOR, COMO TESTEMUNHO DE VERDADE,

APRESENTA AO XINGUILADOR AS CAUDAS DOS ANIMAIS ABATIDOS. NA
SUA PRESENÇA, AJOELHA-SE, BATE PALMAS DE REVERÊNCIA E, TOMADA A
BÊNÇÃO, INFORMA-O DO NÚMERO DE CABEÇAS MORTAS.
Tata Nkasute
49
“PARABÉNS, POR NÂMBUA E SAMBA (DEUSAS QUE PROTEJEM OS

CAÇADORES). O MILHAFRE MACHO QUE VÁ PARA PANELA!” FELICITA O
MÉDIUM.
REGRESSANDO AO MATO, ESQUARTEJA TODAS AS PEÇAS E TORNA A

VOLTAR À CASA DO XINGUILADOR COM A CARGA. ENTÃO, COZINHA AS
MIUDEZAS E, COM A REFERIDA IGUARIA, BRINDA OS CALUNDUS
(DIVINDADES JUSTICEIRAS E MEDICANTES), QUE SE MANIFESTAM NO
XINGUILADOR EM ESTADO DE POSSESSÃO.
DEPOIS QUE ALGUMAS DIVINDADES SE MIMOSEAREM COM UM

POUCO DE PETISCO, O KABILA ORDENA AO CAÇADOR QUE DISTRIBUA A
CARNE ENTRE XINGUILADOR, COMPANHEIROS E DEMAIS PRESENTES,
SENDO O MAIOR QUINHÃO PARA SI. E, SE DENTRE OS CONTEMPLADOS,
EXISTIR UMA MULHER GRÁVIDA, AO FETO TAMBÉM TOCA SUA PARTE.
DURANTE A PARTILHA, O CAÇADOR PERMANECE DE JOELHOS. EM

CASO DE INGRATIDÃO PARA COM A DIVINDADE, ISTO É, SE NÃO LHE
PARTICIPAR O RESULTADO DA CAÇADA, JAMAIS TORNARÁ A ABATER UMA
SÓ PEÇA. É A PUNIÇÃO.
A PALAVRA KABILA VEM DE “KUBILA”, QUE SIGNIFICA PASTOREAR.
VALE A PENA RESSALTAR QUE A CLASSE MAIS ALTA ENTRE OS

BANTU É A DO CAÇADOR, EM SEGUIDA VEM A DOS FERREIROS, E QUE
VÁRIOS SÃO OS ÍDOLOS DE CAÇA, MAS AQUI CITAMOS APENAS OS
CONHECIDOS NO BRASIL, DENTRO DO CULTO “CANDOMBLÉ”.
Tata Nkasute
50
KATÉNDE
KATÉNDE, PALAVRA KIMBUNDU, CUJO SIGNIFICADO É DIVINDADE

NÃO DAS FOLHAS, MAS DOS REMÉDIOS. PARA MIM, FOI A DIVINDADE MAIS
DIFÍCIL DE SE RESGATAR E, AINDA, FALTA MUITO PARA TAL.
DEPOIS DE UMA INCANSÁVEL BUSCA, DEPAREI-ME COM UM DISCO

DO FOLCLORE LUBA, HERDADO DE MEU TATA DUBLYQWAYA, E COMECEI A
ENTENDER ESTA DIVINDADE, QUE APARECE ENTRE OS LUBAS COMO
LAGARTO E NÃO, LAGARTIXA, COMO EU HAVIA PROCURADO. EM VÁRIOS
TÍTULOS, KATÉNDE É ENCONTRADO COMO KANTENDI, ÁRVORE DA
FLORESTA, KATENDI, TÍTULO DE NOBREZA, SEGUNDO O RELATO DA DR.ª
YEDA PESSOA DE CASTRO EM SEU LIVRO FALARES AFRICANOS NO BRASIL
(2001, p.205).
CANTAM-SE, ENTRE OS BALUBA, LENDAS QUE FALAM DE KATÉNDE

(LAGARTO) COMO ALIADO DO HOMEM, E HÁ SEMPRE UMA SERPENTE, A
ETERNA RIVAL DO HOMEM, LIGADA AO LAGARTO. O LAGARTO É UM
SÍMBOLO TAMBÉM DOS CAÇADORES, É UM HERÓI CIVILIZADOR, UM
MENSAGEIRO DAS DIVINDADES, COMO VEREMOS EM HONGOLO.
EM MUITAS TRIBOS NA ÁFRICA, INCLUSIVE ENTRE OS BALUBAS,

CONSTA UMA LENDA QUE NZAMBI ENVIOU SOBRE A TERRA DOIS
MENSAGEIROS: O CAMALEÃO DEVERIA TRAZER A NOTÍCIA DE QUE OS
HOMENS TERIAM UMA VIDA TERRENA E A ELA PODERIAM VOLTAR APÓS A
MORTE, ENQUANTO O LAGARTO TRARIA A NOTÍCIA DE QUE OS HOMENS
TERIAM UMA VIDA TERRENA E APÓS A MORTE NÃO MAIS RETORNARIAM.
AQUELE QUE CHEGASSE PRIMEIRO DARIA DESTINO AOS SERES HUMANOS.
DIANTE DESSA SITUAÇÃO, O LAGARTO DISSE AO CAMALEÃO: “VÁ
DEVAGAR, POIS, SE CORRERES, VAI SACUDIR TODO O MUNDO,
OCASIONANDO CATÁSTROFES” E, TOMANDO A FRENTE, O LAGARTO
TROUXE A MENSAGEM E DESTINO AOS SERES HUMANOS.
Tata Nkasute
51
TOMANDO O LAGARTO COMO ESTUDO, DESCOBRI QUE, ENTRE OS

BANTU, KATÉNDE (LAGARTO) REPRESENTA O REMÉDIO E COM SUA PELE
SÃO CONFECCIONADOS OS SACOS DE MEDICAMENTOS. SABENDO ELE
(KATÉNDE) QUE O HOMEM TEM APENAS UMA VIDA TERRENA, SEGUNDO A
LENDA, O REMÉDIO, PARA ELE, É FUNDAMENTAL CONTRA AS DOENÇAS. JÁ
VIMOS ESTAS PALAVRAS NA LENDA DA CRIAÇÃO, QUANDO NZAMBI DISSE
QUE VIRIAM OUTRAS DIVINDADES E ENSINOU OS HOMENS A LUTAR
CONTRA AS DOENÇAS.
KATÉNDE É CONSIDERADO UM DOS PRIMEIROS ANTEPASSADOS

DIVINIZADOS EM FORMA DE LAGARTO, PORTADOR DO REMÉDIO, E
PROGENITOR DO FOGO SAGRADO ENTRE OS BALUBA. SEU NOME É
EXALTADO NAS CANÇÕES INFANTIS E NAS INICIAÇÕES, NAS QUAIS
CANTAM-SE OS REMÉDIOS.
AGORA, PODEMOS ENTENDER MELHOR AS CANTIGAS ENTOADAS

POR NÓS QUANDO CHAMAMOS KATÉNDE: IRMÃO MAIS VELHO, SÁBIO, PAI,
SENHOR QUE NOS TRAZ A ERVA E COISA NENHUMA NOS FARÁ MAL, BANHO
DE FORÇA E PODER, NASCENTE DA ESSÊNCIA. ELAS FAZEM ALUSÃO AO
ANTEPASSADO DIVINIZADO, SENHOR DOS REMÉDIOS.
MUITAS VEZES SAUDAMOS: KISABA KIASAMBUKÁ – FOLHAS

SAGRADAS.
SERÁ QUE, TAMBÉM, NÃO DEVERÍAMOS SAUDAR: MILONGO

KIASAMBUKÁ – REMÉDIO SAGRADO, POIS SABEMOS QUE O REMÉDIO NÃO
SE LIMITA ÀS ERVAS.
Tata Nkasute
52
SAMBO / KAVUNGO
SEGUNDO AS TRADIÇÕES OVIMBUNDU, EM KUNYUNGAMBWA, NA

CABECEIRA DO KUNENE, SUKU (DEUS) COLOCOU O PRIMEIRO HOMEM NA
TERRA, “FETI” (DO VERBO OKUFETIKA, QUE SIGNIFICA COMEÇAR) QUE ERA
CAÇADOR DE ELEFANTES E ANTÍLOPES E QUE ANDAVA SEMPRE
ACOMPANHADO DE CÃES.
FETI NÃO TINHA MULHERES E UM DIA, CAÇANDO PERTO DE UMA

LAGOA DO KUNENE, OUVIU UMA MELODIA QUE VINHA DO RIO.
APROXIMOU-SE E VIU UM SER, QUE LHE ERA SEMELHANTE, EMERGINDO DA
ÁGUA. SUBITAMENTE SE APAIXONOU, TOMOU ESSE SER E DEU-LHE O NOME
DE “TCHYOYA” (PERFEIÇÃO, ADORNO).
PASSADO O TEMPO, OS DOIS TIVERAM QUATRO FILHOS A QUEM

DERAM OS NOMES DE: NGALANGI (NOME DAQUELA REGIÃO); “VIHÉ”, UMA
MULHER QUE FUNDOU O REINO DO “BIÉ”; NGOLA, QUE FOI PARA LUANDA E
FUNDOU O REINO DE “NDONGO”; E NDUMBA QUE FICOU NO NGALANGI. É
CURIOSO NOTAR QUE O LEGENDÁRIO CHEFE DOS TCHOKWE SE CHAMAVA
NDUMBA WA TEMBO, O QUE SIGNIFICA NDUMBA DA LINHAGEM DO TEMBO.
FAÇO AQUI UMA OBSERVAÇÃO, AS HISTÓRIAS SE DIFERENCIAM,

POIS ALGUNS DIZEM QUE FETI ENCONTROU TRÊS MULHERES QUE SAÍRAM
DE UMA TOUCEIRA DE JUNCO, COM AS QUAIS GEROU SEU POVO, E QUE
ESTAS MULHERES SE CHAMAVAM “TEMBO”, “KOYA”, “ETCHIVI”. O NOME
KOYA VEM DO VERBO OKUKOYA (FECHAR, TERMINAR), PORTANTO O
INVERSO DE FETI.
COM A MORTE DE FETI, A SUA ESPOSA TEMBO PARTIU PARA O

HUMBI, ONDE SE CASOU COM O PRÍNCIPE DE LÁ, E TCHIVI, PARA KILENGES
(TCHILENGE).
DE NGALANGI DESCENDEM OS POVOS DE WAMBU, SAMBO E

KWIMA. DOS WAMBU NASCERAM OS KYAKA. OS WAMBU VIERAM DO
Tata Nkasute
53
NORTE, COMANDADOS POR WAMBU KALUNGA, POR MOTIVO DE

DESENTENDIMENTO COM O REI NGOLA AMBANDA, IRMÃO DA RAINHA
JINGA (RAINHA DE MATAMBA), O QUAL NÃO ACEITAVA O HÁBITO DE
WAMBU KALUNGA COMER CARNE HUMANA, PRINCIPALMENTE DE
CRIANÇAS.
OS WAMBU ENCONTRARAM NA REGIÃO OS NGANGELA QUE OS

FIZERAM RECUAR ATÉ O KUBANGU (RIO), ENQUANTO QUE OS SAMBO
FIXARAM-SE PRINCIPALMENTE EM KAMBUNDU E DEPOIS NA REGIÃO
CHAMADA SAMBO, ENTRE O RIO KUNENE E KUBANGU, PRÓXIMO À NOVA
LISBOA.
O CHEFE DOS SAMBO CHAMAVA-SE “EPALANKA”, ERA

APARENTADO DO REI BAILUNDU, E TEVE UMA FILHA CONSIDERADA A
FUNDADORA DO ESTADO.
EPALANKA, MUITO PODEROSO, QUIS DERRUBAR BAILUNDU PARA SE

APODERAR DO TRONO, E PARA ESSE FEITO ADOTOU O NOME DO CLÃ
SAMBO (CONTAGIOSO). FOI ENTÃO SAMBO À BATALHA, NA QUAL FOI
DERROTADO, POIS OS BAILUNDU PEGAVAM EM ARMAS E TINHAM
CONHECIMENTO DA FORJA.
APÓS A GUERRA, SAMBO MORREU EM NGARENDJE E OS SEUS

FILHOS, PERSEGUIDOS PELOS VAMBAILUNDU, FORAM OBRIGADOS A
ABANDONAR A REGIÃO E INSTALAR-SE NO REINADO DE KANDUMBU,
IRMÃO DE WAMBU.
OS FILHOS DE SAMBO CHAMAVAM-SE: TCHIVAMBO, KAMBO,

TCHINGOLO, NAMBAKA, KAJOMBE, TCHINDEMBA E ALEMBA (UMA
RAPARIGA) E MISTURARAM-SE AOS SÚDITOS DE KAMDUMBU, QUE ERAM
DA MESMA FAMÍLIA DE NGALANGI.
QUANDO SURGIU UMA EPIDEMIA DE VARÍOLA, FORAM OBRIGADOS

A ATRAVESSAR O KWANDO E CHEGARAM NA SEDE DO REINADO
TCHIMBANDJA, REGIÃO DOS NYEMBA, QUE ERAM OLEIROS E VIVIAM NO
CUME DAS COLINAS. RECLAMARAM O PARENTESCO COM O CHEFE SAMBO,
Tata Nkasute
54
OBRIGANDO OS NYEMBA A DESCER E INSTALAREM-SE NA COLINA.

ALEMBA FOI ENTRONIZADA RAINHA DA REGIÃO.
OS IRMÃOS DE ALEMBA, QUE ERAM TODOS CAÇADORES DE

ELEFANTE E HIPOPÓTAMO, NÃO PERMANECERAM POR MUITO TEMPO NA
REGIÃO, SEPARANDO-SE. TCHIVANBO CONSTRUIU SUA PRÓPRIA ALDEIA;
TCHINGOLO ATRAVESSOU O KUNENE E FUNDOU TCHINGOLO ENTRE
NGALANGI E KAKONDA; NAMBAKA FUNDOU TAMBÉM AS TERRAS DE
TCHINDONGA (GRUPO ÉTNICO DO SUDESTE DE ANGOLA); KANDJONDE
FUNDIU-SE COM OS NGANGELA DE TCHITEMBO, ENTRE OS RIOS KUCHI E
KATUCHI, NO LOCAL ONDE ELE HAVIA MATADO UM HIPOPÓTAMO;
YCHIVEMBA TORNOU-SE EXPLORADOR E PRODUTOR DE MEL E DE CERA;
TCHINGOLO CONSAGROU-SE À CAÇA DO ELEFANTE; ALEMBA FICOU COM
SEU IRMÃO TCHINDEMBA E MAIS TARDE CASOU-SE COM UM CAÇADOR
NGANGELA.
COMO PUDEMOS VER, O REINADO “SAMBO” (CONTAGIOSO) NÃO FOI

DURADOURO, TALVEZ POR ESSA RAZÃO SAIBAMOS TÃO POUCO A
RESPEITO DELE. CHEGAMOS A PENSAR QUE O CLÃ CONTAGIOSO, PUDESSE
TER VINDO DE OUTRAS ETNIAS QUE NÃO FOSSEM BANTU E ADOTADO POR
NÓS EM CULTO, POIS NOS BASEAMOS EM CONTOS DE TRADIÇÃO
JEJE/NAGÔ, E ISSO ATRAPALHOU MUITO A LOCALIZAÇÃO DO CLÃ. OUTRO
MOTIVO FOI A ADAPTAÇÃO DO CLÃ CONTAGIOSO PARA O DOS
CAÇADORES.
ALÉM DE “SAMBO”, O CLÃ CONTAGIOSO, APARECE TAMBÉM, EM

NANA KANDUNDO, O CLÃ CONTAGIOSO KAVUNGO, LOCALIZADO ENTRE
OS RIOS ZAMBEMBE, LUATXE E LUVUA, E ENTRE OS LUENAS E LUNDAS-
DEMBAS, DO GRUPO ÉTNICO “LUNDA-QUIOCO”. ACREDITAMOS QUE O
CONTATO ENTRE OS GRUPOS SAMBOS E QUIOCOS LEVARAM ATÉ OS
LUENAS O CLÃ CONTAGIOSO, PELO MENOS É ISSO QUE NOS MOSTRAM AS
EVIDÊNCIAS NA DIVISÃO DE GRUPOS ÉTNICOS.
OS LUENAS PRATICAM UMA CERÂMICA ARTÍSTICA NEGRA E

POLIDA, COM VIVOS TRAÇOS DA CONGOLESA, E SUA HABILIDADE EM
Tata Nkasute
55
CONFECCIONAR MÁSCARAS É FUNDAMENTAL PARA SEUS BAILARINOS

MASCARADOS. É TIDO COMO O POVO MAIS ALEGRE DE ANGOLA,
VERDADEIROS GOZADORES DA VIDA EM TODAS AS FORMAS POR QUE
ENTENDEM QUE ELA É DIGNA DE SER VIVIDA. SERÁ ESSE O MOTIVO QUE
NOSSOS VELHOS DIZIAM: “KAVUNGO SINAVURU” (KAVUNGO,
FELICIDADE!).
O REINADO KAVUNGO TAMBÉM NÃO FOI DURADOURO, UM INIMIGO

MAIS PODEROSO INSTALOU-SE NA REGIÃO POR VOLTA DE 1891, ONDE HOJE
EXISTE UM TEMPLO MISSIONÁRIO COM O NOME KAVUNGO, DO CLÃ
CONTAGIOSO.
VALE A PENA RESSALTAR QUE, ENTRE OS TSHOKWÉ, ENCONTREI A

PALAVRA “SUMBU”, ESPÉCIE DE MÁSCARA USADA NA MEDICINA PELO
KIMBANDA.
Tata Nkasute
56
NZAZI
ENTRE OS TSHOKWÉ, O MAHAMBA KALUMBO KA NZAJI É

