Você está na página 1de 15

303 – Febre, Inflamação e Infecção 1

Problema 5
Pneumonia Adquirida na Comunidade Entre os pacientes internados em enfermaria, a PAC
apresenta uma elevada taxa de mortalidade (10 a
Definição 12%), podendo chegar a 50% quando a PAC ocorre na
forma grave. Indivíduos acima de 60 anos apresentam
Define-se pneumonia como um processo inflamatório
maior impacto da PAC, com mais episódios com
posterior à ação de agentes infecciosos como vírus,
necessidade de internação, e maior mortalidade em
bactérias e, mais raramente, fungos e parasitos, que
decorrência da imunossenescência, redução dos reflexos
acomete os bronquíolos e alvéolos. Por sua vez, a
da tosse e vômito e comorbidades. Tabagismo, etilismo,
pneumonia adquirida na comunidade (PAC) acomete o
dentes em mau estado de conservação,
paciente fora do ambiente hospitalar ou de unidade de
imunossupressão, institucionalização e desnutrição
atenção à saúde ou em até 48 horas após uma
são fatores de risco evitáveis. Vacina antinfluenza anual
internação. Estão excluídos dessa definição aqueles
e vacinação antipneumocócica são os fatores de
que apresentam internação hospitalar por mais de 2
proteção. A PAC é uma das principais causas de morte
dias nos últimos 90 dias; residem em casa de repouso;
em pacientes com mais de 65 anos de idade,
receberam antibióticos endovenosos e/ou
especialmente aqueles que apresentam comorbidades
quimioterapia nos últimos 30 dias e tratam-se em
significativas como doença pulmonar obstrutiva
clínicas de hemodiálise. Esses pacientes apresentam
crônica, diabetes melito e insuficiência cardíaca.
maior risco de infecção por germes multirresistentes.

Historicamente, as pneumonias geralmente eram


classificadas, como adquiridas na comunidade (PAC),
adquiridas no hospital (PAH) ou associadas à
ventilação mecânica (PAV). Uma quarta categoria, a
pneumonia associada aos serviços de saúde, foi
recentemente introduzida. Essa categoria engloba os
casos de PACs causados por patógenos resistentes a
múltiplos fármacos (MDR), que, antes, eram associados
à PAH. Entre os fatores responsáveis por esse
fenômeno estão: o desenvolvimento e a utilização
generalizada dos antibióticos orais potentes; a
transferência mais precoce dos pacientes dos hospitais
de doenças agudas para seus lares ou para vários
serviços de menor complexidade; o uso ambulatorial
crescente dos antibióticos intravenosos (IV); o
envelhecimento geral da população; e os tratamentos
imunomoduladores mais prolongados. Os internados Os fatores de risco para pneumonia pneumocócica
em domicílio (associada a assistência à saúde), e os incluem demência, distúrbios convulsivos, insuficiência
idosos internados a longo prazo em clínicas de cardíaca, doença vascular encefálica, alcoolismo,
enfermagem e em cuidados de centros de diálises, tabagismo, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC)
fazem parte desse grupo. e infecção pelo HIV. A pneumonia por MRSA-AC é mais
provável nos pacientes com colonização ou infecção
Epidemiologia cutânea por esse microrganismo. As enterobactérias
A incidência anual de PAC é em torno de 12:1.000 tendem a infectar pacientes hospitalizados
habitantes, e é maior nos extremos de idade recentemente e/ou que fizeram tratamento antibiótico
(35:100.000 habitantes abaixo de 5 anos e acima de 75 ou apresentam comorbidades como alcoolismo e
anos). Entre as síndromes de infecções respiratórias, a insuficiência cardíaca ou renal. A P. aeruginosa é um
PAC é a de maior risco de morte, e maior número de problema especial para pacientes com doença pulmonar
internações. No Brasil, segundo dados do Datasus, estrutural, incluindo bronquiectasias, fibrose cística ou
ocorreram 605 mil internações por infecções de vias DPOC grave. Os fatores de risco para infecção por
respiratórias inferiores (PAC ou influenza) em 2015. Legionella são diabetes, neoplasias malignas
hematológicas, câncer, doença renal grave, infecção

Pedro Philippo
303 – Febre, Inflamação e Infecção 2
Problema 5
pelo HIV, tabagismo, sexo masculino e estada em hotéis abscessos e por empiemas significativos ou derrames
ou cruzeiros marítimos recentes. parapneumônicos.

Etiologia Pode ocorrer o encontro de infecções mistas com dois


ou mais agentes, sendo que o vírus influenza pode
A lista numerosa de agentes etiológicos potenciais das anteceder e facilitar a ação de agentes bacterianos
PACs inclui bactérias, fungos, vírus e protozoários. Entre como S. pneumoniae (pneumococos), S. aureus e H.
os patógenos identificados recentemente estão influenzae.
osmetapneumovírus, os coronavírus responsáveis pela
síndrome respiratória aguda grave (SRAG) e pela
síndrome respiratória do Oriente Médio e as cepas de
Staphylococcus aureus resistentes à meticilina (MRSA)
adquiridas na comunidade. Entretanto, a maioria dos
casos de PAC é causada por um número relativamente
pequeno de patógenos.

Entre os patógenos bacterianos identificados como


causadores de PAC, o mais frequente é o Streptococcus
pneumoniae (pneumococo). A separação dos agentes
potenciais em patógenos bacterianos “típicos” ou
microrganismos “atípicos” pode ser útil.

♣ Microrganismos Típicos: S. pneumoniae,


Haemophilus influenzae e (em determinados casos) S.
aureus e bacilos Gram-negativos, como Klebsiella
pneumoniae e Pseudomonas aeruginosa.

♣ Microrganismos Atípicos: Mycoplasma pneumoniae,


Chlamydia pneumoniae e as espécies de Legionella, os
vírus respiratórios, como influenza, adenovírus,
metapneumovírus humano e vírus sinciciais
respiratórios.

A dificuldade de isolamento dos microrganismos


anaeróbios dificulta o conhecimento da sua incidência Os vírus podem ser responsáveis por uma grande
real; devemos pensar em anaeróbios nos casos de proporção de casos de PAC que necessitam de
pneumonias aspirativas. Nesses casos, o fator de risco hospitalização, mesmo em adultos. Os microrganismos
principal é a combinação de vias respiratórias atípicos não podem ser isolados pelas técnicas de
desprotegidas (p. ex., pacientes com intoxicações por cultura em meios convencionais e nem podem ser
álcool ou drogas, ou distúrbios convulsivos) e gengivite detectados pela coloração de Gram. A frequência e a
significativa. As pneumonias causadas por anaeróbios importância dos patógenos atípicos têm implicações
geralmente são complicadas por formação de terapêuticas significativas. Esses microrganismos são
intrinsecamente resistentes a todos os antibióticos β-

