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PentagramA

2002 número 4

Revista bimestral do
Lectorium Rosicrucianum

CRITICAR, JULGAR OU CONDENAR


QUAL É O SEGREDO DO UNIVERSO?
O CONFLITO DOS DESEJOS
HOMEM, CONHECE-TE A TI MESMO!
NÃO PODE SER O QUE NÃO PODE SER!
DIÁLOGO UNIVERSAL ENTRE HERMES E ASCLÉPIO
PERDIDO NO LABIRINTO DO TEMPO
«PORQUE ONDE ESTIVEREM DOIS OU TRÊS REUNIDOS
EM MEU NOME, ALI ESTOU NO MEIO DELES»
O SER DE DEUS É COMO UM CÍRCULO
SOMBRAS MANTÊM O HOMEM APRISIONADO
Redação REVISTA BIMESTRAL DA
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I.W. v. d. Brul, R. Bürmann, P. Huys,
ESCOLA INTERNACIONAL DA ROSACRUZ ÁUREA
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do qual o plano de Deus se manifesta. Entretanto,
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um símbolo somente tem valor
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A revista é editada 6 vezes por ano quando se torna realidade. O homem que realiza
(*Editada 4 vezes por ano)
o Pentagrama em seu microcosmo, em seu próprio
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A reprodução somente é permitida com pequeno mundo, está no caminho
autorização prévia por escrito.
da transfiguração.
ISSN 1677-2253

A revista Pentagrama convida o leitor a operar

esta revolução espiritual em seu próprio interior.


PENTAGRAMA

Criticar, julgar ÍNDICE

ou condenar
5 CRITICAR, JULGAR OU
CONDENAR

6 QUAL É O SEGREDO DO
UNIVERSO?

Para quem almeja uma purificação espiritual 8 O CONFLITO DOS


DESEJOS
é exigência imprescindível abandonar a crítica em
13 HOMEM, CONHECE-TE
A TI MESMO!
todas as suas formas. No Evangelho de Mateus, capítulo 7,
16 NÃO PODE SER O QUE
versículo 1, é dito: «Não julgueis, para que não sejais NÃO PODE SER!

21 DIÁLOGO UNIVERSAL
julgados.» Essa advertência ainda é válida ENTRE HERMES E
ASCLÉPIO
em nossos dias.
22 PERDIDO NO LABIRINTO
DO TEMPO

29 «PORQUE ONDE
ESTIVEREM DOIS OU
TRÊS REUNIDOS EM MEU
NOME, ALI ESTOU NO
MEIO DELES»

32 O SER DE DEUS É COMO


UM CÍRCULO

38 SOMBRAS MANTÊM O
HOMEM APRISIONADO

ANO 24
NÚMERO 4
Avaliar, julgar ou condenar

Para quem almeja uma purificação para seu vir a ser como homo sapiens.
espiritual é exigência imprescindí- Com o passar dos séculos, essa capaci-
vel abandonar a crítica em todas as dade tornou-se um método mais ou
suas formas. No Evangelho de Ma- menos refinado, destinado a colocar o
teus, capítulo 7, versículo 1, é dito: próximo em seu devido lugar e, se ne-
«Não julgueis, para que não sejais cessário, feri-lo. A crítica tornou-se
julgados.» Essa advertência ainda arma de luta e o julgamento transfor-
é válida em nossos dias. mou-se em condenação.
Em sua luta pela existência, a huma-
nidade desenvolveu a formidável arma
Palavras como avaliar, analisar, exa- da crítica falada e escrita, tendo alcan-
minar, têm valor neutro. Nós lhes atri- çado a supremacia especialmente nas
buímos valores de acordo com nosso democracias modernas. Essa arma
estado de ser. Mas condenar significa emergiu, portanto, não somente como
opor-se a outra pessoa por considerar- necessidade de sobrevivência, mas
se melhor do que ela. Quando se diz também como algo extremamente
que o amor não julga, quer-se dizer apropriado para diminuir o outro em
que ele é completamente neutro em relação a si mesmo e conquistar poder,
sua própria avaliação para com tudo e posses e glória em prejuizo de seu se-
com todos. Quem expressa um pre- melhante. Até as crianças aprendem
conceito não se dá ao trabalho de son- desde bem cedo como podem ultra-
dar realmente o assunto. Um precon- passar seus amiguinhos e amiguinhas.
ceito baseia-se numa falta de informa- Originalmente as pessoas emprega-
ção e de percepção. Quando o eu faz vam a kritiké em si mesmas e essa au-
um pré-julgamento, ele se isola da rea- to-análise servia para obter autoco-
lidade. nhecimento. Dessa forma, podiam
Criticar significa, atualmente, ava- avaliar e julgar suas próprias ações e,
liar a qualidade, o valor ou a verdade ainda quando necessário, aperfeiçoá-
de algo. Contudo, o resultado final é las. Uma autocrítica honesta conduz,
geralmente desfavorável. Fala-se tam- freqüentemente, a uma constatação
bém muito sobre crítica positiva ou muito desagradável. Em geral, uma
construtiva, mas mesmo nesses casos pessoa não se sente de forma alguma
ela se baseia nas normas e valores de confortável diante dessas situações.
quem critica. Entretanto, a palavra Pelo contrário: ela as receia, pois sabe
grega kritiké originalmente significava que assim entrará mais facilmente em
a arte de julgar, e certamente não: crise. Aliás, a palavra crise tem a mes-
condenar. A kritiké ensinava a perce- ma raiz que crítica: as crises se origi-
ber o desenvolvimento da razão. Sob a nam em pontos críticos. Na realidade,
pressão da evolução os homens deixa- as crises são momentos psicológicos
ram de ser naturais e isso forçou o de- em que um exame e uma análise são
senvolvimento da razão. Essa capaci- necessários para que se possa superá-
dade e as percepções e conclusões a las. São situações, experiências, desco-
que chegaram, foram determinantes bertas de limites, onde uma decisão é

2
Toda crítica fere.
Der Nagelkopf
(A cabeça de
prego), escultura
de Rainer Kriester,
Osnabrück, Ale-
manha

crucial. Dessa forma, as crises podem e reconhece que não é capaz de vencer
ser de grande ajuda, pois por seu in- essas crises armado da faculdade ra-
termédio obtém-se autoconhecimento cional crítica. Na melhor das hipóte-
e conhecimento em relação à vida. ses, ela o faz reconhecer claramente a
Quem aceita essa ajuda, apesar do prisão onde ele se encontra.
aspecto bastante desagradável ligado a Se a crítica não pode revelar novas
ela, alcança um limite além do qual a perspectivas, de que maneira pode,
auto-análise já não pode auxiliá-lo. então, a ausência de crítica oferecer
Mais claro do que nunca ele percebe ajuda ou trazer a liberdade almejada?
que está ligado ao nascimento e à Quando vemos o quanto a existência
morte. Ele anela pelo incorruptível, vê degenerou, talvez fique mais claro
para onde toda a série de crises o levou porque não é recomendado julgar.

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Criticar, julgar ou Jesus estabeleceu a seus discípulos da pela amorosa manifestação de
condenar? Foto (portanto aos homens anelantes) a «compaixão».
Pentagrama condição para que eles pudessem Ausência de crítica é uma condição
libertar em si mesmos o divino – que em que não são proferidos julgamen-
está acima de toda a crítica – e dele se tos, embora haja discernimento e se
conscientizar. Essa condição perma- reconheça a existência de diferenças.
nece, portanto, essencial, pois o eu – O impulso para manifestar os pró-
mais especificamente as faculdades prios valores, normas e representações
mentais, emocionais e de ação – se ou até para impô-los aos outros, desa-
alimenta mediante a crítica em todas parece. Quem pode viver sem crítica
as suas formas de expressão. já não se deixa dirigir nem se desenca-
Quem deseja alcançar o estado de minhar pelo intelecto devido a falta de
ausência de crítica somente o conse- compreensão ou a emoções, e passa a
guirá se não se apoiar no eu, pois o eu considerar o mundo de modo neutro,
vive do julgamento e da condenação, pleno de compreensão e amor, livre de
que são suas armas na luta pela exis- todo ódio e autodefesa. Estar livre de
tência. Portanto, o chamado do No- crítica é, portanto, também o atributo
vo Testamento também não diz res- do amor universal que desperta nos
peito a eus endurecidos, mas a ho- homens a compreensão e o amor pelo
mens que, interiormente, vivem em semelhante. Mas o amor não é cego:
dois mundos. Quando o impulso ele não permite abusos. A partir do
divino se manifesta claramente em momento em que o amor se torna di-
alguém, este pode ver e perceber o rigente na personalidade cujo eu se
mal que causa com sua crítica. entregou, desaparece qualquer neces-
Mediante seu princípio divino, ele sidade de crítica. Então surge um no-
pode se harmonizar com outra con- vo homem cuja consciência vive no
dição de vida, onde a desamorosa amor de Deus e que d’Ele também
manifestação de «crítica» é substituí- testemunha.

4
Qual é o segredo do universo?

Há um impulso para elevar-se, um Quando estamos numa praia, pode-


caminho para voar além da Terra. mos ser invadidos por uma sensação
Tornar-se livre da força de atração de liberdade e de beleza. O mar e o ar
da Terra. Liberdade! Olhar para o parecem abarcar o horizonte, fundin-
alto e perder-se no imenso espaço do-se no imenso espaço. Assim, quase
do universo. Sempre procurando mergulhamos na imensidão e é como
mais alto e mais longe, o homem se o espaço nos abraçasse. E, por mais
quer conquistar o espaço, mediante estranho que isto possa parecer, o es-
sua curiosidade e seu impulso apai- paço também é interiormente identifi-
xonado por conhecimento. Qual é cado e vivenciado. É apenas uma ima-
o segredo do universo? E poderá o gem momentânea, apresentada pelas
homem algum dia decifrá-lo? circunstâncias, pois tudo é delineado e
colorido pelas coisas que nos atraem
no momento. Mas essa imagem é o re-
O homem irradia algo de si mesmo. conhecimento de que algo grandioso
Ele tem um campo de radiação, um aconteceu. Na realidade, mostra que
campo de respiração que, consciente também o espaço interior existe, um
ou inconscientemente, é vivenciado espaço em perspectiva, a partir do
pelos seus semelhantes. Nesse campo qual podemos trabalhar e pensar. Po-
de respiração o homem se manifesta. demos até dizer que esse espaço, esse
Esse campo é luminoso, vibrante de sentimento de liberdade, pode ser
energia reluzente e tem uma estrutura evocado por si mesmo.
perfeita e própria, determinada pelas Como foi dito, é uma imagem mo-
qualidades e capacidades de seu pro- mentânea. Em geral, a humanidade
prietário. Esse é um campo onde o não tem tanto espaço nem tanta gran-
pensar, sentir e desejar se refletem, on- deza em seu pensar e desejar. Ela ten-
de o caráter se define e irradia. Através de a viver de acordo com padrões e
dele, originam-se uma atração e uma opiniões fixos e pouco se afasta disso.
rejeição, uma vez que cada um tem Há pouquíssimo espaço para novas
suas próprias inclinações. idéias. Os homens se detêm diante da
Como participantes da sociedade, inspiração. Tudo está sobrecarregado
os homens se encontram em movi- e preenchido pela dor dos próprios
mento, cada um dentro de seu campo pensamentos.
de respiração, cada um no encalço de
suas necessidades. Eles se influenciam
uns aos outros, em sentido positivo ou A importância do pensar
negativo, no bem ou no mal. Muitas
vezes, inconscientemente, absorvemos
como uma esponja as palavras expres- Na realidade, em tais momentos de
sas por outra pessoa. Assim, o espaço descontração, pela visão e vivência de
circundante, que é de importância vi- um imenso espaço, pode chegar o mo-
tal para poder respirar e observar li- mento psicológico onde essa sensação
vremente, pode ser puro ou não. de espaço seja tão fortemente viven-

5
ciada interiormente que evoque um Viver em um nível
profundo anseio de guardá-la e de totalmente novo
viver dela.
Por que isso é impossível? O ho-
mem é um mago do espaço. Ele pode Essa imagem deixa ver algo das leis
preencher o espaço que o circunda que agem no campo de vida da huma-
com tudo o que quiser. O ponto cru- nidade em vários níveis. E podemos
cial porém é: como ele pensa? Do que ver o que acontece quando o campo
ele vive? Para onde se dirige sua aten- de vida é influenciado por forças su-
ção? Porque, do modo como pensa, periores às da natureza, porque estas
assim ele é. Nisso ele respira. Pen- também são regidas pelas mesmas leis.
samentos são formas de natureza as- Assim, fica claro que os homens influ-
tral e etérica. Eles pairam como nu- enciam-se uns aos outros pelo campo
vens em torno do homem que os faz de respiração. Dessa forma existe, na-
nascer, os alimenta, os conserva e os turalmente, também uma grande pos-
respira novamente, num ciclo perpé- sibilidade para aqueles que querem
tuo do qual não escapa. Ele desenca- melhorar o mundo. Quando alguém
deia suas próprias tempestades! tem essa intenção, surge um desejo de
Vamos agora seguir, por um mo- dentro para fora e, a partir daí, ele ou
mento, um ator ou um dançarino que ela estabelece algo de positivo: «de
se prepara para o papel que deve inter- agora em diante eu vou querer à
pretar em sua apresentação. Espera-se minha volta um luminoso espaço ple-
dele que preencha totalmente o espaço no de amor. Não vou mais deixar ne-
com sua presença. E isso ele só pode nhum pensamento negativo ou crítico
fazer se estiver com sua atenção con- entrar no meu campo de respiração,
centrada e dirigida para aquilo que de- porque eu sei que sou o que penso, e
ve representar. Como ele sabe fazer is- que terei uma influência especial ani-
so muito bem, a reação do público é madora e esclarecedora sobre meus
imediata. E mesmo se o ator ou dança- semelhantes, especialmente no meu
rino estiver completamente sozinho ambiente mais próximo.»
no palco, o espaço estará todo preen- Quanto mais os homens se esfor-
chido. Então, um certo fascínio irradia çam e são bem sucedidos, tanto mais
e se apodera do palco e do público. seu campo de respiração se torna claro
Como isso é possível? Bem, uma e mais tranqüilamente agem e amam, e
pessoa dessas mergulha, imerge du- isso dá origem a mais espaço para vi-
rante meses no papel que deve repre- ver em um nível totalmente novo.
sentar. Esse papel causa uma impres- Porque apesar da enorme poluição da
são muito concreta no campo de res- esfera de vida da humanidade, tam-
piração do intérprete. Já não há aí lu- bém existe uma atmosfera pura e lim-
gar para outra coisa. Então, o campo pa que atrai a atenção. A energia pura
de respiração fica impregnado de toda tem, no entanto, que desinfetar o am-
essa atenção e orientação e é isso tam- biente e isso é necessário para poder
bém que ele irradia. Então, os especta- auxiliar a humanidade. É preciso ter
dores, fascinados, recebem o que um campo de respiração limpo, no
ouvem e o que vêem. E eles tomam a qual a pura energia possa se manifes-
beberagem que encomendaram. Eles tar.
acreditam nela. O encanto só se que- Quanto maior for o número de ho-
bra quando a cortina desce e a força da mens que decidir purificar seu próprio
imaginação já não é alimentada. campo de respiração e protegê-lo con-

