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Revista de Psicologia
LEVAR?" O AMOR ROMÂNTICO E O AMOR
Vol. 13, Nº. 18, Ano 2010
PATOLÓGICO EM QUESTÃO
"Je vends un organe, qui va acheter?" l'amour
romantique et l'état d'amour pathologique
ABSTRACT
Cette étude est consacrée au thème de l'amour pensé par deux aspects,
en prenant comme point de départ le discours de l'amour romantique
comme un moyen de promesses de bonheur, et le statut de l'amour
dans la psychanalyse freudienne en ressautant le caractère incomplet, la
configuration pathologique et, surtout, la compulsion de répétition. De
cette manière, il aborde la sexualité comme le moyen par lequel l'amour
est délimitée; le parcour que l'individu est soumettre, et qui détermine
le choix d'objet d'amour qui porte sur les prototypes de sa relation
infantile de base. Il met l'accent sur la compulsion de répétition afin
d'avalizer le déménagement déranger le sujet dans la recherche de
l'exhaustivité est de diriger une autre à une relation d'amour. Il
examine l'impossibilité d'articulation entre l'amour et bonheur;
Anhanguera Educacional Ltda. d'amour le fait que confère une fonction de dissimulation de l'existence
de l'individu, et le bonheur qu'un seul épisode. Il est conclu que la
Correspondência/Contato
Alameda Maria Tereza, 2000 pathologie de l'amour ne se situe pas par rapport à la vie tel sujet, mais
Valinhos, São Paulo les premières relations.
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rc.ipade@aesapar.com
Keywords: amour romantique; amour pathologique; psychanalyse; compulsion
Coordenação de répétition; bonheur.
Instituto de Pesquisas Aplicadas e
Desenvolvimento Educacional - IPADE
Artigo Original
Recebido em: 26/12/2010
Avaliado em: 27/6/2011
Publicação: 10 de agosto de 2011 143
144 "Estou vendendo um realejo, quem vai levar?" o amor romântico e o amor patológico em questão
1. INTRODUÇÃO
O erro é partir da idéia de que existem a linha e a agulha, a moça e o rapaz, e entre um e
outro uma harmonia preestabelecida, primitiva, de tal maneira que se alguma
dificuldade se manifesta, só pode ser por alguma desordem secundária, algum processo
de defesa, algum acontecimento puramente acidental e contingente.
Jaques Lacan1
Em todos os tempos, em todos os lugares e entre todos os povos, o amor se faz presente e
comporta-se como a mais importante mola propulsora da vida. Suas manifestações estão
presentes nas mais diversas narrativas históricas (mitos, filmes, cantigas, arte, literatura,
poesia, pintura, teatro, religião etc.).
1LACAN, Jaques, O Seminário, Livro 4 – A Relação de Objeto (1956-1956). Rio de Janeiro: JZE, 1995.
2 Trecho da música “Realejo” de Chico Buarque. Realejo: É uma espécie de instrumento musical portátil cujo fole é
adicionado por um cilindro movido à manivela, geralmente tem um periquito que pega as cartas com uma mensagem de
sorte para a pessoa que pediu a musica.
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O primeiro capítulo lança foco ao tema do amor sob a faceta mais idealizada e
esférica, no sentido de união perfeita de duas metades. Foi sublinhado o estatuto do amor
romântico, traçando algumas considerações sobre a história deste conceito e suas
ideologias, suas atribuições e expectativas herdadas culturalmente. Para este estudo,
foram consideradas as contribuições de Zimmerman (2010) que articula os diferentes
contextos e atribuições do amor; e Zalcberg (2007) no que concerne a manifestação do
amor romântico herdado da civilização; foi considerada a idéia de Rougemont (1988)
sobre a vivência do fenômeno amoroso no Ocidente e Oriente; e finalmente Jones (1989),
Gay (1989) que contribuíram com a parte histórica do movimento psicanalítico,
apontando que, desde o seu nascimento, esta teoria já dialogava diretamente com as
questões do amor. A idéia central do capítulo é oferecer ao leitor uma reflexão sobre como
o discurso romântico é afirmado universalmente como via de promessa para a felicidade
sob um ideal esférico e almejado através do encontro absoluto com o outro, como nos de
contos de fadas – “Era uma vez (....) e viveram felizes para sempre! FIM” A opção por
apresentar esta visada do amor romântico se deu pelo fato de que é, justamente, sob estas
premissas que o discurso do paciente está calcado, pois é na busca (e na insatisfação) deste
ideal que ele se apresenta à análise.