Pedro Philippo
303 – Febre, Inflamação e Infecção 3
Problema 5
lactâmicos e devem ser tratados com um macrolídeo, tratamento com antibióticos de espectros diferentes dos
uma fluoroquinolona ou uma tetraciclina. Em cerca de preconizados em geral. A frequência do encontro desses
10- 15% dos casos de PAC polimicrobiana, os agentes patógenos é muito baixa, mas identificar os fatores de
etiológicos comumente consistem em uma combinação risco específicos pode ajudar a diagnosticar os casos.
de patógenos típicos e atípicos. Existem sete preditores independentes de patógenos
PES no momento do diagnóstico, conforme o Escore
Em adultos admitidos no hospital por PAC, 18% tinham
PES.
evidência de envolvimento viral e em 9% esta foi a única
etiologia encontrada. Em crianças de 0 a 17 anos de
idade com PAC e internação hospitalar, a prevalência
das infecções virais chega a quase 90% dos casos, em
menores de 2 anos, 75% de 2 a 4 anos, 55% de 5 a 9 anos
e 40% de 10 a 17 anos. O vírus sincicial respiratório
(VSR) foi o agente mais importante na faixa etária até 5
anos, e o Rhinovírus entre 5 e 17 anos de idade

A pneumonia causada por S. aureus é uma complicação


bem conhecida da infecção pelo vírus influenza.
Contudo, foram isoladas cepas de MRSA como agentes
etiológicos primários da PAC. Embora essa condição
ainda seja relativamente incomum, os médicos devem
estar atentos às suas consequências potencialmente Fisiopatologia
graves, inclusive pneumonia necrosante. Dois fatos
importantes são responsáveis por esse problema: a A pneumonia resulta da proliferação dos patógenos
disseminação do MRSA dos hospitais para as microbianos nos espaços alveolares e da resposta do
comunidades e o desenvolvimento de cepas hospedeiro a esses agentes patogênicos. Os
geneticamente diferentes do MRSA na comunidade. microrganismos chegam às vias respiratórias inferiores
Essa primeira alteração tem mais tendência a causar por vários mecanismos: por inalação direta de
PASS, enquanto as novas cepas de MRSA adquiridas na partículas infectadas do ar ambiente ou por aspiração
comunidade (MRSA-AC) podem infectar indivíduos de material infectado; por depósito na vasculatura
saudáveis que não tiveram qualquer passagem pelos pulmonar, levando à disseminação hematogênica; por
serviços de saúde. penetração exógena no tecido pulmonar (após cirurgias
e broncoscopia); e por continuidade (passagem de
Infelizmente, apesar da história detalhada, do exame microrganismos do abdome para a cavidade torácica,
físico cuidadoso e dos exames radiográficos rotineiros, é como em casos de abscessos hepáticos). As vias
difícil prever com algum grau de certeza o agente inalatória e aspirativa são as vias de transmissão mais
etiológico da PAC; em mais de 50% dos casos, não é frequentes.
possível determinar uma etiologia específica. No
entanto, os elementos epidemiológicos e os fatores de A aspiração de volumes pequenos ocorre
risco podem sugerir o envolvimento de determinados frequentemente durante o sono (especialmente nos
patógenos. idosos) e nos pacientes com níveis deprimidos de
consciência. Alguns patógenos são inalados na forma de
No Brasil, a resistência do pneumococo ao uso das gotículas contaminadas. Em casos raros, a pneumonia
quinolonas se mostra controlada, com resistência de ocorre por disseminação hematogênica (p. ex., por
0%, de acordo com o Sistema Regional de Vigilância endocardite da valva tricúspide) ou por extensão
Epidemiológica. Alguns agentes (P. aeruginosa, contígua dos espaços pleural ou mediastinal infectados.
Enterobacteriaceae de espectro estendido para
betalactamase positiva [ESBL1] e S. aureus resistente a Os fatores mecânicos são extremamente importantes
meticilina [MRSA]) formam um grupo chamado de PES para a defesa do hospedeiro. Os pelos e as conchas
(Pseudomonas, Enterobacteriaceae, Staphylococcus). nasais das narinas retêm as partículas maiores inaladas
Eles são possíveis patógenos causadores de PAC, com antes que elas possam chegar às vias respiratórias
grande potencial de resistência a antibiótico e alta inferiores. A arquitetura ramificada da árvore
mortalidade. Dessa maneira, os pacientes requerem traqueobrônquica retém microrganismos no

Pedro Philippo
303 – Febre, Inflamação e Infecção 4
Problema 5
revestimento das vias respiratórias, onde a atividade preenchimento dos espaços alveolares. Além disso,
mucociliar e os fatores antibacterianos locais eliminam alguns patógenos bacterianos parecem interferir na
ou destroem os patógenos potenciais. O reflexo de vasoconstrição hipoxêmica, que normalmente
engasgo e o mecanismo da tosse conferem proteção ocorreria se os alvéolos fossem preenchidos por
essencial contra aspiração. Além disso, a flora normal líquidos; essa interferência pode causar hipoxemia
aderida às células da mucosa da orofaringe, cujos grave. O aumento do drive respiratório na síndrome da
componentes são notavelmente constantes, impede que resposta inflamatória sistêmica causa alcalose
as bactérias patogênicas se liguem e, dessa forma, reduz respiratória. A dispneia tem como causas a redução da
o risco de pneumonia causada por bactérias mais complacência pulmonar secundária ao
patogênicas. extravasamento capilar, a hipoxemia, a
hiperestimulação do centro respiratório, as secreções
Quando essas barreiras são superadas ou quando os
profusas e, ocasionalmente, o broncoespasmo
microrganismos são suficientemente pequenos para
desencadeado pela infecção. Se a doença for grave, as
serem inalados até os alvéolos, os macrófagos
alterações da mecânica pulmonar secundárias às
alveolares residentes são extremamente eficientes na
reduções do volume e da complacência pulmonares,
eliminação e destruição dos patógenos. Os macrófagos
bem como o shunt intrapulmonar do sangue, podem
são auxiliados por proteínas produzidas pelas células
levar o paciente à insuficiência respiratória e à morte.
epiteliais locais (p. ex., proteínas A e D do surfactante) e
têm propriedades intrínsecas de opsonização ou
atividade antibacteriana ou antiviral. Depois de serem
fagocitados, os patógenos – mesmo que não sejam
destruídos – são eliminados pelo sistema elevatório
mucociliar ou pelos vasos linfáticos e não causam mais
risco de infecção.