CONSIDERADO COMO “NJIZE” (ESTRANGEIRO/EMPRESTADO) E SUA
COMPOSIÇÃO É A SEGUINTE: UM TRONCO BIFURCADO DE ÁRVORE
MUIYOMBO; UM CABO DE MACHADO MUHINYI WA KASAU, AMARRADO AO
MESMO TRONCO; O CABO DE UMA ENXADA MUHINYI WA TEMU,
IMPLANTADO NA BASE DO TRONCO EM QUESTÃO; EM TORNO DO QUAL HÁ
PEDRAS E UMA CABAÇA, CONTENDO UM ITUMBO (FILTRO MÁGICO)
TSHIZAU TSHA KALUMBO. ESTE HAMBA PROTEJE CONTRA AS DOENÇAS
DOS OLHOS (IKOLA LYA LISU), MUITAS VEZES CAUSADAS PELO ESPÍRITO
ESTRANHO KALUMBO. OS TSHOKWÉ DIZEM QUE ELES SE EMPRESTARAM
ESTE HAMBA AOS SHINJI (LOCALIDADE).
ENTRE OS QUIOCOS, NZAJI É CONHECIDO COMO UMA DIVINDADE

QUE REPRESENTA A PUNIÇÃO, LANÇA SEUS RAIOS COMO CÃES
FAREJADORES SOBRE OS LADRÕES E, QUANDO UMA PEDRA PROVENIENTE
DO RAIO É ENCONTRADA, UTILIZAM-NA PARA CONFECCIONAR PONTAS DE
FLECHA E LANÇA COM O PODER DE ATINGIR O ALVO. SE UMA ÁRVORE É
ATINGIDA, É CONSIDERADA CONSAGRADA E DE LÁ TIRAM LENHOS PARA A
CONFECÇÃO DE AMULETOS.
DENTRE OS QUIOCOS, UM FEITIÇO É CONHECIDO E TEMIDO POR

TODOS, É O “FEITIÇO KUBA” (FEITIÇO DO RAIO), QUE ATÉ O PRÓPRIO
POSSUIDOR DO FEITIÇO USA UMA PULSEIRA COM PELE DE MUSENVO
(LAGARTO D'ÁGUA), POIS ESTE NUNCA FOI ATINGIDO PELO RAIO.
ESTE FEITIÇO É ORIGINÁRIO DO POVO KUBA, DA REGIÃO DO ALTO

KASSAI (NO ZAIRE) E, APÓS TER SIDO DENUNCIADO ÀS AUTORIDADES, FOI
DEPOSITADO NO MUSEU DO DUNDO. DIZEM OS NATIVOS QUE O FEITIÇO, AO
PERMANECER NO MUSEU, NÃO REPRESENTA PERIGO, MAS, UMA VEZ QUE
FOSSE ANIMADO PELO FEITICEIRO, O FANTASMA PARTIRIA PARA CUMPRIR
Tata Nkasute
57
A SUA MISSÃO. ELE É REPRESENTADO PELA FIGURA DE MACACO, FEITO DE

BARRO AMASSADO EM SANGUE E REVESTIDO COM PELES, FAZEM PARTE
DELE OS REMÉDIOS QUE CONTÊM PARTÍCULAS DE UM DEFUNTO QUE
TENHA SIDO CONDENADO INJUSTAMENTE PELA SOCIEDADE.
KUBA WA LUANDA MYIATA, TELA WA LUANDA KEMBA (O RAIO

MATA AS PESSOAS, A ÁGUIA APANHA AS CRIANÇAS). CRÊ-SE QUE, PARA
PUNIR AQUELES QUE DESOBEDECEM ÀS FORÇAS DIVINAS, OS RAIOS, OS
TROVÕES E AS TEMPESTADES DESCEM IRREGULARMENTE A TERRA,
PROVOCANDO INCÊNDIOS, INUNDAÇÕES E A MORTE EM SINAL DA SUA
CÓLERA. O FEITIÇO KUBA CONSISTE EM DESVIAR A FAÍSCA SOBRE UMA
HABITAÇÃO, PESSOA OU GRUPO DE PESSOAS QUE NÃO PAGAM AS SUAS
DÍVIDAS.
MUITAS VEZES ENTRE OS POVOS BANTU, NZAJI É REPRESENTADO

POR UM DISCO DE MADEIRA PRESO A UM MASTRO, PINTADO DE VERMELHO
E BRANCO, OU SEJA, MUKUNDU E PEMBA, ESTANDO PRESO NELE UM
CHIFRE QUE CONTÉM ITUMBU (FILTROS MÁGICOS) E SERVE DE ESCUDO
PARA O RAIO, TEMPESTADES E PROJÉTIL.
NA PROVÍNCIA DO SUNDI, A TREZE LÉGUAS DE SÃO

SALVADOR/KONGO, ENCONTRAMOS UM REPRESENTANTE DE NZAJI, O
NGANGA NZAJI, QUE PROFESSA A ARTE DE CURANDEIRO, COM A AJUDA DO
ORÁCULO NGOMBO, PROVAVELMENTE CARGO EXERCIDO POR PESSOA
ATINGIDA PELO RAIO E, DAÍ EM DIANTE, POSSUÍDA POR DONS ESPECIAIS.
FOI ENTRE OS UMBUNDOS QUE ENCONTREI A DIVINDADE NZAJI,

COMO MASCULINO, NO QUAL O RAIO REPRESENTA O MACHO PENETRANDO
A FÊMEA TERRA. É UMA DIVINDADE TAMBÉM DA FERTILIDADE,
REPRESENTADA PELO MACHADO DE PEDRA DUPLO, QUE SIMBOLIZA O
PODER DESTRUIDOR E CRIADOR DA DIVINDADE. AQUELE QUE TEM O
MACHADO DO RAIO TEM O PODER DO MESMO.
ALGUNS POVOS BANTU, CRIADORES DE GADO, OFERTAM LEITE AO

RAIO “NZAJI” PARA PRESERVAR SEU REBANHO, POIS DIZEM QUE NZAJI VEM
EM BUSCA DO LEITE, CAUSANDO ASSIM A MORTE DO ANIMAL. DEPOIS DE
Tata Nkasute
58
SER ATINGIDO PELO RAIO, O ANIMAL NÃO PODERÁ SERVIR DE ALIMENTO

PARA AS TRIBOS, POIS AGORA PERTENCE À DIVINDADE NZAJI.
Tata Nkasute
59
KONGOLO
EM RAZÃO DAS LOCALIZAÇÕES ESCLARECEDORAS, RESOLVI OPTAR

POR ESTA HISTÓRIA.
KONGOLO NÃO SERIA UM SÓ INDIVÍDUO, MAS TÍTULO DE VÁRIOS

REIS PROVENIENTES DOS LUBAS, POSSUIDORES DE “BULÓPUE”, UMA
QUALIDADE SAGRADA QUE RESIDIA NO SANGUE DOS DESCENDENTES DOS
GRANDES REIS SAGRADOS, QUE, PARA NÃO EXPOR SUA CONDIÇÃO
HUMANA, NUNCA COMIAM OU BEBIAM EM PÚBLICO.
QUEM POSSUÍA “BULÓPUE” TINHA DIREITO A GOVERNAR, AINDA

QUE FOSSE UM CHEFE SUBALTERNO. ERA DE SUMA IMPORTÂNCIA QUE
ESSES REIS SAGRADOS ZELASSEM PELO PAÍS CONTRA O MAL,
FAVORECESSEM A FERTILIDADE DA TERRA, DOS ANIMAIS E DAS
MULHERES, REGULASSEM AS CHUVAS E PROPICIASSEM O ÊXITO NA CAÇA.
TUDO DELES EMANAVA, INCLUSIVE O FOGO PARA SEUS SÚDITOS, POIS, A
CADA POSSE, UM NOVO FOGO ERA ACESO, E UM A UM VINHA TOMÁ-LO
PARA ACENDER EM SUA PRÓPRIA CASA.
ENTRE OUTRAS HISTÓRIAS, A AUTORIDADE DE KONGOLO QUE MAIS

ME CHAMOU A ATENÇÃO FOI A DAS TERRAS DO RIO BUSHIMAI, ONDE
HAVIA UMA SÉRIE DE PEQUENAS CHEFIAS LUBAS KALANGA. ESTE
KONGOLO SUBMETEU VÁRIAS ALDEIAS ISOLADAS, ABSORVEU PEQUENOS
SOBADOS E CONSTRUIU, ENTRE 1500 E 1550, SUA CAPITAL EM MUIBELE,
PRÓXIMO AO LAGO BÓIA. MAS, SEGUNDO OPINIÃO DE VÁRIOS
HISTORIADORES, NÃO SERIA POSSÍVEL ESTIMAR A DATA, POIS NÃO
HAVERIA ELEMENTOS PARA TAL.
CONTINUANDO A HISTÓRIA. VINDO DE ALGUM LUGAR DO LESTE DO

RIO LUALABA (RIO LARGO COM ENORME VOLUME DE ÁGUA, EFEITO ÀS
INUNDAÇÕES) QUE PASSA AO LADO DE SANGA E KATOTO, REGIÃO LUBA,
CHEGA UM GRUPO DE CAÇADORES COMANDADOS POR “ILUNGA MBILI”, O
Tata Nkasute
60
QUAL FOI BEM RECEBIDO POR KONGOLO, QUE, RECONHECENDO O

“BULOPUE” DE ILUNGA MBILI, OFERTOU-LHE EM CASAMENTO DUAS DE
SUAS IRMÃS, BULANDA E MABELA.
MAS A INIMIZADE SE FEZ LOGO APÓS O CASAMENTO, PORQUE

ILUNGA MBILI TENTOU IMPOR SUAS ETIQUETAS A KONGOLO, FORÇANDO
ASSIM UM NOVO COMPORTAMENTO AO REI SAGRADO. ESTE, NÃO
ACEITANDO A PROPOSTA DE ILUNGA MBILI, FEZ COM QUE O MESMO
VOLTASSE A SUA PÁTRIA, DEIXANDO PRENHAS BULANDA E MABELA. DE
BULANDA NASCEU “KALALA ILUNGA” (O GRANDE GUERREIRO).
NO INÍCIO, KONGOLO USOU SEU SOBRINHO COMO CHEFE MILITAR

PARA AJUDÁ-LO A SUBMETER OS POVOS QUE VIVIAM AO SUL DO REINO,
MAS, COM O TEMPO, CHEIO DE INVEJA OU SUSPEITA, TENTOU ASSASSINÁ-
LO. KALALA ILUNGA FUGIU PARA A TERRA DE SEU PAI DE ONDE
RETORNOU COM UM PODEROSO EXÉRCITO PARA INFLIGIR DERROTA A
KONGOLO. ESTE, APÓS SER MORTO, SE DEIFICA, FAZ-SE SENHOR DAS
CHUVAS E ASSUME A FORMA DE GRANDE COBRA VERMELHA, QUE SE
MANIFESTA NO ARCO-ÍRIS. COBRA E ARCO-ÍRIS SERÃO OS SÍMBOLOS DE
REALEZA ENTRE OS LUBAS, QUE, NO PERÍODO DE KONGOLO, DÁ-SE O NOME
DE PRIMEIRO IMPÉRIO LUBA, E, NO PERÍODO DE KALALA ILUNGA, O
SEGUNDO.
TORNOU-SE KONGOLO, ENTÃO, O ARCO-ÍRIS E, TAMBÉM, O SOL EM

OPOSIÇÃO À LUA, A TERRA EM FRENTE AO CÉU, A ESTAÇÃO SECA
CONTRAPOSTA AO TEMPO DAS CHUVAS, A ESTERILIDADE DIANTE DA
FERTILIDADE, A MORTE CONTRA A VIDA, O ESTADO DA NATUREZA
VENCIDO E SUPERADO PELAS NOVAS INSTITUIÇÕES REPRESENTADAS POR
ILUNGA MBILI.
MAIS UMA VISÃO DE KONGOLO
Tata Nkasute
61
KONGOLO DEIFICA-SE LOGO APÓS SEUS EXÉRCITOS SEREM

VENCIDOS PELO CLÃ DOS CAÇADORES TAMBÉM DIVINIZADOS E
TRANSFORMA-SE NA GRANDE SERPENTE, REPRESENTANDO O VERMELHO
DO ARCO-ÍRIS E CONCEDENDO A VISÃO FUTURA A TODOS AQUELES QUE
LAVAM SEUS ROSTOS NO RIO PERANTE SUA MANIFESTAÇÃO. NO
“KUNENE”, O PAI DE TODOS OS RIOS, SEU CULTO É DE MAIOR VALOR.
DESCE ENTÃO KONGOLO A TERRA PARA COBRAR DE TODOS OS

SEUS DESCENDESTES, O “BULÓPUE”, BEM COMO, OS COSTUMES DE SEUS
ANTEPASSADOS, PICANDO TODO AQUELE QUE LHE FOR CONTRÁRIO. EM
DECORRÊNCIA DISSO, A SOMBRA DA MORTE OS TRANSFORMA EM
LAGARTOS, LEGÍTIMOS REPRESENTANTES DO ARCO-ÍRIS, TORNA-OS
LIGADOS A TERRA, E, POR TODA SUA EXISTÊNCIA, LEVARÃO ÀS COSTAS
CORES CONCEDIDAS POR KONGOLO, O REI SAGRADO.
QUANTO ÀS MULHERES, KONGOLO NÃO AS PICA, MAS AGE SOBRE

OS SEUS VENTRES, EXIGINDO A COPULAÇÃO, CUJO SÊMEN SERVE DE
ALIMENTO PARA KONGOLO. DESPREZA AS CRIANÇAS ANTES DESSAS
ATINGIREM A IDADE DA INICIAÇÃO, QUANDO SÃO CONSIDERADOS
“LEGÍTIMOS HOMENS”.
CONTA-SE TAMBÉM QUE, ENTRE OS CLÃS, O DA SERPENTE ERA O

MAIS ANTIGO E QUE KALUNGA DEU A KONGOLO A VIDA ETERNA, “A
SERPENTE REPRESENTADA POR ELE”. ESSA É A VISÃO DE NGANGAS QUE
ACREDITAM TER A SERPENTE VIDA ETERNA, QUE SE RENOVA A CADA
TROCA DE PELE, SEGUNDO VEMOS NA LENDA ABAIXO, NA QUAL NÃO
APARECE O GRANDE DEUS COMO “KALUNGA”, MAS COMO “LEZA”.
UMA LENDA NO PAÍS DOS “BALUBAS”, À SUDESTE DO KONGO,

CONTA QUE “LEZA”, O GRANDE DEUS, DESCE PARA VISITAR A TERRA E
FALANDO AOS QUATRO CANTOS, PERGUNTA QUEM GOSTARIA DE OBTER
UMA VIDA ETERNA; APENAS UM REI SAGRADO, “KONGOLO”, PROVENIENTE
DO CLÃ PRIMITIVO DA SERPENTE, ENCONTRAVA-SE ACORDADO E
Tata Nkasute
62
RESPONDEU QUE SIM, TORNANDO-SE, ENTRE OS CLÃS, O ÚNICO

DIVINIZADO JUNTO À “LEZA” E INTERMEDIÁRIO ENTRE O CÉU E A TERRA.
Tata Nkasute
63
KITEMBU
NZAMBI AMPUNGU (DEUS PODEROSO), QUANDO CRIOU O MUNDO,

CRIOU TAMBÉM UMA MULHER PARA SER SUA ESPOSA E PARA QUE, POR
SEU INTERMÉDIO, PUDESSE TER DESCENDÊNCIA HUMANA A FIM DE
POVOAR A TERRA. ESSA MULHER SE CHAMARIA NÁ KALUNGA E DELA
NASCEU KALUNGA, COM QUEM NZAMBI AMPUNGU TEVE UM FILHO
“NKUKU-A-LUNGA”, A QUEM NZAMBI DEU O PODER DA ADIVINHAÇÃO.
NZAMBI ORDENOU QUE NKUKU-A-LUNGA SE CASASSE COM

KALUNGA, E ASSIM SE TORNARIA PAI DE TODAS AS TRIBOS BANTU. ELE
TEVE DOIS FILHOS: UM MASCULINO, SÁ MUTFU, E OUTRO FEMININO, NÁ
MUTFU. NZAMBI ENTÃO ORDENOU QUE SÁ MUTFU SE CASASSE COM SUA
MÃE E NÁ MUTFU, COM SEU PAI, INFORMANDO-OS DE QUE, DEPOIS DESSAS
UNIÕES, AS SEGUINTES SE FARIAM SOMENTE ENTRE PRIMOS.
DESSAS UNIÕES, NASCERAM DO SEXO MASCULINO: KITEMBU – A –

BANGANGA, NDUMDU, NGONGA, UMBANDA, KANONGENA KAMBUJI E
OUTROS.
DO SEXO FEMININO: MUJUMBU, NDUMBA UÁ TEMBU, SAMBA

KALUNGA, KASAI, LWEJI, MUKITA E OUTRAS.
NZAMBI ENSINOU-OS A SE MULTIPLICAREM E A LUTAREM CONTRA

AS DOENÇAS E OS FEITIÇOS QUE OS SEUS DESCENDENTES VIESSEM A
POSSUIR. DISSE TAMBÉM QUE VIRIAM OUTROS DESCENDENTES DIVINOS E
QUE, APÓS DEIXAREM A VIDA TERRENA, CADA UM, DENTRO DE SUA
ATRIBUIÇÃO, SUPERVISIONARIA O MUNDO QUE ELE HAVIA CRIADO.
BASEADO NESTA LENDA DA CRIAÇÃO DO MUNDO É QUE CHEGAMOS

A KITEMBU-A-BANGANGA, DIVINDADE DOS VENTOS, MUITAS VEZES VISTO
COMO FEMININO, TALVEZ POR SUA IRMÃ NDUMBA UÁ TEMBU, EM QUE
TEMBU APARECE COMO A HEMORRAGIA DA TERRA.
Tata Nkasute
64
QUANDO A FOME, A MORTE, A INFERTILIDADE DO SOLO E DAS