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Desde a antiguidade, o amor é objeto de discussão. Este capítulo traz à baila uma
proposta de reflexão sobre o discurso do amor romântico, que é afirmado universalmente
como via de promessa para a felicidade sob um ideal esférico e almejado através do
encontro absoluto com o outro, como acontecem nos de contos de fadas. Os conceitos e os
breves contextos do amor aqui apresentados não têm como objetivo um estudo profundo
e completo sobre a história do termo e do movimento do fenômeno amoroso. A opção por
apresentar esta visada do amor romântico se deu pelo fato de que é justamente sob estas
premissas que o discurso do paciente está calcado, pois é na busca (e na insatisfação) deste
ideal que ele se apresenta.
Na mitologia este ideal de amor se apresenta com o cortejo dos deuses e homens,
enfocando-se, com bastante propriedade, as vicissitudes do amor, principalmente
conjugal, em suas várias formas de acontecer e com um misto de sentimentos: ciúmes,
inveja, ódio, culpa, disputa, ameaças, perversão, assim como se passa nas experiências
amorosas no mundo todo (ZIMMERMAN, 2010).
3 Trecho da Poesia: “He Wishes For The Cloths Of Heaven”, de Willian Butler Yeats. Tradução de Ricardo Cabús. Título
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A visão cristã em relação ao amor reconhece que o amor “puro” e a luxúria estão
muito próximos. O que se prega é a dissociação entre o amor espiritual e amor carnal,
sendo que este último é associado ao pecado. Em toda a história da religião, a igreja
tomou cautelas rígidas, a fim de evitar que o homem se entregue à luxúria e à
sensualidade, e tenta disseminar a “purificação” afirmando que o sexo – ou amor carnal -
tem finalidade estrita de reprodução. (ZIMMERMAN, 2010). Com uma influência atuante,
as religiões tentam exercer esta função reguladora da sociedade, dos modos rústicos e
agressivos do homem, fazendo apologia ao amor virtuoso, altruísta, e solidário.
(ZALCKBERG 2007).
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148 "Estou vendendo um realejo, quem vai levar?" o amor romântico e o amor patológico em questão
intimida à assumir a paternidade de sua criança. Assustado com as atitudes de Anna, cujo
sentido sexual ele não reconhecia e ignorou, Breuer abandona sua paciente e refugia-se na
Itália para uma segunda lua de mel com sua esposa, quem de fato engravida. Chega-se a
este ponto histórico, que desvia os rumos de Breuer e interrompe a experiência de
tratamento, que Anna O. nomeou de talking cure - a cura pela palavra - que ainda não é a
idéia de inconsciente e associação livre, mas apontava que a via já estava aberta. (GAY,
1989) É a partir deste encontro de um homem e uma mulher – Josef Breuer e Anna O. –
que Freud enveredará e, a primeira forma de amor identificado por ele é o amor da
histérica pelo pai, pois é a seu pai que Anna rende suas mais fiéis homenagens, inclusive
adoecendo da mesma doença mortal dele, por amor (ZALCBERG, 2007).
A sexualidade humana que foi proposta por Freud (1905) pouco tem a ver com
reprodução. Ela é, na verdade, o viés por onde o amor se delineia. O que a psicanálise
chamou de sexualidade nunca esteve ligado à idéia de uma união dos dois sexos no
intuito de produção prazer dos órgãos genitais. Para haver este encontro é necessário que
os indivíduos sejam levados a isso por uma “vontade”, uma “necessidade”; e requer uma
maturação. E é justamente esta maturação, ou adequação do indivíduo, que faz com que a
sexualidade humana não se reduza às finalidades de reprodução, ao contrário, ela é
permeada por paixões, sensações, fantasias, malícias, angústias e culpas (MENEZES,
2010).
4
Poema de Carlos Drummond de Andrade, intitulado “Quadrilha”, de 1930.
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A partir da introdução destes termos, que são inéditos, Freud (1905) discorre
catalogando as Aberrações Sexuais - fato que causa impacto em seus leitores e
principalmente aos médicos, que na época, consideravam em geral a homossexualidade
(inversão), a pedofilia (imaturos sexuais) e a zoofilia (animais) como expressões de
degenerescência (FREUD, 1905, p. 162). Ao descrever os possíveis desvios em relação ao
objeto sexual, Freud (1905) tem a intenção de fornecer a idéia de que a sexualidade é
indeterminada e adquirida, ao contrário do que se pensava, e exige que cada indivíduo
encontre sua solução levando em conta a necessidade de se adequar às normas e aos
valores da sociedade. Os insucessos desta adequação existem, e formam os sofrimentos
neuróticos e seus sintomas, inibições, compulsões, inversões, angústias (FREUD, 1905).
