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GillaA NÁ
Maria LIBastos
Jacobus SE
Vamos (voltar a) conversar
sobre sexualidade em psicanálise?
Amor e ódio e seus destinos
nas manifestações da sexualidade1
How about (going back to) talking a
bout sexuality in psychoanalysis?
Love and hatred and their fates i
n manifestations of sexuality
Gilla Maria Jacobus Bastos
Resumo
A formação psicanalítica no Círculo Psicanalítico do Rio Grande do Sul (CPRS) integra e
aprofunda conteúdos que podem causar questionamentos sobre o desenvolvimento do escopo
teórico da psicanálise, ao mesmo tempo que auxilia no enfrentamento dos desafios clínicos
decorrentes da vida profissional nesse campo da psicologia. Inicio a discussão teórica com as
postulações freudianas sobre a relação mãe-bebê, com seu enfoque pulsional, porém levando,
já em conta, a responsabilidade da mãe sobre a construção do eu, desde a constituição do nar-
cisismo com sua importância no complexo edípico mais tarde na vida do sujeito, preparando a
sexualidade do bebê. Levanto o conceito da bissexualidade orgânica (Fliess) e psíquica (Freud)
em jogo nas identificações edipianas com seus possíveis destinos, inclusive, ou principalmen-
te, na sexualidade. Parto em seguida para os autores pós-freudianos, como Green, Laplanche e
Ceccarelli, a fim de atualizar conceitos e impressões acerca do tema tão necessário, a meu ver,
sobre os destinos das pulsões influenciando as relações humanas de amor.
Como aprendemos (ou não) a amar? estabelecida na infância, se possa mostrar in-
Os desafios das manifestações da sexualida- destrutível na vida ulterior.
de na clínica contemporânea, com suas inú-
meras configurações, remetem-nos a rever Freud ([1915] 1996), em Os instintos e
conceitos psicanalíticos importantes, a fim suas vicissitudes, explica que o Eu a princípio
de entender os fatos que se revelam no coti- se constitui de suas pulsões, que o impulsio-
diano da clínica ou fora dela. nam em busca de prazer e, dessa forma, apla-
A cultura hoje, como no tempo de Freud, cam o seu desprazer, obrigando-se a trazer
volta a colocar em evidência a sexualidade (introjetar) do mundo externo o objeto cap-
humana, ou seja, nas suas múltiplas formas turado pelos seus instintos, ou seja, incorpo-
de trabalhar e de amar, de assumir a tarefa rando para si a relação que inaugura o amor
de se responsabilizar por escolhas próprias. -próprio ou o narcisismo. Para se relacionar
O que no tempo vitoriano era reprimido na com o objeto, primeiramente utiliza-se dele a
sexualidade, na atualidade é estimulado. fim de se consolidar. A qualidade dessa rela-
Mas como se constituiria a vida sexual de ção primordial daria início a três sentimen-
um sujeito? Quais manobras a alma humana tos primordiais, a saber: amor, ódio ou indi-
precisa realizar para isso acontecer satisfato- ferença. Então, o objeto é levado do mundo
riamente ou não? externo para o eu a princípio pelas pulsões
Vamos ao desafio. de autopreservação, assim como o odiar, ori-
É fundamental para a sexualidade futura ginalmente, caracterizou a relação entre o eu
do sujeito o modo como foram estabelecidas e o mundo externo alheio com os estímulos
as relações objetais nos seus primórdios, pois que introduz. Já a indiferença se enquadra
ali nasce o afeto. como caso especial de ódio ou desagrado,
Já em Os três ensaios sobre a teoria da se- após ter sido inicialmente seu precursor. Te-
xualidade, Freud ([1905] 1996) argumenta mos, pois, primeiro a indiferença do Eu em
que a sexualidade infantil começa pela des- relação aos objetos externos, depois a per-
trutividade do bebê em relação a sua mãe, ou cepção destes pela possível incorporação no
seja, para se constituir, o bebê primeiramente encontro e só depois se dará a revelação do
incorpora o objeto (mãe), mastiga, engole e objeto pela pulsão.
se identifica; depois domina, controla e agri- Ou seja, se o objeto causa prazer ao Eu,
de; enfim, quando consegue formar um Eu este fica incorporado como objeto amado,
forte, descobre-se como um ser com ou sem fonte formadora desse Eu do prazer purifica-
pênis. Assim, pela relação com o ambiente, do, deixando os objetos de fora como odia-
define-se como menino ou menina. dos ou estranhos mais uma vez.