MULHERES INSTALARAM-SE EM UMA TRIBO BANTU, LOGO O SÁBIO DA
TRIBO, NGANGA, TRATOU DE MANDAR CORTAR UM MASTRO DE
APROXIMADADENTE 13 METROS (NÃO FOI POSSÍVEL SABER QUAL A
MADEIRA USADA POR ELE), REPRESENTANDO UMA CAVEIRA E, COM ISSO, A
FOME E A MORTE. NO ALTO, HAVIA UMA BANDEIRA BRANCA,
SIMBOLIZANDO “PEMBA”, NKUKU-A-LUNGA, QUE É O PAI DE TODOS OS
POVOS BANTU.
POR ALGUNS DIAS PRESTOU-SE CULTO À DEVIDA DIVINDADE

KITEMBU-A-BANGANGA, PARA QUE O MESMO, UTILIZANDO O BALANÇO DA
BANDEIRA ATRAVÉS DO “VENTO”, APONTASSE UM NOVO CAMINHO A
SEGUIR. PARA QUE CHEGASSEM A UMA TERRA FÉRTIL E PRÓSPERA, OS
NGANGA ERAM ACOMPANHADOS DE AJIMO (ANTEPASSADOS QUE
GUIARAM OS POVOS BANTU) QUE DETERMINAVAM O NOVO CAMINHO A
SEGUIR. DURANTE ALGUM TEMPO, O NGANGA DIRECIONAVA SUAS REZAS
PARA O LADO EM QUE O VENTO DIRIGIA A BANDEIRA, ACREDITANDO
ASSIM ABENÇOAR A NOVA TERRA, CABENDO AO AJIMO LEVAR O POVO ATÉ
SUA NOVA MORADA.
QUANDO ABANDONAVAM A ALDEIA, QUEBRAVAM OS ÍDOLOS LÁ

EXISTENTES E SEUS MASTROS TAMBÉM ERAM DEITADOS AO SOLO,
SOMENTE LEVAVAM OS ÍDOLOS QUE ESTAVAM DENTRO DE CESTAS E
PERMANECIAM NO ALTO.
NO BRASIL, KITEMBU-A-BANGANGA VEM TOMANDO UM LUGAR DE

“REI DA NACÃO BANTU”, E MUITOS DIZEM SER ELE O RESPONSÁVEL PELO
TEMPO, NOME QUE AQUI SE ASSIMILOU, ENQUANTO QUE O TÍTULO DE “PAI
OU REI DA NAÇÃO BANTU” É DE “NKUKU-A-LUNGA”, DIVINDADE HÁ POUCO
DESCOBERTA NO BRASIL, REPRESENTANDO O PENSADOR QUE, PARA OS
BANTU, É A “SABEDORIA”. NO ENTANTO, KITEMBU, LIGADO AOS VENTOS,
PERDEU SUA VERDADEIRA IDENTIDADE, QUE EM PANGU, NOS
CANDOMBLÉS, RECEBE O MUTUÊ DAS AVES EM SEU MASTRO PARA GUIAR
POR BONS CAMINHOS OS INICIADOS, AGORA CULTUADORES DE KITEMBU.
Tata Nkasute
65
ATÉ MESMO A FORMA DOS NGANGA DIRIGIREM SUAS PRECES

FORAM MUDADAS PELOS SEUS REPRESENTANTES, TATAS E NENGUAS, QUE
NEM SEQUER OLHAM PARA OS VENTOS DE KITEMBU, E NEM MESMO OS
AJIMOS (ANTEPASSADOS QUE GUIARAM OS POVOS BANTU) SÃO MAIS
LEMBRADOS. ISSO É LAMENTÁVEL!
KITEMBU – A – BANGANGA, NZALA KITEMBU.
Tata Nkasute
66
KAYÁYÁ / MIKAYÁYÁ / KAYÁLA / KAYÁTUMBA
DENTRE OS ESTUDOS SOBRE ESTA DIVINDADE, ENCONTREI UM QUE

ME CHAMOU ATENÇÃO.
OS BANTOS, ESPECIALMENTE ANGOLENSES, DIZEM YAMANGÁ, EM

VEZ DE YEMANJÁ COMO OS QUE FREQÜENTAM O CULTO JÊJE-YORUBANO.
DE YAMANGÁ, NASCEU YAMANJÁ, NA VOZ DO POVO.
OS ÉTIMOS KIMBUNDU PARA ESSA FORMAÇÃO FORAM YAYÁ – MÃE,

AO MESMO, TEMPO MOÇA E DONZELA – E MANGANGÁ – PODEROSA. DAÍ A
CONTROVÉRSIA NA FÁBULA DE YEMANJÁ, POIS A DOS NAGÔS E JÊJE TEVE
QUINZE FILHOS. A DOS CONGOLESES É DONZELA.
OUTRA SEREIA É JANAÍNA, A MESMA YAMANJÁ DOS ANGOLENSES,

PROVAVELMENTE A QUE SUBSTITUIU KIXIMBI, A PRIMEIRA NASCIDA E
CUJA LENDA ENCONTRA-SE NESTE MESMO TRABALHO.
JANAÍNA É HOJE CONFUNDIDA, QUANTO AO CULTO E AO NOME,

COM YEMANJÁ JÊJE-YORUBANA. JANAÍNA VEM DO KIMBUNDU YAYÁ –
MÃE E, AO MESMO TEMPO, MOÇA DONZELA – E DE NENE – GRANDE, MAIS
VELHA E, AO MESMO TEMPO, MAIS FORMOSA –, E OS CRIOULOS BAHIANOS
AFORMOSEARAM EM YÁNANO-INA, JANAÍNA. ESSE NENE NOS DEU NENÊ E
NENÉM E TAMBÉM NANE, A IRMÃ OU O IRMÃO MAIS MOÇO, EM CONTRÁRIO
DA SIGNIFICAÇÃO PRIMITIVA DO TERMO. JANAÍNA É O NOME MAIS NOVO
DA MÃE D'ÁGUA NA BAHIA.
DENTRE OS KIMBUNDU DO ALTO DO RIO KUANZA, TODOS OS PEIXES

MIÚDOS SÃO CONHECIDOS COMO KAYÁYÁ, ENQUANTO QUE KAYÁLA
TOMA A REPRESENTAÇÃO DE CRIANÇA “PUREZA”, O QUE NOS REFORÇA A
TESE DE QUE KAYÁYÁ/MIKAYÁYÁ/KAYÁLA/KAYÁTUMBA É REALMENTE
UMA DIVINDADE MOÇA, DONZELA, PORTADORA DE PUREZA.
REFORÇAMOS TAMBÉM UM ESTUDO SOBRE A DIVINDADE KALUNGA

(GRANDES ÁGUAS), MAS COMO UM TÍTULO DE GRANDES REIS E CHEFES.
Tata Nkasute
67
OS CABEÇAS DE CERTAS LINHAGENS DOS PENDES, DO RIO LUI,

CUSTODIAVAM UMA BONECA DE MADEIRA, A LUNGA OU KALUNGA.
SEGUNDO A LENDA, O HERÓI CIVILIZADOR AMBUNDU, ANGOLA

INENE, TERIA TRAZIDO DE TERRAS DO NORDESTE OU, CONFORME OUTRAS
VERSÕES, DO MAR AS LUNGAS (OU MALUNGA, QUE É O PLURAL EM
KIMBUNDU DA PALAVRA). ESTA ÚLTIMA ORIGEM SERIA O RESULTADO DE
INTERPOLAÇÃO EUROPÉIA, DO TRADUZIR EQUIVOCADO DE KALUNGA (AS
GRANDES ÁGUAS) POR OCEANO ATLÂNTICO E CONTRASTA COM O PAPEL
AGRÁRIO DA ESCULTURA DE MADEIRA, LIGADA AOS RITOS DE CHAMAR A
CHUVA E DA FERTILIDADE. AS “GRANDES ÁGUAS” PODEM TER SIDO UM
DOS AFLUENTES DO ZAIRE OU DE QUALQUER OUTRO LAGO OU RIO. OS
EUROPEUS, ALÉM DISSO, INTERPRETARAM KALUNGA COMO UMA ALTA
DIVINDADE E TALVEZ TENHAM CONTAGIADO COM ESTE NOVO CONCEITO
AS CRENÇAS AMBUNDAS.
CADA LUNGA VIVIA NUM DETERMINADO CURSO D'ÁGUA E ERA

GUARDADA POR UMA LINHAGEM, CUJO CHEFE CONHECIA O SEGREDO DA
COMUNICAÇÃO COM AS FORÇAS ESPIRITUAIS, CONTIDAS NA BONECA. ESSA
LINHAGEM SOBREPUNHA-SE ÀS OUTRAS E SEU CABEÇA POSSUÍA
AUTORIDADE TERRITORIAL SOBRE TODA ÁREA BANHADA PELO RIACHO OU
PEDAÇO DE RIO, ONDE MORAVA A LUNGA. ERA ELE QUEM ALOCAVA AS
TERRAS A NOVAS FAMÍLIAS QUE, PARA ALI, QUISESSEM SE MUDAR.
PAULATINAMENTE, O SENHOR DAS CHUVAS E DA FERTILIDADE DA

TERRA PASSOU A RECEBER TRIBUTOS E A CONCENTRAR RIQUEZA E PODER.
ESTABELECEU-SE TAMBÉM UMA HIERARQUIA ENTRE OS VÁRIOS
GUARDIÕES DE KALUNGA: O CUSTÓDIO DA ESTATUETA DO RIO PRINCIPAL
ERA MAIS IMPORTANTE DO QUE OS DOS RIACHOS TRIBUTÁRIOS. A
GRADUAÇÃO DA AUTORIDADE FAZIA-SE CONFORME A HIDROGRAFIA.
A KALUNGA TORNOU-SE ASSIM, E DESDE HÁ BASTANTE TEMPO – A

CONTAR DO FIM DO SÉCULO XIII –, FONTE DE PODER POLÍTICO E DE UMA
ORGANIZAÇÃO SOCIAL FUNDADA NA TERRA, NUM LOCAL PRECISO E NÃO
APENAS NA ESTRUTURA DE PARENTESCO. MUITO EMBORA TENHA SIDO
Tata Nkasute
68
DEPOIS SUPLANTADA EM QUASE TODA PARTE POR NOVOS SÍMBOLOS DA

CENTRALIZAÇÃO ESTATAL, PERSISTIU COMO EMBLEMA DOMINANTE NO
BAIXO LUI E ESTÁ LIGADA AO NOME DE NUMEROSOS ANCESTRAIS E
FUNDADORES DE REINOS, BEM COMO, AOS TÍTULOS DE VÁRIOS SOBÁS.
ENTRE OS KUBAS, HOUVE UM KALUNGA, KALALA ILUNGA, QUE FOI

O HERÓI CIVILIZADOR DOS LUBAS. OS QUIOCOS POSSUEM UM KALUNGA
ENTRE OS SEUS MAIORES. OS POVOS DO SUL DO LAGO MALÁUI DIZEM QUE
KALUNGA LHES TROUXE AS NOVAS INSTITUIÇÕES; A PALAVRA COMPLICA-
SE ENTRE OS LUNDAS, CUJO SIGNIFICADO É AO SENHOR, AO CHEFE, AO REI;
ENTRE OS KONGOS, SIGNIFICA A UM SÓ TEMPO; E É O TÍTULO MAIS COMUM
DOS QUITOMES, ISTO É, UMA GRANDE EXTENSÃO DE ÁGUA E A VASTA
CORRENTE MÍTICA QUE SEPARA AS DUAS MONTANHAS QUE FORMAVAM O
MUNDO DOS VIVOS E O MUNDO DOS MORTOS. A BONECA COM SEU NOME
ATRAVESSARAM O ATLÂNTICO E SOBREVIVERAM NOS MARACATUS
BRASILEIROS.
O MARACATU É UMA FORTE REMINISCÊNCIA DOS PRÉSTITOS REAIS

AFRICANOS. O HISTORIADOR PEREIRA DA COSTA ACENTUAVA, NO INÍCIO
DO SÉCULO, SER O MARACATU “UM CORTEJO RÉGIO, QUE DESFILA COM
TODA A SOLENIDADE INERENTE À REALEZA” 1. SABE-SE QUE, NO PASSADO,
SE LIGAVA À COROAÇÃO DOS REIS DO KONGO, ELEITOS PELA ESCRAVARIA.
E PODE-SE COGITAR QUE REPRESENTASSE, ATÉ MESMO SOB O DISFARCE DA
ELEIÇÃO OU DA ACLAMAÇÃO, A PERSISTÊNCIA DE ESTRUTURAS DE PODER
AFRICANAS NO BRASIL.
MANTENDO-SE EM SEGREDO OS VÍNCULOS ENTRE GRUPOS

AMBUNDUS, SEGREDO ESSE AUXILIADO PELA IGNORÂNCIA DOS SENHORES
DE ESCRAVOS, TENHAM SIDO OS CHEFES IMPEDIDOS DE MOSTRAR A FONTE
DO SEU PODER, COMO TAMBÉM O PENHOR DE UNIDADE DO GRUPO AO
BRASIL, A KALUNGA.
A BONECA TODA ENFEITADA DE FITAS DEVIA SER O FOCO CENTRAL

DO DESFILE, COMO INDICA O RITUAL QUE O HISTORIADOR MÁRIO
1 SILVA, A.C. A enxada e a lança – A África antes dos portugueses. Rio de Janeiro: 1996.
Tata Nkasute
69
ANDRADE REGISTROU NO MARACATU DO RECIFE: “ANTES DA SAÍDA DO

BLOCO, PASSAVA DE MÃO EM MÃO, E CADA UM DOS COMPONENTES DO
GRUPO DANÇAVA UM BOCADO COM A BONECA”2.
MÁRIO ANDRADE NÃO NECESSITAVA RECORRER A UM “FENÔMENO

BASTANTE ENGRAÇADO DE CATACRESE” PARA APLICAR À PALAVRA
“KALUNGA”, A QUAL, SEGUNDO ELE, TERIA MUDADO O SIGNIFICADO NO
BRASIL OU AINDA NA ÁFRICA, PASSANDO DO CONCEITO ORIGINÁRIO DE
“CHEFE” OU “SENHOR” PARA DESIGNAR A BONECA QUE SERIA O
DISTINTIVO DE PODER DOS SOBÁS. O QUE SE DEU FOI EXATAMENTE O
CONTRÁRIO.
INTUIU, CONTUDO, MÁRIO ANDRADE O CONTEÚDO POLÍTICO DA

BONECA, DERIVADO DAQUILO QUE DEFINIU COMO “UM CENCEITO VAGO,
MÍSTICO, DE GRANDEZA INEXPLICÁVEL, DE SUPERIORIDADE MISTERIOSA
OU FORÇA SOBRE HUMANA”3. RECONHECEU NELA UM “SÍMBOLO POLÍTICO-
RELIGIOSO DE REIS-DEUSES”3. E NISTO SE APARTA DO HISTORIADOR
ARTHUR RAMOS, QUE VIU NA BONECA SOMENTE O ASPECTO RELIGIOSO, O
FETICHE DO GRANDE DEUS KALUNGA, DE ACORDO COM A CONCEPÇÃO
DIVULGADA PELOS EUROPEUS E NA ESTEIRA DE TANTOS VIAJANTES E
ESTUDIOSOS DO SÉCULO XIX3.
A AUTORIDADE DERIVADA DA CUSTÓDIA DE UMA LUNGA SE

SOBREPÔS, EM VÁRIAS REGIÕES, A DOS LEMBAS, SEM, NO ENTANTO,
ELIMINÁ-LA OU MESMO SUBSTITUÍ-LA. A TERRITORIALIDADE DA LUNGA
CONVIVEU E COMPETIU COM A ESTRUTURA DE LINHAGENS E COM A
BONECA, COM OS PODERES DO CAULIM, DO PÓ DE MADEIRA VERMELHA E
DO FÍCUS PLANTADO À FRENTE DA CUBATA DE CADA LEMBA.
ALGUNS DOS GUARDIÕES DE KALUNGAS TRANSFORMARAM-SE EM

REIS, QUE RECEBERAM O TÍTULO BUTATU, E EM SENHORES DAS JAZIDAS
DE SAL AO LONGO DO BAIXO LUHANDA, DOMINANDO AS TERRAS À LESTE
DO RIO KAMBO, EM LOGO. ENTRE OS RIOS LUI E KUANGO, NA BAIXA DO
2 ALVARENGA, O. (org.) Danças dramáticas do Brasil. SP: 1959. p. 147-8.

