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Problema 7
Doenças do Fígado A incidência mundial de hepatite viral aguda está
diminuindo por causa da melhora global das condições
Hepatite Viral Aguda de higiene e do desenvolvimento e uso de vacinas
eficazes contra HAV e HBV e, talvez, no futuro, HEV. As
A hepatite viral aguda é uma infecção sistêmica que condições no Brasil, incluindo heterogeneidade
afeta predominantemente o fígado. Pode ser melhor socioeconômica, a distribuição irregular dos serviços de
definida como uma infecção que leva à necroinflamação saúde, a incorporação desigual de tecnologia avançada
do fígado, com manifestações clínicas e laboratoriais para diagnóstico e tratamento de enfermidades, são
relacionadas, sobretudo, às alterações hepáticas elementos importantes a serem considerados na
decorrente desse processo inflamatório. Representam a avaliação do processo endemoepidêmico das hepatites
causa mais frequente das hepatopatias agudas e virais.
crônicas.
Características Gerais da Hepatite Viral Aguda
Quase todos os casos de hepatite viral aguda são
causados por um desses cinco agentes virais: vírus da Patologia
hepatite A (HAV), vírus da hepatite B (HBV), vírus da
hepatite C (HCV), vírus da hepatite D (HDV) e vírus da A hepatite viral aguda é caracterizada por
hepatite E (HEV). Todos os vírus das hepatites humanas necroinflamação hepática aguda. Como nenhum dos
são vírus RNA, exceto o da HBV, um vírus DNA, mas que vírus hepatotrópicos é citopático, acredita-se que a
se replica como um retrovírus. Esses agentes podem ser lesão hepática seja mediada por uma forte reação
diferenciados por suas propriedades moleculares e citotóxica das células T contra hepatócitos infectados
antigênicas, porém todos os tipos de hepatite viral que expressam antígenos virais na superfície. As
produzem doenças clinicamente semelhantes. Variam, citocinas pró-inflamatórias, células natural-killer, e
por um lado, desde infecções assintomáticas e citotoxicidade celular dependente de anticorpos
inaparentes até infecções agudas fulminantes e fatais também parecem desempenhar um papel na
comuns a todos os tipos, e, por outro lado, desde necroinflamação hepática.
infecções subclínicas persistentes até doença hepática A eliminação imune bem-sucedida pode levar à
crônica rapidamente progressiva com cirrose e até depuração viral, que pode ou não estar associada à
mesmo carcinoma hepatocelular, comum a todos os imunidade ao longo da vida, dependendo do agente
tipos hematogênicos (HBV, HCV e HDV). infeccioso. A reação imunológica às vezes é tão potente
Vírus não hepatotrópicos podem causar hepatite que o paciente desenvolve hepatite subfulminante ou
aguda, entretanto, as manifestações clínicas mesmo fulminante que requer transplante hepático. Em
relacionam-se, na maioria das vezes, ao quadro viral alguns pacientes – a proporção viral, de acordo com o
sistêmico. Entre esses vírus encontram-se os de rubéola, vírus responsável pela hepatite aguda – a resposta
febre amarela, coxsackie, sarampo, caxumba, Episten- imune falha e infecção crônica é estabelecida.
Barr, adenovírus, herpes, varicela e citomegalovírus. Há, Patologia
ainda, outros vírus hepatotrópicos que causam
hepatites e que ainda não foram identificados, As lesões morfológicas típicas de todos os tipos de
denominados não A e não E. hepatite viral são semelhantes e consistem em
infiltração panlobular com células mononucleares,
necrose das células hepáticas, hiperplasia das células
de Kupffer e graus variáveis de colestase. Ocorre
regeneração dos hepatócitos, conforme evidenciada por
numerosas figuras mitóticas, células multinucleadas e
formação de “rosetas” ou “pseudoacinares”. A
infiltração mononuclear consiste principalmente em
pequenos linfócitos, apesar da presença ocasional de
plasmócitos e eosinófilos. O dano às células hepáticas
Figura 1 Vírus responsáveis pela hepatite viral aguda e probabilidade consiste em degeneração e necrose dessas células,
de evolução crônica desaparecimento de células, células em formato de
balão e degeneração acidófila dos hepatócitos
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(corpúsculos de Councilman ou apoptóticos). Grandes os cinco vírus hepatrópicos levando-se em conta
hepatócitos com aspecto de vidro fosco do citoplasma somente o quadro clínico. Além disso, se o diagnóstico
podem ser visualizados na infecção crônica, porém não for baseado em aspectos epidemiológicos, as
na infecção aguda pelo HBV; essas células contêm possibilidades de erro podem ser elevadas. Assim, é
HBsAg, podendo ser identificadas histoquimicamente necessária a confirmação diagnóstica com marcadores
com orceína ou fuscina aldeído. Na hepatite viral sem virais específicos.
complicações, o arcabouço de reticulina é preservado.