A pneumonia evidencia-se apenas quando a


capacidade dos macrófagos alveolares ingerirem ou
destruírem os microrganismos é suplantada. Nessa
condição, os macrófagos alveolares ativam a resposta
inflamatória para reforçar as defesas das vias
respiratórias inferiores. A resposta inflamatória do
hospedeiro, mais do que a proliferação dos
microrganismos, desencadeia a síndrome clínica da
pneumonia. A liberação de mediadores inflamatórios
como a interleucina (IL) 1 e o fator de necrose tumoral Patologia
(TNF) provoca febre. As quimiocinas como a IL-8 e o
As pneumonias podem ser classificadas de acordo com
fator de estimulação das colônias de granulócitos
vários parâmetros: (a) origem (hospitalar ou da
estimulam a liberação dos neutrófilos e sua atração ao
comunidade); (b) etiologia (bactérias, vírus, fungos ou
pulmão e isso causa leucocitose periférica e secreções
protozoários); (c) lesões morfológicas (específicas ou
purulentas aumentadas. Os mediadores inflamatórios
inespecíficas); (d) distribuição anatômica. De acordo
liberados pelos macrófagos e pelos neutrófilos recém-
com a distribuição das lesões no território pulmonar,
recrutados acarretam extravasamento alveolocapilar
as pneumonias podem ser:
semelhante ao que é observado na síndrome da
angústia respiratória aguda (SARA), embora na ♣ Pneumonia Lobar: o processo inflamatório tem
pneumonia esse processo fique localizado (ao menos disseminação relativamente uniforme nos lobos
inicialmente). Até mesmo os eritrócitos conseguem pulmonares, dando ao parênquima padrão homogêneo
atravessar a membrana alveolocapilar, e isso causa de acometimento. O microrganismo mais associado à
hemoptise. pneumonia lobar é o pneumococo (Streptococcus
pneumoniae), frequentemente associado a pneumonias
O extravasamento capilar é responsável pelos
adquiridas na comunidade
infiltrados radiográficos e pelos estertores detectáveis à
ausculta, enquanto a hipoxemia é atribuída ao

Pedro Philippo
303 – Febre, Inflamação e Infecção 5
Problema 5
♣ Pneumonia Lobular ou Broncopneumonia: a infecção hiperemia, edema e exsudato purulento na luz dos
apresenta-se como focos inflamatórios múltiplos que alvéolos e bronquíolos, com destruição da parede
acometem lóbulos pulmonares, caracterizando dessas estruturas. As mesmas fases da pneumonia
disseminação do agente através das pequenas vias lobar podem acontecer no desenvolvimento do
aéreas distais. Trata-se de doença infecciosa muito processo, porém com distribuição focal.
frequente na prática médica e que acomete mais
Na pneumonia intersticial o acometimento pode ser
comumente crianças, idosos ou indivíduos debilitados.
zonal ou difuso, às vezes bilateral.
♣ Pneumonia Intersticial: Caracteriza-se por reação Macroscopicamente, o quadro é pouco característico,
inflamatória que afeta predominantemente o interstício podendo haver apenas hiperemia. Ao microscópio, o
pulmonar. Diversos vírus, e Mycoplasma sp. são agentes achado dominante é inflamação nitidamente
infecciosos associados a pneumonias com padrão intersticial, em que os septos alveolares se tornam
intersticial. alargados por edema e infiltrado de mononucleares. Os
alvéolos contêm pequena quantidade de líquido e, nos
casos graves, apresentam membranas hialinas,
indicativas de dano alveolar. Dependendo do agente
etiológico, podem ser encontrados elementos
específicos. Nas viroses, são vistos necrose do epitélio
alveolar e bronquiolar, células gigantes e, em alguns
casos, inclusões características.
Figura 1 Esquema mostrando o comprometimento na pneumonia
lobar (A), broncopneumonia (B) e abscesso pulmonar

Na pneumonia lobar, o lobo atingido consolida-se de


forma homogênea pela substituição do ar dos alvéolos
e sacos alveolares por exsudato inflamatório,
enquanto as vias aéreas maiores permanecem
permeáveis. Se não tratada, a doença evolui em quatro
fases: (1) inicial ou de congestão, em que há hiperemia
intensa dos capilares septais e edema, poucos
neutrófilos e numerosas bactérias nos alvéolos; (2)
hepatização vermelha, quando, além da hiperemia, os
alvéolos ficam cheios de fluido, fibrina e bactérias. O
lobo adquire consistência firme e semelhante à do
fígado, daí o termo hepatização; (3) hepatização Figura 2 Pneumonia lobar (hepatização cinzenta)

cinzenta, em que há aumento de células inflamatórias e


Quadro Clínico
fibrina nos alvéolos, além de diminuição da hiperemia e
do número de bactérias. A liberação de grande A apresentação da PAC pode ser indolente ou
quantidade de enzimas pelas células inflamatórias leva fulminante e sua gravidade pode variar de leve a casos
a degradação de fibras elásticas da matriz extracelular, fatais. As manifestações de progressão e gravidade
tornando o parênquima bastante friável; (4) resolução, incluem achados constitucionais e aqueles limitados aos
quando há lise da fibrina e redução progressiva do pulmões e a estruturas associadas. Dada a fisiopatologia
exsudato, permitindo a penetração de ar nos alvéolos. da doença, algumas dessas anormalidades são
De forma característica, na pneumonia lobar não há esperadas.
destruição das paredes alveolares. Exsudação de fibrina
A apresentação clínica habitual de pneumonia se faz
na pleura é frequente (pleurite fibrinosa).
de maneira abrupta, com febre, taquicardia, calafrios,
A broncopneumonia é um processo caracterizado por sudorese, tosse, expectoração inicialmente e dor do
focos múltiplos, às vezes bilaterais, de inflamação tipo pleural, de intensidade variável. Em um
purulenta no parênquima pulmonar; em alguns casos, interrogatório minucioso, verifica-se que a maioria dos
os focos são confluentes e podem comprometer grande pacientes relata infecção de vias respiratórias superiores
parte do pulmão. Microscopicamente, encontram-se (“gripes”) precedendo os sintomas mais evidentes. A

Pedro Philippo
303 – Febre, Inflamação e Infecção 6
Problema 5
febre pode chegar a mais de 40° e a tosse, que de início Legionella pneumophila (7%); H. influenzae (6%); S.
pode ser seca, evolui para expectoração de um escarro aureus (5%) e P. aeruginosa (3%).
agregado amarelo, ferruginoso ou esverdeado. A
hemoptise franca é sugestiva de pneumonia por MRSA- PAC Atípica
AC. O termo “pneumonia atípica” representa uma
Os achados clínicos mais encontrados são tosse (82%), síndrome clínica que inclui diversas entidades e tem
febre (78%), dispneia (40 a 90%) e estertores (80%). valor clínico limitado. A resposta do hospedeiro
Taquipneia e taquicardia estão presentes em dois terços influencia a expressão clínica da pneumonia,
dos idosos. Nesses pacientes, tosse, febre e dispneia são independentemente do agente etiológico. Por isso,
menos prevalentes, e as apresentações clínicas mais atualmente, o tratamento de pneumonias tem como
usuais são confusão mental e descompensação de uma base a gravidade do quadro clínico e a necessidade ou
doença de base. não de internação.

