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Módulo 304 - DRAMA 1

Problema 4
Leishmaniose Os organismos Leishmania ocorrem em duas formas:
extracelulares, promastigotas flagelados (comprimento
Abrangendo um complexo grupo de distúrbios, a de 10-20 μm) no inseto vetor, e intracelulares,
leishmaniose é causada por um protozoário amastigotas não flagelados (comprimento de 2-4 μm)
eucariótico, unicelular e intracelular obrigatório do no hospedeiro vertebrado, incluindo humanos.
gênero Leishmania e afeta principalmente o sistema
reticuloendotelial do hospedeiro. As espécies de
Leishmania produzem síndromes clínicas amplamente
variáveis, que vão de úlceras cutâneas autocuráveis à
doença visceral fatal. Essas síndromes se encaixam em
três grandes categorias: leishmaniose visceral (LV),
leishmaniose cutânea (LC) e leishmaniose da mucosa
(LM).

Etiologia e Ciclo de Vida


Figura 1 Distribuição mundial da leishmaniose humana
A leishmaniose é causada por cerca de 20 espécies do
gênero Leishmania, da ordem Kinetoplastida e da Os promastigotas são introduzidos pela probóscide
família Trypanosomatidae. Diversas espécies (“tromba”) do inseto fêmea na pele do hospedeiro
clinicamente importantes pertencem à subespécie vertebrado. Os neutrófilos predominam entre as células
Viannia. Os organismos são transmitidos por hospedeiras que inicialmente encontram e fagocitam os
mosquitos flebotomíneos do gênero Phlebotomus no promastigotas no local de entrada do parasita. Os
“Velho Mundo” (Ásia, África e Europa) e do gênero neutrófilos infectados podem sofrer apoptose e liberar
Lutzomyia no “Novo Mundo” (as Américas). A parasitas viáveis que são fagocitados por macrófagos,
transmissão pode ser antroponótica (i.e., o vetor ou as próprias células apoptóticas podem ser
transmite a infecção de humanos infectados para fagocitadas pelos macrófagos e células dendríticas. Os
humanos saudáveis) ou zoonótica (i.e., o vetor parasitas se multiplicam como amastigotas no interior
transmite a infecção do reservatório animal para os dos macrófagos, causando ruptura da célula com
humanos). A transmissão de homem para homem por invasão subsequente de outros macrófagos. Quando se
agulhas infectadas tem sido documentada em usuários alimentam em hospedeiros infectados, os insetos
de drogas intravenosas (IV) na região mediterrânea. A captam os amastigotas, que se transformam na forma
transmissão intrauterina para o feto raramente ocorre. flagelada no seu intestino médio posterior e se
multiplicam por divisão binária; em seguida, os
promastigotas migram para o intestino médio anterior
e poderão infectar um novo hospedeiro quando os
insetos realizarem novo repasto sanguíneo.

Figura 2 Ciclo de vida da Leishmania

Pedro Philippo
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Problema 4
Leishmaniose Tegumentar Americana animais domésticos, que podem ser nova fonte de
alimentação para os flebotomíneos
A leishmaniose tegumentar americana (LTA) é uma
doença infecciosa cutâneo-mucosa causada por No Distrito Federal, a Secretaria de Estado de Saúde
protozoários do gênero Leishmania, crônica, não (SES) registrou 40 casos confirmados de leishmaniose
contagiosa, transmitida por insetos flebotomíneos, tegumentar americana (LTA), até a SE nº 52 de 2018.
que, além de pele e mucosas, eventualmente afeta Dentre os 40 casos foram confirmados, 32 de residentes
cartilagens. do DF e oito de outras Unidades Federadas. Dos 40
casos confirmados, segundo o local provável de infecção
É doença de transmissão por vetores e, (LPI), 26 são importados, um autóctone (DF), sete
primordialmente, é uma zoonose que afeta diversos indeterminados e seis estão em investigação, ainda por
animais (roedores, canídeos, equinos, marsupiais, definir o LPI. A maior parte dos casos confirmados de
edentados), afetando secundariamente o homem. O leishmaniose tegumentar americana, 22,5%, infectou-
homem adquire a LTA ao entrar em contato com áreas se no estado de Goiás, seguido do estado Minas Gerais,
florestais onde ocorrem onzootias pelas Leishmanias. com 20% dos casos. Há registro de um caso importado
da Guiana Francesa.
Epidemiologia
Com exceção da Oceania, ocorre em todos os
continentes, sobretudo em países da África, do Oriente
Médio, da Europa mediterrânea e do subcontinente
indiano, manifestando-se por lesões ulceradas na pele, Figura 3 Número de casos confirmados e óbitos por leishmaniose
tegumentar americana, segundo classificação (DF, 2016 - 2018)
caracterizando a leishmaniose cutânea. Nas Américas,
configurando a leishmaniose tegumentar americana No Distrito Federal, a Secretaria de Estado de Saúde
(LTA), é relatada desde o Texas, EUA, até o norte da (SES) registrou sete casos confirmados de leishmaniose
Argentina, mas não há descrição de casos no Canadá, no tegumentar americana (LTA), até a SE nº 13 de 2019.
Uruguai e no Chile. A doença encontra-se em expansão Dentre os sete casos confirmados, quatro de residentes
no território brasileiro, onde é descrita em todos os do DF e três de outras Unidades Federadas. Dos sete
estados, com menor ocorrência em Santa Catarina e no casos confirmados, segundo o local provável de infecção
Rio Grande do Sul e maior prevalência nos estados da (LPI), cinco são importados e dois estão em
região Norte, no Maranhão e na Bahia. investigação, ainda por definir o LPI. As faixas etárias
Acomete mais homens que mulheres e mais adultos que mais registraram casos foram de 50 a 64 anos e 65
que crianças. Estima-se a prevalência no mundo de 12 a 79 anos, com 28,7% dos casos, respectivamente.
milhões de casos. Cera de 90% dos casos de
leishmaniose cutâneo-mucosa ocorrem no Brasil, na
Bolívia e no Peru, e cerca de 90% dos casos de
leishmaniose cutânea ocorrem no Brasil, no lrã, no
Afeganistão, no Peru, na Arábia Saudita e na Síria.

No aspecto ecoepidemiológico observa-se a doença


entre indivíduos que exercem atividades ou residem
Figura 4 Número de casos confirmados de leishmaniose tegumentar
em áreas de floresta ou próximo a elas, com ou sem americana por faixa etária (DF, 2019)
modificação do meio ambiente. Isso significa que tanto
pode acometer profissionais que atuam em Fontes de Infecção
prospecção como topógrafos, tratoristas e militares, e
garimpeiros e agricultores. Igualmente, pode atingir Já foram descritas infecções em animais e vários foram
residentes de conjuntos habitacionais construídos ou descritos como reservatórios, principalmente animais
ocupados em áreas próximas às matas primárias ou domésticos como cães, equinos e muares. Na
residuais, onde reservatórios e vetores são encontrados Amazônia, há alguns reservatórios mamíferos
e atraídos ao peridomicílio pela atividade humana. selvagens, como a preguiça real (Choloeps didactilus), o
Assim, o lixo doméstico pode atrair os vetores e os tamanduá (Tamanduá tetradactyla), a mucura ou
reservatórios para as cercanias das casas, bem como gambá (Didelphis marsupialis) e roedores selvagens.