A hepatite viral aguda pode se apresentar como
infecção assintomática ou sintomática, ictérica ou
anictérica, ou ainda, como formas colestáticas. Com
relação a hepatite sintomática, em geral, o curso clínico
é semelhante todos os tipos de hepatite viral aguda,
entretanto algumas peculiaridades podem ser
observadas, como a presença de artralgia ocasional,
mais associada a infecção pelo HBV. Além disso, há
tendência para a manifestação clínica inicial ser mais
aguda na hepatite A e insidiosa na hepatite C.
Raramente, as hepatites virais podem evoluir de forma
extremamente grave, levando ao quadro de
insuficiência hepática fulminante.
Figura 2 Hepatite Viral: forma aguda Fase pré-ictérica ou prodrômica. O paciente pode
apresentar pródromos, como mal-estar, astenia, febre,
Uma lesão histológica mais grave, a necrose hepática anorexia, náuseas, vômitos, cefaleia, desconforto
em ponte, também denominada necrose subaguda ou abdominal, mialgia, diarreia ou obstipação, rinorreia,
confluente da interface, é observada ocasionalmente na tosse e artralgia antes do aparecimento da colúria e da
hepatite aguda. icterícia. O período pré-ictérico tem duração média de
uma semana, podendo se estender por três semanas.
As presenças de urticária, artrite, glomerulonefrite,
doença do soro e exantema são mais associados à
hepatite B.
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sugerir instalação de insuficiência hepática aguda. Por Na hepatite C, a possibilidade de cura é menor,
outro lado, em algumas situações, uma hepatite crônica permanecendo a infecção de forma latente,
silenciosa pode se apresentar inicialmente como um assintomática e crônica em cerca de 55 a 80% dos casos.
quadro semelhante ao da hepatite aguda, necessitando Cerca de 95% dos recém-nascidos infectados pelo HBV,
da diferenciação entre as formas de hepatite para habitualmente assintomáticos, permanecem como
instituição de uma conduta adequada. portadores, enquanto 20% das crianças de adquirem
hepatite B aguda se tornam cronicamente infectadas.
A icterícia pode ser leve, ou às vezes, intensa,
Cerca de 2 a 10% dos adultos com hepatite B aguda
acompanhada de prurido, mas, em geral, os níveis de
persistem com o vírus cronicamente.
bilirrubinas são inferiores a 20 mg/dL. Na hepatite
causada pelo HAV, o período ictérico é, habitualmente,
mais curto. Nessa fase, telangectasias transitórias
podem ser observadas, mas a presença delas está
habitualmente associada à exacerbação de doença
hepática crônica.
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associadas a alterações nas dosagens de bilirrubina e, 50% por semana, e retornam aos níveis normais, em
em alguns casos, do tempo de protrombina, albumina, média, 2 a 8 semanas após início da icterícia. Nas formas
fosfatase alcalina, leucograma, sumário e urina, além da colestáticas, em indivíduos com insuficiência renal ou
positividade para os marcadores sorológicos dos vírus com deficiência de glucose-6-fosfato-desidrogenase
identificados. Outros exames podem ser necessários (G6PD), os níveis podem ultrapassar o valor de 30
para diagnóstico diferencial, como dosagem sérica de mg/dL.
anticorpos, cobre, creuloplasmina, alfa-1-antitripsina e
dosagem de cobre urinário de 24 horas, além da
investigação de lesão hepática por drogas. (Quadro
Clínico + Epidemiologia + Achados Laboratoriais →
Diagnóstico).
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capsídeo icosaédrico não envelopado de 27 nm que detectado nas fezes e outros fluidos corporais 3 a 10 dias
expressa o antígeno da hepatite A e contém um genoma antes do início da doença e de 1 a 2 semanas
RNA de cadeia positiva de aproximadamente 7,5 kb de subsequentes, mas geralmente não são necessários. O
comprimento. Pelo menos quatro diferentes genótipos anti-HAV-IgG pode ser detectável na fase aguda,
HAV foram descritos em seres humanos (genótipos I, II, todavia, durante a fase de convalescência passa a ser o
III e VII), com o genótipo I predominando em todo o anticorpo predominante, atingindo níveis máximos em
mundo. Outros genótipos foram isolados em primatas 3 a 12 meses, persistindo ao longo da vida do indivíduo.
não humanos. É ainda pouco claro até que ponto os
genótipos diferentes estão associados a distintos cursos
clínicos de infecção.