6
tra forças maculadas de outros, tanto
mais energia pura eles próprios pode-
rão manifestar. Então, surgem tam-
bém a compreensão e a percepção da
relação de tudo isso com as leis que re-
gem a vida. Isso não é nem imagina-
ção, nem sonho. Esta é uma realidade
que se baseia nas leis da existência ter-
rena. Quanto mais homens purifica-
rem seus campos de respiração, mais
forças puras eles atrairão e assimila-
rão. Com isso, o círculo é quebrado e
se estabelece um desenvolvimento su-
perior em espiral, que liberta os ho-
mens de seu confinamento terreno.
Eles devem realizar a força do ser, de-
vem fazer algo. Como uma rocha, eles
se erguem na vida e perseveram em
seu esforço para a libertação interior,
porque somente assim podem alcan-
çar algo para si mesmos e especial-
mente para os outros. Essa atitude de
vida dá aos outros espaço para que se
aprofundem no mistério da vida. Eles
contribuem também para o bem estar
das pessoas em geral, pois criam um
espaço transparente onde outros po-
dem respirar mais livremente. Então,
cada homem poderá também ter mais
espaço e ousar doar, e poderá desen-
volver boas qualidades em favor de
seus semelhantes.
O que foi descrito aqui está relacio-
nado com o espaço onde os próprios Confessio. Existe uma corrente de
homens se encontram neste momento. Vida que se manifestará e, revestida de
Esse espaço é limitado pelo tempo. É uma nova forma, se reintegrará à
um campo de vida definido, que a Fonte de onde emana toda a Vida. Se
humanidade deve conquistar pela tudo correu bem, a essência de vida
experiência. Ela deve saciar sua neces- retorna à Fonte de tudo, enriquecida
sidade de aprender, desenvolver a com as experiências que surgiram
compreensão pela observação da vi- durante sua jornada. Então, ela apren-
da... e aprender a descobrir o objetivo deu a conhecer os elementos: terra, ar,
da vida. Este é o começo. Identificar a água e fogo. E ela aprendeu a pensar,
tarefa da vida coloca o homem diante querer e a agir em harmonia com a
da purificação de seu campo de respi- tarefa desses elementos. Ela aprendeu
ração, que é o espaço dentro e ao re- a purificar o espaço que lhe foi ofere-
O barco celeste
dor dele. cido e a preenchê-lo com a força da navega ao encontro
«Não há espaço vazio», escreveram Luz que desde o começo e até o fim da da luz. Ilustração
os rosacruzes do século XVII em sua jornada de vida a acompanharam. Pentagrama

7
O conflito dos desejos

A partir do momento em que a O homem voltou-se totalmente


humanidade iniciou o caminho da para o que lhe era exterior – sendo até
experiência na dualidade da natu- mesmo auxiliado pelos seus líderes – e
reza, e por um período incalculá- fez dessas imagens exteriores deuses
vel, o homem serviu-se do domínio que seriam encarregados de controlar
natural para suprir suas necessida- sua vida. Ele tentou tornar esta vida
des, o que o ajudou também a ad- mais suportável e, para isso, teve de
quirir e formar sua própria cons- renunciar a si mesmo cada vez mais e
ciência (a consciência de si mesmo). endurecer o seu eu na luta pela sobre-
Mas ele também fez mau uso disso vivência.
para ampliar o seu campo de vida e Sua consciência dirigiu-se sempre
aumentar o seu poder. mais para as aparências, o lado exteri-
or das coisas, e ele se tornou cada vez
menos capaz de sentir e compreender
As forças que o ajudaram a desen- o que era interior.
volver a consciência de si mesmo Do ponto de vista espiritual, o ho-
eram, em grande parte, polarizadas mem se tornou superficial. Sua capaci-
por Mercúrio, Vênus e Marte; esses dade de pensar não ultrapassava o ní-
planetas serviram de símbolo para o vel da associação; seus sentimentos
pensar, o sentir e o agir, e para mos- endureceram e estavam mais de acor-
trar, assim, aos filhos extraviados, que do com a proteção de seu próprio gru-
qualidades eles deveriam desenvolver po enquanto que suas ações visavam
para poder descobrir e alcançar o pon- sobretudo proteger aquilo que ele ha-
to de retorno. via roubado.
Sua consciência juvenil estava dirigi- Foi assim que nasceu o pensamento
da para os impulsos vindos do exte- analítico, caricatura da sabedoria ori-
rior. As imagens que eles captavam de- ginal; os sentimentos foram rebaixa-
viam servir a um desenvolvimento dos a instintos animais e o que era ori-
harmonioso das três atividades citadas ginalmente uma defesa transformou-
acima. Logo que alguém demonstrasse se em cobiça sempre crescente, em im-
uma certa autonomia podia, então, ad- pulso de roubar e em força de con-
quirir a liberdade de escolha. E foi aí quista. A atividade mental tomou, en-
que começaram as dificuldades, pois tão, proporções incríveis, a consciên-
cada escolha atraía uma reação boa ou cia escureceu sempre mais e encon-
má e, como seus resultados não tinham trou-se prisioneira, cercada pelos li-
valor eterno, eles formavam como que mites da personalidade. Essa separa-
nuvens que se avolumavam para final- ção brutal da vida original foi uma
mente desabar em tempestade. fonte de egoísmo, de orgulho, de avi-
A preparação interior para o gran- dez e de crueldade.
dioso objetivo foi freada, contrariada, O homem utilizou seus poderes
e a consciência, com isso, foi, de pe- mentais cada vez mais dirigidos para o
ríodo em período, cada vez mais per- exterior com o único fim de poder do-
turbada. minar as formas e as energias.

8
Ele percebe algo da Força que alcançou realmente algo; outra
que procura libertá-lo de sua descobre a altura dos muros da própria
couraça prisão, que ela mesma construiu, sem
ter coragem de demoli-los. Uma tercei-
ra compreende que estabeleceu toda
Assim que a consciência egocêntrica uma construção no curso de numero-
confronte a si mesma e compreenda sas encarnações de seu microcosmo –
que deve haver outra fonte de vida para se fechar sistematicamente à Luz
além da biológica, ela recebe a oportu- que a chama e quer libertá-la. O mapa do crânio
nidade de contemplar como sua vida Ela percebe algo da poderosa Força divido em 40 áreas.
está organizada. Uma pessoa enche o que bate à sua porta, que a impulsiona Marie Evans Picture
peito de contentamento ao perceber através de todo seu ser e que quer li- Library

9
O pintainho sabe exatamente quando
deve quebrar o enclausuramento
egoísta de seu ovo; ele sabe que a monstram que muitos ainda não al-
cançaram o limite. Eles ainda lutam
espessa casca que o envolveu por tanto por dominar, enganar. Eles assassinam
tempo não faz parte de sua vida. mutuamente corpos e almas porque
lhes foi ordenado. A poesia, a filoso-
Rabindranath Tagore fia, as ciências, as religiões testemu-
nham amplamente desses incessantes
conflitos.
Na obra de Mikhaïl Naimy, O livro
de Mirdad, está escrito (página 252):
Quando a Sagrada Vontade Total par-
bertá-la de sua couraça. Agora surgem tiu Adão em dois, para que ele se co-
as perguntas: O que construí de ver- nhecesse e compreendesse sua unicida-
dadeiramente novo na vida? Será que de com o Uno, então ele tornou-se um
não há nada além disso? macho e uma fêmea – um Adão mas-
culino e um Adão feminino. Foi, então,
inundado de desejos, que são os filhos
Aspirações tão ricas, tão da Dualidade – desejos tão numero-
infinitamente diversificadas sos, tão infinitos em aspectos, tão
imensos em magnitude, tão torpes e
tão prolíficos, que até hoje o Homem é
Em todo o desenvolvimento do ho- um náufrago sob suas ondas. Mal uma
mem como personalidade – que dura onda o tem levado a vertiginosas altu-
milhares de anos – ele se encontra ras, e já outra o arrasta para o fundo.
diante de inumeráveis situações em Isto porque seus desejos são aos pares,
que deve fazer uma escolha, para o como ele também é um par. E embora
melhor ou para o pior, enquanto que dois opostos realmente se complemen-
suas capacidades em crescimento são tem um ao outro, para o ignorante eles
testadas em relação àquilo a que são parecem agarrar-se, esmurrar-se e ja-
destinadas. Ele descobre, por exem- mais querer dar-se um só momento de
plo, que o amor egoísta engendra o ó- trégua.
dio, que os pensamentos egocêntricos Nesta percepção distorcida o ho-
sufocam os sentimentos e que a luta mem utiliza a força-amor para tentar
por automanutenção atrai o sofrimen- febrilmente restabelecer a unidade
to para si mesmo e para o próximo. perdida, por exemplo, encontrando
Atualmente muitos chegaram ao um parceiro sob a forma de um ho-
fim de sua evolução na natureza dialé- mem ou de uma mulher, uma ativida-
tica. E a próxima questão se apresenta de, um ideal, um reconhecimento. Seu
a eles, com razão: pensar e seu sentir que deveriam po-
Atingiram e sentiram a liberdade? der dirigir sua vontade, tornaram-se
Chegaram eles ao ponto de abrir-se a os escravos dela.
uma nova consciência? Ou andam Podemos ler no livro de Mirdad
ainda em círculos, enquanto os muros (página 254): Vós sois o dilúvio, a arca
de suas prisões, que eles mesmos e o comandante. Vossas paixões são o
construíram, tornam-se mais e mais dilúvio. Vosso corpo é a arca. Vossa fé,
espessos? o comandante. Vossa vontade tudo pe-
Podemos apenas constatar que, no netra, e, acima de tudo isto, está vossa
cenário internacional, tanto os peque- compreensão.
nos como os grandes conflitos de- Eis como foi concebido o caminho:

10
a aspiração vinda do coração deve dar mente, um eu reforçado e endurecido Máquina para son-
a justa direção e conduzir livremente a que se apoderou totalmente da condu- dar a atividade do
cérebro. Início de
uma mudança do pensar e do agir para ção da personalidade.
1900
que sejam totalmente dirigidos para Não é por acaso que nessa situação
um objetivo elevado. Não mais a de obumbramento descobre-se nova-
minha vontade, mas que a Tua vonta- mente a atividade dos planetas dos
de seja feita. Em vez disso, por meio Mistérios, Urano, Netuno e Plutão.
de sua vontade novamente despertada, Poderíamos dizer que esses plane-
o homem furtou novos espaços e fez tas funcionam como uma lupa para as
tudo que desejava, até a decadência. forças que querem retirar a humanida-
de do impasse em que ela se encontra.
Eles ajudam o homem que está pron-
A influência dos planetas to para isso a restabelecer as funções
dos mistérios de seu pensar, seu desejar e sua vonta-
de e colocá-los em um nível mais ele-
vado. Se houver alguma oposição, o
Não tendo nem reconhecido nem homem se encontrará em dificuldade,
compreendido a ajuda cósmica de mas ele não será capaz de se fechar a
Mercúrio, Vênus e Marte, o homem essa evolução cósmica. O antigo Mer-
afundou sempre mais na matéria en- cúrio inferior ajudou a formar seu in-
quanto que o eterno átomo original telecto. Para muitos dentre eles, isso
em seu coração tornou-se cada vez trouxe também um desenvolvimento
mais inacessível. Sua ligação com o ambicioso e orgulhoso que criou um
Logos tornou-se cada vez mais in- mundo sem espírito e sem alma. Essa
consciente, sem no entanto ser rompi- «criação» é rompida pelo novo Netu-
da. Durante todos os períodos da evo-
lução, o Logos atingiu o núcleo à deri-
va no homem para despertá-lo e colo-
cá-lo diante de uma mudança funda-
mental. No entanto, a vontade é livre
para ignorar essa mão estendida e re-
cusá-la. Ou aceitá-la e retornar. Para
isso, entretanto, é preciso que o pen-
sar, o sentir e o querer sejam readapta-
dos à sua tarefa inicial.
Até hoje, o homem percorreu o
caminho contrário. Ele não pode, ou
pode somente esporadicamente, resta-
belecer, como capitão de sua nave mi-
crocósmica, o equilíbrio entre a cabe-
ça, o coração e os atos. Ou, em outras
palavras, ele é regido pela anarquia
entre três poderes descoordenados:
sua razão, sua livre-vontade e seus
sentimentos profundos. Isso o levou a
ser dominado por seu intelecto e a
uma maior separação do Logos. Mas
também há um inacreditável obum-
bramento por seus desejos e, final-