Dependendo da gravidade, o paciente pode ser capaz Diagnóstico


de pronunciar frases inteiras ou apresentar dispneia O diagnóstico de pneumonia é fundamentado no
grave. Se houver acometimento da pleura, o paciente quadro clinicorradiológico, sendo necessário:
pode referir dor torácica pleurítica. Até 20% dos
pacientes podem apresentar queixas gastrintestinais, 1) Tosse e um ou mais dos seguintes sintomas –
como náuseas, vômitos e/ou diarreia. Outros sintomas expectoração, falta de ar, dor torácica;
podem incluir fadiga, cefaleia, mialgias e artralgias. 2) Achados focais no exame físico do tórax;
3) Pelo menos um achado sistêmico (confusão,
As anormalidades do exame físico podem variar com a
cefaleia, sudorese, calafrios, dores musculares,
gravidade da condensação pulmonar e a existência ou febre ≥ 37,8°C);
ausência de derrame pleural significativo. É comum 4) Infiltrado radiológico não presente previamente
observar aumento da frequência respiratória e
utilização dos músculos acessórios da respiração. A Nenhum sinal ou sintoma isolado sugere infecção do
palpação pode detectar acentuação ou atenuação do trato respiratório inferior, mas eles podem predizer
frêmito toracovocal, e a percussão pode evidenciar pneumonia.
submacicez e macicez, que refletem a condensação
Na avaliação clínica do paciente deve-se questionar: o
pulmonar ou o líquido pleural subjacente
paciente tem pneumonia? Em caso afirmativo, qual é
respectivamente. A ausculta pode detectar estertores,
sua etiologia provável? Em geral, a primeira pergunta é
sopros brônquicos e possivelmente atrito pleural. Na
respondida com base nos exames clínicos e
fase de resolução, os estertores aumentam
radiográficos, enquanto a última depende de técnicas
significativamente, diminuindo aos poucos, à medida
laboratoriais complementares.
que o murmúrio vesicular normal vai reaparecendo.
Diagnóstico Radiológico
PAC Grave
É definida como o estado clínico que necessita de Radiografia e TC de Tórax
tratamento em terapia intensiva. Vários fatores As pneumonias causadas por bactérias resultam em
prognósticos indicam maior mortalidade em PAC, sendo dois padrões principais: pneumonia lobar e
indicativos de PAC grave. Os preditores independentes broncopneumonia. Outro achado, ainda que menos
de morte são: sexo masculino, diabetes melito, doenças comum, é a pneumonia redonda.
neoplásica e neurológica, taquipneia, hipotensão,
hipotermia, leucopenia, bacteriemia e infiltrado Pneumonia Lobar
multilobar. ✓ Tipicamente progride da região subpleural e
O quadro clínico é caracterizado pela existência de atravessa segmentos adjacentes (distribuição
insuficiência respiratória, sepse grave ou choque não segmentar) para envolver a maior parte ou
séptico. Corresponde a 10% das pneumonias tratadas todo o lobo pulmonar.
em hospital. Os agentes etiológicos mais frequentes são: ✓ A consolidação quase invariavelmente toca a
S. pneumoniae (20%); bacilos gram-negativos (10%); superfície da pleura visceral.

Pedro Philippo
303 – Febre, Inflamação e Infecção 7
Problema 5

Figura 3 Pneumonia Lobar - PA - consolidação homogênea nos


segmentos anterior e posterior do lobo superior direito
Figura 4 Pneumonia Lobar - Perfil - consolidação homogênea nos
✓ Os brônquios geralmente continuam pérvios e
segmentos anterior e posterior do lobo superior direito
contêm ar em seu interior, criando um
broncograma aéreo ✓ Os nódulos do espaço aéreo ou nódulos
✓ Derrame pleural, geralmente pequeno, é acinares muitas vezes também são identificados
frequente na radiografia.
✓ Linfonodomegalia hilar ou mediastinal pode ser ✓ Derrame pleural é comum, mas geralmente
vista na tomografia computadorizada (TC) e pequeno
ocasionalmente na radiografia ✓ Linfonodomegalia hilar ou mediastinal pode ser
✓ Os principais agentes etiológicos de pneumonia vista na TC e ocasionalmente na radiografia.
lobar são o Streptococcus pneumoniae e, menos
frequentemente, Haemophilus influenzae,
Kiebsiella pneumoniae e Legionella
pneumophila.

Broncopneumonia

✓ Tipicamente progride da região centrolobular


(ou seja, dos bronquíolos) para o envolvimento
de todo o lóbulo pulmonar (consolidação
lobular) seguido por envolvimento da maior
parte ou de todo o segmento pulmonar
(consolidação subsegmentar e segmentar).
✓ As áreas de consolidação podem ser esparsas ou
confluentes, e frequentemente afetam mais de
um lobo pulmonar
✓ As manifestações do envolvimento
centrolobular na TC incluem pequenos focos
nodulares de consolidação com 5-10 mm de
diâmetro (nódulos do espaço aéreo ou nódulos Figura 5 Broncopneumonia - Radiografia de tórax em PA mostra
acinares), nódulos centrolobulares e padrão de opacidades focais mal definidas e pequenas áreas de consolidação
nas regiões pulmonares médias e inferiores à esquerda.
árvore em brotamento

Pedro Philippo
303 – Febre, Inflamação e Infecção 8
Problema 5
✓ Causas comuns de broncopneumonia incluem abscesso e empiema, para diferenciar pneumonia de
Staphylococcus aureus, Streptococcuspyogenes, massas pulmonares e, em com pouca ou nenhuma
Haemophilus influenzae, Pseudomonas resposta ao tratamento, para detectar anormalidades
aernginosa e bactérias anaeróbicas. subjacentes como tumor endobrônquico e
bronquiectasias.
Pneumonia Redonda
A principal função da imagem no diagnóstico da
✓ Pneumonia que se manifesta como área de
pneumonia é a confirmação da presença de
consolidação redonda ou oval que pode simular
anormalidades parenquimatosas consistentes com o
massa pulmonar
diagnóstico clínico. A radiografia e a TC têm valor
✓ Geralmente constitui etapa precoce na
limitado no diagnóstico da etiologia das pneumonias
evolução de pneumonia lobar
bacterianas. A resolução completa das alterações
✓ É mais comum em crianças.
radiológicas ocorre em duas semanas após a
✓ A causa mais comum é o Streptococcus
apresentação inicial em cerca de 50% das vezes e em
pneumoniae; outras causas incluem
seis semanas em dois terços dos casos. A resolução em
Haemophilus influenzae, Legionella
pacientes mais vulneráveis é mais lenta. Lesões
pneumophila e Nocardia spp.
residuais são encontradas em cerca de 25% dos casos de
Legionella sp. e pneumonia pneumocócica
bacteriêmica.