Epidemiologia
A infecção por HAV tem uma distribuição mundial, e as
infecções podem ser esporádicas ou ocorrer em surtos
epidêmicos. A incidência de casos agudos e a
soroprevalência cariam de acordo com a higiene,
saneamento, habitação e padrões socioeconômicos da
região. Nos países em desenvolvimento, a infecção
ocorre geralmente em idade jovem, e a maior parte da
população está protegida após os 10 anos.
Figura 5 Curso sorológico da hepatite A aguda
A HAV é geralmente transmitida via fecal-oral, na
maioria das vezes diretamente de pessoa para pessoa
Hepatite B
ou através da ingestão de alimentos ou água Patógeno
contaminados com fezes. A transmissão por transfusão
tem sido relatada, e casos isolados de transmissão O HBV é um membro da família Hepadnaviridae, gênero
perinatal aparente têm sido descritos. Grupos de alto Hepadnavírus. O virion infeccioso, a partícula de Dane,
risco para hepatite A aguda incluem viajantes para é de 42 a 47 nm de diâmetro. Possui um envelope e uma
países em desenvolvimento, crianças em creches e cápside ou núcleo que contém o genoma de DNA
seus pais, homens que fazem sexo com homens, circular, de fita parcialmente dupla. O genoma HBV é
usuários de drogas injetáveis, hemofílicos, que menor genoma do vírus humano conhecido, com cerca
recebem produtos do plasma, e as pessoas em de 3.000 nucleotídeos.
instituições.
Epidemiologia
Manifestações Clínicas
Dois bilhões de pessoas, ou seja, um terço da
Tipicamente, o período de incubação é de 15 a 45 dias. população humana, estiveram em contato com o HBV,
Na maioria dos casos, a infecção aguda leva um curso e mais de 350 milhões de pessoas têm infecção crônica.
leve, muitas vezes não reconhecido. A incidência de Os virions são produzidos e circulam em quantidades
casos ictéricos, sintomáticos aumentam com a idade no muito elevadas em indivíduos infectados por HBV, e são
momento da infecção. Uma hepatite aguda em adultos altamente contagiosos. Quatro principais vias de
pode necessitar de hospitalizações em 13% dos casos; transmissão são responsáveis pela infecção aguda por
cursos relatados de 6 a 9 meses foram relatados em 10% HBV: (1) de transmissão sexual, que é a principal via em
dos pacientes adultos. A hepatite A é a causa mais áreas industrializadas; (2) de transmissão da mãe para
comum de hepatite colestática recorrente. o bebê perinatal (vertical), que está associada a uma
taxa muito elevada (> 90%) de infecção crônica; (3) de
Diagnóstico transmissão horizontal, através do contato não sexual
O diagnóstico da hepatite A é baseado na detecção de interindividual, o que é frequente na idade jovem na
anticorpos anti-HAV da imunoglobulina (Ig) M no soro África e está associada à evolução para a cronicidade em
por ensaios imunoenzimáticos. Os níveis séricos de IgM 15% dos casos; (4) transmissão percutânea por sangue
atingem o ponto máximo durante o segundo mês da e seus produtos, materiais cirúrgicos ou clínicos
infecção. O RNA do HAV pode ser transitoriamente perigoso ou uso de drogas injetáveis.
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Nos países industrializados, os grupos de alto risco para indetectáveis após vários anos. Avaliação quantitativa
infecção pelo HBV inclui indivíduos nascidos em áreas de HBsAg pode ser útil durante o curso de hepatite B
endêmica de HBV, incluindo imigrantes e crianças aguda, por que se seu nível não diminui rapidamente, o
adotadas, os indivíduos que não foram vacinados paciente está em risco para evolução crônica. Os
quando crianças, cujos pais nasceram em regiões que o pacientes que permanecem com HBV-DNA e/ou HBeAg
HBV é endêmico; contatos com familiares e contatos positivo após 6 semanas do início dos sintomas são
sexuais com indivíduos HBsAg positivos; pessoas que já suscetíveis a desenvolver infecção crônica.
consumiram drogas injetáveis; pessoas com múltiplos
parceiros sexuais ou histórico de DST; homens que
fazem sexo com outros homens; detentos em
penitenciárias; pacientes infectados por HCV ou HIV
submetidos a diálise renal; receptores de sangue ou
hemoderivados antes de 1987; e profissionais da
saúde.