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Problema 4
Agentes Causais ♣ Leishmania (V.) lainsoni: distribui-se pela Amazônia,
já tendo sido descrita no Pará e em Rondônia. Tem como
No Brasil, há 6 espécies de Leishmanias envolvidas na vetor a Lu. ubiquitalis.
etiologia da LTA, uma com subgênero Leishmania e 5
com subgênero Viannia. ♣ Leishmania (V.) naiffi: no Brasil, tem distribuição no
Amazonas e no Pará, além da Guiana Francesa. Causa
♣ Leishmania (Leishmania) amazonensis: distribui-se leishmaniose cutânea. Tem como vetores as espécies Ps.
pela Amazônia em florestas primárias e secundárias paraensis, Ps. ayrosi e Ps. squamiventris.
tipo várzea e igapó nos estados do Amazonas, Pará,
Rondônia e sudoeste do Maranhão (Amazônia), e nos ♣ Leishmania (V.) shawi: Relatada no estado do Pará,
estados da Bahia, Minas Gerais e Goiás. Também é tem como vetor a Lu. whitmani.
descrita na Colômbia, Paraguai, Bolívia, e Guiana
Patogênese
Francesa. Recentemente, foram descritos casos em
Mato Grosso do Sul, cuja variedade clinica não era A infecção por leishmânias, transmitida por insetos
tegumentar difusa, com a qual esta espécie é flebotomíneos, está intimamente associada ao ciclo
relacionada. evolutivo do parasito. O flebótomo adquire o parasito
ao sugar a pele de mamíferos, como cão e raposa, ou de
Pode ser responsável por formas cutâneas, cutâneo-
roedores silvestres que funcionam como reservatórios.
mucosa ou com a forma tegumentar difusa. O principal
Nos insetos infectados, as formas promastigotas de
vetor é a Lu. flavicutellata, inseto de hábitos noturnos,
leishmânia proliferam no trato digestivo e são
voo baixo e pouco antropofilico, e a Lu. olmeca no
regurgitadas durante a sucção do sangue, quando os
Amazonas e em Rondônia.
flebótomos realizam uma nova alimentação,
♣ Leishmania (Viannia) braziliensis: mais frequente nas transmitindo o parasito para seres humanos e outros
regiões extra-amazônicas do Brasil, observada em vertebrados. Durante a sucção da pele, os flebótomos
áreas antigas e de recente colonização. Pode causar regurgitam também saliva, a qual contém substâncias
lesões cutâneas e mucosas; tem sido identificada em com potente ação vasodilatadora e potencialmente
várias espécies domésticas como cão, equinos e mulas imunossupressora. A dilatação vascular produzida pela
e em roedores domésticos ou sinantrópicos. No Brasil, saliva do flebótomo aumenta a circulação sanguínea na
tem como vetores no Sul e no Sudeste a Lu. intermedia, derme papilar, região da pele na qual os vasos atingem
no Nordeste a Lu. Whitmani e no Norte. Especialmente sua posição mais superficial. Isso aumenta o afluxo de
na serra dos Carajás, o Psychodopygus wellcomei de hemácias que alimentam os flebótomos e trazem,
hábitos diurnos, antropofilico e de maior atividade cm também, células inflamatórias, como neutrófilos e
épocas de chuva, além de outros insetos que vêm se macrófagos, para o sítio de inoculação dos parasitos.
adaptando a áreas peridomésticas e de redutos de
Moléculas da superfície do parasito, como
florestas.
lipofosfatidilglicano (LPG), ativam o sistema
♣ Leishmania (V.) guyanensis: se apresenta complemento do hospedeiro, podendo este
clinicamente com lesões cutâneas. Foi identificada representar o primeiro mecanismo de defesa contra a
principalmente na calha norte dos rios Solimões- infecção, por causar lise parasitária. Parte das formas
Amazonas e Guianas; entretanto, recentes trabalhos promastigotas inoculadas pelo flebótomo é resistente à
revelaram que se distribui também na calha sul e é um lise pelo complemento. Essa resistência deve-se, em
importante agente de casos de leishmaniose mucosa. parte, a moléculas alongadas de LPG nas formas
Está associada a mamíferos selvagens como metacíclicas do parasito, que são menos eficazes na
hospedeiros naturais, tais como a preguiça (Choloepus ativação do complemento. O complemento é ativado
didactilus), o tamanduá (Tamandua tetradactyla), por essas moléculas longe da membrana
marsupiais e roedores, e tem como principais vetores citoplasmática da leishmânia, mas seus fragmentos,
mantenedores do ciclo a Lutzomyia umbratilis (que tem como o C3b, ligam-se à leishmânia e funcionam como
o hábito de repousar em árvores, em terra firme e opsoninas, facilitando o englobamento do parasito por
atacam em grupos quando perturbados), Lu. anduzei e células fagocitárias. Assim, as promastigotas de
Lu. Whitmanni. leishmânia são fagocitadas por macrófagos recém-
chegados à área de inoculação e por células de
Langerhans da pele, por meio de um processo que

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envolve a interação de moléculas MAC-1 (CD11b/CD18) essencialmente da resposta imunitária mediada por
na superfície de macrófagos com C3b na superfície da células. Um fino equilíbrio na produção de citocinas tem
leishmânia. Ultimamente, tem sido dada ênfase ao efeito determinante na sobrevivência, ou não, dos
papel de neutrófilos no estabelecimento da infecção. parasitos, bem como na determinação da resposta do
Neutrófilos fagocitam parasitos, sofrem apoptose e hospedeiro que resulta na ausência de lesão ou no
são internalizados por macrófagos. Desse modo, surgimento de lesões de evolução limitada, de lesões
comportam-se como “cavalos de Troia”, que, além de recidivantes e de lesões de longa duração.
levarem parasitos para o interior de macrófagos,
tornam estes mais permissivos à infecção, por induzirem
aumento de citocinas anti-inflamatórias, como IL-10 e
TGF-β.