Figura 7 Broncopneumonia - TCAR mostra consolidação periférica


com vidro fosco circunjacente na língula, opacidades com atenuação
em vidro fosco no lobo inferior esquerdo e alguns nódulos acinares e
centrolobulares no lobo médio.
Figura 6 Pneumonia redonda - Radiografia de tórax em PA mostra
consolidação homogênea arredondada no lobo superior esquerdo USG

Recomendações Tem valor na avaliação de atelectasia e derrame


pleural. Isso facilita a realização de toracocentese em
A radiografia de tórax constitui o método de imagem casos com loculações ou mesmo em pacientes
de escolha na abordagem inicial do paciente com internados em UTI ou sob ventilação mecânica levando
suspeita de pneumonia por sua ótima relação custo- a toracocentese, o que minimiza os riscos de
efetividade, baixa dose de radiação e ampla pneumotórax.
disponibilidade. A radiografia de tórax pode também
indicar presença de condições associadas, como Exames Laboratoriais Inespecíficos
obstrução brônquica ou derrame pleural, sendo útil
♣ Saturação Periférica de O2: deve ser obtida de rotina.
também na monitorização da resposta ao tratamento.
Saturação menor ou igual a 90% com altos fluxos de O2
A TC de tórax é útil quando há dúvidas sobre a sugere remoção para a unidade de terapia intensiva
presença ou não de anormalidades na radiografia, na (UTI).
presença de um quadro clinico exuberante associado à
♣ Ureia: maior que 65 mg/dL é um indicador de
radiografia normal, na detecção de complicações como
gravidade.

Pedro Philippo
303 – Febre, Inflamação e Infecção 9
Problema 5
♣ Hemograma: identificação de leucopenia; leucocitose de internação prolongada, em função de isolamento de
além de plaquetopenia < 100.000 pode significar critério contaminantes com cocos Gram-positivos, muitas vezes
menor de gravidade. Staphylococcus coagulase-negativo, e
consequentemente há aumento na prescrição de
♣ PCR e Procalcitonina: a dosagem de proteína C reativa
vancomicina. Culturas positivas raramente levam a
pode ser útil como parâmetro objetivo de evolução do
modificação ou ajuste de antibioticoterapia.
processo inflamatório. A redução do nível de PCR indica
controle da infecção e auxilia na redução do tempo de A indicação de hemocultura é para pacientes com PAC
antibiótico. Queda inadequada de seus valores pode grave, pois podem ser infectados com patógenos
predizer falha terapêutica. No idoso com mais de 65 diferentes de S. pneumoniae, incluindo S. aureus, P.
anos, valor da PCR-ultrassensível > 61 mg/L é um fator aeruginosa e outros bacilos Gram-negativos. Além
independente associado a aumento do risco de disso, o rendimento é maior, há possibilidade de o
pneumonia (odds ratio [OR] 3,59; intervalo de confiança agente isolado não ser coberto pela antibioticoterapia
95% [IC 95%] 2,35 a 5,48; p < 0,0001). A procalcitonina empírica usual e pode afetar o manejo do antibiótico.
pode ser utilizada como marcador biológico e Pacientes com deficiências de complemento, asplenia,
inflamatório na identificação, desde a avaliação inicial, doenças hepáticas crônicas e leucopênicos têm
de pacientes com risco de fracasso terapêutico. Assim, incidência maior de bacteremia e também têm
pode diminuir a utilização de antibióticos. indicação de coleta do teste.

Escarro
O escarro pode ser submetido à bacterioscopia pelo
método de Gram e à cultura. O objetivo principal da
coloração do escarro pelo Gram é confirmar que uma
amostra é apropriada para cultura. Entretanto, a
coloração pelo Gram também pode ajudar a identificar
alguns patógenos (p. ex., S. pneumoniae, S. aureus e
bactérias Gram-negativas) por seu aspecto
característico. Para que uma amostra de escarro seja
apropriada para cultura, ela deve conter > 25
neutrófilos e < 10 células epiteliais escamosas por campo
Figura 8 Valores séricos de procalcitonina (PCT) em relação à PAC de pequeno aumento. A sensibilidade e a especificidade
da coloração pelo Gram e da cultura do escarro são
Diagnóstico Etiológico
muito variáveis. Mesmo nos casos de pneumonia
A necessidade de testes para determinar o diagnóstico pneumocócica com bacteremia, a positividade das
etiológico de PAC pode ser justificada por várias razões. culturas das amostras de escarro é ≤ 50%.
A principal delas é quando o resultado do teste mudará
Alguns pacientes, principalmente os idosos, podem não
o manejo do antibiótico. O espectro da terapia
conseguir fornecer amostras adequadas de escarro
antibiótica pode ser ampliado, ajustado ou
expectorado. Outros podem já ter iniciado o tratamento
completamente alterado com base no teste diagnóstico.
com antibióticos por ocasião da coleta das amostras e
Além disso, ajustar o antibiótico auxilia a diminuir
isso pode interferir nos resultados. A incapacidade de
custos, efeitos colaterais e a possibilidade de
fornecer escarro pode ser causada pela desidratação e a
resistência.
correção desse distúrbio pode aumentar a expectoração
Hemoculturas de escarro e acentuar o aspecto de um infiltrado na
radiografia de tórax. Nos pacientes internados em UTI
Quando coletadas previamente ao tratamento, são e intubados, o material obtido por aspirado traqueal
positivas para um patógeno em 5 a 14% dos pacientes ou lavado broncoalveolar (obtido por broncoscopia ou
hospitalizados por PAC. O rendimento desse teste é por outras técnicas) tem positividade alta na cultura
relativamente baixo, e quando analisado o impacto da quando a amostra é enviada ao laboratório de
positividade na tomada de decisões, ele é menor. S. microbiologia no menor tempo possível.
pneumoniae é o agente mais frequentemente isolado.
Resultados falso-positivos são associados com a duração

