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“O ESCUDO DA FÉ”: PERIGOS DE UMA FÉ SUPERFICIAL EM TEMPOS DE

PANDEMIA

Por: Álef Augusto Pereira Correia

“Tomando sobretudo o escudo da fé, com o qual podereis apagar todos os dardos
inflamados do maligno (Efésios 6.16).”

O que significa ter Fé em tempos de pandemias? Constantemente somos


influenciados a manifestar nossa fé em momentos de crises e instabilidades. Esse
movimento objetiva - em regra - rememorar as manifestações teofânicas do Antigo
Testamento ou os milagres extraordinários do Novo Testamento. Munidos dessas
representações somos compelidos a realizar atos grandiosos e enfrentar as crises e
pandemias sem temer o “mal” que está por vir, acreditando que o mal não aflige
aqueles que são justos.
Contudo, é preciso ter um pouco de prudência nesta interpretação da noção
de Fé. A bíblia nos revela com frequência que os males que assolam o justo também
assolam o injusto (Ec 7.15), bem como pode o justo perecer e o ímpio ser vitorioso
(Ml 3.14,15). Dito isto, é preciso um pouco de atenção ao ensino bíblico sobre a Fé e
o seu manejo nesta eterna batalha contra o mal natural, físico e espiritual.
Não quero cansar o leitor com a leitura que se segue, mas advirto que não
existem soluções simples para problemas complexos. Doutor John Stott esboça essa
dificuldade em seu livro “Between Two Worlds—the Art of Preaching in the Twentieth
Century” (Entre dois mundos: a arte da pregação no século XX) onde retrata que o
maior desafio do expositor é conectar um texto antigo a um ouvinte contemporâneo.
Um mergulho em Efésios 6 poderá nos instruir melhor acerca disto. O
conhecido texto rememora-nos uma batalha travada contra os projetos do mal. Por
esta razão, o cristão é instruído a reter ferramentas que são essenciais nessa batalha.
Mas será que esses instrumentos indicam que devemos nos revestir de uma armadura
que nos permitirá ir ao aceso da batalha e realizar uma investida pesada contra os
inimigos? Parece que não.
Da mesma maneira que a Espada (gr. machaira) do Evangelho referida por
Paulo (v. 18) não era a espada de ataque, mas sim uma pequena espada de defesa,
também o *ESCUDO DA FÉ* mencionado no texto não era um instrumento de ataque.
Apesar de os romanos terem utilizados vários tipos de escudos, dois deles
eram mais comuns, um escudo pequeno utilizado para o combate corpo a corpo e um
escudo maior utilizado como “muralha” para o trabalho dos arqueiros. Este último (gr.
thureos) é o escudo mencionado por Paulo no versículo 16. Este escudo que era
quase da altura de um homem médio que servia de barreira protetora ante aos
ataques de longe e às flechas dos arqueiros do exército inimigo.
Da mesma maneira, em seu aspecto espiritual, a Fé do cristão serve para nos
guardar contra os ataques dos inimigos que nos rodeiam. As pestes, crises e
calamidades são como dardos inflamados que visam atacar a todos que os circundam.
É interessante que Paulo escolheu justamente armas utilizadas na defesa dos
exércitos e não no ataque. Isso nos desperta para a necessidade compreender o
campo de batalha não como um ambiente de atos heroicos e desarrazoados, mas sim
como um ambiente de prudência e cuidado.
Diferentemente da atitude de muitos, em uma batalha espiritual não somos
convocados a “ir” ao encontro do inimigo com armas de ataque, antes, somos
convocados pela Escritura a utilizar armas de defesa para reagirmos às aflições do
inimigo quando provocados (Hb 11.17).
É claro que não estou defendendo que a fé deva ser um instrumento acanhado
e tímido diante do caos. Isso seria ir de encontro a toda Escritura. O que estou dizendo
é que a Fé possui um valor fundamental no campo de batalha quando manejada
prudentemente. Uma fé SUPERFICIAL pode levar o louco guerreiro a tomar uma
espada de ataque ou um escudo de combate e ir de encontro ao inimigo sem o mínimo
de estratégia, prudência e sem aval divino.
É bem verdade que os cristãos que ficaram conhecidos na igreja primitiva
foram aqueles que - a mando de Deus - enfrentaram a morte e foram aos campos de
batalha mostrar que a sua Fé não era frouxa. Contudo, aqueles que lembram dos
grandes feitos destes heróis da fé esquecem os milhares de cristãos anônimos da
igreja primitiva. Estes estão descritos em Hebreus 11.38, como sendo aqueles que
eram “errantes pelos desertos, e montes, e pelas covas e cavernas da terra.”
Ora, cavidades da terra era o lugar onde os cultos eram realizados na igreja
primordial (TRAVASSOS, 2011) assim como também lugar de refúgio nas
perseguições aos judeus na antiguidade (1Rs 18.4). Diante da perseguição e da
proibição de culto pelo império romano, qual foi a atitude desses homens e mulheres
de Deus? Excetuados os casos em que a instrução divina ordenou que os cristãos
enfrentassem o Império - uma vez que se tratava de uma perseguição política, a regra
era a realização de cultos e reuniões em cavernas e nos lares.
Esse fato histórico chama-nos a atenção para a elementos da Fé que são
alijados dos discursos comuns ou por desconhecimento ou por manipulação. É por
isso que concordo com os comentaristas Beacon quando expressam que a verdadeira
fé cristã encontra seu maior triunfo, não nos feitos visíveis, mas numa confiança e
equilíbrio interior quando não existem circunstâncias encorajadoras.
A fé não é um salto no escuro como dizem muitos. Antes, consiste em um
“firme fundamento (Hb 11.1)” que nos chama ao amadurecimento e a segurança
através de uma experiência genuína que nada tem a ver com uma ousadia superficial.
Nesse sentido, *ficar em casa em tempos de pandemia não se revela falta de
fé ou de descrença para com a mão poderosa de Deus. Antes, consiste no manejo
prudente do escudo da Fé diante de um campo de batalha que é desconhecido*.
Como afirmou Martinho Lutero em tempos de peste: “Evitarei lugares e pessoas onde
minha presença não é necessária para não ficar contaminado e, assim, porventura
infligir e poluir outros e, portanto, causar a morte como resultado da minha
negligência.”

Feira de Santana (BA), 06 de abril de 2020.

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