Fagocitose é um mecanismo comum e importante de


defesa contra infecções por microrganismos.
Concomitantemente com a fagocitose, a célula
fagocitária produz radicais livres de oxigênio e óxido
nítrico, que são normalmente utilizados por células de
mamíferos na eliminação de patógenos. No entanto,
leishmânias conseguem sobreviver e proliferar no
interior do vacúolo fagocitário de macrófagos
mediante neutralização dos mecanismos oxidativos
que levam à produção de radicais livres e de tripanotióis,
os quais inibem a produção de óxido nítrico. Infecções
com alta carga parasitária inibem vários sistemas de
sinalização macrofágica, resultando em produção e
resposta inadequadas de citocinas e inativação de Figura 5 Mecanismo de infecção inicial
macrófagos frente ao patógeno. Dessa forma, além de
escapar dos mecanismos celulares de defesa do IL-12, IL-17 e IL-23 atuam nas fases mais iniciais da
hospedeiro, os parasitos no interior de macrófagos resposta do hospedeiro à presença dos parasitos. IL-17
encontram-se protegidos da resposta imunitária e IL-23 são importantes no recrutamento de neutrófilos
humoral (anticorpos e fatores do complemento). Nessa e na sua ativação. IL-12 atua favorecendo resposta
infecção, a fagocitose, um importante sistema de linfocitária com produção de IFN-γ, resposta
defesa, é subvertida em um mecanismo de proteção imunoinflamatória antiparasitária. Quando esses
para o parasito. fatores atuam de modo desregulado, isso favorece o
surgimento de lesões teciduais, às vezes
Logo na fase inicial da infecção, ao penetrar em células desproporcionais à intensidade da infecção. Na maioria
fagocitárias, as leishmânias passam da forma dos casos, a produção de IFN-γ por linfócitos ativa
promastigota para a forma amastigota, a única macrófagos. Macrófagos ativados produzem TNF-α que,
identificada em lesões de seres humanos e de outros em sinergia com IFN-γ, induz produção de radicais livres
vertebrados. A partir do sítio de inoculação, o parasito é de oxigênio e óxido nítrico, que destroem os parasitos.
carreado para os linfonodos regionais, e daí pelo menos Há evidências de que IL-10, TGF-β (este produzido por
algumas espécies ou cepas disseminam-se pelo macrófagos) e outras citocinas associadas a resposta do
organismo. Lesões contendo quantidades variáveis de tipo Th2 participam da imunidade contra leishmânias e
macrófagos infectados podem se estabelecer na pele e da cura de lesões surgidas por modularem a resposta
em mucosas (formas tegumentares da doença: cutânea imunoinflamatória. Ultimamente, tem sido enfatizada a
localizada, mucocutânea e cutânea difusa) ou em órgãos participação de linfócitos T reguladores (Treg,
internos, como fígado, baço e medula óssea. CD4+CD25+), que induzem a síntese de IL-10,
importante na modulação da resposta imunitária e no
Células dendríticas e macrófagos infectados na pele
controle de lesões na leishmaniose. Em áreas endêmicas
migram para os linfonodos satélites, processam
de leishmaniose tegumentar, indivíduos infectados que
antígenos parasitários e os apresentam ao sistema
não sofrem lesões e controlam a infecção produzem
imunitário. O curso da infecção depende

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menos IFN-γ e TNF-α do que aqueles que desenvolvem desenvolvê-la mesmo quando tratados, alguns deles
lesões. inclusive com teste de hipersensibilidade tardia
negativo. Estudos de lesões recentes dão indícios de que
Quando o indivíduo se recupera da infecção, tanto na
vasculite tem participação na formação das úlceras. As
leishmaniose tegumentar quanto na leishmaniose
formas ativas da leishmaniose tegumentar podem
visceral, ganha certa proteção contra reinfecção. Essa
cursar com níveis séricos altos de anticorpos
proteção não significa imunidade esterilizante, pois há
antileishmânia. Como na leishmaniose visceral, a
evidências de persistência de pequena quantidade de
presença de níveis séricos altos de anticorpos não indica
parasitos. Distúrbios na produção de citocinas, que
proteção contra a doença.
podem resultar de fatores tanto do parasito (moléculas
relacionadas com a invasão tecidual, evasão do sistema
imunitário e indutores de lesão tecidual) como do
hospedeiro (desnutrição, imunodeficiência,
constituição gênica) e do flebótomo (substâncias
vasoativas, imunossupressoras e imunogênicas),
resultam no desenvolvimento de doença. Na forma
difusa da leishmaniose cutânea e na leishmaniose
visceral, por exemplo, falha na ativação celular por
deficiência de IFN-γ resulta em grande suscetibilidade
à infecção, ficando os macrófagos abarrotados de
amastigotas. Nessas formas da doença, IL-10 e TGF-β
contribuem para a perpetuação da infecção por Figura 6 Reação de hipersensibilidade tipo IV
inativarem macrófagos.
Quadro Clínico
Indivíduos que desenvolvem a forma sintomática da
doença (calazar) têm linfócitos com baixa capacidade Leishmaniose Cutânea
de produção de IL-2 e IFN-γ quando estimulados com Esta forma é definida por lesões exclusivamente na
antígenos específicos, mas recuperam essa capacidade pele, que podem ser caracterizadas como forma
quando tratados com sucesso. Nessas pessoas, a localizada (única ou múltipla), forma disseminada (20 ou
resposta imunitária pende para um nítido padrão Th2, mais lesões distribuídas em várias partes do corpo) e
com produção exacerbada de IL-4, IL-3, IL-5, IL-10 e forma difusa ou anérgica.
TGF-β, associada a estimulação de linfócitos B e
hiperprodução de anticorpos antileishmânia. Aqueles Na maioria das vezes a lesão primária é única, embora
que, apesar de infectados, não desenvolvem doença ou eventualmente possa haver disseminação local ou
dela se recuperam apresentam resposta celular do tipo múltiplas picadas de flebotomíneos, o que pode gerar
Th1, com predomínio da produção de IL-2 e IFN-γ. Nas um número grande de lesões. Como a lesão é produzida
formas cutânea localizada e mucocutânea, há resposta após a picada do flebotomíneo, estas ocorrem em áreas
imunitária celular com produção significativa de IFN-γ e descobertas do corpo, com mais frequência em
TNF-α e desenvolvimento de reação de membros, tronco e face.
hipersensibilidade a antígenos do parasito, fato
Inicia-se por uma pápula eritematosa em um período
particularmente marcante na leishmaniose
de 10 dias a 3 meses após a picada do inseto infectado,
cutaneomucosa. Nessa forma da doença, a destruição
progride para nódulo e com mais frequência evolui para
tecidual resulta de inflamação associada a reação de
lesão ulcerada. Esta se caracteriza por ter borda
hipersensibilidade do tipo IV; esta não garante a
infiltrada, elevada e eritematosa, com centro ulcerado,
eliminação dos parasitos, que, apesar de pouco
fundo granuloso grosseiro, secreção serosa ou
numerosos, podem ser isolados por cultura ou
purulenta e superfície crostosa. Em alguns casos pode
inoculação de macerado da lesão em animais
acompanhar-se de adenopatia regional, com ou sem
suscetíveis.
linfangite, nas cadeias satélites à lesão. Podem ser vistas
O mecanismo de formação de úlceras nas diferentes pequenas lesões satélites papulares ou impetigoides,
formas de leishmaniose não está completamente que caracterizam as leishmanides.
esclarecido. Pacientes que ainda não têm úlcera podem

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casos. Pode surgir com esta ainda em atividade, ou
anos após a sua cicatrização, na dependência de fatores
como demora na cicatrização da lesão primária ou
tratamento inadequado.