Manifestações Clínicas
Tipicamente, o período de incubação é de 30 a 150
dias. A icterícia tem sido relatada em até um terço dos
pacientes adultos com hepatite B aguda, mas a maioria
dos casos não é reconhecida. Entre os pacientes
sintomáticos, as manifestações são semelhantes aos de
outras causas de hepatite viral aguada.
Figura 6 Cinética do HBV durante a fase aguda de autorresolução da
hepatite B
Prognóstico
A hepatite fulminante é mais frequente na infecção
por HBV aguda do que em outros tipos de hepatite viral
aguda, com uma incidência de cerca de 0,1%. Fatores
associados a prognósticos adversos da hepatite B aguda
incluem a idade avançada, o sexo feminino e talvez
algumas cepas do vírus. Se a infecção com uma estirpe
mutante pré-core está associada a uma doença mais
Diagnóstico grave ou fulminante ainda é debatido.
Quatro marcadores devem ser pesquisados para o Hepatite C
diagnóstico de hepatite B aguda: HBsAg, anticorpos
anti-HBc total, anti-HBc IgM e anticorpos anti-HBs. A Patógeno
hepatite B aguda é caracterizada pela presença
O HCV é um membro da família Flaviviridae, gênero
simultânea de ambos HBsAg e IgM anti-HBc. O
Hepacivírus. O genoma é uma molécula de RNA positiva,
anticorpo anti-HBc total também está presente,
linear de filamento único, cuja extremidade 5′ contém
enquanto anticorpos anti-HBs não estão. Durante a fase
um local de entrada ribossômica interna envolvido na
de convalescência, os pacientes perdem HBsAg antes do
tradução de poliproteína, o genoma também inclui uma
aparecimento de anticorpos anti-HBs; eles podem
fita de leitura aberta única e uma curta região 3′ não
apresentar anticorpos anti-HBc isolado, e o diagnóstico
codificante envolvidos na replicação. O genoma está
baseia-se na presença de anti-HBc IgM. A recuperação é
contido em uma proteína da cápside ou do núcleo, que
caracterizada pelo aparecimento de anticorpos anti-
em si é rodeado por um envelope de bicamada lipídica
HBs. A presença de anticorpo tanto anti-HBc total
em que são inseridas duas glicoproteínas virais
quanto anti-HBs caracteriza a recuperação da hepatite
mediante fixação da partícula viral em moléculas
B aguda. O anti-HBc IgG permanece em níveis elevados
receptoras na superfície das células-alvo.
para toda vida do paciente, enquanto os títulos de
anticorpos anti-HBs podem flutuar e tornam-se Epidemiologia
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O HCV está presente em todos os continentes, e cerca fase aguda, mesmo na ausência de sintomas. A hepatite
de 120 a 130 milhões de pessoas, está cronicamente C fulminante tem sido relatada, mas parece ser
infectada. Nos países industrializados, a incidência de excepcional, na ausência de outra doença hepática
infecção pelo HCV diminui consideravelmente devido à crônica subjacente.
triagem de sangue e medidas para prevenir infecções
virais em usuários de drogas injetáveis. A prevalência de
HCV é maior em áreas em desenvolvimento do mundo,
onde a principal via de infecção pelo HCV é
procedimentos médicos ou cirúrgicos inseguros.
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Após a exposição acidental com agulha, nem a de recuperação espontânea incluem sexo feminino, o
imunoglobulina nem a terapia preventiva com declínio precoce dos níveis de HCV RNA, e altos níveis de
interferon-α peguilado é recomendada. Os pacientes transaminases ou bilirrubina. Os pacientes que se
devem ser monitorados com HCV RNA e recuperam espontaneamente podem apresentar
aminotransferases no início, na semana 2 e 4 e 6 mês anticorpos anti-HCV detectáveis por anos a décadas,
após a exposição. Os doentes que tenham infecção mas eles não estão protegidos contra a reinfecção pelo
documentada devem ser tratados como anteriormente. HCV. Não está claro se o genótipo influencia as taxas de
recuperação.
Epidemiologia
O álcool é o terceiro maior fator de risco para carga de
doença no mundo. A maior parte da mortalidade
atribuída ao álcool é secundária a cirrose. A mortalidade
por cirrose está diminuindo na maioria dos países
ocidentais, paralelamente com uma redução do
consumo de álcool. Essas elevações na cirrose e suas
Figura 8 Marcadores da cinética da hepatite C durante a fase aguda,
que evolui para infecção crônica complicações estão intimamente ligados com o
aumento do volume de álcool consumido per capita e
Prognóstico não depende de gênero.