3 _______. _______. p. 142, 149.
Tata Nkasute
70
KASSANJE, OUTRA SEQÜÊNCIA DE REIS SE IMPÔS COM O TÍTULO DE

KAIONGO KA KUPAPA, TENDO COMO BASE DE SEU PODER UMA LUNGA. NO
RIO MOA, OS KIKUNGOS KIA ANJINJE FORAM FORTES SOBERANOS. POR
TODO O SUL DA BAIXA DO KASSANJE, OS PENDES TIVERAM RÉGULOS A
QUE DAVAM O TÍTULO DE KILAMBA E QUE CUSTODIAVAM LUNGAS.
O GRAU DE CENTRALIZAÇÃO DESSES REINOS DEVIA SER BASTANTE

REDUZIDO. O PAPEL DOS GRANDES SOBÁS PROVAVELMENTE SE REDUZIA
AOS RITUAIS DA FERTILIDADE E À SOLUÇÃO DOS CONFLITOS ENTRE AS
LINHAGENS. SOFRIAM, POR OUTRO LADO, OS GUARDIÕES DE LUNGAS
CONSTANTES PRESSÕES E DESAFIOS DE NOVOS OBJETOS CARREGADOS DE
FORÇA, DE NOVOS SÍMBOLOS DE PODER, SOBRE OS QUAIS SE ASSENTAVAM
NOVAS ESTIRPES DOMINANTES, NOVOS TIPOS DE RÉGULOS.
Tata Nkasute
71
KIXIMBI / KITUTA / KIANDA, SEGUNDO O DIALETO KIMBUNDU

XIMBI, SEGUNDO O DIALETO KIKONGO
VAMOS INICIAR COM UM CONTO.
HAVIA NUM LUGAR, UMA VIÚVA QUE NUNCA AMOU. CASOU-SE SEM
CONHECER O NOIVO E ENVIUVOU NA HORA DO CASAMENTO. QUANDO
OUVIA FALAR NESTAS COISAS QUE FAZEM A GENTE SE LEMBRAR DO QUE
TEVE E NÃO GOSTOU, ENTRISTECIA.
ACONTECEU QUE, POR UMA DESSAS DA VIDA, APARECEU-LHE UM

TODO “SUSPIROSO”, ELA SENTIU COISAS EM SEU CORAÇÃO QUE GOSTOU
DELE. ERA UM HOMEM ALTO, OS BRAÇOS COMPRIDOS QUASE TOCANDO A
TERRA, UMAS PERNAS PARECENDO DE PAU, UNS OLHOS BEM VERMELHOS.
DIA-A-DIA, ELE MINGUAVA, MINGUAVA, ATÉ FICAR UM

ANÃOZINHO. E ELA O QUERIA SEMPRE MAIS. E ELE FOI MINGUANDO,
MINGUANDO, ATÉ FICAR DE UM TAMANHINHO QUE ELA JÁ O GUARDAVA
NOS SEIOS. POR FIM, NAQUELE LUGARZINHO TÃO FELIZ, ELE MINGUOU,
MINGUOU, E DESAPARECEU. A MOÇA FICOU COMO LOUCA. O SEU
CHIMBAMBINHA! E CHORAVA DESESPERADA.
MAS DE TUDO A GENTE SE ESQUECE NESTE MUNDO. O CORAÇÃO

NÃO FICA VELHO PARA AMAR, É CASA QUE NÃO FICA VAZIA. NÃO
DEMOROU MUITO PARA APARECER OUTRO, MAS ELA, VOLTA E MEIA,
LASTIMAVA-SE, CHORANDO POR AQUELE QUE HAVIA DESAPARECIDO EM
SEU SEIO. E OLHAVA PARA O NOVO, VENDO MUITAS VEZES NELE O
ANTERIOR QUE DESAPARECERA EM SEU CORAÇÃO E, POR ISSO, COMEÇOU
A LHE QUERER BEM. E QUANTO MAIS ELA O AMOU, MAIS ELE CRESCEU.
AFINAL DE CONTAS, DE TANTO BEM QUE A MOÇA DEVOTOU AO HOMEM,
QUE ERA O RETRATO DO PRIMEIRO, ELE TANTO CRESCEU QUE NEM PODIA
ENTRAR NA CUBATA. E, EM RAZÃO DISSO, JÁ SE ENCONTRAVAM DA PARTE
DE FORA. AÍ ELE CRESCEU AINDA MAIS LIGEIRO. AS CONVERSAS
Tata Nkasute
72
TORNARAM-SE A TAL PONTO DIFÍCEIS QUE A MOÇA SENTAVA-SE NA

PALMA DA MÃO DELE, CONTENTE DE SUA VIDA POR VER QUE ERA O SEU
MESMO CHIBAMBINHA QUE TINHA VOLTADO.
AQUELE AMOR, DIFERENTE DOS OUTROS, NÃO MERECIA A “CARNE”.

CHIBAMBA, QUE É O REI DOS ENCANTADOS, ENCANTOU A MOÇA. COLOU
AS PERNAS DELA, FEZ, DA CINTURA PARA OS PÉS, UM MEIO CORPO DE
PEIXE E DEIXOU-A MULHER DA CINTURA PARA CIMA. COBRIU-LHE O CORPO
TODO DE ESCAMAS DE PRATA RELUZENTES. OS CABELOS DOUROU.
CHEGANDO À PRAIA, CHAMOU OS PEIXES E DISSE ÀS ÁGUAS: “ESTA É A
RAINHA QUIXIMBI, SEU CANTO SÃO AS PALAVRAS DE TERNURA QUE ELA
ME DISSE. NA TERRA, NÃO PODE VIVER, OS HOMENS NÃO SOSSEGARIAM DE
PERSEGUI-LA. NAS NUVENS, TAMBÉM NÃO, OS RAIOS E OS TROVÕES A
ATORDOARIAM. NO CÉU, AINDA MENOS, OS DE LÁ FICARIAM MALUCOS.
AQUI, NO MEIO DE VOCÊS, ELA É RAINHA, A RAINHA DAS ÁGUAS”. E
ENTREGOU-A AOS PEIXES QUE A LEVARAM EM PROCISSÃO, E ELA,
CANTANDO, DESPEDIU-SE DELE, COMO SE O FIZESSE AO MUNDO.
VAMOS, ENTÃO, ÀS SEREIAS:
KITUTA – SER SOBRENATURAL, NINFA, ENTE ANORMAL

MISTERIOSO E DEFORMADO, GÊNIOS QUE VIVEM EM TODA PARTE, NAS
MATAS, RIOS, CACIMBAS, MONTES, ROCHAS. PODEM MOSTRAR-SE, EMBORA
RARAMENTE, SOB A FORMA DE HORRÍVEL BICHO, COMO ENORME
SERPENTE COM CHIFRES.
ESSAS APARIÇÕES, CONSOANTE O CARÁTER DA DIVINDADE,
DENUNCIAM BOM OU MAU PRESSÁGIO.
ENCARNAM, POR SIMPATIA OU POR REABILITAÇÃO, E PODEM
PROVIR DA VIA PATERNA OU MATERNA. DA PATERNA, QUANDO O PAI, EM
SUAS DEAMBULAÇÕES, TROUXE CONSIGO ESSES SERES E DA MATERNA,
QUANDO UM ANTEPASSADO ASSASSINOU UMA MULHER GRÁVIDA EM CUJO
VENTRE SE FORMAVA UM INDIVÍDUO DESSA ESPÉCIE OU, AINDA, SE A
Tata Nkasute
73
VÍTIMA ERA ASSIM. NO PRIMEIRO CASO, DENOMINA-SE “SIMPATIA”, E NO

SEGUNDO, “GERAÇÃO”.
QUALQUER QUE SEJA A PROCEDÊNCIA, TAIS FILHOS INSPIRAM
IDOLATRIA AOS PAIS. NO INTERIOR DE LUANDA, OS MIONDONAS (ENTES
ESPIRITUAIS QUE A CADA UM ENCAMINHAM PARA O BEM) SÓ PROCEDEM
DO RAMO PATERNO.
KIANDA – MONSTRO FABULOSO, DEUS DAS ÁGUAS KIA MENHÃ, SER

SOBRENATURAL QUE PRESIDE O IMPÉRIO DOS MARES E DOS RIOS,
MONTANHAS E BOSQUES, SER ANÔMALO, PESSOA FEIA.
KIANDAS VIVEM NA ÁGUA, PRINCIPALMENTE NO MAR, PODENDO
MOSTRAR-SE SOB QUALQUER ASPECTO: PESSOAS, PEIXES, COISA.
SEGUNDO UM PESCADOR CENTENÁRIO DA ILHA DE LUANDA –
HOMEM AINDA ISENTO DE INFLUÊNCIAS ESTRANHAS – A KIANDA REVELA-
SE NÃO SOB A FIGURA DE SEMI-HUMANO E SEMIPEIXE, CONFORME A
TRADIÇÃO EUROPÉIA – CONCEPÇÃO JÁ PENETRADA NA MENTALIDADE DOS
NATURAIS DE CAMADAS MAIS ADIANTADAS –, MAS REVELA-SE EM TODA A
PLENITUDE HUMANA, APENAS COM FARTA CABELEIRA DE PELUGEM, SOB
AS QUAIS, POR VEZES, SE FECHA. PODE DIRIGIR-SE A NÓS OU SOLICITAR-
NOS QUALQUER COISA, E, QUANDO MAL NOS PRECATAMOS, DESAPARECE
MISTERIOSAMENTE.
AS KIANDAS TÊM UM GRANDE PODER DE ATRAÇÃO, PODENDO
LEVAR UM HOMEM AO FUNDO E DEVOLVÊ-LO SE QUISER, MAS ESSE
HOMEM É SEMPRE TOMADO DE DOCE CALMARIA.
COMO AS KITUTAS, AS SUAS APARIÇÕES TAMBÉM REPRESENTAM
BOM OU MAU INDÍCIO E, COMO ELAS, ENCARNAM SERES HUMANOS, MAS
SÓ POR SIMPATIA, CONSTITUINDO INDIVÍDUOS ANORMAIS, COMO OS
DEFORMADOS FISICAMENTE.
A INFLUÊNCIA DA KIANDA TAMBÉM PODE SER EXERCIDA APÓS O
NASCIMENTO, QUANDO SE ORIGINAM PERTURBAÇÕES NA SAÚDE DA
CRIANÇA.
O MAL, VERIFICADO POR ADIVINHAÇÃO, É SANADO COM UMA
OBLATA À SEREIA, REALIZANDO-SE O FESTIM EM LOCAL PREVISTO
Tata Nkasute
74
DIVINATORIAMENTE. OS ENTES GERADOS SOB SUA AFEIÇÃO, IGUALMENTE,

INSPIRAM IDOLATRIA AOS PAIS.
CONSTA QUE ESTA DIVINDADE MOROU NUM LOCAL “PADRÃO”,
ONDE EXISTE HOJE UMA PONTE QUE LIGA LUANDA À ILHA. EM RAZÃO DA
DEMOLIÇÃO DAS PEDRAS LÁ EXISTENTES, MUDOU-SE DE LOCAL, O QUE
CAUSOU A RUÍNA INCESSANTE DA CITADA ILHA. UMA COISA É CERTA, AS
KIANDAS MORAM EM TODO ATLÂNTICO ANGOLANO DE LUANDA.
ACREDITA-SE QUE O CULTO ÀS KIANDAS EM LUANDA DEU ORIGEM
ÀS FESTAS SEGUIDAS DE EMBARCAÇÕES HOJE EXISTENTES AQUI NO
BRASIL, POIS NÃO TEMOS REGISTROS DE OUTRAS FESTAS SEMELHANTES,
REALIZADAS POR POVOS DE ORIGEM YORUBANA.
MUITOS AFIRMAM QUE AS KIANDAS ESTÃO LIGADAS APENAS AO
MAR.
KIXIMBI – SEGUNDO MUITOS ESTUDIOSOS, “OS XIMBI” PRESIDEM O

GRANDE PODER DE AUTORIDADE. SÃO DOTADOS DE GRANDES VIRTUDES,
PODENDO APRESENTAR-SE DE FORMA MASCULINA OU FEMININA, EM
LAGOS, RIOS OU MARES.
SEU SANGUE É REPRESENTADO PELA ARGILA VERMELHA
ENCONTRADA NA NASCENTE DOS RIOS, ONDE MUITOS ACREDITAM TER SE
ORIGINADO A VIDA, ATRAVÉS DAS GRANDES MÃES ANCESTRAIS EM
FORMA DE PEIXE E SOMENTE DEPOIS EM FORMA DE PÁSSAROS.
SEJA COMO FOR, A DIVINDADE ERA VISTA APENAS PELA FORÇA DA
NATUREZA, ATRAVÉS DA ESPUMA DO MAR, DO VENTO QUE FORMAVA
ONDAS, ETC. QUANDO TOMA FORMA FÍSICA, TRANSFORMA-SE EM SEREIA
(MEIO GENTE, MEIO PEIXE), CONFORME A ACULTURAÇÃO.
VEJA O QUE DIZ OSCAR RIBAS EM SEU LIVRO ILUNDU (1958, P.37)
SOBRE AS DIVINDADES INTERMEDIÁRIAS: MIONDONAS, KITUTAS E
KIANDAS.
APÓS ATURADAS INQUIRIÇÕES E DEMORADAS LUCUBRAÇÕES,
ENTENDEMOS QUE DEVERÍAMOS DESTRINÇAR AS MIONDONAS, AS KITUTAS
E AS KIANDAS. CADA QUAL COMO ENTIDADE DIFERENTE, EMBORA TODAS
TRÊS SE CATEGORIZANDO COMO SOBRENATURAIS. DADA ESTA
Tata Nkasute
75
PARTICULARIDADE, VERIFICAMOS QUE AS REFERIDAS DIVINDADES ERAM

TOMADAS SINONIMAMENTE, CONSTITUINDO AS TRÊS A ÚNICA E MESMA
DIVINDADE.
PARA CHEGARMOS A ESTA CONCLUSÃO, VALERAM-NOS AS
CONTRADIÇÕES QUE SURPREENDÍAMOS A CADA PASSO. UM EXEMPLO
FLAGRANTE É O DOS GÊMEOS. SÃO ELES CONSIDERADOS KITUTAS, E NÃO
MIONDONAS. LOGO, KITUTA NÃO É MIONDONA.
SERVINDO-NOS AINDA DO MESMO EXEMPLO, APURAMOS QUE OS
GÊMEOS TAMBÉM NÃO SÃO CONSIDERADOS KIANDAS. DAQUI, KITUTA NÃO
SER KIANDA.
OUTRO EXEMPLO: QUEM NASCE DEFORMADO, É TIDO COMO KIANDA.
MAS NÃO COMO MIONDONA. ENTRETANTO, HÁ QUEM TAMBÉM LHE CHAME
KITUTA. ESTA CONFUSÃO, JÁ MAIS ÍNTIMA, EXPLICA-SE PELO FATO DE
KITUTA E KIANDA CONSTITUIREM SERES SOBRENATURAIS TERRENOS.
COMO O ASSUNTO É ALTAMENTE COMPLEXO, DE ANTEMÃO
CONFESSAMOS QUE A DESTRINÇA QUE FIZEMOS, DE MODO NENHUM
REPRESENTA UM PONTO RESOLVIDO. LONGE DE NÓS SEMELHANTE
JACTÂNCIA! O QUE SE AFIGUROU MELHOR, ASSIM O EXPUSEMOS.
FALEMOS UM POUCO DO KILAMBA.
KILAMBA É O INTÉRPRETE DAS SEREIAS.
FADADO DESDE NASCENÇA POR ESSES SERES, POSSUI O PRIVILÉGIO

DE TRATAR TODOS OS MALES OCASIONADOS POR ELES, TAIS COMO:
DOENÇAS, CÓLERAS DO MAR, ESTIAGENS, INFESTAÇÕES DE FERAS. EM
CASO DE CÓLERA, OBTÉM A CALMARIA; DE ESTIAGEM, A CHUVA; DE
INFESTAÇÃO, A EXPULSÃO.
A PREDESTINAÇÃO CARACTERIZA-SE POR UMA ANOMALIA, UMA

DEPRESSÃO NO ALTO DA CABEÇA, EM CONSEQÜÊNCIA DE UMA
ENFERMIDADE, E QUE TEM SEU MISTÉRIO ESCLARECIDO ATRAVÉS DE
ADIVINHAÇÃO DE KIMBANDA.
O TRATAMENTO, REDUZIDO A UMA PRÁTICA LITÚRGICA, SOMENTE

É EXECUTADO PELO KILAMBA, SECUNDADO POR UM SOBA, POIS OS SOBAS
Tata Nkasute
76
TAMBÉM POSSUEM ELEVADOS PODERES ESPIRITUAIS. ENTRETANTO, COMO

PALIATIVO, O KILAMBA RECEITA-LHE UMA FOMENTAÇÃO DE ÓLEO DE
PALMA COM PÓS DE DETERMINADAS FOLHAS.
PARA O RITO, O PACIENTE FICA DEITADO NO CHÃO, DE BARRIGA

PARA CIMA, JUNTO À PORTA DE ENTRADA. SOBRE O PEITO, O KILAMBA
ASSENTA-LHE O PÉ DIREITO, E, SOBRE ELE, O SOBA TAMBÉM ASSENTA O
SEU. CADA QUAL, MUNIDO DUMA CASCA DE COCO COM ÁGUA, VAI
RECITANDO UMA INVOCAÇÃO, SEMPRE NA ORDEM ESTABELECIDA.
FINDADA A SÚPLICA, DERRAMAM A ÁGUA NA SOBREPOSIÇÃO DOS PÉS.
COM A PASTA FORMADA PELA TERRA MOLHADA, AMBOS, MAS JÁ
RETIRADOS OS PÉS, BESUNTAM-LHE O CORPO. ESTA SOLENIDADE –
KUKAMBELELA – DESTINA-SE A APAZIGUAR A SEREIA.
MAIS TARDE, ANTES DE SE MATRIMONIAR, OFERECE-SE UM FESTIM

À SEREIA QUE PROCOCOU A MANIFESTAÇÃO – TESTEMUNHO DE AMIZADE
PELO AFECTADO. A CERIMÔNIA REALIZA-SE CONSOANTE O LOCAL EM QUE
ESSA DIVINDADE RESIDIR, OU SEJA, À BEIRA DUMA LAGOA, RIO OU MAR.
CONSAGRADA PELO KILAMBA E PELO SOBA, A CERIMÔNIA

KUBOKELA TEM POR FINALIDADE FIRMAR ALIANÇA COM A SEREIA E É
COMPOSTA DE IGUARIAS E BEBIDAS.
Tata Nkasute
77
NDANDA LUNDA
PARA CHEGARMOS A NDANDA LUNDA, TERÍAMOS QUE PRIMEIRO

ESTUDAR A PRÉ-HISTÓRIA EM EXPRESSÕES ARTÍSTICAS, QUE ERAM BEM
SIMPLES, POIS OS REGISTROS MAIS ANTIGOS ERAM PEQUENOS TRAÇOS,
FEITOS EM ROCHEDOS E PAREDES DE CAVERNAS (ERA A ARTE RUPESTRE).
MUITO TEMPO DEPOIS DESTAS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES, O