Nas formas mucosas, o comprometimento da mucosa


nasal (septo) é o mais frequente, seguido de
comprometimento oral, com lesões em palato, faringe,
laringe, lábios e, às vezes, traqueia. Na evolução dessas
formas pode haver perfuração ou destruição do septo
nasal, ulceração nas asas do nariz com destruição, e em
alguns casos pode haver destruição total do nariz (lesões
mutilantes), com exposição das fossas nasais. Nessa
forma, no início, pode haver queixas de obstrução nasal,
Figura 7 Figura 7 LTA – lesão ulcerada com 45 dias de evolução, após rinorreia, epistaxes, formação e eliminação de crostas
tratamento com antibiótico sistêmico durante 7 dias, o exame direto
com sangue; na faringe, odinofagia, e, na laringe,
para pesquisa de Leishmania resultou positivo
rouquidão e tosse. Ao exame clínico, podem-se observar
As diferentes respostas do hospedeiro podem ser infiltrado eritematoso, ulceração, perfuração do septo
responsáveis pelo notável polimorfismo das lesões cartilaginoso nasal, lesões ulcerovegetantes,
observadas nos seres humanos afetados, que vão de ulcerocrostosas ou ulcerodestrutivas.
formas impetigoides, ectimatoides, liquenoides,
tuberculosa ou Lupo ide, nodular e vegetante. Também
ligado à resposta imune, a lesão poderá sofrer
involução, mesmo após meses de sua instalação e curar
espontaneamente. A forma cutânea disseminada
caracteriza-se por lesões ulceradas pequenas,
distribuídas por todo o corpo (disseminação
hematogênica).

A leishmaniose cutânea difusa é rara; as lesões são


papulosas ou nodulares, tuberculosas, ou infiltrações
difusas e eritematosas. A infiltração pode alcançar
extensas áreas do corpo, envolvendo inclusive a face, o
que pode induzir ao diagnóstico de hanseníase, pelo
aspecto leonino que confere ao paciente. Essa forma Figura 9 LTA - destruição total do nariz
tem resposta inadequada à terapêutica.
Diagnóstico Laboratorial
Pesquisa Parasitológica
É a forma de diagnóstico de certeza, pois permite a
demonstração do parasita, com diferentes técnicas de
coleta do material e por forma direta e indireta de obtê-
lo. O exame mais indicado é pesquisa direta das formas
amastigotas em material obtido da alteração tecidual,
após anestesia local, por escarificação, aspiração ou
Figura 8 LTA – forma anérgica/difusa biópsia da borda da lesão, e corado pelo Giemsa,
Leishman ou panótico. Esses métodos apresentam
Leishmaniose Mucosa
maior sensibilidade quanto mais recente é a lesão;
Esta forma, também denominada de espúndia assim, nos dois primeiros meses de evolução têm-se
(Escomel, 1911), geralmente é uma manifestação 100% de positividade, índice que vai diminuindo,
secundária da infecção, cuja lesão primária foi a úlcera ficando em torno de 20% acima de 12 meses de lesão. A
cutânea, ocorrendo em aproximadamente 80% dos forma indireta de obtenção do parasita é através de

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cultivo – em meios apropriados como NNN (ágar três vezes por semana, via intramuscular por 5 semanas.
sangue de Novy e McNeal, modificado por Nicolle) e Pode causar hipoglicemia e agravar diabetes.
meio de Schneider – e a forma observada é a
O uso da vacina antileishmaniose (imunoterapia)
promastigota.
isoladamente com fins profiláticos, ou associada a
Recursos Imunológicos outras drogas (imunoquimioterapia), como o
glucantime em doses menores, pode ser útil em casos
Dentre estes recursos estão a intradermorreação de de nefropatia, cardiopatia, idade avançada, gravidez,
Montenegro (IDRM) e reações sorológicas, como lactação e outras condições adversas.
reação de imunofluorescência (RIFI), ELISA, PCR e
citometria de fluxo. A intradermorreação de O uso de pentoxifilina associado ao glucantime tem
Montenegro (IDRM) consiste em demonstrar a sido relatado em casos de lesões ulceradas refratários
hipersensibilidade tardia (cerca de 2 meses) ao uso desta droga isoladamente. Seu uso baseia-se na
desenvolvida por parte do paciente, já que esta é uma sua ação anti-TNF alfa, citoquina envolvida na
resposta celular frente à doença ou à cura da infecção. patogênese de úlceras.

♣ Exames: Pesquisa de parasitas de esfregaço das lesões Leishmaniose Visceral


pela coloração de Giemsa; Intradermorreação de
Montenegro com leitura de 48 a 72 horas, sendo A leishmaniose visceral (LV) é uma protozoose que
positiva com enduração maior que 5 mm; pode ser caracterizada do ponto de vista clínico e
Histopatológico com coloração de hematoxilina eosina anatomopatológico como uma doença grave e crônica
e com anticorpos com marcação com imunoperoxidase; consequente à multiplicação e disseminação do
Cultura em meio de NNN e em animais como hamster; parasito em órgãos ricos em células do sistema
Sorologia com imunofluorescência, ELISA e aglutinação fagocítico mononuclear, como o fígado e o baço.
direta; PCR, reação da polimerase em cadeia. A doença ocasiona além da febre irregular e de longa
duração, a desnutrição e o comprometimento do estado
Tratamento
geral associando-se com expressiva
A droga de eleição é o antimonial pentavalente (N- hepatoesplenomegalia.
metil-glucamina) glucantime na dose de 10 a 20
mg/Sb+5/kg/dia por 20 a 30 dias. Cada ampola tem 5 mL, Etiologia e Transmissão
que corresponde a 425 mg/Sb+5. Na prática, para O agente etiológico da leishmaniose visceral é um
adultos, usa-se duas a três ampolas injetadas via protozoário do complexo Leishmania donovani que
intramuscular ou endovenosa lenta diariamente. Podem pertence à ordem Kinetoplastida, família
ocorrer efeitos colaterais, como artralgias, mialgias, Trypanosomatidae, gênero Leishmania, subgênero
náuseas, vômitos e tosse. Deve-se fazer controle de Leishmania, sendo que diferentes espécies causam a
transaminases, função renal e cardíaca antes e durante doença em diferentes regiões: na Índia e no leste da
o tratamento. África é causada pela Leishmania (Leishmania)
Em casos resistentes, recomenda-se anfotericina B por donovani; na China, Ásia Central e nos países do
via endovenosa gota a gota em 6 a 8 horas na dose de Mediterrâneo na Europa, na África e na América Latina
50 mg (iniciar com 25 mg), associada a 50 mg de pela Leishmania (Leishmania) infantum, sendo que
hidrocortisona solúvel em soro glicosado 5%, anteriormente a espécie causadora de leishmaniose
diariamente ou em dias alternados até atingir a dose visceral americana (ocorrendo na América Latina) era
total de 1.200 a 2.000 mg. É cardio e nefrotóxica e não denominada Leishmania (Leishmania) chagasi).
se conhece sua segurança na gravidez e na lactação. Durante o ciclo biológico, leishmânias apresentam-se
A anfotericina B lipossomal é indicada em casos de sob duas formas distintas morfologicamente: a) forma
nefrotoxicidade na dose de 1 a 3 mg/kg de peso, diluída alongada com flagelo externo, denominada
50 mg/100 mL por via endovenosa em 30 a 60 minutos promastigota, que se localiza no tubo digestivo do
diariamente por 2 a 4 semanas. inseto vetor onde evolui para promastigota metacíclica,
infectiva para hospedeiros vertebrados e b) forma
Outra alternativa é a pentamidina, apresentada em arredondada e sem flagelo externo, denominada
ampolas de 300 mg, administrada na dose de 4 mg/kg