Cerca de 50% a 80% dos pacientes são incapazes de Entre os fatores de risco conhecidos para
eliminar o HCV espontaneamente e desenvolvem desenvolvimento de doença hepática alcoólica, a
infecção crônica. A recuperação espontânea é mais quantidade de álcool consumida é a mais importante.
frequente se a infecção é adquirida no nascimento As mulheres correm maior risco para desenvolvimento
(aproximadamente 50%) e se a hepatite aguda é de doença hepática alcoólica, elas desenvolvem uma
sintomática. Outros fatores associados a melhores taxas hepatopatia avançada com ingestão alcoólica
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substancialmente menor. Em geral, o tempo que deve P-450, que envolve principalmente o citocromo
transcorrer para o desenvolvimento da doença hepática P-450 2E1 (CYP2E1). Aumento de atividade da
está diretamente relacionado com a quantidade de CYP2E1 pode ser induzido por maior consumo
álcool consumida. do álcool, o que explica a tolerância que se
desenvolve em alcoolistas crônicos. Também
O limiar para desenvolver hepatite alcoólica é maior
estão envolvidas CYP1A1, CYP3A e CYP4A. A
nos homens, enquanto as mulheres correm maior risco
ação da CYP2E1 sobre o etanol gera radicais
a vir desenvolver graus semelhantes de lesões hepáticas
livres de O2;
ao consumirem significativamente menos. As diferenças
3) Via da catalase, que se faz nos peroxissomos,
que dependem do sexo resultam de efeitos pouco
menos importante e responsável por apenas
compreendidos do estrogênio, proporção de gordura
10% do metabolismo do álcool.
corporal e metabolismo gástrico do álcool. A obesidade,
uma dieta rica em gorduras e o efeito protetor do café
foram postulados como importantes no
desenvolvimento do processo patogênico.
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inflamatória (hepatite). Destruição hepatocitária induz ♣ Esteatose hepática: surge após ingestão discreta a
regeneração hepática e neoformação conjuntiva, o que moderada de álcool. Macroscopicamente, o fígado
pode, em certo número de pacientes, evoluir para mostra-se grande, amolecido e amarelo. Cerca de 90%
cirrose. dos alcoolistas desenvolvem esteatose, que é reversível
com abstinência (2 a 4 semanas). Microscopicamente,
encontra-se glóbulos de gordura no citoplasma dos
hepatócitos.
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direito do abdome, além de náuseas e discreta icterícia. raramente a AST ultrapassa 300 U/l em valores
Além disso, podem ter anorexia e fadiga. absolutos. Fosfatase alcalina e gama-GT também
aumentam na hepatite alcoólica, mas nunca > 3x o LSN.
Entre 60-90% dos casos cursam com hiperbilirrubinemia
direta, e níveis > 10 mg/dl indicam hepatite alcoólica
“grave”. Mesmo na ausência de cirrose pode haver
prolongamento do TAP (> 5 segundos acima do
controle) e hipoalbuminemia severa (< 2,5 g/dl), e tais
achados também denotam “gravidade”. Até 75% dos
pacientes apresentam hipergamaglobulinemia
policlonal. No hemograma, é comum leucocitose com
desvio à esquerda, que às vezes se manifesta como
“reação leucemoide” (leucocitose neutrofílica extrema).
Cerca de 10% dos portadores de hepatite alcoólica têm
também plaquetopenia, devido ao efeito mielotóxico do
Figura 12 Contraturas de Dupuytren álcool e/ou a um hiperesplenismo secundário à
hipertensão porta “transitória”. Anemia macrocítica é
Já a esteato-hepatite alcoólica geralmente se comum, novamente por conta da mielotoxicidade do
manifesta como uma ampla gama de sinais e sintomas. etanol, com ou sem carência de folato associada.
Anorexia, hepatomegalia dolorosa, febre e icterícia
acentuada constituem a síndrome clássica de
apresentação. Cumpre ressaltar que a hepatite alcoólica
também pode ser assintomática, sendo reconhecida
apenas por alterações laboratoriais sugestivas, num
paciente com história de etilismo importante. Ascite e
hemorragia digestiva por rotura de varizes
esofagicogástricas complicam até 30% dos casos de
As alterações laboratoriais encontradas na cirrose
hepatite alcoólica aguda, mesmo com ausência de
alcoólica são indistinguíveis daquelas observadas em
cirrose pré-estabelecida. Casos graves de hepatite
outras causas de cirrose hepática.
alcoólica são mais propensos a desenvolver infecções
bacterianas intercorrentes, e a falência hepática
fulminante pode ser a primeira manifestação de alguns
doentes.
Diagnóstico Laboratorial
A esteatose hepática “pura” promove aumentos
inespecíficos e flutuantes das aminotransferases, com
o restante do hepatograma normal ou levemente
“tocado”.
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