HOMEM COMEÇOU A DESENHAR ANIMAIS E, SÓ MAIS TARDE, A FIGURA
HUMANA PASSOU A SER REPRESENTADA PELO HOMEM PRÉ-HISTÓRICO.
NO FINAL DA PRÉ-HISTÓRIA, O HOMEM DEIXOU DE SER NÔMADE E

PASSOU A SE DEDICAR À AGRICULTURA E DOMESTICOU OS ANIMAIS. ESSA
TRANSFORMAÇÃO REVOLUCIONOU A ARTE QUE SE PRATICAVA, E A VIDA
COLETIVA E AS ATIVIDADES COTIDIANAS PASSARAM A SER OBJETO DE
REPRESENTAÇÕES. COM ISSO, A IDÉIA DE MOVIMENTO CONSTITUIU-SE
NUM PROBLEMA PARA OS ARTISTAS, QUE PASSARAM A CRIAR FIGURAS
LEVES, ÁGEIS E PEQUENAS. ESSAS FIGURAS FORAM REALIZADAS A
PEQUENOS TRAÇOS E LINHAS QUE TRANSMITIAM ALGUMA MENSAGEM, A
PRIMEIRA FORMA DE ESCRITA.
POR ESSE MOTIVO, CONSEGUIMOS ENTENDER AS ESCULTURAS E

PINTURAS ZOOMÓRFICAS ENTRE OS POVOS AFRICANOS.
TEMOS DE ESTUDAR TAMBÉM O “OVAKWANHOKA” (“OS DA

SERPENTE” OU “OS DA COBRA”). NOME CLÂNICO MUITO DIFUNDIDO QUE SE
ENCONTRA EM QUASE TODAS AS FORMAÇÕES ÉTNICAS DO SUL DE
ANGOLA.
OVAKWANHOKA, CLÃ BASTANTE ESPALHADO, ASSINALADO

SOBRETUDO NO GRUPO NYANEKA–HUMBI, NO GRUPO AMBO E NO GRUPO
HELELO. À IDÉIA DE COBRA, ALIÁS, SERPENTE, ESTÁ, DE ALGUM MODO,
ASSOCIADA AO PRÓPRIO NOME NYANEKA, QUE PARECE EVOCAR UM
Tata Nkasute
78
ANTIGO CULTO DA SERPENTE, EMBORA O ÉTIMO SE RELACIONE COM A

PALAVRA OKUNYANEKA, QUE SIGNIFICA “ESPALHAR”.
LWEJI – A RAINHA DOS LUNDAS –, A QUAL VALE A PENA FRISAR,

ERA DESCENDENTE DOS OVAKWANHOKA PELOS SÉCULOS XVI OU XVII.
DEPOIS DE SE CASAR COM O PRÍNCIPE ILUNGA, DE ORIGEM LUBA, O REINO
SOFREU AO MESMO TEMPO REFORMAS E UM CERTO NÍVEL DE
DECOMPOSIÇÃO, POIS VIU SONGOS, BANGALAS, TCHOKWES E LUVALES
ABANDONAREM O TERRITÓRIO.
NO MUSEU NACIONAL DE ANTROPOLOGIA EXISTEM DUAS

ESTATUETAS REPRESENTANDO, RESPECTIVAMENTE, LWEJI E ILUNGA, QUE
SE ENCONTRAM ENTRE AS MAIS BELAS PEÇAS DE ARTE ANGOLANA E
TALVEZ DA ÁFRICA.
O REINO HUMBI (DE ONDE SAÍRAM PEQUENOS ESTADOS DE KITEVE,

DO MULONDO) É GOVERNADO PELO CLÃ DA COBRA.
TEMOS DE ESTUDAR TAMBÉM OS GAMBOS, UMA CERTA TRADIÇÃO

SITUA NESSA TRIBO NYANEKA, DA MARGEM DO KUNENE, UM GRANDE
IMPÉRIO, GOVERNADO POR UM OHAMBA, TAL COMO O ESTADO
KWANHAMA. SEJA COMO FOR, HÁ VÁRIOS ELEMENTOS DA MÍSTICA.
TRADICIONAL DOS OVANYANEKA, QUE SE SITUAM NESSA REGIÃO,

COMO A MONTANHA DE TALA–TALA (ONDE ONHOKA, A SERPENTE DAS
MISSANGAS BRANCAS, DESCANÇA ENROLADA NA GRANDE MULEMBA), OU
A MONTANHA DE TANGO–TANGO.
UMA LENDA QUE ATRAVESSOU A LUNDA FOI A DE “KAPITIA” (O

PORTA-VOZ DO REI, AQUELE QUE FALA AO POVO PELO REI), O PRIMEIRO DO
CLÃ DA SERPENTE. AS LENDAS DE MOKO, A IRMÃ DA GRANDE SERPENTE
QUE VOS ENGOLE DE UM SÓ GOLE, E A DE ONHOKA, A SERPENTE RASTEIRA
COM O SEU COLAR DE CONTAS BRANCAS, TALVEZ TENHAM NASCIDO NA
KAPUNDA, NOME DADO AO MONTE/COLINA EM LÍNGUA NYANEKA.
Tata Nkasute
79
QUEM, ENTRE OS VELHOS, ESQUECEU O JOVEM SOLITÁRIO, AQUELE

QUE, SEGUNDO A TRADIÇÃO, NASCEU SOB O SOL ARDENTE, SOBRE A
TERRA FÉRTIL DAS LAVRAS DE NANGOMBE, A MUDA?
DIZEM, OS QUE FORAM VELHOS ANTES DE NÓS SERMOS PÚBERES,

QUE “NANGOMBE”, A MUDA, A INFATIGÁVEL, A QUE NUNCA TEVE
ENCANTOS NEM PALAVRAS E QUE, POR ISSO, NUNCA FOI PRETENDIDA,
DEIXOU-SE DORMIR UM DIA NO ACONCHEGO DA TERRA MORNA. VEIO
ONHOKA, A VELHA SERPENTE, SILENCIOSA E RASTEIRA COMO SEMPRE
VEM, E VENDO A MULHER ASSIM ABANDONADA À IMPRUDÊNCIA DO SEU
SONO, A MULHER ESTÉRIL SOBRE A TERRA FÉRTIL, NANGOMBE, A MUDA,
COMO UM ROCHEDO NO MEIO DA LAVRA, PROFERIU AH!, QUE É UMA
EXPRESSÃO DE CONTENTAMENTO.
DIZEM OS VELHOS, QUE FORAM VELHOS ANTES DA NOSSA

PUBERDADE, QUE ONHOKA, A SERPENTE, FOI TOMADA DE APETITE. ENTÃO
SE COMPLETOU AQUELA FORÇA NOVA E ONHOKA POSSUIU NANGOMBE.
MOKO, A IRMÃ DA GRANDE SERPENTE, FECUNDOU NANGOMBE, A MUDA, A
ESTÉRIL, A VELHA SOLITÁRIA DAS LAVRAS MAIS RICAS DA NOSSA ALDEIA.
ASSIM NASCEU KAPITIA, DA FERTILIDADE DE ONHOKA E DA MUDEZ

DE NANGOMBE, NASCEU DA IMPRUDÊNCIA DA MULHER E DA FERTILIDADE
DA NATUREZA. NASCEU, CRESCEU UM POUCO E DEPOIS FALOU PELA VOZ
DE SURDINA DO SEU ARQUINHO DE MÚSICA.
E FOI KAPITIA, O SOLITÁRIO, O MAGO DO NBULUMBUMBA (ESPÉCIE

DE BERIMBAU), E TAMBÉM CHAMADO DE KAPITIA, O VIAJANTE. FOI
CONHECIDO POR MUITOS OUTROS NOMES POR ESSA TERRA DE “SUKU” NO
SUL DO MUNDO. CHAMARAM-NO DEPOIS DE O FEITICEIRO DA TCHIHUMBA
(ESPÉCIE DE LIRA DOS PASTORES), DE O MESTRE BATUQUEIRO E FOI AINDA
FAMOSO PELO NOME DE SIMANHA, O DO FERRO.
LEMBREMOS TAMBÉM QUE QUASE TODAS AS LENDAS, SENÃO

TODAS AS DE ORIGEM LUNDA, REVERENCIAM NDALA KARITANGA (NDALA
– COBRA).
Tata Nkasute
80
VAMOS CONHECER UMA LENDA TRADICIONAL E ORAL DO GRUPO

LUNDA SOBRE SUA ASCENDÊNCIA DIVINA, CRIAÇÃO DO UNIVERSO.
NZAMBI, DEPOIS DE TER CRIADO O MUNDO, CRIOU TAMBÉM DUAS

PESSOAS A QUEM CHAMOU DE SÁ MUTFU E NÁ MUTFU. A PRIMEIRA CRIOU-
A COM O SEXO MASCULINO, A SEGUNDA NÃO TINHA SEXO, O QUE A
ENTRISTECIA.
O NZAMBI CRIOU-AS E DEIXOU-AS NO MONTE A QUE OS LUNDAS

CHAMAM ILUNDU NYI SENGA E A QUE OS TUTCHOKWE DÃO O NOME DE
LUNDU NYI SENGA, SITUADO, SEGUNDO AFIRMAM, ENTRE KAPANGA E
SANDOA, NA REGIÃO DE KATANGA. ALI CONSTRUÍRAM A SUA CASA AS
DUAS RECÉM-CRIADAS, JUNTO DA NASCENTE DO RIBEIRO LWILA,
AFLUENTE DO RIO LULUA.
AO DEIXÁ-LAS, ANTES DE SUBIR PARA O ESPAÇO, ACOMPANHADO

DO SEU CÃO, ONDE AINDA HOJE SE ENCONTRA, O NZAMBI ENTREGOU AO
SÁ MUTFU UM CÃO, UMA ENORME CABAÇA E UM EMBRULHO, DIZENDO-
LHE:
__
AQUI TENS UM CÃO, QUE SERÁ O TEU MAIS FIEL COMPANHEIRO E
CAÇARÁ PARA TI. NESTA CABAÇA ESTÃO TODOS OS ANIMAIS, DE
TAMANHOS MINÚSCULOS, NECESSÁRIOS AO POVOAMENTO DA TERRA, MAS
SOMENTE A DEVES ABRIR QUANDO CHEGARES PERTO DO KALUNGA KÁ
MEYA (MAR), PARA QUE ELES SAIAM EM BOA ORDEM, CRESÇAM, SE
MULTIPLIQUEM E TE OBEDEÇAM. DEPOIS DE TERES FEITO ISSO, NO
REGRESSO, LAVAS O CONTEÚDO DO EMBRULHO NAS ÁGUAS DOS DOIS
PRIMEIROS RIBEIROS QUE ATRAVESSARES E SÓ DEPOIS PODERÁS
ENTREGÁ-LO A TUA COMPANHEIRA NÁ MUTFU QUE O COLOCARÁ NO
MUMELU (REGIÃO PÚBICA), A FIM DE QUE ELA POSSA PROCRIAR, ISTO É,
TER MUITOS FILHOS E FILHAS E AMBOS POSSAIS MULTIPLICAR A VOSSA
ESPÉCIE.
CUMPRINDO AS ORDENS QUE RECEBERA DO NZAMBI, O SÁ MUTFU,

ACOMPANHADO DO SEU CÃO, DIRIGIU-SE PARA O OCIDENTE, EM DIREÇÃO
DO MAR, LEVANDO CONSIGO A GRANDE CABAÇA E O EMBRULHO
Tata Nkasute
81
ENQUANTO NÁ MUTFU FICOU EM CASA, POIS NÃO SE SENTIA COM FORÇAS

PARA O ACOMPANHAR.
O SÁ MUTFU ANDOU, ANDOU, ATÉ QUE, VENDO O RIO CASSAI E

JULGANDO TRATAR-SE DO MAR, QUE O NZAMBILHE TINHA FALADO,
DESTAPOU A CABAÇA E TODOS OS ANIMAIS SAÍRAM NUM INSTANTE.
QUANDO O SÁ MUTFU REPAROU QUE TINHA SE ENGANADO E QUE AQUILO
ERA UM RIO E NÃO O MAR, CHAMOU PELOS ANIMAIS PARA QUE
VOLTASSEM A ENTRAR NA CABAÇA, A FIM DE OS LEVAR PARA JUNTO DO
MAR.
CHAMOU, CHAMOU, MAS NENHUM DELES REGRESSOU À CABAÇA.
POR ESTA RAZÃO, O PRIMITIVO NOME DO RIO CASSAI ERA “KARUM”,

VOCÁBULO LUNDA QUE SIGNIFICA MAR.
ABORRECIDO E TRISTE POR TER SE ENGANADO E PELOS ANIMAIS

NÃO O TEREM OBEDECIDO, REGRESSOU A CASA, SEGUIDO POR SEU CÃO. O
ABORRECIMENTO E A TRISTEZA ERAM TAIS, QUE SE ESQUECEU DE LAVAR
O CONTEÚDO DO EMBRULHO NA ÁGUA DOS DOIS PRIMEIROS RIBEIROS QUE
ATRAVESSOU, COMO O NZAMBI LHE TINHA INDICADO. POR TAL MOTIVO,
QUANDO JÁ ESTAVA PERTO DE SUA CASA, SENTINDO QUE O EMBRULHO
EXALAVA UM CHEIRO ESQUISITO, JOGOU-O FORA.
QUANDO CHEGOU A CASA E CONTOU A NÁ MUTFU O QUE LHE

TINHA SUCEDIDO, ELA FICOU INDIGNADA POR ELE TER ABERTO A CABAÇA
ANTES DE TER VISTO O MAR.
__
E O EMBRULHO, QUE NZAMBI TE DEU, QUE LHE FIZESTE? –
INTERROGOU-O NÁ MUTFU.
__
DEITEI-O FORA PORQUE COMEÇOU A CHEIRAR MAL.
OUVINDO ISSO, A NÁ MUTFU MAIS ABORRECIDA FICOU E DISSE-LHE:

__
VOLTA IMEDIATAMENTE ATRÁS COM O CÃO, A FIM DE
RECUPERARES O EMBRULHO QUE ME PERTENCE E NÃO ME APAREÇAS AQUI
SEM ELE.
Tata Nkasute
82
CUMPRINDO A VONTADE DE SUA COMPANHEIRA, O SÁ MUTFU FOI

COM O CÃO, QUE ENCONTROU O EMBRULHO À BEIRA DO RIBEIRO LWILA,
ENTREGANDO-O AO DONO.
SATISFEITO, O SÁ MUTFU REGRESSOU A CASA E ENTREGOU O

MALCHEIROSO EMBRULHO A NÁ MUTFU. ESTA O DESMANCHOU E,
TIRANDO SEU CONTEÚDO, COLOCOU-O NA REGIÃO PÚBICA, ONDE FICOU
IMPLANTADO, TRANSFORMANDO, ASSIM, NAQUELE INSTANTE, A NÁ
MUTFU EM MULHER.
REPARANDO, ENTÃO, QUE ERAM DE SEXOS DIFERENTES, A-RI-

NBATA (ACASALARAM-SE) EM LUNDA ATEJANE.
DAQUELA UNIÃO NASCEU UMA FILHA DE NOME NÁ KONDA. ESTA,

POR SUA VEZ, CONCEBEU DE SEU PAI, SÁ MUTFU, CINCO FILHOS E TRÊS
FILHAS. AOS FILHOS DERAM OS NOMES, POR ORDEM DE NASCIMENTO, DE
KANONGWENA, NAWEJI, SÁ KAMBUNJI, MWAZANZA E TCHINYAMA; AS
FILHAS CHAMAVAM-SE KASAI, LWEJI E TEMBO.
DO KANONGWENA DESCENDERIAM OS POVOS BALUBA, BAQUETE,

BANA-MAI, LULUA E OUTROS DE LÍNGUA SEMELHANTE; DE SÁ KAMBUNJI,
OS XINGES E MINUNGOS; DE TCHINYAMA, OS LUENAS. OS PROGENITORES
DOS LUNDAS TERIAM SIDO LWEJI, MAWEJI E MWAZANZA; DOS
TUTCHOKWE, KASAI E TEMBO.
LWEJI É CONSIDERADA A “RAINHA DOS LUNDA”, LIGADA A “NDALA

(COBRA) KARITANGA” E AO PRIMEIRO DO CLÃ DA SERPENTE “KAPITIA”.
ACREDITO QUE NÃO DEIXA DÚVIDAS DA LIGAÇÃO NDANDA LUNDA-LWEJI-
SERPENTE, QUANDO HOJE SABEMOS QUE TANTO NDANDA LUNDA QUANTO
LWEJI SÃO TÍTULOS.
TEMOS TAMBÉM UMA LENDA CONTADA POR ALBERTO DA COSTA E

SILVA (1992, P.485) SOBRE O REI IALA MUACU, QUE TINHA DOIS FILHOS,
QUINGURI E CINIAMA, E UMA FILHA, LWEJI. POR UM MOTIVO DE
DESENTENDIMENTO, OS FILHOS ESPANCARAM O PAI QUE VEIO A FALECER,
MAS ANTES QUE ISSO VIESSE A ACONTECER, LWEJI CUIDOU DE IALA
MUACU ATÉ OS ÚLTIMOS DIAS, QUE, DESERDANDO OS FILHOS, ENTREGOU
Tata Nkasute
83
A LWEJI O “LUKANO” (BRACELETE, SÍMBOLO DO PODER), FAZENDO ASSIM

LWEJI SUA SUCESSORA.
AMPARADA PELO CONSELHO DOS CABUNGUS, OS MAIS VELHOS E

MAIS SÁBIOS, LWEJI GOVERNOU ATÉ SE CASAR COM UM ESTRANGEIRO, UM
CAÇADOR LUBA, “CHIBINDA ILUNGA”, A QUEM REPASSOU O LUKANO E
ASSIM NOVOS COSTUMES FIZERAM PARTE DO REINO. QUINGURI E CINIAMA
NÃO APROVARAM O MATRIMÔNIO E, ZANGADOS, ABANDONARAM A
LUNDA.
A AUTORIDADE POLÍTICA TERIA NO MATRIMÔNIO, DESCRITO PELA