11
no Superior. Podemos ler no Dei Gló- pressão sobre suas capacidades, mas as
ria Intacta: O Novo Mercúrio está sin- harmoniza com a sabedoria divina.
tonizado com um mundo que não é Essa renovação fundamental do
deste mundo, num plano que não pode pensar, sentir e querer leva o homem a
ser incluído na maneira como funciona uma renovada maneira de agir, porque
a dialética. sem ato justo, a vida permanece uma
A intuição de Netuno não sutiliza a areia movediça. Então, o antigo ho-
razão mas a expande e impele o ho- mem dialético é totalmente demolido
mem que possui, então, um novo po- e o novo homem celeste pode agora
der de pensar, a um crescimento no aparecer: o verdadeiro Homem-Cris-
coração. Urano, o outro planeta dos to pode nascer do homem-João. Ele
Mistérios, testa a personalidade e a reconhece indubitavelmente que deve
força de Vênus presente no coração. satisfazer suas necessidades naturais
Ele aí planta a aspiração ao Amor que para o funcionamento de seu corpo fí-
tudo abarca. «Um amor pelos ho- sico, mas isso se torna secundário. E
mens, tão grandioso e perfeito, que essas necessidades diminuem, sem na-
não pode ser compreendido pelo ho- da forçar. As exigências do eu com
mem da natureza inferior e ao qual ele suas repulsas, seus ódios, seus desejos,
não pode responder.» Urano dissolve desaparecem.
os limites que a percepção da energia Rabindranath Tagore disse: O pin-
de Vênus fez nascer. Surge também tainho sabe exatamente quando deve
uma sensação de estar sobre uma base quebrar o enclausuramento egoísta de
de compreensão superior: a renovação seu ovo; ele sabe que a espessa casca
do santuário do coração. E Plutão, o que o envolveu por tanto tempo não
terceiro da aliança, é aquele que perse- faz parte de sua vida.
vera, dinamiza, precede e demole. Po-
demos vê-lo como a oitava superior de
Marte que abre o caminho para o sol
do Logos. Ele muda a energia de Mar-
te e a força da vontade dirigida para a
Terra em uma força da vontade mági-
ca e cósmica, segundo o princípio de
escorpião: morte e devir.

O pintainho sabe exatamente


quando deve quebrar o ovo

Então, em seguida, vem a renovação


do centro da vontade. Uma nova von-
tade dinâmica dirige agora os dons de
Mercúrio e Vênus. Até aqui, o homem
foi o brinquedo de seus desejos, de FONTES:
suas recusas e dos instintos de seu san-
gue. Ele está, agora, novamente livre e M. Naimy, O Livro de Mirdad, Lectorium
inteiramente sintonizado com o plano Rosicrucianum, São Paulo, 1999
divino para o mundo e a humanidade. J.V. Rijckenborgh, Dei Gloria Intacta,
A nova vontade não exerce nenhuma Lectorium Rosicrucianum, São Paulo, 1967

12
Homem, conhece-te a ti mesmo!

Um dos pontos de partida de pria natureza e os padrões impostos


todas as Escolas de Mistérios é o do exterior. O número de terapias que
autoconhecimento. Acima da en- são oferecidas para reduzir essas ten-
trada do Templo dos Mistérios de sões é surpreendentemente grande.
Apolo, em Delfos, estavam as co- Métodos científicos e científico-po-
nhecidas palavras: «Homem, co- pulares dão mil e uma instruções para
nhece-te a ti mesmo». Do outro encontrar a si próprio e para neutrali-
lado, no interior do portal, estava zar o resto. Isso pode ser muito van-
escrito: «e conhecerás o mundo e tajoso na vida diária e podemos vivê-
os deuses». Alguns tradutores lo como um sorvo de liberdade. Mas,
pensam que essas palavras signifi- embora as instruções sejam, na sua
cam: «e reconhecerás que tu mes- maior parte, tomadas da sabedoria
mo és um deus». dos antigos mistérios, elas não têm,
por si próprias, os resultados por eles
tencionados.
Essas palavras – assim como muitos O autoconhecimento cujo método
outros preceitos para trilhar a senda é atualmente divulgado não é exata-
da iniciação nos mistérios divinos – se mente aquele que o candidato deseja-
tornaram, no decorrer dos séculos, ca- ria, como por exemplo, o dos Misté-
da vez mais, apenas lugar comum, rios Gregos. A diferença se encontra
aplicadas onde fosse possível aplicá- entre os objetivos totalmente opostos
las. Assim, elas chegaram a ser, no de- da Psicologia e os objetivos das Esco-
correr dos últimos 30 anos, muito uti- las de Mistérios. A Psicologia ensina
lizadas pelo esoterismo e foram muito ao homem como ele pode melhor se
aproveitadas na argumentação da Psi- manter no mundo, como pode ter
cologia aplicada. Cursos, seminários e
a maioria das diversas terapias fazem
uso das instruções dos antigos misté- A obtenção de uma ampla
rios. Isso também acontece com as visão do objetivo da existência
profundas palavras que estão escritas humana pode ser mais
na entrada do Templo dos Mistérios ou menos comparada com as
de Apolo. observações feitas pelo telescópio
Naturalmente é necessário conhe- espacial Hubble. Com os
cer-nos a nós mesmos, conhecer a es- grandes telescópios podia-se
trutura de nossa própria personalida- estudar profundamente o
de para descobrir quais padrões de espaço, porém o alcance
comportamento são inatos e quais são da visão ainda não era
adquiridos, e desmascarar estes últi- suficientemente longo.
mos para finalmente compreender O Hubble, lançado em 1990,
que aquilo que é essencial em nosso ampliou a visão em muitos
próprio ser ainda permanece velado. anos-luz, alcançou novos
Um grande número de doenças é o milhares de sóis e descobriu
resultado de tensões entre nossa pró- outros sistemas estelares.
mais sucesso, conseguir um melhor libertar-se de seu próprio mundo?
emprego, sentir-se mais feliz, viver em Afinal, é dito que o mundo deve ser
paz com seus semelhantes, etc... Sua primeiro vencido por nós mesmos an-
finalidade é claramente terrena. O ca- tes de podermos discernir e aprender a
minho de um candidato aos mistérios conhecê-lo. Não existe aí alguma con-
oferece a ele a possibilidade de aban- tradição? O intelecto comum biológi-
donar os contrastes e as misérias do co e o pensamento comum são tão
mundo. O primeiro caminho é uma contraditórios que não podem liber-
senda para uma exploração horizontal tar. Existe, porém, também um outro
e uma expansão; o segundo caminho pensar que funciona e é alimentado de
leva para cima, irrompe diretamente maneira diferente. Isso torna o candi-
através das limitações da vida hori- dato cada vez mais capaz de romper
zontal. suas ligações com a natureza e de se
O autoconhecimento é necessário abrir para os Mistérios.
para abandonar as limitações do A partir de um coração anelante e
mundo. Portanto, não é um conheci- aberto busca-se uma resposta, e novos
mento intelectual restrito ao cérebro impulsos que emanam do núcleo espi-
do indivíduo. Trata-se aqui do co- ritual aí oculto se tornam ativos. Esse
nhecimento interior, da sabedoria núcleo, também chamado de rosa do
que procede da percepção em relação coração, é o ponto de contato com a
ao próprio homem, à natureza hu- vida original, e está no mais profundo
mana e ao desenvolvimento da vida do ser, muito além da personalidade.
no universo. O ponto de vista do ob- Ele está ligado com o campo de vida
servador deve, diante disso, situar-se de onde se originaram os homens co-
fora de sua pessoa, fora de seu mun- mo seres-alma.
do. Somente de fora para dentro, de Esses novos impulsos estimulam o
cima para baixo, pode-se testemu- homem a buscar; e quando ele real-
nhar do objetivo comum da natureza mente começa a fazer isso, descobre
humana e de como a situação é indi- que as duas naturezas estão ativas ne-
vidual para cada membro da humani- le: a divina e a humana. E elas se man-
dade. Quem pode alcançar esse têm ligadas durante toda a vida. Essa é
«ponto de vista» pode obter uma a primeira percepção interior inevitá-
imagem mais clara, livre do obscure- vel!
cimento da consciência. Somente um Quem não descobre esse contraste
ponto de vista semelhante faz surgir também não sentirá o impulso para
no observador uma imagem livre das construir uma ponte e juntar o que se
distorções e máculas da personalida- encontra separado. Porém, quem re-
de terrena. conhece ambos os aspectos em seu ser
Aqui surge uma questão aparente- se esforçará mais e mais para neutrali-
mente insolúvel: por que e como pode zar seu aspecto biológico tipicamente
alguém encontrar um ponto numa re- humano, de modo que sua divindade
alidade que está fora de si mesmo para original possa ressurgir livremente. A

14
partir de sua experiência, ele poderá se
reorientar e, assim, distinguir clara-
mente duas naturezas. Essa é a segun-
da percepção interior inevitável.
É em relação ao núcleo espiritual
que Paulo diz: Não sabeis que sois
deuses? Essa é a terceira percepção in-
terior inevitável. A tarefa do homem é
libertar o Deus que nele habita e que
não pertence ao mundo dos homens,
mas que se entrega para libertar os
cativos. Através da iniciação nos Mis-
térios ele alcançou a libertação.
Dessa forma, podemos agora refle-
tir sobre um método prático para des-
pertar o núcleo divino e fazê-lo cres-
cer. Muitos tentaram isto, mas dedica-
ram-se intensamente ao aperfeiçoa-
mento, à cultura e à elevação do eu,
tornando-se impotentes e desperdi-
çando seu tempo. Durante esse tem-
po, seu ser ficou fechado para a huma-
nidade. Por isso, ele deve agora apren-
der a ofertar o seu eu, a entregar-se ao
núcleo espiritual em seu coração. Des-
se modo, a própria alma deve se de-
senvolver mediante o toque do Espí-
rito de Deus, que a alimenta e guarda.
Se a exigência dessa oferta não for
compreendida nem aceita, então o ho- devem aprender a ceder esse espaço O templo
mem reforçará o seu eu e se esforçará para a força divina que habita neles. do oráculo de
Apolo, em Delfos,
para o desenvolvimento de um «su- Essa é a quarta percepção interior.
foi antes
per-homem» com supertalentos e com Se ele fizer isso incondicionalmente consagrado à
uma superconsciência. Esse super-ho- e estiver disposto a viver de sua per- deusa Atenas
mem se eleva de fato acima da massa – cepção, então as palavras do Evange- Pronaia, a
e se torna, portanto, também um ideal lho de João serão cumpridas: (João profetisa.
para muitos – mas ele permanece o 1:12-13) Mas a todos quantos o recebe-
que é: um homem mortal. O Deus ne- ram deu-lhes o poder de serem feitos
le não terá a possibilidade de se desen- filhos de Deus: aos que crêem no seu
volver. Porém ele continua existindo. nome, os quais não nasceram do san-
Ele somente precisa de espaço para gue, nem da vontade da carne, nem da
poder manifestar-se! Então os homens vontade do varão, mas de Deus.

15
Não pode ser o que não pode ser

Por volta do ano de 1920, os astrô- verso infinito, de modo que é admissí-
nomos de todo o mundo estavam vel uma dupla imensidade em gran-
convencidos de que só existia uma deza do universo e em número de cor-
Via Láctea, uma só galáxia. A pala- pos celestes. E desse todo infinito
vra grega «galaxias» significa Via tenho uma concepção universal por-
Láctea ou sistema estelar. Astrôno- que cada ser que nele vive, organiza-
mos que suspeitavam da existência se, move-se e ali está em sua perfeição,
de outras galáxias eram considera- e considero-o em duplo sentido: por
dos hereges nos círculos da ciência um lado, ele é onipresente, está em to-
natural e eram duramente atacados do lugar e em qualquer parte, assim
e ridicularizados nas revistas especi-
alizadas da época. Até mesmo as-
trônomos que, com seus telescópios,
viam que pontinhos luminosos, cha- No sábado, 4 de maio de 2002,
mados nebulosas, não pertenciam à no centro de conferências
nossa Via Láctea e sim a galáxias Renova, em Bilthoven, Holanda,
muito distantes, eram tidos como ocorreu um simpósio dedicado
equivocados segundo a antiqüíssi- a Giordano Bruno. Uma das
ma fórmula que diz que «não pode alocuções desse simpósio é
ser o que não pode ser». apresentada em duas partes neste
número da Pentagrama: «Não
pode ser o que não pode ser»
E m 2 de junho do ano de 1592, Gior- e «Perdido no labirinto
dano Bruno, durante o interrogatório do tempo».
feito pela Inquisição, em Veneza, pro-
nunciou palavras que soam como uma
profissão de fé, como uma síntese de
suas opiniões sobre o universo e o
homem. Ele disse:
Eu creio num universo infinito cri-
ado pela infinita onipotência porque
entendo como indigno que a bondade
e o poder divinos só tenham criado um
mundo finito e limitado quando pode-
riam ter criado mundos incontáveis.
Por essa razão, sempre afirmei que
existem incontáveis outros mundos
semelhantes a esta Terra que, como
Pitágoras, considero apenas um astro,
assim como os outros inúmeros plane-
tas e estrelas. Todos esses mundos
Giordano Bruno incontáveis constituem um todo infi-
(1548-1600) nito no espaço infinito e este é o uni-

