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nado pelos meus clientes, sem escolta para a minha liteira, Já tinha gravado o meu sinete nesta carta;

carta; tenho agora 13


sem visitantes no meu vestíbulo?" Aqui tens aquilo de de a reabrir, para que ela chegue às tuas mãos com a
que os homens se recusam a prescindir: ainda que abomi- pequena dádiva habitual, isto é, levando consigo alguma
nem as misérias da vida pública, adoram as suas recom- esplêndida sentença. E veio-me à ideia uma máxima em
10 pensas! Queixam-se da própria ambição como quem se que não sei se é mais de admirar a veracidade ou a elo-
queixa de uma amante: se analisarmos o que lhes vai na quência. De quem? De Epicuro: como vês, continuo a
alma, o que encontramos não é ódio, mas apenas um pas- explorar a casa alheia. Aqui vai ela: "Não há ninguém 14
sageiro ressentimento! Penetra no íntimo destes homens que não abandone esta vida como se tivesse acabado de
que deploram a carreira por eles próprios escolhida, que entrar nela/" 3 Observa quem tu quiseres, jovem, velho,
falam em retirar-se de uma situação sem a qual não podem homem de meia idade: em todos encontrarás por igual o
passar e verificarás que, no fundo, eles se mantêm volun- medo perante a morte e a ignorância perante a vida.
tariamente numa actividade que, ao ouvi-los, pareceria só Ninguém dá por acabado o que quer que seja, todos adiam
11 lhes trazer amarguras e contrariedades! Acredita-me, Lucí- os seus interesses para o futuro. Nada me quadra tanto
lio: poucos são os homens dominados pela servidão, mas nesta máxima como a acusação de infantilismo feita aos
muitos os que deliberadamente se submetem a ela. Quanto velhos. Epicuro diz que todos estamos ao abandonar a 15
a ti, se a tua intenção é libertar-te dos entraves, se estás vida no mesmo ponto em que estávamos ao nascer. Não
é exacto: somos piores ao morrer do que ao nascer. E
sinceramente disposto a abraçar a liberdade, se adias o
nisto o defeito é nosso, não da natureza. Esta teria direito
corte com a vida pública apenas para te precaveres contra
a queixar-se de nós: "Que é isto? Eu gerei-vos sem ambi-
qualquer preocupação futura, então poderás contar com o
ções, sem medos, sem superstições, sem maldade, sem
aplauso de todos os seguidores do estoicismo. Todos os
qualquer outro vício do mesmo jaez. Sai, portanto, tal
Zenões e Crisipos te aconselharão a modéstia, a honesti-
como entrastes!" Um homem que esteja tão seguro no 16
12 dade, o culto do teu próprio bem. Se, porém, as tuas hesi- momento de morrer como estava ao nascer, esse homem
tações se devem à preocupação de calcular os bens a pre- alcançou a sabedoria! Mas o que se passa é que, quando o
servar e o montante de dinheiro com que prover ao teu perigo se aproxima, trememos de medo, o nosso ânimo
ócio, então, nunca conseguirás escapar: ninguém se salva perturba-se, altera-se-nos a cor do rosto, tombam-nos dos
de um naufrágio com a bagagem às costas! Eleva-te a olhos lágrimas perfeitamente inúteis. Que vergonha, deixar-
uma forma de vida superior graças ao favor dos deuses, mo-nos tomar pela angústia ao atingirmos o limiar da
mas não daquele favor que eles fazem quando, de rosto segurança eterna! A razão é que, vazios por completo dos 17
sereno e afável, concedem aos homens benesses esplendo- verdadeiros bens, lamentamos então o desperdício da vida!
rosas mas maléficas, com a única desculpa .de que tais
favores - fontes de angústia e de tortura - são dados
para satisfazer os votos dos fiéis! 3 Epicuro, fr. 495 Usener.

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