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amastigota que se replica no interior de macrófagos do ecossistemas. Apresenta-se como uma zoonose ou uma
hospedeiro vertebrado. antropozoonose. Daí resulta a caracterização
epidemiológica clássica da LV em 5 tipos: indiano,
Os vetores da Leishmania são insetos dípteros da
mediterrâneo, neotropical ou americano, sudanês e da
família Psychodidae, subfamília Phebotominae,
Ásia Central.
conhecidos genericamente como flebotomíneos. No
Velho Mundo, o vetor é do subgênero Phlebotomus e no No Brasil, a leishmaniose visceral americana é uma
Novo Mundo, do subgênero Lutzomyia. No Brasil, a zoonose de canídeos, que se transmite ao homem pela
principal espécie envolvida na transmissão da picada do vetor (hospedeiro intermediário), que é um
Leishmania (L.)infantum é a Lutzomyia longipalpis, mosquito classificado como flebotemídeo, cuja espécie
conhecida popularmente como mosquito palha, birigui, é Lutzomyia longipalpis. Somente as fêmeas do vetor
cangalhinha entre outros. Esta espécie está distribuída são hematófagas, de modo que somente elas podem
em praticamente toda a extensão territorial do Brasil. transmitir a doença. Esse inseto contamina-se quando
Ao longo dos anos, a Lutzomyia adaptou-se ao suga o sangue da pele dos canídeos infectados,
ambiente rural, peridomiciliar e domiciliar e às ingerindo parasitos ali presentes. Existem ainda formas
variações de temperatura. Lutzomyia cruzi foi implicada raras de transmissão da LV, como a congênita, via
como vetor de Leishmania (L.) infantum em Corumbá transplacentária.
(MS) e Lutzomyia migonei também como possível vetor
A distribuição geográfica da leishmaniose visceral no
na América Latina.
País coincide com a do inseto vetor. É uma endemia rural
A Lutzomyia evolui em quatro estágios, durante o ciclo brasileira, embora nas duas últimas décadas a doença
biológico: ovo, larva, pupa e adulto. Solo rico em matéria tenha apresentado uma mudança de perfil
orgânica e úmido favorece o seu desenvolvimento do epidemiológico. Essa mudança de perfil tem sido
inseto. Quando na fase adulta, o inseto possui representada por um fenômeno denominado
autonomia de voo limitada aos locais próximos ao solo. urbanização da doença. A epidemiologia se modificou
Tem hábito crepuscular e noturno, principalmente em em razão de vários fatores como a migração
locais onde há fonte de alimento para as fêmeas populacional, o desmatamento, a expansão urbana
(galinheiros, pocilgas e no peri e intradomicílio) que desordenada e a adaptação do inseto vetor ao
utilizam os nutrientes do sangue para o peridomicílio nas regiões periurbanas e urbanas.
desenvolvimento do ovo. Assim, mais casos têm sido descritos dentro das cidades
e na região de transição entre a zona rural e a urbana,
No Brasil, vários reservatórios estão implicados no ciclo
incluindo regiões metropolitanas.
de transmissão da Leishmania (L.) infantum. No
ambiente silvestre, os principais reservatórios são as Nas regiões onde a leishmaniose visceral está
raposas (Dusicyon vetulus e Cerdocyon thous) e estabelecida endemicamente há décadas, como nos
marsupiais (Didelphis albiventris). No peridomicílio, o estados do Ceará e da Bahia, ela acomete, de forma
principal reservatório é o cão (Canis familiaris), sendo predominante, crianças. Nas regiões onde foi mais
este a principal fonte de infecção e transmissão da recentemente introduzida, a urbanização modificou a
Leishmania (L.) infantum no Brasil. epidemiologia e a doença pode ser observada em
qualquer idade.
Além da forma vetorial de transmissão, que é a
principal, pode ocorrer transmissão congênita e
transfusional sanguínea e ainda transmissão por
seringa contaminada entre usuários de drogas
intravenosas em indivíduos infectados pelo vírus da
imunodeficiência humana.

Epidemiologia
A LV é amplamente distribuída pelo mundo, ocorrendo
na Ásia, na Europa, na África e nas Américas,
apresentando diferenças em aspectos epidemiológicos,
clínicos e imunológicos, decorrentes dos diversos
Figura 10 Distribuição mundial da LV

Pedro Philippo
Módulo 304 - DRAMA 9
Problema 4
No Distrito Federal (DF), a Secretaria de Estado de ser essenciais para o início da infecção intracelular. Em
Saúde (SES) registrou 97 casos suspeitos de leishmaniose seguida, ocorre a fagocitose, com a transformação das
visceral, até a semana epidemiológica (SE) nº 52 de promastigotas em amastigotas dentro dos
2018. Dentre os suspeitos, 26 casos foram confirmados, fagolisossomas. O LPG é também capaz de inibir
13 de residentes do Distrito Federal (DF) e 13 de outras enzimas lisossomais e a gp63 tem importante papel
Unidades da Federação (UF). Em relação ao local protegendo as proteínas do parasita da degradação no
provável de infecção (LPI), dos 26 casos confirmados, 2 fagolisossomas.
(7,7%) são autóctones, ou seja, infectaram-se no DF, 22
As amastigotas ativam a via alternativa do
(84,6%) são importados, infectaram-se em outros
complemento, apesar de serem mais resistentes à lise.
estados, e dois (7,7%) indeterminados. As faixas etárias
Os leucócitos, em particular, polimorfonucleares
que mais registraram casos foram de 20 a 39 anos e de
neutrófilos, fagocitam promastigotas e amastigotas
40 a 59 anos, com oito e sete casos, respectivamente.
previamente opsonizadas pelo complemento e as
Foram registrados 3 óbitos.
destroem. Isso não acontece com os leucócitos
No Distrito Federal (DF), a Secretaria de Estado de mononucleares que, apesar da sua atividade fagocítica,
Saúde (SES) registrou 14 casos suspeitos de leishmaniose têm pouca atividade leishmanicida. As amastigotas são
visceral, até a semana epidemiológica (SE) nº 13 de fagocitadas, sobrevivem e se multiplicam dentro dos
2019. Dentre os suspeitos, um caso foi confirmado, macrófagos, que são células derivadas de monócitos do
residente de outra Unidade da Federação (UF). sangue circulante.