TRADIÇÃO ORAL, ADQUIRIDO O ESTADO MASCULINO, ENQUANTO QUE A
LINHAGEM DO TÍTULO LWEJI SE TORNAVA FEMININA.
GRANDE VALOR DO MATRIARCADO DEPOIS DE LWEJI
É NOTÓRIA NA LUNDA CERTA INFLUÊNCIA DO MATRIARCADO,

REPRESENTADA NAS DIVINDADES DE BARRO SOB FORMA DE MULHER COM
PODER DE GERMINAÇÃO E CONCEPÇÃO. ELA NUTRE O HOMEM DURANTE A
VIDA E DEPOIS DA MORTE TOMA CONTA DOS ESPÍRITOS, POIS NA LUNDA AS
MULHERES SÃO VISTAS COMO A MORADA DOS ESPÍRITOS. O MITO NOS DÁ
UM QUADRO QUASE QUE PERFEITO DA ESTRUTURA POLÍTICA E SOCIAL
TUBUNGU E LUNDA, TAL QUAL ELA SE APRESENTA HOJE NOS POVOS EM
QUE ESTA ÚLTIMA ETNIA SOBRETUDO IMPÕE SUA DOMINAÇÃO POLÍTICA.
OS TSHOKWES GUARDARAM ALGUNS TRAÇOS DO SISTEMA QUE

PODEMOS OBSERVAR FACILMENTE SOBRE A ENTRONIZAÇÃO DE UM CHEFE
POLÍTICO. O NOVO CHEFE É CONSIDERADO QUASE COMO UM
ESTRANGEIRO, ELE DEVE SER SOBRETUDO CAÇADOR, TER ASCENDIDO A
DUAS INICIAÇÕES DE HOMENS (A MUKANDA E A NZEMBA), REFORÇAR SEU
PODER E SUA FORÇA, FECHANDO-SE DURANTE ALGUM TEMPO COM OS
Tata Nkasute
84
AJIMO (FONTE DE FECUNDIDADE DO CLÃ LOCAL), GUARDADOS DURANTE

UM ÍNTERIM POR UMA VELHA MULHER CHAMADA NATSHIJINGA (NÓS
TEMOS VISTO QUE UM SALUJINGA É UM HAMBA PROPÍCIO À FECUNDIDADE
E QUE MAJINGA REPRESENTA TAMBÉM A SERPENTE. O PREFIXO SA
REPRESENTA O SEXO MASCULINO E NA, O FEMININO).
ESTE NOME É UMA REPRESENTAÇÃO DA MÃE MÍTICA DOS

TSHOKWE, LWEJI, VINDA DE YALA MWAKO, CHEFE DOS TUBUNGU,
ANTIGOS PROPRIETÁRIOS DA TERRA. ESTES TUBUNGUS ERAM CHEFES DE
CLÃS LIGADOS A ESTA REGIÃO NA QUAL ILUNGA CHEGOU E COLOCOU EM
CAUSA TODA A SOCIEDADE, INTRODUZINDO A REALEZA SAGRADA E
IMPONDO UM PODER POLÍTICO DO QUAL ELE SE TORNARIA CHEFE, MAS, AO
MESMO TEMPO, CONSERVANDO CERTAS ESTRUTURAS E INSTITUIÇÕES
LOCAIS, COMO A ASSEMBLÉIA DOS TUBUNGU E ALGUNS FUNCIONÁRIOS.
PARA TOMAR O PODER, ESTE HERÓI CIVILIZADOR TEVE QUE SE

CASAR COM UMA MULHER DA TERRA, QUE COLOCOU EM SUA MÃO O
SÍMBOLO PRINCIPAL DO PODER POLÍTICO, O “LUKANO”. NESTES POVOS, A
PESSOA QUE GUARDA ESTE BRACELETE É NATSHIJINGA, NO GRUPO DOS
LUNDA É UMA MULHER CHAMADA LUKONKESA, CONSIDERADA COMO A
MÃE SOCIOLÓGICA DESTA ÚLTIMA ETNIA. O BRACELETE SAGRADO, CUJA
RÉPLICA, NO CESTO NGOMBO YA TSHISUKA, TEM A FUNÇÃO DE DIZER SE
HÁ A NECESSIDADE DE PRESTAR UM CULTO A TSHISOLA, JINGA OU
SALUJINGA, CUJAS FORMAS LEMBRAM UMA SERPENTE ENROLADA.
O LUKANO FAZ PARTE DAS INSÍGNIAS DO PODER POLÍTICO, EM QUE

KUBATA É ABERTA, SEMPRE EM FORMA CIRCULAR. O FOGO JAMAIS SE
APAGA NESSE LUGAR DE DISCUSSÃO E DE ASSEMBLÉIA DE ANCIÃOS
(TSHYIULU OU TETAMI, QUE SIGNIFICA CRUZADO OU CRESCENDO), É A
ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA PELO CHEFE MAIS ANTIGO DA LINHAGEM
LOCAL. A TSHOTA É IMPLANTADA NO MEIO DA VILA EM FORMA CIRCULAR.
CONSTATA-SE, ENTÃO, PRESENÇA DE RELAÇÕES MUITO ESTREITAS DE
CONTEÚDO SIMBÓLICO ENTRE OS CHEFES POLÍTICOS E SUA INSÍGNIAS E A
SERPENTE.
Tata Nkasute
85
LEMBRAMOS QUE O CHEFE SUPREMO DOS LUNDAS SE CHAMA

MWATTSHYANVWA, NOME CUJA ORIGEM (ANVWA) SIGNIFICA SERPENTE, E
QUE O NOME DE UM DOS MAIORES CHEFES TSTHOKWE É MWATSHISENGE
(SENGE É UM LAGARTO DA ÁGUA, TERROR DOS CROCODILOS, E YENGE É
TAMBÉM UMA SERPENTE).
VEJAMOS SUMARIAMENTE COMO SE COLOCA O PROBLEMA DO

SIMBOLISMO DA SERPENTE, O ANIMAL DA FECUNDIDADE POR
EXCELÊNCIA, NA CULTURA TSTHOKWE. NA NARRATIVA EXPLICATIVA DA
ORIGEM DA ETNIA, TSHYANZA NGOMBE OU YANVWA NGOMBO É A
“GRANDE SERPENTE MÃE NYAWEJI”, QUE CRIOU TODAS AS COISAS DO
MUNDO. LEMBREMOS QUE É O NOME DADO AO PRIMEIRO FILHO DO CASAL
ILUNGA-LWEJI, CONSIDERADO COMO O PRIMEIRO IMPERADOR DOS LUNDA,
SENHOR TODO PODEROSO E DETENTOR DE TODA A RIQUEZA DO MUNDO,
ELE É O REI SAGRADO. POR OUTRO LADO, ELE É O FILHO DE LUNGA,
HOMEM POR EXCELÊNCIA, CAÇADOR, MODELO QUE PÕE EM CAUSA A
SOCIEDADE EM CRISE, É UM RENOVADOR. O TERMO ILUNDA CARREGA A
MESMA RAIZ OU ORIGEM QUE NGANGA, INSTRUMENTO CONTRA
SOCIEDADE.
SAKASANJI KATANGA, O SER QUE FEZ O MUNDO, ISSO QUER DIZER

IGUALMENTE YANVWA NGOMBO (SERPENTE), É CASADO COM O RAIO
NZAJI. DESTE CASAL, NASCERAM AS CRIANÇAS SOL TANGWA E LUA
KAKWEJI. ORA MWATSHYNVWA É COMPARADO AO SOL NO MOMENTO DE
SUA ENTRONIZAÇÃO.
NÓS TEMOS VISTO QUE UMA SERPENTE ANVWA OU AVWA FOI O

ANIMAL QUE FECUNDOU OU ESTERILIZOU LWEJI (MULHER DE ILUNDA) E
FOI O HOMEM QUE TOMOU O PODER, ACEITANDO O BRACELETE SAGRADO
“LUKANO”.
BRACELETE SE DIZ TSHIJINGO E NO CESTO TSHISUKA AS RÉPLICAS

DESTE OBJETO SE MULTIPLICAM: LUNOKA, UMA PEQUENA SERPENTE
ENROLADA, OU TOKA JÁ LUNOKA, FIGURA CUJO SIGNIFICADO É QUE A
MORTE SE DEVE PELA PICADA DE UMA SERPENTE.
Tata Nkasute
86
SERPENTE SE DIZ IGUALMENTE LUNOKA, JINGA OU YENGE, E

KUJINGA É DO VERBO QUE SIGNIFICA ENREDAR, ENCERCAR. SERPENTE
ENREDADA É NALUJINGA OU SALUJINGA. SALUJINGA É HAMBA DE
FECUNDIDADE E EXISTE UMA RÉPLICA SUA, EM MINIATURA, NO CONJUNTO
DIVINATÓRIO; YENGE TEM A MESMA RAIZ QUE MWATSHISENGE, GRANDE
CHEFE SAGRADO, VINDO DA FAMÍLIA DOS ANVWA, QUE CONDUZIU OS
TSHOKWE A UMA TERRA PROMETIDA.
EM RELAÇÃO A DIVERSOS JINGA OU MAJINGA, NÓS TEMOS, AINDA,

L’UFUKU (DEFESA NOTURNA CONTRA FEITICEIROS), ELE SE TRANSFORMA
EM SERPENTE QUE SE JOGA SOBRE OS INTRUSOS. A BANANEIRA KONDE OU
KONDI É UM HAMBA É UMA RÉPLICA QUE REPRESENTA A TERRA DOS
JINGA. ESTE HAMBA TEM TAMBÉM CERTAS RELAÇÕES COM TSHISOLA,
HAMBA PROPÍCIO A FAZER ENGRAVIDAR AS MULHERES.
O SIMBOLISMO DA SERPENTE É, POR OUTRO LADO, TOTALMENTE

LIGADO À FIGURA MUKANGA E MUKOSA, CUJAS FORMAS CIRCULARES NOS
LEMBRAM O “LUKANO” (SÍMBOLO DE ALTO PODER E ALTO ESCALÃO NA
SOCIEDADE. DOS HAMBA) EM FORMA DE CÍRCULOS. SÃO OBRIGATÓRIOS
NA MUKANDA (CICLO DE INICIAÇÃO DOS JOVENS) DOIS ANÉIS COLOCADOS
UM DENTRO DO OUTRO, CHAMADOS MASASA JÁ MALANGALA (HAMBA DO
ANCESTRAL SAFWANANDENDA, O PRIMEIRO QUE PRATICOU A
CIRCUNCISÃO) E SÃO COLOCADOS SOBRE O PÓRTICO DE ENTRADA DA
KUBATA DA MUKANDA. ESTES DOIS ANÉIS SEPARAM E AFASTAM OS
FEITICEIROS, PROTEJEM OS NEÓFITOS E DÃO-LHES PODER E VIRILIDADE. OS
LUGARES DA CIRCUNCISÃO SÃO EM FORMA DE CÍRCULOS, O MESMO
ACONTECE COM AQUELES DA MUNGONGE.
TODOS ESTES SIMBOLISMOS SE INSCREVEM DE UMA MANEIRA

IMPORTANTE NA IMPLANTAÇÃO DA VILA DOS CHEFES PRINCIPAIS, CUJAS
FORMAS SE APROXIMAM DE UMA SERPENTE ENROLADA (CÍRCULO EM
ESPIRAL OU ENTRELAÇADO). NO MOMENTO DA IMPLANTAÇÃO DE UMA
VILA DE CHEFE (MBALA OU MBANZA), A PRIMEIRA CONSTRUÇÃO É A
TSHOTA, KUBATA CIRCULAR ONDE SE REALIZAM AS GRANDES REUNIÕES,
Tata Nkasute
87
COMO AS DA ASSEMBLÉIA (TSHYIULU OU MUNYANGO) E DE ONDE O CHEFE

POLÍTICO ADMINISTRA A JUSTIÇA.
TSHOTA É A ÚNICA KUBATA CIRCULAR DA CULTURA TSHOKWE E

ELA SE SITUA SEMPRE NO CENTRO DA VILA. O TERMO TSHOTA EM
TSHOKWE SIGNIFICA VIGILANTE.
MAS, SE A SERPENTE É O ANIMAL DA VIRILIDADE, PODE TAMBÉM

ESTERILIZAR? EM CERTAS EXPLICAÇÕES LWEJI ERA ESTERILIZADA PELA
SERPENTE. QUANDO ESTAVA GRÁVIDA DE ILUNDA FOI PERSEGUIDA POR
UMA SERPENTE, LWEJI CORREU ATÉ UMA KUBATA, ONDE TEVE SEU FILHO,
E TORNOU-SE ESTÉRIL.
ATÉ MESMO OS FERREIROS TSCHOKWE, PARA RESTITUIR A FONTE

BENÉFICA, CIRCULAM OS FORNOS COM UMA CORDA TRANÇADA, QUE
RECEBE O NOME DE TSHYANDA (UMA DANÇA FEITA COM O MOVIMENTO
DAS ANCAS). A FONTE NÃO É MAIS QUE UM ATO DE NASCIMENTO, OS
FORNOS TÊM A FORMA DE UM CORPO DE MULHER DE ONDE NASCE,
ATRAVÉS DA VAGINA, O FERRO FUNDIDO. OS INSTRUMENTOS DE SOPRO,
PARA MANTER VIVO O FOGO DOS FORNOS, TÊM A FORMA DE UM ÓRGÃO
SEXUAL MASCULINO.
SIGNIFICATIVAMENTE OS TSCHOKWE DESIGNAM UMA ÚNICA

MULHER, ADMITIDA NOS RITUAIS DO CICLO DE INICIAÇÃO DE JOVENS
HOMENS. A MULHER QUE COZINHA PARA OS NEÓFITOS É CHAMADA PELO
TERNO NATSHIFWA (TRATA-SE DE UMA MULHER QUE PASSOU O PERÍODO
DA MENOPAUSA), QUE DESIGNA IGUALMENTE UMA SERPENTE DE ÁGUA.
“TSHIFWA TSHA MUJIMO” SIGNIFICA, POR OUTRO LADO, ESPÍRITO DE
FAMÍLIA. LITERALMENTE TSHIFWA É DO VENTRE.
O PROBLEMA DA SERPENTE COMO SÍMBOLO DE FECUNDIDADE NÃO

PÁRA POR AÍ. ESTÁ NA ARTE DECORATIVA, COMO EM CERTOS BRINCOS,
BRACELETES, TATUAGENS, E EM OUTROS OBJETOS DECORATIVOS PARA
RITUAIS E DA VIDA CORRENTE, COMO: MÁSCARAS, FACAS, COLHERES.
INSTRUMENTOS DE MÚSICA NÃO SÃO MAIS QUE REPRENTAÇÕES
FIGURATIVAS OU ABSTRATAS DA SERPENTE.
Tata Nkasute
88
A NARRATIVA NÃO DEIXA DÚVIDAS DE QUE DO VENTRE DA

“GRANDE SERPENTE” TSHYANZA NGOMBE (QUER DIZER DA TERRA)
SAÍRAM TODAS AS COISAS DO MUNDO, INCLUSIVE O HOMEM.
GRANDES CHEFES SÃO OBRIGADOS A FAZEREM UM RETIRO COM OS

HAMBA AJIMO NO MOMENTO DA ENTRONIZAÇÃO E SÃO GUARDADOS
DURANTE O ÍNTERIM POR UMA MULHER CHAMADA “NATSJINGA”,
LITERALMENTE, ESTE NOME QUER DIZER MADAME SERPENTE.
PARA COMPLETAR O TEMA “SERPENTE”: ONDE VIVEM OS MÚKUA-AKULU

(ANTEPASSADOS)
ENTRE OS BANTO DO SUDESTE E NORDESTE, ESTÁ MUITO

ESPALHADA A CRENÇA DE QUE SE TRANSFORMAM EM SERPENTES. POR
ISSO, ALIMENTAM-NAS, NUNCA AS MATAM E QUEM COME A SUA CARNE
QUEBRA O TABU.
OS KIKUYUS TÊM VERDADEIRAS ASSOCIAÇÕES DE ADORADORES DE

SERPENTES, RELACIONADAS COM A ESTAÇÃO DAS CHUVAS E COM O ARCO-
ÍRIS.
OS MASSAI CRÊEM QUE SÓ OS RICOS E OS CURANDEIROS

SOBREVIVEM SOB A FORMA DE SERPENTES, QUE VÊM VISITAR AS
CRIANÇAS, A CASA, E AS ALIMENTA COM LEITE.
CADA FAMÍLIA CONHECE SUAS PRÓPRIAS SERPENTES QUE POSSUEM

CORES DIFERENTES.
DIZEM OS BANTU QUE OS MÚKUA-AKULU VIVEM EM CERTAS

ÁRVORES.
OS BANTU CANTAM A VITALIDADE DOS ANTEPASSADOS.
Tata Nkasute
89
OS POETAS NEGROS TÊM CANTADO, COM ALEGRIA, A VITALIDADE

DOS SEUS ANTEPASSADOS:
ESTE É O SOPRO DOS ANTEPASSADOS...