Freud ([1905] 1996, p. 198) escreve: Primeiro o Eu é indiferente ao mundo
externo; depois que faz o contato com ele e
O componente cruel do instinto sexual se obtém algum prazer, incorpora-o como ob-
desenvolve na infância ainda mais indepen- jeto amado ameaçador, deixando de ser in-
dentemente das atividades sexuais ligadas às diferente. Mas e o ódio? Este seria resultado
zonas erógenas. A crueldade em geral aparece do desprazer e da frustração com o objeto,
facilmente na natureza infantil, já que o obstá- reverso do amor. Passaria a rejeitá-lo para
culo que detém o instinto de domínio diante evitar o desprazer, reeditando a tentativa ori-
da dor da outra pessoa – ou seja, a capacidade ginal de fuga do mundo externo e seus estí-
para a piedade – se desenvolve relativamente mulos. O sentimento seria de repulsa do ob-
mais tarde [...] a ausência da barreira da pie- jeto e depois de ódio. Intensificando a ponto,
dade traz consigo o perigo de que a conexão por vezes, de agredir esse objeto e até mesmo
entre os instintos cruéis e os eróticos, assim destruí-lo.
Segundo Freud (1915), o Eu odeia, abo- Para Freud aqui está a origem afetiva, o
mina e persegue com intenção de destruir modelo que se perpetuará nas relações futu-
todos os objetos que constituem fonte de ras do indivíduo. Se baseada numa relação
desprazer para ele, sem levar em conta que de confiança e amor, com mais prazer do que
significam uma frustração quer da satisfação desprazer, surge um Eu incorporado de sen-
sexual, quer das necessidades autopreserva- sações agradáveis e capaz de buscar relações
tivas. Realmente, pode-se asseverar que os ou um Eu sem busca pelo outro, evitando re-
verdadeiros protótipos de ódio se originam lações com receio de voltar às frustrações já
não da vida sexual, mas da luta do ego para sentidas e repelidas.
preservar e manter-se. Esse Eu construído em seus primórdios
Assim, o amor resulta da satisfação au- estará preparado para uma relação objetal
toerótica do Eu, sendo originalmente narci- ou permanecerá identificado com o objeto
sista, passando somente depois para relação perdido, carecendo de capacidade para tal,
com os objetos, que foram incorporados ao mostrando-se um Eu enrijecido no seu pró-
Eu ampliado, expressando seus esforços mo- prio narcisismo.
tores em direção a esses objetos como fonte Assim, conforme Freud, a mãe inaugura
de prazer. Reconhecemos a fase de incorpo- a sexualidade ao interagir com seu bebê que
ração e devoramento como sendo a primeira pode fixá-la de forma saudável ou nem tanto,
dessas finalidades – um tipo de amor que é através desta dupla via: pulsão e objeto.
compatível com a abolição da existência se- Os afetos (a relação de objeto) que surgem
parada do objeto e, que, portanto, pode ser lá na relação da dupla mãe-bebê serão deter-
descrito como ambivalente. Na fase mais minantes para o desenvolvimento psicosse-
elevada da organização sádica anal pré-geni- xual do sujeito. Implica a formação da sua
tal, a luta pelo objeto aparece sob a forma de identidade, seu gênero e seu caráter, pois, ao
uma ânsia de dominar, para a qual o dano ou passar pela fase fálica, onde agora a criança –
aniquilamento do objeto é indiferente. não mais o bebê – começa uma relação mais
Freud ([1915] 1996, p. 143) afirma: intensa com seu corpo e da outra pessoa e
com o mundo. Se for um corpo erotizado,
[...] amor nessa forma e nessa fase preliminar reconhecido e aceito pelos pais, conseguirá
quase não se distingue do ódio em sua atitude também ela se reconhecer, ter prazer e satis-
para com o objeto. Só depois de estabelecida fação própria para substituí-los pelo demais.
a organização genital é que o amor se torna o Nesse jogo entre amor e ódio-indiferença
oposto do ódio [...] O ódio, enquanto relação com o objeto, o sujeito vai se formando como
com o outro, é mais antigo que o amor. pessoa de afetos e relações, do narcisismo ao
Édipo, reconhecendo-se como homem, mu-
Em outro texto, porém, como Luto e me- lher ou ainda bissexual.