16
A Terra com a
aurora boreal (no
Norte) e a aurora
austral (no Sul)

como a alma no corpo, e chamo-o de o caminho mais fácil para não ter de
natureza. Porém, ele é apenas um ves- enfrentá-la, enquanto que a aceitação,
tígio e uma sombra da divindade. Por na maioria das vezes, significa sobre-
outro lado, ele é ligado a Deus de um pujar a inverdade. Uma parte da histó-
modo indizível através de sua essên- ria da vida humana é escrita sobre o
cia, sua presença e poder, em tudo e arco de tensão entre negação e aceita-
acima de tudo, não como uma parte, ção. O destino de Giordano Bruno
não como uma alma, mas de uma for- consumou-se sobre esse arco. Há mais
ma inexplicável.* de quatro séculos ele afirmou que o
número de estrelas ou corpos celestes
é infinito. Os dirigentes de sua época
Expressão da inefável não podiam e não queriam aceitar esse
onipresença divina ponto de vista.
No ano de 1925, a centenária visão
dogmática da ciência transformou-se.
Estas são as palavras de Bruno. Em O astrônomo Edwin Hubble, no
síntese, elas significam que existe um Monte Wilson, com seu telescópio –
universo de dimensões ilimitadas. Ne- então o maior do mundo – pôde com-
le encontram-se incontáveis corpos provar que nebulosas realmente são
celestes. Estes corpos celestes são a ex- sistemas estelares bem distantes. Já no
pressão das inefáveis onipresença e ano de 1755, o filósofo alemão Imma-
onipotência divinas que deixam suas nuel Kant enunciou a suposição de
impressões na natureza e na essência que no mínimo um desses pontinhos
do homem para que ele se aperfeiçoe. luminosos difusos não pertencia à Via
Negar a verdade é freqüentemente Láctea, e sim a um sistema estelar dis-

17
As inefáveis onipresença e onipotência divi- da Via Láctea, numa velocidade de 230
km por segundo. O movimento da
nas deixam suas impressões na natureza e Terra é ainda mais complexo: primei-
no homem para que ele se aperfeiçoe. ro, ela gira em torno do Sol; segundo,
ela viaja com o Sol ao longo da Via
Láctea. Isto já é um movimento du-
plo, em espiral; terceiro, nossa Via
Láctea move-se a 90 km por segundo
em direção da galáxia vizinha, a Ne-
tante. Agora essa galáxia é denomina- bulosa de Andrômeda.
da Nebulosa de Andrômeda. Pode- A distância entre nossa Via Láctea e
mos admitir que Kant tenha utilizado a Nebulosa de Andrômeda é estimada
uma luneta ou um telescópio. Mas Gi- em 2,5 milhões de anos-luz. Essa dis-
ordano Bruno não dispunha de tais tância altera-se constantemente por-
recursos técnicos. A olho nu ele podia que tudo está em movimento. Se con-
visualizar no máximo de cinco até seis siderarmos que a luz percorre 300.000
mil estrelas. Este é o número de astros km em um segundo, a distância em
que se pode ver sem telescópio numa km até a galáxia mais próxima da Via
noite clara. Até onde se sabe, o pri- Láctea é o número 22 seguido de 18
meiro telescópio foi usado na Europa zeros. Em palavras, seriam vinte e dois
em 1609 por Galileu Galilei. Como quintilhões de km. Assim, nossa Via
Bruno chegou a convencer-se de que Láctea fende o espaço, rodopia e corre
num espaço ilimitado há incontáveis desabaladamente em direção à sua
corpos celestes? Talvez possamos en- vizinha, numa velocidade de 90 km
contrar a resposta na já citada síntese por segundo.
de seu conhecimento sobre o universo Bruno com freqüência designa o
e o homem: «Eles são a expressão das movimento dos corpos celestes com a
inefáveis onipresença e onipotência palavra «nadar» porque, para ele, o
divinas que deixam suas impressões na espaço universal é um mar ilimitado
natureza e no homem para que ele se de éteres, a alma do mundo é um oce-
aperfeiçoe.» ano infinito de energia e inteligência.
A velocidade da Terra, a do sistema
solar e a da Via Láctea, provavelmen-
O espaço universal é um mar te já deixam nossa faculdade de imagi-
ilimitado de éteres nação em apuros. Mas ainda não esta-
mos no fim e, se algum dia chegare-
mos ao fim, ainda é uma pergunta.
Admitamos que nós, na respiração Afinal, nossa Via Láctea e a Nebulosa
comum, tranqüila, ou seja, entre uma de Andrômeda pertencem a um nú-
inspiração e uma expiração, levemos mero de galáxias designado como
cerca de seis segundos. Seriam, então, Grupo Local. Isto é um conjunto de
dez respirações por minuto. No pe- algumas dúzias de galáxias ou siste-
ríodo de tempo em que inspiramos e mas estelares. E todo esse grupo ao
expiramos uma vez, a Terra percorreu qual pertence também nossa Via Lác-
aproximadamente 220 km na sua tra- tea move-se a cerca de 600 km por se-
jetória ao redor do Sol. Nosso planeta gundo em direção ao grupo de Virgo,
move-se numa velocidade de mais de que é um outro grupo de galáxias que,
30 km por segundo. Isto já é quase ini- por sua vez, também se move em di-
maginável. O Sol, em torno do qual a reção a um grupo muito maior de sis-
Terra gira, também não está parado. temas estelares que recebe dos astrô-
Ele leva consigo a Terra e todos os ou- nomos o nome de Great Atractor (O
tros planetas no seu caminho ao longo Grande Atrator).

18
Olhar a 15 bilhões de anos-luz conseguimos fazer idéia. Vemos uma
de distância dança cósmica, intercósmica, num
cenário sem fundo.

Existem, portanto, incontáveis cor-


pos celestes, estrelas, sistemas estela- O infinito contempla-se no
res e grupos de sistemas estelares, as- homem
sim como movimentos inimagináveis
com velocidades indescritíveis num
espaço incompreensível. No entanto, A galáxia mais próxima da Via
isto ainda não é o infinito. E quando Láctea está, portanto, a aproximada-
dizemos «ainda não», isso dá a im- mente 2,5 milhões de anos-luz de nós.
pressão de que jamais poderemos Os astrônomos avaliam o número de
compreender o infinito se voltarmos galáxias como a Via Láctea em 400
nosso olhar para cima ou para fora. bilhões, até agora. Assim, emudece-
Com o moderno telescópio Hubble mo-nos diante da grandiosidade do
que, provavelmente, é o maior que mistério que aí está oculto. E que está
existe, os astrônomos enxergam a uma oculto também no homem! Daí pro-
distância de 15 bilhões de anos-luz. vém sua busca, seu anseio por conhe-
Um segundo-luz são 300.000 km. E cimento e sabedoria, por investigação,
15 bilhões de anos-luz não são uma por compreender e abranger. Seme-
bagatela, mas, em relação ao infinito, lhante atrai semelhante, procura pelo
são menos do que uma bagatela. semelhante. No homem e através dele
Giordano Bruno afirmou que o in- o infinito conhece-se a si mesmo. O
finito não se permite repartir nem em uno expressa-se no múltiplo e diferen-
regiões, nem em distâncias, nem em cia-se numa imensa heterogeneidade.
períodos de tempo. Não existe algo E o homem que participa dessa diver-
como a metade do infinito – pois cada sidade, após muitos passos de dança
metade concebível seria finita. Em to- no cenário cósmico, pode tomar parte,
do caso, seria inútil separar um milí- conscientemente, do infinito, do ser
metro do infinito, pois mesmo esse absoluto. Então, a dança torna-se uma
milímetro de infinito «encurtado» se- imensa dança da alegria. Bruno dá a
ria, então, infinito – porque só existe isso o nome de consumação.
um infinito e não um segundo, tercei- Quem consegue imaginar a veloci-
ro, quarto ou seja quantos for. A mul- dade com a qual a Terra gira em torno
tiplicidade só se manifesta para a nos- do Sol ou a velocidade com que o Sol
sa consciência que opera através da li- e as cerca de 400 bilhões de galáxias
mitação em três dimensões. Mas o flutuam no espaço? Quem pode apre-
próprio infinito não é um fenômeno. ender isso? Quem consegue compre-
Ele é a origem absoluta de toda a exis- ender, abranger as distâncias e o espa-
tência, ele é o Absoluto. Tudo o que se ço entre os sistemas estelares – o infi-
manifesta no infinito movimenta-se. nito?
O próprio infinito é imóvel, pois fora
do infinito não existe espaço no qual
ele possa mover-se. Se fora do infinito «Tu fazes com que a flama
existisse espaço, o infinito não seria eterna se acenda em meu
infinito. Quando, à noite, erguemos peito mortal»
nosso olhar para o céu estrelado,
vemos, na verdade, um gigantesco jo-
go de movimentos, transformações, Mas, por que falam os homens so-
revoluções, deslizamentos e velocida- bre isso? Porque, contudo, o inimagi-
des num espaço imenso do qual não nável ainda é um fato, e este fato

19
aponta para o mistério inefável que aí
está oculto. É o mistério do Todo, o
mistério da Vida, o mistério do Ho-
mem. «Três mistérios que são um e
cuja chave está escondida no homem»,
diz Giordano Bruno. Em sua obra De
Triplici Minimo et Mensura (Do Míni-
mo Tríplice e da Medida) escreve ele:
«Ó Deus, infinito Uno, Tu permites
que Tua flama eterna se acenda em
meu peito mortal, Tu fazes meu cora-
ção pairar no brilho de Tua luz e
incendiar-se no calor de Teu fogo, para
que eu possa passar pelo Teu mundo
infinito seguindo o caminho das estre-
las, livre de todas as sombras, livre da
carga comprometedora da matéria
inerte, livre do poder dos órgãos dos
sentidos. Luz, Luz que tudo vê, Tu
crias luz para que tudo possa ser con-
templado.» E seu soneto do manuscri-
to Das Causas, do Princípio e do Uno
diz:
De Ti, eterno Uno, causa e fundamen-
to, por toda parte emanam vida, ser e A taça vivente
movimento. do Graal religa as
duas ordens de
Tu Te expandes em altura, extensão e
natureza. Ilustração
profundeza, para que céu, terra e in- Pentagrama
ferno venham a existir! Com coração e
razão e com meu espírito posso cruzar
o infinito que cifra nenhuma pode
medir, onde em todo lugar é centro e
em lugar nenhum é periferia.
Em Teu ser vive e repousa meu ser.
Ainda que cegueira, ilusão e fúria se
atem à urgência do tempo, ainda que a
ação comum forje um laço com a infâ-
mia, ainda que a maldade deslize no
sombrio sulco da inveja, não conse-
guem cobrir a atmosfera com treva • Giordano Bruno oder des Spiegels des
porque, malgrado seu esforço, cintila o Unendlichen (Giordano Bruno ou o
meu olho desvelado e a beleza de meu Espelho do Infinito), Eugen Drewermann,
sol propaga seus raios. Kösel-Verlag, Munique, 1992.

20
Diálogo universal entre
Hermes e Asclépio
(Do Sexto Livro)

Hermes: Asclépio, tudo o que é movido Mas, o incorpóreo é ou de natureza divina


não é movido em algo e por algo? ou é Deus mesmo! Com divino não quero
Asclépio: Certamente! dizer o criado, mas o não criado. Se o
Hermes: E não é necessário que aquilo em incorpóreo é de natureza divina, então é
que algo é movido seja maior do que aqui- da natureza da essência da criação; e se é
lo que é movido? Deus, é uno com a essência. Aliás, pode-
Asclépio: Sem dúvida. mos concebê-lo com a mente, como
Hermes: Além disso, aquilo que cria o segue:
movimento é mais potente do que aquilo Para nós Deus é o mais elevado para o
que é movido? qual o pensamento possa dirigir-se. Para
Asclépio: É claro. nós, mas não para Deus mesmo! Porque o
Hermes: E não será que a natureza daqui- objeto da reflexão, para aquele que pensa,
lo no qual se realiza o movimento seja torna-se atingível pela luz da compreen-
necessariamente oposta ao que é movido? são. Portanto, Deus não é, para si mesmo,
Asclépio: É evidente. objeto de reflexão; porque, sendo seme-
Hermes: Pois bem. Então este universo é lhante à essência da reflexão, Ele reflete
maior do que qualquer outro corpo? sobre si mesmo. Para nós, porém, Deus é
Asclépio: Certamente. diferente: por isso, Ele é objeto dos nos-
Hermes: E não está completamente cheio, sos pensamentos.
isto é, com muitos outros grandes corpos Ora, se o espaço universal é objeto de
ou, mais corretamente, com todos os cor- nosso pensamento, não pensamos nele
pos existentes? como espaço, mas como Deus; e se pensa-
Asclépio: Isso mesmo. mos no espaço como Deus, ele já não é
Hermes: Conseqüentemente, o universo é mais espaço no sentido comum da pala-
um corpo. vra, mas sim a força ativa de Deus, que
Asclépio: Justo. tudo encerra.
Hermes: A saber, um corpo que é movido. Tudo o que se move não é movido em
Asclépio: Certamente. algo que é movido por si mesmo, mas em
Hermes: Quão grande deve então ser o algo que é imóvel; e mesmo a força motriz
espaço dentro do qual o universo é movi- é igualmente imóvel, não podendo parti-
do! E de que natureza? Ele tem de ser lhar do movimento que ela produz.
muito maior do que o universo para
poder admitir o movimento contínuo,
sem que o universo seja emperrado e
estorvado em seu movimento.
Asclépio: Esse espaço deve ser extraordi-
nariamente grande, Trismegisto.
Hermes: E de que natureza? De natureza
oposta, não, Asclépio? Pois bem, o con-
trário da natureza do corpo é o incorpó-
reo. ( J.V.Rijckenborgh, Arquignosis Egípcia,
Asclépio: Sem dúvida. Tomo II, Lectorium Rosicrucianum, São
Hermes: Então, o espaço é incorpóreo! Paulo, !986)
Perdido no labirinto do tempo