Figura 11 Número de casos notificados de leishmaniose visceral


(2017-2018)

Imunopatogenia e imunidade
A sequência dos acontecimentos a partir do momento
da picada do vetor até o aparecimento dos sintomas da
LV depende de fatores genéticos e imunológicos, e o
grau de expressão clínica da infecção é determinado
pelo resultado da interação do parasita com o
hospedeiro. De forma geral, o desenvolvimento da
Figura 12 Mecanismos de entrada do promastigota no macrófago e
doença é dependente da resposta imune do hospedeiro.
posterior fagocitose e início da resposta imune e produção de
Ocorrem múltiplas interações entre o hospedeiro e o citocinas
parasito, as quais envolvem todos os componentes de
doença. No entanto, o parasita tem estratégias, que são Além desses fatos, as amastigotas, ao contrário das
os mecanismos de evasão às várias etapas da infecção. promastigotas, mostram uma alta atividade enzimática
que degrada metabólitos oxidativos tóxicos do
Assim, tem-se a resposta inflamatória inespecífica na macrófago e são altamente adaptadas ao pH ácido do
ocasião em que o parasita entra em contato com o fagolisossoma. Assim, as amastigotas sobrevivem e se
hospedeiro. A forma promastigota, na presença de soro multiplicam no interior dos vacúolos fagocíticos.
humano, pode ser lisada pela ativação do complemento
e pela participação de anticorpos inespecíficos. A lise de Na modulação da resposta imune, o macrófago
promastigotas pelo complemento depende da fase de parasitado apresenta antígeno aos linfócitos CD4+ e,
crescimento: a camada espessa de LPG das por meio de seus receptores e da secreção de
promastigotas favorece a fagocitose. interleucina-1 (IL-1), esses linfócitos são ativados. Caso
ocorra expansão preferencial de linfócitos T CD4+ do
A fixação de C3 e a subsequente ligação das moléculas subtipo Th1, haverá produção de interleucinas do
ligantes da superfície das promastigotas (gp63 e LPG) padrão Th1 (interferon gama, IL-12, fator de necrose
com os receptores CR1/CR3, nos macrófagos, parecem tumoral alfa e IL-2) levando à ativação dos macrófagos

Pedro Philippo
Módulo 304 - DRAMA 10
Problema 4
e à destruição dos parasitas e resolução do processo. encontram bastante infiltradas por parasitas. A lesão da
Por outro lado, se a resposta for do tipo Th2 (IL-4 e IL- medula óssea leva à pancitopenia.
10), o parasito escapa do ponto de inoculação e se
dissemina carregado por macrófagos para todos os Manifestações Clínicas
órgãos do sistema fagocítico mononuclear. No subcontinente indiano e no chifre da África,
Na LV ocorre, portanto, produção inadequada de IL-2, indivíduos de todas as idades são afetados pela LV. Nas
fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) e interferon áreas endêmicas das Américas e na bacia do
gama (IFN-gama), o que explica a capacidade do Mediterrâneo, bebês e crianças imunocompetentes,
macrófago infectado de destruir os parasitas. A indução assim como adultos imunodeficientes, são
preferencial de células Th1 ou Th2 é que mediaria o especialmente afetados. Atualmente, está em franca
controle imunológico da infecção ou a progressão para urbanização no Brasil e em outros países da América
leishmaniose doença, por meio das diferentes citocinas Latina, acometendo nessa situação,
produzidas por essas células. predominantemente, adultos jovens do sexo
masculino.
A resposta imune em pacientes com LV ativa em
desenvolvimento é complexa; além da produção A LV caracteriza-se por um amplo espectro clínico,
aumentada de várias citocinas e quimiocinas pró- observando-se as formas assintomática, subclínica e
inflamatórias, os pacientes com doença ativa clássica. O período de incubação é variável (2 a 8 meses)
apresentam níveis fortemente elevados de IL-10 no e os indivíduos podem adoecer anos após a exposição,
soro, bem como expressão aumentada do mRNA de IL- ao tornarem-se imunossuprimidos. É doença de caráter
10 nas lesões teciduais. A principal função promotora de polar semelhante ao observado em outras infecções
doença de IL-10 na LV pode ser condicionar os intracelulares.
macrófagos hospedeiros a melhores condições de ♣ Forma Assintomática: corresponde à infecção
sobrevivência e crescimento para os parasitas. A IL-10 inaparente e é detectada em indivíduos sem
pode fazer os macrófagos não responderem aos sinais manifestação clínica em inquéritos epidemiológicos ou
de ativação e inibirem a morte das amastigotas pela em áreas de transmissão, pela positividade da
diminuição da produção de TNF-α e óxido nítrico. As intradermorreação (leishmaniose) ou pela presença de
múltiplas funções apresentadoras de antígeno das anticorpos específicos no soro. Os títulos de anticorpos
células dendríticas e macrófagos também são são baixos e podem permanecer positivos por tempo
suprimidas pela IL-10. indeterminado. Indivíduos que tiveram LV, foram
tratados e se curaram apresentam também positividade
do teste intradérmico e anticorpos específicos em
títulos baixos.

♣ Forma Subclínica: a sintomatologia dessa forma de


possibilidade evolutiva pode passar despercebida ou ser
confundida com outras doenças infecciosas. O paciente,
em geral criança, apresenta discreto
comprometimento do estado geral. A suspeita clínica
baseia-se na história de febre, discreta anemia,
diarreia, emagrecimento e adinamia. Em geral, não se
relata febre. A hepatomegalia normalmente está
presente e não ultrapassa 5 cm, e a esplenomegalia, ao
contrário da forma de apresentação clássica da LV, é
discreta e pode estar ausente. As alterações
laboratoriais são pouco evidentes: hemograma normal
Figura 13 Imunopatogenia da LV
ou com anemia, velocidade de hemossedimentação
Os órgãos do sistema reticuloendotelial são elevada e eletroforese de proteína normal. A
predominantemente afetados, com grande aumento do intradermorreação é geralmente negativa. Os
baço, do fígado e dos linfonodos em algumas regiões. anticorpos anti-leishmânia estão sempre presentes. Na
As amígdalas e a submucosa intestinal também se área endêmica, esses quadros de infecção

Pedro Philippo
Módulo 304 - DRAMA 11
Problema 4
oligossintomática ou subclínica foram observados no No período final, a forma de apresentação clássica
acompanhamento prospectivo de criança, após pode evoluir de forma mais grave, chegando a grande
soroconversão. Esses quadros são autolimitados e, em esplenomegalia até a cicatriz umbilical e até a fossa
geral, não se indica tratamento. Os sintomas podem ilíaca direita, caquexia pronunciada e anemia intensa.
persistir por cerca de 3 a 6 meses. A pesquisa dos Podem ocorrer as complicações determinantes de óbitos
parasitas em aspirado de medula óssea e cultura em como hemorragias, ascite e icterícia ou infecções
meio NNN tem baixa positividade. bacterianas.