Pedro Philippo
303 – Febre, Inflamação e Infecção 10
Problema 5
Como as etiologias da PAC grave são um pouco endotraqueal, se entubado ou lavado
diferentes das que se observam na doença mais branda, bronquioalveolar;
as vantagens principais da coloração e da cultura das ✓ Falência de tratamento no paciente
secreções respiratórias são alertar o médico para ambulatorial: coleta de escarro para
patógenos insuspeitos e/ou resistentes e permitir a bacterioscopia e cultura, antígeno urinário para
modificação apropriada do tratamento. Outras Legionella e pneumococo;
técnicas de coloração e cultura (p. ex., colorações ✓ Infiltrados cavitários: hemoculturas, cultura de
específicas para M. tuberculosis ou fungos) também escarro para fungos e tuberculose;
podem ser úteis. ✓ Leucopenia: hemoculturas, antígeno para
pneumococo;
Teste de Antígeno Urinário ✓ Abuso de álcool ativo: hemoculturas, escarro
Existem dois testes disponíveis no comércio para para bacterioscopia e cultura, antígeno urinário
detectar antígenos pneumocócicos e de Legionella na para Legionella e pneumococo;
urina. O teste para L. pneumophila detecta apenas o ✓ Hepatopatia crônica grave: hemoculturas,
sorotipo 1, mas esse sorotipo é responsável pela antígeno para pneumococo;
maioria dos casos da doença dos legionários adquirida ✓ Doença pulmonar obstrutiva grave/estrutural:
na comunidade. A sensibilidade e a especificidade do escarro para bacterioscopia e cultura;
teste para antígeno da Legionella na urina podem ✓ Asplenia (anatômica ou funcional):
chegar a 90% e 99% respectivamente. O teste para hemoculturas, antígeno para pneumococo;
antígeno pneumocócico na urina também é muito ✓ Derrame pleural: hemoculturas, escarro para
sensível e específico (80% e > 90% respectivamente). bacterioscopia e cultura, antígeno urinário para
Embora possam ser obtidos resultados falso-positivos Legionella e pneumococo, toracocentese e
com amostras fornecidas pelas crianças colonizadas por cultura do líquido pleural;
pneumococos, o teste geralmente é confiável. Esses ✓ Viagens recentes (2 semanas): sorologias,
dois testes podem detectar os antígenos mesmo depois culturas para agentes suspeitos.
de ter sido iniciado o tratamento antibiótico apropriado.
Critérios de Gravidade
Sorologias
A avaliação da gravidade deve ser realizada em todo
São realizadas, mais comumente, para diagnóstico de paciente com diagnóstico clínico e radiológico de PAC.
agentes atípicos, como C. pneumoniae, M. pneumoniae, De acordo com a gravidade, haverá orientação para o
Legionella spp. É necessário soro nas fases aguda e de local de tratamento, estratégia diagnóstica com
convalescença, e considera-se a quadruplicação do necessidade de investigação etiológica e tratamento
título como resultado positivo. No entanto, deve-se antibiótico inicial.
considerar que o diagnóstico é retrospectivo, assim é
Vários sistemas de escores foram desenvolvidos para
mais utilizado em estudos epidemiológicos ou em casos
predizer o risco de morte nesses pacientes e eles têm
de falência de tratamento.
sido aplicados para guiar medidas que orientam o
PCR (polimerase chain reaction) tratamento em domicílio e admissão em hospital para
tratamento em enfermaria em unidade de terapia
A reação em cadeia de polimerase pode ajudar a intensiva (UTI). Os sistemas de escore mais estudados
melhorar a acurácia do diagnóstico microbiológico. É são o pneumonia severity index (PSI) e o CURB-65 (do
mais sensível para detecção de patógenos atípicos e inglês: confusion, urea, respiratory rate, body pressure,
vírus. A maioria dos reagentes para PCR, contudo, não idade 65 anos). O PSI é mais complexo e foi
estão comercialmente disponíveis, bem como não há desenvolvido para identificar pacientes com risco baixo
critério para teste de validação. de mortalidade, já o CURB-65 é mais simples e foi
Recomendações para Testes de Diagnóstico desenvolvido para identificar pacientes mais graves.
Etiológico No pronto-socorro do HC-FMUSP dá-se preferência ao
uso da ferramenta PSI, por conta do grau elevado de
✓ Pacientes tratados em UTI: coleta de sangue e
comorbidades da população da região, tendo em vista
escarro para culturas; antígeno urinário para
que o CURB-65 não leva em consideração as doenças de
Legionella; para pneumococo, aspirado
base do paciente. Tanto o PSI quanto o CURB foram

Pedro Philippo
303 – Febre, Inflamação e Infecção 11
Problema 5
idealizados e desenvolvidos para avaliarem o risco de
o paciente vir a óbito em 30 dias, porém ambas as
ferramentas falham na capacidade de predizer quais
pacientes irão evoluir para a necessidade de suporte
hemodinâmico ou respiratório intensivo.

Critérios de Gravidade para Admissão em Hospital


O PSI foi desenvolvido por Fine et al. e publicado em
1997, como parte do estudo de PORT (pneumonia
outcomes research team). Essa regra estratifica os
pacientes em cinco grupos, com diferentes estimativas
de risco de morte. Para isso, um sistema complexo foi
desenvolvido utilizando-se um processo dividido em
duas etapas que avalia fatores demográficos, doenças
associadas, achados de exame físico, dados de
ureia elevada (> 7 mmol/L ou > 50 mg/dL), R =
laboratório e radiográficos. Atribui-se pontuação a
frequência respiratória ≥ 30 rpm, B = hipotensão
cada alteração e os pacientes são alocados em cinco
arterial (pressão arterial sistólica < 90 mmHg e/ou
pressão arterial diastólica ≤ 60 mmHg), e idade ≥ 65
anos. Cada um dos cinco critérios recebe um ponto, e o
escore total varia entre 0 e 5. O risco de morte aumenta
com escore. Quando o escore encontra-se entre 0 e 1,
a mortalidade é de 0,7 a 3,2%; aqueles com escore 2
têm mortalidade de 13%, e para o escore 3 ou mais, a
mortalidade é maior que 20% (3 = 17%, 4 = 41,5% e 5 =
57%). Com base nessa informação, há recomendação
para que pacientes com escore de 0 a 1 sejam tratados
ambulatoriamente; pacientes com escore 2, considerar
tratamento em unidade hospitalar por período curto,
com alta abreviada, se estável; e aqueles com escore 3
ou mais devem ser internados como doença grave.

classes de risco. Os pacientes com risco baixo de


mortalidade encontram-se nas classes I e II
(mortalidade de 0,1 a 0,6% – considerar tratamento
ambulatorial) e III (mortalidade de 2,8% – considerar
Figura 9 Escore de avaliação da Sociedade Britânica Torácica – CURB-
internação breve/observação na emergência); aqueles
65
pacientes com risco moderado são alocados na classe
IV (considerar internação hospitalar – mortalidade de O critério CURB-65 foi simplificado para incluir
8,2%) e pacientes com risco alto são alocados na classe somente dados clínicos, omitindo-se a ureia e aplicando-
V (internação hospitalar – mortalidade de 29,2%). se o critério CURB-65 simplificado/CRB-65, que foi
efetivo para predizer mortalidade em 30 dias.
CURB-65 é um acrônimo de um dos sistemas de escore
Utilizando-se também um sistema de escore de 5
mais utilizado. É uma modificação da regra da Sociedade
pontos, com risco de mortalidade de 1,2% para escore
Britânica Torácica. Ela é simples, usa somente cinco
0, de 5,3% para escore 1, de 12,2% para escore 2, de
fatores na sua abordagem: C = confusão mental; U =