5
O conceito de pulsão foi empregado por Freud desde 1905, e é definido como a carga energética que se encontra na origem
da atividade motora do organismo e do funcionamento psíquico inconsciente do homem (ROUDINESCO, 1998).
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150 "Estou vendendo um realejo, quem vai levar?" o amor romântico e o amor patológico em questão
oitavo ano de idade. O período anterior a esta amnésia infantil – que ocorre entre o sexto
ou oitavo ano de vida – é justamente o momento em que a criança está mais suscetível
diante de impressões, estas que são esquecidas, mas deixam traços profundos e tem
efeitos determinantes no desenvolvimento subseqüente, pois o adulto manifesta estas
impressões de maneira vívida.
6
Estas contribuições foram extraídas do Café Filosófico, Tema: Sexualidade: O que Freud dizia sobre isso?, proferido pela
professora Msc. Ruskaya Rodrigues Maia e Leandro Borges. Anápolis, 27 de novembro de 2010.
7 A primeira vez que Freud faz uma indicação explícita do complexo de Édipo é na carta à Fliess, nº 71 de 15 de outubro de
1897 (FREUD, 1897, p. 283). A expressão “Complexo de Édipo” só aparece como conceito psicanalítico em 1910, (FREUD,
1910). As contribuições cronológicas, sobre o breve histórico deste conceito, tem como fonte “Édipo” Psicanálise Passo-a-
Passo 89 da autora Teresinha Costa, ano 2010. Editora Zahar.
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maior parte desses objetivos sexuais infantis e deixar atrás de si uma profunda
modificação em sua relação com os pais. (...) os instintos [pulsões] são descritos como
inibidos em seu objetivo. (FREUD, 1921, p. 141)
A partir das observações sobre a existência de uma metade que fora perdida para
sempre, Freud acata as evidências sobre um descompasso, uma defasagem irrecuperável
entre o sujeito e o seu objeto que possa vir a lhe corresponder nos desfiladeiros da pulsão,
porém na incompletude. Estas elaborações da psicanálise suspendem a ilusão de que o
sujeito pode satisfazer-se com seus objetos de forma retilínea e direta, e completa.
8 Estas contribuições foram extraídas do Café Filosófico, Amor para a Psicanálise, proferido pela professora Msc. Ruskaya
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152 "Estou vendendo um realejo, quem vai levar?" o amor romântico e o amor patológico em questão
As crianças amam em primeiro lugar a si próprias, e apenas mais tarde é que aprendem
a amar os outros e a sacrificar algo de seu eu aos outros. As próprias pessoas a quem
uma criança parece amar desde o início, no começo são amadas pela criança porque esta
necessita delas e não pode dispensá-las – por motivos egoístas, mais uma vez. (FREUD,
1914a, p. 229)
Neste texto Freud (1910) diz que há tipos definidos de escolha de objeto, que são
estabelecidos por duas pré-condições, que a mulher escolhida pelo homem seja
comprometida e que seja de má reputação. A primeira destas pré-condições, estabelece
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que necessariamente deva existir “uma terceira pessoa, prejudicada”9. A mulher escolhida
nunca é livre e desimpedida, é sempre aquela sobre a qual “outro homem possa
reivindicar direitos de posse, como marido, noivo, ou amigo”. A segunda pré-condição,
Freud salienta que talvez seja menos freqüente, mas digna de nota; o que se estabelece é
um interesse por mulheres que sejam, de alguma forma, “sexualmente de má reputação,
cuja fidelidade e integridade estejam expostas a alguma dúvida” (p. 150). Freud designa
este tipo de escolha como amor à prostituta. Sobre a má reputação da mulher escolhida,
evoca a infidelidade da mãe, que concedeu a relação sexual ao pai, e não ao filho.
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Para explicar a primeira precondição para o amor, Freud apela para o Complexo de Édipo (primeira vez que o termo é
utilizado como conceito) uma vez que o terceiro injuriado refere-se ao pai.
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4. O REENCONTRO
O que tu tens e queres saber (porque te dói), não tem nome. Só tem (mas vazio) o lugar
que abriu em tua vida a sua própria falta. A dor te dói pelo avesso, perdida nos teus
escuros. É como alguém que come não o pão, mas a fome. Sofres de não saber o que não
tens e falta, num lugar que nem sabes, mas que é na tua vida, quem sabe é em teu amor.
O que tu tens, não tens.
Thiago de Mello
A teoria da repetição para a psicanálise freudiana é marcada por dois momentos onde o
termo aparece como conceito, precisamente, em “Recordar, Repetir e Elaborar” (1914b) e
“Além do Princípio de Prazer” (1920) obra em que o conceito de repetição é ampliado.