Na seção da Ásia Menor do Museu duzir que Pitágoras sabia mais sobre a
Pergamon, em Berlim, encontra-se o vida no cosmos do que as gerações
mais antigo mapa celeste da huma- posteriores. Sabe-se que ele recebeu
nidade, sob o número de catálogo muito dos sacerdotes egípcios. Cerca
VA1243. Tem quase 5000 anos, por- de três séculos depois de Pitágoras, no
tanto provém do terceiro milênio terceiro século antes de nossa era,
a.C.: uma placa de argila da Acádia, Aristóteles esboçou a concepção do
um país que outrora ficava entre mundo que, na época de Bruno e por
duas correntes fluviais, a do Eufra- muito tempo depois, influenciou o
tes e a do Tigre, no atual Iraque. pensamento e a fantasia do homem.
Nesse mapa, o sistema solar está re- Os pensamentos de Aristóteles foram
produzido com exatidão e na escala consolidados mais tarde pelo matemá-
correta: o Sol no centro, a seu redor, tico Ptolomeu (século II d.C.) que vi-
na seqüência correta, o pequeno veu em Alexandria.
Mercúrio, depois Vênus e Terra qua-
se do mesmo tamanho, e a Lua. Em
seguida, Marte, os dois grandes pla- Tornando-se testemunhas de
netas Júpiter e Saturno e, finalmen- uma dança cósmica no espaço
te, Urano, Netuno e Plutão, o plane- imensurável
ta anão. É apresentado também um
planeta mais distante, até agora des-
conhecido apesar de alguns astrôno- Antes de esboçarmos essa concep-
mos suporem sua existência. ção do mundo, faremos uma digres-

Nicolau Copérnico, no ano de


1543, cinco anos antes do nascimento
de Giordano Bruno, publicou seu li-
vro Sobre os Movimentos Circulares
dos Corpos Celestes no qual faz a pe-
rigosa afirmação de que os planetas
giram em torno do Sol. Mas esse fato
já era conhecido 4000 anos antes de
Copérnico! Esse conhecimento ape-
nas perdeu-se no labirinto do tempo,
como tanta coisa outrora conhecida
desaparece ou continua viva secreta-
mente em determinados círculos e
grupos de diversas culturas para, a
seu tempo, emergir outra vez e en-
contrar acolhida em maior escala na
Copérnico consciência do homem.
(1473-1543) Dos escritos de Bruno pode-se de-

22
são sobre o que nossos olhos obser- centro dos acontecimentos. E um cen- O sistema solar
vam. Como já foi dito, quando, à tro tem sempre algo de dominante. segundo Newton
noite, contemplamos o céu estrelado, Nossa linguagem ilustra isso de ma-
vemos um gigantesco jogo de movi- neira evidente. Freqüentemente dize-
mentos, transformações e velocida- mos: tudo gira em torno dele. Ou par-
des. Tornamo-nos testemunhas de timos do pressuposto de que tudo de-
uma dança cósmica no espaço imen- via girar em torno de nós mesmos...
surável. Mas será que, de fato, vemos Para essa atitude existe uma pala-
isso mesmo? Percebemos realmente vra bem precisa: egocentrismo. Ver a
algo da velocidade com que a Terra Terra como centro imóvel do univer-
gira em torno do Sol? Ou percebe- so, como sabemos, deriva de uma
mos como a Terra gira em torno de si concepção geocêntrica do mundo. A
mesma? Não temos antes a impres- palavra grega para Terra é Gaia. E
são de que o Sol é que gira em torno aqui estamos de novo com Aristóte-
da Terra? Pois ainda hoje dizemos: O les e Ptolomeu. Eles viam a Terra co-
Sol se levanta, o Sol se põe. mo centro do cosmos. Para eles, a
No plano dos órgãos dos sentidos, o Terra está parada e tudo o mais gira
homem percebe a Terra como imóvel e em torno dela. (Aliás, é interessante
o Sol, os planetas e todo o firmamento que as palavras geo e ego sejam for-
girando em torno dela. Então, a im- madas pelas mesmas letras.) A Terra é
pressão de imobilidade da Terra é uma o centro; o firmamento gira em torno
ilusão. Assim, não é apenas o nosso dela. A palavra firmamento já diz tu-
olhar para os acontecimentos cósmi- do: «firmare» em latim significa
cos, mas também para a nossa vida e «afirmar». Via-se o céu como uma es-
nosso convívio que determina o fato pécie de abóbada de cristal transpa-
de percebermos a nós mesmos como rente na qual as estrelas e planetas são

23
como luzes fixas (Bruno sempre ti- bém cada átomo, ou seja, cada ponto,
nha essa noção em mira), e essa abó- cada partícula de energia. Um quan-
bada gira em torno da Terra em di- tum de energia é centro. O infinito é
versos planos e esferas. Nessa con- um oceano imensurável de energia.
cepção de mundo não se podia tocar, Algo como um espaço vazio no senti-
pois a Terra como centro do universo do de um vácuo total não existe para
tinha uma missão muito especial. Pa- Bruno. O espaço imensurável ele de-
ra a Igreja só havia um corpo celeste nomina alma do mundo: um ilimitado
escolhido por Deus, onde o Filho de campo de energia e inteligência, radi-
Deus poderia nascer: a Terra, o cen- cado no próprio infinito.
tro do universo.

Através da delimitação
Ruptura com a antiga produz-se a diversidade.
noção

O infinito é, ele próprio, Deus. A


É quase um milagre que Nicolau alma do mundo é a onipresença de
Copérnico tenha tido uma morte na- Deus no espaço, enquanto espaço.
tural, pois a Inquisição, mais tarde, no Espaço é o princípio que dá força,
ano de 1616, inseriu seus escritos no energia, inteligência, substância e
Index. forma. O espaço é uno, o perfeito
Copérnico lançou os fundamentos um. Ele é a alma do mundo. Tudo
para a assim chamada concepção he- veio a ser através dele e, por isso,
liocêntrica do mundo. Para ele, esta- tudo, por mais diverso que seja, no
va claro que a Terra e os outros pla- fundo é um. Através do mistério da
netas giram em torno do Sol, e que, delimitação produz-se a diversidade.
portanto, a Terra não é o centro do O mistério da interminável diferen-
universo. O movimento aparente dos ciação resulta na infinita diversidade.
corpos celestes em torno da Terra Quem sai da existência ilusória na
existe apenas porque a Terra gira em limitação experimenta a unidade
torno de si mesma. Como se sabe, absoluta. De acordo com Bruno isso
Helios é a palavra grega para Sol. He- é a consumação.
liocêntrico significa: O Sol é o centro Em muitos aspectos Bruno estava
do universo e tudo gira em torno de- adiante de seu tempo. Porém muito
le. Isto é, com efeito, uma ruptura do que ele disse e escreveu não soa es-
com a antiga visão de mundo, mas tranho para os homens de nosso tem-
também ainda aqui o Sol é o centro po graças à moderna ciência natural.
imóvel do universo. Especialistas em Física nuclear e
Bruno baseou-se nas afirmações de quântica ensinam-nos que a matéria
Copérnico, porém, foi mais longe. E a sólida não é outra coisa senão energia
ruptura que Bruno causou não era numa determinada condição. A maté-
mais aceitável para a Igreja. De acordo ria sólida não tem existência própria.
com ele, o espaço universal é infinito. Através de pesquisas no espaço sideral
Mas o infinito não pode ter centro e é demonstrado que existem centenas
não pode ser determinado através de de bilhões de sistemas galácticos numa
coordenadas. Todo lugar no infinito é extensão que ultrapassa toda a imagi-
um centro e cada um dos corpos celes- nação. E, mesmo assim, para Bruno
tes é centro. E não apenas isso: tam- havia mais, muito mais. Alguns de

24
seus pensamentos foram confirmados tro de todo corpo celeste vibra e atua
por resultados de pesquisas atuais. a força vivificadora, diretriz e pro-
pulsora. Todo corpo celeste é centro
no infinito. Naturalmente todas as
Por isso tudo é animado forças estão em ação recíproca umas
em relação às outras, mas cada corpo
celeste, cada criatura vive e se movi-
Porém, sua visão ainda ia mais além. menta a partir de seu núcleo. E a
Para ele, a alma do mundo, o espaço fonte de tudo isso é a alma do mundo
universal, é a unidade e não conhece que está radicada no infinito, na uni-
vazio em si mesma. Ela é plenitude o- dade.
nipresente, inteligência, consciência. E
por isso, tudo é animado, sem dúvida
de diversas formas, em diversos graus, Quem não compreende o um, não
mas, animado. Sem essa animação compreende nada
nada pode existir.
Existem hoje cientistas que partem
do pressuposto de que realmente não Bruno escreve no diálogo Sobre a
há espaço vazio. Toda essa negridão Causa, o Princípio e a Unidade: O u-
que se vê à noite entre as estrelas é niverso, portanto, é um infinito imó-
energia, de acordo com eles. Um cen- vel. Uma é a possibilidade absoluta,
tímetro cúbico do assim chamado es- uma é a verdade, uma a forma ou
paço vazio contém tanta energia que, alma, uma a matéria ou corpo. Uma é
com ela, poder-se-ia aquecer até o a causa, uma a substância. Um é o
ponto de ebulição toda a água da Ter- maior e o melhor, que não se pode
ra, ou seja, todos os oceanos, mares e jamais melhor compreender e, por essa
rios. Fala-se aqui de partículas que razão, é indeterminável e ilimitável e,
viajam em velocidade superior à da também por isso, ilimitado e indeter-
luz, os táquions, e de energia em minado e, assim, imóvel.
ponto neutro. Naturalmente tudo Nos mesmos escritos consta a se-
isso ainda são hipóteses e teorias. guinte citação: Pois como o homem
Permanecem pontos de interrogação. que não compreende o Um não com-
Mas o cientista Stephen Hawkins é o- preende nada, assim compreende tudo
timista. No prólogo de seu livro O aquele que realmente compreende o
universo, escrito em 1988, diz ele: Um. E quem chega ao conhecimento
«Dentro de alguns anos saberemos se do Um, chega ao conhecimento do
podemos acreditar que estamos vi- Todo.
vendo num universo que está retroce- O filósofo alemão Ernst Bloch
dendo em si mesmo, sem começo nem designou Bruno como um «Menestrel
fim.» do Infinito». E há dois séculos Hegel
Para Bruno, não há dúvida de que designou Bruno como um cometa
a alma do mundo existe, que o infini- que, numa guinada, saiu da órbita pla-
to campo de energia e consciência netária da filosofia elementar erudita,
existe. De acordo com ele, no centro mas regressaria dentro de três séculos.
de cada corpo celeste encontra-se Depois de Hegel, em futuro próximo,
uma concentração especial dessa os conhecimentos de Bruno encontra-
alma do mundo e, portanto, todo rão acolhida no pensamento e na
planeta e todo sol são colocados em consciência dos homens. Talvez seja
movimento pelo seu núcleo. No cen- realmente assim.

25
Eterna é a força elementar
que atua em cada átomo

Chamam a atenção mais algumas


pistas que o pensador e poeta italiano,
com seu entendimento visionário e
seu coração ardente, legou à humani-
dade. Foram extraídas, em essência, de
seus escritos De Immensio (em latim),
A Expulsão da Besta Triunfante e Da
Paixão Heróica (em italiano) e aqui
traduzidos em linguagem moderna.
Os mundos, diz Bruno, os sistemas do
mundo e todas as criaturas visíveis es-
tão constantemente em movimento,
são mutáveis e transitórios. Eterna é
apenas a energia criadora da qual tudo
proveio. Eterna é a força elementar
que atua em cada átomo. Porém, as
respectivas constelações, combina-
ções, formas e imagens são mutáveis. expressão do infinito no homem. Um
No infinito e através dele irradia a princípio espiritual com liberdade de
inteligência divina onipresente. Ela é escolha.
oni-energia e oni-substância ao mes- O mundo material resulta da com-
mo tempo. Esse potencial primário di- posição variável de átomos, de mô-
ferencia-se sempre numa infinidade de nadas mais ou menos latentes. Às
unidades. No plano material elas são vezes, Bruno denomina-o mundo
os átomos ou, em escala ainda menor, das sombras. Assim como os corpos
unidades de energia subatômica. No celestes seguem sua trajetória, o
plano da alma e do espírito, Bruno dá núcleo da essência do homem segue
a essas unidades o nome de «môna- sua trajetória pelo mundo material.
das». A diferença entre mônadas e á- O objetivo dessa viagem de evolução
tomos é apenas de gradação: ela só é que o princípio espiritual no ho-
vale em relação à sua condição inte- mem torne-se conscientemente um
rior. Poderíamos dizer: uma diferença com sua origem, com a inteligência
na concentração de potencial elemen- divina ou verdade divina.
tar ou oni-inteligência. Para Bruno, o homem que real-
mente procura pela verdade é um
herói. A palavra grega heros significa
O mundo das sombras filho de deus, semideus, herói. Por-
tanto, o homem é um semideus! Di-
vino e eterno em virtude de seu nú-
O núcleo do ser humano é uma mô- cleo espiritual, transitório em virtude
nada espiritual, uma unidade, não uma de sua forma e manifestação. Meio
constelação ou composição de outras divino, meio mortal! O homem que
Página de rosto
dos “Escritos
unidades e, por esse motivo, não é intrepidamente trilha seu caminho
Heróicos” de passageiro. A mônada espiritual é a para a verdade infinita é um herói
Giordano Bruno concentração de inteligência divina, a pois ele domina a si mesmo. Ele sub-