♣ Forma Clássica: é a doença plenamente manifesta. Na Casos não tratados evoluem, invariavelmente, para o
forma clássica, a sintomatologia da LV tem instalação óbito em 1 a 2 anos. A principal causa de morte são as
insidiosa e a doença, em geral, tem curso crônico. infecções bacterianas, cuja evolução pode ser
dramática, com óbito em poucas horas devido à
O período inicial também é denominado período agudo
neutropenia acentuada, comum na doença avançada.
e caracteriza-se por febre diária com duração de 15 a
Pneumonia, gastrenterite, otite e sepse são as
21 dias e estado geral preservado; freqüentemente
complicações bacterianas mais frequentes.
evidenciam-se hepatoesplenomegalia e anemia
discretas. A sorologia revela presença de anticorpos (> ♣ LV grave: LV que se apresenta em pacientes com
1:256) e a intradermorreação (leishmânia) é negativa. A menos de 6 meses de idade ou com mais de 65 anos.
velocidade de hemossedimentação eleva-se (50 mm) e Outros critérios são: desnutrição grave, comorbidades
ocorre anemia discreta (Hb > 9 g/dL), além de ou uma das seguintes manifestações clínicas: icterícia,
leucócitos normais com linfomonocitose. A pesquisa de fenômenos hemorrágicos (exceto epistaxe), edema
amastigotas em aspirado esplênico ou na medula óssea generalizado, sinais de toxemia (letargia, má perfusão,
pode ser positiva, e a cultura em meio NNN é positiva. cianose, taquicardia ou bradicardia, hipoventilação ou
hiperventilação e instabilidade hemodinâmica).
O período de estado é caracterizado pela febre,
geralmente alta e diária, tipicamente apresentando
dois picos diários, podendo sofrer períodos de remissão
espontânea. A febre pode ser acompanhada de
calafrios e ser seguida de sudorese. Progressivamente, o
paciente apresenta anorexia, enfraquecimento e
emagrecimento, surgindo sinais clínicos de desnutrição
grave, como cabelos secos e quebradiços, cílios longos
e pele seca. Ao mesmo tempo, surge a palidez cutânea,
que vai se acentuando, o paciente nota o aumento
progressivo do volume abdominal, referindo
desconforto no hipocôndrio esquerdo. Ocorre
aumento gradativo do tamanho do fígado e sobretudo
do baço. Manifestações hemorrágicas e
gastrintestinais, respectivamente epistaxes,
gengivorragias e quadros diarreicos, são comumente
relatadas durante a evolução. Outro sintoma que pode
ser relatado com certa frequência é a tosse seca, que
estaria relacionada à pneumonite intersticial da LV.

A duração da sintomatologia na ocasião em que o


diagnóstico é realizado é de vários meses, em geral mais
de 3 meses de evolução.
Figura 14 Hepatoesplenomegalia da leishmaniose visceral
A icterícia é pouco frequente na LV; é mais comum nos
casos graves e de evolução longa. São observadas Coinfecção HIV/Leishmania
pancitopenia e hipergamaglobulinemia. A Nos últimos anos, com a disseminação mundial da
intradermorreação é negativa e os títulos de anticorpo, infecção pelo HIV, inclusive em regiões onde a
elevados (> 1:4.000). leishmaniose visceral ocorre de forma endêmica, como

Pedro Philippo
Módulo 304 - DRAMA 12
Problema 4
nos países do Mediterrâneo, têm sido relatados casos normocrômica e normocítica, com hemoglobina
de LV em pacientes portadores de infecção pelo HIV. A frequentemente inferior a 10 g%; a leucopenia
Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 40 acompanhada por neutropenia (às vezes, grave, com
milhões de pessoas estão infectadas pelo HIV e um terço menos de 500 granulócitos), linfocitose relativa e
delas vivem em áreas endêmicas para LV. Dois a 9% de eosinopenia, e a plaquetopenia (geralmente, abaixo de
todos os pacientes infectados pelo HIV que vivem em 100.000 células/mm3) compõem a chamada
áreas endêmicas desenvolvem LV. pancitopenia. Outra alteração laboratorial típica é a
inversão albumina/globulina, com queda da albumina
Nos países banhados pelo Mediterrâneo, a elevada
sérica e elevação policlonal das globulinas, à custa da
frequência da associação entre HIV e LV pode ocorrer
fração gama. Discreta elevação das transaminases
tanto pela reativação da infecção leishmaniótica
(duas a três vezes o basal) está quase sempre presente.
quanto por uma forma alternativa de infecção,
decorrente da inoculação intravenosa de Leishmania O exame de elementos anormais e sedimento da urina
spp., por meio de compartilhamento de agulhas e (exame de urina I) pode revelar proteinúria,
seringas entre viciados em drogas (transmissão inter- leucocitúria e hematúria, traduzindo a
humana), chamado de ciclo alternativo de transmissão. glomerulonefrite subclínica por deposição de
complexos imunes.
As manifestações da coinfecção HIV/leishmânia são
semelhantes àquelas encontradas na forma clássica da A radiografia simples do tórax pode detectar uma
doença. A hepatoesplenomegalia febril, a pancitopenia condensação tipicamente de etiologia bacteriana ou
e a hipergamaglobulinemia são os achados mais ainda, mostrar infiltrado intersticial causado por vírus,
comuns. Pode haver manifestações digestivas, bactérias ou pela própria leishmânia (pneumonite
pulmonares e cutâneas. A LV deve ser incluída entre as leishmaniótica). A ecografia abdominal auxilia no
causas de febre de origem obscura e diarreia crônica diagnóstico diferencial com outras causas de
nestes pacientes. Formas clínicas atípicas não são esplenomegalia e tumores abdominais.
infrequentes e podem estar associadas ou ser
confundidas com outras infecções oportunistas, como Específico
micobacteriose, criptosporidiose e histoplasmose. O método padrão-ouro para o diagnóstico específico
Ocorre em fases avançadas da imunossupressão, da LV é a identificação de amastigotas de leishmânia
quando a contagem de linfócitos T CD4+ cai abaixo de em material aspirado de medula óssea, corado por
200. As apresentações atípicas são mais comuns quando Giemsa ou Wright. É técnica simples e de baixo custo,
a contagem de T CD4+ é menor que 50. A interação porém tem a desvantagem de ser dolorosa para o
entre as duas doenças é devastadora para o sistema paciente, exigir profissional especializado e apresentar
imunológico, levando à rápida progressão da aids, bem sensibilidade relativamente baixa (70% a 85%). O exame
como maior disseminação da leishmânia e, direto em aspirado esplênico apresenta positividade
consequentemente, diminuição da expectativa de vida bastante elevada (96% a 98%), mas existe risco de
dos indivíduos coinfectados. hemorragia, particularmente em pacientes com
A coinfecção HIV/leishmânia não pode ser curada, e alterações da coagulação.
com a queda da contagem dos linfócitos T CD4+, os O isolamento da leishmânia pode ser feito em meios e
pacientes recairão sucessivas vezes, até que se esgotem cultura específicos (Novy, MacNeal, Nicolle – NNN e
as opções terapêuticas. Schneider’s), a partir de biópsia tecidual e de sangue
periférico.
Diagnóstico Laboratorial
O teste de hipersensibilidade tardia (DTH) a antígenos
Inespecífico de leishmânia (teste de Montenegro) tem alta
O hemograma é exame indispensável para o positividade em indivíduos residentes em área endêmica
diagnóstico da LV. Suas alterações, bastante com infecção assintomática. Entretanto, não é utilizado
características na forma clássica, corroboram a suspeita para o diagnóstico da forma clássica de LV, pois, em
diagnóstica com base em dados clínicos e consequência da supressão da imunidade celular
epidemiológicos. Observa-se diminuição significativa instalada nessa fase, o DTH é invariavelmente negativo,
das três séries de células sanguíneas. A anemia com reversão para positividade meses após a cura da