Porém, o termo surge em diversas ocasiões durante a obra de Freud, e paralelamente, em
“Projeto para uma Psicologia Científica” (1895).
10
O surgimento da segunda teoria das pulsões, que baseia-se num conceito de pulsão ampliado, não implica uma rejeição
ou abandono da teoria anterior.
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Prazer se caracteriza por uma diminuição da quantidade de energia que circula pelo psiquismo.
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articula de modo específico nesta dinâmica, onde o sujeito se serve do amor mesmo sendo
fonte de desconforto, desprazer e infelicidade. A pulsão de morte, silenciosa – que opera
no sentido da destruição – que está contida no amor, define-se por esta teimosia
(repetição) revelada nos movimentos do sujeito ao se direcionar de um a outro, e mais
outro amor, pelos desfiladeiros da pulsão. E o que ele encontra, na verdade reencontra, é a
repetição na tentativa de promover o encontro absoluto com o outro, porém há um
impedimento decisivo, e o que se consuma de fato, sempre e novamente, é a falta
constitutiva do sujeito.
Será possível amar e ser feliz? Em “O mal-estar na civilização”, que a princípio fora
intitulado como “A Infelicidade da Cultura”, Freud (1930) postula que o ser humano tem
como propósito e intenção de vida obter felicidade e feliz permanecer, evitando
sofrimento e desprazer, e experimentando intensos sentimentos de prazer. Contudo
Freud destaca as origens do mal-estar; são elas: o corpo (que está fadado à decadência e
dissolução); o mundo externo (que pode voltar-se contra o sujeito “com forças de
destruição esmagadoras e impiedosas” (p. 95); e os relacionamentos com os outros
homens, uma vez que ele engloba os investimentos amorosos feitos pelo sujeito). Para
Freud (1930) o desprazer e o sofrimento definem as relações humanas.
Heloisa Caldas (2008), em seu artigo “O Amor Nosso de Cada Dia”, comenta os
ensinamentos freudianos não se surpreendendo com o fato de que as pessoas estejam
mais especializadas em evitar o sofrimento (inclusive substituindo satisfações), do que
esperar a felicidade; quanto a esta ultima o sujeito é amador. Pode-se interpretar que o
amor não atesta a felicidade; cita Freud:
Nunca nos achamos tão indefesos contra o sofrimento como quando amamos, nunca tão
desamparadamente infelizes como quando perdemos o nosso objeto amado ou o seu
amor. Isto, porém, não liquida com a técnica de viver baseada no valor do amor como
um meio de obter felicidade. (FREUD, 1930, p. 101)
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Para finalizar este capítulo, é justo que se apresente um recurso ilustrativo para
as considerações deste trabalho; a opção é o filme Comer Rezar Amar 14. O próprio título
do filme já é passível de discussão. Os três verbos são apresentados em voz ativa, como
sugestão para que a personagem se movimente em busca da satisfação, de preencher um
vazio.
Elizabeth (Liz) também está nesta jornada em busca de amar, de falar sobre o seu
relacionamento. Vive em Nova York com seu esposo e percebe seu casamento
caminhando rapidamente para o fim diante de uma questão: ela não se vê na relação. O
casal não compartilha os mesmos projetos e desejos. Há um rompimento de um ideal de
completude. Há um desencontro!
Logo após o divórcio Liz assiste no teatro a uma peça de sua própria autoria
merece uma ênfase e até um recorte da fala da atriz endereçada ao seu amante:
- Mulher: “Desapareço na pessoa que amo. Sou o membro permeável. Se te amo você pode
ter tudo, meu dinheiro, meu tempo, meu corpo, minha fala. Assumo suas dívidas, e projeto várias
qualidades que você nunca imaginou ter. Te darei tudo isso e mais, até eu ficar tão esgotada que só
poderei me recuperar me apaixonando por outro”.
14 Titulo original: (Eat Pray Love), lançamento: 2010 (EUA), direção: Ryan Murphy. Atriz: Julia Roberts (Elizabeth), duração:
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Liz reflete sobre seu novo amor fazendo uma analogia, pois sente que mergulhou
rapidamente nos braços de seu amado, assim como um personagem de desenho animado
pula de um trampolim e mergulha em um copo de água, submergindo totalmente. Afinal,
amar é desaparecer na pessoa que se ama!
O que insiste em vir à tona é a incompletude, e mais uma vez Liz não se vê na
relação com seu novo objeto de amor, percebe que não pertence mais àquela nova relação.