26
juga em si o que é mortal, o que o Diana. É o momento da transforma- Acteão, sob
separa da verdade divina. ção total. Do caçador provém a caça; forma humana,
atacado pelos
do buscador, o buscado ou, como
cães de Árte-
também freqüentemente é dito, o que mis. Relevo
Profundamente tocado por contempla é o contemplado. sobre pedra
sua beleza calcária, de um
templo grego
em Selinonte,
A origem reencontrada
Sicília
Em seus escritos Da paixão heróica,
Bruno conta a seguinte história da
mitologia grega: Acteão, neto do rei Na caça ao divino, ao oniabarcan-
de Tebas, está caçando com seus cães te, o próprio homem, enfim, é caçado
numa floresta quase impenetrável. pelo divino e totalmente possuído
Levado pelo desejo de obter o troféu por ele. O núcleo espiritual do
de caça, aproxima-se de uma clareira, homem reencontrou sua origem.
sem o saber. Nesse lugar havia uma Torna-se conscientemente um com
lagoa onde Ártemis, a deusa da caça, ela. E com isso o homem transforma-
estava justamente tomando banho. se. Acteão torna-se um cervo. Ergue-
Acteão, o caçador, espia através dos se do ser humano terreno e, por
arbustos que cercavam a água e vê assim dizer, abandona o mundo
Ártemis em companhia de algumas comum. Entrega-se à floresta, à soli-
virgens sem roupas e túnicas. Pro- dão. Ao final também se ergue desse
fundamente tocado por sua beleza, ele estado. Torna-se livre de todos os
entra em êxtase. Mas as virgens desco- laços, confusões e ilusões dos senti-
brem-no e, com grande gritaria, ad- dos. É libertado do cárcere da exis-
vertem Ártemis de sua presença. En- tência física, o que é simbolizado pela
tão, a deusa asperge Acteão com água. morte. Não é uma morte literal, mas
No instante em que a água o toca, o
caçador transforma-se num cervo e
foge na mata espessa. Do caçador pro-
vém a caça. Os cães saem atrás dele e,
enfiando-lhe os dentes na garganta,
abatem-no.
Singular é a interpretação que Bru-
no dá a esse mito. Há muitos tipos de
caçadores: caçador de felicidade, de
fama, poder e prazer, caçador de bens
terrenos, caçador de conhecimento.
No entanto, existe também o caçador
da verdade divina, o herói. Em sua
busca, ele entra numa floresta quase
impenetrável, entra em si mesmo, em
seu ser terreno caótico, mortal. Os
cães simbolizam seu pensamento e sua
vontade, dos quais ele precisa, pelo
menos no início, para ir em persegui-
ção à sua meta. E então chega o mara-
vilhoso instante em que o herói pode
olhar o mistério, a divina Ártemis,

27
uma morte mística, a transformação pendimento é uma virtude. Asseme-
interior e exterior total. lha-se a um cisne. Não ousa erguer-se
Aquele que contempla e o contem- porque a consciência de sua degrada-
plado são um, agora. Não há mais flo- ção prende-o ao chão. Por isso afasta-
resta, nem arbustos colocando-se en- se da terra e procura a água. A água é
tre o buscador e o buscado. A caça a lágrima derramada pela consciência.
chegou ao fim; o caçador desapareceu. E nessa água o cisne tenta purificar-se
A essência espiritual do homem unifi- para tornar-se igual à imaculada e al-
cou-se com a grande mônada primor- va inocência.
dial, o ser infinito, o ego infinito. O cisne ou a alma volta-se para si
mesma. Ela lembra-se de sua herança
sublime e no princípio, ainda vacilan-
Esta dor é o aguilhão do te, começa a distanciar-se de todo o
arrependimento mal. Agora crescem-lhe asas de novo,
ela eleva-se, é aquecida pelo sol e arde
de amor pelo divino. Assim, torna-se
Em seu escrito A Expulsão da Besta etérea e transforma-se em seu próprio
Triunfante, Bruno exprime em outro ser primordial. Enganos e pecados
bonito quadro a viagem do homem de também podem ter sido a causa de seu
sua existência terrena para o seu ver- arrependimento. Agora chamo a alma
dadeiro destino. Ele compara o ho- de rosa púrpura, crescendo em meio a
O cisne,
mem a um cisne que, no recôndito de agudos espinhos. Chamo-a de centelha
ou a alma,
recolhe-se em
seu ser, sente dor e arrependimento reluzente que, desprendida do duro
si mesmo. Foto pela sua prisão terrena. Esta dor é o seixo, eleva-se para o sol do qual é
Pentagrama aguilhão do arrependimento. O arre- interiormente aparentada.

28
«Porque onde estiverem dois ou
três reunidos em Meu nome, ali estou
no meio deles» (Mat. 18:20)

Cada homem constitui um campo ele. Porém a roda gira e o que estava
de energia. Quando esses campos em baixo vai para cima e o que estava
se juntam em grande número, for- no topo cava agora seu infortúnio. As-
ma-se um grande e potente campo sim, realmente não há nada de novo de-
de energia. Toda reunião entre pes- baixo do sol. Somente as formas se al-
soas, seja ela de familiares ou ami- teram e se adaptam à humanidade onde
gos, importantes grupos econômi- quer que ela se encontre na sua peregri-
cos ou científicos, ou ainda de par- nação através do universo.
tidos políticos, representa um con-
junto de campos de energia que se
reforçam mutuamente e onde os SINTONIZAR A NATUREZA
participantes usufruem de seu po- DO PROTO-ÁTOMO
tencial. Durante manifestações po-
líticas, greves, competições esporti- Quando alguém no caminho
vas, vemos muitas vezes esse po- joanino caminha em autodoação,
tencial tornar-se um campo de ten- em sentido perfeito, atrai para
são de imenso poder. si uma grande energia, a fonte de
energia da Gnosis. Essa energia,
em um dado momento, inflamará
Semelhantes campos de energia coleti- completamente o proto-átomo
vos são criações da vida em sociedade. até surgir uma reação em cadeia.
Sua natureza estritamente humana pri- Isso quer dizer que essa reação
va-os da sabedoria divina. Eles cons- em cadeia colocará todos os
troem hierarquias baseadas no medo da átomos da personalidade em
vida, no medo da morte, no medo dos harmonia com a natureza do
outros. Uma vez criados e submetidos proto-átomo. O ser humano
a leis magnéticas, semelhantes campos capaz de desencadear uma tal
atraem tudo o que necessitam e repe- reação atou a rosa à cruz. O que
lem aquilo com o que não têm afinida- quer dizer: uma rosa vermelha,
de. Sua estrutura parasítica os obriga a desabrochada e ardente. Ele
se manterem às custas de seus criadores tornou-se um rosacruz.
e de seus mantenedores. Além disso,
eles são expostos a flutuações ocasio-
nadas pelas mudanças de padrões de Die Gnostischen Mysterien der Pistis
radiação do macrocosmo, do cosmo e Sophia, Jan van Rijckenborgh, Rozekruis
do microcosmo. Expandindo-se e con- Pers, Haarlem, 1992.
traindo-se, a energia ondula, vai e vem. (Os Mistérios Gnósticos da Pistis Sophia,
O forte domina o fraco e sobrevive a Jan van Rijckenborgh)
Representação de Diz-se que é sábio afastar-se do naturais. Pelo menos não com uma
um campo magné- circuito da fatalidade. Muitos tenta- perspectiva única, durável e liberta-
tico com suas ram e se retiraram nos cumes de dora.
forças de atração
montanhas, grutas ou regiões afasta-
e repulsão. NASA
das. Ainda que não fosse por ideais
espirituais, quiseram deixar seu país O Amor não rouba nenhuma
e o pesado jugo de suas leis. No en- energia, mas se entrega de modo
tanto, onde quer que vá, o ser huma- desinteressado
no leva consigo a si mesmo. E ele
mesmo é a origem de seus próprios
problemas, possibilidades e impossi- O campo de energia divino e eter-
bilidades. É por isso que ele não po- no toca o mundo dos homens com o
de fugir, subtraindo-se aos processos Amor incondicional. E a característi-
ca desse Amor é que ele se doa a Entrar numa nova curva
todos, como o sol que brilha para to- evolutiva
das as criaturas. A força desse Amor
aumenta à medida que mais seres hu-
manos começam a procurá-lo. Eles Assim chega o tempo de muitos se
não se deixam mais desencaminhar libertarem dos valores e normas
por autoridades mais ou menos bem impostos, de encontrarem um novo
intencionadas. Eles clamam pelo sentido para a vida. O tempo chegou
Amor, imploram por Ele, sorvem-no em que muitos se preparam para aju-
e assim podem sentir uma intensa dar outros a encontrar o caminho e a
ajuda no seu caminho de libertação orientar suas vidas. A história já viveu
espiritual. O Amor não rouba ne- momentos como este. Eles testemu-
nhuma energia, mas se entrega de nham da glória e da riqueza desses
modo desinteressado. Ele somente encontros bem como da incompreen-
tem por objetivo alimentar a cente- são e das forças que tentam opor-se a
lha do fogo divino no coração huma- esse sublime momento da manifesta-
no até que ela possa irromper na al- ção divina em Amor, Sabedoria e
ma desenvolvida. O Amor mostra Força.
não somente a estrutura e o plano de Que aqueles que se dão as mãos
desenvolvimento do macrocosmo, para entrar na nova curva evolutiva
mas confere ao ser humano também não sejam perturbados por aqueles
a força para segui-lo, cooperar com que ainda não reconheceram o cami-
ele, esquecendo seus próprios inte- nho, que não querem segui-lo. Que
resses. muitos possam caminhar juntos na
Quando seres humanos se encon- senda ascendente.
tram mutuamente no mesmo cami-
nho, eles juntam suas forças. Eles for-
mam juntos um amplo campo de li-
bertação, alimentando e renovando a
energia que irradia para todos os que
necessitam dela. Um campo de energia
como esse existe e todo o buscador da
Verdade pode encontrá-lo. Após todo
o seu jornadear através da natureza,
ele sabe, do mais profundo de seu ser,
como pode alcançar e adentrar um tal
campo, pois ele o atraiu, o chamou em
seu caminho de vida. E é unicamente o
que ele precisa fazer, esquecendo de si
mesmo para compreender da justa
maneira o chamado e a força de atra-
ção. E corresponder a eles. Então, ele
cooperará na construção de um sem-
pre crescente campo de energia divi-
no-humana onde a alma doente pode
recuperar-se e vencer a morte.

31
O ser de Deus é como um círculo

O ser de Deus é como um círculo. meditação. Em catedrais, igrejas e


Quanto mais para ele se olha, mais mesquitas, elas têm uma função idên-
se aprende sobre sua forma. E tica. Através de sua estrutura e da
quanto mais se aprende, maior é a coloração escolhida, elas irradiam
alegria que nesse círculo se tem, uma atmosfera que põe o freqüenta-
escreveu o filósofo Jacob Boehme dor da casa de oração em determinado
no ano de 1612. estado de ânimo. Uma forma popular
daí derivada são mandalas impressas
que, então, podem ser coloridas.
E m sânscrito, o círculo é chamado Atualmente são, com freqüência,
mandala. Hindus e budistas usam man- empregadas como recurso em escolas,
dalas ou desenhos místicos de formas em testes e tratamentos psicológicos.
circulares como recurso auxiliar na me- Desse modo, com as crianças, conse-
ditação. A propósito, o conceito man- gue-se certa forma de meditação ou
dala faz alusão às dez partes dos Vedas. tranqüilização inteiramente direciona-
Com o reavivamento do ideário espiri- da para a obtenção de um equilíbrio
tual oriental no ocidente, a mandala na personalidade.
tornou-se, também aqui, um recurso Clarividentes constataram que a
popular para a meditação e a redução rosácea apresenta grande concordân-
do stress. Porém, o círculo não é ape- cia com os chacras do homem. A
nas um símbolo hindu ou budista, mas rosácea da fachada sul da Catedral de
aparece em todas as religiões e culturas, Chartres, na França, tem a estrutura
eventualmente com outro nome ou
objetivo. As famosas catedrais da Fran-
ça têm janelas redondas denominadas
rosáceas. Em mesquitas, muitas vezes, FORTALECIMENTO DA
paredes e tetos são ricamente decora- LIGAÇÃO COM A
dos em toda a sua volta com textos do NATUREZA
Alcorão. Os celtas confeccionavam
suas complexas obras de trançagem em Três rosáceas com elevado
padrões circulares e, assim, simboliza- poder mágico estão localizadas
vam o movimento eterno. Além disso, nas duas naves e na galeria acima
padrões circulares aparecem em lugares do órgão da Notre-Dame, em
de maior ou menor destaque como Paris. Essas três rosáceas atuam
grades de ferro batido, louças, capas de conjuntamente sobre os três
livro, motivos em ladrilhos e também santuários dos corpos dos fre-
na natureza, como por exemplo, na qüentadores. Através da visão
rosa ou no lótus. etérica, vê-se claramente que
elas giram como os ponteiros
do relógio, da esquerda para a
A mandala como ponto de direita. Esta influência ocasiona
concentração uma forte ligação do público
com o campo de força da
igreja.
Para hindus e budistas, a mandala
serve como ponto de concentração na (A Grande Revolução)

32
Kokori-no-kaga-
mi, o espelho do
coração. A roda
da vida do budis-
mo japonês com
seus dez estados
de renascimento

do chacra coronário com as doze Uma evolução sem começo


pétalas no centro. O chacra laríngeo ou fim
e o chacra do coração são apresenta-
dos nas rosáceas da Catedral de
Notre-Dame, em Paris, estando o O círculo simboliza o eterno por-
cardíaco, com doze pétalas, na janela que ele é sem começo e sem fim. Jacob
do oeste e o laríngeo, com dezesseis Boehme escreveu que o ser de Deus é
pétalas, na do norte. Esta última como um círculo. Essa informação
«rosa» é designada também como não deve ser tomada como definição,
«janela dos alquimistas». Isso é com- pois Boehme descreveu suas observa-
preensível no que diz respeito ao sig- ções como «o ver a Deus», assim
nificado dos chacras posto que o como também descreveu o profeta
chacra laríngeo é a porta da energia Ezequiel em Ez., 1: 20, 26 e 28: Para
criadora com a qual o ouro, a alma onde o espírito queria ir, iam; pois o
divina que pode estabelecer a ligação espírito os impelia; e as rodas se eleva-
com a vida divina, deve ser prepara- vam defronte deles, porque o espírito
do pelos alquimistas. da criatura vivente estava nas rodas.