Pedro Philippo
303 – Febre, Inflamação e Infecção 12
Problema 5
32,9% para escore 3 e de 18,2% para escore 4. Os Outra método de avaliação é o SMART-COP, publicado
pacientes com escore 0 e 1 podem ser tratados em em 2008 pela Clinical Infectious Diseases. Ele apresenta
domicílio. Aqueles com escores maiores devem ser 8 variáveis clínicas e laboratoriais, pontuando de 0 a 11
internados. pontos. Nesse estudo a presença de 3 ou mais pontos
conseguiu predizer 92% dos pacientes que
Critérios de Gravidade para Admissão em UTI necessitariam de suporte respiratório intensivo ou
Define-se como grave PAC com potencial de evoluir vasopressor. Essa ferramenta foi posteriormente
com deterioração do quadro clínico, alto risco de validada em 5 bases de dados, englobando cerca de
mortalidade e necessidade de tratamento em UTI. 7.500 pacientes, e vem sendo cada dia mais utilizada na
prática clínica diária.
A utilização de sistemas de avaliação em pacientes com
PAC grave não está bem definida quando se usa PSI ou Escore SMAR-COP
CURB-65. Outras regras foram desenvolvidas com esse Critérios Pontuação
propósito. Ewig et al. observaram que a necessidade de PAS < 90 mmHg 2
internação em UTI era definida pela presença de dois PO2 < 60 mmHg 2
dos três dos critérios menores (pressão arterial sistólica pH < 7,35 2
≤ 90 mmHg, doença multilobar, PaO2/FIO2 ≤ 250) ou um Infiltrados Multilobares 1
dos dois critérios maiores (necessidade de ventilação Albumina < 3,5 g/dL 1
mecânica ou choque séptico). Essa foi a regra adotada FR > 30 irpm 1
FC > 124 bpm 1
para avaliação dos pacientes com PAC grave na diretriz
Confusão Mental 1
para PAC da SBPT 2009.
Diagnósticos Diferenciais
No caso de pacientes com infiltrados que sugerem
pneumonia é sempre importante considerar outros
diagnósticos alternativos. Muitas vezes o
desaparecimento da imagem de pneumonia ocorre
A diretriz da IDSA/ATS, publicada em 2007, recomenda semanas após o final da antibioticoterapia, de forma
a presença de pelo menos três dos nove critérios que é necessário, caso esta ainda persista, avaliar
menores: frequência respiratória ≥ 30 rpm; PaO2/FIO2 ≤ possíveis diagnósticos diferenciais.
250; acometimento radiográfico multilobar;
1. Radiografia de Tórax Anormal
confusão/desorientação; ureia ≥ 20 mg/dL; leucopenia
• Insuficiência cardíaca com síndrome viral
(contagem leucócitos < 4.000 cél/mm3);
associada
trombocitopenia (contagem de plaquetas < 100.000 • Pneumonite por aspiração
cél/mm3); temperatura < 36°C; hipotensão com • Infarto pulmonar por tromboembolismo
necessidade de infusão de líquidos, para a indicação de • Exacerbação aguda de fibrose pulmonar
internação direta em UTI; além da necessidade de • Exacerbação aguda de bronquiectasias
ventilação mecânica por insuficiência respiratória • Pneumonia eosinofílica aguda
aguda, ou choque séptico que necessita de drogas • Pneumonite de hipersensibilidade
vasopressoras. • Vasculite pulmonar
• Lesão pulmonar induzida por cocaína
• Pneumonia organizada criptogênica
• Neoplasias
2. Radiografia de Tórax Normal
• Exacerbação aguda de DPOC
• Gripe
• Bronquite aguda
• Pertussis
• Asma com síndrome viral associada
Figura 10 Diagnósticos diferenciais de PAC

Pedro Philippo
303 – Febre, Inflamação e Infecção 13
Problema 5
Tratamento autorizado a priorizar o início da antibioticoterapia
precoce – e deve fazê-lo.
O manejo da pneumonia se baseia no diagnóstico
correto, na pesquisa microbiológica eficaz, na avaliação
de gravidade, na decisão do local de internação, na
antibioticoterapia empírica, nos corticosteroides
sistêmicos, na monitorização da resposta terapêutica e
nos critérios para alta segura. Com esses fatores em
mente e sistematizados, é possível dar o melhor cuidado
possível para esses pacientes com morbimortalidade
tão elevada.

De maneira prática e sistemática, ao se deparar com um Figura 11 Manejo da PAC

paciente com suspeita de pneumonia, deve-se levar em


Tratamento de pacientes ambulatoriais
conta algumas variáveis na tomada de decisão. A
primeira seria a idade do paciente; caso ele tenha menos O tratamento antibiótico inicial é definido de forma
de 50 anos, deve-se interrogá-lo sobre doenças prévias, empírica devido à impossibilidade de se obterem
como insuficiência cardíaca, hepática ou renal, doença resultados microbiológicos logo após o diagnóstico da
pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), sequela de PAC, o que permitiria escolher antibióticos dirigidos a
doenças neurológicas ou história de neoplasia recente agentes específicos. A escolha do antibiótico deve levar
ou em tratamento. Ademais, deve-se procurar sinais de em consideração: 1) patógeno mais provável no local de
alarme na apresentação clínica da doença, que são aquisição da doença; 2) fatores de risco individuais; 3)
confusão mental, hipotensão, temperatura muito alta presença de doenças associadas; e 4) fatores
ou muito baixa, taquicardia, taquipneia, hipoxemia na epidemiológicos, como viagens recentes, alergias e
oximetria de pulso ou infiltrado difuso na radiografia de relação custo-eficácia.
tórax.
A conduta para pacientes de baixo risco é
A partir do momento em que não se identificam os ambulatorial, desde que eles tenham plenas condições
fatores citados, o paciente é automaticamente socioeconômicas de seguir o tratamento indicado e
classificado como de baixo risco e não necessita de acesso fácil ao sistema de saúde para eventuais
exames complementares. A conduta desses pacientes é retornos. Nesses casos, se recomenda o uso de
ambulatorial. monoterapia com β-lactâmico (amoxicilina por 7 dias)
ou macrolídeo (azitromicina ou claritromicina por 5
Caso o paciente tenha mais de 50 anos, uma das
dias). Não há necessidade de pesquisa microbiológica de
comorbidades que aumentam o rico de desfechos
rotina, como também deve -se orientar quanto ao
desfavoráveis ou sinais de alarme de doença,
retorno ao serviço de saúde, caso haja piora dos
recomenda-se prosseguir a abordagem com exames
sintomas ou se não houver melhora. O uso de
complementares a fim de calcular a gravidade de cada
amoxacilina é associada a maior número de pacientes
caso via PSI, como também utilizar o SMART-COP com
com falha terapêutica.
intuito de saber se haverá benefício com o suporte
hemodinâmico ou respiratório intensivo (UTI). A prescrição de quinolona
respiratória/fluoroquinolonas (levofloxacino ou
Se, após coleta dos exames laboratoriais, o paciente for
moxifloxacino) a esse grupo de pacientes não é
classificado como PORT II, ele pode ser conduzido da
recomendada e deve ser desencorajada, por conta da
mesma forma que os de baixo risco, ou seja, tratamento
indução de resistência bacteriana e maior perfil de
ambulatorial com monoterapia. Por outro lado, se o
efeitos colaterais. No Brasil, essa recomendação ganha
paciente for classificado como PORT III, IV ou V, deve-
mais importância pela alta prevalência de infecção por
se considerar internação hospitalar mesmo que seja por
M. tuberculosis, na qual o uso de quinolona respiratória
um curto período (24 a 48 h), como recomendado para
pode negativar a pesquisa do bacilo, como também
os pacientes PORT III. O intervalo recomendado para o
induzir perfis de resistência de difícil tratamento na
início da antibioticoterapia é de 4 h, porém, se o
micobactéria.
paciente apresenta instabilidade hemodinâmica ou
franca insuficiência respiratória, o médico está