Pedro Philippo
Módulo 304 - DRAMA 13
Problema 4
infecção. É, portanto, um bom marcador de infecção,
mas não de doença.

Entre os métodos sorológicos comumente empregados


para o diagnóstico da infecção por leishmânia estão o
teste de aglutinação direta (DAT) e a
imunofluorescência indireta (RIFI). Esses exames
utilizam como fonte de antígeno o parasita inteiro, o
que limita sua especificidade. Por isso, eles são mais
aplicados em inquéritos epidemiológicos. No contexto
clínico, resultado sorológico negativo torna improvável
a hipótese de LV, exceto se o paciente for portador de
aids ou outra imunodeficiência severa. Títulos iguais ou
Efeitos colaterais podem ser observados em até 30%
superiores a 1:6.400 (DAT) e a 1:1.024 (RIFI) são muito
dos pacientes, mas raramente justificam a suspensão da
sugestivos de calazar. Todavia, reações cruzadas
droga. Os mais comuns são artralgias, mialgias, dor
(títulos menores) podem ocorrer com leishmaniose
abdominal, náuseas e vômitos, aumento da amilase e
tegumentar, doença de Chagas, hanseníase,
lipase (pancreatite aguda em alguns casos), anemia,
tuberculose, esquistossomose e malária.
leucopenia, trombocitopenia, hematúria e elevação
Diagnóstico Diferencial das aminotransferases. O ECG pode apresentar
alterações significativas da repolarização ventricular
Histoplasmose, a tuberculose miliar, a toxoplasmose, a como achatamento ou inversão da onda T e aumento do
endocardite bacteriana, malária crônica, linfomas e as intervalo QT. Morte súbita (por taquiarritmias
leucemias (especialmente a mielóide crônica e as ventriculares) tem sido relatada, principalmente com
colagenoses), esquistossomose mansônica. doses superiores a 20 mg/kg/dia.

Tratamento A droga de segunda escolha é a anfotericina B


(desoxicolato) – primeira escolha para pacientes
Os pacientes com LV devem ser internados para o coinfectados com HIV –, um medicamento parenteral,
início da terapia. A solicitação de exames como ureia e utilizado em casos de falência dos antimoniais
creatinina, amilase sérica, eletrólitos, pentavalentes. Esta droga não deve ser usada na
aminotransferases, eletrocardiograma e RX de tórax, é vigência de insuficiência renal (pois é nefrotóxica). Nos
requerida antes do início do tratamento. Seus EUA, a anfotericina B lipossomal (menos nefrotóxica) é
resultados vão servir de base para a avaliação de considerada a droga de primeira linha para o
possíveis efeitos colaterais das drogas empregadas. tratamento.
Os antimoniais pentavalentes são utilizados como
primeira escolha no Brasil, pela sua eficácia e baixo
custo relativo. São usados para o tratamento do calazar
desde 1915. A dose consiste de 20 mg/kg/dia de
antimônio (Sb5+) por via intravenosa ou intramuscular,
administrada por um período de 20-30 dias
consecutivos, máximo de 40 dias. O antimoniato de N-
metil-glucamina (GLUCANTIME – ampolas de 5 ml a
8,5%, com 81 mg/ml de Sb5+) e o estibogluconato de
sódio (PENTOSTAN – frascos de 60 ml a 10%, com 100
mg/ml de Sb5+) são as preparações disponíveis no
mercado (no Brasil, só é comercializado o glucantime).
A refratariedade aos antimoniais é mais frequente nos Além da terapêutica específica, é fundamental o
pacientes com formas graves e avançadas de LV, cuidado com as condições gerais do paciente. Atenção
caracterizadas por esplenomegalia > 10 cm, especial deve ser dispensada para as infecções
hepatomegalia > 8 cm, Hg < 8 g/dl, leucometria < bacterianas. Às vezes, principalmente se a neutropenia
3.000/mm3 e/ou plaquetometria < 40.000/mm3. for grave, é necessário o emprego empírico de

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Módulo 304 - DRAMA 14
Problema 4
antibióticos de largo espectro (inclusive com atividade
antipseudomonas). Nessas situações, o uso da droga
antileishmânia deve ser concomitante. A prescrição de
hemoderivados segue a regra geral de transfusão em
situações de anemia crônica e/ou sangramentos
(concentrado de hemácias pode ser necessário se
hemoglobina for menor que 6 g/dL). Suporte nutricional
enteral auxilia na recuperação da desnutrição.

Critérios de Cura
Melhora clínica ocorre ao final da 1a semana de
tratamento da LV. A remissão da febre dá-se entre o 5o
e o 7o dia, havendo melhora da disposição geral,
retorno do apetite e ganho de peso progressivo. A
redução da hepatoesplenomegalia é lenta,
principalmente nos casos de curso muito longo até o
diagnóstico, porém paulatinamente as vísceras
diminuem de tamanho. Observa-se também resolução
das alterações hematológicas, com melhora da
leucopenia, plaquetopenia e anemia, além de
reaparecimento dos eosinófilos. Muitas vezes,
normalização completa dos níveis de hemoglobina só
ocorre semanas após a alta hospitalar. A elevação de
globulinas persiste durante meses, mas sua progressiva
queda auxilia no acompanhamento da recuperação do
enfermo. Aspirado medular ou esplênico é
desnecessário ao final do tratamento, pois persistência
de alguns parasitas pode ocorrer mesmo no paciente
curado e não prediz falha terapêutica. Recomenda-se
acompanhamento ambulatorial mensal por 6 meses
após a alta

Pedro Philippo

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