33
arco que aparece na nuvem no dia da
chuva, assim era o aspecto do resplen-
dor em redor. Este era o aspecto da
semelhança da glória do Senhor.
Nas descrições de Ezequiel, círcu-
los e rodas exercem um papel impor-
tante. Surge então a pergunta se tam-
bém o homem pode ser comparado a
um círculo. Essa idéia é ainda fortale-
cida pelas palavras do Gênesis 1:26:
Também disse Deus: Façamos o
homem à nossa imagem, conforme a
nossa semelhança. Visto exteriormen-
te, o homem pouco se assemelha a um
círculo. Porém os rosacruzes descre-
vem o homem como um microcosmo,
[...] E por cima do firmamento, que como uma imagem esférica da vida na
estava por cima de sua cabeça, havia qual se manifestam os diferentes cor-
uma semelhança de trono como de pos da personalidade. E Max Heindel
uma safira; e, sobre a semelhança de escreve na sua cosmologia que o
trono, havia como que a semelhança homem, ao final de sua evolução, tor-
de um homem [...] Como o aspecto do nará a ter uma imagem circular.

QUE SÃO CHACRAS? giram no sentido dos ponteiros do


relógio, da esquerda para a direita,
Os sete chacras do homem não e atraem, em consonância com o
podem ser denominados estado interno do homem, diversas
especificamente como materiais, forças astrais que, convertidas em
pois eles interpenetram toda a éter por meio do movimento
personalidade. Segundo o aspecto rotativo, alcançam todo o sistema
físico, eles apresentam estado físico mediante o corpo etérico.
gasoso; além disso, são de natureza Além desses sete chacras principais,
etérica e, finalmente, eles penetram existem ainda, no mínimo,
também o corpo astral. A pineal, quarenta e dois menores, que, em
este órgão singular, constitui conjunto, formam uma grande
exceção. Trata-se de uma glândula rede de sete vezes sete centros
de secreção interna que se encontra de força.
fisicamente no santuário da cabeça, Compreendereis, portanto, que o
e está simultaneamente ligada ao corpo astral, o etérico e o físico
chacra do alto da cabeça. Daí sua estão intimamente ligados um ao
poderosa irradiação. outro e que, por intermédio dessa
Projeto de ligação, o estado astral é também o
rosácea para a Cada um desses chacras, também estado etérico numa fração de
Catedral de segundo, e o estado etérico é, ao
conhecidos como rodas, possui
Lausanne Villard
de Honnecourt.
individualmente tarefa específica e mesmo tempo, o material.
Por volta de está em movimento contínuo.
1225-1250 Vistos de dentro para fora, eles (A Arquignosis Egípcia)
Leonardo da Vinci desenhou o
homem em pé num círculo.

Que efeitos têm o trabalho


com mandalas?

Pode-se fazer as próprias mandalas,


mas também se pode comprá-las e
colorir. O sublime significado do cír-
culo, muitas vezes, desperta grandes mente – contém o grande perigo de Três estágios
expectativas naqueles que se ocupam fazer a ligação com forças que não do corpo humano.
conhecemos e das quais, numa análise No futuro, a
com mandalas, mesmo que, no mais
Consciência se
das vezes, não estejam conscientes de mais profunda, talvez prefiramos ver- situará no meio.
seu verdadeiro significado! Para eles é nos livres. Colorir mandalas impres- Extraído de A
uma imagem da harmonia e da pureza sas parece aborrecido. Mas, para pes- cosmogonia dos
na qual parecem dissolver-se todos os soas exaltadas, comprova-se uma boa Rosacruzes ou
antagonismos da vida diária. Será que terapia e muitos encontram a tão Filosofia Mística
Cristã. Max
através do simples colorir tais figuras necessária tranqüilidade e concentra- Heindel.
estabelecemos uma ligação com o ção, mesmo passageiras, através de
criador? Será que assim podemos pequenos trabalhos como esse. Como
vivenciar Deus? foi dito, esse recurso é também muito
Aquele que faz, ele próprio, uma usado nas aulas, para ensinar a crian-
mandala, faz com o auxílio de imagens ças hiperativas como conseguir relaxar
que emergem do consciente e do e concentrar-se.
inconsciente. Elas podem ter uma Contudo, é também sabido que
interpretação psicológica. O psicólo- todas as formas com as quais o
go C. G. Jung dedicou-se intensiva- homem se envolve atuam sobre ele.
mente a isso. A representação da cons- Pois esta é também a função das rosá-
ciência – consciente ou inconsciente- ceas nas igrejas e catedrais assim como
os motivos circulares nas mesquitas.
No entanto, a espécie de influência
depende da mensagem que aquele que
as fez introduziu em seus motivos.
Quanto maiores e mais sublimes, mais
imponente é o efeito. Quanto mais
ocultas elas são, mais as almas ficam
ligadas. Por isso surge mais uma per-
gunta: Pode uma forma tão especial
como a do círculo realmente elevar o
homem a Deus e levá-lo à iluminação?
Para aqueles que a isso respondem
muito rapidamente sim ou não, é im-
portante verificar primeiro o que eles Cruz celta com
realmente entendem por iluminação. motivos de
nós. Por volta do
Pois o que para uns significa uma ilu- século VIII d.C.
minação, para outros talvez seja ape- Manse, Glamis,
nas um passo no caminho para a ilu- Angus, Escócia.

35
minação. Cada fase da renovação da quarto, meu olhar recaiu sobre um
consciência pode ser considerada prato de estanho polido que refletia a
como iluminação. Porém, a ilumina- luz do sol com tanto esplendor que
ção definitiva, ou seja, tornar-se uno entrei num êxtase interior e parecia-
com a Gnosis, exige o desaparecimen- me que podia compreender os mais
to total da consciência que experimen- profundos princípios e fundamentos
ta a iluminação, pois tornar-se uno é a das coisas.
unificação da alma renascida, renova- Algumas mandalas são tão harmô-
da, com o espírito primordial. E todas nicas em apresentação e cores que
as fases nesse caminho sempre estão lembram ao observador um mundo de
ligadas à roda da vida e da morte ainda paz e harmonia do qual a alma outro-
que seja em nível cada vez mais eleva- ra proveio. Se essa recordação o levar
do. Assim, um diz que vai ser ilumina- à busca, a porta para o reino de Deus
do pelo canto de um pássaro, outro pode ser novamente aberta para ele.
O fotógrafo
através das cores da madeira úmida ou Então a recordação o terá ajudado a
russo Kirlian fez
este instantâneo através da dedicação total a seu traba- extrair a energia necessária para o
do corpo etérico lho. Também Jacob Boehme falava de retorno.
de uma flor. iluminação: Um dia, sentado em meu A figura na lápide do sepulcro de

36
Boehme consiste em grupos de semi- fo alemão mostra a realidade na qual O globo do
círculos. É uma forma rara pois verda- vive o homem: um mundo do relativo filósofo ou o olho
da eternidade. Jacob
deiras mandalas são círculos fechados. bem e mal que é isolado do mundo do
Boehme
No entanto, a forma aberta aparece fogo e da luz. Esta imagem também é
em dédalos e labirintos. São dois sím- utilizada no budismo.
bolos que confrontam o homem com Quando monges budistas fazem
o objetivo de sua existência. Os cami- uma mandala eles a terminam e var-
nhos transitórios e inextricáveis deste rem uma parte da representação. Com
mundo são evocados pelo dédalo. No isso mostram que este mundo não é
labirinto, porém, existe um caminho perfeito e que ainda deve haver algo
que, uma vez encetado, conduz ao mais. Isso significa que uma mandala,
centro. Essa representação simboliza por mais sublime que seja, não pode
também o caminho da libertação do ligar o homem ao mundo divino. Para
mundo dos opostos. Os dois elemen- estabelecer esse vínculo o homem
tos estão representados no símbolo da deve primeiro se transformar em seu
lápide de Boehme. No círculo fechado ser mais profundo. O fogo profano
encontram-se dois semicírculos: na dentro dele deve ser apagado para que
eternidade manifesta-se o tempo. possa ser aceso o fogo sagrado pri-
Além disso, um semicírculo é escuro e mordial.
o outro é claro. Boehme distingue
nitidamente os três princípios da vida. FONTES:
O primeiro princípio é o fogo – Deus,
o Pai – o círculo grande. O semicírcu- Jan van Rijckenborgh e Catharose de Petri,
lo claro simboliza o segundo princí- A Grande Revolução, Lectorium
pio, a luz – é Deus, o Filho. O mundo Rosicrucianum, São Paulo, 1986, p.7.
visível é o terceiro princípio, uma ação Jan van Rijckenborgh, A Arquignosis Egípcia,
conjunta profana de fogo e luz. Dessa Tomo IV, Lectorium Rosicrucianum, São
maneira Boehme afirma que Deus não Paulo, 1991, p. 66.
é a fonte do relativo bem e mal, mas Jacob Boehme, Symposionreeks, Rozekruis
que a criatura provoca esses atributos Pers, Haarlem, 2001, p.13,14.
como conseqüência da própria vonta- P.D. Ouspensky, Tertium Organum, Servire,
de, o círculo escuro. 1990, p.244.
Este mundo profano é um reflexo
do mundo divino mesmo estando
separado dele. Mas a cruz e o coração
ligam estes dois mundos pois no cora-
ção vive a lembrança do mundo divi-
no. Para Boehme, o coração também
simboliza o olho de Deus. Para renas-
cer no mundo sagrado do fogo e da
luz, o homem precisa despedir-se do
mundo profano, assim escreve Jacob
Boehme. A vívida lembrança no cora-
ção atrai novas forças com as quais o
homem pode despedir-se do mundo
profano.
Com essa esfera filosófica – como é
chamada essa representação numa
publicação de 1647 – o famoso filóso-

37
Sombras mantêm o homem aprisionado

No capítulo 7, vers. 15 de sua Car- individual ainda não está muito


ta aos Romanos, Paulo escreve: desenvolvida, a consciência de grupo
«O que quero, isso não faço; mas o atua de forma determinante. Em tais
que aborreço, isso faço.» Estas pa- comunidades, desgraças e doenças
lavras mostram que no homem se muitas vezes são encaradas como pra-
manifestam duas forças contrá- gas e julgamentos pelos quais todo o
rias. Elas apontam para a luta en- grupo é atingido. Esta correlação é
tre o homem e os ameaçadores es- explicada por elementos do grupo
pectros que emanam do seu assim com sensibilidade etérica que podem
chamado eu superior. Em nume- estabelecer contato com as regiões
rosas lendas e mitos essa força invisíveis. Na filosofia da Rosacruz
antagônica é denominada o guar- estas regiões são designadas como
dião do umbral. esfera refletora, porque ali está refleti-
da toda a conduta humana.
Nessas comunidades acredita-se
A humanidade atual é uma mescla que desgraças e doenças acontecem
de um grande número de raças e porque o povo não cumpriu as exigên-
povos. Alguns grupos ainda conser- cias dos deuses. A natureza e seus pro-
vam seus costumes tradicionais pecu- cessos não apenas são mitificados nes-
liares, outros perdem-nos gradativa- sas culturas, mas também apresenta-
mente e são absorvidos por formas dos simbolicamente como figuras ani-
culturais mais amplas. Povos orienta- mais, meio humanas ou humanas.
dos para a natureza e seus processos Esses deuses são responsáveis, por
vitais vivem ao lado de povos que exemplo, pela fertilidade, pelo tempo
baseiam seu padrão de vida em técni- ou pela trajetória celeste do sol e tam-
cas avançadas. Os primeiros pren- bém por terremotos, enchentes e
dem-se ao passado, os outros desejam outras catástrofes naturais. Os sábios
agarrar o futuro. Para aqueles, as de um povo desse tipo são consulta-
vivências de grupo são o ponto cen- dos nessas oportunidades. Eles expli-
tral, enquanto que os últimos são cam os fenômenos e mostram a seus
constituídos por pessoas individuali- consulentes como os deuses enfureci-
zadas que se distanciam cada vez mais dos podem ser abrandados através de
umas das outras. Onde a consciência sacrifícios e penitências.

38
A crença em destino e fatalidade Durante o mergulho no mundo O que um homem
é cultivada físico, o homem prendeu-se de manei- ajuntou não
ra cada vez mais firme à matéria gros- desempenha
nenhum papel no
seira e sutil. Ele se materializou cada último estágio de
Na mesma medida em que se desen- vez mais fortemente. Muitos chega- sua vida. Albert
volvem os corpos sutis do homem e sua ram agora ao ponto mais profundo da Hahn
individualização avança, também pro- materialização. Isto enrijeceu a forma
gride paulatinamente – como uma cria- através da qual o homem se expressa.
ção dele próprio – um deus pessoal na Os corpos mais refinados perdem sua
esfera refletora. Entre o homem e esse transparência através de uma vida
eu superior que o nutre e dirige, existe determinada pelo entendimento infe-
uma ação recíproca. Se o eu inferior – o rior. O homem orientado para o mun-
homem biológico – se comporta bem, do material aprendeu a usar sua razão
ele é recompensado com uma vida boa para regular e governar os processos
– assim se presume. Comportando-se vitais. Aí há uma grande diferença em
de modo desatento nesse aspecto, ele relação ao pensamento puro, original,
submerge no caos. A marcha das cir- que é uma faculdade com a qual a
cunstâncias torna o homem consciente sabedoria divina pode ser recebida,
de que ele engendra o seu próprio des- compreendida e empregada. Quando
tino. Este pode ser bom ou ruim, intei- o homem ainda não encontrou esse
ramente de acordo com seu comporta- caminho, ele tenta descobri-lo com o
mento. O destino ou a sorte confronta- auxílio da razão inferior. Ele vai per-
o inexoravelmente com as conseqüên- ceber, enfim, que também para esta
cias de seu procedimento. Com isso poderosa faculdade da razão há um
fecha-se o círculo. Mas também existe a limite nítido. O pensar terreno não
possibilidade de sair desse círculo. está habilitado para sondar os propó-
Porém, se o homem acredita que o des- sitos divinos.
tino ou a fatalidade não podem ser No início do século XIX, a humani-
rompidos em hipótese alguma, ele dade mergulhada na matéria chegou ao
torna sua prisão cada vez mais herméti- seu ponto mais profundo e também ao
ca até que não mais consegue escapar. momento de transição no seu desen-
Seu eu superior ou ser aural tem-no volvimento. Houve uma situação de
completamente sob seu domínio. crise. Uma separação delineou-se entre

39
dimensão. Ela devia tirar sua consciên-
cia da decadência e direcioná-la para
um arco ascendente de evolução.