O amor também é episódico, mal Liz está no amor, e ela não está mais. O desejo é buscar
sempre e novamente por algo que ela não consegue nem ao menos nomear e identificar,
algo que lhe traga o sentido, posto que o amor tirou-lhe os sentidos inclusive o apetite, o
prazer em comer.
O passeio em Roma traz outra analogia. Liz vai ao palácio que fora construído
pelo Imperador Octávio Augusto com a finalidade de guardar suas coisas. Com a chegada
dos bárbaros, o que para O Grande Augusto parecia um mundo, transformara-se em
ruínas, e Roma cresceu em volta destes escombros como uma ferida preciosa, um antigo
amor que não se pode esquecer. Tudo foi destruído, queimado, adaptado, mas continua
sendo o palácio de Octávio Augusto. O medo que consome Liz é justamente a
possibilidade de suas construções se tornarem ruínas, e ao pensar neste seu medo se
tranqüiliza e entende que de fato as ruínas são um presente, o caminho para a
transformação. Em O mal-estar na civilização, Freud (1930) explica que o inconsciente é
atemporal e compara a vida mental com a cidade de Roma, a cidade eterna. Onde o
desenvolvimento da grande metrópole se mescla com as ruínas do passado. Na vida
psíquica nada é destruído com o tempo e as primeiras fases do desenvolvimento, ou seja,
a sexualidade, mostram-se intactas, e “o elemento primitivo se mostra preservado ao lado
da versão transformada que dele surgiu” (FREUD, 1930, p. 77).
Retomando a trama, Liz pega o seu segundo bilhete e vai à Índia, em busca de
sentido, e se encoraja para atravessar as suas ruínas, seguir um outra sugestão: rezar. No
filme o sentido de rezar não está ligado a uma religião/religiosidade, e sim à busca pela
devoção à alguém.
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Ainda em se tratando dos objetivos deste estudo, é pertinente expor que uma das
metas seria conceituar amor patológico como uma idéia universal, se possível, com todo
um critério de avaliação, diagnóstico, e prognóstico; para tanto seria necessário
primeiramente esmiuçar o conceito de amor “normal”. Contudo, não foi possível dar este
desfecho a nenhuma das duas condições; não pela via da Psicanálise.
Surgiu uma nova questão: onde reside a patologia que se evidencia na relação
amorosa, se não é no amor? Com base nos ensinamentos de Freud que foram propostos
neste estudo, sabe-se que a experiência amorosa traz os protótipos dos primeiros amores,
“quando amamos, não fazemos mais do que repetir o reencontro com o objeto
fundamental, objeto anterior à barreira do incesto, ora substituído por outro” (FREUD,
1910, p.18). Então o sujeito “adoece” singularmente de seu romance familiar, de suas
primeiras relações e renúncias.
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Além desta contribuição teórica acerca do amor enquanto sintoma analítico e via
de cura, é importante retomar a questão da tentativa de conceituar amor patológico, pois é
daqui que surge uma outra contribuição de ordem prática para a idealização de novas
pesquisas psicanalíticas sobre o tema. Quando se pensa em sofrimento na relação amorosa
(dificuldade de aplacar, partição, ruptura, ciúmes, medo e conflitos), existe uma tendência
em classificar o amor patológico como um transtorno, um termo psiquiátrico. Porém, é
impossível enumerar e classificar universalmente sofrimentos que são tão peculiares,
mesmo porque a psicanálise é subversiva a estas rotulações - isso em nome da
singularidade de cada um.
REFERÊNCIAS
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Rodrigues Maia e Leandro Borges. Faculdade Anhanguera, Anápolis, nov. 2010.
CAFÉ FILOSÓFICO. O Amor Para a Psicanálise. Proferido pela professora Ruskaya Rodrigues
Maia. Faculdade Anhanguera, Anápolis, set. 2010.
COSTA, Teresinha. “Édipo” Psicanálise Passo-a-Passo 89. Rio de Janeiro: JZE, 2010.
COSTA, Alyne Loren. O que não cessa de se atualizar. Almanaque On-line, Minas Gerais, ano 4,
n.06, jan./jun. 2010. Disponível em: <http://www.institutopsicanalise-
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EAT PRAY LOVE, [Comer Rezar Amar] Direção: Ryan Murphy, EUA, 2010. DVD, duração: 133
min, gênero: Drama / Comédia.
FREUD, Sigmund. Edição Standard Brasileira das Obras Completas. 1.ed. Rio de Janeiro: Imago.
______. Projeto Para uma Psicologia Científica. vol. I, 1950 [1895].
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______. Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade. vol. VII, 1905.
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