OS QUE MORRERAM E NUNCA PARTIRAM,
ESTÃO NA SOMBRA QUE SE ILUMINA,
E NA SOMBRA QUE SE TORNA ESPESSA,
OS MORTOS NÃO ESTÃO DEBAIXO DA TERRA:
ESTÃO NA ÁRVORE QUE ESTREMECE,
ESTÃO NO BOSQUE QUE GEME,
ESTÃO NA ÁGUA QUE CORRE,
ESTÃO NA ÁGUA QUE DORME,
ESTÃO NA COVA, ESTÃO NA MULTIDÃO:
OS MORTOS NÃO ESTÃO MORTOS...
OS QUE MORRERAM NUNCA ESTÃO AUSENTES,
ESTÃO NO SEIO DA MULHER,
ESTÃO NA CRIANÇA QUE CHORA,
E NO TIÇÃO QUE SE INFLAMA.
OS MORTOS NÃO ESTÃO DEBAIXO DA TERRA,
ESTÃO NO FOGO QUE SE APAGA,
ESTÃO NAS ERVAS QUE CHORAM,
ESTÃO NO PENHASCO QUE SE LAMENTA,
ESTÃO NA SELVA, ESTÃO NA MANSÃO:
OS MORTOS NÃO ESTÃO MORTOS.
É BASEADO NESTES RELATOS QUE ACREDITO NÃO HAVER

SEMELHANÇA ENTRE NDANDA LUNDA COM A DIVINDADE SIMBI/
KISSIMBI.
Tata Nkasute
90
NZUMBA
MAIS UMA VEZ GOSTARIA DE DEIXAR CLARO AS DIFICULDADES DE

RESGATAR NZUMBA, POIS O QUE NOS RESTA SÃO CONTOS DE ORIGEM
JEJE/NAGÔ, TIRANDO TALVEZ A VERDADEIRA VISÃO BANTU DE NZUMBA
“SENHOR DA TERRA” OU “NGANGA-IA-NZUMBA”.
VAMOS AO KONGO. NZUMBA, O SENHOR DA TERRA, QUE COMEÇA

COM A FORMAÇÃO DE UMA “KANDA” QUE, BASEADA EM ANCESTRAIS,
VINHA TOMAR FORMA NOS CLÃS, OU SEJA, O VÍNCULO GENEALÓGICO
ENTRE OS QUE A INTEGRAVAM E OS QUE PRIMEIRO TINHAM OCUPADO
DETERMINADA ÁREA DE TERRA OU QUE A HAVIAM CEDIDO A OUTROS.
SE A KANDA SE FUNDAVA NO SANGUE E NO CULTO DOS

ANCESTRAIS, UM TIPO DE SOBADO SE DESENVOLVERIA A PARTIR DO SOLO,
EM TORNO DOS RITOS PROPICIATÓRIOS DOS ESPÍRITOS DA ÁGUA E DA
TERRA. O SEU CHEFE RECEBIA O TÍTULO DE QUITOME, PALAVRA QUE SE
TRADUZ POR “PURO” OU “INICIADO”, OU, AINDA, POR ZIMBA, ZUMBA,
UMBUMBA, PANGANA, CALUNGA. ERA UM “SENHOR DA TERRA” QUE
PARTICIPAVA DOS MISTÉRIOS DO OFÍCIO DO FERREIRO, CHAMAVA A
CHUVA, FAVORECIA A FERTILIDADE DAS MULHERES, DOS ANIMAIS E DAS
ÁRVORES. E O SEU PODER ESTENDIA-SE, AO QUE PARECE, POR TODA A
ÁREA DE DRENAGEM DE UM CURSO D’ÁGUA OU DE UM LAGO, CENTRADA
NUMA ÁRVORE SANTA, QUE RECEBIA O ESPÍRITO DE UMA SERPENTE
GIGANTESCA, A UMBUMBA OU BOMBA.
É POSSIVEL QUE O TÍTULO QUITOME SE HERDASSE DENTRO DA

MESMA FAMÍLIA. O QUE SE SABE É QUE NÃO PODIA FICAR VAGO, POR ISSO
O QUITOME DESIGNAVA O SEU SUCESSOR AINDA EM VIDA E, AO SENTIR-SE
VELHO OU EFERMO, TRANSFERIA SEUS PODERES PARA O ESCOLHIDO E
ORDENAVA-LHE, EM PÚBLICO, QUE O MATASSE POR ESTRANGULAMENTO
OU A PAULADAS.
Tata Nkasute
91
A ALTERNATIVA AO PODER DOS QUITOMES, TAMBÉM NASCIDA DO

CULTO AOS ESPÍRITOS DA TERRA E DAS ÁGUAS, ERA AS SOCIEDADES
SECRETAS, COMO A QUIMPASSI, CUJOS MEMBROS SE REUNIAM NO RECESSO
DAS FLORESTAS, SOB UM CHEFE, UM SACERDOTE, E QUE TINHAM POR
OFICIANTES OS ALBINOS, OS ANÕES, OS GÊMEOS E OS QUE NASCIAM COM
PÉS ALEIJADOS, POIS SE ACREDITAVA SEREM TODOS ELES ENCARNAÇÕES
DOS ESPÍRITOS DA TERRA E DAS ÁGUAS. TANTO OS QUITOMES QUANTO AS
ASSOCIAÇÕES SECRETAS DO TIPO DA QUIMPASSI BUSCAVAM HARMONIZAR
AS RELAÇÕES DOS GRUPOS HUMANOS COM A NATUREZA.
O QUITOME TAMBÉM ERA ENVOLVIDO PELA CARIAPEMBA, O QUAL

AO AJUDAR UNS, CAUSAVA DANOS A OUTROS: A FACE OPOSTA DO ÊXITO
ERA O MALOGRO; DO PODER, A SUBMISSÃO; DA SAÚDE, A EFERMIDADE; DA
RIQUEZA, A POBREZA; DA FERTILIDADE, A ARIDEZ, A DESOLAÇÃO E OS
VENTRES ESTÉREIS.
VAMOS AGORA A UMA DESCRIÇÃO DO NGANGA-IA-NZUMBA, DA

QUAL TIVE QUE SEPARAR VÁRIOS PALAVRÕES VENENOSOS, DESTILADOS
PELOS MISSIONÁRIOS DO KONGO.
QUITOME, DIGNIDADE ESTA TÃO EMINENTE QUE OS KONGOS O

IDOLATRAM, CONSIDERAM-NO COMO UM DEUS NA TERRA E
PLENIPOTENCIÁRIO DO CÉU, OFERECEM-LHE AS PRIMÍCIAS DE TODAS AS
COLHEITAS COM TANTA EXATIDÃO E FIELDADE QUE, OMITINDO ESTE
DEVER, JULGARIAM QUE SOBRE ELES HAVERIA DE CAIR A SUMA DE TODOS
OS MALES. AS REGRAS ERAM COBRADAS PELO QUITOME RIGOROSAMENTE
E SE SERVIA DE VÁRIOS ESPIÕES SEMPRE PRONTOS A SEUS SERVIÇOS.
AO RECEBÊ-LAS, ELE USAVA DIVERSAS CERIMÔNIAS COM A

ASSISTÊNCIA DA SUA MULHER, COMO SINAL DE FECUNDIDADE, E COM ELA
CANTAVA UMAS CANTIGAS, COMUNICANDO AOS CAMPOS E ÀS SEMENTES
QUE CENTUPLICASSE O FRUTO NA PRÓXIMA COLHEITA. PORTANTO, NÃO SÓ
CADA UM CUMPRE ESTE DEVER, COMO CONVIDA TAMBÉM O QUITOME OU
UM DE SEUS AUXILIARES PARA QUE, NO COMEÇO DA LAVOURA, DÊ OS
Tata Nkasute
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PRIMEIROS GOLPES DE ENXADA, COMO FAUSTO INÍCIO DOS TRABALHOS

AGRÍCOLAS.
O QUITOME MANTÉM ACESO O FOGO DA SUA CASA DIA E DE NOITE,

COMO SÍMBOLO SAGRADO, E, COMO TAL, O DISTRIBUI A TODOS QUE O
PEDEM, EM TROCA DE UMA PAGA. PRESENTEIA TAMBÉM OS SOBAS COM
ALGUM TIÇÃO QUANDO ELES SÃO EMPOSSADOS NO GOVERNO,
REPRESENTANDO POTENTÍSSIMO REMÉDIO CONTRA QUALQUER
DESGRAÇA.
AQUELE QUE RECEBE O TÍTULO DE QUITOME É CAPAZ DE FAZER OS

SOBAS SE AJOELHAREM. SUA CASA É PRESERVADA E NINGUÉM SE
APROXIMA, NEM PRÍNCIPES OU AUTORIDADES SE ATREVEM A INCOMODÁ-
LO, E, SE OFENDIDO, NÃO POUPARIA A VIDA.
ACREDITA-SE QUE O QUITOME, PELA EXCELÊNCIA DO SEU

CARÁTER, NUNCA PODE MORRER DE MORTE NATURAL E QUE, SE
ACONTECESSE O CONTRÁRIO, MORRERIAM TODOS E A TERRA SE TORNARIA
EM NADA. PORTANTO, PARA EVITAR SEMELHANTE CALAMIDADE, QUANDO
O QUITOME ADOECE E PARECE PERIGOSA A SUA DOENÇA, ACONTECE O
ATO CITADO ANTERIORMENTE, NO QUAL O SUCESSOR EXECUTA O
QUITOME ATUAL, COM A APROVAÇÃO DELE. COM ESTA MORTE VIOLENTA
FICA ESCONJURADO O INFAUSTO AUGÚRIO.
OS JAGAS, QUE VIVEM NAS REGIÕES DO “DONGO E DE ANGOLA”,

ADORAM UM ÍDOLO REPRESENTADO POR UM BODE GRANDE (VIVO), COM
PÊLOS PRETOS E BARBA COMPRIDA, QUE CONTA COM O ZELO DE UM
XINGUILA (FEITICEIRO) E SUA MULHER, E, POR ISSO, SÃO CHAMADOS OS
DOIS DE “NGANGA-IA-NZUMBA”, DO NOME DELE.
AO COMEÇAR A LUA NOVA, EMPLASTRAM AS COSTAS DO BODE

COM ARGILA, DE MANEIRA QUE PAREÇA TODO PINTADO, LEVAM-NO PELOS
CAMINHOS MAIS FREQÜENTADOS, FAZEM-LHE INCENSAÇÕES, ADORAM-NO
E OFERECEM-LHE SACRIFÍCIOS. E AQUELES QUE VIVEM SOB A TUTELA
DESTE “BODE”, AO SE ENCONTRAR COM ELE, PROSTAM-SE NO CHÃO E
Tata Nkasute
93
BATEM PALMA, POIS O ÍDOLO SIMBOLIZADO NO BODE TEM LIBERDADE

PARA PASTAR ONDE QUISER.
OS INDIVÍDUOS NATURAIS ACREDITAM QUE A CASA DE “NGANGA-

IA-NZUMBA” É GUARDADA POR SERPENTES MUITO GRANDES, CHAMADAS
KINDALANDALA, QUE ACOMETERIAM QUALQUER GATUNO QUE ENTRASSE
PARA ROUBAR.
CORRE FAMA ENTRE OS JAGAS QUE “NGANGA-IA-NZUMBA” E

“KABALO” SUA MULHER, AMBOS ÍDOLOS E XINGUILA DOS MUNDONGOS OU
ANGOLANOS, CAUSAM CONVULSÕES NO ESTÔMAGO DAQUELES QUE,
PERTENCENDO AO NÚMERO DE SEUS DEVOTOS, COMETEM QUALQUER
TRANSGRESSÃO E NÃO OBEDECEM ÀS LEIS DA SEITA.
O ÍDOLO FEMININO “KABALO”, QUE CUIDA DOS DOENTES, FICA EM

UM ALPENDRE, TEM POR AJUDANTE O KARIA-MAJI, KARIA-PEZO, KARIA-
FUBA, KINZUMBULA E KIDILA, QUE PERMANECEM TODOS OS DIAS
EMBAIXO DO ALPENDRE, CANTANDO EM ALTA VOZ AS CURAS DO ÍDOLO E
DA CURANDEIRA. KARIA-MAJI É O RESPONSÁVEL PELA TACA DE AZEITE A
SER BEBIDO OU USADO COM UNGUENTO, KARIA-PEZO PELO BARRO
BRANCO, KARIA-FUBA PELO CESTO DE FARINHA, KINZUMBULA PELOS
EMPLASTROS E KIDILA ENTRA E SAI CONTINUAMENTE CHORANDO,
COMPADECENDO-SE DOS DOENTES E, EM CASOS MAIS GRAVES, INDICA O
NGANGA-IA-NZUMBA.
NO PASSADO, OS REIS DE ANGOLA ADORAVAM “KALUNGA” QUE

QUER DIZER “MAR” OU “GRANDE SENHOR”. EM SEGUIDA, ENTREGARAM-SE
À “NAVIEZA E KASSUMBA” (TAMBÉM ÍDOLOS MARIDO E MULHER MUITO
CONHECIDOS EM KISSAMA E LIBOLO, ACREDITANDO SEREM NATURAIS DA
GRANDE OU ALTA GANGUELA, E ERAM ASSIM CHAMADOS PELO NOME DE
SEUS ÍDOLOS) E, DEPOIS A “NGANGA-IA-NZUMBA” E “KABALO”.
Tata Nkasute
94
MATAMBA / NVULA / BAMBURUCEMA.
FOI COM AFINCO QUE PROCUREI ESTAS DIVINDADES EM MEUS

ESTUDOS DENTRO DA TRADIÇÃO KONGO/ANGOLA, SEM SUCESSO. ENTÃO,
LIMITO-ME A FALAR SOBRE O VENTO E O SACERDOTE DA CHUVA.
NAS REGIÕES DO KONGO, SUJEITAS A TEMPESTADES DE VENTOS

IMPETUOSOS, FORMAM-SE REDEMOINHOS DE AR TÃO FORMIDÁVEIS QUE A
LUZ DO DIA SE APAGA E FICA TUDO EM TREVAS. PARA DISSIPAR ESSAS
TREVAS, USAM-SE DIVERSAS CERIMÔNIAS.
ALGUNS ACREDITAM QUE NO REDEMOINHO HAJA A ALMA DE

ALGUM PRÍNCIPE OU GOVERNADOR DE PROVÍNCIA E FESTEJAM SUA
APARIÇÃO.
O VENTO TAMBÉM FAZ PARTE DO SISTEMA DIVINATÓRIO DOS

NGANGAS QUE ACREDITAM PIAMENTE QUE, SEM O VENTO, NÃO
RECEBERIAM A VISITA DE ESPÍRITOS, PRINCIPALMENTE EM SEUS SONHOS,
POIS, AO SONHAR ENTRE VENTOS FORTES E REDEMOINHOS, COLOCAM-SE
EM HARMONIA COM OS ANTEPASSADOS.
ENTRE OS POVOS HUMBE, A AJUDA DO VENTO É PRIMORDIAL NA

OPERAÇÃO DE SEPARAR A PALHA DOS GRÃOS DE MASSAMBALA. ELES
PEDEM AO VENTO QUE SE LEVANTE E FAÇA SEU ÚTIL TRABALHO:
TRADUÇÃO
MPHEPO, MPHEPO, ENDU UPEPELE! VENTO, VENTO, VEM E SOPRA!
NYOKO WAPIA EVETE, A TUA MÃE QUEIMOU-SE NO SEIO,
WANUÑGUNIFA OTYINYAMIFO. O SEU ÓRGÃO AMAMENTADOR
ESTÁ ESCALDADO.
EIS O SENTIDO “FAZ COMO SE TUA MÃE PRECISASSE DE UM POUCO

DE FRESCURA PARA ABRANDAR A DOR DE SEU PEITO”.
Tata Nkasute
95
OS HANDAS APEGAM-SE A UM PROCESSO DIFERENTE DE “CHAMAR

O VENTO”, E A MANEIRA POR ELES USADA JÁ REVESTE DE CERTO CARÁTER
RITUAL.
DE MANHÃ, BEM CEDO, DIRÁ A MÃE A UM SEU FILHO, DE

PREFERÊNCIA AO MAIS NOVO (CASO ESTEJA EM IDADE DE CUMPRIR O QUE
SE LHE PEDE), QUE SUBA A UM ARBUSTO DE ALTO PORTE. TENDO TREPADO
ATÉ A COPA, A CRIANÇA – INDEPENDENTEMENTE DE SEU SEXO – VIRA-SE
SUCESSSIVAMENTE PARA O ORIENTE E PARA O OCIDENTE, SACUDINDO
FORTEMENTE OS RAMOS DE CADA VEZ E EXCLAMANDO EM ALTA VOZ:
TRADUÇÃO
FELA, FELA, ENDU! VENTO, VENTO, VEM!
ENTRE OS JAGAS, ENCONTRAMOS ALGUNS TÍTULOS, COMO:
● NGANGA – IA – NVULA – SACERDOTE DA CHUVA. QUANDO É PRECISO

A CHUVA, RECORREM A ELE, TRAZENDO-LHE OS COSTUMADOS
PRESENTES PARA QUE A TRAGA ATRAVÉS DOS SEUS ANTEPASSADOS.
COM UM CERIMONIAL PRÓPRIO, ELE APROXIMA-SE DOS COFRES QUE
CONTÊM OS OSSOS DOS FALECIDOS, PERFUMA-OS E CONCLUI O
RITUAL, PEDINDO A CHUVA DESEJADA, DERRAMANDO BEBIDAS E
COMIDAS SOBRE A CAMPA ATÉ A CHUVA CAIR.
● AO CONTRÁRIO DO PRIMEIRO, O NGANGA – IA – MBUDI – IA – NVULA

POSSUI O ENCARGO DE AFASTAR A CHUVA. EM SUAS FUNÇÕES,
UTILIZA OBJETOS, COMO: PENAS, RABOS, PÉS, ENTRANHAS DE
PÁSSAROS, FOLHAS DE ÁRVORES, PEQUENAS CORDAS, PEQUENOS
MOLHOS DE ERVAS E COISAS SEMELHANTES.
PRESTANDO ATENÇÃO NA DIREÇÃO DAS NUVENS, MASTIGA RAÍZES,
MURMURA PALAVRÕES, LANÇA BERROS DESUMANOS E COSPE
CONTRA O CÉU. SE A CHUVA PARECER IMINENTE, LEVANTA OS
BRAÇOS E AGITA AS MÃOS, COMO QUEM AFASTA DE SI QUALQUER
COISA, REDOBRA OS ESCONJUROS OU, LANÇANDO NO FOGO FARINHA
E ÁGUA, GRITA À TEMPESTADE QUE TOME OUTRA DIREÇÃO. ÀS
VEZES, COM MAIOR ENERGIA AINDA, LANÇA SETAS, CORTA O AR COM
Tata Nkasute
96
UMA FACA E AMEAÇA AMALDIÇOAR O CÉU SE IMEDIATAMENTE NÃO