Pedro Philippo
303 – Febre, Inflamação e Infecção 14
Problema 5
Os riscos de infecção por agentes patogênicos Após realização de pesquisa microbiológica e início da
resistentes e de falência terapêutica são maiores antibioticoterapia empírica, deve-se considerar a
quando há história de uso de um antibiótico nos três prescrição de corticosteroides sistêmicos como terapia
meses anteriores, quando os pacientes vêm de regiões adjuvante nos pacientes internados por pneumonia.
onde a taxa local de resistência aos macrolídeos é Nos últimos anos surgiram várias publicações a respeito
superior a 25% - o que ocorre, por exemplo, nos EUA e do uso dos corticoides na pneumonia, e até na
em alguns outros países - e presença de doenças metanálise da Cochrane publicada no final de 2017 isso
associadas (DPOC, doença hepática ou renal, câncer, ainda gerava dúvida. Essa metanálise envolvendo cerca
diabetes, insuficiência cardíaca congestiva, alcoolismo de 2.000 pacientes de 12 ensaios clínicos randomizados
ou imunossupressão). Para esses casos específicos, demonstrou que o corticoide reduziu o risco de morte
recomenda-se para o tratamento ambulatorial da PAC de pacientes com PAC grave (NNT = 18) e reduziu a
associar macrolídeos a um β-lactâmico ou realizar falha de tratamento precoce nos pacientes com
monoterapia com uma fluoroquinolona respiratória pneumonia grave e não grave que necessitaram de
por pelo menos 5 dias. internação, sem aumento de eventos adversos graves.
A dose não ficou muito bem estabelecida por conta da
Tratamento de Pacientes Internados em heterogeneidade dos estudos, porém se recomenda
Enfermarias prednisona 40 mg/dia por 5 dias para pacientes com
A monoterapia com o uso de uma fluoroquinolona via oral patente ou metilprednisolona 0,5 mg/kg de 12-
respiratória isolada (levofloxacino, moxifloxacino ou 12 h.
gemifloxacino) ou a associação de um β-lactâmico a
um macrolídeo têm sido recomendadas por diretrizes
para o tratamento de pacientes com PAC internados
em enfermarias devido a boa cobertura e bons
resultados nas infecções causadas por S. pneumoniae,
M. pneumoniae, C. pneumoniae, H. influenzae ou
Legionella sp.

As fluoroquinolonas respiratórias apresentam ampla


cobertura microbiológica, comodidade posológica e
facilidade na mudança de terapia parenteral para oral.
Entretanto, seu uso excessivo pode induzir o
aparecimento subsequente de organismos
multirresistentes entre os pacientes tratados, fato
também observado com β-lactâmicos. Vale ressaltar
que o ciprofloxacino, embora seja uma fluoroquinolona
de segunda geração, não está recomendado para o
tratamento da PAC por germes comunitários por carecer
de ação contra o pneumococo e outros organismos
Gram positivos. Nesses casos, a monoterapia com
Figura 12 Tratamento antibiótico empírico para pneumonia
macrolídeos não está indicada em nosso meio devido à
adquirida na comunidade
alta prevalência de resistência do S. pneumoniae a esta
classe de antibióticos. Complicações
Tratamento de Pacientes Internados em UTI Assim como ocorre com outras infecções graves, as
complicações comuns da PAC grave incluem
A terapia combinada deve ser recomendada para
insuficiência respiratória, choque e falência de
pacientes com PAC grave com indicação de admissão
múltiplos órgãos, coagulopatia e exacerbação das
em UTI por reduzir a mortalidade. A administração dos
comorbidades existentes. Três complicações
antibióticos deve ser a mais precoce possível e deve
particularmente dignas de nota são infecções
incluir preferencialmente um macrolídeo e um β-
metastáticas, abscesso pulmonar e derrame pleural
lactâmico, ambos por via endovenosa.
complicado. A infecção metastática (p. ex., abscesso

Pedro Philippo
303 – Febre, Inflamação e Infecção 15
Problema 5
cerebral ou endocardite) é muito incomum e necessitará resolução do quadro, sendo mandatária a introdução de
de um alto índice de suspeição e de uma avaliação dreno intercostal.
detalhada para um tratamento adequado. O abscesso
Critérios para Indicação de Drenagem Torácica
pulmonar pode estar associado à aspiração ou às
Derrame pleural ocupando mais que ½ do hemitórax
infecções causadas por um único patógeno da PAC,
na radiografia
inclusive MRSA-AC, P. aeruginosa ou (raramente) S.
Derrame loculado visto pela TC, USG ou radiografia
pneumoniae. Em geral, a pneumonia por aspiração é
Aspiração de pus (empiema)
uma infecção polimicrobiana causada por aeróbios e pH do líquido pleural < 7,2
anaeróbios. Glicose do líquido pleural < 60 mg/dL
Derrame Pleural Parapneumônico Identificação de microrganismos na bacterioscopia
ou cultura do líquido pleural
O derrame exsudativo que se associa a um episódio de Ausência de melhora clínica com antibioticoterapia
pneumonia é definido como derrame parapneumônico, isolada
sendo a principal causa de derrame pleural
inflamatório. Quando há indícios de infecção do líquido
pleural, o derrame passa a ser chamado de
parapneumônico complicado, e caso o aspecto
macroscópico seja purulento, define-se como
empiema. Em ambos os casos a drenagem torácica é
procedimento mandatário.

Apesar dos avanços no tratamento da pneumonia, a


mortalidade dos pacientes que desenvolvem derrame
pleural continua muito alta, quando comparada aos
pacientes que têm pneumonia, mas não apresentam
derrame associado. Além do mais, atrasos na
Figura 13 Classificação do derrame pleural parapneumônico
identificação e drenagem dos derrames complicados
estão associados a mortalidade ainda maior.

Aproximadamente 20% das pneumonias adquiridas na


comunidade desenvolvem derrame pleural
identificável pela radiografia de tórax, e desses, 30%
vão evoluir com derrame complicado ou empiema. Os
sintomas clássicos de empiema, como febre mantida,
tosse com expectoração e dor torácica, muitas vezes não
vão estar presentes nos idosos, que mais comumente
se apresentam com fadiga, anemia e ausência de
melhora do quadro de base. Devido a esse quadro
oligossintomático, geralmente há atraso na
identificação do derrame pleural em pacientes idosos
com pneumonia, o que está associado a altas taxas de
falha de terapias não cirúrgicas para o empiema. Logo,
é crucial considerar a presença de derrame complicado
em pacientes idosos com pneumonia.

O grande desafio na abordagem do derrame


parapneumônico é identificar os derrames não
purulentos daqueles que necessitam de drenagem
torácica. A presença de qualquer um dos critérios
listados a seguir é muito sugestiva de que a
antibioticoterapia isolada não vai ser suficiente para

Pedro Philippo

Você também pode gostar