lancolia ([1915] 1996), Freud esclarece que
o investimento no objeto, ao se deparar com Sexualidades no jogo do amor/ódio
frustrações, pode retroceder ao narcisismo Saindo um pouco das relações objetais e pul-
identificando-se com ele e, assim, apesar dos são, Freud, em Três ensaios sobre a teoria da
conflitos com a pessoa amada, não precisa sexualidade ([1905] 1996), propõe reconhe-
renunciar a ela, substituindo a relação eró- cer também uma “bissexualidade psíquica”
tica. Ocorre aqui uma identificação com o (Freud) a partir da “bissexualidade orgânica”
objeto a fim de não perdê-lo. (Fliess). A bissexualidade orgânica foi pro-
Portanto, essa regressão, à escolha objetal posta por Fliess (cartas de Fliess e Freud), e
narcísica pela identificação, pode ser a pri- Freud desmistificou esse conceito através da
meira forma de amar. bissexualidade psíquica, descrevendo a ques-
tão do monismo pulsional: ativo e passivo tais para o retorno ao discurso sobre a sexua-
para ambos, masculino e feminino. Afirmou lidade.
também que a pulsão é essencialmente mas- A razão de Green falar sobre sexualida-
culina em ambos. de obriga os psicanalistas a rever constante-
Depois em Uma criança é espancada mente suas questões nessa área?
Freud ([1919] 1996, p. 215) amplia seu con- Ele nos disse que o problema não é sim-
ceito referindo que no fato da constituição ples. Lembra que Freud justificadamente
bissexual dos seres humanos a força moti- constituiu as fundações de sua concepção
vadora da repressão, em cada indivíduo, é sobre a vida pulsional, que é, a uma só vez,
uma luta entre os dois caracteres sexuais. O o que há de mais primitivo e solipsista na
sexo dominante da pessoa, aquele que é mais psique, e o que em princípio nada conhece a
intensamente desenvolvido, reprimiu no in- não ser o Isso. Mas de fato, mesmo adotando
consciente a representação mental do sexo esse ponto de vista, a pulsão revela a existên-
subordinado. Portanto, o núcleo do incons- cia do objeto apto a satisfazê-la, assim como,
ciente (quer dizer, o reprimido) é em cada inversamente, o objeto é revelador da pulsão
ser humano, aquele lado dele que pertence (Green, 2008, p. 87).
ao sexo oposto. Assim, Green tornou-se um defensor da
Freud desenvolve sobre identificações, dupla pulsão-objeto para dar conta da clí-
entre outras obras, em Psicologia das massas nica, e a solução não está nem de um lado,
e análise do eu, disse que a psicanálise conhe- nem de outro. A sexualidade está presente
ce a identificação como a mais antiga mani- desde o princípio na vida do sujeito. Consi-
festação de uma ligação afetiva a outra pes- dera a sexualidade do bebê excitado com o
soa. Ela desempenha um determinado papel afeto materno durante a amamentação, por
na pré-história do complexo de Édipo. Mas exemplo.
harmoniza-se muito bem com o complexo Na mesma questão acrescenta:
de Édipo, e ajuda a preparar o terreno para
este (Freud, [1921] 2011, p. 60). O ponto de vista epistemológico moderno
Em O eu e o isso ([1923] 1996) Freud vai enfatiza a dimensão da relação, que deve pre-
afirmar ainda que no jogo identificatório da valecer sobre a concepção da definição de um
demolição do complexo de Édipo, pareceria objeto considerado por si só [...] cabe insistir
que em ambos os sexos a força relativa das na dimensão assimétrica da relação (Green,
disposições sexuais masculinas e femininas 2008, p. 88).
é o que determina se o desfecho da situação
edipiana será uma identificação com o pai ou Escreve ainda que na Inglaterra, particu-
com a mãe. A bissexualidade é talvez, a res- larmente sob influência de Melanie Klein, a
ponsável pelas vicissitudes subsequentes do ênfase colocada na destrutividade eclipsa a
complexo de Édipo. atenção dada à sexualidade. Assim, a sexuali-
Parece que entra em jogo na constituição dade sofre ataques conjugados da psicologia
do sujeito e na sua relação com o outro a con- do ego, psicologia do self, da intersubjetivi-
dição da bissexualidade, oferecendo nuances dade e da perspectiva das relações de objeto
variadas aos afetos ali imbricados. (Green, 2008, p. 90).