SE TORNAR CLARO E SERENO.
● RELACIONADO À CURA, ENCONTRAMOS O NGANGA MATAMBA,

SEMPRE ACOMPANHADO DE SEU MINISTRO MACUTA. EM SUAS
PEREGRINAÇÕES PROMOVEM A CURA DAS MAIS DIVERSAS
EFERMIDADES.
MAS FOI ENTRE OS TUTCHOKWE QUE ENCONTRAMOS ALGUMAS

DIVINDADES LIGADAS AO VENTO:
● KANZOJE (ESPÍRITO DO VENTO FORTE) – É SIMBOLIZADO POR UMA

ESTATUETA DE MADEIRA, COM CERCA DE UM METRO DE ALTURA,
REPRESENTANDO A CARA DE UM HOMEM. O RESTO DO CORPO
TERMINA EM FORMA DE ESTACA QUE SE ESPETA NA TERRA, NA
TSCHIPANGA (CERCA) OU DENTRO DE UMA PEQUENA CASA PARA ESSE
FIM, CONSTRUÍDA DE PAUS E CAPIM.
TODOS OS DIAS, ANTES DE IR À CAÇA, O CAÇADOR VAI ALI REZAR E
PEDIR QUE LHE DÊ SORTE, AO MESMO TEMPO EM QUE POLVILHA O
FETICHE COM MUKUNDO (ARGILA VERMELHA) REPRESENTANDO
SANGUE.
DEPOIS DE TER DEGOLADO A PRIMEIRA PEÇA DE CAÇA QUE SE
ABATEU JUNTO DO FETICHE, REGA-O COM O SANGUE E PÕE JUNTO DA
ESTATUETA O VÉRTICE DO CORAÇÃO DO ANIMAL MORTO. TERÁ DE
PROCEDER DA MESMA FORMA COM TODOS OS ANIMAIS QUE VENHA A
CAÇAR, DOS QUAIS O CORAÇÃO SÓ DEVERÁ SER COMIDO PELO
CAÇADOR E SUA MULHER, TAL COMO O CORAÇÃO DA PRIMEIRA PEÇA
DE CAÇA QUE MATOU.
● KANGONGA (ESPÍRITO DO CICLONE) – ESTE FETICHE DE CAÇA É

REPRESENTADO POR UMA ESTATUETA, SIMULANDO UM HOMEM DE
BRAÇOS ABERTOS, REVESTIDOS DE PANO, COM A BOCA ABERTA, AS
PARTES PUDENDAS BEM VISÍVEIS, UM BURACO NO PEITO E É
SUSPENSO PELO PESCOÇO AO TETO, NO CENTRO DE UMA PEQUENINA
CASA PARA TAL FIM, CONSTRUÍDA COM FOLHAS DE MUTUNDU, DE
Tata Nkasute
97
FORMA QUE ESTEJA SEMPRE BALANÇANDO E GUARDADA DAS VISTAS

DAS MULHERES. DO CONTRÁRIO, ELE FUGIRÁ, SEGUNDO ACREDITAM
OS TUTCHOKWE.
NO DIA EM QUE O FETICHE É SOLENEMENTE ENTRONIZADO NA
REFERIDA CASITA PELO CAÇADOR, AO PÔR-DO-SOL E NO DIA
SEGUINTE DE MADRUGADA, REZAM E PEDEM QUE LHES DÊ SORTE
NAS CAÇADAS. O CAÇADOR VAI EMPREENDER, DE TODOS OS ANIMAIS
QUE CONSEGUIR CAÇAR, PARTE DO SANGUE PARA ESFREGAR O
FETICHE. OS VÉRTICES DOS CORAÇÕES SÃO METIDOS NO ORIFÍCIO
QUE O KANGONGA TEM NO PEITO; OS BOCADINHOS DAS
EXTREMIDADES DOS PULMÕES DIREITOS SÃO METIDOS NA BOCA.
NO DIA EM QUE MATAR A PRIMEIRA PEÇA DE CAÇA, À NOITE, DEPOIS
DO CAÇADOR CUMPRIR OS RITOS ACIMA DESCRITOS PARA COM O
FETICHE, COME O RESTO DO CORAÇÃO E OS ÓRGÃOS INTERIORES DO
ANIMAL, JUNTAMENTE COM SUA MULHER. O RESTO DA CARNE É
SERVIDO PARA TODAS AS PESSOAS DA ALDEIA.
FINDO O REPASTO, TODAS AS MULHERES E HOMENS DA ALDEIA,
ENVERGANDO OS SEUS TRAJES E ADORNOS, DANÇAM UMA DAS
DANÇAS MAIS VULGARES ENTRE ELES, A TCHYANDA OU KAPINDJISA.
ENQUANTO OS MÚSICOS AFINAM OS INSTRUMENTOS, O CAÇADOR
DEVE TER RELAÇÕES COM A SUA PRIMEIRA MULHER QUANDO TEM
MAIS DE UMA. CASO CONTRÁRIO, SE QUALQUER OUTRO HOMEM DA
ALDEIA O FIZER ANTES DELE, O FETICHE FUGIRÁ E O CAÇADOR
NUNCA MATARÁ QUALQUER PEÇA DE CAÇA.
● FUNJE (ESPÍRITO DO VENTO) – QUANDO UMA MULHER ABORTA, A

MESMA COM O MARIDO VÃO CONSULTAR O ADIVINHO PARA SABER
QUAL A CAUSA. SE ESTE LHES DISSER QUE É FUNJE (VENTO) QUE
MATA OS FETOS, O MARIDO FAZ UM PEQUENO BUSTO DE HOMEM, EM
MADEIRA, E PÕE-NO SOBRE UM DOS DOIS MONTÍCULOS DE SALALÉ
(TERMITEIRA), QUE, PARA TAL FIM, COLOCOU JUNTO E DO LADO
ESQUERDO DA PORTA DE SUA CASA. UM DOS MONTÍCULOS
REPRESENTA A MULHER E O OUTRO, O MARIDO.
Tata Nkasute
98
O MONTÍCULO QUE REPRESENTA A MULHER TEM A FORMA DE MEIA-

LUA E TEM, AO CENTRO DA PARTE CÔNCAVA, UM PEQUENO CORTE,
SIMULANDO A VAGINA. O QUE REPRESENTA O HOMEM, AQUELE ONDE
ELE COLOCOU A ESTATUETA, TEM A FORMA REDONDA E FICA À
DIREITA DO OUTRO. DEPOIS A MULHER POLVILHA-OS COM FARINHA
MANDIOCA. ESTA É ESPALHADA, COMO A INDICAR O CAMINHO DESDE
OS MONTÍCULOS DE TERRA ATÉ A CAMA ONDE ELA DORME.
EM SEGUIDA, LANÇA O SANGUE DE UMA GALINHA, QUE MATA NESSE
MESMO DIA, DENTRO DO CORTE FEITO NO MONTÍCULO EM FORMA DE
MEIA-LUA, E BORRIFA, COM O MESMO SANGUE, O OUTRO QUE
REPRESENTA O MARIDO.
COZIDA A GALINHA, COLOCAM-SE ALGUNS BOCADINHOS DE FÍGADO
DESTA COM PEQUENINAS BOLAS DE PIRÃO SOBRE OS REFERIDOS
MONTÍCULOS QUE REPRESENTAM O VENTO E A SUA MULHER.
FEITO ISTO, E DEPOIS DE MARIDO E MULHER PEDIREM AO ESPÍRITO DO
VENTO QUE LHES DÊ UM FILHO, A MULHER COME O CORACÃO, TODOS
OS ÓRGÃOS INTERIORES, A CABEÇA, O PESCOÇO E METADE DA
GALINHA. A OUTRA METADE É COMIDA PELO MARIDO ALI MESMO,
JUNTO DOS MONTÍCULOS A QUE IMOLARAM A GALINHA.
NESSA MESMA NOITE, À PRIMEIRA CANTADA DOS GALOS, DEVERÃO
TER RELAÇÕES. FINDA A CÓPULA, A MULHER VAI PEDIR, MAIS UMA
VEZ, AO FUNJE QUE LHE DÊ UM FILHO E NÃO LHO MATE NO VENTRE.
SEMPRE QUE CHEGA A LUA NOVA, A MULHER REZA E POLVILHA O
FUNJE COM FARINHA DE MANDIOCA, TAL COMO FEZ NO PRIMEIRO
DIA.
AS ESTATUETAS DO KANJONJE, KANGONGA E FUNJE SÃO FEITAS DE

MADEIRA DE QUALQUER ÁRVORE QUE TENHA SIDO PARTIDA OU
ARRANCADA PELO VENTO. AS RESTANTES SÃO, GERALMENTE, FEITAS DE
MUSOLE, MUKIRITCHE OU KAJIKA MUTUNDA.
Tata Nkasute
99
LEMBA
NA REGIÃO DE LUANDA, ENCONTRAMOS LEMBA COMO DIVINDADE

FEMININA, “A DEUSA DA PROCRIAÇÃO”.
LEMBA DIÁ KALOMBO – DESIGNAÇÃO QUE TOMA A DEUSA LEMBA

QUANDO NASCE UMA CRIANÇA. MANIFESTA-SE EM AMBOS OS SEXOS POR
UM ENCAROÇAMENTO NOS MAMILOS, COM PRODUÇÃO DE LEITE, OU POR
UM SEMICERRAMENTO DOS ÓRGÃOS SEXUAIS; EM RAPARIGAS,
MANIFESTA-SE POR UM CORRIMENTO, UM PRURIDO NOS ÓRGÃOS
GENITAIS, UMA EXCRESCÊNCIA LINGUIFORME NA PARTE PÓSTERO-
INFERIOR DA NATUREZA GERA O DITO “NASCEU PARTE HOMEM, PARTE
MULHER”, OU, AINDA, POR UMA REDUÇÃO DA BACIA.
PARA COMBATER O MAL, É FEITO À DIVINDADE UM FESTIM COM
OFERENDAS, O PRIMEIRO NA INFÂNCIA E DEPOIS ÀS VÉSPERAS DO
MATRIMÔNIO. SOMENTE A MULHER DEVE RESPEITAR A SEGUNDA OBLATA,
QUEM NÃO O FIZER, NÃO PROCRIA.
MAIS TARDE, A MULHER, AO CONSORCIAR-SE, TEM DE RECEBER DO
NOIVO, PARA ALEMBAMENTO DESSA DEUSA, UM METRO DE PANO CRU,
DENOMINADO “LENÇOL”, QUE ELA USARÁ EM NOVO CERIMONIAL
DEDICADO À MESMA DIVINDADE.
LEMBA DIÁ HANHI – DESIGNAÇÃO QUE TOMA A DEUSA LEMBA

QUANDO NASCE UMA CRIANÇA COM UMA INSUFICIÊNCIA NO
CRESCIMENTO. SE FOR MULHER, NÃO LHE APARECE O CATAMÉNIO, NEM OS
SEIOS; SENDO HOMEM, NÃO SE VERIFICAM OS FENÔMENOS DA
ADOLESCÊNCIA. ESTA DIVINDADE TAMBÉM É DESIGNADA POR “GUIMA”.
LEMBA DIÁ KALOMBO, LEMBA DIÁ HANHI OU GUIMA SÃO

RESPONSÁVEIS TAMBÉM PELA AVERSÃO QUE UMA MULHER SENTE PELO
HOMEM. NESTE CASO, A MULHER DEVE TOMAR, UMA SÓ VEZ, UMA
MISTURA DE MEL, ÓLEO DE PALMA (MEIA COLHER DE CHÁ), UMA PITADA
Tata Nkasute
100
DE PÓ DE BAMBA-ÚDI-ÚDI E OUTRA DE PÓ DAS SEMENTES COM SAL; EM

SEGUIDA, ENTREGAM-LHE UM METRO DE PANO CRU, CONSAGRADO À
DEUDA LEMBA, QUE A PACIENTE USARÁ COMO VESTIMENTA EM
DETERMINADOS CERIMONIAIS, OU NA OCASIÃO DO PARTO, CASO SEJA
NECESSÁRIO.
__
LEMBA DIÁ KALOMBO, OFEREÇO-TE ESTE PANO CRU, PARA
DEIXARES ELA APROXIMAR-SE DO CAVALHEIRO! – SUPLICA O
CELEBRANTE.
LEMBA TAMBÉM É O NOME DADO AOS QUE NASCERAM COM

ALGUMA ANOMALIA ESPECÍFICA, INFLUENCIADA POR ESTA DIVINDADE.
ENCONTRAMOS, NA REGIÃO DE LUANDA, UM RITO À DIVINDADE

LEMBA, NO QUAL O KIMBANDA É CHAMADO PARA IMPEDIR OS MAUS
PARTOS E A MORTE PREMATURA DOS FILHOS, E HARMONIZAR O
CASAMENTO. NESTE RITO, SÃO OFERTADOS GALINHA BRANCA E PANO
BRANCO A LEMBA, COMO TAMBÉM, ÓLEO DE PALMA COM MEL, SEGUIDO
DA EVOCAÇÃO CALMAMENTE ENTOADA:
TRADUÇÃO
LEMBÊ. Ê LEMBA,
LEMBA UDILA, LEMBA QUE CHORA,
LEMBÊ! Ê LEMBA!
Ê MAMA LEMBA. Ê RESPEITÁVEL LEMBA,

Ê LEMBA, Ê LEMBA,
LEMBÊ! Ê LEMBA!
MIKUNGA IÍII, A FRANJA ESTÁ AQUI,

LEMBÊ! Ê LEMBA!
UANDALA O UÍKI, QUERES MEL,
Tata Nkasute
101

LEMBÊ? Ê LEMBA?
UANDALA O MAJI, QUERES ÓLEO DE PALMA,

LEMBÊ? Ê LEMBA?
FAZ-SE ENTÃO PRESENTE A DIVINDADE LEMBA, MUDA, APENAS

CHORA E GEME. É NESSE MOMENTO QUE O KIMBANDA OFERTA-LHE MEL E
ÓLEO DE PALMA, QUE É LAMBIDO POR LEMBA. ESTE RECEBE O
AGRADECIMENTO DE TODOS E DEIXA SUAS BÊNÇÃOS.
NA CULTURA TSHOKWÉ, “LEMBA” É UM TÍTULO REPRESENTADO

POR ANCESTRAIS MÍTICOS, PROPRIETÁRIOS DE TERRA. LEMBA TSHA
TSHIFUTSTHI NADA SE DIFERE DOS AMBUNDUS, QUE TÊM “LEMBA” COMO
UM TÍTULO DETERMINADO AO FUNDADOR DE UM VILAREJO E QUE DEU
ORIGEM A SUA LINHAGEM (ANGUNDU).
LEMBA DIÁ ANGUNDU É O TÍTULO PRINCIPAL DA ALDEIA, DADO AO

HOMEM MAIS VELHO DA GERAÇÃO MAIS ANTIGA, ÀQUELE QUE SEPARARA
A LINHAGEM DE OUTRO GRUPO DE PARENTESCO. DETINHA A CUSTÓDIA DE
UM PEDAÇO DE CAULIM OU PEMBA E DE UM BOCADO DE PÓ DE MADEIRA
VERMELHA, DOS QUAIS SE RETIRAVA A FORÇA PARA INTERMEDIAR COM
OS MEMBROS MORTOS DA LINHAGEM E COM OS ESPÍRITOS DA TERRA E,
AINDA, PARA REALIZAR OS RITOS QUE FAVORECIAM AS CHUVAS, AS
COLHEITAS, A CAÇA E A FERTILIDADE DAS MULHERES.
SUA AUTORIDADE ESTAVA TAMBÉM ASSOCIADA A UMA ÁRVORE, A

UM FÍCUS QUE SE PLANTAVA NA FRENTE DE SUA CABANA E EMBAIXO DO
QUAL O “LEMBA”, PALAVRA QUE SIGNIFICA “TIO”, DELIBERAVA COM OS
MACOTAS OU VELHOS QUE O SUCEDIAM NA HIERARQUIA SOCIAL.
QUANDO MORRIA UM LEMBA, PODIA HAVER CISÃO ENTRE OS

SOBRINHOS MAIS IDOSOS E UM OU MAIS DELES SAIR DA ALDEIA PARA
FUNDAR UM NOVO ANGUNDU. O SECESSIONISTA LEVAVA COM ELE UM
Tata Nkasute
102
FRAGMENTO DE CAULIM, UMA PORÇÃO DE PÓ DE MADEIRA VERMELHA E

UM GALHO DE FÍCUS, QUE PLANTAVA NA FRENTE DE SUA CASA. ELE E A
NOVA LINHAGEM ERAM CONSIDERADOS DESCENDENTES DAQUELE QUE
TINHAM SE SEPARADO E RECEBIAM UM NOME COMPOSTO EM QUE ISSO
FICAVA CLARAMENTE DITO.
SE MAIS UM SOBRINHO TIVESSE APARTADO DA ALDEIA, OS NOVOS

VILAREJOS E ANGUNDUS POR ELES CRIADOS ERAM CONSIDERADOS
IRMÃOS ENTRE SI, SENDO O PARENTESCO PERPÉTUO E AS LINHAGENS SE
LIGAVAM UMAS ÀS OUTRAS E SE ESTABELECIA UMA PRECEDÊNCIA ENTRE
ELAS.
ENTRE OS CABINDAS, “NLEMBA” OU SIMPLESMENTE LEMBA É O

ESPÍRITO PROTETOR DO CASAMENTO E DAS CRIANÇAS BANA BAKISI – OS
ZINDUNDU (ALBINOS), BASIMBA (GÊMEOS), NZUNDA (QUE NASCEM PONDO
PRIMEIRO AS PERNAS FORA DO VENTRE MATERNO).
Tata Nkasute
103
ANEXOS
Tata Nkasute
104
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Tata Nkasute

Estudos Da Mitologia Bantu: Tata Nkasute Marília/SP - 2005

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