Uma única sentença tinha o


comprimento de quarenta páginas!

Um impulso para a desmaterializa-


ção começou a atuar. Nas culturas oci-
dentais irromperam artistas com James
Joyce, Paul Klee, Wassily Kandinsky,
Pablo Picasso, Salvador Dali, Arnold
Schönberg e muitos outros que quebra-
ram os moldes da expressão clássica,
tanto artísticos como lingüísticos. Joy-
ce escrevia contos que consistiam em
sentenças e expressões que, de certo
modo, dissolviam o significado cons-
tante da idéia, fazendo passar desaper-
cebido o sentido literal das palavras.
Uma sentença como essa podia chegar a
ter o comprimento de quarenta pági-
nas! O movimento de Munique, cha-
mado «O cavaleiro azul», em torno de
Klee e Kandinsky, convertia as repre-
sentações realísticas do homem em
cores, formas e símbolos. A escola de
música de Viena, tendo como centro o
compositor Schönberg que desenvol-
veu o sistema de doze tons, teve grande
influência sobre a nova geração de
compositores. O jovem Albert Eins-
tein, que trabalhava em um escritório
de patentes, desfez as rígidas concep-
ções do homem sobre o mundo físico
com uma descrição revolucionária mui-
to precisa do universo na qual ele se
movia de um nível subatômico até a
dimensão macrocósmica. Ele relatou
que no interior da estrutura flexível do
tempo, energia converte-se em matéria
aqueles que procuravam um caminho e matéria converte-se de novo em ener-
de saída da matéria e aqueles que nela gia e que todas as coisas materiais vol-
Em 1905, se fixaram procurando segurança e tam ao grande «armazém» de energia
Albert Einstein acabaram ancorando-se mais profun- que é designado como universo.
apresenta a teo-
damente. Porém, no seu conjunto, a Em Viena, nos movimentos artístico
ria da relatividade
restrita e, em humanidade foi colocada diante de e científico, aparentemente indepen-
1916, a teoria da uma abertura, uma libertação da maté- dentes um do outro, deu-se ainda uma
relatividade geral. ria e uma subida para uma outra revolução de um tipo bem diferente.

40
Sigmund Freud, em geral conhecido
como pai da Psicologia moderna, es-
creveu que anjos e fantasmas eram ape- «O SENHOR É A TUA
nas produções das necessidades huma- SOMBRA À TUA DIREITA»
nas. Essas produções acompanhavam
então os homens e determinavam sua Na filosofia da Rosacruz o
vida e seu destino. Uma pessoa do cír- conceito de «sombra» tem um sig-
culo de Freud, Carl Gustav Jung, ela- nificado bem diferente, muito
borou um quadro do homem no qual positivo. Ele remete ao vínculo
acrescentou uma dimensão espiritual à com a luz primordial, como
percepção dos sentidos. Ele explicou as no salmo 121, na Bíblia. Através
condições de vida do homem não tanto desse vínculo, aquele que verda-
pelo destino e sexualidade, como deiramente busca a Deus pode
Freud, mas também pelo anseio huma- empregar a luz a serviço de seus
no por livrar-se da natureza. Para Jung, semelhantes. Essa sombra é, por-
essa era a razão do dilema em que se tanto, um campo de energia liber-
encontra a humanidade. Para alicerçar tadora que pode trazer a cura ao
suas teorias ele recorreu aos sistemas homem mergulhado na matéria. É
espirituais do oriente e do ocidente, um recurso, uma força. «Se a som-
como por exemplo, o gnosticismo e o bra pertencer a alguém que faça
budismo, ambos negados e reprimidos parte, conscientemente, da
durante séculos no ocidente. Jung par- Hierarquia (da Luz) e trabalhe a
tia do pressuposto de que os problemas seu serviço, terá seu possuidor
do homem originam-se em parte de seu “uma sombra à sua mão direita”,
anseio por libertação e, igualmente, de o que significa que ele pode, a
sua capacidade de criar uma «sombra», serviço da Luz, dispor positiva-
como ele a chamou. mente da força nele transmutada
O movimento New-Age continuou em bem espiritual», escreve Jan
desenvolvendo o conceito de sombra. van Rijckenborgh na sua obra
Cada um engendra sua sombra e é a- Filosofia Elementar da Rosacruz
companhado por ela por toda a vida, Moderna.
dizem seguidores de Jung. De acordo
com essa interpretação, cada um deve (Lectorium Rosicrucianum, Rio de
olhar nos olhos da sombra e aceitá-la Janeiro, 1960)
nesta vida ou numa encarnação futura.
O referido movimento tomou muito
das concepções de Jung e, com o auxílio
de seus pensamentos, desenvolveu uma homem-eu. Mas a unidade absoluta é
atividade prática e uma filosofia holísti- um equilíbrio superior. Ela só é acessível
ca. Porém, Jung havia escolhido conhe- para o homem que pode viver nesse
cimentos gnósticos como ponto de par- equilíbrio espiritual. Para isso, porém,
tida, o que tornava seu quadro de refe- ele precisa abandonar seu eu e despertar
rência mais abrangente do que o holísti- a alma imortal que é capaz de viver da
co, pois a visão de mundo holística parte unidade absoluta.
da harmonia dos opostos neste mundo e
não reconhece um mundo divino acima
deste, enquanto que o gnóstico reco- Banido para o lado sombrio da
nhece este mundo como universo relati- personalidade.
vo iluminado pela lei de uma unidade
absoluta mais elevada. A visão holística
mostra um equilíbrio aparente entre os O conceito de sombra na visão de
opostos terrenos, que é acessível ao mundo gnóstica contém um significa-

41
do bem diferente do que lhe deu Jung. te e aventureira ou viajam para países
De acordo com Jung, a sombra é for- distantes para fugir de si mesmas e de
mada pelo fato de que o homem, des- sua sombra. E assim, dinheiro, amor,
de a infância, aceita ou rejeita impres- necessidades e preferências sexuais,
sões. Por exemplo, uma criança faz tendências políticas e círculos de ami-
algo que é agradável para seus pais e gos podem determinar a vida do ho-
estes a recompensam. A recompensa mem. Isso mostra que muitos padrões
estimula a repetição desse comporta- de comportamento resultam do fato
mento bem recebido pelos outros que, de que o homem aspira ou imita ideais
dessa forma, é encorajado e cultivado. ou concepções negativas, justamente
Mas um comportamento pode causar para evitar sua sombra.
irritação e reações negativas e segue-se
uma punição. Esse comportamento é,
então, banido para o lado da sombra O homem apavora-se perante
ou o lado oculto da personalidade. seu subconsciente
Mesmo ficando escondido ali, ele con-
tinua sendo alimentado pela persona-
lidade, consciente ou inconsciente- Quem pensa e vive de modo liberal
mente. Assim o homem, desde jovem, pode facilmente rejeitar o ambiente ao
constrói sua própria prisão. redor tomando-o por primitivo, arro-
Quando adulto, o homem pode, gante, frio ou conservador. O conser-
por exemplo, evitar a pobreza porque vador pode, por outro lado, rejeitar o
antes foi pobre. Pode também evitar liberal considerando-o imaturo, ingê-
ou negar uma conduta imoral porque nuo, fraco de caráter. Porém, em am-
quer ser virtuoso. Se os pais não con- bos vive tanto uma como a outra ima-
seguirem proporcionar o necessário gem ideal, apenas num é uma metade
amor e calor, nem a orientação reque- que ele reprime e no outro é a metade
rida, isso pode dar origem à oposição inversa. Uma metade atua como som-
a seu modo de vida e serão evitadas, bra inconsciente e a parte dominante,
pelo jovem, situações que possam consciente, tenta escapar dessa som-
lembrar o passado. Quando na infân- bra em si mesmo e nos outros. Assim
cia teve uma vida instável, um adulto o homem apavora-se perante a parte
pode, por exemplo, evitar mudar o de sua personalidade que julga negati-
rumo de sua vida ou deixar o lugar va. Essa atitude determina suas per-
onde mora mesmo que isso possa sig- cepções e suas decisões.
nificar uma melhora nas suas condi- No entanto, como os opostos são
ções de vida. Assim o homem está dois aspectos da mesma coisa, a som-
sempre fugindo de sua sombra, das vi- bra, de vez em quando, olha de soslaio
vências negativas de sua infância. pelos cantos e a personalidade apavo-
Aquele que cuida de crianças sabe rada apressa-se a encobrir sua nudez.
que, em relação a elas, com freqüência, Aí pode entrar em cena uma forma ex-
toma decisões tentando evitar as suas tremada de reação, como por exem-
próprias deficiências antigas que lhe plo, o fundamentalismo. Mas também
foram penosas. O comportamento de pode acontecer uma completa revira-
fugir de sua própria sombra e cultivar volta. Por exemplo, muitos se volta-
seu próprio medo pode ser transferido ram para o cristianismo depois de se
para as crianças. terem entregado sem restrições ao
Mas também elas já estão fugindo sexo, às drogas, ao álcool, à criminali-
de sua própria sombra e moldando dade, etc. Esses elementos, agora tidos
seu próprio eu. Algumas deixam a ca- como negativos, formam neles uma
sa dos pais e mudam para longe, ou- nova sombra. E assim sua conversão
tras escolhem uma carreira desgastan- nada resolveu.

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Quando uma pessoa segue o cami- porção de decisões para poder seguir a
nho de uma Escola Espiritual sempre vereda da libertação interior. Não fal-
ocorrerão desmascaramentos de suas tarão situações com o intuito de tirar
sombras. Mas, se tudo caminhar bem, o homem desse caminho. Elas o com-
a personalidade anelante percorre nes- pelem a estar sempre atento para que
sa Escola uma senda de purificação in- possa prosseguir na senda.
terior e libertação. Em seu ego, ela se Quando a primeira decisão for to-
torna consciente das reações de sua mada, a primeira promessa à luz for
sombra nesse caminho. Não foge mais feita, nunca faltará energia e conheci-
do confronto e aprende a resolver seus mento para abrir as portas seguintes.
problemas através das forças anímicas Por mais fraca e imperfeita que seja a
que crescem em seu interior. nossa personalidade, o núcleo de luz
em seu interior está ligado à fonte pri-
mordial e é alimentado e dirigido por
Algumas decisões são ela. Talvez o buscador pense que o es-
requeridas tabelecimento dessa ligação e o estudo
fiel da doutrina da libertação o trans-
figurem com a rapidez de um relâm-
Tais pessoas são como sobreviven- pago. Mas esse processo exige tempo e
tes de um naufrágio. São atiradas em dedicação incondicional. Contudo, a
uma praia desconhecida. Estão exte- luz interior torna-se cada vez mais
nuadas, mas também absolutamente clara e os elementos com os quais a
positivas. Neste estágio não é estranho sombra está construída tornam-se co-
que cheguem à conclusão de que deve nhecidos, parte por parte. Daí resulta
haver grande mudança na vida que le- verdadeiro autoconhecimento que
vavam até então. O filme Cast-way, não é obtido a partir de um livro, mas
com Tom Hanks no papel principal, é da atividade prática da vida cotidiana
um bom exemplo disso. Muito do que libertadora.
foi recém-adquirido mostra-se valioso
e resiste, outras coisas perdem seu bri-
lho e só têm vida curta. As barras da grade da cela
Do mesmo modo seguem-se novas apenas ganham uma nova cor
experiências se o aluno voltar-se para
o caminho transfigurístico e, de forma
conseqüente, colocar o seu eu à luz Então se comprova também que
desmascaradora. Desenvolve-se, en- não faz sentido desenvolver e propor-
tão, um processo de purificação de cionar espaço ao oposto da sombra, o
dentro para fora. A personalidade ten- assim chamado bem. Com isso apenas
ta compreender esse processo. Com se inverte a polarização e as barras da
efeito, de início ela reage, no mais das grade da cela simplesmente ganham
vezes, com uma interpretação tipica- uma nova cor. Mas não desaparecem.
mente pessoal. Mas, paulatinamente, Trata-se de reconhecer a sombra do
ela aprende a dar suficiente liberdade passado na vida presente e no passado
ao ser de luz primordial dentro de si cármico e não mais alimentá-lo para
para que este possa evoluir. Dessa ma- que seja paulatinamente dissolvido
neira, esse ser de luz dissolve a som- pela luz da libertação. Dessa forma, o
bra, apoiado pela personalidade. A de- guardião do umbral retrocede.
cisão de entregar-se a esse ser de luz, à
nova alma, deve ser tomada absoluta-
mente por livre vontade. Não é apenas
uma decisão importante, mas o busca-
dor deverá continuar tomando uma

43
Os astrônomos avaliam o número de galáxias
como a Via Láctea em 400 bilhões, até agora.
Assim emudecemo-nos diante da grandiosidade
do mistério que aí está oculto. E que está oculto
também no homem! Daí provém sua busca,
seu anseio por conhecimento e sabedoria,
por investigação, por compreender
e abranger.

(Não pode ser o que não pode ser! Página 19)

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