O autor que se interessou por integrar es- Porém, Lacan conserva a questão do de-
ses dois eixos da psicanálise de forma pro- sejo e Green (2008, p. 88). afirma:
funda foi André Green. Em sua obra Orien-
tações para uma psicanálise contemporânea A psicanálise francesa pode se orgulhar pelo
(2008), insistiu em sair do debate preponde- fato de que, mais além de suas divisões (laca-
rantemente de uma escola de relações obje- nianos e não lacanianos), todas as correntes
estão de acordo em reconhecer na sexualida- falta, possa encontrar o objeto em seu próprio
de um papel maior, mesmo que sejam inter- corpo.
pretados de formas diferentes. • A inscrição de traços dessa experiência per-
manecerá no inconsciente e não desaparecerá
E com audácia propõe que O esboço da jamais.
psicanálise enuncia uma mudança notável. A
teoria das pulsões trata de duas pulsões fun- Green ainda mostra surpresa de que, no
damentais: eros e pulsão da destrutividade. desenvolvimento da teoria pós-freudiana,
tão importante para todos, tenha desapare-
Quanto à sexualidade, ela não é mais uma cido a dimensão erótica ligada as às trocas
função que já não está diretamente ligada à entre mãe e criança. Disse que isso aconteceu
teoria das pulsões (Green, 2008,). por múltiplas razões, entre as quais, o purita-
nismo tenha sua parte, como “[...] se as mães
Pois, segundo Green (2008, p. 88), anglo-saxãs não fizessem amor” (Green,
2008, p. 89). Finaliza com a questão:
[...] deve-se substituir aqui a visão centrada
sobre um elemento particular, para substituí- [...] a teoria das pulsões de Freud sofreu uma
-la pelo conceito de uma corrente erótica que verdadeira repressão por parte dos psicanalis-
começa com a pulsão e suas moções pulsio- tas, prontos para aproveitar todas as ocasiões
nais e prolonga-se naquilo que se manifesta para livrar-se dela (Green, 2008, p. 90).
no prazer-desprazer, expande-se no estado de
expectativa e busca de desejo, alimentado por Ele trouxe a questão da sexualidade nova-
representações inconscientes e conscientes, mente para o debate psicanalítico, que se faz
organiza-se sob forma de fantasias incons- necessário, devido à retomada desse tema na
cientes ou conscientes, ramifica-se na lingua- clínica contemporânea. Com sua diversida-
gem erótica e amorosa das sublimações. Po- de através das manifestações da sexualidade,
demos ver, com efeito, que tudo isso remete à clínica de hoje nos desafia diretamente.
questão essencial das relações da sexualidade O autor refere no livro Narcisismo de vida,
e do amor, relações que suscitam ainda mui- narcisismo de morte (Green, 1988) que o
tas interrogações. encontro mãe-bebê se daria pela necessária
ramificação de dois aparelhos funcionais li-
Green disse que Freud revelou ao mundo gados um ao outro, pela diferença potencial
que a mãe é a primeira sedutora da criança devido ao seu desenvolvimento desigual (co-
através dos cuidados e da atitude geral que bertura do Isso-Eu da criança pelo Eu-Isso
tem com ela. da mãe. Essa primeira articulação se rami-
Aqui imbricam quatro ideias: ficaria sobre o aparelho paterno. Cada um
desses três aparelhos poderia servir de me-
• As zonas erógenas são despertadas pelos diação para os outros dois. É necessário con-
cuidados maternos, mas, inibidas no seu fim, siderar que a atribuição de um sexo à criança
retira-se a ideia do trauma. por um dos pais age como um tipo de im-
• Essa relação erótica inscreve-se num con- pressão psíquica. Essa impressão constitui-se
texto puramente marcado pelo selo do amor. na sequência percepção do corpo da criança
Mãe e criança estão reciprocamente enamo- como sexuada, a ser confirmada ou infirma-
radas uma da outra. da nessa forma por um dos pais. Deve-se
• No despertar das zonas erógenas pela mãe portanto, atribuir à fantasia parental, um pa-
(perversão polimorfa), constitui-se o autoe- pel de potente indutor no desenvolvimento
rotismo, onde a criança, em um momento de da monossexualidade individual.
Parece que estamos para além da necessi- Nos transexuais, devido a sua história
dade de entender como se dá a relação obje- identificatória e mesmo recalcando as moções
tal somente, proponho que pensemos sobre bissexuais, se manifestarão as não correspon-
suas consequências nas sexualidades. O iní- dentes ao seu sexo anatômico. Assim, o re-
cio da vida afetiva humana determinando o torno desse recalcado terá para ele a conota-
rumo da corrente erótica e formação do Eu. ção da ordem do estranho, não reconhecido.
Laplanche (2001, p. 226) também já des- Parece que desde bebê o ser humano vai
crevia o seguinte sobre as identificações: “A aprendendo e fazendo o destino das suas
personalidade constitui-se e diferencia-se futuras relações, de como ele se apresentará
por uma série de identificações”. na sua identidade, em um somatório de vi-
O autor contemporâneo e brasileiro vências satisfatórias ou não, determinando o
Paulo Roberto Ceccarelli (2017), estudioso rumo da sua sexualidade. O equilíbrio dessas
do tema, em Transexualidades, refere que o forças internas em contato com os seus cui-
eu é formado a partir de identificações que dadores: mãe, pai, família e cultura determi-
tomam o lugar de investimentos abandona- narão seu formato de amar.
dos relativos aos objetos dos dois sexos. O O bebê é um ser desamparado, mas já
eu é precipitado de identificações (Freud, sexuado, como aponta Green. Ocupará um
[1923] 1996 apud Ceccarelli, 2017, p. 117). lugar no seu meio e receberá uma enxurra-
A identificação com os dois sexos é o que da de projeções e deslocamentos narcísicos
melhor traduz a noção de bissexualidade dos seus pais, tendo que sobreviver a esse
e, graças a essas identificações, a criança fenômeno herdando e construindo um Eu
introjetará, além das figuras parentais, as capaz de seguir em frente com determinação
referências simbólicas do masculino e do para ocupar um lugar na cultura, identifica-
feminino. do com regras organizadoras internas, mas
Ceccarelli reforça a importância do papel que permitam seu contato com o outro ser
da bissexualidade psíquica na construção do humano para juntos evoluírem a espécie. So-
psiquismo, que seria responsável pelas mani- brepor a destrutividade, eis a função da se-
festações sexuais efetivamente no homem e xualidade, seria a manifestação de pulsão de
na mulher. Seria determinante para a escolha vida e morte fusionadas. O equilíbrio entre o
de um objeto ou mais de um. sadismo e masoquismo.
Chegamos, assim, ao Édipo, momento or- Para Green (2010), a satisfação é acompa-
ganizador tanto da formação da identidade nhada do investimento erótico, fundamento
quanto da bissexualidade psíquica. do narcisismo primário e dos investimentos
Diz Ceccarelli (2017, p. 118) que, à medi- objetais que entram em conflito com a pul-
da que a diferença entre os sexos se afirma, a sionalidade e a realidade. O recalcado está
bissexualidade se virtualiza: persistir na rei- ligado à sexualidade.
vindicação bissexual equivale recusar a dife-
rença dos sexos. Passado o período edipia- Considerações finais
no, o sujeito acederá, na maioria dos casos, a Vimos que Freud teve a coragem de des-
uma identidade ‘monossexual’ em harmonia mistificar o campo humano da sexualidade,
com seu sexo anatômico. A orientação re- explicando o quanto é errante e precisa ser
calcada permanecerá ativa no inconsciente, ligada aos afetos para se constituir de for-
manifestando-se nos desejos inibidos em sua ma saudável e não perversa. Apontou que
finalidade, e na atividade sublimatória. O re- o ódio seria uma busca de preservação dra-
calcamento de uma das moções pulsionais mática de sobrevivência narcísica e quanto o
dependerá de fatores que fogem à predispo- amor seria o resultado de contatos amorosos
sição inata. de duplo sentido: o bebê incorpora o que é
Keywords: Object relations, Sexuality, FREUD, S. O ego e o id (1923). In: ______. O ego e
Identifications, Love, Hate. o id e outros trabalhos (1923-1925). Direção geral da
tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago,
1996. p. 25-71. (Edição standard brasileira das obras
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São Paulo: Escuta, 1988.
CECCARELLI, P. R. Transexualidades. São Paulo:
Pearson, 2017. GREEN, A. Orientações para uma psicanálise
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FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade SBPSP, 2008.
(1905). In: ______. Um caso de histeria, três ensaios
sobre a teoria da sexualidade e outros trabalhos (1901- LAPLANCHE, J. Vocabulário da psicanálise. São
1905). Direção geral da tradução de Jayme Salomão. Paulo: Martins Fontes, 2001.
Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 119-229. (Edição
standard brasileira das obras psicológicas completas Recebido em: 28/05/2019
de Sigmund Freud, 7). Aprovado em: 25/06/2019
Sobre a autora